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1 Saúde e Educação Ambiental Unidade I Prof.ª Elaine Cristina da Silva Colin APRESENTAÇÃO PROF.ª ELAINE CRISTINA DA SILVA COLIN Doutora e Mestre em Ciências (área de concentração – Serviços de Saúde pública) pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). Especialista em Educação Ambiental pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade São Judas Tadeu (USJT). Atuou como Encarregada de Educação Ambiental do Departamento de Meio Ambiente da Prefeitura de Santo André de 2001 a 2007. Como Gerente de Recursos Naturais, responsável pela gestão do Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba de 2008 a 2010 e Gerente de Educação e Extensão Ambiental, responsável pela gestão e coordenação de Projetos de Educação Ambiental voltados a crianças, jovens e adultos no ensino formal e não formal e pelas ações de recuperação de áreas degradadas na região de Paranapiacaba e Parque Andreense de 2010 a 2017. Foi parecerista do Comitê de Ética e Pesquisa - CEP da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Santo André de 2012 a 2018. Atualmente é Editora Associada da Revista Ambiente e Sociedade, Encarregada de Extensão Ambiental no Departamento de Gestão Ambiental do Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André (Semasa) e Professora convidada da Universidade Paulista (UNIP). SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................................................04 UNIDADE I 1. SAÚDE PÚBLICA E MEIO AMBIENTE ......................................................06 1.1 Determinantes sociais da saúde ........................................................ 08 1.2 Abordagem ecossistêmica da saúde ..................................................13 1.3 Saúde ambiental ................................................................................ 15 2. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUA RELAÇÃO COM AS CONFERÊNCIAS DE MEIO AMBIENTE E PROMOÇÃO DA SAÚDE .............................................. 17 3. EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO POLÍTICA PÚBLICA............................. 30 3.1 Indicadores de Políticas Públicas de Educação Ambiental ................ 35 UNIDADE II 4. ABORDAGENS E CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL.......... 42 4.1 Correntes e tendências em Educação Ambiental ...............................44 4.2 Abordagens e teorias de aprendizagem nos processos de educação ambiental.................................................................................................. 50 5. PROJETOS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL.............................................. 52 5.1 Diagnóstico em projetos de educação ambiental ...............................54 5.1.1. Técnicas e métodos de diagnóstico ................................................57 5.2 Intervenção em educação ambiental no âmbito da Promoção da Saúde ...................................................................................................................62 5.3. Projetos de educação ambiental e alguns conceitos importantes..... 66 5.3.1. Educação ambiental para qual participação?.................................. 68 5.3.2 Educação ambiental, promoção à saúde e empoderamento........... 69 5.3.3 Temas ambientais nos projetos de educação ambiental ................ 72 5.3.4 Educação ambiental para mudança de atitude ou comportamento?....................................................................................... 73 4 INTRODUÇÃO Apesar das questões de saúde e meio ambiente terem suas raízes na antiguidade, o reconhecimento de sua interligação é recente. A partir do século XVIII, muitos estudiosos já manifestavam preocupações sobre o ambiente natural, mas foi apenas em meados do século XIX, quando diversas catástrofes ambientais começaram a interferir na saúde humana e consequentemente no sistema econômico vigente, é que as questões ambientais começaram a ser discutidas por toda a sociedade. Ainda que as questões ambientais e de saúde estivessem relacionadas, na década de 1970 emergiram destas áreas movimentos em diversas regiões do mundo que apesar de terem sido realizados de forma desconexa, ao longo do tempo contribuíram positivamente para os avanços e o estabelecimento de relações entre as duas áreas. A partir de documentos gerados em Conferências, Congressos e Encontros sobre esses assuntos, nota-se um esforço em tornar os conceitos de saúde e meio ambiente mais amplos e principalmente colaborar para a construção de políticas públicas efetivas que possam estimular o envolvimento da população na identificação, planejamento e implementação de ações que colaborem para a criação de ambientes mais saudáveis e a melhoria da qualidade de vida. Neste contexto, a educação ambiental surge como uma importante estratégia para tentar reverter o quadro de degradação ambiental provocado pela lógica desenvolvimentista. Se se considerar a ampliação pela qual o conceito de saúde passou nas últimas décadas, ainda é comum associar a educação em saúde aos processos educativos relacionados à promoção da saúde. É importante destacar que independente da adjetivação, o processo educativo como processo político e transformador certamente é essencial e condição sine qua non para o alcance dos objetivos da promoção da saúde. Tanto na educação em saúde como na educação ambiental o processo educativo é baseado na teoria crítica da educação, pois seus objetivos contemplam a formação de cidadãos críticos, reflexivos e atuantes. O que muda é a abordagem: educação voltada para a saúde ou para o ambiente. Diante do exposto, este livro texto tem como objetivo a problematização e discussão sobre as relações entre saúde pública e meio ambiente, destacando a Educação ambiental como estratégia de Promoção à Saúde. No primeiro capítulo são apresentados alguns fatos históricos que contextualizam a inserção da questão ambiental como um fator determinante de saúde alinhada à ampliação do conceito de saúde, às abordagens ecossistêmicas e à saúde ambiental. 5 O segundo capítulo traça uma linha do tempo identificando os avanços tanto na área da promoção da saúde quanto na área da educação ambiental por meio das principais conferências internacionais realizadas em ambas as áreas. Em seguida, são trazidas as principais características teóricas e práticas da educação ambiental sob o ponto de vista legal destacando sua relevância como política pública e de seu monitoramento por meio de indicadores. O quarto capítulo apresenta as diferentes concepções e tendências da educação ambiental bem como as possíveis abordagens educacionais de acordo com a principais teorias clássicas de ensino aprendizagem. Para finalizar são tratados aspectos quanto a elaboração de projetos de educação ambiental destacando as etapas de diagnóstico e de intervenção educacional à luz da promoção da saúde. 6 1. SAÚDE PÚBLICA E MEIO AMBIENTE Figura 1 Fonte: Freepik Poluição, desmatamentos, queimadas, perda de biodiversidade, aquecimento global, mudanças climáticas, pobreza, desigualdades sociais, fome, pobreza, violência são algumas das características da crise civilizatória em que vivemos. E quais seriam os limites entre os problemas ambientais e sociais? Como se interligam e como afetam a saúde individual e coletiva? Grande parte dos agravos à saúde, está relacionada à degradação ambiental, não é possível estabelecer uma linha divisória entre um e outro. Apesar de estarem intimamente ligadas, historicamente as questões ambientais passaram a ter maior importânciajustamente a partir do momento em que começaram a afetar a saúde humana. Desde a antiguidade são encontrados exemplos dessas relações: Período Clássico: no século V a.C, Hipócrates em um dos seus postulados mais importantes “Sobre ares, as águas e os lugares” já mencionava uma ligação causal entre os fatores ambientais e as doenças, representando um importante avanço no entendimento do processo saúde-doença e seus determinantes. 