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DOUTRINA ARTIGOS La imparcialidad judicial: un tópico siempre renovado Andrea A. Meroi Modulação para proteger direitos subjetivos Caroline Pomjé, Eduardo Scarparo Incidente de desconsideração da personalidade jurídica: reflexões à luz do processo tributário Cassio Scarpinella Bueno A realização de convenções processuais no âmbito da tutela coletiva: um passo em direção à eficiência da justiça Debora Vieira, Jean Carlos Dias, Gisele Santos Fernandes Góes (In)constitucionalidade da tutela de evidência liminar diante do processo no Estado Democrático de Direito: uma análise a partir do critério da proporcionalidade Eduardo Queiroga Estrela Maia Paiva, Patrício Jorge Lobo Vieira As dimensões do direito ao silêncio Emerson Castelo Branco Mendes, Jorge Bheron Rocha El desborde de la Justicia Constitucional en el Perú Guido Aguila Grados Antecipação de honorários periciais no âmbito da atuação judicial do Ministério Público brasileiro Lidson Fausto da Silva, Breno Hernandes Gonçalves Respeito à autonomia privada na mediação e na conciliação judicial: a necessária facultatividade da audiência do art. 334 do CPC Nilsiton Rodrigues de Andrade Aragão La congruencia procesal y el iura novit curia Omar Esteban Fornetti Primeiras reflexões sobre a recuperação judicial e antecipação dos efeitos da tutela decorrente da decisão do art. 52 da Lei nº 11.101/2005 Paula Sarno Braga, Felipe Vieira Batista As peculiaridades da defesa heterotópica na execução fiscal: o manejo da ação anulatória na execução embargada ou não Rosalina Moitta Pinto da Costa Do modelo cooperativo ao ambiente de negociação processual na Justiça do Trabalho: relevância da autonomia privada na nova divisão de trabalho com o juiz Sérgio Cabral dos Reis NOTAS E COMENTÁRIOS ¡Hoy me leo y no me reconozco!: “Batalhas de Eugenia” pelo Garantismo Processual Glauco Gumerato Ramos Discurso proferido na ocasião do lançamento da obra Embargos de Terceiro (Editora Saraiva, 2017), de autoria do Professor Donaldo Armelin, na sede social da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo – APESP, em 22.06.2017 Lúcio Delfino Em memória de Aristóteles Atheniense Paulo Roberto de Gouvêa Medina Revista Brasileira de DIREITO PROCESSUAL RBDPro FÓRUM Revistas | Periódicos • A&C - Revista de Direito Adm. e Constitucional • Direitos Fundamentais e Justiça - DFJ • Fórum Administrativo - FA • Fórum de Contratação e Gestão Pública - FCGP • Fórum de Direito Urbano e Ambiental - FDUA • Interesse Público - IP • Revista ABRADT Fórum de Direito Tributário - RAFDT • Revista Brasileira da Infraestrutura - RBINF • Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution - RBADR • Revista Brasileira de Direito Civil - RBDCivil • Revista Brasileira de Direito Eleitoral - RBDE • Revista Brasileira de Direito Municipal - RBDM • Revista Brasileira de Direito Processual - RBDPro • Revista Brasileira de Direito Público - RBDP • Revista de Contratos Públicos - RCP • Revista de Direito Administrativo - RDA • Revista de Direito do Terceiro Setor - RDTS • Revista de Direito Empresarial - RDEmp • Revista de Direito Público da Economia - RDPE • Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica - RIHJ • Revista Fórum de Ciências Criminais - RFCC • Revista Fórum de Direito Civil - RFDC • Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico - RFDFE • Revista Fórum de Direito na Economia Digital - RFDED • Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT • Revista Fórum Justiça do Trabalho - RFJT • Revista Fórum Trabalhista - RFT Declaramos, para os devidos fins, que a Editora Fórum é fornecedora exclusiva dos periódicos listados acima, em todo território nacional, relativamente a todos os direitos de editoração, distribuição e comercialização, bem como sobre as marcas das publicações que constam na declaração de exclusividade. A Plataforma FÓRUM de Conhecimento Jurídico® é composta por um conjunto de cinco módulos que possibilitam a experiência inédita de pesquisar, ao mesmo tempo, em Revistas Científicas, Informativos, Livros, Códigos e Vídeos, que reúnem todo o conhecimento gerado, certificado e sistematizado pela FÓRUM, com atualização diária. Este exemplar faz parte da Plataforma FÓRUM de Conhecimento Jurídico® www.forumconhecimento.com.br Revista Brasileira de D IREITO PRO CESSU A L ano 28 . out./dez. 2020 R B D P ro 112 REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL - RBDPro ano 28 . n. 112 . outubro/dezembro 2020 - Publicação trimestral 112 DOUTRINA e RESENHAS ISSN 0100-2589 Diretores Eduardo José da Fonseca Costa Fernando Rossi Lúcio Del� no RBDPro Revista Brasileira de DIREITO PROCESSUAL Programa Qualis da Capes Estrato Indicativo Revista Brasileira de DIREITO PROCESSUAL RBDPro Adormecida por aproximadamente 16 anos, a tradicional Revista Brasileira de Direito Pro ces sual – RBDPro renasce. Inicialmente produ zida no seio da cidade de Uberaba, MG, pela Editora Vitória, e, depois, editada, por muitos anos, pela Forense, agora, nesta novíssima fase, a empreitada é assumida pela entusiasta equipe da Editora Fórum. E a novidade surge em boa hora. A� nal, as mudanças na legislação processual são uma constante. Na busca de maiores celeridade e efe- ti vidade, as alterações legislativas assumem a dianteira e obrigam o jurista a revisitar institutos e conceitos, muitos dos quais já se tinham por consolidados, para, se necessário, conferir-lhes um novo colorido, mais adequado aos novos tempos. À doutrina e aos veículos editoriais res- ponsáveis por sua divulgação atribui-se respon- sabilidade inques tio nável nesse propósito. É diante desse cenário de transformações que a RBDPro ressurge. Sua aparência encontra- se renovada, mas seus propósitos e objetivos permanecem os mesmos que levaram à sua criação, quando dirigida pelos notáveis Edson Prata e Ronaldo Cunha Campos. En� m, o que se pretende é proporcionar um espaço, de alcance nacional e internacional, apto a fomentar o debate cientí� co e a contribuir com o desenvolvimento da ciência processual, mediante a difusão de ideias inovadoras e de qualidade comprovada. E-mail para remessa de artigos, pareceres e contribuições: editorial@rbdpro.com.br. www.editoraforum.com.br 0800 704 3737 CAPA_RBDPro_112.indd Todas as páginasCAPA_RBDPro_112.indd Todas as páginas 18/01/2021 06:27:3818/01/2021 06:27:38 *Esse material é protegido por direitos autorais sendo vedada a reprodução não autorizada, gratuita ou onerosamente, sob pena de ressarcimento, em caso de infração aos direitos autorais. É permitido citar os excertos em petições, pareceres e demais trabalhos, desde que seja informada a fonte, garantidos os créditos dos autores dos artigos, do órgão emanador da decisão ou informação e da publicação específica, conforme a licença legal prevista no artigo 46, III da Lei nº 9.610/1998. R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 2020 41 Modulação para proteger direitos subjetivos Caroline Pomjé Mestra em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Advogada em Porto Alegre (Rio Grande do Sul). E-mail: caroline@scarparo.adv.br. ORCID: https://orcid. org/0000-0001-8726-6474. Eduardo Scarparo Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor Adjunto de Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da UFRGS e no Programa de Pós-Graduação em Direito da mesma instituição. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Advogado em Porto Alegre (Rio Grande do Sul). E-mail: scarparo@ufrgs. br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7535-5111. Resumo: O artigo analisa, em caráter exploratório, a viabilidade de modulação dos efeitos das decisões com o intuito de tutelar direitos subjetivos das partes e de terceiros, inclusive em instâncias locais. Para tanto, parte do estudo sobre as hipóteses de modulação já previstas na legislação vinculadas ao direito objetivo e à superação de precedentes, relacionando a possibilidade de modulação a circunstânciasque demandem especial proteção à segurança e à previsibilidade. Palavras-chave: Modulação de efeitos. Jurisdição constitucional. Precedentes. Recursos cíveis. Teoria geral dos recursos. Sumário: 1 Introdução – 2 Modulações voltadas à proteção de legítima confiança no direito objetivo – 3 Situando a questão na teoria geral dos recursos e os horizontes de sua aplicabilidade em favor de direitos subjetivos – 4 Conclusão – Referências 1 Introdução Modular efeitos significa regular ope judicis a eficácia temporal de uma decisão, retroagindo ou não seus efeitos. O tema é historicamente ligado ao controle de constitucionalidade, tendo também alcançado importância quando há superação de precedentes (CPC/2015, art. 927, §3º). No primeiro caso, a modulação condiz com a garantia da constitucionalidade do ordenamento jurídico tendo-se em conta a estabilidade social; no segundo, vincula-se à função de prover unidade à interpretação do direito. A modulação de efeitos assim, em primeira linha, é concebida para a proteção ao direito objetivamente considerado. Busca fornecer segurança jurídica, a partir do pressuposto de que os cidadãos devem confiar nas decisões do Poder Público, a fim de permitir que a vida em sociedade seja estruturada e organizada em termos previsíveis. DOI: 10.52028/RBDPro.v21i112.200406RS MIOLO_RBDPro_112.indd 