Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Saúde e Educação Ambiental Unidade II Prof.ª Elaine Cristina da Silva Colin 42 4. ABORDAGENS E CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL (EA) A educação ambiental é muito mais que o ensino ou a defesa da ecologia: é um processo voltado para a apreciação crítica da questão ambiental sob a perspectiva histórica, antropológica, econômica, social, cultural, política e naturalmente, ecológico, isto exige, portanto, uma abordagem interdisciplinar. PELICIONI et al. (2000, p.182) No contexto das práticas de saúde e meio ambiente, a educação evoluiu não só em termos de abordagens, mas também em abrangência conceitual e prática. Por muito tempo, as ações educativas nestas áreas se relacionaram com o reducionismo de seus conceitos, ou seja, saúde era vista como ausência de doença e meio ambiente como natureza. Não que isso não ocorra mais, porém, há diversos documentos e relatos de práticas que preconizam e mostram ações educativas em saúde e meio ambiente de forma mais ampla com outros enfoques. Figura 11 - Imagens relacionadas ao meio ambiente em pesquisa no Google imagens Fonte: Google imagens A figura 11 retrata uma pesquisa feita no Google imagens com a palavra “meio ambiente”, perceba que as imagens em geral retratam aspectos naturais, sobretudo relacionados a vegetação. E se pesquisarmos a palavra educação ambiental? 43 Figura 12 - Imagens relacionadas à educação ambiental em pesquisa no Google imagens Fonte: Google imagens Na pesquisa da palavra “educação ambiental” as imagens continuam simbolizando aspectos naturais e/ou ecológicos. Este conjunto de imagens retratam algumas representações sociais sobre estes conceitos. MOSCOVICI citado por REIGOTA (2010, p.12) afirma que “uma representação social é o senso comum que se tem sobre um determinado tema, onde se incluem também os preconceitos, ideologias e características específicas das atividades cotidianas das pessoas”. A questão paradigmática, de valores e de cultura em relação a algumas representações sociais é muito significativa, principalmente quando certos conceitos são trabalhados dentro de um processo educativo. Portanto, se em qualquer prática o conceito meio ambiente é confundido com ecologia, por exemplo, essa visão reducionista se refletirá diretamente na proposta educativa. Se trata de uma visão reducionista, porque apenas uma das dimensões do conceito é abordada; todas as outras (dimensões sociais, culturais e políticas) são colocadas de lado. A definição e a prática educativa, assim como diversos conceitos sofrem a influência do contexto histórico em que estão inseridos. LUZZI (2012, p. 22 e 23), ressalta que a “educação que um povo assume, é o resultado do diálogo de um conjunto de forças sociais em conflito, que representam concepções sobre o conhecimento, a aprendizagem, a sociedade e o mundo” em um determinado momento histórico e que por isso, a prática educativa é contextual e dinâmica. Quanto à relação entre o contexto social e o conceito de educação, FREIRE (2008, p. 49) afirma que não é a “educação que modela a sociedade, mas ao contrário, 44 a sociedade é que modela a educação, segundo os interesses dos que detém o poder”, daí a necessidade de uma educação crítica, libertadora e voltada à mudança social, uma educação que não reproduza a ideologia dominante e não seja neutra, pois a neutralidade é o que o sistema quer que sejamos. 4.1 Correntes e tendências em Educação Ambiental Tendo em vista os aspectos já citados e que a educação ambiental pode ter uma série de concepções distintas, é fundamental observarmos as alterações sofridas em seu campo teórico e prático de acordo com os diferentes contextos históricos (Quadro 1). Apesar da adjetivação, a educação ambiental diz respeito a um processo educativo, assim, independentemente de onde se realize, sofrerá influência de diferentes ordens em razão das questões culturais, políticas e econômicas de cada sociedade. Quadro 1. Aspectos principais da evolução da Educação Ambiental no Brasil Período 1950 - 1970 1970 - 1990 1990 - .... Situação mundial Guerra fria Crises sociais e econômicas Competição tecnológica Globalização Situação brasileira Industrialização Ditadura Democratização Objetivos da Educação Formar cientistas e profissionais Formar cidadão trabalhador Formar cidadão engajado Objetivos da E.A Conservação da natureza Conservação da natureza Desenvolvimento sustentável Desenvolvimento sustentável Sociedades sustentáveis Metodologia predominante Transmissão de conhecimentos Jogos, debates, laboratório Projetos governamentais Estudo do Meio com atuação na comunidade Atores sociais Ambientalistas e professores Ambientalistas e professores Ambientalistas, professores, alunos, empresários, mídia, populações locais, etc Conferências Preparação para a Conferência de Estocolmo Conferência de Tbilisi Conferência de Belgrado Estocolmo 1972 (Conferência sobre MA e desenvolvimento) Rio 92 Rio + 10 Rio+20 I, II, III, IV e V Congressos Mundiais de EA 45 Documentos globais Primavera silenciosa – Raquel Carson Clube de Roma Princípios de Tbilisi Carta de Belgrado Agenda 21 Carta da Terra Tratado de EA para Sociedades Sustentáveis Políticas públicas Apoio a projetos de Centros de Ciências pelo MEC Pontualmente em algumas legislações ambientais e presença na Constituição de 1988 Leis, resoluções, pareceres e propostas curriculares próprias (PCNs), Diretrizes curriculares da EA Concepção de E.A. predominante Conservadora Pragmática Pragmática e Crítica Pesquisa Avaliação de projetos Avaliação de projetos - pesquisas Pós-graduação nas Universidades Fonte: SILVA, 2014 Os dados do quadro 1 mostram que os objetivos e a metodologia variam não só em relação ao contexto histórico, mas sobretudo quanto à concepção de educação ambiental predominante. Para tratar desse assunto abordaremos as correntes em educação ambiental de SAUVÉ (2005) e as tendências e/ou concepções de SILVA (2007) e LAYRARGUES (2011). Apesar de expressões diferentes (correntes, concepções e tendências) todos estes autores se referem às formas de conceber e praticar a educação ambiental seja na educação formal ou não formal. SAUVÉ, a partir de exemplos e contextos norte-americano e europeus separa as correntes em duas categorias: as de longa tradição predominantes entre as décadas de 1970 e 1980 e as mais recentes, predominantes a partir da década de 1990. A seguir, são apresentadas sinteticamente as principais características, de cada uma das quinze correntes identificadas por essa autora. I. Correntes de longa tradição em educação ambiental: a) Corrente naturalista: valoriza o aprendizado com a natureza seja de forma cognitiva, experiencial, espiritual, afetiva ou artística. Lembrete Educação formal se refere às ações educativas institucionalizadas, ou seja, que ocorrem no âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas e privadas. Educação não formal se refere às ações educativas que ocorrem em outros espaços sociais (comunidades, empresas, conselhos etc). 