7 Idade Moderna: No século XVII, com o desenvolvimento das ciências começaram a acontecer mudanças significativas na medicina, sobretudo com o avanço da microbiologia. Neste período acreditava-se que as doenças eram causadas por “miasmas”, ou seja, os odores nocivos que emanavam do solo, da água e do ar, sobretudo, onde havia matéria orgânica em decomposição. Nesta época, atribuiu-se a causa da malária ("maus ares") ao contato com gases infecciosos. Idade Contemporânea: foi no início do século XIX que os maiores avanços nas ciências ocorreram. Nesse período incluem-se a revolução pasteuriana, o nascimento da epidemiologia, os estudos pioneiros do médico John Snow sobre a cólera em Londres e a utilização de dados estatísticos nos estudos sobre os processos de saúde-doença. A relevância dos estudos de Snow esteve vinculada principalmente às suas contribuições no entendimento do processo de transmissão da cólera vinculando-o ao consumo de água contaminada. Em meados deste século, a medicina social se fortaleceu e passou a relacionar o estado de saúde de uma população com suas condições de vida. Com a Revolução Industrial, as condições de vida dos trabalhadores incluindo mulheres e crianças tornaram-se cada vez piores. Neste período se sobressaíram os dados do relatório The Sanitary Conditions os the labouring population of Great Britain, elaborado em 1842 por Edwin Chadwick, um dos pioneiros da saúde pública inglesa que demonstrou a relação das doenças com as condições de limpeza do ambiente e a ausência de saneamento básico. Também foi notória a atuação do patologista alemão Rudolf Virchow, que por meio de seus estudos declarou que as causas ou determinantes das patologias se relacionavam com as condições de vida da população, sobretudo, dos pobres. É importante destacar que apesar da relação entre as questões de saúde e meio ambiente terem suas raízes na antiguidade, o reconhecimento de sua interligação do ponto de vista jurídico, institucional e prático é recente, pois eram tratadas de forma desconexa e reducionista, ou seja, a saúde era vista apenas como ausência de doença e o meio ambiente como natureza. Segundo WESTPHAL (2006), historicamente o conceito de saúde como ausência de doença, característico do modelo biomédico de medicina, predominou na chamada “era bacteriológica”, quando tomou corpo a ideia da existência de agentes As relações ambiente-saúde mencionadas refletiam o contexto histórico de cada época e ainda que a principal preocupação tenha sido a descoberta das causas das doenças, tais fatos foram fundamentais para evolução histórica do conceito de saúde. Lembrete 8 patogênicos como causa das doenças. Com o avanço da medicina por volta de 1930, foram produzidos os primeiros fármacos dando início à “era terapêutica”, quando esse conceito reducionista de saúde foi reforçado. Apenas após alguns anos quando foi criada a Organização Mundial de Saúde, na década de 1940 que o conceito foi ampliado, considerando além dos fatores físicos, os mentais e os sociais. No que diz respeito à incorporação institucional das questões ambientais no campo da saúde pública, é essencial lembrar que foi a partir da década de 1970 em virtude do agravamento dos problemas ambientais decorrentes da industrialização (retomaremos esse assunto no capítulo 2) que começaram a ser criados os primeiros órgãos de meio ambiente, mas sem nenhum vínculo direto com o Sistema de Saúde. Somente na década de 1990 que houve a incorporação mais efetiva da temática ambiental na Saúde Coletiva, tendo contribuído significativamente para isso os resultados da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92 e a Conferência Pan-americana Saúde, Ambiente e Desenvolvimento organizada pela OPAS – Organização Pan- americana da Saúde em 1995 (FREITAS, 2003). As Conferências e Cúpulas Mundiais dessas duas áreas realizadas desde a década de 1970 contribuíram tanto para ampliar o marco conceitual, como também produziram recomendações de políticas de enfrentamento dos determinantes sociais de saúde, no intuito de diminuir as iniquidades, promover a saúde e a sustentabilidade. 1.1 Determinantes sociais da saúde (DSS) Pouco mais de três anos depois da chamada Tragédia da Mineração, ... o Brasil se viu novamente aturdido, triste e revoltado com outro desastre provocado por uma mineradora... Os danos que afetam e deverão continuar afetando, nos próximos anos, os municípios do entorno de Brumadinho ainda não são totalmente conhecidos, embora os especialistas prevejam cenários desoladores. O tempo vai revelar a extensão e as consequências dessa nova tragédia humana e ambiental, que vai permanecer gerando problemas graves, para a saúde pública, para o Sistema Único de Saúde (SUS), para o meio ambiente, para as famílias e para as comunidades, nos próximos anos. (VALVERDE, 2019) O texto acima trata do desastre provocado pela empresa mineradora Vale em Brumadinho (MG) em 2019, fato que envolve aspectos econômicos, políticos, sociais e ambientais. Além das perdas materiais e imateriais, do abalo à saúde psíquica e emocional das pessoas que ali residiam, o impacto ambiental gerado pela quantidade de contaminantes espalhados para além da área afetada (no solo e nos cursos d´água) se refletem e continuarão se refletindo na saúde da população a médio e longo prazo (Figura 2). https://agencia.fiocruz.br/tragedia-da-mineracao 9 Figura 2 - Potenciais efeitos relacionados aos impactos e riscos causados pelo desastre. Fonte: Freitas, CM et al, 2019. Esse é um exemplo claro da complexidade e da relação intrínseca entre meio ambiente e saúde pública. Oriundas de desastres ou não, as condições econômicas, sociais, políticas, culturais, psicológicas, comportamentais e ambientais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população são identificadas como “determinantes sociais da saúde”. É possível encontrar na literatura, diversos agrupamentos, categorias e interrelações para melhor entendimento da multicausalidade que envolve os determinantes sociais da saúde. Destacaremos nesta unidade, dois dos modelos explicativos mais citados na literatura: Dahlgren e Whitehead (figura 3): incluem os determinantes sociais dispostos em diferentes camadas, considerando uma camada que engloba os determinantes individuais (idade, sexo, fatores genéticos) até uma camada mais distante na qual são colocados os macrodeterminantes (condições socioeconômicas, culturais e ambientais gerais). Este modelo não explica em detalhes essas relações e a gênese das iniqüidades, porém para cada camada é possível prever determinadas ações, por exemplo, a primeira camada, por estar mais relacionada ao individual e ao comportamental, pode-se prever ações relacionadas a práticas educativas, acesso facilitado a alimentos saudáveis, entre outras. Em cada nível é possível uma ação diferenciada e específica para ela. (coesão social, política macroeconômicas etc). 10 Figura 3 – Modelo de determinação social da doença por Dahlgren e Whitehead Fonte: CNDSS (2008) Diderichsen e Hallqvist (Figura 4): enfatiza a estratificação social gerada pelo contexto social, que confere aos indivíduos posições sociais distintas, as quais provocam diferenciais de saúde.De acordo com esse modelo a posição social determina as vulnerabilidades do indivíduo em relação à exposição ao risco. Figura 4 – Modelo de determinação social da doença por Diderichsen e Hallqvist Fonte: BUSS e FILHO (2007) 11 Estes modelos, apesar de abordagens diferentes, se complementam e reforçam a ideia de saúde como um fenômeno social. Tratando especificamente da questão ambiental, apenas o modelo de Dahlgren e Whitehead explicita as condições ambientais como um macrodeterminante da saúde. Mesmo com todo o avanço que houve quanto ao entendimento das relações entre os determinantes sociais e as iniquidades em saúde, os problemas ambientais também contribuem com a ocorrência de doenças, porém, têm sido pouco considerados como determinantes ambientais da saúde em conjunto com os sociais (SOBRAL E FREITAS, 2010). Um exemplo desta limitação pode ser observado no marco teórico para estudo dos DSS (Figura 4) estabelecido pela Organização Mundial da Saúde em seu relatório “A Conceptual Framework for Action on the Social Determinants of Health” (OMS, 2010). Figura 5 - Estrutura conceitual dos determinantes sociais da saúde proposto pela OMS Fonte: OMS, 2010 O estudo dos determinantes sociais da saúde tem como principal objetivo possibilitar não apenas o entendimento das relações das diversas condições que envolvem a sociedade e sua situação de saúde, mas sobretudo dar subsídios para criação e implementação de políticas públicas que efetivamente reduzam as iniquidades em saúde e favoreçam a melhora da qualidade de vida e o bem estar da população . Lembrete 12 É importante ressaltar que esta estrutura conceitual é baseada no modelo de Diderichsen e Halqvist e envolve uma complexidade maior, incluindo a questão do capital social como um fator determinante em que uma tarefa fundamental para as políticas de saúde é fomentar relações de cooperação entre cidadãos e instituições, além de estimular a participação social. Apesar dos fatores ambientais não estarem presentes na figura 4, no mesmo documento da Organização Mundial da Saúde, as estratégias para a ação contemplam o ambiente como um dos contextos a serem considerados nas iniciativas de combate às iniquidades em saúde. Ainda assim, tal estrutura não permite tratar de modo integrado as inter-relações existentes entre os determinantes sociais e ambientais e as condições de saúde ambiental, pois se apresenta desarticulado dos indicadores sociais e econômicos (SOBRAL E FREITAS, 2010). Apesar da questão ambiental não ser incluída como deveria nos estudos e ações voltadas aos DSS, vem havendo avanços que ratificam a relevância do estudo das determinações sociais e a saúde. Do ponto de vista institucional e político, convém destacar a criação pelo Governo federal brasileiro da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS) em 2006, seguindo recomendação da Organização Mundial da Saúde. Esta Comissão foi criada com objetivos de produzir informações e conhecimento sobre os determinantes sociais da saúde, articular a atuação e mobilizar diferentes segmentos da sociedade (poder público, sociedade civil, instituições de pesquisa) em prol da melhoria da saúde e redução das iniquidades (OMS, 2006). Para o alcance desses objetivos, a CNDSS desenvolveu diversas ações das quais se destacam: 1) Realização e apoio a diversas pesquisas sobre os DSS que incluem entre seus resultados as implicações políticas relacionadas ao tema por meio da promoção, apoio e avaliação de programas e intervenções governamentais e não governamentais em nível, local, regional e nacional. 