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Adrianna Loduca Graduada em Psicologia pela PUC/SP (1990), mestrado (1998) e doutorado (2007) em Psicologia (Psicologia Clínica) pela PUC/SP. Atualmente é professora da Faculdade de Ciências psicóloga clínica em clínica interdisci- plinar, psicóloga colaboradora e coordenadora da equipe de psicólogos no Centro de Dor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, docente e membro da equipe de organização do curso de pós-graduação – Avaliação e Tratamento Interdisciplinar de Dor do Centro de Dor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Sócia e diretora da empresa TAPSI (Treinamento e Assistência Psicológica), que presta atendimento assistencial a pessoas com dores crônicas e cursos e treinamentos para profissionais da área da saúde sobre os temas dor e psicologia. Adrianna Loduca Sabemos que conviver com dores crônicas não é fácil, pode impac- tar o seu dia a dia de forma inten- sa e trazer sofrimento. Este livro foi desenvolvido para ajudá-lo a lidar com esta experiência, te explicando como a dor funciona no seu corpo e fornecendo dicas de como você pode se beneficiar mais do seu tratamento. Ele te conduzirá a uma jornada de autoconhecimen- to e maior percepção de sua situação clínica atual, permitindo que você fortaleça suas estraté- gias de enfrentamento e não se sinta refém de suas dores. Profissionais de saúde, familiares e cuidadores também poderão aprender com esta obra como ajudar aqueles que sofrem com dores crônicas, assim como maneiras de melhorar a sua própria qualidade de vida. Boa leitura! Apoio LIDANDO MELHOR COM AS MIN HAS Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 21-57840 CDD-150 Índices para catálogo sistemático: 1. Psicologia 150: Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129 Loduca, Adrianna Lidando melhor com as minhas dores crônicas / Adrianna Loduca; ilustração Mariana Eller Caetano. -- 1. ed. -- São Paulo : TAPSI - Treinamento e Assistência Psicológica, 2021. ISBN 978-65-993946-0-7 1. Psicologia I. Caetano, Mariana Eller. II. Título. Autora: Adrianna Loduca Colaboradores Barbara Maria Müller Claudio Samuelian Revisão: Jorge Makssoudian Ilustrações: Mariana Eller Caetano Diagramação e projeto gráfico: Vogel Design LIDANDO MELHOR COM AS MIN HAS LIDANDO MELHOR COM AS MIN HAS Dra. Adrianna Loduca Copyright © 2021 por Adrianna Loduca São Paulo • 2021 Apoio: Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/2/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia da autora, pode ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. LIDANDO MELHOR COM AS MIN HAS 1ª Edição 5 Agradecimentos Agradecemos a indústria farmacêutica Libbs, que apoiou este projeto e compartilha ideias semelhantes quando enfatiza a importância de olhar o paciente por inteiro ao tratar de suas dores. Também somos gratos a todos os pacientes que confiaram no nosso trabalho, permitindo que nos baseássemos em suas narrativas para desen- volver este livro. Obrigado por nos confidenciar as suas histórias, partilhar as suas conquistas, dúvidas, medos e até mesmo frustrações e fracassos em relação a tratamentos previamente realizados, nos revelando as suas neces- sidades. Juntos desenvolvemos alternativas que os ajudaram a lidar com as suas dores e que apresentamos aqui, para que outras pessoas que sofrem com dores crônicas também possam se beneficiar. Não podemos deixar de mencionar o apoio de diversos profissionais da área da saúde e estudantes de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) que, de diferentes formas, contribuíram com informações que foram agregadas a este livro, em especial a psicóloga Andrea Souza e os estudantes Bruno Giorgetti e Carmela Pedicini (in memoriam). Muito obrigada à Dra. Lin Tchia Yeng e ao Dr. Manoel Jacobsen Teixeira, que sempre respeitaram e incentivaram os nossos projetos no Centro de Dor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em especial no Instituto de Ortopedia e Traumatologia. Sumário Carta paciente ................................................................................................. 9 Prefácio ...............................................................................................13 Capítulo um Dor crônica é um problema sério ..................................17 Capítulo dois O impacto da dor no meu cotidiano.............................25 Capítulo três O sentido da dor na minha vida.....................................65 Capítulo quatro Convívio com minhas dores crônicas ..........................73 Capítulo cinco Como funciona a dor no meu corpo.............................81 Capítulo seis Minhas fontes de motivação para o manejo da dor ..................................................... 99 Capítulo sete Os hormônios da felicidade e as suas funções.........119 Capítulo oito O que faz o estresse, as emoções e os sentimentos no meu corpo ..................................129 Capítulo nove Como posso cuidar melhor de mim............................153 Capítulo dez Como navegar pela internet .........................................173 Referências bibliográficas ..............................................................................183 9 carta paciente Feliz! É como posso descrever o sentimento de ler “Lidando melhor com minhas dores crônicas”. Parece que alguém leu meus pensamentos como se entrasse no íntimo dos meus sentimentos, para colocar em palavras cada um deles. Não há bancos de escola ou faculdade que possam descrever cada detalhe de nossa experiência. Eu, como paciente fibromiálgica e dor crônica lombar, posso afirmar que os sentimentos aqui lidos e relatados, tanto por Dolores como por Salvador, serão facilmente identificados por todos os leitores. Sentimentos de raiva e desamparo, cheios de incertezas, pessoas perdidas e vítimas, para então começar a aceitar e a querer aprender como enfrentar um monstro que vira amigo. Cada dica dada será importante para reflexão, adoção e vivência dos leitores. A autora Dra. Adrianna Loduca conheceu a dor crônica de perto, ela relata isso. Então, consegue compreender cada minúsculo passo e a dimensão do que nós vivemos, na busca por qualidade de vida, compreensão, empatia e até mesmo para aderir aos tratamentos. C o m p r e e n d e r o que acontece com o nosso corpo é tão impor- tante quanto qualquer outra forma de tratamento. Essa compreensão nos ajuda a buscar recursos e a assimilar melhor aquilo que nosso “corpo fala”. Apenas deixar de sentir dor é o suficiente? É isso que nos motiva a seguir o tratamento? Ao interferir na vida, acreditamos que a dor nos rouba o tempo, a alegria, a convivência, o emprego, a família, os amigos, a vida. Mas, e então? Fazer o quê? Há saídas? O que há para aprender com a dor e tudo o que ela envolve? A vida deve continuar? Há algo que depende apenas de nós? Só os profissionais têm as chaves dos segredos nas mãos? Eu voltarei a ser como antes ou posso ser ainda melhor? São tantas as perguntas, certo? Não vou dar um spoiler desta obra. Você precisa ler para crer. Mas garanto que vai ser muito prazerosa e proveitosa a leitura. Na minha experiência pessoal e trabalhando voluntariamente há 14 anos com pacientes fibromiálgicos na Abrafibro - Associação Brasileira dos Fibromiálgicos - que ajudei a fundar e sou presidente atual, posso responder da seguinte forma a essas e tantas outras perguntas: depende de você! 1 0 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS O quão generosa(o) e comprometida(o) você estiver consigo por sua vida, melhores resultados poderá alcançar. Este livro dará a você uma série de informações importantes para esta caminhada. Outras, você irá descobrir ao longo de sua própria jornada. Aproveitetodas as oportunidades que conquistar ou que a vida lhe oferecer para ser ainda melhor. Como voluntária há tantos anos, faço um pedido muito espe- cial: compartilhe suas experiências e fontes confiáveis de informação, como este livro. Haverá sempre alguém ansioso como você está ou já esteve, buscando respostas... uma luz! Ajude-os! Dra. Adrianna Loduca, em nome dos pacientes com dores crônicas agradeço o prazer que me trouxe ao ler sua obra. Vá adiante com seu projeto! Sua obra é maravilhosa, interessante e que aborda com respeito nossos sentimentos. Ajudará muitos, como nós, a perceber e reconhecer as portas de saída em meio ao labirinto. Gosto de pensar que todos, pacientes ou não, somos como borboleta que, para voar, precisam “metamorfar”. Acreditem! Podemos voar! Sandra Santos Fundadora e presidente Abrafibro Associação Brasileira dos Fibromiálgicos CARTA PACIENTE 1 ADRIANNA LODUCA 1 1 Esta experiência me deu muita bagagem para voltar para o Brasil e entender que os mecanismos de ação da dor eram mais complexos [...] Adrianna Loduca 1 3 PREFÁCIO Quero começar contando um pouco sobre a minha trajetória profissional para ajudá-lo(a) a compreender como surgiu a ideia deste livro. Sou psicóloga e há 28 anos atendo pessoas que convivem com dores crônicas junto com profissionais de outras áreas da saúde: médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, enfermeiros, profissionais de educação física, entre outros. Quando comecei a trabalhar nesta área, em 1992, a maior parte dos textos científicos sobre psicologia na área da dor eram internacionais, não havia literatura nacional que discorresse sobre o papel do psicólogo no tratamento de dores crônicas. 