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DIREITO ADMINISTRATIVO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Conceituar organização administrativa. > Identificar as entidades paraestatais. > Exemplificar o terceiro setor. Introdução A Constituição Federal define diversos deveres e obrigações do Estado para seus cidadãos no que se refere aos serviços públicos. Os serviços e os interesses públicos são muito variados e englobam várias áreas, por isso é essencial que o Estado se organize administrativamente para que seja capaz de prestar todos os serviços de forma eficiente. Paralelamente à Administração Pública, entidades de direito privado prestam ou se dispõem a prestar serviços e atividades de interesse público. Em vista da relevância deste interesse, foram criados mecanismos legais para que o Poder Público favoreça, auxilie e colabore com essas entidades privadas na realização de seus serviços, entre as quais estão as entidades paraestatais e as do terceiro setor. Neste capítulo, vamos tratar da organização administrativa do Estado brasileiro, detalhando como a Administração Pública se divide em direta e indireta para a prestação dos serviços de sua competência. Também vamos explicar o papel das entidades paraestatais e as do terceiro setor que prestam serviços e atividades de interesse público. Organização administrativa Gabriel Bonesi Ferreira Conceitos fundamentais A organização administrativa se refere à estrutura do Estado, da Administração Pública no desenvolvimento de suas atribuições legais. No âmbito federal, é o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, que “[...] dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências” (BRASIL, 1967, documento on-line), ou seja, fornece as principais diretrizes sobre normativas sobre a estrutura organizacional do Estado. Os encargos ou as competências do Estado podem ser devolvidos por ele mesmo ou por meio de outros sujeitos, aos quais são atribuídas per- sonalidades jurídicas de direito público ou privado. Na primeira hipótese, as atividades são realizadas de maneira centralizada pela Administração e, na segunda, de modo descentralizado. Por esse motivo, é possível afirmar que a estrutura constitucional e legislativa brasileira é composta de múltiplas personalidades jurídicas estatais (MAZZA, 2018). Mas quais são elas? O Estado é reconhecido como uma entidade dotada de personalidade jurí- dica própria. Além disso, o modelo federativo brasileiro prescreve a existência de pessoas jurídicas autônomas para cada um de seus integrantes, por isso União, estados, Distrito Federal e municípios têm, cada um, suas personalidades jurídicas próprias, portadoras de direitos e deveres. Por outro lado, no âmbito federal, estadual e municipal, existem, ainda, diversas entidades jurídicas que compõem a Administração Pública Indireta. A Administração Direita é exercida pelas entidades federativas, todas dotadas de personalidade jurídica de direito público. Por outro lado, na Administração Indireta, há tanto pessoas jurídicas de direito público (caso das autarquias, agências, fundações públicas e associações públicas) quanto pessoas jurídicas de direito privado (as empresas públicas, as sociedades de economia mista, subsidiárias e consórcios públicos de direito privado), como explica Mazza (2018). Desse modo, em resumo, a Administração Pública Direita é composta apenas por pessoas jurídicas de direito público, enquanto a Administração Indireta admite tanto a personalidade jurídica de direito privado quanto a de direito público, ressalvando que existem diferenças nos regimes normativos entre as entidades federativas e as pessoas jurídicas de direito público que compõem a Administração Indireta (MAZZA, 2018). Para explicar a atuação do Estado e a estrutura organizacional da Admi- nistração Pública, a doutrina elaborou a Teoria do Órgão Público, segundo a qual as diversas atribuições estatais são desenvolvidas por múltiplas unidades Organização administrativa2 internas do Estado e outras personalidades jurídicas, cada qual com suas funções e atribuições, de um modo coordenado e hierarquizado comparável aos órgãos do corpo humano (MAZZA, 2018). Segundo Meirelles (2016, p. 71-72), órgãos públicos “[...] são centros de competência instituídos para o desempenho de funções estatais, através de seus agentes, cuja atuação é imputada à pessoa jurídica a que pertencem. São unidades de ação com atribuições específicas na organização estatal”. Os órgãos são repartições internas com atribuições específicas do Estado e das outras pessoas jurídicas que compõem a Administração Pública. Não são dotados de personalidade jurídica própria, então os atos dos órgãos são considerados atos da própria entidade e “[...] como partes das entidades que integram, os órgãos são meros instrumentos de ação dessas