46 b) Corrente conservacionista: se baseia na conservação dos recursos naturais considerando aspectos quantitativos e qualitativos. É pautada em assuntos relacionados à gestão ambiental. c) Corrente resolutiva: educação ambiental para informação das pessoas sobre os problemas ambientais e o desenvolvimento de habilidades para solucioná-los. É voltada a mudança de comportamentos. d) Corrente sistêmica: identifica os diversos aspectos dos problemasambientais considerando as interrelações entre questões biofísicas e sociais como parte de um sistema. Nesse processo, estabelece relações causais entre eles contribuindo com o planejamento de soluções para a problemática encontrada. e) Corrente científica: se dá a partir de observações e verificação de hipóteses. A construção de conhecimento e o desenvolvimento de habilidades se relacionam às ciências do meio ambiente. A investigação precede a ação. f) Corrente humanista: além de seus aspectos biofísicos, o ambiente é compreendido também como um “meio de vida” que congrega aspectos históricos, culturais, políticos, econômicos etc., portanto, é um patrimônio natural e cultural dotado de valor simbólico e afetivo. g) Corrente moral/ética: a ação e a relação com o meio ambiente são baseadas em valores e na ética, dessa forma, é estabelecido um “código de comportamentos socialmente desejáveis”. II. Correntes mais recentes em educação ambiental: a) Corrente holística: engloba ações que consideram não apenas as diversas características de cada realidade, mas também as diferentes dimensões de cada ser e a rede de relações que os une. As proposições nessa corrente variam desde ações voltadas ao desenvolvimento global da pessoa em relação ao meio ambiente até uma visão cosmológica do mundo, procurando entender e promover maior participação nas questões ambientais. b) Corrente biorregionalista: trabalha a educação ambiental com o enfoque em biorregiões, isto é, considera os espaços geográficos por seus atributos naturais e sobretudo, a relação que as pessoas e/ou comunidades têm com os mesmos (identidade, sentimento de pertencimento) procurando adotar modos de vida que contribuam com sua valorização e proteção. 47 c) Corrente práxica: a aprendizagem integra a reflexão e a ação durante a execução do projeto e por quantas vezes for necessário. A metodologia da pesquisa ação é um exemplo de uma ação práxica, pois visa à resolução de problemas e o faz a partir da cooperação e participação dos envolvidos desde o levantamento das causas do mesmo até a proposição e realização de ações que contribuam para sua solução ou minimização. d) Corrente de crítica social: considera os diferentes protagonistas de uma determinada situação, questionando as dinâmicas sociais para poder entendê- las sob diversos aspectos e intervir sobre elas. A postura crítica, se configura como um componente político direcionado para transformação da realidade, portanto, inclui projetos de ação para emancipação. e) Corrente feminista: parte da análise e denúncia das relações de poder dentro dos grupos sociais, sobretudo quando envolvem questões de gênero. Parte do princípio de que para haver uma relação harmoniosa com o meio ambiente é preciso antes de tudo haver uma relação harmoniosa entre os seres humanos. f) Corrente etnográfica: a educação ambiental não impõe uma visão de mundo, mas sim considera a cultura e as tradições de cada comunidade para a partir daí pensar em estratégias que contribuam para construir novas relações com o meio ambiente. g) Corrente da eco educação: nesta corrente, o foco não é a resolução de problemas socioambientais, mas sim o desenvolvimento pessoal a partir das relações que os indivíduos têm com o meio ambiente. Dessa forma, naturalmente o educador cria condições para uma atuação mais responsável. h) Corrente da sustentabilidade: considera a educação ambiental como uma das estratégias para o alcance do desenvolvimento sustentável. Seu enfoque se dá no aprender a utilizar os recursos naturais de forma racional e equitativa de modo que integre questões sociais, econômicas e ambientais, permitindo sua conservação para as gerações futuras. Apesar de SAUVÈ ter considerado o contexto norte americano e europeu na definição dessas correntes, há diversas semelhanças com a prática da educação ambiental no Brasil, além disso, é importante ressaltar que as propostas educativas, geralmente não ocorrem com base em apenas uma das correntes. Apesar das especificidades de cada uma, há projetos e programas que congregam duas ou mais 48 correntes na mesma proposta, uma vez que em alguns aspectos podem também apresentar similaridades ou complementariedades. SILVA e LAYRARGUES, trazem muitas das características citadas nas correntes identificadas por SAUVE, mas trabalhando sob a perspectiva de concepções e macrotendências da educação ambiental brasileira identificando-as como conservadoras, pragmáticas ou críticas (Quadro 2). Quadro 2. Tipologias das concepções/tendências de educação ambiental Dimensões de análise Caracterização da Educação Ambiental Concepção Conservacionista Concepção Pragmática Concepção Crítica Relação ser humano/ambiente Dicotômica Antropocêntrica Complexa Ser humano faz parte da natureza em sua dimensão biológica Ser humano precisa proteger o ambiente para poder sobreviver Ser humano como biopsico-social Ciência e Tecnologia Produção científica isolada da sociedade Supremacia do saber científico sobre o popular. Cultura local como conhecimento Valores éticos Questões que envolvem conflitos não são abordadas. Conflito apresentado como um “falso consenso” Questões controversas são apresentadas na perspectiva de vários sujeitos sociais Padrões de comportamento em uma perspectiva maniqueísta Relação direta entre informação e mudança de comportamento Incentivo à formação valores e atitudes como parte de um processo Participação Política Não há uma contextualização política e social dos problemas ambientais Participação do Estado como projetos e normas Proposta de “cidadania ativa” A dimensão da participação política não aparece Cidadão é o consumidor Responsabilidades das diferentes instâncias Propostas de atuação individual Fortalecimento da sociedade civil e da participação coletiva Práticas pedagógicas Atividades de contemplação Atividades “técnicas/ instrumentais” sem propostas de reflexão Propostas de atividades interdisciplinares 49 Datas comemorativas Resolução de problemas ambientais como atividade fim Resolução de problemas como temas geradores Atividades externas de “contato com a natureza” como fim em si mesmas Atividades que apresentem resultados rápidos Considera as potencialidades ambientais locais/ regionais. Conceito de meio ambiente Recurso Natural Recurso Natural em processo de esgotamento Objeto de transformação / lugar de emancipação Fonte: SILVA, 2007. LAYRARGUES (2011) ao discorrer sobre a macrotendências da educação ambiental, a faz sob o recorte da EA como um campo social, uma vez que inclui uma diversidade de atores, grupos e instituições que possuem diversos valores e concepções sobre o tema, fatores estes que determinam as características das práticas educativas na área, ou seja, se serão mais conservacionistas ou voltadas à transformação social. No que diz respeito a prática conservadora, a mesma engloba as correntes naturalista e conservacionista, sendo consideradas limitadas por se distanciarem das dinâmicas sociais e políticas, portanto, não questionam a estrutura social vigente em sua totalidade, mas apenas aspectos muito particulares que não são suficientes para promover a transformação social necessária. A tendência pragmática inclui principalmente a corrente da sustentabilidade, possui um viés predominantemente urbano-industrial, comportamentalista e restringido a questões pontuais quanto ao uso de recursos naturais, dessa forma, apresenta uma abordagem superficial da problemática socioambiental. Já a tendência crítica deriva da educação popular, emancipatória e transformadora, é baseada no enfrentamento políticodas questões socioambientais, considera a complexidade contemporânea e é contra hegemônica. A partir dessa breve descrição das correntes e macrotendências da educação ambiental, qual delas se aproxima mais dos pressupostos e objetivos da promoção da saúde? A promoção de ações individuais voltadas a manutenção da lógica de mercado ou uma mudança coletiva baseada na problematização e intervenção na realidade? Estas são questões fundamentais em que os educadores e/ ou profissionais de saúde devem ponderar ao planejar programas e projetos de educação ambiental. 