2) Participação de seus membros em congressos e reuniões nacionais e internacionais e utilização dos meios de comunicação de massa para mobilizar os diversos setores da sociedade quanto as áreas relacionadas com os DSS. 3) Criação e manutenção do Portal dos Determinantes Sociais da Saúde e Observatório de iniquidade em saúde que reúnem um conjunto de indicadores demográficos, econômicos, sociais, de situação de saúde e de serviços de atenção à saúde, relatórios de análise das tendências de alguns 13 indicadores, buscando identificar seus determinantes e os efeitos de políticas de intervenção sobre eles, além de notícias, entrevistas e outras experiências relacionadas ao tema DSS. O Portal é mantido por uma rede de colaboradores promovida e coordenada pelo Centro de Estudos, Políticas e Informação sobre Determinantes Sociais da Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Pelo que vimos até aqui, percebemos que ainda é um desafio trabalhar saúde e ambiente de forma integrada e interdisciplinar. Dessa forma, novas áreas de conhecimento e ação procuram aproximar os estudos e as práticas que considerem efetivamente o meio ambiente como fator determinante de saúde. Entre elas se destacam a abordagem ecossistêmica da saúde e a saúde ambiental. 1.2 Abordagem ecossistêmica da saúde A saúde pública tem o objetivo de estudar e buscar soluções para os problemas que agravam a saúde e interferem na qualidade de vida da população, considerando os sistemas sociocultural, ambiental e econômico. Sendo assim, as áreas de saúde e meio ambiente são indissociáveis e o que temos visto é que essa relação ocorre mais no discurso do que na prática. A fim de aproximar estes dois conceitos como uma construção teórico-prática que tem como marco a sustentabilidade ecológica e social, a democracia, os direitos humanos e a qualidade de vida, surge o conceito de abordagem ecossistêmica da saúde. A abordagem ecossistêmica da saúde, envolve o entendimento dos processos de saúde-doença considerando-os sob a perspectiva de sistemas complexos e das relações entre a natureza e a sociedade humana. Trata-se de uma abordagem holística que reconhece a saúde como parte dos sistemas biológicos e sociais variando os seus níveis de complexidade. Deste modo, explora as relações entre os vários componentes destes sistemas para definir e avaliar os determinantes da saúde humana e a sustentabilidade do ecossistema. Dessa forma, permite o estudo de diferentes níveis da sociedade: o microssocial (indivíduo, família e comunidade) e o macrossocial (cidade, região, país), uma vez que todos os problemas de saúde se relacionam com tais níveis (FORGET E LEBEL, 2001). Essa abordagem tem como objetivo desenvolver novos conhecimentos sobre a relação saúde-meio ambiente, em realidades concretas, de forma a permitir ações adequadas e saudáveis das pessoas que aí vivem, de acordo com esta concepção a gestão do ecossistema deve estar atrelada à responsabilidade individual e coletiva sobre a saúde (MINAYO, 2006). Em termos metodológicos a utilização desta abordagem envolve: 14 o mapeamento da história das interações entre os problemas ambientais e seus reflexos na saúde considerando também o contexto atual; realização de diagnósticos interdisciplinares considerando aspectos biológicos, econômicos, antropológicos, culturais, sociais, históricos, químicos e outros, incluindo instrumentos que garantam a participação social. Para que as ações citadas tenham efetividade devem se basear nos três pilares fundamentais da abordagem ecossistêmica da saúde: Transdisciplinaridade: implica em entender a complexidade das relações saúde e ambiente de forma integrada e sob diferentes perspectivas. Participação: demanda que os estudos e projetos integrem métodos participativos para compreensão da realidade e ao mesmo tempo criem condições para transformação da situação problema encontrada incluindo o empoderamento dos envolvidos. Equidade: exige que qualquer intervenção em uma dada realidade seja realizada de acordo com as necessidades de cada indivíduo, reconhecendoas diferenças de opiniões e também de condições de vida e saúde respeitando a diversidade existente. Um fator importante e que deve ser considerado nessa abordagem é que os ecossistemas são complexos e apresentam certa imprevisibilidade, sendo assim, a gestão ecossistêmica da saúde deve ser adaptativa e levar em conta a conexão entre os seus diferentes componentes, para isso deve ajudar as comunidades a estabelecerem metas sustentáveis a partir da construção de conhecimentos (NIELSEN, 2002). Pelo que foi exposto depreende-se que o enfoque ecossistêmico da saúde se relaciona com o conceito de sustentabilidade, pois integra ambiente, economia e comunidade de forma a contribuir com a promoção da saúde. Os mapeamentos e diagnósticos necessários aos estudos que utilizam a abordagem ecossistêmica, têm o componente educativo como fundamental. Isto significa que o processo não demanda apenas a identificação de informações, mas também a construção de conhecimentos junto aos envolvidos. Lembrete 15 5.3 Saúde ambiental Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2005) a saúde ambiental é definida como: Área da saúde pública afeta ao conhecimento científico e à formulação de políticas públicas relacionadas à interação entre a saúde humana e os fatores do meio ambiente natural e antrópico que a determinam, condicionam e influenciam, com vistas a melhorar a qualidade de vida do ser humano, sob o ponto de vista da sustentabilidade. Portanto, é formada por todos os aspectos da saúde humana, incluindo a qualidade de vida, que estão determinados por fatores físicos, químicos, biológicos, sociais e psicológicos no meio ambiente. A saúde ambiental também se refere à teoria e à prática de valorar, corrigir, controlar e evitar fatores do meio ambiente que possam prejudicar a saúde de gerações atuais e futuras, dessa forma, integra os fatores determinantes da saúde humana e dos ecossistemas (OPAS, 1993). As ações de saúde ambiental envolvem: identificação e caracterização de fatores de risco para a saúde originados no ambiente; planejamento de ações de prevenção e promoção da saúde; desenvolvimento de ações de controle e vigilância sanitária de sistemas, estruturas e atividades tenham interação no ambiente. No que diz respeito às ações de controle e vigilância, um avanço importante foi a criação da Vigilância em Saúde Ambiental pelo Ministério da Saúde no ano 2000, que consiste em um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento e a detecção de mudanças nos fatores determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na saúde humana, com a finalidade de identificar as medidas de prevenção e controle dos fatores de risco ambientais relacionados às doenças ou a outros agravos à saúde. De acordo com a Fundação Nacional de Saúde (BRASIL, 2002), os objetivos da vigilância em saúde ambiental incluem: A) produzir, integrar, processar e interpretar informações a serem disponibilizadas ao Sistema Único de Saúde, que sirvam como instrumentos para o planejamento e execução de ações relativas às atividades de 16 promoção da saúde e prevenção e controle de doenças relacionadas ao meio ambiente; B) estabelecer parâmetros, atribuições, procedimentos e ações relacionadas à vigilância ambiental nos diversos níveis de competência; C) identificar os riscos e divulgar as informações referentes aos fatores ambientais condicionantes e determinantes das doenças e de outros agravos à saúde; D) promover ações de proteção à saúde relacionadas ao controle e recuperação do meio ambiente; E) conhecer e estimular a interação entre ambiente, saúde e desenvolvimento a fim de fortalecer a participação popular na promoção de saúde e qualidade de vida. A área de vigilância em saúde ambiental é um campo multidisciplinar relativamente novo e para cumprir seus objetivos, os instrumentos e métodos de estudo são os mais variados, incluindo avaliação e gerenciamento de riscos, epidemiologia ambiental, indicadores de saúde e ambiente, sistema de informações em vigilância ambiental e desenvolvimento de pesquisas na área de saúde e ambiente, portanto, a variedade de temas de pesquisa e intervenção que envolvem a saúde ambiental é vasta, entre elas podemos citar: poluição do ar, da água e do solo e seus efeitos na saúde humana; pesquisas epidemiológicas relacionadas a alterações terrestres e do ecossistema aquático; desastres naturais; condições de moradia e saneamento básico; gestão de resíduos sólidos; mudanças climáticas e seus efeitos sobre os ecossistemas e a saúde humana; acidentes com produtos perigosos; a interação entre ambiente, desenvolvimento e saúde humana; 17 entre outras. É importante destacar que apesar de todo o aporte teórico e institucional que envolve a vigilância em saúde ambiental, em um contexto de incertezas quanto às mudanças ambientais globais e locais, essa área ainda necessita de avanços para que se consolide no Sistema Único de Saúde. Como vimos brevemente nesse capítulo, a complexidade e a amplitude das possibilidades de pesquisa e atuação que envolvem as relações saúde e meio ambiente demandam uma abordagem holística, intersetorial e transdisciplinar. Nesse contexto, além de políticas públicas integradas, a educação se configura como um importante meio de promoção à saúde. 6. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUA RELAÇÃO COM AS CONFERÊNCIAS DE MEIO AMBIENTE E PROMOÇÃO DA SAÚDE Para entender o surgimento da Educação Ambiental, seus conceitos e sua importância no contexto atual, é necessário fazer uma reflexão sobre a questão da relação do homem com o meio ambiente. Ao contrário do que muitos pensam os problemas ambientais não tiveram suas origens ligadas apenas aos fatos que se sucederam após a Revolução industrial, pois estes problemas estão atrelados ao próprio processo de consolidação das civilizações e, portanto, são muito antigos. O meio foi sendo modificado à medida que o homem foi aumentando a sua capacidade de intervir na natureza para atender às suas necessidades. Em tempos Os links e as referências bibliográficas abaixo podem propiciar maior aprofundamento sobre alguns dos conteúdos abordados até aqui: Portal de Determinantes Sociais da Saúde: www.dssbr.org Biblioteca Virtual em Saúde sobre DSS: www.bvsdss.icict.fiocruz.br Ministério da saúde: www.saude.gov.br/vigilancia-em- saude/vigilancia-ambiental FREITAS C.M. Saúde, ambiente e sustentabilidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2006. MINAYO M.C.S.; MIRANDA A.C. Saúde e ambiente sustentável: estreitando nós. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2002. OPAS. Organização Pan-Americana da Saúde. Determinantes ambientais e sociais da saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011. http://www.bvsdss.icict.fiocruz.br/ 18 remotos já havia problemas com erosões do solo decorrentes do desmatamento. Essas ações ao longo do tempo tiveram reflexos além dos aspectos ecológicos ou naturais, pois gradativamente foram provocando alterações nas esferas social, política, econômica e cultural das civilizações, ocasionando problemas socioambientais. Os efeitos desta relação com o meio foram se manifestando aos poucos de forma negativa, fazendo com que os primeiros sinais de preocupação com a questão ambiental surgissem em meados da década de 1950 com a ocorrência de diversas catástrofes ambientais que começaram a interferir na saúde humana e consequentemente no sistema econômico vigente. Essas catástrofes contribuíram para que que houvesse certa mobilização social (Figura 6). Figura 6 - Principais acontecimentos que relacionam meio ambiente e saúde a partir de 1952. Fonte: Baseado em DIAS (2010) 1952 morte de centenas de pessoas em Londres em decorrênciado ar densamente poluído, o grande nevoeiro formado ficou conhecido como Big Smoke, ocasionado pelo incontrolado aumento da queima dos combustíveis fósseis nos transportes e na indústria. 1953-1965 ocorrência de diversos problemas neurológicos na população, nascimento de crianças com mutações genéticas e casos fatais por intoxicação com mercúrio em Minamata e Niigata (Japão). 1962 • lançamento do livro Primavera Silenciosa de Rachel Carson que trazia uma série de narrativas demostrando que o uso de pesticidas e o modelo de desenvolvimento econômico estava prejudicando a qualidade do ar, da água, do solo e provocando diversos desmatamentos. 1968 • formação do Clube de Roma que reunia cerca de 30 especialistas de várias áreas para discutir a crise vivida naquela época e o futuro, incluindo questões ambientais e de saúde. 1972 publicação do relatório Limites do Crescimento elaborado pelo Clube de Roma que alertava quanto aos perigos do desenvolvimento desenfreado tanto para a sociedade quanto para o ambiente. 19 Como vimos, as questões ambientais e de saúde tem estado sempre relacionadas, mas foi apenas a partir da década de 1970 que essas conexões começaram a ser efetivamente discutidas. A partir desse período emergiram destas duas áreas movimentos em diversas regiões do mundo que apesar de terem sido realizados de forma desconexa, ao longo do tempo contribuíram positivamente para os avanços e o estabelecimento de relações entre ambas. A seguir, serão destacados os principais documentos e encontros internacionais que ocorreram de 1972 a 2016 tanto na área da promoção à saúde como na área ambiental e que nos ajudam a compreender suas interrelações, assim como a importância da educação como processo que contribui tanto com o desenvolvimento de habilidades para que os indivíduos tenham maior controle sobre sua saúde como para criação de ambientes favoráveis à saúde. 1972 - Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano Esse evento ocorreu em Estocolmo, Suécia em 1972 e foi um marco na questão ambiental, pois foi a primeira vez que representantes de diversos países se reuniram para discutir o tema. Os principais resultados dessa Conferência incluem: a elaboração da Declaração de Estocolmo contendo 26 princípios sobre a necessidade de proteção e gestão adequados dos recursos naturais para que não se esgotem e possam garantir a qualidade de vida, incluindo a responsabilidade da sociedade e dos governos em seus diferentes níveis nesse processo. a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Apesar dos primeiros registros quanto a utilização do termo Educação Ambiental datarem do final da década de 1940 em um encontro da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) em Paris, a Conferência de Estocolmo representou um marco para a área. Foi a partir dela que a Educação Ambiental passou a ser incluída na agenda internacional, visto que foi considerada como uma das estratégias para a promoção do uso mais equilibrado dos recursos naturais contribuindo para a superação da crise ambiental mundial (HENRIQUES e TRAJBER, 2007). Atenção 20 1974 - Informe Lalonde Em 1974, a partir da divulgação do documento “A New Perspective on the health of Canadians” (Informe Lalonde) surgiu um novo conceito de campo da saúde, no qual, todas as causas de doenças e mortes decorrem de quatro fatores determinantes e interligados: as características biofísicas do indivíduo, o estilo de vida, a inadequação dos serviços de saúde e do ambiente. 1975 – Carta de Belgrado Em 1975, em Belgrado, na Iugoslávia foi promovida pela UNESCO o I Seminário Internacional de Educação Ambiental reunindo representantes de cerca de 65 países. Esse evento resgatou diversos assuntos discutidos na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, entre eles, o impacto que o processo tecnológico vinha trazendo ao ambiente e a saúde a necessidade de se adotar um novo modelo de desenvolvimento e de educação baseados em uma nova ética global. A Carta de Belgrado, documento resultante deste evento estabeleceu que a meta da ação ambiental seria melhorar todas as relações ecológicas, incluindo as relações do ser humano entre si e com os demais elementos da natureza, bem como desenvolver uma população consciente e preocupada com o meio ambiente e com os problemas associados a ele. Definindo assim o público das ações de educação ambiental, suas diretrizes básicas e objetivos como orientações para a criação do Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA). 1977 - Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental Organizada pela Unesco em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental foi realizada em Tbilisi, na Geórgia. Esse evento teve grande importância na história da educação ambiental, pois a partir de 41 recomendações definiu uma série de diretrizes que são consideradas mundialmente até hoje como base para os trabalhos em educação ambiental. O documento gerado nessa conferência enfatizou O Informe Lalonde foi publicado dois anos após a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Ambiente Humano em Estocolmo, evento que representou um marco nas discussões dos problemas ambientais, pois considerou a influência humana e o histórico de problemas que o desenvolvimento econômico estava acarretando ao ambiente e consequentemente à saúde. Lembrete 21 a importância de se trabalhar os aspectos sociais, econômicos, científicos, tecnológicos, culturais, ecológicos e éticos, dentro de um enfoque global e interdisciplinar, de forma permanente tanto na educação formal quanto na educação não formal (DIAS, 2010). 1978- Declaração de Alma Ata No ano de 1978, em Alma Ata na antiga URSS, foi realizada a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde que resultou na Declaração de Alma-Ata. Este documento enfatizou o conceito ampliado de saúde, considerando o bem estar físico, mental e social e teve como meta o alcance de saúde para todos no ano 2000, sendo os cuidados primários de saúde essenciais para o seu alcance. Foi destacada nessa Declaração, a importância da participação individual e coletiva no planejamento e na execução dos cuidados de saúde. Ressaltou que ações no sentido de diminuir a desigualdade social deveriam ser estimuladas e adotadas por todos os países, para que a meta de saúde universal fosse atingida, diminuindo a lacuna existente entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos. 1986- Carta de Ottawa A I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde ocorreu em 1986, no Canadá. Esse evento produziu entre seus resultados a Carta de Ottawa no qual se propôs como estratégias de ação prioritárias a criação de políticas públicas saudáveis; o reforço à ação comunitária; a criação de ambientes favoráveis à saúde, o desenvolvimento de habilidades pessoais e a reorientação dos serviços de saúde. Além disso, destacou como “condições e recursos fundamentais para a saúde: paz, habitação, educação, alimentação, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade” (BRASIL, 2002, p.20). No mesmo ano, foi realizada no Brasil a VIII Conferência Nacional de Saúde que foi um marco entre os eventos realizados