pessoas jurídicas, preordenados ao desempenho das funções que lhes forem atribuídas pelas normas de sua constituição e funcionamento” (MEIRELES, 2016, p. 72). Na legislação, o órgão é definido como “[...] unidade de atuação integrante da estrutura da Administração direta e da estrutura da Administração indireta” (BRASIL, 1999a, documento on-line). Os órgãos podem ser classificados a partir de diferentes critérios, conforme apresenta-se no Quadro 1. Quadro 1. Classificação dos órgãos públicos Classificação Definição e exemplos Quanto à posição hierárquica/ estatal � Independentes ou primários: são os originários da Constituição e representativos entre os três Poderes do Estado (Executivo, Legis- lativo e Judiciário) e não estão sujeitos a qualquer subordinação hierárquica ou funcional (exemplos incluem as Casas Legislativas, as Chefias do Executivo, os Tribunais do Poder Judiciário, o Minis- tério Público e o Tribunal de Contas). � Autônomos: são órgãos independentes abaixo da cúpula da Administração e subordinado a seus chefes (exemplos incluem os Ministérios, Secretarias de Estado e de Município, e a Advocacia Geral da União). � Superiores: não têm autonomia administrativa ou financeira, estão subordinados a uma chefia superior e têm funções diretivas e decisórias ligadas ao planejamento e soluções técnicas (exemplos incluem os Gabinetes, e as Secretarias-Gerais, as Procuradorias Administrativas e Judiciais). � Subalternos: suas competências são predominantemente de execu- ção, estando submetidas a outros órgãos, o que lhes afasta grande parte do poder decisório. Trata-se das repartições comuns. (Continua) Organização administrativa 3 Classificação Definição e exemplos Quanto à estrutura Podem ser “simples” ou “unitários”, quando constituídos por um centro de decisão por seus agentes, e “compostos” quando constituí- dos por diversos órgãos. Quanto à atuação funcional Podem ser designados como “simples” os órgãos cujas decisões são tomadas individualmente por um agente ou como “colegiados”, quando a decisão é tomada por vários agentes que integram determi- nado órgão. Quanto à atuação\ atividade � Ativos: proferem ou executam decisões para o cumprimento da competência do órgão. � De controle: fiscalizam as atividades de outros órgãos. � Consultivos: realizam a assessoria ou aconselhamento das autori- dades administrativas por meio da emissão de pareceres. � Verificadores: realizam perícias ou conferência de situações fáticas ou jurídicas. � Contenciosos: julgam situações contenciosas ou controversas em uma posição de imparcialidade. Quanto à situação estrutural � Diretivos: proferem os comandos e decisões a serem cumpridas. � Subordinados: executam as tarefas rotineiras e determinações proferidas. Fonte: Adaptado de Mazza (2018), Mello (2015) e Meirelles (2016). Vale destacar que os Tribunais de Contas, o Ministério Público e as De- fensorias Públicas são órgãos públicos peculiares em relação aos demais quanto à classificação e às características, conforme explica Mazza (2018): 1. são órgãos primários, uma vezque a Constituição Federal (BRASIL, 1988) os define como instituições hierarquicamente e funcionalmente independentes; 2. não integram os Três Poderes, ou seja, não pertencem às estruturas do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário; 3. são destituídos de personalidade jurídica, o que significa que integram a Administração Pública como qualquer órgão público, mas não são pessoas jurídicas; 4. o Ministério Públicos e as Defensorias Públicas têm capacidade proces- sual ampla e irrestrita, enquanto os Tribunais de Contas têm capacidade para aturar em mandado de segurança e habeas data; 5. mantêm relação jurídica direta com a entidade federativa, ou seja, apesar de não integrarem nenhum dos Poderes, estão vinculados à entidade Federativa correlata. (Continuação) Organização administrativa4 A partir dessa estrutura organizacional e jurídica, é possível a utilizar duas técnicas no cumprimento e na distribuição das competências estatais: a desconcentração e a descentralização. A centralização ocorre quando a atividade administrativa é exercida pelo próprio Estado, por meio de uma pessoa jurídica governamental que pode se dividir em diversos órgãos para sua execução (MAZZA, 2018; MELLO, 2015). Já a descentralização ocorre quando o Estado atua indiretamente, por meio de outras pessoas jurídicas distintas e autônomas, que foram criadas pelo próprio Estado para tal finalidade. Desse modo, trata-se, na prática, da atu- ação das autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista, da chamada Administração Pública Indireta. Como tais, respondem judicialmente pelos prejuízos causados por seus agentes públicos. Por sua vez, a desconcentração é a divisão interna de atribuições entre órgãos públicos de um mesmo sujeito jurídico, mantendo