41MIOLO_RBDPro_112.indd 41 16/03/2021 11:15:2716/03/2021 11:15:27 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 202042 CAROLINE POMJÉ, EDUARDO SCARPARO Confiança e previsibilidade, contudo, não são atributos exclusivamente desejáveis nas funções jurisdicionais vinculadas ao direito objetivo, sendo valiosas em quaisquer outros atos do Estado, inclusive nas decisões que tratam primariamente de direitos subjetivos. Tanto é verdade que o ordenamento jurídico busca promovê-los, sendo bastante ilustrativa a previsão de coisa julgada, cuja aplicação protege posições subjetivas de interesse em dadas situações. Sem esquecer das peculiaridades que resguardam a modulação e seus usos excepcionais na jurisdição, no presente ensaio cogita-se sobre hipóteses de modulação de efeitos de decisões tomadas não apenas para trato no controle de constitucionalidade ou com precedentes. Enquanto que nesses casos a modulação ampara-se na segurança jurídica em face de mudanças sobre a interpretação ou a validade do ordenamento jurídico considerado objetivamente, considera-se também a dinamização da eficácia temporal ope judicis para proteção de direitos subjetivos em decorrência da reforma ou mudança de decisões particulares, especialmente em instâncias locais, relacionando-se a casos e excepcionalidades que demandam segurança em face das partes e de terceiros. A regulação da eficácia no tempo de decisões tem um endereço doutrinário conhecido na teoria geral dos recursos. Quanto às decisões sujeitas a recursos, o efeito suspensivo encaminha a questão; já diante de recursos julgados, com referências ao seu caráter substitutivo, tradicionalmente, afirma-se que o pronunciamento recursal toma o lugar da decisão recorrida, estabelecendo temporalmente a eficácia ex tunc.1 Em certas situações, contudo, pode-se conjecturar sobre determinações judiciais acerca da eficácia no tempo de decisão proferida na jurisdição, tanto em primeiro grau quanto em instâncias recursais. Assim especialmente quando diante de situações que demandem proteção de segurança e confiabilidade. Antes de especificar estritamente essa possibilidade, contudo, convém tratar dos propósitos e características inerentes à modulação junto às suas aplicações mais conhecidas. 1 “É usual em doutrina a alusão a um binômio representativo dos efeitos do julgamento dos recursos e composto pela cassação e substituição. Esses efeitos, porém, abrangem somente as hipóteses em que o recurso é conhecido, ou seja, as hipóteses em que o tribunal destinatário aprecia o seu mérito, seja para dar-lhe provimento, seja para negá-lo. Não conhecido o recurso, o ato jurídico fica intacto, sem cassação e muito menos substituição. Ao conhecer do recurso, seja para provê-lo ou improvê-lo, o tribunal cassa a sentença ou decisão porque a retira do mundo jurídico, para que não mais produza efeitos; e também a substitui por outra decisão, que é essa que ele próprio está a proferir (CPC, art. 1.008). Essa substituição do ato inferior pelo superior se dá sempre que o mérito recursal seja julgado, ainda quando o recurso seja improvido e, portanto, confirmada a sentença ou decisão: a partir da publicação do acórdão este se reputa o ato julgador da causa ou incidente e a responsabilidade por ele é do órgão julgador do recurso, e não do juiz a quo” (DINAMARCO, C. R.; LOPES, B. V. C. Teoria geral do novo processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 207-208). MIOLO_RBDPro_112.indd 42MIOLO_RBDPro_112.indd 42 16/03/2021 11:15:2716/03/2021 11:15:27 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 2020 43 MODULAÇÃO PARA PROTEGER DIREITOS SUBJETIVOS 2 Modulações voltadas à proteção de legítima confiança no direito objetivo Entender o direito como um conhecimento independente dos fatos da vida pressupõe uma concepção idealista. O lugar para se trabalhar apenas com ideias é a abstração e isso faz com que, nessa concepção, as questões contingentes sejam excluídas de apreciação. Essa consideração da formação do conhecimento por meio da abstração teve um particular impulso com o racionalismo moderno,2 sendo o direito marcado, a partir daí, por seu desenvolvimento dogmático e ideal. Com isso, as contingências que se fizessem presentes perante a jurisdição deveriam ser encaradas com indesejáveis casuísmos e, assim, ignoradas para permitir uma aplicação científica do direito. Natural, nesse cenário, que a eficácia temporal de uma decisão fosse tema de pouca abertura, mormente pelo inquestionável favorecimento de soluções de caráter legal (ope legis) em detrimento daquelas que se estruturam em atos judiciais (ope judicis). Aproximando-se do tema desse ensaio, observa-se que a declaração de inconstitucionalidade reverbera como um caminho de consequências pré-estabelecidas e dissociadas das contingências. Afinal, se é inconstitucional a lei, esse vício lhe transfere a imprestabilidade desde o início, com o expurgo de todo e qualquer efeito jurídico, independentemente dos casuísmos ocorridos na vida em sociedade. A mesma linha de pensamento aplicar-se-ia ao precedente reformado, de modo que a nova orientação seria melhor e, por isso, deveria ser aplicável a todos os casos, por bem da unidade do direito. Isso quer dizer que, tendo-se em consideração estritamente o ordenamento jurídico em caráter ideal, não haveria motivos para que leis inconstitucionais ou entendimentos revogados tivessem aplicação sequer cogitada. Todavia, quando se atenta que o direito regula relações contingentes, pode-se compreender a necessidade de se permitir ajustes temporais e casuísticos de eficácia. Tais adaptações no tempo de vigência da tutela jurisdicional não podem ser predefinidas aprioristicamente pela lei, justamente por seu caráter contingente, sendo inevitável conceber a viabilidade de adequação da eficácia temporal dessas decisões em caráter ope judicis, ou, se a expressão soa mais familiar, via modulação dos efeitos. 2 Sobre o tema, ver SILVA, O. A. B. da. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 5-34. MIOLO_RBDPro_112.indd 43MIOLO_RBDPro_112.indd 43 16/03/2021 11:15:2716/03/2021 11:15:27 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 202044 CAROLINE POMJÉ, EDUARDO SCARPARO 2.1 Modulação dos efeitos das decisões na jurisdição constitucional Kelsen, na obra Teoria Pura do Direito, sustentou que a ordem normativa é formada a partir da junção de todas as normas cuja validade pode ser reconduzidaà conhecida formulação da norma fundamental.3 Assim, diante da desconformidade de uma norma inferior (como leis, decretos, portarias ou mesmo atos administrativos) com a Constituição, tem-se a inconstitucionalidade da primeira, a qual pode ser de duas ordens: material (intrínseca) ou formal (extrínseca).4 Tradicionalmente, a consequência atribuída pelo ordenamento jurídico à norma eivada de inconstitucionalidade é a sua nulidade.5 Apesar de o entendimento jurisprudencial e doutrinário manter-se alinhado à tese da inconstitucionalidade como nulidade, fato é que o ordenamento jurídico nacional apresenta situações que autorizam a flexibilização temporal da decisão de inconstitucionalidade, especialmente tendo em vista “valores como boa-fé, justiça e segurança jurídica”.6 Assim, apesar de a CF/1988 não conter dispositivo que, expressamente, autorize a limitação dos efeitos ex tunc da decisão que declare inconstitucional um ato normativo, essa 3 “Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma e mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum. O fato de uma norma pertencer a uma determinada ordem normativa baseia-se em que o seu último fundamento de validade é a norma fundamental desta ordem. É a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa” (KELSEN, H. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 217). 4 CARRAZZA, R. A. Segurança jurídica e eficácia temporal das alterações jurisprudenciais: competência dos tribunais superiores para fixá-la – questões conexas. In: FERRAZ JR., T. S.; CARRAZZA, R. A.; NERY JR., N. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. 2. ed. Barueri: Manole, 2009. p. 38. 5 “Nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode ser válido. E a falta de validade traz como consequência a nulidade ou a anulabilidade. No caso da lei inconstitucional, aplica-se a sanção mais grave, que é a de nulidade. Ato inconstitucional é ato nulo de pleno direito. Tal doutrina já vinha proclamada no Federalista e foi acolhida por Marshall, em Marbury v. Madison. [...]. A lógica do raciocínio é irrefutável. Se a Constituição é a lei suprema, admitir a aplicação de uma lei com ela incompatível é violar sua supremacia. Se uma lei inconstitucional puder reger dada situação e produzir efeitos regulares e válidos, isso representaria a negativa de vigência da Constituição naquele mesmo período, em relação àquela matéria. A teoria constitucional não poderia conviver com essa contradição sem sacrificar o postulado sobre o qual se assenta. Daí por que a inconstitucionalidade deve ser tida como uma forma de nulidade, conceito que denuncia o vício de origem e a impossibilidade de convalidação do ato. Corolário natural da teoria da nulidade é que a decisão que reconhece a inconstitucionalidade tem caráter declaratório – e não constitutivo –, limitando-se a reconhecer uma situação preexistente. Como consequência, seus efeitos se produzem retroativamente, colhendo a lei desde o momento de sua entrada no mundo jurídico. Disso resulta que, como regra, não serão admitidos efeitos válidos à lei inconstitucional, devendo todas as relações jurídicas constituídas com base nela voltarem ao status quo ante. Na prática, como se verá mais à frente, algumas situações se tornam irreversíveis e exigem um tratamento peculiar, mas têm caráter excepcional” (BARROSO, L. R. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 37-38). 6 BARROSO, L. R. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 43. MIOLO_RBDPro_112.indd 44MIOLO_RBDPro_112.indd 44 16/03/2021 11:15:2716/03/2021 11:15:27 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 2020 45 MODULAÇÃO PARA PROTEGER DIREITOS SUBJETIVOS chancela ocorre na Lei nº 9.868/99 e na Lei nº 9.882/99,7 8 que versam sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, da ação declaratória de constitucionalidade e da arguição de descumprimento de preceito fundamental. Essa legislação insere-se no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade e traz consigo a autorização para que a declaração de inconstitucionalidade de uma norma não produza efeitos retroativos (Lei nº 9.868/99, art. 27, e Lei nº 9.882/99, art. 11). Essas hipóteses representam a versão mais conhecida da modulação dos efeitos da decisão. Ainda que dita legislação se insira em um contexto do controle concentrado de constitucionalidade, o STF tem ampliado o alcance da técnica de modulação também para as decisões que, no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, reconheçam incidentalmente a inconstitucionalidade de uma norma.9 10 Assim, é correto aferir que a prática do tribunal “tem demonstrado que essas novas técnicas de decisão têm guarida também no controle difuso de constitucionalidade”.11 As diferentes formas de modulação, em sede de controle de constitucionalidade, destinam-se a (a) restringir os efeitos da declaração, estabelecendo um “termo inicial para a cassação de efeitos que seja posterior à publicação da norma e anterior à 7 “Levando em conta que a práxis, pelo Supremo, vem sendo de determinação retroativa dos efeitos do controle, esse dispositivo [art. 27 da Lei nº 9.868/99] representa certo avanço na medida em que oficializa a possibilidade de flexibilização na atribuição dos efeitos. De fato, a aplicação indiscriminada do efeito ex tunc pode gerar situações de lesão a direitos individuais, de insegurança jurídica e de contrariedade aos ditames da justiça. A lei inconstitucional, ao nascer com presunção de constitucionalidade, dá origem a inúmeras relações jurídicas que se estabelecem durante a sua vigência criando, em seus destinatários, a legítima expectativa de que sua pauta de conduta seja cumprida” (ÁVILA, A. P. A modulação dos efeitos temporais pelo STF no controle de constitucionalidade. Ponderação e regras de argumentação para a interpretação conforme a Constituição do art. 27 da Lei nº 9.868/99. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 57). 8 “Essa doutrina, que afirma a nulidade da norma inconstitucional e a natureza declaratória da sentença que a reconhece, não fica, de modo algum, comprometida com a regra constante do art. 27 da Lei 9.868, de 10.11.1999 [...]. Tal dispositivo, na verdade, reafirma a tese, pois deixa implícito que os atos praticados com base em lei inconstitucional são nulos e que somente podem ser mantidos em virtude de fatores extravagantes, ou seja, ‘por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social’” (ZAVASCKI, T. A. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 49). 9 “O STF tem admitido a utilização da modulação de efeitos no controle difuso de constitucionalidade e, também, na hipótese de mudança de jurisprudência. No caso do controle difuso, adota a aplicação analógica do art. 27 da Lei nº 9.868, de 1999, já na superação o admite de forma autônoma, a partir da incidência de princípios constitucionais, mesmo que sem autorização expressa no texto normativo” (PEIXOTO, R. Superação do precedente e segurança jurídica. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 279). 10 “Atualmente, encara-se com relativa tranquilidade a modulação de efeitos em sede de controle concentrado de constitucionalidade (as discussões mais intensas concentram-se na análise da inexistência, da nulidade ou da anulabilidade do ato impugnado). Igualmente,as razões de ‘segurança jurídica’ ou ‘excepcional interesse social’, por comportarem cláusula aberta passível de interpretação casuística são tranquilamente materializáveis (a dificuldade imposta pelo legislador reside muito mais no quórum de dois terços para a modulação). Por fim, em rápido processo de ‘tranquilização’ está a questão da modulação de efeitos em sede de controle difuso tomando-se emprestada a regulamentação do controle concentrado” (LAZARI, R. J. N. de; RAZABONI JR., R. B. A modulação de efeitos no controle difuso de constitucionalidade: análise com base em caso concreto. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, v. 105, p. 15-28, jan./ fev. 2018. p. 5). 11 FERRAZ JR., T. S.; CARRAZZA, R. A.; NERY JR., N. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. 2. ed. Barueri: Manole, 2009. p. XXIV. MIOLO_RBDPro_112.indd 45MIOLO_RBDPro_112.indd 45 16/03/2021 11:15:2716/03/2021 11:15:27 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 202046 CAROLINE POMJÉ, EDUARDO SCARPARO decisão declaratória de inconstitucionalidade” (ex tunc parcial ou relativo);12 (b) determinar que os efeitos da norma cessem apenas após o trânsito em julgado da decisão que reconheceu sua inconstitucionalidade;13 e (c) determinar que os efeitos da norma cessem apenas após o advento de determinada data futura.14 15 Dependem, igualmente, que a decisão pela modulação seja tomada pela maioria qualificada de dois terços dos membros do tribunal,16 sendo “sempre do Pleno do Supremo Tribunal Federal a competência para o exame dos efeitos nos termos daquele dispositivo”.17 Igualmente, em caráter material, é preciso que esteja presente razão de segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Um dos problemas existentes em torno das hipóteses de modulação dos efeitos das decisões na jurisdição constitucional decorre da indeterminação dos conceitos utilizados pelo legislador (“razão de segurança jurídica” e “excepcional interesse social”). Conforme aponta Gilmar Mendes, em regra, ter-se-á a eficácia ex tunc das decisões de inconstitucionalidade, devendo ser excepcionais as modulações e permitidas apenas mediante “um severo juízo de ponderação que, tendo em vista 12 ÁVILA, A. P. A modulação dos efeitos temporais pelo STF no controle de constitucionalidade. Ponderação e regras de argumentação para a interpretação conforme a Constituição do art. 27 da Lei nº 9.868/99. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 57-58. 13 “Assim, tendo em vista razões de segurança jurídica, o Tribunal poderá afirmar a inconstitucionalidade com eficácia ex nunc. Nessa hipótese a decisão de inconstitucionalidade eliminará a lei do ordenamento jurídico a partir do trânsito em julgado da lei (cessação da ultra-atividade da lei)” (MENDES, G. F. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 395-396). 14 “Outra hipótese [...] expressamente prevista no art. 27 diz respeito à declaração de inconstitucionalidade com eficácia a partir de um dado momento futuro (declaração de inconstitucionalidade com efeito pro futuro). Nesse caso a lei reconhecida como inconstitucional, tendo em vista fortes razões de segurança jurídica ou de interesse social, continuará a ser aplicada dentro do prazo fixado pelo Tribunal. A eliminação da lei declarada inconstitucional do ordenamento submete-se a um termo pré-fixo. Considerando que o legislador não fixou o limite temporal para a aplicação excepcional da lei inconstitucional, caberá ao próprio Tribunal essa definição” (MENDES, G. F. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 396). 15 Essas hipóteses de modulação são também encontradas no ordenamento jurídico norte-americano, como se extrai da lição de Tercio Sampaio Ferraz Jr.: “Segundo a doutrina, a jurisprudência americana evoluiu para admitir, ao lado da decisão de inconstitucionalidade com efeitos retroativos amplos ou limitados (limited retrospectivity), a superação prospectiva (prospective overruling), que tanto pode ser limitada (limited prospectivity), aplicável a processos iniciados após a decisão, inclusive ao processo originário, como ilimitada (pure prospectivity), que sequer se aplica ao processo que lhe deu origem. Vê-se, pois, que o sistema difuso ou incidental mais tradicional do mundo passou a admitir a mitigação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade e, em casos determinados, acolheu até mesmo a pura declaração de inconstitucionalidade com efeito exclusivamente pro futuro” (FERRAZ JR., T. S. Irretroatividade e jurisprudência judicial. In: FERRAZ JR., T. S.; CARRAZZA, R. A.; NERY JR., N. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. 2. ed. Barueri: Manole, 2009. p. XVII). 