50 4.2 Abordagens e teorias de aprendizagem nos processos de educação ambiental Com fundamento nos conceitos, documentos oficiais e tendências já abordados sobre educação ambiental, é preciso refletir que tipo de abordagem metodológica contribuirá realmente para viabilização de seus objetivos e para a promoção da saúde. Resgatando os dados do quadro 1, a metodologia predominante da década de 1950 a 1970 se baseava na transmissão de conhecimento, característica da abordagem tradicional de ensino aprendizagem. Esta abordagem se caracteriza por apresentar aos educandos somente os resultados dos processos, como um modelo a ser armazenado e imitado como lição para o futuro. Prioriza a apresentação da forma em detrimento da discussão dos processos, e considera que a realidade futura já está pré-determinada, comprometendo a capacidade dos educandos de criar possibilidades alternativas. Pelas características citadas percebe-se que esta abordagem não contempla os princípios e objetivos da educação ambiental. Além da tradicional, serão destacadas algumas abordagens e teorias de aprendizagem (figura 13): comportamentalista ou behavorista: teve como principal teórico Burrhus Frederic Skinner. É baseada no direcionamento do comportamento humano que é mantido por determinados condicionantes ou reforços utilizando metodologias mais individualistas; cognitivista: foi desenvolvida por Jean Piaget e visa o desenvolvimento da inteligência priorizando as atividades do indivíduo inserido em uma situação social, privilegiando mais o processo do que o resultado; Para uma maior compreensão quanto a educação ambiental crítica: GUIMARÃES, M. Educação ambiental crítica. In: LAYRARGUES, P.P. (Org.). Identidades da educação ambiental brasileira. Brasília, DF: Ministério do Meio Ambiente; Diretoria de Educação Ambiental, 2004. p. 25-34. LOUREIRO, C.F.B. Premissas teóricas para uma educação ambiental transformadora. Ambiente e Educação, Rio Grande, 8: 37-54, 2003. 51 aprendizagem significativa: tem como princípios o estabelecimento de ligações entre os conhecimentos prévios e os conhecimentos novos do educando. É relacional, ou seja, o aprendizado ocorre em um contexto social. Seu modelo foi explicado por David Ausubel. sociocultural: idealizada por Paulo Freire, nesta abordagem a educação deve ser crítica, problematizadora, interacionista e dialógica, os indivíduos são sujeitos de sua educação e por meio da reflexão sobre o seu ambiente se tornam conscientes e comprometidos com a intervenção na realidade para transformá-la. Figura 13 - Quadro resumo - algumas teorias de aprendizagem e suas características Fonte: elaborado pela autora Além das teorias apresentadas, nos últimos anos vem se destacando como abordagem metodológica em educação ambiental a aprendizagem social. As origens da aprendizagem social se relacionam com a psicologia, tendo como idealizador o psicólogo Albert Bandura que vinculou esse conceito à aprendizagem no contexto social. Ao longo do tempo, essa definição foi sendo ampliada e tem se caracterizado na educação ambiental como práticas socioambientais de caráter colaborativo, envolvendo todos os atores na identificação, proposição e intervenção socioambientais, potencializando espaços de diálogo horizontalizados e a democracia participativa (JACOBI, 2015). A aprendizagem social tem como premissa a dialogicidade entre todos os atores envolvidos e deve contemplar: compreensão compartilhada dos problemas, conflitos e/ou desafios em comum; reconhecimento da interdependência dos atores sociais envolvidos; Tradicional •Durkam/ Chartier •Exposição do conteúdo de forma unidirecional Behavorista •Skinner •Apresentação do conteúdo em pequenos passos de forma repetitiva Cognitivista •Piaget •Desenvolvimen -to mental se dá pela socialização Aprendizagem significativa •Ausubel •Construir algo novo a partir do que o indivíduo já sabe Sócio cultural •Paulo Freire •Estratégias dialógicas e críticas 52 reflexão sobre a situação problema com a análise de contextos e possibilidades; transformação de práticas e realidades como parte de um processo decisório conjunto e recíproco (SANTOS e JACOBI, 2017). Dessa forma, a aprendizagem social contribui para que os participantes das ações educativas, aceitem a diversidade de interesses e conhecimento e também percebam que problemas socioambientais complexos podem ser minimizados ou resolvidos por meio de práticas coletivas. Pelo exposto e pelo contexto socioambiental atual, depreende-se que a educação ambiental é indispensável, mas é preciso refletir sobre como é vista e qual abordagem metodológica realmente cria condições para que o seu verdadeiro papel seja cumprido: o de transformação social. 5. PROJETOS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL Dentro da complexidade em que vivemos, praticamente todas as áreas de conhecimento passaram por algum tipo de fragmentação, na educação este processo não foi diferente e hoje nos deparamos com uma série de “educações” com distintos objetivos e adjetivos, educação para a paz, educação para o trânsito, educação sexual, educação nutricional, educação em saúde, educação ambiental, entre tantas outras. Existe uma série de representações sobre cada uma, mas qual delas seria a mais apropriada para trabalhar questões de saúde pública? Se se considerar a ampliação pela qual o conceito de saúde passou nas últimas décadas, percebe-se que independente da adjetivação, o processo educativo como processo político e transformador certamente é essencial e condição essencial para a melhora da saúde e bem estar da população, portanto, o que muda de uma “educação” para a outra é o seu enfoque. No que diz respeito à educação ambiental para que tenha resultados efetivos é fundamental trabalhá-la como parte de um processo dialógico e participativo e não Para uma maior compreensão quanto aos aspectos teóricos e práticos da aprendizagem social leia: JACOBI, P.R. Aprendizagem Social - Diálogos e ferramentas participativas: aprender juntos para cuidar da água. São Paulo, IEE/Procam, 2011. 