1 4 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS Tive a oportunidade, em 1994, de fazer um treina- mento em um Programa Interdisciplinar de Dor chamado Pain Management Programme (PMP) no Walton Centre Hospital (reconhecido pela Associação Internacional para Estudos da Dor), em Liverpool (Inglaterra), com o objetivo de aprender mais sobre como ajudar os pacientes com dores crônicas que, na época, atendia no Serviço de Terapia da Dor e Medicina Paliativa da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Lembro-me que, naquele período, sentia-me despreparada para auxiliar o paciente a lidar com o papel de sofredor, quando muitos sentiam-se reféns do quadro álgico (dor). Durante quatro meses, participei de reuniões de equipe e de grupos psicoeducativos do PMP (misto de aulas e atividades práticas sobre temas relacionados ao manejo da dor) desenvolvidos para que as pessoas que sofriam com dores crônicas aprendessem a lidar melhor com esta condição e, de fato, ao término dos grupos, era notória a mudança. Elas se sentiam menos vítimas de suas dores, com mais estima e conhecedoras de recursos que elas próprias dispunham para o manejo delas. PREFÁCIO 1 ADRIANNA LODUCA 1 5 Resumindo, esta experiência me deu muita bagagem para voltar ao Brasil e entender que os mecanismos de ação da dor eram mais complexos e que, neste processo, o cérebro e os aspectos psicossociais tinham papéis fundamentais para manter, piorar ou amenizar as dores de uma pessoa. Você agora deve estar pensando que estou dizendo isso porque nunca senti o que você está sentindo. Eu posso dizer que sim, também já tive dores crônicas. Fui tratada de lombalgia (dor nas costas) e nevralgia do trigêmeo (dor em um nervo localizado na face), e estas experiências, aliadas ao conhecimento adquirido na Inglaterra e à possibilidade de ter sido cuidada por uma equipe multidisciplinar, me propiciaram amadurecimentos que me ajudaram a me empoderar da minha saúde de outra maneira. Com o passar dos anos, fui deixando de trabalhar sozinha e novos psicólogos começaram a compartilhar dos conhecimentos que vinham construindo e a integrar a equipe multidisciplinar da qual eu fazia parte, assim como outros ingressaram em outras equipes pelo Brasil. Hoje conto com um grupo de psicólogos, partilhamos experiências, e eles me auxiliam na construção de novas ferramentas nacionais para melhorar a assistência e a educação na área da dor. 1 6 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS Nosso projeto de educação em dor chama-se TRANSFORMAdor e já desenvolvemos um livro para auxiliar profissionais de saúde na escolha de condutas terapêuticas mais efetivas para as necessidades e o momento de cada paciente (e-book Dores Crônicas: como melhorar a adesão ao tratamento). Este é o segundo livro do projeto e é dirigido a você que sofre com dores crônicas! Queremos ajudá-lo a se empoderar de sua saúde e bem-estar. Esperamos que aprecie a leitura, pois sabemos que não é fácil conviver com dores. Adrianna Loduca Adriannnnnnaa Lododucucaa COMO MELHO RAR A ADESÃO AO TRA TAMEN TO Pular int rodução Baixe o e-book COMO MELHORAR A AD ESÃO AO TRATAMENTO Adrianna Loduca COMO MELHOR AR A A DESÃO AO TRA TAMENT O Pular intr odução 1 7 Capítulo Um DOR CRÔNICA É UM PROBLEMA SÉRIO Este livro foi feito para você, que vem sofrendo com dores crônicas e não sabe mais o que fazer, ou porque nunca procurou assistência especializada ou porque já passou por vários tratamentos sem sucesso. Compreendemos que não é fácil conviver com dores por um longo período. Normalmente, quando recebemos pessoas que sofrem com dores, encaminhadas por médicos ou outros profissionais da área da saúde, notamos que, infelizmente, elas já vêm lidando há anos com esse desconforto pelo corpo e se sentem cansadas, frustradas ou com receio de que não vão conseguir melhorar. Aqui não há receitas ou passos genéricos de como se deve agir, mas este é um convite para que você faça reflexões que têm como objetivo Queremos que você saiba mais sobre o seu problema e encontre alternativas que levem à reabilitação e, se possível, ao alívio de suas dores. 1 711 1 8 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS auxiliar a encontrar o seu próprio caminho. Queremos que você saiba mais sobre o seu problema e encontre alternativas que levem à reabi- litação e, se possível, ao alívio de suas dores. Todo mundo já sentiu alguma dor, mas não podemos garantir que o sofrimento vivenciado é igual para todos. A experiência de dor é única, e a maneira como cada um a descreve é exclusiva e subjetiva. Em nosso trabalho, criamos dois personagens, Salvador e Dolores, ambos baseados nas histórias reais de centenas de pessoas que tiveram dores crônicas e que tivemos a oportunidade de atender ao longo desses anos. Queremos agradecer a cada uma delas que nos confidenciaram suas histórias e confiaram no nosso trabalho e, assim, nos permitiram também aprender e desenvolver novos conhecimentos. Ao longo do livro, discutiremos temas importantes para que você lide melhor com as suas dores, que, em conjunto com os depoimentos de nossos personagens, ajudarão você a olhar para o seu problema com outros olhos. Você conhecerá as histórias, as dúvidas e os caminhos que Salvador e Dolores seguiram até conseguir se libertar da sensação de impotência que a dor provocou no dia a dia deles. Primeiro, você conhecerá nossa personagem Dolores, que vai auxiliá-lo a perceber o quanto a dor interferiu em diferentes áreas de sua vida; e depois Salvador, que contará a maneira como estava convi- vendo com sua dor crônica e de como foi compreendendo o sentido dela no seu cotidiano. Depois, falaremos sobre os mecanismos de A experiência de dor é única, e a maneira como cada um a descreve é exclusiva e subjetiva. Capítulo um 1 DOR CRÔNICA É UM PROBLEMA SÉRIO 1 9 ação da dor para que você conheça e identifique estressores (fatores que desencadeiam estresse) que podem aumentar, provocar ou diminuir a intensidade das suas dores. A seguir, Dolores e Salvador contarão como encontraram fontes de motivação para seguir com os tratamentos indicados. Você também aprenderá sobre o papel do estresse e de suas emoções e sentimentos para a buscade bem-estar e de que maneira os hormônios da felicidade e a qualidade dos rela- cionamentos que mantém podem auxiliá-lo a se sentir saudável e satisfeito com a sua vida. Ferramentas que podem contribuir com a melhora de sua qualidade de vida também serão discutidas. E, por fim, falaremos sobre como você pode se beneficiar da navegação pela internet na busca de informações a respeito do seu problema e as possibilidades de tratamento. É indiscutível que tratar de dores crônicas requer um olhar mais amplo, que necessita, muitas vezes, de cuidados multidisciplinares e, dentre eles, os de aspecto psicológico, assunto deste material. A dor crônica é um fenômeno complexo que não apresenta apenas uma causa, mas várias, que, muitas vezes, são difíceis de ser identificadas. O sucesso do tratamento depende da realização de um diagnóstico preciso, da escolha dos medicamentos e das condutas SALVADORDolores 2 0 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS terapêuticas mais adequadas para cada situação (acupuntura, sessões de fisioterapia, sessões de psicoterapia, reeducação alimentar, entre outras possibilidades terapêuticas). Outra parte que também contribui para a melhora ou a piora de uma dor diz respeito à pessoa dispor de recursos próprios de enfrentamento (são os esforços, cognitivos e comportamentais, que cada um utiliza para lidar com situações estressantes), mostrando-se mais ativo e comprometido com o seu tratamento e autocuidado. Como você descreve as suas dores? Uma sensação tão intensa tem se tornado um desafio para ser descrito e definido! A primeira definição surgiu em 1979 pela Associação Internacional para Estudos da Dor (IASP), e nos últimos anos têm ocorrido muitas tentativas de redefinição. Recentemente (2020)1 amu“arap9791edoãçinifedausauolumroferPSAIairpórpa, experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou seme- lhante àquela associada, a uma lesão tecidual real ou potencial”, ou seja, uma experiência associada a uma lesão existente ou que pode surgir na pele, no músculo, no nervo ou na articulação de órgãos ou partes do corpo. Se por um lado tem sido complicado para a área da saúde chegar a um consenso para definir o conceito de dor, por outro é indiscutível que ela, especial- mente quando crônica, é um problema de saúde pública. Com certeza, não é fácil lidar com dores, ainda mais quando perduram por um período superior a três meses e não diminuem com o uso de medicamentos. As dores crônicas não são sintomas ou As dores crônicas não são sintomas ou sinais de alerta da presença de alguma doença, mas são entendidas como a própria doença. Capítulo um 1 DOR CRÔNICA É UM PROBLEMA SÉRIO 2 1 sinais de alerta da presença de alguma doença, mas são entendidas como a própria doença. A dor pode surgir em qualquer parte do corpo e, de acordo com o diagnóstico definido, o tratamento pode mudar, já que existem diferentes tipos de dor. Você sabe o seu diagnóstico? Você entende o porquê de tomar determinados medicamentos ou a necessidade de seguir, em algumas circunstâncias, em tratamento com profissionais de diferentes áreas da saúde? A dor crônica, mundialmente, tem provocado significativo impacto biopsicossocial, econômico e está entre as principais causas de incapacidade relacionada ao trabalho. Ela é o maior motivo de procura por assistência médica e a cada ano 1 entre 10 pacientes é diagnosticado com dores crônicas no mundo2-4. Infelizmente, na América Latina não temos dados claros de sua prevalência na população, mas no Brasil estudos recentes apontam que ela afeta entre 40% e 76% dos brasileiros5,6. 2 2 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS As dores crônicas podem provocar impactos no cotidiano de uma pessoa nas áreas7-11: Psicológica: pode causar ansiedade, depressão, raiva e pensamentos pessimistas. Física: pode reduzir os movimentos, provocar alteração no sono e fadiga (cansaço muscular). Social: afastamento do trabalho, diminuição do lazer, problemas econômicos, aumento de dependência de outros e conflitos nas relações interpessoais. Tais impactos comprometem, de forma global, a vida dos que sofrem com dores crônicas e provocam muitas repercussões ruins, como: incertezas, medos, desespero, desinteresse, depressão, raiva, preocupações, sensação de inutilidade, entre outras. Capítulo um 1 DOR CRÔNICA É UM PROBLEMA SÉRIO 2 3 você avalia o impacto da dor na sua ? Como vida ? 