tanto a vinculação hierárquica quanto a vinculação à personalidade jurídica, inclusive nos casos de ação judicial. Em razão disso, os órgãos públicos não devem figurar nos polos jurídicos ativo ou passivo de ações de procedimentos comuns, cabendo à pessoa jurídica à que o órgão público está vinculado figurar no polo de uma eventual ação judicial. Como ressalta Mazza (2018), alguns órgãos públicos são dotados de capacidade processual especial denominada capacidade jurídica ou personalidade jurídica, citando, como exemplo, a Presidência da República ou a Mesa do Senado, mas ressalvando que suas prerrogativas são limitadas a algumas ações, em geral relacionadas à defesa de seus interesses, como de mandado de segurança e habeas data. Por outro lado, apesar de isso não ocorrer na maior parte dos casos, alguns órgãos públicos têm capacidade processual geral e irrestrita, a exemplo do Ministério Público e da Defensoria Pública. Por fim, a concentração ocorre quando as competências administrativas são realizadas diretamente por uma entidade federativa sem divisões inter- nas. Trata-se de um fenômeno muito raro, uma vez que implica na completa ausência de distribuição de tarefas ou atribuições entre as repartições públi- cas, como explica Mazza (2018). Em resumo, consiste na hipótese improvável de uma pessoa jurídica exercer todas suas competências sem a divisão em órgãos públicos. Organização administrativa 5 Entidades paraestatais As atribuições e competências do Estado são realizadas pela Administração Pú- blica Direta ou Indireta. Integram a Administração Direta as pessoas jurídicas de direito público das entidades federativas que, de modo direito, exercem um serviço público, e integram a Administração Indireta outras pessoas jurídicas de direito privado ou público que também exercem a atividade pública de modo descentralizado. Além desse modelo organizacional diretamente ligado ao Estado, existem pessoas alheias à Administração Indireta que colaboram com o Estado prestando algum tipo de atividade na órbita social: são as denominadas entidades paraestatais (MELLO, 2015). Um dos maiores problemas das entidades paraestatais é a inexistência de uma definição legal precisa, que leva a uma profunda e inconclusiva dis- cussão doutrinária sobre as entidades ou pessoas jurídicas que efetivamente podem ser enquadradas como entidades paraestatais. Mazza (2018) chega a identificar ao menos sete posicionamentos doutrinários distintos. Uma das formas de esclarecer o assunto é partir de uma definição etimológica do conceito dado por Carvalho Filho (2019, p. 682): “[...] o termo paraestatal tem formação híbrida, porque, enquanto o prefixo para é de origem grega, o vocábulo status é de origem latina. Paraestatal significa ao lado do Estado, paralelo ao Estado. Entidades paraestatais, desse modo, são aquelas pessoas jurídicas que atuam ao lado e em colaboração com o Estado”. Assim, ao se analisar apenas o termo, é possível constatar que são entidades que atuam ao lado do Estado, paralelamente a ele, mas também pessoas privadas que colaboram com a Administração Pública. Mazza (2018) afirma que, a despeito da controvérsia, tem predominado, em concursos públicos, o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, segundo o qual apenas os serviços sociais se enquadram como entidades paraestatais. Na doutrina, é possível observar certa regularidade no sentido de a maioria enquadrar ao menos os serviços sociais como entidade para- estatais. Segundo Mello (2015), tentar incluir outras entidades no conceito de entidades paraestatais não é correto, uma vez que aparenta ser uma tentativa de incluir objetos e institutos jurídicos sem grande similaridade entre si em um mesmo conceito, de modo que “[...] um nomen juris só pode corresponder a um signo breve para nominar coisas juridicamente equiparáveis pelos princípios e normas que os regulem. Por isto é inaceitável colocar sob um divisor comum, entidades da administração indireta de par com sujeitos alheios a ela” (MELLO, 2015, p. 162-163). Organização administrativa6 Por esses motivos, o termo remete, de modo mais preciso, a sujeitos que não integram o Estado, ou seja, têm a personalidade jurídica de direito privado, e que, de modo paralelo, desempenham atividades ou atribuições que são de seu interesse, mas não exclusivamente de sua atribuição. Mello (2015) explica que estudar essas entidades no âmbito do Direito Administrativo se justifica pelo fato de o Poder Público reconhecer e assumir essas entidades como colaboradoras e, em razão disso, conferir-lhes um significativo amparo ao instituir tributo que é revertido em favor delas: as contribuições de interesse das categorias profissionais e econômicas previstas no art. 149 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Assim, são pessoas jurídicas de direito