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Regulação e integração metabólica Christiane Fonseca Regulação e integração metabólica 2 Apresentação Neste estudo, vamos aprender sobre a regulação metabólica e a importância de se entender as reações químicas que ocorrem no organismo, serão citadas as integrações metabólicas das proteínas, dos carboidratos e dos lipídios. Vamos acompanhar e entender todas as integrações e reações que ocorrem em nosso organismo. Corpos cetônicos e condições patológicas associadas Segundo Nelson e Cox (2014), uma fração importante da acetil-CoA produzida na oxidação de ácidos graxos no fígado é convertida a acetoacetato e D-β-hidroxibutirato. O acetoacetato sofre descarboxilação espontânea, originando acetona; ambos são conhecidos como corpos cetônicos. A acetona não pode ser reconvertida a acetil-CoA, sendo liberada pelo suor, pelo hálito e pela urina, sendo esta última via de excreção utilizada em testes de corpos cetônicos urinários (cetonúria) por meio de reações com reagentes específicos. O teste de cetonas urinárias fornece dados para o diagnóstico precoce da cetoácidos, que podem levar ao coma diabético. O jejum prolongado é outra condição na qual os corpos cetônicos podem aparecer na urina em grande quantidade. A cetogênese (síntese dos corpos cetônicos) ocorre na matriz mitocondrial, pela condensação de três moléculas de acetil- CoA em duas etapas (MARZZOCO; TORRES, 2018; PINTO, 2017). A síntese de corpos cetônicos ocorre em grande parte no fígado, porém ele não tem a capacidade de degradar corpos cetônicos. De acordo com Pinto (2017), o cérebro tem a capacidade de gerar energia a partir dos corpos cetônicos quando ocorre ausência de glicose. Outros tecidos podem contar com outras fontes de energia, por exemplo, os ácidos graxos, além dos corpos cetônicos. Entretanto, o cérebro não tem essa opção. 3 Cetose e cetoacidose para objeto de aprendizagem interativo. A produção desses compostos é chamada de cetogênese, que é necessária em pequenas quantidades. Contudo, quando corpos cetônicos em excesso se acumulam, instala-se uma condição denominada cetose, que se trata de um estado anormal, mas não necessariamente perigoso. Quando ainda mais corpos cetônicos se acumulam de forma que o pH plasmático reduza a níveis ácidos perigosos, esse estado é chamado de cetoacidose, condição presente no diabetes melito descompensado. Portanto, a cetoacidose ocorre pelo fato de o acetoacetato e o beta-hidroxibutirato serem ácidos orgânicos relativamente fortes e que em concentrações plasmáticas elevadas podem suplantar a capacidade tamponante do plasma (MARZZOCO; TORRES, 2018). 4 Corpos cetônicos e diabetes para objeto de aprendizagem interativo. No diabetes descompensado, o hálito cetônico é decorrente da liberação da acetona que, ao contrário dos demais corpos cetônicos, é volátil e é expelida pela urina, pelo hálito e pelo suor. A consequente redução do pH plasmático observada na cetoacidose leva a um mecanismo de compensação renal que elimina H+ acompanhado da excreção de eletrólitos, sobretudo Na+ e K+, que, por sua vez, arrastam consigo água. Essa sequência de eventos leva o diabético à desidratação, disparando o mecanismo da sede, sintoma bastante observado em pacientes diabéticos sem tratamento. Os corpos cetônicos são produzidos em excesso em situações como diabetes e jejum. Ambos quando não tratados levam à superprodução hepática de corpos cetônicos, gerando vários problemas de saúde. Durante o jejum, a gliconeogênese consome os intermediários do ciclo do ácido cítrico (ciclo de Krebs), desviando acetil-CoA para a produção de corpos cetônicos. Quando o diabetes não é tratado, o nível de insulina passa a ser insuficiente, assim, os tecidos externos ao fígado são incapazes de captar a glicose do sangue eficientemente, seja para combustível ou para conservação como gordura (NELSON; COX, 2014). Regulação e integração metabólica Segundo Nelson e Cox (2014), a regulação metabólica, principal tema da Bioquímica, é um dos aspectos mais marcantes dos organismos vivos. Entre as inúmeras reações catalisadas por enzimas que acontecem nas células, provavelmente, não existe uma que escape de alguma forma de regulação. É possível verificar essa necessidade de regulação analisando a complexidade das reações. Apesar de conveniente para o estudo, essa divisão de processos não acontece dentro da célula. Ao contrário, cada via apresentada nesse conteúdo está indissociavelmente entrelaçada. 