2 4 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS + A dor pode ATRAPALHAR: TRATAMENTO Você: PROJETO de vida espiritualidade sono sexualidadeFAMÍLIa autoimagem atividade física lazer Apoio Social trabalho ATRAPALHARATRAPALHAR equipe multi / interdisciplinar MÉDICO, DENTISTA, FISIOTERAPEUTA, PSICÓLOGO E OUTROS diagnóstico tratamentomais indicado MUDANÇAS NO ESTILO DE VIDA E AUTOCUIDADO juntos tratam de dores crônicas ++ o impacto da e TraTamento DOROR dores crônicas atingem dos brasileiros a se tem duração de mais de é dor crônica Pode afetar parte do corpo 2 5 Capítulo Dois O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO Olá, meu nome é Dolores, e por muito tempo achei que minha mãe tinha previsto que chegaria um dia que eu teria tanta dor pelo corpo e tamanho sofri- mento que chamar Dolores seria o mais natural. Hoje tenho 55 anos e posso dizer que conheci o que era ter dor crônica há muito tempo. Por tantas vezes me perguntei como era não sentir dor, pois esta sensação se perdeu nas minhas memórias depois de tantos anos de sofrimento. Um dia acordei e as dores lá estavam, insuportáveis, já não adiantava mais tomar comprimidos e usar pomadas. Essas dores estavam me impedindo de trabalhar e de seguir com a minha rotina. Eu me perguntava o que estava acontecendo com o meu corpo e não conseguia encontrar respostas. 22 D 2 6 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS Uma amiga me falou que existiam especialistas que tratavam de dores crônicas, e eu não tinha ideia de que existiam profissionais que faziam isso. Mas fez muita diferença! Com eles, descobri que tinha fibro- mialgia e aprendi que, para tratar a dor, muitas vezes era preciso olhar e cuidar melhor de mim em várias áreas da minha vida, era importante entender mais sobre os mecanismos de ação da dor, que existem diferentes especialidades médicas que tratam de dores crônicas e que você precisa saber um pouco mais sobre o seu problema para entender qual é o médico de dor que deve procurar. Além disso, pude descobrir que outros profissionais da área da saúde também ajudam nesse processo, como fisioterapeuta, profissional de educação física, nutricionista, odontologista, enfermeiro e psicólogo. Todos esses profissionais podem nos auxiliar no manejo das dores. A dor prolongada pode estar interferindo na sua vida em muitas áreas e pode afetar seus pensamentos, emoções e comportamentos, podendo, inclusive, torná-lo refém de seu sofrimento. Vou comparti- lhar com você aquilo que aprendi e que me ajudou a mudar a maneira de lidar com as dores. Talvez minha experiência possa ajudar. Para começar, responda para si mesmo esta questão: D Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 2 7 Como era a sua vida antes de aparecer esta(s) dor(es)? Se está com dificuldade de responder, não se preocupe. Também foi difícil para eu pensar nisso, até que conheci um questionário que me ajudou a lembrar da minha vida antes da dor. Para ajudar você, responda ao mesmo questionário que preenchi quando comecei o meu tratamento. IMPACTO PSICOSSOCIAL DA DOR (IPD) Este questionário foi desenvolvido para que você possa compreender de que forma a dor afetou sua vida. Por gentileza, procure responder da forma mais sincera, pois, apesar de não existir uma pontuação para as respostas, as perguntas auxiliarão a refletir sobre as áreas que foram mais afetadas pela dor. Quais áreas da sua vida foram mais afetadas pela dor? Assinalar até três: Trabalho Atividade física Espiritualidade/religião LazerFamíliaAutoimagem Apoio social Sono Sexualidade Projeto de vida Quais áreas da sua vida são mais importantes para você? Assinalar até três: Trabalho Atividade física Espiritualidade/religião LazerFamília Autoimagem Apoio social Sono Sexualidade Projeto de vida D 2 8 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS Quando respondi ao questionário, percebi que minha dor me atrapalhava em duas das três áreas que considerava mais relevantes no meu dia a dia. E foi assim que comecei a entender o quanto esse desconforto estava me prejudicando. Esse questionário segue com perguntas sobre cada uma das áreas referidas abordando como eu as via antes e depois da dor. Fiquei assustada, pois percebi que respondia rapidamente o depois da dor, mas que, muitas vezes, hesitava em falar sobre o meu cotidiano antes de ela surgir. Pude perceber que estar com dores constantes e por um período prolongado teve consequências em diversas áreas da minha vida de modo diferente. Notei também que meus pensamentos estavam totalmente focados na minha trajetória de sofri- mento e percebi que ser sofredora estava fazendo parte da minha identidade. trabalho trabalho SONO vida socialvida social Família Áreas de Maior Impacto Áreas mais importantes Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 2 9 Se quiser responder ao questionário inteiro, como Dolores, acesse o QR Code ou preencha abaixo. Responder ao IPD pode ajudá-lo a identificar, de fato, o quanto a dor impactou no seu dia a dia. Assim como a Dolores mencionou, quando estamos com dor, além de ter que lidar com esse desconforto, que é desagradável, temos que administrar as limitações impostas por ela, e isso gera diversos sofrimentos12. Alguns se sentem mal por não conseguir seguir com a sua vida no mesmo ritmo de antes, outros se culpam por não dar conta de ser produtivos ou “multitarefa” (quando nos vemos obrigados a responder às mais variadas exigências, em diversas áreas, ao mesmo tempo). Esta forte pressão para cumprir com altas expec- tativas vem de nós mesmos, de familiares e da sociedade como um todo. O não cumprimento pode gerar sentimento de culpa e, quando Quais áreas da sua vida foram mais afetadas pela dor? Assinalar até três: Trabalho Atividade física Espiritualidade/religião LazerFamília Autoimagem Apoio social Sono Sexualidade Projeto de vida Quais áreas da sua vida são mais importantes para você? Assinalar até três: Trabalho Atividade física Espiritualidade/religião LazerFamília Autoimagem Apoio social Sono Sexualidade Projeto de vida quanto a dor impactou no seu dia a dia também pode ser feito por aqui 3 0 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS aliado à busca pelo perfeccionismo, resulta em baixa satisfação com a vida e pouca realização pessoal. Devemos lembrar que querer fazer muitas coisas ao mesmo tempo aumenta a chance de cometermos erros, embora tenhamos a falsa impressão de que estamos dando conta de duas ou mais atividades! Vivemos em uma sociedade que valoriza pessoas bem-sucedidas, especialmente financeiramente, e, sob esta referência, uma pessoa com dores pode se desvalorizar, o que, por sua vez, interfere na sua autoestima assim como pode afetar o humor. Também é comum que a pessoa se sinta ansiosa ou deprimida ou oscile entre momentos que provoquem traços de ansiedade e de depressão. Você já notou se seu humor está diferente depois do aparecimento das dores? Um ponto a ser destacado é que a dor pode provocar altera- ções de humor, assim como oscilações de humor também podem interferir na percepção da dor. É comum, além disso, a presença de traços de ansiedade e/ou depressão quando a pessoa está com dores crônicas e não segue nenhum tratamento ou quando segue e não percebe melhora expressiva. SMOaodnuges,euqéodatlasserresaetnatropmiodadmU (Organização Mundial da Saúde), o Brasil é o país mais ansioso do mundo e está em quarto lugar quando se refere à depressão13, ou seja, os brasileiros que sofrem desses transtornos de humor podem ficar mais vulneráveis à piora ou à manutenção de quadros de dor, uma vez que fatores psicológicos podem alterar a sensibilidade do sistema nervoso central, resultando em dores mais intensas14, a dor pode provocar alterações de humor, assim como oscilações de humor também podem interferir na percepção da dor. Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 3 1 o que reforça a importância de conhecermos melhor esse processo dentro do nosso corpo. Nas próximas páginas, com o auxílio da Dolores, vamos discutir sobre algumas áreas da nossa vida que são importantes para o nosso bem-estar e que podem ter sido afetadas pelo impacto da dor. PROJETO de vida espiritualidade sono sexualidade FAMÍLIa autoimagem atividade física lazer Apoio Social trabalho A dor pode ATRAPALHAR:ATRAPALHARATRAPALHAR 3 2 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS O trabalho é imposto para nós como uma condição necessária, algo natural, inerente a nossa subsis- tência, em que todos na sociedade desenvolvem algum tipo de atividade, enquanto aquele que nada faz é visto como alguém improdutivo, que está fadado à alienação (condenado à indiferença) e costuma ser desvalorizado socialmente. Muito embora a palavra “trabalho” esteja comumente associada às pessoas que fazem alguma atividade profissional regular e remune- rada, hoje temos a legitimação de trabalhos voluntários, que não envolvem salário, espaço que também pode ser considerado para as pessoas que fazem atividades do lar, que não têm em troca ganho financeiro. Ao mesmo tempo que o trabalho nos traz status e reflete nosso papel na sociedade, ele pode, pela cobrança de alta perfor- mance nossa ou da instituição, se tornar uma sobrecarga. A inci- dência maior de estresse no ambiente de trabalho pode acentuar a intensidade de dor ou a cronificação deste processo15,16. Devemos considerar também que os estudos podem sobrecarregar a pessoa que está com dores a querer cumprir com as suas obrigações e ativi- dades com rigor, sem mencionar a possível dificuldade de assimilar conhecimentos devido à intensidade de dor ou efeitos colaterais de alguns medicamentos. trabalho Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 