no país, por proclamar a saúde como direito e ampliar seu conceito considerando além dos fatores sociais, também o meio ambiente como um de seus determinantes, por declarar a importância ao estímulo à participação da população nos processos decisórios e expandir a responsabilidade sobre a saúde também para os governos locais. Estas recomendações e outras, dois anos depois foram incorporadas à Constituição Federal Brasileira.1987 – Relatório Brundtland A fim de avaliar os avanços obtidos após a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, a ONU criou em 1983, a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento - CMMAD, que foi presidida por Gro Harlem Brundtland. Além de primeira-ministra da Noruega à época, segunda dados da ONU, Brundtland era médica e mestre em saúde pública e tinha uma visão 22 ampliada que considerava entre outros fatores as questões ambientais e de desenvolvimento humano como determinantes de saúde. Após quatro anos de trabalho desta Comissão, os resultados foram publicados por meio do Relatório Brundtland, conhecido também como “Nosso Futuro Comum”. Nesse documento, foi enfatizado novamente a necessidade de uma nova relação entre o ser humano e o meio ambiente e a incompatibilidade entre os padrões de produção e consumo com o desenvolvimento sustentável, alertando para problemas globais como a destruição da camada de ozônio e o aquecimento global e ao mesmo tempo indicando possíveis ações no intuito de garantir o desenvolvimento, mas aliando as questões sociais, econômicas e ambientais. 1988 - II Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde Em 1988, durante a II Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde realizada em Adelaide, Austrália, foram resgatados os pressupostos de Alma-Ata e Ottawa e apresentado o conceito de Políticas Públicas Saudáveis, caracterizadas pelo “interesse e preocupação explícitos de todas as áreas das políticas públicas em relação à saúde e à equidade e pelos compromissos com o impacto de tais políticas sobre a saúde da população”. Além disso, ressaltando a importância da equidade em saúde, definiu-se como áreas prioritárias de ações o apoio à saúde da mulher, alimentação e nutrição, combate ao consumo de álcool e tabaco e a criação de ambientes saudáveis, destacando que “políticas que promovam a saúde só podem ter sucesso em ambientes que conservem os recursos naturais, através de estratégias de alcance, global, regional e local” (BRASIL, 2002, p. 35). No mesmo ano de realização da II Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, no Brasil foi promulgada a Constituição Federal que dedicou artigos específicos à saúde e ao meio ambiente. Nela destacam- se: o artigo nº196 que define saúde como o direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação e o artigo nº 225, que dispõe sobre o direito de todos “ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988). Lembrete 23 1991 - III Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde Em 1991, em Sundsvall (Suécia), ocorreu a III Conferência Internacional de Promoção da Saúde nela foi salientada a interdependência entre meio ambiente e saúde e o papel de cada ator social na criação de ambientes favoráveis e promotores de saúde. A Declaração produzida a partir dos seus resultados trouxe quatro aspectos fundamentais para um ambiente promotor de saúde: a dimensão social que inclui as relações sociais, a perda de valores e herança cultural, a dimensão política relacionada à participação democrática nos processos decisórios e compromisso com os direitos humanos e a paz; a dimensão econômica baseada nos princípios do desenvolvimento sustentável e a dimensão de gênero, enfatizando a importância de se reconhecer e utilizar a capacidade e o conhecimento das mulheres em todos os setores. A Declaração de Sundsvall foi um importante documento que subsidiou inclusive grande parte das discussões da Conferência sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992. 1992 – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento foi realizada no Rio de Janeiro e ficou conhecida como Rio 92 ou Cúpula da Terra. Considerada a mais importante das conferências de meio ambiente, por meio da participação de mais de 180 chefes de estado demonstrou a relevância que a temática ambiental alcançou em nível mundial. Os principais documentos resultantes desse evento, foram: Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – contemplou 27 princípios como orientação aos países nas suas políticas de desenvolvimento sustentável, mostrando que as responsabilidades dos países são comuns, porém diferenciadas. Agenda 21 – se configurou como um programa de transição para o desenvolvimento sustentável, em seus 40 capítulos detalhava áreas de atuação divididas em quatro seções: dimensões sociais e econômicas; conservação e gestão de recursos para o desenvolvimento; fortalecimento do papel de grupos importantes; e meios de execução. Contribuiu como base para a elaboração das Agendas 21 nacionais e locais. Declaração de Princípios sobre Florestas – foi o primeiro acordo global a respeito da gestão, da conservação e do desenvolvimento sustentável de todos os tipos de florestas. 24 Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima – foi assinada na Rio 92, mas começou a vigorar apenas em março de 1994, reconhecendo que o sistema climático é um recurso compartilhado e que depende de cooperação técnica e política internacional para a redução da emissão de gases que causam o aquecimento global. Convenção sobre Combate à Desertificação – foi uma solicitação da Rio- 92 à Assembleia Geral da ONU. Se relaciona às demandas e desafios quanto a superação da pobreza nas regiões áridas e semiáridas, incluindo ainda medidas de controle da desertificação. Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica – foi assinada na Rio 92, mas entrou em vigor apenas em 1993. Suas bases se referem a conservação da biodiversidade, o seu uso sustentável e a distribuição justa e equitativa dos benefícios advindos dos seus recursos genéticos. Tem sido utilizada como referência para elaboração de diversas outras convenções que incluem assuntos relacionados à biodiversidade. Durante a realização da Rio 92, vários outros eventos ocorreram simultaneamente, entre eles o Fórum Global das ONGs e Movimentos Sociais resultando na elaboração do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, documento que destacou a importância de se promover processos educativos críticos a partir de um olhar sistêmico e voltado à transformação social (BRASIL, 2005). O tratado estabeleceu 16 princípios que resumidamente destacam: a educação ambiental como direito de todos; pensamento crítico e inovador como base da educação ambiental; Um dos desdobramentos da Rio 92, foi a realização da Conferência Pan- americana Saúde, Ambiente e Desenvolvimento que ocorreu em Washington em 1995. Os documentos produzidos como resultado desse evento, serviram de base para a elaboração no Brasil do Plano Nacional de Saúde e Ambiente no Desenvolvimento Sustentável. Uma das diretrizes do Plano se referiu à promoção de ações conjuntas de educação ambiental e educação em saúde voltadas às questões relativas ao desenvolvimento sustentável que considerassem a interdependência entre saúde e ambiente e demais áreas do conhecimento para diversos públicos. Lembrete 25 formação de cidadãos com consciência local e planetária; educação ambiental como um ato político e ideológico; perspectiva holística e interdisciplinar aos trabalhos de educação ambiental. estimular a solidariedade,a igualdade e o respeito aos direitos humanos; a educação ambiental deve tratar as questões globais sob uma perspectiva sistêmica incluindo suas causas e inter-relações de forma contextualizada; a educação ambiental deve facilitar a cooperação mútua e equitativa nos processos de decisão; promoção da diversidade cultural; a educação ambiental deve estimular e potencializar o poder das diversas populações por meio da participação social; valorização das diferentes formas de conhecimento; formação dos cidadãos para lidarem com conflitos de forma justa e humana; promover a cooperação e o diálogo entre indivíduos e instituições a fim de criar novos modos de vida; democratização dos meios de comunicação de massa; promover a integração entre conhecimento, valores, atitudes e ações; desenvolver consciência ética sobre todas as formas de vida. Este documento é utilizado até os dias atuais como referência dos trabalhos de educação ambiental, inclusive trouxe subsídios para a elaboração de programas e políticas públicas de educação ambiental no Brasil. 26 1997- IV Conferência Internacional de Promoção da Saúde A IV Conferência Internacional de Promoção da Saúde foi realizada em Jacarta, na Indonésia, em 1997, onde se destacou como determinantes da saúde as relações sociais, a paz, renda, justiça social, ecossistemas estáveis, uso sustentável dos recursos, equidade e a pobreza como a maior ameaça à saúde. Como ações prioritárias foram indicadas: a promoção da responsabilidade social para com a saúde; o aumento dos investimentos, a expansão de parcerias, o aumento da capacidade comunitária e a necessidade de se obter infraestrutura para a promoção da saúde. 