53 simplesmente se configurem como um conjunto de atividades pontuais. Sendo assim, o planejamento e a elaboração de projetos são fundamentais. Mas afinal, o que é projeto? A definição mais comum é a de que é um processo único que consiste de um conjunto de atividades coordenadas para o alcance de objetivos específicos com tempo, custos e recursos definidos. No campo da educação ambiental, esse conceito deve ser mais amplo, ou seja, constitui “um conjunto metodologicamente articulado entre um problema, o diagnóstico e a proposta de intervenção e avaliação, os quais põem em evidência um conjunto de demandas expostas segundo as percepções e os critérios” de quem solicita ou planeja uma intervenção educacional ou ainda quem vivencia os problemas socioambientais (SILVEIRA, 2013, p. 559-560). Por esta definição fica claro que a elaboração de um projeto de educação ambiental não se trata apenas de uma proposta exclusivamente técnica. No processo de elaboração e implementação, os saberes técnico-científico e o saber popular se fundem, emuma relação bidirecional, baseada no diálogo e no respeito a estes diferentes saberes em uma dinâmica de transformar-se em conjunto. O saber dos que vivenciam a realidade concreta que envolve o problema a ser minimizado ou resolvido, é a base e o ponto de partida para a intervenção educacional. Por esse prisma, planejar o projeto de forma participativa é essencial. Por outro lado, este tipo de planejamento demanda um tempo maior de execução e apresenta como principais desafios: a negociação de interesses, uma vez que há uma diversidade de atores sociais e a articulação entre as necessidades imediatas e as de longo prazo. Dessa forma, planejar de forma participativa requer tempo, flexibilidade e capacidade de negociação de conflitos (MALZYNER et al. 2013). As fases para o planejamento e o desenvolvimento de projetos de educação ambiental contemplam: Lembrete Lembre-se de que as pessoas, em geral, empenham-se mais em projetos que tenham ajudado a criar e que façam algum sentido para elas, daí a importância da dialogicidade e da participação dos envolvidos na elaboração e implementação das propostas educativas. 54 Figura 14 – Ciclo esquemático com as principais etapas de elaboração e implementação de projetos de educação ambiental Fonte: elaborado pela autora É importante frisar que a figura 13 representa uma possibilidade de planejamento em projetos de educação ambiental e que cada etapa não segue uma sequência linear, ou seja, uma etapa não começa quando termina a outra, algumas etapas podem acontecer concomitantemente às outras. A realidade é dinâmica, portanto, seu conhecimento é permanente. Por exemplo, a avaliação apesar de estar após a intervenção educativa, pode acontecer em todas as etapas, incluindo a diagnóstica. Além disso, dependendo da metodologia de trabalho escolhida as fases de diagnóstico e planejamento da intervenção podem ser cíclicas, como nas intervenções baseadas em pesquisa-ação. 5.1 Diagnóstico em projetos de educação ambiental Como vimos todo projeto de educação ambiental deve ter duas principais etapas que não necessariamente precisam acontecer de maneira isolada: o diagnóstico que pode ser obtido por meio de dados primários e secundários e a intervenção educacional. 55 O diagnóstico é uma forma de conhecer uma determinada realidade ou situação e assim como qualquer etapa da elaboração do projeto, deve ser planejado, ter objetivos claros e metodologia adequada e a partir disso deve possibilitar as seguintes ações: identificação do cenário: é preciso delimitar que local se pretende fazer a intervenção, o que se quer conhecer e que método será utilizado para essa finalidade; sistematização das informações: dependendo do método de diagnóstico, a sistematização das informações coletadas pode ter complexidade variada, é necessário organizar as informações para facilitar o processo de planejamento; priorização dos problemas: para que o projeto tenha êxito é essencial delimitá-lo, ou seja, definir quais os problemas mais relevantes, como se relacionam uns com os outros; o que se caracteriza como causa ou consequência e quais critérios serão utilizados para priorizá-los. socialização das informações: como parte de um planejamento participativo, o retorno aos envolvidos quanto ao que foi realizado e as informações levantadas é fundamental para dar continuidade ao processo e possibilitar também o engajamento dos envolvidos nas próximas etapas de elaboração do projeto, sobretudo, na intervenção. prognóstico: diante do cenário encontrado e em função das prioridades elencadas é necessário refletir não só sobre o futuro que se deseja, mas também sobre as implicações para os envolvidos, caso o problema principal não seja minimizado ou solucionado. Dependendo da metodologia utilizada, a realização dessas ações permite conhecer e debater não só o problema, mas também suas causas e consequências. Lembrete É importante ressaltar que não há receitas prontas, pois cada projeto deve ser específico de acordo com a realidade, o público e a problemática que se pretende trabalhar. 56 No que se refere a identificação de cenário nos projetos de educação ambiental, é relevante considerar os conceitos de território e territorialidade. Para SANTOS e SILVEIRA (2011), o território não é apenas o espaço geográfico em si, mas sim “o chão mais a população” são objetos e ações, o espaço humano, habitado e neste entendimento o território permite uma visão mais ampla das causas e efeitos do processo socio territorial. Ele é, portanto, um campo privilegiado de análise, pois ao entender as relações entre a sociedade como ator, o território como objeto de ação e vice-versa, este enfoque propicia uma intervenção de acordo com o que a maior parte da população necessita. O trabalho educativo baseado na interação dos grupos sociais, sua cultura, suas relações com o ambiente e modos de vida é fundamental para compreender os processos que os tornam vulneráveis. Portanto, é de grande importância em termos de saúde pública. Sob este prisma, além do território torna-se necessário considerar também a territorialidade. A territorialidade é o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico. Dessa forma, envolve dimensões objetivas (características gerais do local, serviços públicos prestados, oportunidades de trabalho e renda etc) e dimensões subjetivas (aspirações, afetividade, a relação com as demais pessoas da comunidade), além da experiência de vida de cada membro. Portanto, considera não só as relações no e com o ambiente, mas também os significados que seus habitantes atribuem a este lugar (LITTLE, 2002). Tais significados têm grande representatividade tanto para o diagnóstico situacional que embasará o projeto educativo como para intervenção, pois pode contribuir inclusive no entendimento das potencialidades de mudança possíveis no território. Como vimos, a identificação de cenário implica em um olhar acurado, sobre o território, as pessoas, suas relações com os diversos atores e o ambiente em que vivem e percepções, o que denota que o diagnóstico deve incluir métodos e técnicas que permitam levantar as informações necessárias para desenvolver um projeto que seja coerente e esteja em consonância com a realidade de intervenção. Lembrete Antes da realização de qualquer procedimento metodológico participativo de diagnóstico ou intervenção deve-se deixar claro para o grupo, qual é a intenção da atividade, os motivos pelos quais o grupo se reuniu, quais serão os procedimentos adotados, bem como quais serão os próximos passos. O retorno contínuo aos participantes é fundamental para favorecer o envolvimento dos mesmos em todo o processo. 