3 3 Eu trabalhava em banco e tinha um ritmo acelerado, mas quando minhas dores ficaram muito fortes precisei me afastar do emprego. Tive vários afasta- mentos pelo INSS, e quando retornava ao trabalho rapidamente tudo o que tinha melhorado desapa- recia e precisava solicitar novo afastamento para me tratar. Na época, estava com 32 anos e ninguém pensaria em aposentar por invalidez. Fiquei mais dez anos trabalhando no banco, acumulando afastamentos, até não dar mais para voltar. Hoje me pergunto se valeu a pena ter me forçado tanto tempo em permanecer em um trabalho que não me fazia feliz e me conformo pensando que precisava do dinheiro. Às vezes, o que fazemos não é tão agradável quanto gostaríamos devido ao ritmo exigido, outras vezes pela atividade, mas percebo hoje que o que mais me afetava era o ambiente e a relação com os meus colegas, pois havia muita competição, “puxadas de tapete” e fofocas. Notei que as relações no trabalho eram bem superficiais, pois quando ficava ruim e me afastava ninguém se preocupava em me telefonar ou me visitar. Logo entendi que enquanto era útil, era bem tratada pelos colegas e pela chefia, mas depois que passei a ter restrições de movimentos não havia mais solida- riedade, é como se pudesse ler em suas mentes: “Se vira, já tivemos que fazer a sua parte enquanto você descansava em casa”. D 3 4 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS Procure identificar se suas dores se acentuaram ou pioraram devido a questões ligadas à sua atividade ocupacional. Dê uma nota de 0 a 5 para o quanto entende que esta área está prejudicada no seu dia a dia, sendo 0 nenhum prejuízo e 5 totalmente prejudicada. Para você refletir • A dor atrapalha ou impede você de trabalhar? • Vocêse pressiona ou se sente pressio- nado pelos outros para melhorar o seu desempenho? • Estava satisfeito com as suas condições e/ou relações no trabalho? • Se sente improdutivo e se deprecia por não estar cumprindo com suas tarefas? ( 0 ) ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 3 5 Entendemos rede de apoio social como as relações que podem ser fonte de suporte (círculo de amizades, colegas de trabalho, membros de comu- nidade ou igreja, vizinhos, outras pessoas com quem você conviva), que podem interferir de forma positiva ou negativa no seu processo de melhora. O apoio social é uma das chaves para o enfrentamento positivo da dor crônica. Portanto, a qualidade das relações sociais que estabelecemos são fatores importantes17. É fundamental que você avalie a qualidade dos relacionamentos que mantém no seu dia a dia, assim como da sua interação com os profissionais da área de saúde, caso esteja fazendo tratamento. Deve-se lembrar que, atualmente, a rede de apoio social é comumente confundida com as redes sociais da internet (Facebook, Instagram, Twitter, WhatsApp, entre outras). Claro que essa realidade traz novos caminhos de relacionamento pelo meio digital, mas não necessariamente promovem benefícios seme- lhantes à qualidade de relacionamentos desenvolvidos presencial- mente e, dificilmente, podem ser ponderados como apoio efetivo na vida das pessoas. A dor pode atrapalhar o desempenho de atividades sociais valorizadas pelas pessoas que o cercam ou por você mesmo e impedir de alcançar o grau de engajamento social que esperam ou que você desejaria atingir, provocando sofrimento e, assim, podendo aumentar a intensidade do quadro álgico (quadro de dor). É comum que pessoas que estão com dores crônicas, quando em um contexto social, sofram pressão para se comportar de determi- nada maneira e acabem se sentindo inferiores e apresentando receios diante dos outros. Muitos se sentem confortáveis apenas em casa, retraindo-se cada vez mais, buscando isolamento social por sentirem falta de acolhimento dos outros para sua situação atual18. Apoio Social 3 6 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS Você já vivenciou ou está passando por um momento semelhante? Existem estudos que têm mostrado que, quando a pessoa com dores crônicas se sente excluída ou pouco compreendida por pessoas próximas, a solidão é vivenciada de modo negativo e torna-se um fator que pode prever maior intensidade de dor18. Quando encontramos com alguém na rua que não vemos há muito tempo, é comum que surja a pergunta: O que você tem feito? As pessoas esperam respostas que falem sobre o seu status social e produtividade. Quando eu respondia que estava me tratando de dores crônicas, percebia a cara de surpresa e a expressão de pena do outro. E aí vinha outra pergunta: Faz tempo? Já melhorou? Dependendo do momento do encontro, era difícil responder, pois passei por vários tratamentos malsu- cedidos, e quando falava que não estava melho- rando e que já havia passado por vários médicos, rapidamente o outro disfarçava, dava uma desculpa e logo se despedia, mas sempre com um comentário de “incentivo”: “Tudo vai melhorar, se mantenha animada, pois pensamentos negativos não ajudam!”. Ou ainda partiam para dar conselhos, dicas ou indicar profissionais que conheciam ou tinham um familiar que também estava com dores, mas que agora estava bem e que eu deveria procurar esse novo caminho. Nossa, quantas frases como essas escutei. Ficava muito irritada com conselhos quando não estava solicitando nada disso! Eu pensava: será que acham que assim estão me ajudando? Mas não dizia nada, meus lábios procuravam esboçar um sorriso D Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 3 7 contido e torcia para não encontrar de novo com aquelas pessoas. Acho que assim fui me afastando do convívio social com a plena convicção de que os outros não me entendiam. Assim como Dolores, outras pessoas que têm dor mencionam que nem sempre se sentem compreendidas. A qualidade dos relacio- namentos é um dos aspectos muito importantes para o bem-estar de uma pessoa. Um estudo realizado em Harvard acompanhou, durante 75 anos, a vida de 724 indivíduos, ano após ano, avaliando o trabalho, a vida doméstica e a saúde, e concluiu que os participantes que viveram mais tempo e com mais qualidade de vida foram os que se apoiaram nas relações com a família, com os amigos ou com a comunidade. Avalie a qualidade dos seus relacionamentos sociais. Dê uma nota de 0 a 5 para o quanto entende que esta área está prejudicada, sendo 0 nenhum prejuízo e 5 totalmente prejudicada. ( 0 ) ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) Para você refletir • Você acha que a dor tem atrapalhado a sua vida social? • Sente falta de compreensão e/ou apoio das pessoas com quem convive? • Já ficou chateado com comentários de incentivo dos outros ou se sentiu criticado por eles? • Acha que o apoio de pessoas próximas é fundamental para motivá-lo a lidar com as suas dores? 3 8 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS Hoje todo mundo sabe que fazer atividade física traz bem-estar físico e mental, além de satis- fação com a própria vida. Podemos dizer que os confortos e as facilidades da vida moderna têm feito do sedentarismo (falta, ausência ou diminuição de atividades físicas ou esportivas) a doença do século. É comum as pessoas terem um gasto calórico reduzido semanalmente pela ausência de exercí- cios, o que acarreta perda de flexibilidade articular e compromete o funcionamento de vários órgãos, assim como é uma das principais causas de diferentes doenças, como diabetes, obesidade, aumento do colesterol e infarto do miocárdio. A prática de exercícios pode evitar doenças crônicas como também melhorar o humor, diminuir dores com a liberação de endorfina, ajudar na memória e nas funções cerebrais, melhorar a qualidade do sono e trazer benefícios na perfor- mance sexual e no prazer, entre outros ganhos. É importante identificar se, antes da dor, você já fazia regular- mente alguma atividade física ou se permanecia mais sedentário, usando desculpas como falta de tempo, que fazer exercício é chato ou difícil, ou ainda que não praticava com medo de adquirir lesões. As atividades físicas para uma pessoa que sofre de dores crônicas podem levar, de diversas maneiras (seja por ação/liberação de neurotransmissores, por relaxamento muscular ou diminuição de processos inflamatórios), ao alívio da intensidade da dor, quando realizadas de modo adequado e sob orientação profissional19. Deve-se tomar cuidado, pois, às vezes, ao sentir dor, a pessoa, por medo, reduz a prática de exercícios, podendo provocar um ciclo de desuso de funções corporais, e assim começa a sentir o seu corpo cada vez mais incapacitado20. atividade física Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 3 9 Você já vivenciou ou está sentindo este medo? O medo de movimentar o corpo, denominado cinesiofobia, é quando a pessoa apresenta medo irracional de sofrer lesões por acreditar que seu corpo é extremamente frágil. Assim, a expectativa da dor pode ser mais devastadora que a dor real, levando a pessoa a não realizar atividades que foram indicadas21. Nunca fui de fazer atividade física com regularidade. Na verdade, não tinha jeito para nenhum esporte, e fazer exercício sempre me pareceu difícil e chato. Quando vieram as dores e procurei tratamento, todo médico me dizia que precisava fazer fisiote- rapia, que isso iria ajudar a diminuir o meu descon- forto, mas eu não conseguia entender por que não me davam logo um remédio que tirasse aquelas dores. Como fazer exercício poderia melhorar minhas dores quando nem podia me mexer direito que meu corpo já reclamava? Nas primeiras sessões de fisioterapia, senti muito desconforto, mas segui fazendo, pois precisava acreditar que, de algum modo, todo aquele esforço seria recompensando com a diminuição da intensidade das minhas dores.Confesso que não foi fácil seguir as orientações, mas aos poucos comecei a sentir alívio, que ainda não durava muito. Com o tempo fui percebendo que ficava mais períodos com menos dor e, aos poucos, minhas dores