16 Sobre o requisito formal estabelecido pela legislação, Ana Paula Ávila destaca que “Esse requisito, de certa forma, dificulta o que antes era uma faculdade que o Tribunal exercia através da simples interpretação da situação que lhe era dada a examinar, sem a exigência de um quórum mínimo de manifestações no mesmo sentido” (ÁVILA, A. P. A modulação dos efeitos temporais pelo STF no controle de constitucionalidade. Ponderação e regras de argumentação para a interpretação conforme a Constituição do art. 27 da Lei nº 9.868/99. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 58). 17 ÁVILA, A. P. A modulação dos efeitos temporais pelo STF no controle de constitucionalidade. Ponderação e regras de argumentação para a interpretação conforme a Constituição do art. 27 da Lei nº 9.868/99. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 60. MIOLO_RBDPro_112.indd 46MIOLO_RBDPro_112.indd 46 16/03/2021 11:15:2716/03/2021 11:15:27 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 2020 47 MODULAÇÃO PARA PROTEGER DIREITOS SUBJETIVOS a análise fundada no princípio da proporcionalidade, faça prevalecer a ideia de segurança jurídica ou outro princípio constitucionalmente relevante manifestado sob a forma de interesse social relevante”.18 A segurança jurídica, tal qual mencionada nos dispositivos que autorizam a modulação de efeitos, tem sido compreendida em seu aspecto subjetivo, relacionado com a proteção à confiança.19 Entretanto, essa proteção alcança também uma dimensão coletiva, diante do propósito de preservação da ordem jurídica para toda a coletividade;20 ela estaria vinculada ao “conjunto de condições que tornam possível às pessoas ter previsibilidade, isto é, o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconheci- da”.21 22 Para tanto, haveria duas formas de se assegurar sobre a situação jurídica de um indivíduo: a segurança em perspectiva anterior, que permite o conhecimento e interpretação do direito e em consideração posterior, que promove meios de garantir estabilidade às soluções jurídicas.23 Já o requisito de excepcional interesse social tem sido compreendido como aquele correspondente aos interesses dos administrados, ou seja, da sociedade. Isso quer dizer que a motriz de uma alteração na eficácia temporal de uma decisão que declara a inconstitucionalidade está diretamente vinculada ao interesse social fundado na estabilidade e na confiança gerada por atos do Estado, ou mais especificamente, no caso, pela lei. A sociedade pode ter interesse legítimo em se ver resguardada de mudanças repentinas de orientação de atos que foram praticados pelo Estado.24 18 MENDES, G. F. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 395. 19 “A tutela da segurança jurídica constitui garantia expressamente consignada no texto constitucional, expondo, logo no caput do art. 5º, constituir direito fundamental inviolável. Mesmo se assim não fosse, negar a proteção da segurança no Estado Constitucionalé retirar um dos seus elementos fundamentais, porquanto a própria noção de Estado Democrático de Direito é umbilicalmente ligada à ideia de segurança. Mesmo em ordenamentos jurídicos em que não há expressa previsão, como ocorre na Alemanha, a doutrina e a jurisprudência não tergiversam ao identificá-la como decorrência das mais evidentes do princípio do Estado de Direito” (OLIVEIRA, P. M. de. Coisa julgada e precedente: limites temporais e as relações jurídicas de trato continuado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. [Coleção O Novo Processo Civil]. p. 27). 20 ÁVILA, H. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2014. p. 168. 21 ÁVILA, A. P. A modulação dos efeitos temporais pelo STF no controle de constitucionalidade. Ponderação e regras de argumentação para a interpretação conforme a Constituição do art. 27 da Lei nº 9.868/99. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 147. 22 “A segurança jurídica do processo assegura de uma parte a certeza, aplicabilidade e confiabilidade do direito e das garantias processuais e de outra parte a estabilidade e efetividade das situações jurídicas processuais” (TAKOI, S. M. O princípio constitucional da segurança jurídica no processo. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, v. 94, p. 249-262, jan./mar. 2016). 23 ÁVILA, A. P. A modulação dos efeitos temporais pelo STF no controle de constitucionalidade. Ponderação e regras de argumentação para a interpretação conforme a Constituição do art. 27 da Lei nº 9.868/99. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 148. 24 “Quanto à interpretação da expressão excepcional interesse social, também há que ser conforme a Constituição. Verificam-se duas alternativas. Por um lado, a expressão pode ser considerada inconstitucional, uma vez que, sua ampla indeterminação, ambiguidade e fluidez contrastam com as exigências de previsibilidade e certeza, decorrentes do princípio constitucional da segurança jurídica, que constitui, neste particular, fundamento do próprio Estado de Direito. Por outro lado, para que sua aplicação seja válida, através do seu emprego deverá MIOLO_RBDPro_112.indd 47MIOLO_RBDPro_112.indd 47 16/03/2021 11:15:2716/03/2021 11:15:27 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 202048 CAROLINE POMJÉ, EDUARDO SCARPARO Nesses termos, o núcleo para a análise acerca da possibilidade de modulação em sede constitucional encontra-se no preenchimento dos conceitos jurídicos indeterminados de segurança jurídica e excepcional interesse social. A tônica que rege a possibilidade de modulação dos efeitos das decisões na jurisdição constitucional reside na manutenção da higidez de situações jurídicas pretéritas, as quais foram concretizadas a partir de um estado de coisas inconstitucional. Isso para que a segurança dos indivíduos, enquanto confiabilidade nas diretivas que emanam do Poder Público, seja resguardada. Esse cenário admite que a Corte fixe ope judicis um critério distinto para a eficácia temporal de suas decisões. 2.2 Modulação dos efeitos das decisões que revogam precedentes A possibilidade de modulação de efeitos de decisões com fundamento no resguardo da segurança jurídica também ocorre diante de revogação ou modificação de precedentes. Nesse caso, se a decisão for capaz de gerar instabilidade, é possível modular os respectivos efeitos atentando-se ao interesse social e à segurança jurídica (CPC/2015, art. 927, §3º). De início, é relevante o alerta de Luiz Guilherme Marinoni de que a expressão “modulação dos efeitos” empregada na lei processual enseja uma indevida relação dessa modulação com aquela referente às decisões declaratórias de inconstitucionalidade, de modo que é preciso destacar a diferenciação entre a possibilidade de modulação de efeitos no controle de constitucionalidade (art. 27 da Lei nº 9.868/99 e art. 11 da Lei nº 9.882/99) e a possibilidade de atribuição de efeitos prospectivos aos precedentes (art. 927, §3º, CPC/2015).25 Lidar com precedentes exige atenção à ratio decidendi, ou seja, às “razões jurídicas necessárias e suficientes que resultam da justificação das decisões prolatadas pelas Cortes Supremas a pretexto de solucionar casos concretos e que servem para vincular o comportamento de todas as instâncias administrativas e judiciais do Estado Constitucional e orientar juridicamente a conduta dos indivíduos e da sociedade civil”.26 27 Nesse sentido, embora um precedente seja editado para ter prevalência o interesse da sociedade, quando contraposto aos interesses do próprio Estado” (ÁVILA, A. P. A modulação dos efeitos temporais pelo STF no controle de constitucionalidade. Ponderação e regras de argumentação para a interpretação conforme a Constituição do art. 27 da Lei nº 9.868/99. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 175). 25 MARINONI, L. G. Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 926 ao 975. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. (Coleção Comentários ao Código de Processo Civil, v. 15). p. 177-178. 26 MITIDIERO, D. Precedentes: da persuasão à vinculação. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 89-90. 27 Sobre o valor da uniformidade promovida pelos precedentes, ver Taruffo. “L’uniformità nella interpretazione e nell’applicazione del diritto costituisce da molto tempo un valore fondamentale (si potrebbe dire addirittura: un oggetto del desiderio) presente in pressoché tutti gli ordinamenti, che tentano in vario modo – comi si MIOLO_RBDPro_112.indd 48MIOLO_RBDPro_112.indd 48 16/03/2021 11:15:2716/03/2021 11:15:27 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 2020 49 MODULAÇÃO PARA PROTEGER DIREITOS SUBJETIVOS perdurar, os contextos jurídico e social são inevitavelmente dinâmicos, exigindo-se, de tempos em tempos, a superação de dado entendimento. A esse respeito, é preciso o apontamento de José Rogério Cruz e Tucci ao destacar que a mudança de paradigmas sociais enseja a evolução das teses jurídicas e, consequentemente, a modificação do posicionamento dos Tribunais. Por isso “os precedentes judiciais do passado, sobre inúmeras questões, vão sendo superados por novas orientações que decorrem da dinâmica do direito”.28 29 A superação do precedente “pode ser total (overruling) ou parcial (overturning). A superação parcial do precedente pode ocorrer por força de uma reescrita (overriding) ou transformação (transformation)”.30 Geralmente, a modulação de efeitos por conta de modificação de precedentes é associada à superação total, designando o fenômeno de prospective overrulling.31 No entanto, nada impede que também sejam modulados efeitos de uma reformulação parcial. Em termos bem objetivos, modulação quer dizer que o novo paradigma decisório será aplicável, conforme fixação do tribunal, apenas a partir de certo momento, seja ao futuro da decisão, seja após algum período de tempo determinável.32 A modulação nos precedentes tem o objetivo precípuo de tutelar a segurança jurídica de indivíduos que observavam e pautavam suas condutas conforme o precedente superado. Afinal, “a mudança do precedente não pode causar surpresa injusta (unfair surprise) nem ocasionar um tratamento não isonômico entre pessoas vedrà – di realizzarlo nella più ampia misura possibile” (TARUFFO, M. Le funzioni delle Corti Supreme tra uniformità e giustizia. In: DIDIER JR., F. et al. Precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 251-262. p. 251). 