57 5.1.1. Técnicas e métodos de diagnóstico Considerando os princípios da educação ambiental, quando falamos de técnicas e métodos de diagnóstico é essencial que as mesmas sejam participativas e permitam identificar as causas sociais ou naturais da situação socioambiental em análise; bem como as ideologias que sustentam os julgamentos que as pessoas formulam sobre a mesma sob critérios éticos, políticos e estéticos. Esse é um primeiro passo para uma intervenção democrática e efetiva (TASSARA e ARDANS, 2007). As técnicas de diagnóstico e planejamento participativo são diversas e algumas delas se configuram como métodos de pesquisa social. Destacaremos algumas possibilidades dentro do processo de elaboração de projetos de educação ambiental: a) Mapeamento socioambiental Nas últimas décadas tem aumentado a utilização de mapeamentos participativos como técnica de diagnóstico e planejamento, há uma sériede variações e nomenclaturas. Passando desde a elaboração da base cartográfica pelos próprios participantes até a utilização de sistemas de informação geográfica. Dentre as várias possibilidades do mapeamento socioambiental participativo, destacaremos o biomapa. O biomapa é uma metodologia de diagnóstico e planejamento que possibilita a identificação de diversas informações, incluindo aspectos biofísicos e socioculturais de um determinado território ou comunidade a partir do conhecimento dos atores sociais envolvidos (comunidade, governo local, técnicos). É uma estratégia que promove o conhecimento popular por meio de diversas dimensões (ética, social, econômica, cultural, ambiental, educativa e outros) que compõem a realidade de intervenção. O biomapa tem como principal objetivo orientar o planejamento e execução de ações pautadas nas necessidades primordiais do local e da comunidade participante das ações educativas. Podem-se incorporar ao trabalho atividades de campo, caminhadas, estudos do meio e passeios para registro de informações dos locais mapeados. Tais registros devem ser transpostos para o mapa referente. Após a elaboração dos mapas, os resultados e informações obtidos se configuram em um significativo “retrato” das percepções e das demandas da comunidade, por isso, esta metodologia se configura como um importante instrumento de diagnóstico. A partir do resultado é possível, identificar os problemas que serão abordados no projeto. Um outro biomapa pode ser elaborado a fim de registrar as etapas de intervenção concluídas ou até mesmo a visão de futuro do grupo quanto ao local de intervenção. 58 Figura 15 - Exemplo de biomapa realizado na vila de Paranapiacaba – SP Fonte: PMSA, 2005. b) Entrevistas Figura 16 Fonte: Freepik A entrevista é um método de pesquisa utilizada por várias áreas de conhecimento das ciências sociais e tem como objetivo a coleta de dados, incluindo informações sobre o conhecimento, as percepções, as opiniões, as crenças, os sentimentos e as atitudes do entrevistado, entre outros dados dependendo da natureza do diagnóstico. Portanto, possibilita a coleta de dados objetivos e subjetivos. Se constitui com uma abordagem qualitativa, pois trabalha aspectos simbólicos e busca o significado das ações e das relações dos entrevistados seja com o ambiente 59 em que vivem ou com outras pessoas, dados que não podem ser analisados de forma quantitativa (MINAYO,2001). Por tratar principalmente de dados subjetivos, traz grande contribuição quando os projetos de educação ambiental são construídos a partir da perspectiva do território e da territorialidade. Dependendo de como a entrevista é planejada e conduzida, a mesma pode ser classificada em: estruturada: se desenvolve a partir da elaboração prévia de um roteiro de perguntas e as mesmas se mantêm fixas para todos os entrevistados; não estruturada: não possui um roteiro pré-estabelecido, são elencados apenas alguns temas de interesse e o entrevistador e as aprofunda de acordo com o retorno de cada entrevistado; semiestruturada: possui um conjunto de questões previamente estabelecidas, mas permite ao entrevistador incluir outras questões que achar necessárias durante a entrevista. Para maior amplitude e efetividade quanto ao diagnóstico este método deve ser utilizado com cautela para evitar distorções quanto ao que o entrevistado diz e o que realmente sente e faz, deve ser precedido de um pré teste e o roteiro de questões deve ser elaborado de forma que não seja tendencioso. Nos projetos de educação ambiental as entrevistas podem ser utilizadas tanto na etapa de diagnóstico quanto na de avaliação, possibilitando análises comparativas antes e após a realização da intervenção educativa. c) Oficinas de futuro As oficinas de futuro surgiram no final da década de 1960, como uma forma de democratizar o planejamento envolvendo a população beneficiária de ações Lembrete Não confunda entrevista com questionário, pois são técnicas de pesquisa e diagnóstico diferentes. As entrevistas são mais flexíveis e implicam que haja um diálogo entre entrevistador e entrevistado. Os questionários são compostos por roteiros de perguntas pré elaborados respondidos por escrito. Ambas as técnicas podem ser utilizadas como meio de pesquisa e/ou diagnóstico na elaboração de projetos de educação ambiental. 60 de infraestrutura nas cidades alemãs. O objetivo era possibilitar que os cidadãos participassem da definição de seu futuro a partir da expressão de suas necessidades e anseios, o que era um desafio perante às instituições governamentais da época (MATTHÄUS, 2010). Essa metodologia envolve três fases que têm como finalidade criar uma agenda de prioridades e ações locais: fase de crítica: momento em que são levantados os problemas e as críticas quanto à temática relacionada ao projeto, respeitando as diferentes percepções dos entrevistados. É muito utilizada nos projetos de educação ambiental a partir da construção do “muro das lamentações”, cada participante escreve os problemas que identifica em uma tarjeta e o fixa em alguma superfície, onde todas as tarjetas juntas simbolizam um muro. fase de utopia: também conhecida como fase dos sonhos, o procedimento é similar ao da fase crítica, porém os participantes são estimulados a pensar em situações ideais de forma criativa, o registro pode ser escrito ou por meio de desenhos. No planejamento de ações de educação ambiental, esta fase é realizada por meio da árvore da esperança ou árvore dos sonhos. fase de realização: envolve a reflexão acerca das relações de causa e efeito vinculadas aos problemas prioritários identificados na fase crítica, bem como na responsabilidade dos atores sociais envolvidos para alcançarem ou se aproximarem das ideias indicadas na fase de utopia. A partir dessas análises pode ser definido um plano de ação, tendo em vista ações que sejam viáveis e que possam ser realizadas pelos participantes da oficina de futuro. Nessa metodologia é valorizada a transparência das informações, sendo assim, cada fase é realizada e sistematizada de forma que todos os participantes possam visualizar as opiniões e percepções de todos os envolvidos no diagnóstico, isso ocorre a partir de uma visualização “móvel”, ou seja, com a utilização de tarjetas, dessa forma ideias similares podem ser agrupadas. Como foi visto, além da identificação de cenário, essa metodologia se realizada de forma completa também traz subsídios concretos para elaboração da intervenção educacional. d) Pesquisa ação A pesquisa ação é um método de pesquisa social qualitativo que integra investigação, construção de conhecimento e intervenção participativa voltadas à transformação social, dessa forma, nas últimas décadas vem se destacando no planejamento e desenvolvimento de projetos de educação ambiental. 