estavam diferentes, mais amenas. D 4 0 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS Existem pessoas que, diferentemente de Dolores, gostam e se comprometem com a prática de exercícios, às vezes até exageram correndo o risco de se lesionar. Quando essas pessoas ficam com dor, sofrem, pois têm que limitar seus movimentos. Nestas circunstâncias, é fundamental compreender que atividades ou esforços físicos podem prejudicá-lo dadas as suas condições físicas atuais e respeitar a neces- sidade de autocuidado até o momento de poder, gradativamente, retomar seu dinamismo (ritmo de atividades físicas) sob orientação de profissionais ou de desenvolver novas possibilidades caso o ritmo anterior não seja mais viável em função de comprometimento físico. Você é daqueles que gostam e valorizam fazer exercícios ou é mais parecido com Dolores, que tinha uma vida mais sedentária? Avalie sobre como a atividade física ocupava espaço na sua rotina e de que maneira isso acontece hoje. Dê uma nota de 0 a 5 para o quanto entende que esta área está prejudicada, sendo 0 nenhum prejuízo e 5 totalmente prejudicada. ( 0 ) ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) Para você refletir • Antes de estar com dores, você fazia exercícios ou praticava algum esporte? • Acredita que fazer atividades físicas pode auxiliá-lo a diminuir suas dores? • Percebe que desenvolveu medo do movimento (cinesio- fobia) depois que suas dores surgiram? • Fazer exercícios traz a você sensação de bem-estar? Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 4 1 Para começar, você precisa saber que espi- ritualidade e religião não estão, necessaria- mente, ligadas. Espiritualidade tem a ver com o propósito e o sentido que a pessoa encontra para a sua vida, ou seja, vai variar de acordo com as crenças e os valores de cada um. Algumas pessoas encontram essa conexão com a religião ou com o divino, enquanto outras associam à convivência com pessoas queridas, à arte, à natureza etc. Nos últimos anos, estudos têm evidenciado que a espiritualidade pode favorecer o tratamento da dor crônica, pois proporciona experiências emocionais positivas na medida em que pode elevar a presença de mediadores químicos no corpo que diminuem a percepção da dor, como serotonina, GABA (conhecido como calmante natural) e dopamina. Além disso, ela pode melhorar o humor e reduzir a tensão muscular, que, muitas vezes, é responsável pela manutenção ou piora do sofrimento e do quadro álgico22. Quanto à religião, ela pode ser uma fonte de inspiração para a espiritualidade. Também existem pesquisas22-24 que mostram que a atividade religiosa pode ter papel ativo na redução do estresse do paciente e, assim, obter maiores indicadores de saúde mental — sabe-se que o índice de estresse pode aumentar em consequência da dor como também quando elevado pode ser um potencializador dela. Tanto a espiritualidade quanto seguir alguma religião podem auxiliá-lo a lidar com suas dores de modo positivo, mas você deve ter cuidado, pois, se está compreendendo que o seu sofrimento pode ser um “castigo divino” ou faz parte do seu “destino”, ou até mesmo que não precisa procurar tratamento pois “Deus irá curá-lo”, está assumindo a postura de resignação, aceitando a condição atual de modo passivo e, deste modo não contribuirá para a sua melhora. Mesmo que siga todas as orientações dadas por profissionais, espiritualidade 4 2 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS é fundamental acreditar no seu próprio poder de melhora para alcançar resultados mais satisfatórios com o tratamento. Sou católica, mas nunca fui muito praticante. Quando as dores começaram, primeiro me revoltei com Deus, pois não entendia o motivo pelo qual estava sendo punida. Entendia que aquelas dores só poderiam ser um castigo divino. Então comecei a rezar muito e a frequentar missas esperando ser perdoada. Com o tempo, percebi que a minha fé não podia ficar associada à possibilidade de melhora, mas sim à vontade de me conectar com Deus e encontrar paz dentro de mim, e assim passei a rezar em busca de bem-estar. Notei que quando modifiquei minhas expectativas, passei a ficar menos estressada e mais confiante de que eu poderia manejar minhas dores com a ajuda de Deus e do tratamento, desde que me mantivesse ativa e cuidando melhor de mim. Dolores percebeu que a religião poderia contribuir para o seu bem-estar quando pôde se conectar à sua fé com expectativas dife- rentes. É importante que você saiba que a espiritualidade ou a religião podem funcionar como elementos que ajudam a efetividade do trata- mento, pois, quando esta conexão traz experiências positivas, estas promovem bem-estar e impedem que você entre em um ciclo vicioso em que situações de estresse podem manter ou aumentar a intensi- dade de suas dores. D Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 4 3 Avalie sobre como a espiritualidade/religião tem espaço na sua rotina hoje. Dê uma nota de 0 a 5 para o quanto entende que esta área está prejudicada, sendo 0 nenhum prejuízo e 5 total- mente prejudicada. ( 0 ) ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) Para você refletir • Você identifica algum sentido para a sua vida (espiritualidade)? • Percebe se ter fé e seguir alguma religião auxilia você a diminuir suas dores ou sofrimento? • Acredita que sentir dor faça parte do seu destino? • Você acha que sua dor pode ser um castigo? 4 4 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS A família representa a união entre pessoas que possuem laços sanguíneos, de convivência e baseados no afeto. Ela é compreendida como a primeira instituição responsável pela socialização dos indivíduos. Ao longo dos anos, o significado de família vem sendo alterado e novos tipos de família têm surgido além da família nuclear (formada por pai, mãe e filhos) e da extensa (que inclui parentes próximos). Estudos25-27 com pessoas com dores crônicas evidenciam que a qualidade do relacionamento entre quem está com dor e seus familiares interfere na maneira como ele vai lidar com o sofrimento e no seu compromisso com o tratamento. Os familiares podem ser acolhedores e o apoiarem, considerando suas dificuldades e necessidades, ou serem críticos e cobrarem a melhora do adoeci- mento e o desempenho de papéis sociais que deixou de assumir em função da doença/dor. Há famílias que superprotegem, fazendo pela pessoa que está com dor atividades que ela poderia realizar, o que pode reforçar a sensação de improdutividade ou estimular a sensação de vitimização pela dor. Outros reforçam a sensação de desamparo, mostrando-se indiferentes ou tendo atitudes de rejeição à sua condição atual e ao sofrimento associado. Também deve-se ponderar se o papel que a pessoa que está com dor sempre ocupou no ambiente familiar modificou-se muito em função do adoeci- mento, podendo gerar tensão nas relações em casa. Minha família sempre teve um papel importante na minha vida. Meus pais, irmãos, marido e filhos continuamente foram minhas preocupações e moti- vações para viver. Sempre ocupei o papel de dar bons conselhos e ser aquela que zelava pela família, procurando mediar os problemas. Quando vieram FAMÍLIa D Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 4 5 as minhas dores, sinto que todos perderam o chão, pois eu, Dolores, aquela que estava sempre disposta a ajudar quando alguém precisasse, desabei! No começo escondi o meu sofrimento e minhas limi- tações, mas como não passava ficou impossível ignorar que já não podia mais dar conta do papel que todos esperavam. Me senti mal, envergonhada e fracassada quando percebi que já não podia agir como antes. Aos poucos, entendi que precisava respeitar meus limites e que meus familiares neces- sitavam entender que a situação havia mudado e quetodos precisavam rever suas posições na família. Hoje percebo que não sabia valorizar minhas necessidades, os outros sempre estavam em primeiro lugar. É importante que você se lembre que, assim como a dor interfere na sua vida, ela também traz reflexos para o cotidiano daqueles que convivem com você. O sofrimento causado pela dor é singular, mas, quando convivemos no ambiente familiar, nossos fami- liares compartilham da nossa experiência. Por vezes o apoio deles pode nos ajudar (ser funcional), incentivando e motivando para não nos tornarmos reféns da dor, mas há momentos, por outo lado, em que podemos sentir falta de acolhimento e entendimento por parte de nossos entes queridos em relação ao que estamos vivenciando e sentir que eles não conseguem oferecer o apoio de que realmente necessitamos28,29. Muitos estudos mostram que o ambiente familiar é o primeiro espaço de aprendizado de como iremos expressar dor e sofrimento, depois vêm o reforço social e a influência da cultura, que pode reconhecer ou não o que estamos sentindo. D 4 6 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS Minha família tinha uma imagem de mim de que eu jamais precisaria de auxílio, me viam como uma supermulher! Atualmente percebo o quanto querer corresponder a esta expectativa interferiu no meu autocuidado e enfraqueceu minha autoestima. E você, como vê a relação com a sua família antes e depois que começou a ter dores? Dê uma nota de 0 a 5 para o quanto entende que esta área está prejudicada, sendo 0 nenhum prejuízo e 5 totalmente prejudicada. ( 0 ) ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) Para você refletir • O quanto a sua família é importante para você? • A dor provocou impacto na sua vida familiar? • A atitude da sua família tem ajudado você a manejar a dor? • Você acha que seus familiares compreendem a sua situação? D Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 4 7 Falar sobre sexualidade, normalmente, é visto como um assunto delicado e complexo. Embora a sexuali- dade seja uma condição humana que é construída durante toda a vida de uma pessoa, é comum que fiquemos pouco à vontade para falar sobre este tema. Para começar, não é fácil conceituá-la, já que envolve mais do que as características dos sistemas genitais masculino e feminino e dos mecanismos de reprodução, como o ato sexual. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)30, a sexualidade é um dos pilares da qualidade de vida: A sexualidade é um aspecto central do ser humano ao longo da vida e abrange sexo, papéis e identidade de gênero, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução. A sexualidade é vivenciada e expressa por meio de pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos, práticas, papéis e relacionamentos. Embora a sexualidade possa incluir todas essas dimensões, nem todas são sempre vivenciadas ou expressas, uma vez que ela é influenciada pela interação de fatores biológicos, psicológicos, sociais, econômicos, políticos, culturais, éticos, legais, históricos, religiosos e espirituais. Logo, a sexualidade não é sinônimo de relação sexual e não se limita à ocorrência ou não de orgasmo. É muito mais que isso, é a energia que nos motiva a encontrar amor, contato e intimidade, e se expressa na forma de sentir, nos nossos movimentos, e de como tocamos e somos tocados. A sexualidade influencia nossos pensa- mentos, sentimentos, ações e interações e, portanto, a nossa saúde física e mental. sexualidade 4 8 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS É um conceito que está baseado na atração sexual e na afeti- vidade compartilhada entre as pessoas, e é muito comum logo ser associada a sexo (o termo “sexo” refere-se ou aos órgãos genitais ou ao ato sexual). Todavia, existem muitos outros elementos que podem mobilizar esta energia, como referido pela OMS. A sexualidade é relativa e pessoal, visto que o que pode ser considerado prazeroso para alguns pode não ser para outros. Além disso, ela se desenvolve de acordo com as experiências de cada pessoa. Além dos fatores biológicos (anatômicos, fisiológicos etc.), a sexualidade de uma pessoa pode ser fortemente afetada pelo ambiente sociocultural e religioso em que ela está inserida31. Muitas pessoas que têm dores crônicas dizem que a vida sexual ficou prejudicada devido à dor: medo de que a prática de sexo possa exacerbar o desconforto físico, reclamações sobre os efeitos colaterais das medicações tomadas, que podem diminuir a libido, dificuldades na performance e nas posições realizadas durante o ato sexual, entre outras insatisfações. Em outros casos, o relacionamento afetivo já estava desgastado por outros fatores, e a dor ou a medicação são vistas como bode expiatório, ou seja, como justificativas para evitar o relacionamento sexual ou o contato mais íntimo com o parceiro(a)32,33. Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 4 9 Quando começaram as dores, comecei a ficar com medo de fazer sexo com o meu marido, pois acredi- tava que só ia piorar o que estava sentindo. Alguns remédios diminuíram a minha libido. Lembro que algumas vezes só fiz sexo para agradar o meu marido, já que não fazíamos mais com a mesma frequência. Voltar a ter vontade de ter relação sexual foi uma das últimas coisas que recuperei com o progresso do tratamento. É certo que muitas pessoas como a Dolores percebem que a vida sexual foi prejudicada com as dores, mas o que não sabem é que diferentes estudos comprovaram que a prática de atividade sexual regular pode levar ao alívio parcial ou completo da dor, especial- mente de cefaleias e enxaquecas, dentre outros benefícios para a saúde da pessoa. E você, como vai esta área na sua vida? Dê uma nota de 0 a 5 para o quanto entende que esta área está prejudicada, sendo 0 nenhum prejuízo e 5 totalmente prejudicada. ( 0 ) ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) Para você refletir • Você tinha uma vida sexual satisfatória antes da dor? • Percebeu se suas dores pioram quando tem relações sexuais? • Sente que a dor afetou sua sexualidade de forma mais ampla? • Consegue notar benefícios na troca de carinho e outras inti- midades para o alívio de suas dores? D 5 0 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS O sono é essencial à saúde porque repara, regenera e revigora o organismo. Extensos períodos de privação desse descanso podem aumentar o risco de problemas no coração, obesidade, câncer, diabetes, depressão ou queixas relacionadas à dor. A boa qualidade do sono pode ser um grande aliado no tratamento da dor crônica ou, quando ruim, pode prejudicar, estimulando ou intensificando a dor. Estudos clínicos e experimentais, tanto em humanos como em animais, confirmam a associação entre a redução da eficiência do sono e manifestações dolorosas: o sono torna-se fragmentado, obser- va-se aumento no número de despertares, assim como dificuldade para dormir ou acordar34,35. Como está a qualidade do seu sono? Você identifica algumas das dificuldades aqui mencionadas? Segundo a Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED), aproximadamente 50% dos pacientes com dor crônica relatam algum problema de sono, como dificuldade para dormir e para despertar, sendo que estes problemas estão intimamente associados à gravidade da dor36. Um estudo mais recente34 atualizou estes dados afirmando que os problemas de sono estão presentes em 67% a 88% dos pacientes com dor crônica e, em pelo menos 50% das pessoas, a insônia aparece como o distúrbio do sono mais diagnosticado. Tanto a dor pode prejudicar a qualidade do sono quanto o sono pode intensificar a dor, logo o tratamento deve enfocar não apenas no alívio da dor, mas também nos distúrbios do sono. sono Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 5 1 Deve-se levar em conta a influência de fatores emocionais, a disfunção respiratória, a limitação motora, o condicionamento físico e o uso de medicamentos que alteram o padrão do sono. Nos distúrbios do sono,além da sonolência diurna, outras manifestações devem ser levadas em conta, como a fadiga, os distúrbios de humor e as dificul- dades de raciocínio37. Nunca dormi 8 horas como costumam dizer que é bom, pois a noite era o momento que tinha para ver televisão e me distrair um pouco e, muitas vezes, dormia tarde porque ficava entretida jogando no celular ou olhando meu Facebook e Instagram. Quando as dores vieram, tudo piorou, pois não tinha mais posição na cama que fosse confor- tável, e pegar no sono ficou ainda mais difícil. Passei a dormir menos de 5 horas por noite e me levantar ficou muito difícil. Sempre acordava com a sensação de que precisava ter dormido mais. Meu corpo vivia dolorido, cansado e pesado, e me sentia sem energia nenhuma para seguir com o meu dia. Quando comecei a tomar medicamento para ajudar no sono, pude entender o que os médicos diziam sobre a importância de dormir bem, pois a falta de energia e o cansaço constante começaram a diminuir e passei a me sentir mais disposta. D 5 2 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS Verificar o quanto o seu sono tem qualidade é fundamental, pois hoje se sabe o quanto distúrbios do sono podem prejudicar a saúde, inclusive atrapalhando a nossa capacidade de memorizar e de aprender38. Uma pessoa com privação de sono não consegue focar a atenção de forma ideal e, portanto, não pode aprender com eficiência. Além disso, o próprio sono tem um papel na consolidação da memória, o que é essencial para o aprendizado de novas informações. Você precisa melhorar a qualidade do seu sono? Dê uma nota de 0 a 5 para o quanto entende que esta área está prejudicada, sendo 0 nenhum prejuízo e 5 totalmente prejudicada. ( 0 ) ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) Para você refletir • Quando você vai dormir: é sempre no mesmo horário, o ambiente é quieto, com pouca luz e bem ventilado? • Apresenta dificuldade para dormir ou não consegue ter um sono contínuo? • Seu sono geralmente é reparador, ou seja, acorda com energia? • Faz uso de medicamentos para facilitar o sono com orien- tação médica? Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 5 3 Lazer é a prática de alguma atividade durante um determinado tempo do dia que funciona como estra- tégia para distração ou relaxamento e que permite a descarga de nossas tensões, proporcionando prazer e estimulando a nossa motivação. Essas atividades podem ser desde ler um livro, assistir à televisão, ouvir uma música, dançar, correr, jogar boliche, praticar tênis, andar de bicicleta, fazer caminhada, nadar, fazer ginástica, praticar lutas, participar de jogos, ir ao cinema/teatro, viajar... Enfim, qualquer atividade que tenha como fim promover bem-estar pode ser incluída aqui. Logo, quando optamos por uma prática de lazer, optamos, na verdade, por experiências que sejam agradáveis, adequadas ao tempo livre e ao interesse pessoal, que podem estar associadas, ou não, a ganhos para a nossa saúde física e funcional. Ou seja: atividades de lazer podem trazer benefícios biológicos e aumentar a nossa parti- cipação e interação social, o que, certamente, também pode levar a resultados na manutenção da saúde e da qualidade de vida. Vários estudos39-42 demonstram que pessoas que sofrem com dores crônicas e que têm práticas de lazer apresentam vários benefícios: aumento da força muscular, diminuição de dor, melhora do humor, diminuição da perda óssea e aumento da capacidade funcional. lazer 5 4 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS Nos atendimentos, muitas vezes, nossos pacientes dizem que ficam tão focados em tratar da dor que não têm tempo para atividades de lazer, e assim deixam de utilizar um caminho que pode beneficiá- -los também em relação à dor. Sabemos que não é fácil encontrar ações que nos distraiam da dor ou que nos divirtam quando ela está forte, mas, se fizermos um esforço e nos dedicarmos a procurar, podemos, aos poucos, romper com o ciclo dor-desânimo-dor. Sempre gostei muito de sair com meus familiares nos finais de semana para nos divertir, mas quando as dores