2000 - V Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde Em 2000, na cidade do México, foi realizada a V Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde. A declaração do México partiu de uma série de constatações, entre elas a necessidade urgente de abordar os determinantes sociais, ambientais e econômicos da saúde como prioridade fundamental das políticas em todos os seus níveis. Nela reforçou-se a importância da participação social ativa e a necessidade de elaboração de planos de ação nacionais para promoção da saúde. 2002 – 2ª Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável - Rio +10 A 2ª Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável ocorreu na África do Sul e teve como objetivo avaliar as mudanças que ocorreram no mundo em virtude dos compromissos assumidos na Rio 92. Nesse evento, foram reafirmados tais compromissos, sendo que a redução da pobreza e o acesso à água e ao saneamento foram alguns dos temas de maior destaque, porém não foram estabelecidos novos prazos e metas e muitos dos países desenvolvidos não procederam de forma a cumprir com todos os compromissos assumidos. No mesmo ano da V Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, a ONU após análise dos maiores problemas mundiais baseando-se nas grandes conferências realizadas até aquele momento, criou os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) trazendo a proposta de inúmeras ações como um compromisso global de reduzir a pobreza a partir de oito objetivos que deveriam ter sido alcançados até 2015. Tais objetivos se referiam à redução da fome, da pobreza e da mortalidade infantil, educação básica universal, igualdade de gênero, saúde materna, combate ao HIV, malária e outras doenças, sustentabilidade ambiental e parceria mundial para o desenvolvimento. Lembrete 27 É importante ressaltar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) elaborou um documento específico para as discussões da Rio +10, intitulado “Saúde e desenvolvimento sustentável: abordando questões e desafios”. Neste documento, foram evidenciadas por meio de estudos de caso a importância de ações intersetoriais e planejamento em escala nacional e local para o combate à pobreza, prevenção de doenças e combate às ameaças ambientais globais, incluindo a Promoção da Saúde das presentes e futuras gerações como uma das premissas para que o desenvolvimento seja sustentável (WHO, 2002). 2005 – VI Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde A VI Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, aconteceu em Bangkok, na Tailândia, em 2005 e identificou como fatores críticos o aumento das desigualdades, os padrões de consumo, as mudanças no meio ambiente global e a urbanização. Como estratégia de ação definiu-se a promoção da Saúde no contexto da globalização ressaltando a importância da advocacia em saúde, o investimento em políticas sustentáveis, construção de capacidades, regulamentação de legislações, viabilização de parcerias. Foram definidos nesse evento quatro compromissos: o desenvolvimento da agenda global, a promoção da saúde como responsabilidade de todos os governos, o foco na construção de capacidades da comunidade e da sociedade civil e a necessidade de uma boa prática administrativa. 2009 - VII Conferência Mundial sobre Promoção da Saúde A VII Conferência Mundial sobre Promoção da Saúde foi realizada em Nairobi (Quênia), em 2009, onde as estratégias e ações prioritárias propostas se relacionaram com o fortalecimento de lideranças e forças de trabalho, fortalecimento dos sistemas de saúde, priorização de alianças e ações intersetoriais, No mesmo ano de realização da Conferência em Bangkok, foi publicado pela Organização Mundial da Saúde a Avaliação Ecossistêmica do Milênio que alertou sobre a magnitude das mudanças na estrutura e funcionamento dos ecossistemas mundiais em decorrência das ações humanas. Três dos resultados mais significativos se relacionaram com a degradação dos serviços dos ecossistemas (produção de água, alimentos, entre outros), maior probabilidade de mudanças não lineares (ocorrência abrupta de desastres naturais, mudanças climáticas) e exacerbação da pobreza para algumas populações, todos esses fatos se relacionam a mudanças socioambientais que têm consequência direta na saúde humana (WHO, 2005). Lembrete 28 empoderamento de comunidades e indivíduos, ampliação dos processos participativos, construção e aplicação do conhecimento. 2012: Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável - Rio +20 A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +20) visou à renovação do compromisso político assumido nas duas Cúpulas (Rio 92 e Rio +10) que a antecederam e a avaliação dos resultados já obtidos, bem como o compromisso com novos desafios. O documento resultante da Conferência com o tema “O futuro que queremos” destacou a saúde como condição, resultado e indicador das três dimensões do desenvolvimento sustentável, reforçando a necessidade de ações sobre os determinantes sociais e ambientais como forma de criar sociedades inclusivas, equitativas e economicamente produtivas (ONU, 2012). 2013 - VIII Conferência Mundial sobre Promoção da Saúde Em junho de 2013, ocorreu em Helsinque, na Finlândia, a VIII Conferência Mundial sobre Promoção da Saúde. Neste evento, foi reforçada a importância da inclusão e integração da saúde como prioridade em todas as políticas. Uma das recomendações que se destacou ao final da Conferência foi a sugestão de que a população devidamente esclarecida analise criticamente e se posicione contra os interesses de mercado que mantém um modo de produção e de consumo inadequado e insalubre (PELICIONI, 2013). 2016 - IX Conferência Mundial sobre Promoção da Saúde A IX Conferência Mundial sobre Promoção da Saúde ocorreu em Xangai, na China. O documento resultante desse evento destacou as relações entre saúde, bem- estar e a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, enfatizando a necessidade de as pessoas terem maior controle sobresua saúde, incluindo a escolha de um estilo de vida mais saudável, realização de ações de alfabetização em saúde e a concretização de políticas públicas urbanas saudáveis que estejam focadas na inclusão social, na cobertura universal de saúde e no controle de produtos que afetem o bem estar da população. 29 Este breve resgate histórico dos principais documentos e conferências sobre saúde e meio ambiente, mostram que a interligação dessas áreas na prática por meio de políticas públicas mais intersetoriais, holísticas e participativas ainda se constitui como um grande desafio. Muitos dos documentos mencionados nesse capítulo destacam o investimento em capital humano como um fator de impacto sobre a qualidade de vida das pessoas e a sua saúde. Neste cenário, é preciso, portanto, criar condições para que as pessoas desenvolvam novas habilidades, possam ter maior controle sobre suas vidas e contribuam efetivamente com a criação de ambientes favoráveis à saúde. Nesse processo a educação ambiental se constitui como uma das estratégias para a promoção da saúde. As publicações e links abaixo podem propiciar maior aprofundamento sobre os documentos e conferências mencionadas nesse capítulo: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Projeto Promoção da Saúde. As Cartas da Promoção da Saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde, Projeto Promoção da Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2002. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartas_promocao.pdf https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/Agenda21.pdf http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_mexico_2000.pdf http://www.iasaude.pt/attachments/article/66/Carta_de_BangKoK-2005.pdf https://sustainabledevelopment.un.org/rio20 http://www.agenda2030.org.br/saiba_mais/publicacoes A partir na necessidade da criação de uma nova agenda pós-2015 que fosse mais ampla e inclusiva que os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, foi adotado pela Assembleia Geral da ONU, o documento “Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”. Construído com a participação de cerca de 190 países com representação de diversos segmentos da sociedade, estabeleceu 17 objetivos integrados que agregam questões sociais, econômicas e ambientais em 169 metas. Lembrete http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartas_promocao.pdf https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/Agenda21.pdf http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_mexico_2000.pdf http://www.iasaude.pt/attachments/article/66/Carta_de_BangKoK-2005.pdf https://sustainabledevelopment.un.org/rio20 http://www.agenda2030.org.br/saiba_mais/publicacoes 30 7. EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO POLÍTICA PÚBLICA Como vimos no capítulo anterior, as discussões e documentos resultantes das conferências internacionais de meio ambiente, promoção da saúde e educação ambiental trouxeram subsídios para formulação de programas e políticas públicas nessas áreas. No que diz respeito a educação ambiental, apesar de se tornar uma política pública no Brasil apenas em 1999, a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano a abordagem educativa foi sendo inserida aos poucos nas políticas públicas de meio ambiente e educação (Figura 7). Figura 7 - Inserção da educação ambiental nas políticas públicas brasileiras Fonte: elaborado pela autora Em 1999, foi instituída a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), segundo esta lei (nº 9.795/99) a educação ambiental compreende: "os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes, competências para a conservação do meio ambiente, bem do uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade". 