28 TUCCI, J. R. C. e. O regime do precedente judicial no novo CPC. In: DIDIER JR., F. et al. Precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 445-457. p. 448. 29 Nesse sentido: “A adoção do stare decisis não significa, de forma alguma, o engessamento do direito. Existem diversas técnicas desenvolvidas pela jurisprudência e doutrina do common law, para além da própria interpretação da ratio decidendi, aptas a permitirum maior dinamismo na aplicação dos precedentes. A principal delas, para efeito deste trabalho, é superação, denominação atribuída à técnica de alteração de um entendimento anterior sobre o mesmo objeto agora em julgamento; técnica essencial para qualquer sistema de precedentes, permitindo que o sistema possa evoluir. Ao contrário do que possa parecer, a superação de precedentes, desde que utilizada com os devidos cuidados, promove o stare decisis, em vez de enfraquecê- -lo, ao demonstrar que a existência de precedentes obrigatórios não significa impossibilidade de evolução do direito. Para além da vinculação de precedentes, a manutenção de um entendimento jurisprudencial estabelece uma nova camada na concretização do princípio da segurança jurídica. Consoante aponta Jeremy Waldron, não se trata apenas de garantir previsibilidade pela vinculação, mas sim ‘conceder tempo aos jurisdicionados para se acostumar com a norma jurisdicional e a internalizar como base para a sua tomada de decisões’. Não por acaso, a doutrina estabelece uma série de requisitos para a sua utilização” (PEIXOTO, R. Aspectos materiais e processuais da superação de precedentes no direito brasileiro. In: DIDIER JR., F. et al. Precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 538-563. p. 541). 30 MARINONI, L. G. Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 926 ao 975. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. (Coleção Comentários ao Código de Processo Civil, v. 15). p. 147. 31 “I propose to speak about some of the problems, techniques, and results of that aspect of the judicial process that is called ‘prospective overruling’. By that term I mean the phenomenon that occurs when a court overrules one of its own precedents, but limits in some manner the customary retroactive sweep of its overruling decision” (SCHAEFER, W. V. The control of “sunbursts”: techniques of prospective overruling. 42 NYU Law Review 631, 1967. p. 1). 32 MARINONI, L. G. Eficácia temporal da revogação da jurisprudência consolidada dos Tribunais Superior. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 906, p. 255-284, abr. 2011. p. 7. MIOLO_RBDPro_112.indd 49MIOLO_RBDPro_112.indd 49 16/03/2021 11:15:2716/03/2021 11:15:27 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 202050 CAROLINE POMJÉ, EDUARDO SCARPARO que se encontram temporalmente em situações idênticas ou semelhantes”.33 No mesmo sentido, Ravi Peixoto destacou que “quando há superação de entendimento consolidado, os jurisdicionados serão surpreendidos por ela. Muito embora o direito material, quando processualizado, se torne incerto, as decisões anteriores geram uma previsibilidade na atuação concreta dos sujeitos de direito”.34 Apesar disso, não é qualquer confiança no precedente que necessariamente ensejará sua superação com efeitos unicamente prospectivos: “a confiança apenas merece tutela, diante da revogação de precedente, quando há ‘confiança justificada’, ou seja, confiança qualificada por critérios que façam ver que o precedente racionalmente merecia confiança à época em que os fatos se passaram”.35 Nesse cenário, assim como na declaração de inconstitucionalidade, também na revogação de precedentes se estabelece a possibilidade de modulação dos efeitos das decisões atrelada à necessidade de tutela da segurança jurídica dos indivíduos, especialmente diante da necessidade de proteção da confiança legítima depositada sobre as orientações que emanam do Estado. 3 Situando a questão na teoria geral dos recursos e os horizontes de sua aplicabilidade em favor de direitos subjetivos Não apenas o direito constitucional se erigiu a partir de uma estrutura de aplicação e formação dissociada do caso; o próprio processo nasceu desse ideário e carrega incontáveis impactos dessa origem em sua construção e aplicação.36 Embora sejam muitas as decorrências disso no direito processual civil, para os estritos fins deste ensaio interessa especificamente o sistema recursal. Em especial avoca atenção a premente conjugação entre o contingente e os recursos para se tornar viável cogitar da atribuição de eficácias moduladas a decisões para a tutela de direitos subjetivos e, inclusive, nas instâncias locais. 33 MARINONI, L. G.; ARENHART, S. C.; MITIDIERO, D. Novo Curso de Processo Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 2. p. 660. 34 PEIXOTO, R. Superação do precedente e segurança jurídica. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 269. 35 MARINONI, L. G.; ARENHART, S. C.; MITIDIERO, D. Novo Curso de Processo Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 2. p. 663. 36 São inúmeros os exemplos sobre como o idealismo conduziu a um esquema não contingente de resolução de litígios: a teoria puramente abstrata da ação, a jurisdição declaratória da vontade da lei, o processo como relação jurídica, a desconexão entre atividades de conhecimento e execução, a tipicidade de formas executivas, exigências formais inócuas, a relutância na aceitação das tutelas fundadas em probabilidade, o desprestigio de decisões meritórias parciais, o enfraquecimento do contraditório, a tratativa de questões coletivas, entre tantas e praticamente incontáveis outras repercussões. MIOLO_RBDPro_112.indd 50MIOLO_RBDPro_112.indd 50 16/03/2021 11:15:2716/03/2021 11:15:27 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 2020 51 MODULAÇÃO PARA PROTEGER DIREITOS SUBJETIVOS 3.1 A eficácia das decisões no tempo Para tratar da eficácia temporal de decisões que julgam recursos, deve-se atentar à operação do exame de admissibilidade e da substitutividade recursal. Também gera interesse a regulação do efeito suspensivo sobre os recursos, capaz de regular a eficácia de decisões recorridas durante a tramitação recursal. Esses pontos servem para saber qual a eficácia da decisão recorrida enquanto não julgado o recurso, bem como a partir de que momento a decisão a quo tem sua eficácia substituída por aquela ad quem. Quanto ao exame de admissibilidade recursal, a lição majoritária afirma que ele tem caráter declaratório.37 Isso quer dizer que o Tribunal, ao constatar a presença ou ausência dos requisitos de admissibilidade no recurso interposto, tão somente declara seu preenchimento, cuja eficácia estaria presente desde a distribuição do recurso.38 Nesse sentido, os efeitos decorrentes da existência de um recurso teriam operação desde sua interposição, independentemente de qualquer manifestação judicial. O passo lógico subsequente a essa tese é o de que a decisão que nega admissibilidade a um recurso não promove alterações jurídicas, mas tão somente declara um estado de coisas que já estava presente na distribuição do recurso.39 Se for aceita essa construção teórica (atualmente majoritária),40 é forçoso reconhecer que o exame negativo de admissibilidade tem eficácia geral ex tunc, ou seja, a decisão recorrida, durante todo o período de tramitação recursal, estaria apta a produzir seus efeitos. Como consequência disso, excepcionado o prazo para rescisória, tudo o que for deliberado no procedimento recursal, mostrar-se-ia desprovido de eficácia, já que a conclusão de inadmissibilidade é quase equivalente a dizer que sequer tenha existido o recurso.41 37 “Positivo ou negativo, o juízo de admissibilidade é essencialmente declaratório” (MOREIRA, J. C. B. Comentários ao Código de Processo Civil: Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973: arts. 476 a 565. Rio de Janeiro: Forense, 2013. v. V. p. 265). 38 NERY JR., N. Princípios fundamentais: Teoria Geral dos Recursos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 234. 39 “O juízo de admissibilidade, seja positivo ou negativo, tem natureza declaratória [...] O maior problema advindo da conclusão de que o juízo de admissibilidade dos recursos tem natureza declaratória, dizrespeito aos efeitos da decisão que assim se pronuncia. De fato, sendo declaratória a pretensão, os efeitos serão ex tunc, decorrendo daí a constatação de que os efeitos da decisão impugnada já existem, mesmo durante o processamento do recurso interposto, caso não venha a ser conhecido” (JORGE, F. C. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. Item 6.1.3). 40 Em sentido diverso, apresentando tese que se mostra acertada aos autores deste ensaio, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha: “a) se for positivo, o juízo de admissibilidade é declaratório da eficácia do recurso, decorrente da constatação da validade do procedimento (aptidão para a prolação da decisão sobre o objeto litigioso); b) se negativo, o juízo de admissibilidade será constitutivo negativo, em que se aplica a sanção da inadmissibilidade (invalidade) ao ato-complexo, que se apresenta defeituoso/viciado” (DIDIER JR., F.; CUNHA, L. C. da. Curso de Direito Processual Civil. Meios de impugnação a decisões judiciais e processo no Tribunais. 13. ed. reform. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 131). 41 Araken de Assis acaba por defender a tese majoritária, mas afirma que a eficácia seria ex nunc. Contudo, apresenta dita conclusão exclusivamente no que diz respeito ao prazo decadencial rescisório, não explicitando, s.m.j., se a eficácia ex nunc estaria restrita a esse efeito ou se alcançaria todas as demais consequências MIOLO_RBDPro_112.indd 51MIOLO_RBDPro_112.indd 51 16/03/2021 11:15:2816/03/2021 11:15:28 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 202052 CAROLINE POMJÉ, EDUARDO SCARPARO Quando, por outro lado, há o exame de mérito recursal, a solução de eficácia temporal dos recursos opera sob o nome de efeito substitutivo dos recursos. Isso quer dizer que a decisão ad quem toma o lugar daquela ad quo, substituindo-a desde o início. Aqui, apesar de haver uma inovação no estado jurídico, com a eliminação de uma decisão e aposição de outra em seu lugar, também se afirma a regra geral de eficácia ex tunc das decisões sobre o mérito recursal, de modo que retroagem seus efeitos a fim de reverter as situações jurídicas decorrentes do ato impugnado.42 43 Dessa forma, para a doutrina tradicional, admitido ou não o recurso, a decisão recursal retroage seus efeitos, operando ex tunc, excepcionada tão somente a contagem do prazo rescisório que foi regulada especificamente ope legis no art. 975 do CPC/2015. O idealismo aqui se manifesta, dado que a eficácia geral ex tunc ao julgamento dos recursos, por qualquer de seus motivos (inadmissibilidade ou substitutividade meritória), tem ao fundo a despreocupação teórica sobre a dinâmica dos fatos sociais e da relação jurídica durante o procedimento recursal. Também age no sentido de restringir a atuação judicial no que condiz com a eficácia temporal de suas decisões, cuja regulação ope judis sequer é cogitada. Por isso, enquanto não se tem uma solução definitiva acerca do problema jurídico discutido no recurso, até o trânsito em julgado, o processo civil trata como se as relações decorrentes desse debate estivessem paralisadas. Toda a dinâmica das relações sociais seria, assim, irrelevante para os efeitos dos recursos no tempo, sendo esse um assunto alheio à própria tomada de decisão. Ou porque não importa o direito vivido ou porque se acredita que tudo possa ser revertido, sem maiores celeumas, com o trânsito em julgado. Efetivamente, em boa parte dos casos, é possível simplesmente reverter os efeitos do julgamento reformado, sem maiores consequências; todavia, em certas hipóteses, a decisão recorrida, ainda que sujeita a recurso, promove situações que interferem na dinâmica das relações sociais e do procedimento recursal. Em suas palavras: “a decisão acerca do juízo de admissibilidade tem natureza declaratória. Entretanto, no direito brasileiro, os respectivos efeitos operam ex nunc. E isso para não comprometer a nitidez e precisão do termo inicial do prazo da rescisória e, assim, evitar seu ajuizamento de modo antecipado. A eficácia ex nunc livra o recorrente da retroação de um eventual juízo negativo quanto ao recurso pendente, e, nesta contingência, impede a perda do prazo hábil para rescindir o julgado” (ASSIS, A. de. Manual dos Recursos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. Item 16.1). 42 A afetação dos efeitos anteriores da decisão agora reformada se dá porque “o julgamento proferido pelo órgão ad quem necessariamente substitui a decisão recorrida, nos limites da impugnação – ou, em termos mais exatos, nos limites em que dela conheceu o tribunal do recurso” (MOREIRA, J. C. B. Comentários ao Código de Processo Civil: Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973: arts. 476 a 565. Rio de Janeiro: Forense, 2013. v. V. p. 269). 43 “Às vezes, o ato decisório substituído surtiu efeitos até a substituição, porque ao recurso pendente, e que provocou a ulterior substituição, faltava o efeito suspensivo, que é a regra (art. 995, caput). Também se mostra necessário atentar aos efeitos que se produzem independentemente da suspensão. Eles se sujeitam, por identidade de razões, a idêntico regime. Nessas hipóteses, o provimento do recurso, por qualquer motivo (error in iudicando e error in procedendo), implicará o retorno das partes ao estado anterior” (ASSIS, A. de. Manual dos Recursos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. Item 26.5). MIOLO_RBDPro_112.indd 52MIOLO_RBDPro_112.indd 52 16/03/2021 11:15:2816/03/2021 11:15:28 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 2020 53 MODULAÇÃO PARA PROTEGER DIREITOS SUBJETIVOS que não são passíveis de paralisação. Nesses casos, a modulação para tutela de direitos subjetivos envolvidos pode ser necessária. 3.2 Expedientes análogos à modulação da eficácia recursal já admitidos nas cortes locais As funções para tutela de direitos subjetivos, ou seja, a resolução de casos para atribuir ao autor ou ao réu os respectivos direitos e deveres são essencialmente diferentes daquelas exercidas na jurisdição constitucional e pelas Cortes Supremas na fixação de padrões decisórios. Comparativamente, se de um lado a edição de precedentes e o controle de constitucionalidade produzem efeitos apenas indiretos às relações particulares, no outro, especialmente nas instâncias locais, as decisões são diretamente afeitas à resolução de conflitos subjetivos mediados pelo direito. Por isso, se em uma feição a resolução da tese jurídica é em si mesmo o problema a resolver, na outra, figura como um meio para a resolução de uma lide.44 Essa diferença não desmerece a necessidade de proteção de indivíduos que pautaram suas condutas por decisões judiciais, ainda que passíveis de revogação ou reforma. Diversas são as situações em que a segurança e confiabilidade em decisões proferidas, mesmo nas instâncias locais, são afetadas por conta da ausência de mecanismos disponíveis para sua proteção. Talvez por isso, ainda que sem reconhecer a atribuição ope judicis de regulação de eficácia temporal de decisões que versem sobre direitos subjetivos, há construções de caráter legal e jurisprudencial no âmbito material e processual que acabam por alcançar soluções equivalentes. São, no entanto, respostas pontuais para problemas identificados, sem que se tenha o desenho de um instituto geral sobre o qual se possa aquilatar situações semelhantes não previstas nessa casuística. Como exemplo de uma solução estabelecida por força de lei, tem-se a proteção da confiança que ampara a manutenção da eficácia da arrematação, mesmo que desfeitos os alicerces da penhora e, por conseguinte, da expropriação (CPC/2015, art. 903). Nesses casos, ainda que se reconheça, ao fim e ao cabo, que o executado não deveria ter seus bens expropriados, protege-se o arrematante que se submeteu ao leilão, confiando nas decisões judiciais que o definiram e o homologaram,consolidando a aquisição do bem. Especificamente, trata-se de escolha do legislador de proteger os interesses do terceiro arrematante (considerado de boa-fé), para prover segurança e confiança e moldar a execução civil de forma mais célere e efetiva.45 44 Sobre o tema, ver MITIDIERO, D. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação da jurisprudência ao precedente. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. 