vieram já não conseguia mais. Não tinha disposição, nada me distraía e nem me achava boa companhia, já que tinha dor em qualquer posição. Fui deixando de fazer coisas que me traziam bem-estar, como ouvir música e assistir à televisão, e percebi que justificava pela dor, mas na verdade era muito mais o meu humor. Em alguns momentos me sentia triste e em outros revoltada. Conforme iniciei o tratamento, os profissionais falavam sobre a importância de fazer atividades que me distraíssem da dor e me trouxessem bem-estar. Diziam que não precisava retomar tudo de uma vez e que também poderia encontrar outras formas de me distrair, caso o que quisesse fazer, no momento, não fosse possível devido às dores. Assim, aos poucos fui retomando algumas atividades e descobrindo novas, e percebi que me ajudavam a ficar menos desanimada e a ter mais energia para lidar com as minhas dores, que ainda eram muito fortes. D Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 5 5 Como anda o seu lazer? Dê uma nota de 0 a 5 para o quanto entende que esta área está prejudicada, sendo 0 nenhum prejuízo e 5 totalmente prejudicada. ( 0 ) ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) Para você refletir • Você praticava atividades de lazer antes da dor? Ainda pratica? • Percebe se no seu tempo livre busca fazer algo que seja agradável para você? • Já notou se as atividades de lazer que pratica funcionam como válvula de escape para quando está tenso? • Considera importante reservar um tempo para realizar ativi- dades de lazer? 5 6 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS A autoimagem se refere à percepçãoque a pessoa tem sobre si mesma nos diversos papéis que ela exerce. Dependendo de como a pessoa se vê, ela irá desenvolver seu autoconceito e, consequentemente, sua autoestima. Assim, a forma como eu me vejo (autoimagem) e a forma como eu me percebo (autoconceito) influenciam diretamente o nível de o quanto eu me aprecio (autoestima). A autoestima pode ser entendida como uma avaliação positiva ou negativa que uma pessoa faz de si mesma. Estar com boa autoes- tima significa se amar e se aceitar reconhecendo suas próprias fraquezas e defeitos. Pensando nisto, tente responder: Como você se vê (autoimagem)? Qual é a ideia que você faz de si mesmo (autoconceito)? O quanto você se valoriza pelo que é (autoestima)? Saiba que a autoimagem, o autoconceito e a autoestima nos auxiliam a nos sentir seguros e confiantes em nossas habilidades e competências, permitindo que fiquemos mais flexíveis para lidar com mudanças e dificuldades, assim como nos ajudam a manter relações mais saudáveis com os demais. Neste sentido, nossa autoestima pode interferir também na percepção de dor. Estudos43,44 mostram que pessoas que se sentem inseguras apresentam pouca credibili- dade em suas próprias capacidades de lidar com a dor (ou seja, baixo senso de eficácia — mais detalhes no capítulo oito) e, assim, acabam permitindo que ela tome o controle de suas vidas — sentem-se prisio- neiras desse desconforto ou impotentes para diminuir a sua condição de sofredores. Algumas pessoas têm necessidade de se mostrar tão autoimagem Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 5 7 fortes que negam suas fragilidades e, por vezes, desrespeitam suas limitações atuais, brigando contra a dor a qualquer custo, o que pode aumentar sua intensidade e gerar crises de dor. Engordei 20 quilos depois que começaram as dores e infinitos tratamentos sem sucesso. De início, comia doces para aliviar meu mal-estar por sentir muitas dores e não ver perspectiva de melhora, mas com o tempo passei a comer por desânimo e ansiedade de ver minha vida totalmente diferente, na verdade prejudicada devido a essas dores que pareciam incontroláveis. Percebi que, além de não estar contente com a minha aparência, comecei a ficar mais retraída e sem paciência com meus fami-liares e amigos. Entrei em um círculo vicioso, pois passei a comer para aliviar meu sofrimento ora devido às dores fortes e ora devido à minha insatis- fação comigo mesma e com o meu corpo. É como se nada pudesse fazer eu me sentir bem. Mesmo os chocolates que passei a comer sem controle me davam a sensação de bem-estar por pouco tempo, logo vinha a culpa e a raiva pela minha falta de autocuidado. Acredito que, muitas vezes, o fato de não estar bem comigo mesma não só afetou o meu relacionamento com pessoas com quem eu me importava como também me fez perceber que a falta de autoestima parecia uma bomba-relógio que facilitava eu me sentir incapaz de poder manejar minhas dores, e isto dificultava a minha adesão com o tratamento. Quando comecei a lidar com esse meu lado “sabotador”, pude aos poucos perceber que eu também estava atrapalhando a possibili- dade de sucesso do meu tratamento. D 5 8 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS Como você avalia que está a sua autoimagem, seu autoconceito e sua autoestima? Acredita que isto pode estar interferindo na maneira como vem lidando com suas dores ou de como tem se comprometido com o seu tratamento? Dê uma nota de 0 a 5 para o quanto entende que esta área está prejudicada, sendo 0 nenhum prejuízo e 5 totalmente prejudicada. ( 0 ) ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) Para você refletir • Você valoriza suas conquistas e tenta aprender com suas derrotas? • Evita se comparar com os outros? • Reconhece seus defeitos e qualidades? • Tem tentado se transformar em uma pessoa melhor? Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 5 9 Projeto de vida é o plano que uma pessoa traça para seguir na vida. Ele é um esquema vital que se encaixa na ordem de prioridades, valores e expecta- tivas para ser realizado ao longo de sua existência. Está vinculado à busca de felicidade e autorrealização, uma vez que inclui planos para promover bem-estar e trazer para a pessoa a consciência daquilo que ela quer e luta para conseguir. Você tem objetivos definidos e claros para a sua vida? Acredita que pode realizá-los? A dor crônica pode interferir na vida de uma pessoa funcionando como um bloqueio que interrompe ou desorganiza o projeto de vida estabelecido. Quando ela ocupa um papel tão central no dia a dia, os esforços e a motivação se dirigem para a busca da cura, transformando-se no único ou no maior projeto pessoal. Outras vezes, a pessoa tem dificuldades para seguir com suas metas, pois seu quadro álgico (dor) impede ou dificulta a reali- zação desses planos, e a sensação de fracasso ou de irritabilidade passa a ser mais frequente. Há também aqueles que estão com dor e percebem que nunca investiram em um projeto de vida claro ou bem definido, mesmo antes da dor. Desse modo, fica mais difícil buscar outras fontes de motivação que não seja se livrar dela a qualquer custo, pois passam a vê-la como um grande inimigo a ser combatido. Não se trata de vencer a dor ou perder para ela, mas é preciso transformá-la em uma experiência que aumente seus conhecimentos sobre você mesmo, que permita identificar suas prioridades e avaliar o quanto investe nelas no seu dia a dia ou se seus planos são aqueles que nunca realizou ou que não acredita que possa colocá-los em ação45. PROJETO de vida 6 0 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS É comum que nos dediquemos à busca de uma vida confor- tável cujas conquistas materiais permitam que os outros reconheçam nosso sucesso e, muitas vezes, este é um dos fatores que podem aumentar ou diminuir nossa autoestima. Uma pessoa com uma boa autoestima é impulsionada a pensar com mais clareza e se mostra capaz de utilizar recursos próprios para progredir e alcançar o que almeja fazendo planejamentos mais eficientes. Nos últimos anos, tem crescido o número de estudos na área da Psicologia evidenciando que não existe receita para a felicidade e que esses momentos são consequência de realizações de planos pessoais. Falaremos um pouco mais adiante, no capítulo seis, sobre nossas fontes de motivação e do quanto elas podem contribuir para a nossa sensação de bem-estar e realização do nosso projeto de vida. Vamos ver o que a Dolores tem a dizer sobre o seu projeto de vida. Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 6 1 D Percebi que, fora pagar minhas despesas e me dedicar às necessidades da minha família, nunca organizei, de fato, um projeto de vida. Acho que, quando as dores vieram, ficou mais claro isto para mim. Me senti frustrada e impotente, já que não estava recebendo financeiramente como antes e não tinha força nem disposição para continuar cuidando de meus familiares como fazia. Fiquei com muita raiva da dor que me colocou nesta posição de impotência, mas aos poucos pude perceber que eu não olhava para as minhas próprias neces- sidades muito antes de começar a sentir dores e que as minhas fontes de motivação estavam mais centradas fora de mim, o que aumentava a minha insatisfação comigo depois que adoeci. Lembro-me de ter sido questionada sobre minhas prioridades na vida e, fora querer ficar sem dor, não conseguia identificar mais nada que naquela fase me impul- sionasse no meu cotidiano. Me sentia frustrada, e as limitações físicas representavam a minha sensação de fracasso na vida. O depoimento de Dolores reforça a importância de que toda pessoa saiba o que realmente quer e o que a satisfaz, pois a falta de clareza pode provocar insatisfação consigo mesma, mal-estar e tristeza e, sobretudo, a sensação de não estar conse- guindo aproveitar o tempo que tem, vinculando muito este apro- veitamento à produtividade. Quando uma pessoa desenvolve um projeto pessoal, o mais importante é que ele tenha objetivos claros e possíveis de ser D 6 2 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS alcançados, mas, principalmente, que seja um desafio, que faça a pessoa olhar para a frente e que traga benefícios para o seu desenvol- vimento pessoal. Existem situações que podem bloquear ou atrapalhar a