1973 Criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente uma de suas atribuições se relacionava à “educação do povo brasileiro para o uso adequado dos recursos naturais, tendo em vista a conservação do meio ambiente” (Decreto nº 73.030/1973) 1981 •A Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), inclui em seu artigo 2º “a educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente” (Lei nº 6.938/1981). 1988 •A constituição brasileira em seu artigo nº 225º inclui como atribuição do Estado o dever de “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente” (Constituição Brasileira, 1988). 1994 •Criação pelo Governo Federal do Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA) visando à promover processos educativos voltados às múltiplas dimensões da sustentabilidade incluindo a participação social na melhoria das condições ambientais e de qualidade de vida. 31 Em relação ao conceito de educação ambiental citado, é pertinente mencionar que esta definição teve como base os objetivos da educação ambiental estabelecidos na Carta de Belgrado em 1975, que incluíam aspectos afetivos, cognitivos e sociais do processo de ensino e aprendizagem (Figura 8). Figura 8 - Objetivos da Educação Ambiental conforme a Carta de Belgrado. Fonte: elaborado pela autora Todos os objetivos mencionados estão interrelacionados e são interdependentes. Nesse processo o educador é um mediador, pois deve criar condições para que os indivíduos se conscientizem e se sensibilizem não só quanto aos problemas ambientais, mas sobretudo sobre a influência que exercem sobre eles. Para isso é preciso rever valores, desenvolver habilidades tanto para entender a complexidade que os envolve quanto para avaliar o papel de cada segmento da sociedade nesse processo e participar de ações que permitam minimizá-los ou solucioná-los com vistas à melhoria da qualidade de vida. Nota-se que tais objetivos Lembrete A conscientização assim como a educação é um processo interno, o educador cria condições para que as pessoas se conscientizem. 32 são comuns tanto nos processos de educação ambiental como nos processos de promoção da saúde. Em seus princípios e objetivos, a Política Nacional de Educação Ambiental também apresenta artigos e incisos que resgatam as recomendações da Conferência de Tbilisi (1977) e do Tratado Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (1992). Figura 9 - Princípios da Educação Ambiental conforme a PNEA Fonte: Fluxograma elaborado pela autora baseado em BRASIL (1999) Os objetivos da educação Ambiental segundo a lei nº 9795/99, envolvem: I - o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo 33 aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos; II – a garantia de democratização das informações ambientais; III - o estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a problemática ambiental e social; IV - o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania; V - o estímulo à cooperação entre as diversas regiões do País, em níveis micro e macrorregionais, com vistas à construção de uma sociedade ambientalmente equilibrada, fundada nos princípios da liberdade, igualdade, solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade e sustentabilidade; VI - o fomento e o fortalecimento da integração com a ciência e a tecnologia; VII - o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e solidariedade como fundamentos para o futuro da humanidade. Quanto às linhasde atuação, essa política prevê capacitação de recursos humanos incluindo a educação ambiental na formação de profissionais e educadores de todas as áreas e modalidades de ensino, desenvolvimento de estudos, pesquisas e experimentações produção e divulgação de material educativo, acompanhamento e avaliação. Além desses aspectos, na PNEA também são incluídas as responsabilidades de diversos segmentos da sociedade quanto à implementação da educação ambiental no ensino formal e não formal, cabendo: ao poder público incluir a educação ambiental não só na formação em todos os níveis de ensino como também inclui-la em todas as políticas públicas; às instituições educativas garantir que a educação ambiental seja promovida de forma integrada aos programas educacionais que já desenvolvem. 34 às empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas, promover programas destinados à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria e ao controle efetivo sobre o ambiente de trabalho, bem como sobre as repercussões do processo produtivo no meio ambiente; aos meios de comunicação de massa contribuir com a disseminação de informações e práticas educativas sobre meio ambiente; aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - Sisnama, promover ações de educação ambiental integradas aos programas de conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente; à sociedade manter atenção permanente à formação de valores, atitudes e habilidades que propiciem a atuação individual e coletiva voltada para a prevenção, a identificação e a solução de problemas ambientais. Considerando que estamos tratando a educação ambiental como política pública, além da definição da Lei nº 9795/1999 trazemos também o conceito de REIGOTA (2010, p.10) que afirma que “a educação ambiental deve ser entendida como educação política, no sentido de que ela reivindica e prepara os cidadãos para exigir justiça social, cidadania nacional e planetária, autogestão e ética nas relações sociais e com a natureza.” Esta definição é pertinente, pois traz uma visão ampliada do campo de ação da educação ambiental, sobretudo, porque é ideológica e intencional e é voltada também à participação social. Para LUZZI (2013, p. 399), “a educação ambiental marca uma nova função social da educação, não constitui apenas uma dimensão, nem um eixo transversal, mas é responsável pela transformação da educação como um todo, em busca de uma sociedade sustentável”. Se lembrarmos o conceito de Promoção da Saúde definido como o “processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo” (BRASIL, 2002), Para conhecer a Política Nacional de Educação Ambiental na íntegra, acesse: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm 35 percebemos que a educação e a participação aparecem aí como condições indispensáveis à promoção da saúde. Tendo em vista que historicamente as ações de educação ambiental eram realizadas de forma pontual pautadas apenas em práticas conservacionistas e que nas últimas décadas temos visto a realização de ações mais amplas inseridas em projetos e programas, pode-se dizer que houve um ganho qualitativo para o campo da educação ambiental, mas apesar de tantas iniciativas e de todo seu contexto de mobilização e engajamento as mesmas têm se mostrado insuficientes para sua consolidação como política pública (ANDRADE et al., 2014). Mas se a problemática socioambiental tem estado em diferentes espaços, discursos e iniciativas, porque a crise socioambiental continua aumentando cotidianamente? Para BIASOLI e SORRENTINO (2018, p.8 e p.9), apesar da “massificação” da questão ambiental tanto nos espaços públicos como nos privados, a mesma ainda é marginal. A educação ambiental se constitui como um dos caminhos para reversão dessa crise, mas desde que seja feita de forma crítica “enquanto política pública estruturante, radicalmente democrática, participativa, dialógica e comunicativa” não apenas se inter-relacionando com outros campos de conhecimento e prática, mas sobretudo, sendo materializada no cotidiano das pessoas em prol do bem comum. 3.1 Indicadores de Políticas Públicas de Educação Ambiental (PPEA) Das primeiras conferências sobre meio ambiente até a atualidade, muito se tem discutido sobre a complexidade do tema, suas dimensões sociais, políticas e a responsabilidade dos cidadãos perante o planeta. Notícias não faltam para alertar sobre os desmatamentos, aquecimento global, poluição, perda da biodiversidade entre outros assuntos. A legislação brasileira preconiza ações e programas de educação ambiental no ensino formal e no não-formal. Estimula-se a transversalidade e a transdisciplinaridade, experiências de educação ambiental em escolas, empresas, comunidades são muitas, mas qual a avaliação e o resultado dessas práticas? A população finalmente está se reconhecendo como parte do meio ambiente, está agindo em prol de sua conservação, está percebendo as relações do meio com as políticas públicas, a economia e o desenvolvimento social ou isto ainda é uma característica presente apenas nos discursos institucionais? A questão é muito Lembrete Ao longo do tempo, educação e participação têm se mantido como requisito básico dos documentos resultantes das Conferências e Políticas de Saúde. 