61 Essa metodologia de diagnóstico e intervenção visa o “envolvimento dos sujeitos do “problema” em um processo de reflexão, análise da realidade, aprendizagem coletiva e fortalecimento comunitário”, portanto, envolve não só a produção de conhecimento, mas também a transformação da realidade investigada o que caracteriza sua função política (TOLEDO, 2011, p. 37). Nesse processo, articula teoria e prática, alternando momentos de pesquisa, reflexão e ação de forma cíclica (figura 17). Figura 17 Fonte: elaborado pela autora A pesquisa se caracteriza pelo levantamento dos diferentes aspectos que envolvem a situação socioambiental problema a partir da perspectiva dos sujeitos envolvidos para a partir dessas informações refletirem sobre elas de modo que construam e realizem juntos (educador/pesquisador e sujeitos sociais) ações colaborativasque contribuam para reverter os problemas encontrados. Conforme a intervenção acontece, as ações são avaliadas e sob tal perspectiva é realizada uma nova “leitura da realidade” que resulta em novas ações e avaliações e assim sucessivamente como um ciclo, de forma que as mesmas se mostrem cada vez mais adequadas às necessidades do grupo envolvido. O conhecer e o agir estão imbricados em todo o processo de planejamento, realização de ações e avaliação. Dessa forma, a partir do diálogo entre as pessoas e dessas e seus territórios, os temas ambientais tratados vão se tornando temas geradores de reflexão e ação e as experiências sociais são ponto de partida e chegada tanto na produção de conhecimentos quanto na transformação da realidade (TOZONI- REIS, 2005). As formas de pesquisa e intervenção podem ser variadas e podem contemplar diversas técnicas, incluindo algumas citadas nesse capítulo, como os biomapas, mapas falantes, entrevistas, entre outros. TOLEDO (2011) destaca que a junção de 62 técnicas quantitativas e qualitativas de forma interdisciplinar seria o mais recomendado, uma vez que a realidade concreta, ou seja, o contexto vivido pelos sujeitos sociais é complexo e envolve diversas áreas de conhecimento. Pelo exposto, a metodologia de pesquisa ação se constitui como um processo coletivo, participativo e transformador que vai além da junção entre teoria e prática, pois permite que ambas se retroalimentem continuamente e o mais importante, que se realize com efetiva participação dos envolvidos em suas diversas etapas em um processo de aprendizagem colaborativa que contribui para o desenvolvimento de novas formas de pensar e agir individual e coletivamente contribuindo com a mudança de uma determinada situação. As técnicas e metodologias citadas são apenas algumas possibilidades de diagnóstico e planejamento participativo, caberá a cada profissional, pesquisador, educador escolher um ou mais instrumentos de acordo com a realidade a ser pesquisada e das características dos sujeitos sociais envolvidos. 5.2 Intervenção em educação ambiental no âmbito da Promoção da Saúde Assim como o diagnóstico, a intervenção em educação ambiental necessita ter objetivos claros e deve ter como base não só os dados obtidos por meio do diagnóstico, mas também contemple em sua metodologia os princípios da educação ambiental, já apresentados nos capítulos anteriores. Para uma maior compreensão quanto aos aspectos teóricos e práticos da pesquisa ação sugerimos as seguintes leituras: TOZONI-REIS, M. F. C. A pesquisa-ação-participativa e a educação ambiental: uma parceria construída pela identificação teórica e metodológica. In: TOZONI-REIS, M.F. C. (Org.). A pesquisa-ação-participativa em educação ambiental: reflexões teóricas. São Paulo: Annablume, 2007 (a), p.121-161. THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 18. ed. São Paulo: Cortez, 2011. Lembrete Tanto o diagnóstico quanto a elaboração do projeto ou plano de intervenção em educação ambiental no âmbito da Promoção da Saúde deve contar com a participação das equipes de saúde, bem como usuários e representantes de diferentes segmentos da população, na busca de intervenção mais adequada à realidade de cada território. 63 Como todo projeto, o registro do planejamento da intervenção deve conter: objetivos, público, metodologia, recursos necessários, prazos, responsáveis, avaliação e resultados esperados. A seguir são destacadas algumas reflexões necessárias para elaboração de cada item do projeto. Quadro 3. Roteiro esquemático para desenvolvimento dos itens de um projeto de educação ambiental. Itens do projeto Questões norteadoras Descrição/reflexões Título O que queremos fazer? É o nome do projeto, deve ser claro, sucinto e estar de acordo com a proposta. É interessante especificar no título o local ou a comunidade ou bairro ou cidade onde será realizado o projeto. Cenário/Contexto Onde vamos desenvolver o projeto? Qual o local onde o projeto será desenvolvido? Nestes itens deve ser indicada qual a realidade do local onde será realizado o projeto, relacionando-a com a problemática que se pretende resolver. Por que fazê-lo? O que queremos mudar? Qual a importância de desenvolver um projeto sobre esse problema/questão para determinado público ou local? Quais são os benefícios a serem alcançados? Caso se tenha feito um diagnóstico participativo, os resultados devem ser mencionados neste item, além dos dados secundários obtidos por meio de pesquisa bibliográfica. Justificativa Qual o problema que queremos superar? Público alvo Para quem será feito? Quem se beneficiará (direta e indiretamente) com o projeto? Objetivos Para que fazer? O que queremos no final? Todos objetivos devem ser redigidos de forma clara, corresponder à realidade e serem alcançáveis. Os objetivos devem estar relacionados aos resultados a serem alcançados e podem ser gerais ou específicos. Os objetivos gerais são definidos para um ciclo maior de desenvolvimento. Os objetivos específicos geralmente estão atrelados 64 aos resultados intermediários e contribuem para a execução do projeto. Metodologia Como será feito? Quais ações e intervenções que serão realizadas? Que metodologia de abordagem será seguida? Haverá parceiros envolvidos? Lembre-se: em projetos de educação ambiental é essencial que a metodologia seja participativa. Quais as atividades que serão feitas para alcançar os objetivos. Cronograma Quando será feito? Organizar uma tabela apresentando etapas previstas e períodos de execução de cada etapa do projeto. Lembre-se: a mensuração do tempo para cada atividade ajuda a compor o seu cronograma. Orçamento Quanto será gasto para colocá- lo em prática? Qual será a distribuição de utilização de recursos nos períodos de execução? Avaliação e monitoramento Como os resultados serão acompanhados? Quais avaliações serão realizadas? Quais serão os indicadores mensurados? Como será verificado o alcance dos objetivos propostos? Lembre-se: assim como a metodologia, a avaliação do projeto deve ser feita de forma participativa. Para isso podem ser utilizadas entrevistas, rodas de conversa, questionários etc. Fonte: Elaborado pela autora Após elaborar todos os itens citados acima é essencial indicar a lista de livros e outras fontes de informação utilizadas para elaboração do projeto (referências bibliográficas). Lembrete Partindo do pressuposto que o projeto tenha sido construído de forma planejada e participativa, ao longo de sua execução podem ocorrer imprevistos, por isso, também é importante pensar em planos alternativos caso alguma etapa não ocorra como planejada. Para manter os imprevistos sobre controle, o monitoramento e controle de mudanças do projeto são de suma importância, além da avaliação de sua efetividade que deve ser feita de forma contínua. 