reali- zação de nosso projeto. Como já citado, a falta de objetivos claros ou de levantamento de nossas prioridades pode atrapalhar os planos estabelecidos, mas isso também ocorre quando a pessoa percebe que em um determinado momento do seu ciclo de vida não realizou o que planejou ou o que sonhou para aquela fase. Outro ponto a ser considerado é a possibilidade de atrito entre as pessoas quando o projeto de uma cruza com o de outra e eles não são compatíveis — as diferenças, muitas vezes, são difíceis de ser conciliadas. Todos esses entraves exigem a necessidade de reavaliar o projeto e fazer ajustes que permitam novos planejamentos ou adaptações aos que foram estabelecidos anteriormente. Devemos lembrar que não são apenas esses os motivos que podem impedir você de desenvolver o seu projeto de vida, mas o ser humano tem uma tendência a procrastinar diante de tarefas. A procrastinação46,47 é o ato de atrasar ou mesmo de adiar uma ou mais tarefas, é uma força que nos impede de seguir adiante com o que foi proposto ou planejado. Existem muitos estudos focados na procras- tinação que têm mostrado que, quando uma pessoa procrastina, ela passa à frente tarefas em detrimento daquilo que realmente deveria fazer, podendo, assim, justificar a falta de tempo e esconder de si mesma que está evitando a tarefa. É comum quando alguém está procrastinando não ter controle das tarefas, adiar decisões importantes, deixar para fazer sempre para a última hora e, no geral, isso provoca a sensação de culpa, gera estresse, desmotivação e falta de confiança no seu potencial. Se você Capítulo DOIS 1 O IMPACTO DA DOR NO MEU COTIDIANO 6 3 se vê procrastinando muito, identifique se não está com medo de fracassar ou de receber críticas, ou, ainda, de ter sucesso. Reconhecer nossos verdadeiros propósitos, ou seja, aquilo que nos move na vida, é o primeiro passo fundamental para nos manter motivados em seguir com nossos planejamentos. Dêuma nota de 0 a 5 para o quanto entende que esta área está prejudicada, sendo 0 nenhum prejuízo e 5 totalmente prejudicada. ( 0 ) ( 1 ) ( 2 ) ( 3 ) ( 4 ) ( 5 ) Para você refletir • Você tem sido específico para definir seus objetivos? • Seus objetivos podem fazer diferença na sua vida? • Suas metas podem ser avaliadas e alcançadas? • Estabeleceu prazos para alcançar suas metas? 6 4 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS É fundamental minimizar o impacto da dor no seu dia a dia. 6 5 Capítulo TRÊS O sentido da dor na minha vida Olá! Eu sou o Salvador. Sim, este é meu nome. Estou aqui, como a Dolores, para contar a minha trajetória e ensiná-lo a olhar para a sua situação com outros olhos. Olhos que permitam encontrar “uma luz no final do túnel”. Hoje estou com 40 anos. Trabalhava na área de infor- mática de uma multinacional conceituada de São Paulo. Há cinco anos, comecei a ter dor na coluna lombar e, desde que ela começou, minha vida foi sofrendo mudanças radicais. Estava afastado do trabalho há dois anos quando resolvi que precisava buscar novas possibilidades de tratamento. Fui a vários médicos, que me receitaram muitos remédios, ficava dopado, mas a dor continuava lá. Conforme eu não melhorava e questionava os meus médicos, eles alegavam que o meu problema era estresse ou talvez que eu não quisesse voltar a trabalhar. SS 6 6 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS Muitos me questionavam se estava processando a empresa em que trabalhava e punham em dúvida minha real condição clínica. Estava muito irritado com toda essa situação e com pouca esperança de me recuperar. É muito duro lidar com as limi- tações e o sofrimento que dores fortes provocam e ainda precisar provar para as pessoas que tudo o que eu sentia era legítimo. Primeiro, achei que pudesse estar com câncer, já que havia perdido um tio com tumor na coluna, e foi um alívio quando os médicos descartaram essa possibilidade. Cheguei, eu mesmo, a questionar minha sanidade mental e a me perguntar se eu não estaria criando tudo aquilo! Mas a troco de que iria criar uma dor que em nada havia melhorado a minha vida, muito pelo contrário, já não me reconhecia mais! Sem trabalhar, afastado de amigos, se é que posso chamá-los de amigos, que somem quando mais precisamos, contava apenas com o apoio da minha esposa e tinha que lidar com o meu filho de 6 anos que não conseguia entender o porquê de seu pai ficar em casa, muitas vezes, queixando-se de dores e sem disponibilidade para brincar com ele. Assim estava há dois anos, quando iniciei o tratamento com esta equipe multidisciplinar. Um dos pontos que me chamou a atenção foi que, conversando com a psicóloga, comecei a perceber que extensão a dor havia ocupado na minha vida. Ela me solicitou que imaginasse que eu poderia dar uma forma para a minha dor, e em seguida SS Capítulo TRÊS 1 O sentido da dor na minha vida 6 7 me pediu para tentar desenhá-la. A princípio achei engraçado, fora este não ser um dom meu, nunca havia pensado na minha dor desta forma. Quando deixei de lado o medo de não saber desenhar ou de o desenho ficar esteticamente feio, eu fiz. Eu desenhei um diabo porque a dor me infernizava s e m p r e . B a t i z e i e l a d e maldita, pois refletia plena- mente a minha irritação. Meu desenho mostrava bem a minha raiva por estar me vendo na condição de sofredor. Na época, acreditava que apenas remédios e bloqueios (injeções de anestesia/anestésico) poderiam melhorar minha situação, o que me colocava em uma postura passiva, aguardando que médicos, remédios ou procedimentos, como infiltrações e bloqueios, pudessem resolver o meu problema. Fiz o desenho com lápis preto, pois para mim a dor pesava e retirava o colorido da minha vida. Qual é a cara da sua dor? Pegue uma folha de papel e desenhe a sua também sem preo- cupação artística. Lembre-se de que não existe certo ou errado e, se precisar, feche os olhos e se concentre no seu desconforto, tentando visualizar como poderia representá-lo. Depois de desenhar a dor, respondi algumas perguntas sobre o meu desenho que vou comparti- lhar aqui e convido você para responder sobre o seu também. 6 8 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS Após você ter lido o inquérito de Salvador e ter dado as suas respostas, vale refletir um pouco mais sobre o Retrato da Dor. INQUÉRITO igual à sua idade superior ao tempo de convívio com a dor impacto emocional: tristeza; raiva; mágoa; desgosto; angústia; preocupação; impotência; indiferença; culpa; dó; alívio; outros. impacto físico: desconforto; dor; incômodo; queimação; limitação; incapacidade; outros. impacto socioeconômico: perda de status social; perda financeira; inutilidade; improdutividade; outros. igual ao tempo de convívio com a dor inferior ao tempo de convívio com a dor outros ruim (convívio negativo) aprendizado (vivência positiva) sem associação positiva ou negativa (se acostumou) outros 1. Dê um nome para a sua dor: Maldita. Qual o motivo de escolher este nome? Sinto que ela só trouxe coisas ruins! 2. Quantos anos ela tem? 5 anos 3. O que você sente quando olha para ela? (assinalar quantas alternativas forem necessárias) 4. Como é conviver com a dor? 5. Alguém ou algo pode ajudar a diminuir a sua dor? Os médicos, os remédios e as agulhas! Não acho que outros profissionais possam me ajudar Ao lado das respostas do Salvador, você pode marcar as suas! Ou, se preferir, acesse o questionário digital no QR Code. Capítulo TRÊS 1 O sentido da dor na minha vida 6 9 6. E você pode fazer alguma coisa? Seguir com o tratamento indicado, embora não tenha certeza de que vá funcionar. 7. Teve algum momento na sua vida que tivesse sido igual ou pior do que esta dor? Não precisa estar relacionado com doença, pode ser qualquer coisa que se assemelhe ao seu sofrimento atual. igual pior nada se compara a esta dor Fizemos um estudo em São Paulo que analisou o desenho da dor de 150 pacientes, e os principais resultados obtidos foram os seguintes: • Os participantes fizeram desenhos que puderam ser classifi- cados em oito categorias diferentes: cenas, animais, objetos, elementos da natureza, partes ou corpo inteiro, figuras geométricas, rabiscos e monstros. Salvador fez um monstro, e você, o que desenhou? Se ainda não o fez, aproveite para desenhar agora. • A maioria das pessoas descreveu o convívio com a dor como sendo horrível, assim como Salvador. E você, como responderia? • Mais da metade acreditava que os médicos e os remédios poderiam diminuir suas dores, e, quando questionados sobre seu papel no tratamento, eles revelaram o predomínio de postura passiva, alegando não saber como poderiam ajudar no tratamento. A resposta de Salvador não foi diferente, e a sua? 7 0 LIDANDO melhor COM AS MINHAS DORES CRÔNICAS • Em relação a situações de sofrimento iguais ou piores que a experiência de dor, observou-se que a proporção de pacientes que associaram suas dores a eventos de impacto emocional correspondeu à metade do total de pessoas que participaram da pesquisa. Essas pessoas compararam o sofrimento de suas dores à perda de entes queridos e a traições em relações amorosas ou de trabalho, destacando a importância dos rela- cionamentos na maneira como irão tolerar mais ou menos situações de desconforto. Quanto ao impacto físico, desta- cou-se a lembrança de outras dores e de doenças agudas ou crônicas. Salvador disse que nada se comparava à dor dele. E você, o que diria da sua experiência? • Quanto às cores utilizadas nos desenhos, a maioria utilizou poucas cores, prevalecendo o preto e o cinza, como no desenho de Salvador. Você colocou outras cores no seu? Se quiser saber mais a respeito de como as pessoas com dor representam esta experiência, você pode baixar pelo QR Code ao lado um e-book gratuito, que a autora deste livro e a sua equipe desenvolveram com base em diferentes retratos de dor, em pacientes com vários diagnósticos,
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