5 Cada via metabólica funciona com uma velocidade, sendo acionada com diferença de intensidade. Essa variação depende tanto do estado nutricional quanto também das diferentes demandas energéticas. A adequação do metabolismo a essas diferentes condições, obtida por diferentes processos, é chamada de regulação metabólica (MARZZOCO; TORRES, 2018). Trata-se de um processo extremamente complexo, no entanto com um ajuste muito sensível. A regulação metabólica pode ser descrita em quatro etapas, que estão apresentadas a seguir: Estratégias de que o organismo dispõe para regular o metabolismo Regulação das vias metabólicas Principais vias. Regulação metabólica integrada O que foi estudado em cada via é combinado para que possamos entender a regulação metabólica como um todo. Por exemplo, o metabolismo de alguns órgãos e a influência dos hormônios considerados mais relevantes. Contração muscular São analisadas as fontes de energia utilizadas pelo organismo para o exercício e as adaptações do metabolismo a essa situação. Regulação do metabolismo Fonte: Elaborado pela autora (2019). Estratégias de regulação do metabolismo A regulação metabólica, constantemente, é realizada pelas reações químicas que compõem o metabolismo, aumentando ou diminuindo sua velocidade. A maneira mais eficaz de interferir na velocidade de uma reação catalisada é mudar a concentração ou a eficiência do seu catalisador (MARZZOCO; TORRES, 2018). As estratégias de regulação do metabolismo podem acontecer das formas mencionadas a seguir: 6 Alteração da concentração de enzimas A enzima (catalisador biológico) é produzida pelas próprias células e sua concentração pode ser alterada por variação na velocidade de síntese ou degradação, caracterizado por um mecanismo de regulação a longo prazo. O controle da síntese de enzimas é exercido na transcrição do gene, que codifica a enzima, podendo ser ativada ou inibida. É uma regulação complexa, realizada desde a concentração do substrato de atuação da enzima até hormônios específicos. Já para a velocidade de degradação, o tempo de permanência das enzimas nas células varia. Em geral, as enzimas que catalisam reações-chave do metabolismo têm meias-vidas curtas (MARZZOCO; TORRES, 2018). Alteração da atividade das enzimas Uma outra alteração de curto prazo também é observada. Mesmo se a concentração de uma enzima for mantida constante, a velocidade da reação que ela catalisa pode aumentar ou diminuir de acordo com mudanças conformacionais realizadas pela enzima. Essas mudanças são provocadas por ligações de compostos ou grupos à cadeia polipeptídica. Tal ligação pode ser do tipo não covalente (regulação alostérica) ou do tipo covalente (regulação por modificação covalente) (MARZZOCO; TORRES, 2018). A regulação alostérica da atividade das enzimas Depende da concentração celular de compostos que são claros indicadores das condições metabólicas da célula. Uma proteína alostérica é aquela em que a interação com um ligante em um sítio afeta as propriedades de ligação de outro sítio na mesma proteína. A mudança conformacional induzida pelo(s) modulador(es) converte formas mais ativas em menos ativas da proteína e vice-versa (NELSON; COX, 2014). Os efetuadores, ou moduladores alostéricos, são chamados positivos (ativadores alostéricos) ou negativos (inibidores alostéricos) quando aumentam ou reduzem a velocidade da reação catalisada, respectivamente. Quando se trata das vias metabólicas,é comum que um produto final atue como efetuador alostérico negativo de uma enzima alostérica que catalisa uma das primeiras reações da via. Quando ocorre o aumento da concentração celular do produto, sua atuação, como inibidor alostérico, faz diminuir a velocidade da via, restringindo sua própria produção (mecanismo de inibição por feedback ou retroinibição). Muitas vezes, o produto final de uma via atua também como efetuador alostérico positivo em outra via metabólica que utiliza o mesmo substrato inicial. Algumas coenzimas são efetuadores alostéricos importantes, como o NADH (NELSON; COX, 2014). 