privado que colaboram com a prestação de serviços de objetivos de interesse social, inclusive recebendo recursos decorrentes de tributos, mas que se distinguem dos sujeitos da Administração Indireta. Por esses motivos, os serviços sociais autônomos somente podem ser criados mediante autorização legislativa e compõem o chamado sistema “S”, como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), o Serviço Social da Indústria (Sesi), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), o Serviço Social do Comércio (Sesc), etc. A partir dessas definições, é possível ressaltar as características dos serviços sociais autônomos, conforme Mazza (2018). Veja-as a seguir. � São pessoas jurídicas de direito privado: por serem entidades paralelas ao Estado, não têm personalidade de direito público, mas privado. São entidades privadas administradas por federações e confederações sindicais patronais. � São criadas mediante autorização legislativa: somente mediante lei podem passar a existir, e um dos principais motivos é o fato de rece- berem recursos decorrentes de tributos. � Não têm fins lucrativos: essas entidades devem colaborar com as funções do Estado e, por isso, não podem ter fins lucrativos. � Executam serviços de utilidade pública e não serviços públicos: os serviços públicos são atividades concretas realizadaspelo Estado direta ou indiretamente e representam o oferecimento de vantagens em favor dos particulares. Além disso, baseiam-se em regras e prin- cípios do Direito Administrativo (MAZZA, 2018). Os serviços prestados pelo sistema “S” têm utilidade pública na medida em que buscam o desenvolvimento social em alguma área específica de acordo com suas atribuições, mas não são, propriamente, serviços públicos. Organização administrativa 7 � Produzem benefícios a grupos ou categorias profissionais: estão liga- das a determinadas categorias profissionais, buscando promover, por exemplo, educação, inovação, serviços de consultoria, etc., de acordo com o ramo de atividade econômica a que estão atreladas. � Não pertencem ao Estado: são entidades eminentemente privadas, apesar de ser exigida autorização legal para sua criação. � São custeadas por contribuições compulsórias pagas pelos sindica- lizados: são exemplos de parafiscalidade tributária as contribuições, que são compulsórias, isto é, obrigatórias, e que incidem sobre a folha de salário dos empregadores. O Estado arrecada os tributos sobre as folhas de pagamento e repassa parte dos tributos às entidades do sistema “S”. � Os valores arrecadados pelas entidades não são considerados lucro, mas superávit, por isso devem ser revertidos às finalidades essenciais da entidade: ao final do ano fiscal, o superávit que houver deve ser revertido à entidade. Essa característica está ligada ao fato de essas entidades não terem fins lucrativos. Desse modo, eventual valor re- manescente deve ser revertido integralmente para o cumprimento das finalidades e dos objetivos últimos da entidade. � Estão sujeitas a controle estatal, inclusive por meio dos Tribunais de Contas: o controle estatal está ligado à fiscalização em diversos âm- bitos, em especial ao controle finalístico relacionado à aplicação dos recursos recebidos. Esse controle se justifica pelo fato de lhe serem destinados recursos tributários. Ao receber verba pública, automati- camente a entidade ficará sujeita ao controle estatal, que objetiva, principalmente, a verificação do cumprimento das diretrizes legais. � Não precisam contratar pessoal mediante concurso público: às en- tidades do sistema “S”, é assegurada a autonomia administrativa, apesar de estarem sujeitas ao controle do Estado. Por esse motivo, não estão submetidas à obrigação de contratação de pessoal por meio de concurso público. Esse entendimento restou consolidado em 2014, após o julgado do Recurso Extraordinário 789.874 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) (BRASIL, 2014). � Estariam, em tese, obrigadas a realizar licitação: é possível constatar diversas características e obrigações híbridas nessas entidades quando analisadas as obrigações do setor público e do setor privado. Entre essas características híbridas, estaria o dever de licitar, característica própria da Administração Pública, para a compra de bens ou a contra- tação de serviços, com base no art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.666, Organização administrativa8 de 21 de junho de 1993 (BRASIL, 1993). Porém, Mazza (2018) destaca que o Tribunal de Contas da União (TCU) entende que o procedimento da licitação, quando realizado pelos serviços sociais, visa à transparência da contratação de fornecedores, então ritos simplificados próprios a serem definidos nos regimentos internos de cada entidade poderiam substituir o procedimento licitatório, desde que não contrariem as regras e os princípios