36 complexa e os resultados dos processos educativos são vistos muitas vezes, apenas em longo prazo. Considerando toda trajetória histórica da educação ambiental, a avaliação e o monitoramento de seus projetos, programas e políticas públicas tem sido um grande desafio. No período de 2015 a 2017, por meio de uma parceria do Laboratório de Política e Educação Ambiental da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da USP, do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CCST/ INPE) e o Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (FunBEA) por meio da Articulação Nacional de Políticas Públicas de Educação Ambiental (ANPPEA) foi realizado um processo de diagnóstico e planejamento participativo por todas as regiões do Brasil para construção de indicadores de monitoramento e avaliação de políticas públicas de educação ambiental. Esse processo resultou na criação do Sistema Brasileiro de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas de Educação Ambiental, a Plataforma Monitora EA (RAYMUNDO, 2018). Esse Sistema, por meio de um banco de dados composto por um conjunto de 27 indicadores quali-quantitativos tem como objetivo cadastrar, monitorar e analisar projetos e políticas públicas de educação ambiental no país (Figura 10). De acordo com RAYMUNDO et al. (2019), estes indicadores contemplam 8 dimensões a saber: a) Dimensão diagnóstica: refere-se à contextualização do território da ação, incluindo uma leitura socioambiental da realidade. b) Dimensão da participação e da construção coletiva: se relaciona às estratégias e resultados ligados à mobilização social, incluindo também a existência de espaços coletivos para construção e implementação da política pública de educação ambiental (PPEA). c) Dimensão da formação dialógica: inclui aspectos quanto a existência de espaços formadores voltados a um público diverso e baseados na problematização da realidade, no diálogo, na interatividade, no respeito, na cooperação, na integração entre teoria e prática, na avaliação contínua do processo de ensino e aprendizagem, na diversidade de estratégias educativas que favoreçam a participação e o comprometimento com a transformação socioambiental. d) Dimensão da intervenção socioambiental: envolve os resultados práticos da política pública de educaçãoambiental, ou seja, considera se as ações desenvolvidas como parte da política contribuem ou não para o exercício da cidadania e a transformação dos problemas encontrados. https://www.esalq.usp.br/ 37 e) Dimensão da subjetividade do indivíduo: engloba indicadores voltados à elevação da autoestima dos envolvidos, incluindo a valorização de sua cultura e a identificação de suas percepções quanto a este aspecto para que se possa criar estratégias adequadas que contribuam para aumentar o potencial de ação dos mesmos e simultaneamente favoreçam a criação e/ou fortalecimento do capital social e os vínculos com o território. f) Dimensão da complexidade: visa à verificação das ações coerentes com a complexidade da sociedade, portanto, inclui indicadores quanto à integração de diversos temas, políticas, setores e atores, bem como sua relação com os principais documentos internacionais de referência para a educação ambiental e as ações afirmativas de enfrentamento às desigualdades e discriminações. Além disso, considera a avaliação de aspectos vinculados à articulação regional, nacional e global da política pública numa perspectiva teórico-prática, estrutural, econômica e/ ou política. g) Dimensão institucional: considera a existência de instrumentos formais que institucionalizem a política pública de educação ambiental que tenham sido construídos por meio de processos pedagógicos participativos e contribuam com sua continuidade nos territórios. Inclui também indicadores quanto à existência de estrutura organizacional, recursos humanos, condições físicas e financeiras para viabilização da política e ações internas relacionadas ao uso racional dos bens naturais, patrimoniais e bens públicos contribuindo com a proteção ambiental e também com a redução de gastos. Além destes, esta dimensão inclui requisitos vinculados a estratégias de monitoramento e avaliação contínuos da política. h) Dimensão da comunicação: avalia a existência de um plano de comunicação próprio da política pública de educação ambiental, as ferramentas utilizadas, as possibilidades de interlocução interna e externa à instituição executora da política e se traz em sua execução fundamentos teóricos e práticos de comunicação social voltados ao protagonismo e a utilização de tecnologias diversas como forma de ampliar a expressão popular. Capital social se refere às formas de organização social que facilitam a cooperação para benefício mútuo. As sociedades que possuem maior coesão social e são mais equitativas apresentam altos níveis de saúde (BUSS e FILHO, 2007). Atenção 38 Figura 10 – Dimensões e indicadores da Plataforma Monitora EA Fonte: BRANCO, 2018. É relevante frisar que além da característica participativa da elaboração da Plataforma Monitora EA, sua construção teve como referenciais as definições de política pública multicêntrica e política pública estruturante. As políticas públicas multicêntricas incluem empresas privadas, ONGs e outros atores como protagonistas junto com o estado na definição e implementação das políticas públicas (SECCHI, 2013, p.03). As políticas públicas estruturantes são construídas com efetiva participação social, contribuem para formulação e implementação de outras políticas, fortalecem a continuidade dos processos, geram planos e programas permanentes, consolidam instâncias administrativas e operacionais possibilitando a realização do monitoramento e avaliação das mesmas (RAYMUNDO, 2018). Estas perspectivas ratificam o reconhecimento de que as políticas públicas não se configuram apenas como leis, mas incluem diversos atores em suas variadas dimensões compartilhando não só os problemas socioambientais ou de outra natureza, mas também as possibilidades de intervenção para o seu enfrentamento. 39 Resumo As relações entre saúde e meio ambiente são antigas, porém a interrelação dessas duas áreas na prática continua sendo um desafio. Historicamente tais relações estiveram diretamente relacionadas ao contexto de cada época e se tornaram mais imbricadas conforme os conceitos de saúde e meio ambiente foram se tornando mais amplos. Um marco histórico para incorporação institucional das questões ambientais na saúde pública foi a década de 1970, quando diversas catástrofes ambientais decorrentes da industrialização começaram a afetar a saúde das populações. A partir destes acontecimentos, o meio ambiente evidenciou-se como um importante determinante de saúde. Nesse sentido, vimos que meio ambiente a saúde pública possuem uma relação intrínseca e que os determinantes sociais da saúde envolvem as condições econômicas, sociais, políticas, culturais, psicológicas, comportamentais e ambientais, portanto, envolvem grande complexidade. Como modelos explicativos da multicausalidade dos determinantes sociais da saúde destacamos os de Dahlgren e Whitehead que os incluem em camadas desde o aspecto individual até o coletivo e o modelo de Diderichsen e Hallqvist que analisa os determinantes a partir da estratificação social. Diante da necessidade de aproximar as práticas em saúde e meio ambiente, foram apresentados os conceitos de abordagem ecossistêmica da saúde (os processos de saúde-doença são entendidos a partir da sua análise em um sistema complexo que envolve as relações entre a natureza e a sociedade) e de saúde ambiental (área da saúde pública que considera em seus estudos e práticas os fatores físicos, químicos, biológicos, sociais e psicológicos do meio ambiente que afetam a saúde). No capitulo 2, a partir da descrição das principais Conferências de meio ambiente e promoção à saúde foi contextualizado o surgimento da educação ambiental. Entre tais eventos se destacaram a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizado em 1972 na Suécia como marco da inclusão da educação ambiental na agenda internacional, a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental realizada em Tbilisi, na Geórgia que definiu uma série diretrizes para as práticas de educação ambiental no ensino formal e não formal, a Rio 92 como uma das maiores conferências de meio ambiente destacando a relevância da temática ambiental em nível mundial e a I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde que destacou a criação de ambientes favoráveis à saúde 40 como uma de suas estratégias prioritárias de ação, em conjunto com a criação de políticas públicas saudáveis, reforço a ação comunitária, o desenvolvimento de habilidades pessoais e a reorientação dos serviços de saúde. Nesta unidade também vimos o contexto da educação ambiental como política pública, destacando seu conceito enfatizando-a como educação política voltada à transformação social, seus objetivos (compreensão integrada do meio ambiente, fortalecimento da consciência crítica, participação social, integração entre ciência e tecnologia e o fortalecimento da cidadania), princípios, linhas de atuação (formal e não formal) e responsabilidades de cada segmento da sociedade quanto à sua implementação. A partir dos conceitos de políticas públicas multicêntricas (incluem outros atores além do Estado na definição e implementação das políticas públicas) e políticas públicas estruturantes (construídas com efetiva participação social) foram apresentadas as dimensões (diagnóstica, participação e construção coletiva, formação dialógica, intervenção socioambiental, subjetividade, complexidade, institucional e comunicação) que compõem os indicadores do Sistema Brasileiro de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas de Educação Ambiental enfatizando que as políticas públicas de educação ambiental vão além dos documentos oficiais, pois envolvem também as práticas desenvolvidas por diversos atores sociais.
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