7 A regulação por modificação covalente A regulação por modificação covalente é influenciada diretamente pela ação hormonal, a qual coordena a resposta do organismo de maneira geral. O alvo dessas regulações são enzimas-chave presentes nas vias metabólicas, as enzimas reguladoras. A atividade de uma enzima pode ser completamente alterada pela ligação covalente de certos grupos à cadeia polipeptídica. Entre as mudanças, estão desde mudanças na afinidade pelo substrato ou na sensibilidade a efetuadores alostéricos até sua completa inativação. A modificação covalente constitui uma reação química catalisada por enzimas (MARZZOCO; TORRES, 2018). A proteína quinase dependente de AMP (AMPK) É uma enzima cuja atividade aumenta em situações de estresse como falta de oxigênio, jejum na atividade física, entre outros, quando o consumo de ATP provoca aumento na razão AMP/ATP. Sua estimulação resulta de regulação alostérica por AMP e de fosforilação por proteína quinases que ainda não foram definidas. O transporte de glicose em músculos esqueléticos de mamíferos é estimulado por insulina e também pelo exercício. A indução do transporte pela contração muscular é insulinoindependente e seria regulada por AMPK. Essa proteína é alvo de interesse, pois participa do controle da saciedade e pode ser a chave para o desenvolvimento de fármacos para o tratamento da obesidade e do diabetes tipo 2 (MARZZOCO; TORRES, 2018). Integrações metabólicas de carboidratos e lipídios Segundo Marzzoco e Torres (2018), a maneira como o organismo responde à abundância e escassez de alimentos mostra a integração dos processos que fazem parte do metabolismo. Como vimos nos itens anteriores, a principal forma de regular o metabolismo é por ação das enzimas, pois elas são responsáveis pelas reações do organismo. Diversos mecanismos causam interferência na ação dessas enzimas. Estratégias de regulação do organismo. A integração metabólica acontece em dois níveis: o celular, que compreende os mecanismos reguladores intracelulares, e o nível do organismo como um todo, coordenado por ação hormonal. Esses processos funcionam para gerar ATP, para produzir e armazenar glicose, triglicérides e proteínas nos tempos de fartura para serem utilizados quando necessário, e para manter a 8 concentração sanguínea de glicose no nível adequado para ser usada por órgãos como o cérebro, que, em condições normais, a utiliza como única fonte de combustível. As principais rotas do metabolismo energético incluem, no citosol, a glicólise, a degradação e a síntese do glicogênio, a gliconeogênese, a via das pentoses-fosfato, a síntese dos triacilgliceróis e dos ácidos graxos, e, confinadas à mitocôndria, a oxidação dos ácidos graxos, o ciclo do ácido cítrico e a fosforilação oxidativa (VOET; VOET, 2013). Analisando as vias estudadas durante a disciplina, dois compostos estão na intersecção das rotas metabólicas: acetil-CoA e piruvato. A acetil-CoA é o produto de degradação dos polissacarídeos, lipídeos e proteínas. Seu grupo acetil pode ser oxidado a CO2 e H2O pelo ciclo do ácido cítrico (ciclo de Krebs) e da fosforilação oxidativa ou ainda é utilizado para síntese de ácidos graxos. O piruvato é obtido da glicólise, por desidrogenação do lactato e quebra de alguns aminoácidos glicogênicos. Além disso, o piruvato pode sofrer descarboxilação oxidativa para gerar acetil-CoA, o que pode comprometer seus átomos com a oxidação ou com a síntese dos ácidos graxos. Para a formação de oxalacetato, ele é carboxilado. O oxalacetato tanto abastece o ciclo do ácido cítrico como pode entrar na gliconeogênese. Dessa maneira, podemos dizer que o piruvato é um precursor de diversos aminoácidos e da glicose. Quando analisamos as rotas estudadas, percebemos que a glicólise, a síntese e a degradação do glicogênio, a síntese dos ácidos graxos e a via das pentoses-fosfato ocorrem, majoritariamente, no citosol, enquanto a degradação dos ácidos graxos, o ciclo do ácido cítrico e a fosforilação oxidativa ocorrem na mitocôndria. Diferentes fases da gliconeogênese e da degradação dos aminoácidos ocorrem no citosol e na mitocôndria, respectivamente (VOET; VOET, 2013). Integrações metabólicas de proteínas, lipídios e carboidratos Quando falamos da integração metabólica entre proteínas, lipídios e carboidratos, podemos analisar as unidades formadoras das proteínas: os aminoácidos. Estes são degradados pelo fígado em um elevado número de intermediários metabólicos. A degradação de