gerais da Lei nº 8.666/1993. Obviamente, espera- -se que esses ritos simplificados garantam a transparência aos atos de contração e compra bens, bem como que estejam de acordo com os princípios da Lei nº 8.666/1993. O STF já decidiu, também, pela não submissão de entidade do sistema “S” à Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993) (BRASIL, 2019). Assim, aparentemente, a jurisprudência nacional tende a dispensar a licitação para contratação, desde que observada a incidência das regras e dos princípios gerais das licitações previstos em regimento interno próprio. � São imunes a impostos sobre o patrimônio, renda e serviços: às enti- dades do sistema “S”, aplica-se a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal. A partir dessas características, vê-se que as entidades paraestatais são consideradas entes de cooperação, uma vez que colaboram com o Estado na prestação de algum serviço que seja do interesse da sociedade ou de setores dela. Seus principais objetivos são de ordem social e econômica, pois oferecem serviços relacionados à educação, à cultura, ao ensino, à formação profissional, à assessoria, entre outros. Assim, os serviços por elas prestados são de relevante interesse social, o que justifica serem reconhecidas pelo Estado e deste receberem colaboração financeira, seja mediante o repasse de contribuições sociais, seja por meio da imunidade tributária. Em razão disso, ficam sujeitas à supervisão estatal, apesar de gozarem de autonomia administrativa e financeira. Terceiro setor O terceiro setor é composto por entidades que, como os serviços autônomos, colaboram com o Poder Público na prestação de algum serviço de interesse ou utilidade pública. Apesar de algumas semelhanças, por exemplo, de serem entidades sem fins lucrativos em que predominam regras de direito privado, há diferenças que não permitem enquadrá-las na mesma categoria, como se verá a seguir. Organização administrativa 9 O chamado “terceiro setor” é composto por entidades da sociedade civil que exercem atividades de interesse público e que não têm fins lucrativos, diferenciando-se das do primeiro setor, que designa as entidades governa- mentais, e das do segundo setor, que designa as empresas e atividades eco- nômicas (MAZZA, 2018). No âmbito federal, são duas as entidades do terceiro setor: as organizações sociais (OSs) e as organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips), que serão abordadas individualmente a seguir. Organizações sociais A espécie “organização social” foi criada e é regulada pela Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998 (BRASIL, 1998). As OSs são definidas pelo art.1º da referida Lei: são pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos que desempenham atividade de interesse público, que não afastam ou substituem os serviços públicos prestados pelo Estado, mas os complementam (MAZZA, 2018). São entidades que atuam em serviços voltados “[...] ao ensino, à pesquisa cien- tífica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde” (BRASIL, 1998, documento on-line). Como explica Di Pietro (2018), trata-se de entidades criadas pela iniciativa privada sob a modalidade de associação ou fundação que se habilitam perante o Poder Público para receber essa qualificação de OS. Tal qualificação lhes confere algumas vantagens, como isenções fiscais, destinação de recursos, repasse de bens e, até mesmo, empréstimo de servidores públicos, que favorecem o cumprimento de suas atividades (MAZZA, 2018). Para que haja a possibilidade de outorga, a entidade deve cumprir os requisitos enumerados no art. 2º, I, da Lei nº 9.637/1998. O cumprimento desses requisitos gera mera expectativa de direito, uma vez que a outorga da qualificação é uma decisão discricionária, condicionada à conveniência e à oportunidade do Poder Público (BRASIL, 1998). Trata-se, assim, de um título jurídico que pode ser outorgado e, consequentemente, cancelado pelo Poder Público. Conforme Di Pietro (2018) e Mazza (2018), é possível destacar as seguintes características das OSs. � Têm natureza jurídica de direito privado sem fins lucrativos. � São os particulares que as criam para posterior habilitação junto ao Poder Público a fim de obter a qualificação de OS. � Atuam em áreas específicas: ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde. Organização administrativa10 � Têm um órgão máximode deliberação, composto por representante do Poder Público e membros da comunidade de notória capacidade profissional e idoneidade moral. � A formalização entre o Poder Público e a entidade ocorre por meio de contrato de gestão, que deve cumprir todos os requisitos legais. � A execução do contrato de gestão é fiscalizada pelo órgão ou entidade supervisora da área de ligada à área de atuação em que a entidade foi habilitada. � O órgão ou a entidade supervisora