65 No que se refere à avaliação, como verificar se todos os objetivos da educação ambiental e do projeto de intervenção estão sendo ou foram alcançados? É importante mencionar que os resultados efetivos só poderão ser notados a médio e longo prazo e que a avaliação assim como a elaboração e implementação do projeto deve ser feita de forma participativa. O processo de avaliação deve aliar os aspectos quantitativos aos qualitativos utilizando estratégias individuais e coletivas diversas e favorecer o diálogo. Lembre-se que a avaliação também é um processo educativo. A partir do que já foi exposto percebe-se que a elaboração de um projeto de educação ambiental demanda tempo, pesquisa e organização. É preciso ter claro desde o início do planejamento do projeto o que se pretende produzir a partir dele. Outro aspecto importante a ser consideradoé a metodologia, partindo do pressuposto que cada realidade e público envolvido exigirão abordagens metodológicas diferenciadas, há diversas possibilidades de estratégias educativas, neste capítulo serão abordadas apenas algumas delas, a partir de de propostas educativas que criam condições para uma maior socialização e participação: TASSARA e ORDANS (2007) dividem as estratégias educativas socializadoras em cinco categorias: a) leituras e discursos: envolvem exposições orais em que os participantes podem compartilhar suas visões, percepções e interpretações sobre um determinado assunto ou problema. Tais visões estão diretamente relacionadas aos significados que os envolvidos atribuem à uma leitura, uma situação, ao ambiente, uma imagem ou qualquer outro estímulo educativo. Mesmo que inicialmente esta leitura de mundo se dê de forma individual, é no processo de compartilhamento, por meio do diálogo que se gera uma multiplicidade de interpretações garantindo a riqueza do processo, pois amplia-se o conhecimento do grupo sobre ele mesmo e também sobre o objeto de leitura. b) análises e sínteses: engloba realização de experimentos, análises teórico práticas, pesquisa ação entre outras metodologias ou atividades. Todas estas estratégias demandam um momento de observação antes, durante e/ou após sua realização. A análise deve permitir uma verificação de diversas naturezas a partir do mesmo objeto de análise podendo ser de teor prático ou teórico. Já a síntese recompõe as partes estudadas na análise sob novos pontos de vista. Há o questionamento de uma determinada situação ou realidade e o produto dessas análises e sínteses pode gerar relatórios que devem ser compartilhados de modo que contribuam com a socialização do grupo e das informações analisadas favorecendo a interação social e o protagonismo. 66 c) interações sociais: envolve as ações que privilegiam a comunicação entre indivíduos e grupos como entrevistas, discussões em grupo, grupos focais, debates e outras atividades similares. d) atores e papéis: contemplam as estratégias educativas baseadas em simulação de ações, representação de papéis e dramatizações. Tais estratégias evidenciam os diferentes atores e papéis sociais e contribuem para que os envolvidos tenham maior consciência das determinações sociais implícitas a cada papel. e) mensagens em múltiplas linguagens: parte do princípio de que o ambiente mediado por meios de comunicação ajuda a produzir sentido e consequentemente aprendizagem. Inclui como estratégias educativas: cinema, vídeo, teatro, internet, multimídia e hipermídia. Nas últimas décadas uma metodologia que vem se destacando na área da educação ambiental é a educomunicação socioambiental, compreendida como o conjunto de ações e valores que correspondem à dimensão pedagógica dos processos comunicativos ambientais, marcados pelo dialogismo, pela participação e pelo trabalho coletivo. A dimensão pedagógica, nesse caso em particular, tem foco no “como” se gera os saberes e “o que” se aprende na produção cultural, na interação social e com o meio ambiente (COSTA, 2008). Todas estas categorias congregam dimensões cognitivas e afetivas do processo de ensino e aprendizagem e não necessariamente precisam ocorrer isoladamente, um mesmo projeto pode utilizar duas ou mais estratégias educativas durante sua execução. 5.3. Projetos de educação ambiental e alguns conceitos importantes Na elaboração e desenvolvimento de projetos de educação ambiental, é comum a utilização de algumas palavras polissêmicas, que nem sempre têm suas práticas correspondentes aos princípios e objetivos da EA, sobretudo, quando planejados sob a perspectiva da promoção à saúde. Essa diferenciação de conceitos e suas implicações práticas pode diferir se um projeto educativo tem apenas caráter preventivo ou se possui uma abordagem mais ampla, por exemplo. Mas afinal, a educação ambiental se configura como uma das formas de prevenção aos agravos à saúde que têm o meio ambiente como determinante ou uma estratégia de promoção à saúde? Para responder esta questão é preciso diferenciá-las. Prevenção é se antecipar visando ao controle da transmissão da doença e a redução do risco de que ela ocorra por meio da divulgação de informações e recomendações de mudanças de hábitos. 67 Já o conceito de promoção objetiva aumentar a saúde em seus aspectos gerais e não é focalizada apenas em uma ou outra doença, se relaciona a verbos como fomentar, impulsionar, viver, instituir, criar, dirigir, enfim, ações próprias da vida (CZERESNIA, 2003). As estratégias de promoção visam à transformação das condições e estilos de vida e demandam o fortalecimento individual e coletivo para atuação sobre os fatores determinantes da saúde, na criação de ambientes favoráveis à saúde, na ampliação da autonomia dos sujeitos, na construção de políticas públicas intersetoriais, de modo que os indivíduos possam assumir uma postura mais protagônica em busca de qualidade de vida. No que diz respeito a divulgação de informações, as mesmas são importantes tanto na prevenção quanto na promoção à saúde, mas desvinculadas de um processo educativo não representam condição suficiente para mudança de atitude. É muito comum, ações e projetos de educação em saúde e ambiental serem baseados em campanhas informativas. É preciso lembrar que informação é diferente de educação. A informação pode ser um fator que auxilia o processo educativo, mas para isso é necessário que seja adequada à realidade sociocultural de cada grupo, portanto, “a educação não trata de definir comportamentos corretos para os demais, mas de criar oportunidades de reflexão crítica e interação dialógica entre sujeitos sociais” (MEYER et al, 2006, p, 1341). Quanto a isso, PELICIONI (2000, p. 32), afirma que: A informação por si só não leva as pessoas a adotarem estilos de vida saudáveis, a lutar pela melhoria de suas condições de vida e ambientais, ou a modificar práticas que conduzam à doença. A informação é um aspecto imprescindível da educação, mas deve permitir a promoção de aprendizagens significativas para que funcione. Podemos inferir que processos efetivos de educação em saúde ou ambiental devem ir além do enfoque preventivo. É pertinente ressaltar que prevenir e controlar as doenças são ações importantes que devem estar atreladas a processos de promoção da saúde, mas não devem ser confundidas nos âmbitos conceitual e prático. Assim como os projetos de prevenção utilizam temas específicos (saúde- doença, transmissão e risco), os projetos de promoção da saúde em determinados momentos também utilizam tais conceitos fazendo com que haja muitas vezes uma indiferenciação entre as práticas. Trabalhar a prevenção à luz dos princípios da promoção da saúde pressupõe que a população participe de todo o processo, da problematização até a proposição de soluções e que não seja mobilizada apenas segundo os problemas identificados pela instituição e os objetivos de um programa específico. 