um aminoácido, inicia-se, em grande parte, com a transaminação de um aminoácido, formando seu α-cetoácido correspondente, e o grupo amino é convertido via ciclo da ureia 9 em ureia, a qual é excretada. Os aminoácidos podem ser convertidos em piruvato ou em intermediários do ciclo do ácido cítrico, como o oxalacetato, que podem ser precursores gliconeogênicos, ou ainda podem ser convertidos em corpos cetônicos (VOET; VOET, 2013). Quando analisamos o papel das proteínas dentro do metabolismo, podemos dizer que como o estoque de glicogênio armazenado no fígado não é suficiente para suprir as necessidades corporais de glicose (depois de mais de 6 horas de refeição), a degradação de aminoácidos entra em ação, ou gliconeogênese. Esses aminoácidos são oriundos principalmente da degradação de proteínas musculares. Portanto, as proteínas podem ser fontes de energia, além das suas funções estruturais e funcionais (VOET; VOET, 2013). Como já dito, a integração metabólica pode ocorrer em um nível celular ou ainda no organismo como um todo. Diante disso, podemos afirmar que o fígado é o órgão mais importante nessa integração. Assim, após uma refeição, os nutrientes absorvidos no intestino são conduzidos diretamente ao fígado. Este capta carboidratos, lipídios e a maioria dos aminoácidos. O período absortivo ou pós-prandial, que compreende cerca de 4 horas após a tomada de refeições, é caracterizado pela ocorrência de processos de biossíntese, incluindo a recomposição das reservas energéticas. Esse órgão retém uma fração considerável da glicose recebida e o seu conteúdo de glicogênio é elevado de 70g (5% do seu peso) para 120g, em média. O excedente de glicose é mantido em circulação, provocando aumento da glicemia, por isso o pâncreas responde aumentando a liberação de insulina e diminuindo a de glucagon (HARVEY, 2015). A figura a seguir mostram a integração entre as vias metabólicas tanto no período de absorção de nutrientes quanto no de jejum: 10 Período absortivo: distribuição e destino metabólico de alguns dos nutrientes absorvidos. A alta razão insulina/glucagon determina a predominância dos processos de síntese Fonte: Marzzoco e Torres (2018, p. 310). No fígado, não ocorre o ciclo de Krebs devido ao consumo de oxaloacetato pela gliconeogênese e o consequente desvio da acetil-CoA para formar corpos cetônicos. A inibição da piruvato desidrogenase impede que o piruvato seja oxidado a acetil-CoA e preservado para originar oxaloacetato. No músculo, essa enzima também está inativa, e o piruvato não se transforma em acetil-CoA; ele pode ser convertido em oxaloacetato – que mantém o funcionamento do ciclo de Krebs –, em alanina – por transaminação com aminoácidos –, ou em lactato. Período jejum: esquema das principais adaptações metabólicas induzidas pela baixa razão insulina/glucagon Fonte: Marzzoco e Torres (2018, p. 316). 11 Fechamento Podemos entender que a regulação metabólica, principal tema da Bioquímica, é um dos aspectos mais marcantes dos organismos vivos. Entre as inúmeras reações catalisadas por enzimas que acontecem nas células, provavelmente, não existe uma que escape de alguma forma de regulação. É possível verificar essa necessidade de regulação analisando a complexidade das reações. Apesar de conveniente para o estudo, essa divisão de processos não acontece dentro da célula. Ao contrário, cada via apresentada nesse conteúdo está indissociavelmente entrelaçada. Podemos destacar que todo esse processo de regulação e integração metabólica é um estudo bastante complexo, pois dele faz parte a harmonia do funcionamento do organismo como um todo, dessa forma é indispensável analisar as principais vias metabólicas do nosso corpo. Referências BERG, J. M.; TYMOCZKO, J. L.; STRYER, L. Bioquímica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. BETTELHEIM, F. A. et al. Introdução à bioquímica. São Paulo: Cengage Learning, 2016. BROWN, T. A. Bioquímica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. HARVEY, R. A. Bioquímica ilustrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015. MARZZOCO, A.; TORRES, B. B. Bioquímica básica. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. PINTO, W. J. Bioquímica clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. VOET, J.; VOET, J. G. Bioquímica. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013