deve informar o TCU sobre even- tuais irregularidades na utilização de recurso, sob pena de responder solidariamente pelo fato. � O Poder Público está dispensado de licitar para celebrar contratos de prestação de serviços com as OSs que estejam qualificadas em sua área de atuação, o que vale para as atividades já contempladas no contrato de gestão (BRASIL, 1993). � Têm obrigação de licitar para a realização de obras, compras, contra- tação de serviços e alienações. � A outorga da qualificação à entidade postulante é ato discricionário do Poder Público: cumpridos os requisitos, sua outorga é mera ex- pectativa de direito. � A entidade pode ser desqualificada como organização social se des- cumprir o contrato de gestão, por meio de processo administrativo com a garantia do contraditória e da ampla defesa. O contrato de gestão é o instrumento que gera o vínculo de coopera- ção do Poder Público com a entidade. Esse contrato vai pautar toda a cooperação, por isso deve discriminar todas as atribuições, responsabilidades e obrigações tanto do Poder Público quanto da entidade. O art. 7º da Lei nº 9.637/1998 estabelece que o contrato deve observar os princípios da legalidade, moralidade, publicidade e economicidade, bem como que os Ministros de Estado ou as autoridades supervisoras da respectiva área de atuação que qualifica a entidade devem definir as cláusulas do contrato, e serão elas e a entidade seus signatários (BRASIL, 1998). Além disso, são estabe- lecidos alguns princípios e requisitos específicos nos incisos I e II do art. 7º da referida Lei, que inclui a especificação do programa de trabalho da OS, com a inclusão das metas e dos prazos de execução, definindo os critérios objetivos para avaliação posterior, e normas relacionadas à remuneração e às vantagens que serão recebidas pelos dirigentes e empregados das organizações em razão do trabalho que será desempenhado (BRASIL, 1998). Organização administrativa 11 Organizações da sociedade civil de interesse público As Oscips são reguladas pela Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, regula- mentada pelo Decreto nº 3.100, de 30 de junho de 1999. São pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos que desempenham atividades não exclusivas do Estado. Formalizam o vínculo com a Administração Pública por meio de termo de parceria e são de fiscalização do Poder Público. Conforme Di Pietro (2018) e Mazza (2018), as principais características das Oscips são as seguintes. � São pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos. � São criadas pela iniciativa privada e devem se habilitar perante o Ministério da Justiça. � A outorga do título de Oscip é vinculado, isto é, todas as entidades que preenchem os requisitos legais têm o direito adquirido a essa qualificação. � Exercem uma atividade privada com o auxílio do Estado. � As áreas de atuação estão taxativamente estabelecidas nos incisos do art. 3º da Lei nº 9.790/1999 (BRASI, 1999b), que incluem assistên- cia social, promoção cultural, promoção gratuita da educação ou da saúde, etc. � O art. 2º da Lei nº 9.790/1999 (BRASI, 1999b) prevê, expressamente, as entidades que não podem se qualificar como Oscip, ainda que exerçam algumas das atividades discriminadas art. 3º da mesma Lei. � O vínculo com a Administração é estabelecido por meio de termo de parceria, que deve estabelecer o objeto da parceria com a delimitação do programa, das metas e dos resultados a serem atingidos, o prazo para sua execução, os critérios objetivos para a avaliação de desempe- nho e a previsão de despesas e receitas, detalhando o que será pago por meio do termo de parceria, inclusive em relação a remunerações e despesas com pessoal. Existe, ainda, a obrigatoriedade de apresentar um relatório anual comparativo entre as metas e resultados alcançados, acompanhado de prestação de contas e relatoria. A legislação também prevê a necessidade de publicar, na imprensa oficial, o extrato do termo de parceria e o demonstrativo de sua execução física e financeira. Organização administrativa12 � A execução do termo de parceria é supervisionada pelo Poder Público e pelos Conselhos de Políticas Públicas correspondentes à área de atuação relativa à atividade fomentada. � O termo de parceria deve especificar e regular a forma de fomento e cooperação entre o Poder Público e a entidade privada, mas não estabelece a forma específica dessa cooperação. � Têm a obrigação de licitar para a realização de obras, compras, aliena- ções e contratação de serviços feitas com recursos ou bens repassados pela União. Para a compra bens ou a contração de serviços comuns, é obrigatória a modalidade de pregão, preferencialmente eletrônico. � A entidade pode perder a qualificação de Oscip caso deixe de preencher os requisitos legais, mediante processo administrativo com o devido respeito