45 Em análise pertinente: “A norma visa a proteger o arrematante, considerado terceiro de boa-fé. Além disto, se o arrematante pudesse perder o bem arrematado diante da procedência da impugnação, certamente ninguém MIOLO_RBDPro_112.indd 53MIOLO_RBDPro_112.indd 53 16/03/2021 11:15:2816/03/2021 11:15:28 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 202054 CAROLINE POMJÉ, EDUARDO SCARPARO Trata-se, aqui, de regulação ope legis, razão pela qual não se pode dizer que equivale a uma modulação dos efeitos da decisão. Inegavelmente, no entanto, trata-se de uma regulação temporal excepcional para proteção de confiança que sustenta um reequilíbrio de valores considerando relações jurídicas que se desenvolvem dinamicamente, na pendência de julgamentos. Também como um expediente análogo, que não equivale à modulação de efeitos, mas dela pode ser aproximada por sua operação, pode-se cogitar sobre a excepcionalidade assentada, por construção jurisprudencial, no direito material de que as verbas alimentares são irrepetíveis.46 Com isso, se houve a concessão de alimentos indevidamente, as parcelas já desembolsadas não serão devolvidas pelo alimentado, sob o argumento de que foram consumidas para fins de subsistência. Essa hipótese é especialmente interessante, já que aponta uma solução que o direito material engendrou a um problema passível de também ser remodelado, no âmbito do direito processual, como de configuração temporal da eficácia de decisões revogatórias. Há, por fim, algumas construções pretorianas de caráter processual mal explicadas, quando considerada a teoria dos recursos. Exemplo disso é a tese construída jurisprudencialmente sob a vigência do CPC/1973 de que o prazo bienal rescisório contar-se-ia apenas da última decisão, ainda que diante de decisões que não conhecem o recurso, fixando-se nisso uma sui generis eficácia ex nunc no exame de admissibilidade.47 Nesse caso, a bem da verdade, fixou-se, ope judicis, mais adquiriria bem em hasta pública enquanto não definida a impugnação, o que eliminaria a celeridade que se pretendeu outorgar à execução com a previsão de não suspensividade, como regra, da impugnação. Ou então, diante do risco inerente à aquisição do bem nesta condição, a sua arrematação apenas se daria por valor bem mais baixo do que o de mercado, suficiente para tornar a sua compra atraente, diante do risco da sua perda em decorrência da procedência da impugnação. Esta última situação, como é intuitivo, favoreceria apenas a especulação, causando evidente prejuízo à atividade jurisdicional, ao instituto da execução e às partes” (MARINONI, L. G.; ARENHART, S. C.; MITIDIERO, D. Novo Curso de Processo Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 2. p. 1.047). 46 “Os alimentos são irrepetíveis, pois o alimentante não os pode repetir (pedir de volta) e o alimentando não está obrigado a devolvê-los, se indevidamente recebidos, como nas hipóteses de casamento declarado nulo ou anulável ou dos concedidos por mera liberalidade, com intuito apenas assistencial” (LÔBO, P. Direito Civil: famílias. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 369). 47 Construiu-se jurisprudencialmente o entendimento de que o prazo bienal rescisório apenas teria termo inicial quando do julgamento de todos os recursos, independentemente se conhecidos ou não, como se observa da Súmula nº 401, do STJ, de acordo com a qual “o prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”. A súmula foi editada sob a vigência do CPC/1973, mas seu sentido foi incorporado no texto do art. 975, caput, do CPC/2015. O motivo de sua adoção é bastante pertinente: por vezes o tempo de tramitação de um recurso superaria o prazo rescisório se o trânsito em julgado retroagisse ao tempo equivalente à ausência de recurso, levando à peculiar necessidade de proposituras de ações rescisórias condicionais. Mesmo se adotada a tese de que a decisão que avalia sobre a admissibilidade dos recursos estaria melhor considerada como avaliação de validade dos recursos interpostos e não sobre a sua existência – o que apesar de ser tese minoritária, parece ser correta –, ainda assim as soluções sobre a eficácia dos julgamentos negativos de admissibilidade seria igual: tem-se como producentes os efeitos da decisão recorrida desde o início, ou seja, ex tunc. A respeito: “o referido entendimento mostra-se relevante em razão do fato de que a decisão (monocrática ou acórdão) que reconhece não estarem MIOLO_RBDPro_112.indd 54MIOLO_RBDPro_112.indd 54 16/03/2021 11:15:2816/03/2021 11:15:28 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 2020 55 MODULAÇÃO PARA PROTEGER DIREITOS SUBJETIVOS uma eficácia temporal ativa para atribuição de um diferente marco temporal inicial de contagem rescisória. Diferentemente dos outros dois casos, aqui o problema poderia ser explicado como uma modulação em consideração de direitos subjetivos.48 Também parece mal explicada a regulação retroativa de eventual efeito suspensivo concedido, bem como de tutelas provisórias recursais, quando há a respectiva revogação ao tempo da prolação da decisão do recurso. Como exemplo, considere-se o caso de ser interposto recurso sobre decisão que fixa multa diária para que seja cumprida dada providência pelo réu. Atribuído efeito suspensivo ao agravo de instrumento (CPC/2015, art. 1.019, I), tem-se a regular tramitação recursal para, após alguns meses, em sessão, realizar-se o julgamento de inadmissibilidade recursal. Aqui a questão posta é: acumulou-se a multa do período compreendido entre a concessão do efeito suspensivo e o julgamento? Se aplicável a doutrina majoritária sobre a eficácia temporal da inadmissibilidade (a decisão que não conhece recurso é declaratória e opera ex tunc), não há suporte para se admitir eficácia em uma decisão provisória recursal que interrompeu a eficácia da decisão recorrida, especialmente porque o recurso inadmissível funciona “como se não houvesse sequer existido”. Há, contudo, fundados motivos para desaconselhar o acúmulo de multa no período de suspensividade. Esses motivos, no entanto, não são usualmente trabalhados na teoria dos recursos, sendo igualmente passíveis de melhor consideração se introduzida a hipótese de regulação temporal da eficácia recursal em caráter ope judicis. 3.3 Outras hipóteses de modulação para proteção de direitos subjetivos, em caráter ilustrativo Considere que foi expedido, no curso de um processo de inventário, alvará para venda de bem pelo inventariante (CPC/2015, art. 619, I), estando pendente de julgamento recurso de agravo de instrumento (CPC/2015, art. 1.015, parágrafo único), sem a atribuição de efeito suspensivo. Realizada a venda do bem a terceiro de boa-fé, posteriormente é provido o recurso. Pois, aplicando-se sem qualquer temperamento presentes os pressupostos de admissibilidade recursal tem natureza declaratória, isto é, declara que, no momento da interposição do recurso, o recorrente não poderia ter se utilizado do remédio endoprocessual. Tratando-se de decisão declaratória, sua eficácia dar-se-ia retroativamente, ou seja, ex tunc. Admitindo-se a eficácia ex tunc, ter-se-ia que no momento da interposição do recurso inadmissível, já deveria a parte ajuizar ação rescisória, caso vislumbrasse vício rescisório. Casoa decisão do órgão ad quem tardasse mais de dois anos a ser proferida, dever-se-ia ter por decaído o direito à rescisão do julgado” (ALVIM, A. A.; FERREIRA, E. A.; ALVIM, E. A. Os efeitos devolutivo e translativo da apelação no CPC/2015. In: Aspectos Polêmicos dos Recursos Cíveis e Assuntos Afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. Item 2). 48 Essa conclusão é válida como exemplo considerado o CPC/1973, vigente quando da edição da solução em comento. Já tendo em conta a redação do CPC/2015, não mais se trataria de modulação, diante do caráter ope legis fixado no art. 975. MIOLO_RBDPro_112.indd 55MIOLO_RBDPro_112.indd 55 16/03/2021 11:15:2816/03/2021 11:15:28 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 202056 CAROLINE POMJÉ, EDUARDO SCARPARO as linhas majoritárias da teoria geral dos recursos, dir-se-ia que a eficácia da decisão recursal desfaz a autorização para venda e, por consequência, atinge-se o ato de alienação.49 Se, de um lado, a analogia com o art. 903 do CPC/2015 poderia buscar resolver tangencialmente o conflito valorativo, por outro, pode-se também encontrar resposta na aptidão das cortes locais de regularem temporalmente a eficácia de suas decisões, ou seja, de modularem os respectivos efeitos. No caso, o próprio recorrido e o terceiro adquirente, no momento da realização do negócio jurídico, pautaram suas condutas em ato então autorizado pelo Poder Judiciário, uma vez que não havia sido atribuído efeito suspensivo ao recurso de agravo de instrumento – o que legitima a alienação realizada, considerando o teor do disposto no art. 995, caput, do CPC/2015. Haveria necessidade, diante desse cenário, de fornecer ao terceiro adquirente algum mecanismo apto a tutelar seus interesses, para além da possibilidade de mera reparação pela via processual adequada em eventual ação de perdas e danos. A proteção da confiança depositada na decisão de primeiro grau e na decisão de não suspensividade do recurso pode, assim, demandar ajustes ope judicis temporais de eficácia recursal. Em outra aplicação, considere o caso de uma empresa em recuperação judicial, que produz e comercializa vestuário e acessórios. Com o plano de recuperação aprovado pela Assembleia-Geral de Credores, um dos credores recorre contra a decisão judicial homologatória (Lei nº 11.101/2005, art. 58, §1º).50 Sem efeito suspensivo no recurso, tem-se início a realização das operações previstas no plano, podendo envolver contratações, demissões, alienação de bens etc. Com o recurso provido, a situação dos terceiros envolvidos fica bastante delicada se houver a imperiosidade de retorno ao status quo ante.51 Diferente pode ser a questão se admitida a modulação da eficácia recursal. 49 Tal possibilidade de modificação se dá porque, conforme leciona Ovídio Araújo Baptista da Silva, “Recurso, em direito processual, é o procedimento através do qual a parte, ou quem esteja legitimado a intervir na causa, provoca o reexame das decisões judiciais, a fim de que elas sejam invalidadas ou reformadas pelo próprio magistrado que as proferiu ou por algum órgão de jurisdição superior” (SILVA, O. A. B. da. Curso de Processo Civil: processo de conhecimento. 