ao contraditório e à ampla defesa. Em uma análise superficial, pode parecer que as OSs e as Oscips têm os mesmos objetivos, mas não é o caso, apesar de algumas semelhanças. Sobre as diferenças, Di Pietro (2018, p. 711) destaca: [...] nas organizações sociais, o intuito evidente é o de que elas assumam determi- nadas atividades hoje desempenhadas, como serviços públicos, por entidades da Administração Pública, resultando na extinção destas últimas. Nas organizações da sociedade civil de interesse público, essa intenção não resulta, implícita ou explicitamente, da lei, pois a qualificação da entidade como tal não afeta em nada a existência ou as atribuições de entidades ou órgãos integrantes da Admi- nistração Pública. Desse modo, os objetivos principais do Poder Público em relação às OSs e às Oscips são bem distintos. A atuação da Administração Pública em re- lação às Oscips está mais relacionada ao fomento ou incentivo da inciativa privada para, paralelamente ao Estado, desempenhar algumas atividades de interesse público. É diferente, portanto, do que ocorre com as OSs, em que o Estado “transfere”, à iniciativa privada, a execução de um serviço público. Não é possível dizer que essa transferência é plena, visto que a obrigação de atuar nas áreas em que atuam as OSs continua sendo do Estado, de modo que as OSs são complementares na prestação de serviços de interesse público. Porém, é possível afirmar que as OSs suprem e complementam os serviços públicos, permitindo que o Poder Público, ainda que pontualmente, deixe prestá-los de forma direta. Organização administrativa 13 Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm. Acesso em: 13 abr. 2021. BRASIL. Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sôbre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 27 mar. 1967. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm. Acesso em: 13 abr. 2021. BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Cons- tituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22 jun. 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 13 abr. 2021. BRASIL. Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais,a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 18 maio 1998. Dispo- nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9637.htm. Acesso em: 13 abr. 2021. BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Diário Oficial da União, Brasília, 1 fev. 1999a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm. Acesso em: 13 abr. 2021. BRASIL. Lei no 9.790, de 23 de março de 1999. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras pro- vidências. Diário Oficial da União, Brasília, 24 mar. 1999b. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9790.htm#:~:text=LEI%20No%209.790%2C%20DE%20 23%20DE%20MAR%C3%87O%20DE%201999.&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20 qualifica%C3%A7%C3%A3o%20de,Parceria%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20 provid%C3%AAncias. Acesso em: 13 abr. 2021. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 33442 AgR. Agravo regimental em mandado de segurança. 2. Acórdão do Tribunal de Contas da União. Exigência de que conste nos editais de licitação do SENAC o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e custos unitários, bem como de critério de aceitabilidade. Desnecessidade. 3. Serviço Social Autônomo. Natureza privada. Não se submete ao processo licitatório previsto pela Lei 8.666/93. Necessidade de regulamento próprio. Procedimento simplificado que observe os princípios gerais previstos no art. 37, caput, CF. Atendimento. 4. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental desprovido. Relator: Gilmar Mendes. Brasília, 22 fev. 2019. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/ processos/detalhe.asp?incidente=4702386. Acesso em: 13 abr. 2021. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 789.874 Distrito Federal. Administrativo e constitucional. Serviços sociais autônomos vinculados a entidades sindicais. Sistema “S”. Autonomia administrativa. Recrutamento de pessoal. Regime jurídico definido na legislação Instituidora. Serviço social do transporte. Não sub- missão ao princípio do concurso público (art. 37, II, da CF). Relator: Teori Zavascki. Brasília, 17 set. 2014. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador. jsp?docTP=TP&docID=7273390. Acesso em: 13 abr. 2021. Organização administrativa14 CARVALHO FILHO, J. dos S. Manual de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2019. DI PIETRO, M. S. Z. Direito Administrativo. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. MAZZA, A. Manual de Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. MELLO, C. A. B. de. Curso de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Organização administrativa 15
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