6. ed. rev. e atual. com as Leis 10.352, 10.358/2001 e 10.444/2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 1. p. 405). 50 “O procedimento da recuperação judicial, no direito brasileiro, visa criar um ambiente favorável à negociação entre o devedor em crise e seus credores. O ato do procedimento judicial em que privilegiadamente se percebe o objetivo da ambientação favorável ao acordo é, sem dúvida, a assembleia dos credores. Por esta razão, a deliberação assemblear não pode ser alterada ou questionada pelo Judiciário, a não ser em casos excepcionais como a hipótese do art. 58, §1º, ou a demonstração de abuso de direito de credor em condições formais de rejeitar, sem fundamentos, o plano articulado pelo devedor” (COELHO, F. U. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 234-235). 51 Ao tratar sobre a Assembleia Geral de Credores, a Lei nº 11.101/2005 destaca, no art. 39, §3º, que em caso de “posterior invalidação de deliberação da assembleia, ficam resguardados os direitos de terceiros de boa-fé, respondendo os credores que aprovarem a deliberação pelos prejuízos comprovados causados por dolo ou culpa”. Referido dispositivo, consequentemente, fornece indicativos sobre a possibilidade de que uma decisão assemblear venha a ser objeto de superveniente anulação e, ainda, como em tal circunstância os interesses dos terceiros de boa-fé devem ser resguardados. MIOLO_RBDPro_112.indd 56MIOLO_RBDPro_112.indd 56 16/03/2021 11:15:2816/03/2021 11:15:28 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 2020 57 MODULAÇÃO PARA PROTEGER DIREITOS SUBJETIVOS Fato é que o ordenamento jurídico brasileiro, diante de situações tais, não traz soluções razoáveis considerando a necessidade de tutela aos interesses de terceiros. O simples retorno das partes ao status quo ante, com a consideração da ineficácia das transações realizadas, parece não satisfazer os interesses envolvidos e a necessidade de manutenção de alguma previsibilidade e segurança dos negócios. Além disso, atribuir solução que pressupõe a paralisação das situações da vida enquanto não julgado o recurso tem impactos no sistema de preservação da empresa, a ser protegido nas recuperações judiciais. Note-se que, enquanto no âmbito dos direitos subjetivos não é possível identificar, a priori, uma solução adequada à situação envolvendo administradores e terceiros, no plano do direito objetivo, verifica-se a existência de meio idôneo para a tutela dos interesses de terceiros: a possibilidade de modulação dos efeitos das decisões, amparada no resguardo à segurança jurídica enquanto confiabilidade. É verdade que tais problemas inexistiriam se houvesse a atribuição de efeito suspensivo aos recursos; contudo, outras graves consequências tomar-lhe-iam o lugar. Suspendendo-se o plano por qualquer recurso tampouco se viabilizaria minimamente a recuperação de uma empresa ou o respeito ao tempo de um negócio quiçá importante para sua preservação. Além disso, uma tal solução envolveria reconhecer que o tempo não age sobre a formação e desenvolvimento dos direitos subjetivos. A solução judiciária, reconhecida tempos após a dinâmica dos fatos da vida, seria claramente insuficiente para a realização dos direitos subjetivos envolvidos.52 Modulações, no entanto, podem ajustar as situações a partir da consideração de valor sobre juízos prováveis, na medida em que o direito se desenvolve no tempo. Se, antes do julgamento do recurso, é possível regular a eficácia da decisão recorrida (tratativa sobre o efeito suspensivo), definindo-se, no tempo, se ela produzirá ou não efeitos desde logo, no momento de julgamento do recurso, pode-se também considerar a partir de quando a reversão gera efeitos, buscando proteger situações jurídicas construídas sob albergue de confiança nas atuações jurisdicionais, especialmente para proteção de terceiros. Com isso, quer-se situar o ajuste no tempo da eficácia como um poder inerente a julgamento (ope judicis) que avalia não uma situação estática, mas dinâmica com a formação e desenvolvimento dos direitos. Tal consideração apenas tem lugar quando se concebe o direito não afastado da experiência. Entende-se que o direito tem tão intensa relação com o contexto que as soluções juridicamente realmente aplicáveis aos casos são impossíveis de serem tomadas em cenário exclusivamente ideal. 52 Em última análise, a atribuição de efeito suspensivo, por cautela excessiva, paralisaria o direito no tempo, enquanto que a realidade de incidência do direito movimentar-se-ia em direção à derrota do processo como instrumento de resolução justa: a perda do objeto por intempestividadeda tutela jurisdicional. MIOLO_RBDPro_112.indd 57MIOLO_RBDPro_112.indd 57 16/03/2021 11:15:2816/03/2021 11:15:28 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 202058 CAROLINE POMJÉ, EDUARDO SCARPARO Há, nisso, uma mudança paradigmática de estruturação da atuação jurisdicional, projetando também significação de maior potência aos atos jurisdicionais. Em termos práticos, nos exemplos sugeridos, o tribunal, quando do julgamento dos recursos, poderia estabelecer eficácias contidas dos julgamentos recursais. Com isso, v.g., definir que, na recuperação judicial, os negócios celebrados seriam considerados para a homologação de novo plano de recuperação ou mesmo mantidos se convertida a recuperação em falência, fixando-se, eficácia ex nunc à tutela decorrente do provimento do recurso. No exemplo do alvará, poderia decidir pela mantença do negócio e eventual dever de reparação do espólio pelo agravado, na hipótese de a alienação autorizada mostrar-se danosa aos interesses dos demais sucessores. Com tal proceder, os atos realizados no curso dos processos – com autorização judicial –, enquanto pendente de julgamento recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo, seriam resguardados, com tutela da segurança jurídica dos terceiros que, pautados em uma situação legítima, entabularam negócios com alguma das partes no decorrer do procedimento. Ademais, preservar-se-ia, com isso, não apenas a confiança de terceiros diante de decisões judiciais, mas também viabilizaria uma jurisdição ao tempo devido, diante de probabilidades possíveis. 4 Conclusão Atos estatais não devem ser instáveis, sendo a confiança de legitimidade de atos normativos e decisões judiciais essencial para se ter segurança na própria atividade jurisdicional. Isso fundamenta essencialmente hipóteses de modulação em sede de controle de constitucionalidade e, também, diante da superação de precedentes. Esses vinculam-se ao direito considerado objetivamente, de modo que os indivíduos possam ajustar e programar sua vida de acordo com um direito e com interpretações previsíveis e estáveis. Já a solução tradicional pela via da teoria dos recursos, aplicável a uma gama muito maior de situações e, inclusive, nas instâncias locais, explicita a inadequação das técnicas processuais atuais para resguardo integral dos direitos subjetivos, em situações como aquelas narradas supra. Isso porque, seja pela compreensão doutrinária majoritária acerca da natureza do exame de admissibilidade, seja pela regra de substitutividade recursal, afirma-se a eficácia geral ex tunc das decisões recursais. Essa, fixada em caráter ope legis, embora seja compatível e importante ao processo devido, em certas circunstâncias não trata bem de excepcionalidades relevantes ao operar do direito processual, tendo em conta direitos subjetivos e a dinâmica de variadas relações jurídicas e sociais. Diante dessa constatação, nesse ensaio de perfil eminentemente exploratório conjecturou-se a viabilidade de proteção de segurança e confiabilidade também MIOLO_RBDPro_112.indd 58MIOLO_RBDPro_112.indd 58 16/03/2021 11:15:2816/03/2021 11:15:28 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 28, n. 112, p. 41-61, out./dez. 2020 59 MODULAÇÃO PARA PROTEGER DIREITOS SUBJETIVOS quando diante de julgamentos para proteção de direitos subjetivos, especialmente nas instâncias locais, como um poder inerente ao julgamento (ope judicis) de fixar a regulação temporal da eficácia recursal. A importância disso pode decorrer de especificidades sobre o próprio exercício do direito fundado em decisão judicial passível de reforma, envolvendo-se questões de operação dinâmica das relações jurídicas entre as partes e, também dizer respeito a terceiros. Modulation to protect subjective rights Abstract: The article analyzes, on an exploratory character, the feasibility of modulation in order to protect the subjective rights of the parties and third parties, also by local judges. Therefore, the article starts from the study on the hypotheses of modulation already provided in the legislation linked to objective law and overcoming of precedents, relating the possibility of modulation to circumstances that demand special protection to security and predictability. Keywords: Effects modulation. Constitutional jurisdiction. Precedents. Civil reviews. General review theory. Referências ALVIM, A. A.; FERREIRA, E. A.; ALVIM, E. A. Os efeitos devolutivo e translativo da apelação no CPC/2015. In: Aspectos Polêmicos dos Recursos Cíveis e Assuntos Afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. ASSIS, A. de. Manual dos Recursos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. ÁVILA, A. P. 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