68 Pelo exposto, fica evidente que a educação ambiental é uma estratégia de promoção à saúde, sobretudo, por terem como premissa a participação como forma de impulsionar mudanças sociais que contribuam com a melhora da qualidade de vida. 5.3.1. Educação ambiental para qual participação? Figura 18 Fonte: Freepik Ao longo de todo este capítulo, há um destaque à importância da característica participativa da elaboração e desenvolvimento de projetos de educação ambiental, o que é coerente com os princípios elencados na Política Nacional de Educação Ambiental e demais documentos oficiais já mencionados. Além de corroborar com um dos objetivos da promoção da saúde no que se refere ao reforço ação comunitária. Mas afinal que participação estamos falando? Participação,cidadania e emancipação social são temas que se tornam cada vez mais comuns nos discursos de organizações, movimentos sociais, sindicatos e principalmente no cenário político. Qual a relação dessas ações com os processos educativos e com a promoção da saúde? A participação que se faz urgente e necessária não é a que se caracteriza apenas pelas consultas feitas à população, mas aquela que permite ao ser humano uma visão emancipatória em que ele/ela interage com o meio na condição de sujeito. Diversos autores têm enfatizado a polissemia do termo “participação”, daí a necessidade de se refletir que tipo de prática participativa cria possibilidades para a transformação social. Para FREIRE (2012, p.88) a participação é uma atividade essencial para a construção de uma sociedade mais justa e não se configura como um slogan, mas a expressão e, ao mesmo tempo, o caminho de realização democrática. Só se aprende democracia pela prática da participação, pois ninguém a vive plenamente nem tampouco a ajuda a crescer se é “interditado no seu direito de falar, de ter voz, de fazer o seu discurso crítico e se não se engaja, de uma ou de outra forma, na briga em defesa deste direito, que no fundo, é o direito também a atuar”. 69 Segundo ARNSTEIN (2002, p. 5), “existe uma diferença fundamental entre passar pelo ritual vazio da participação e dispor de poder real para influenciar os resultados do processo”. Sendo assim, é necessário entender as diferentes formas de participação e suas possibilidades. Para isso, a autora apresenta uma tipologia de 8 níveis de participação que são classificados de acordo com o “nível de poder” dos cidadãos: Não participação: se caracteriza como manipulação (1) e terapia (2); Concessão mínima de poder: se relaciona a informação (3), consulta (4) ou pacificação (5); Níveis de poder cidadão: parceria (6), delegação de poder (7) e controle cidadão (8). Os níveis de participação que os projetos de educação ambiental devem buscar são os de poder cidadão. O indivíduo que exerce a sua participação de forma plena reconhece que o desenvolvimento de sua habilidade participativa é fruto de uma construção social. Estar presente em ações pontuais não caracteriza efetivamente a participação emancipatória porque na prática ela deve envolver toda a coletividade, levando a uma dimensão política. Só assim poderá interferir nos vários setores da sociedade, modificar a relação com o Estado e consequentemente produzir mudanças sociais marcadas pela melhoria da qualidade de vida. A importância da participação social relacionada à resolução dos problemas socioambientais como forma de se promover saúde e o desenvolvimento sustentável implica em perceber que o grande desafio da sociedade atual, é compreender que não é a natureza que se encontra em desequilíbrio, mas sim a própria sociedade. O ser humano em sua relação com o mundo vive no limiar entre o fatalismo diante de mudanças sociais e uma visão imediatista de solução de problemas, com uma forte dificuldade para realizar alterações que priorizem aspectos que erroneamente julgam externos a ele, como por exemplo: o meio ambiente. Isso fica explícito na ruptura ainda existente entre o homem e o ambiente em que vive. Neste sentido, romper paradigmas e valores pode significar a perda de sua condição de aparente “conforto”. Esta estagnação não permite, portanto que os indivíduos melhorem sua qualidade de vida e construam ambientes e comunidades saudáveis, dentro de paradigmas sociais que permitam a preservação da vida e do planeta. 5.3.2 Educação ambiental, promoção à saúde e empoderamento Outro termo relacionado à participação muito utilizado não só nos projetos de educação ambiental e educação em saúde, mas em diversas áreas de conhecimento é o empoderamento. 70 Assim como o conceito de participação, a palavra empoderamento ou empowerment é polissêmica e geralmente é abordada dentro de uma abordagem mais individual do que coletiva, como uma integração social dos excluídos, mas na verdade esse conceito é muito mais amplo, sobretudo quando trabalhado no campo da promoção à saúde e da educação ambiental. Destacaremos duas noções distintas sobre o empowerment: a psicológica: que se caracteriza por um sentimento do indivíduo de maior controle sobre sua vida e de pertencimento a um grupo; a comunitária, que se caracteriza como um “processo e um resultado, de ações que afetam a distribuição do poder levando a um acúmulo, ou desacúmulo de poder (“disempowerment”) no âmbito das esferas pessoais, intersubjetivas e políticas” (CARVALHO, 2004, p.1092). Quanto ao “empowerment” psicológico, o foco individual pode ignorar o contexto político e histórico que as pessoas vivem e se tornar um discurso vazio, caso não considere o debate sobre os problemas que as cercam e as soluções. Já o comunitário necessariamente deve considerar o funcionamento da vida em sociedade e o reconhecimento das relações e interdependência entre suas diferentes dimensões e as ações individuais e coletivas buscando qualificar mudanças sociais de cunho político. Um processo de “empowerment” deve estar voltado à construção da autonomia e à mudança social no campo da promoção da saúde. É importante mencionar que a autonomia não se trata de uma liberdade absoluta, pois é uma potencialidade do ser humano que pondera a questão de sabermos o que fazer entre o que é dado e o que realmente queremos, ou seja, a autonomia refere-se à capacidade dos sujeitos de lidar com a sua rede de dependências. É um processo de “co-constituição” de maior capacidade dos sujeitos de compreenderem e agirem sobre si mesmos e sobre o contexto conforme objetivos democraticamente estabelecidos” (ONOCKO CAMPOS E CAMPOS, 2006). Nos processos de “empowerment” é necessário seguir a lógica de planejamento de ações a partir da identificação de questões que são relevantes para Lembrete O empowerment é um processo social, portanto, apesar da concepção psicológica não ser suficiente para a mudança social, é extremamente necessária para que ela aconteça. 71 a comunidade e permitem o desenvolvimento de estratégias para resolvê-las por meio do diálogo e da negociação. Esta forma de planejamento é conhecida como do tipo bottom-up e se contrapõe à do tipo top-down que segue uma lógica de cima para baixo, ou seja, é determinada pelas instituições que propõem o projeto e/ ou a intervenção. LAVERACK e WALLERSTEIN (2001) indicam nove áreas organizacionais que influenciam o “empowerment” comunitário, são elas: participação; liderança; avaliação do problema; estrutura organizacional; mobilização de recursos; coesão comunitária; transparência (esclarecer os porquês); papel dos atores externos; gestão do programa. Considerando essas nove áreas as autoras reforçam o “empowerment” como processo e resultado, deixando claro que a avaliação se dá a médio e longo prazos. A comprovação dos resultados é mais complexa, pois exige um tempo maior de observação. No entanto, o processo pode ser verificado por meio da interação entre capacidades, habilidades e recursos nos níveis individual e coletivo durante o período de tempo de um programa, bem como pelo nível de mudança nas condições de saúde, por exemplo, e nas estruturas interpessoais e políticas. Considerando a relevância do “empowerment” para os processos de promoção à saúde e educação ambiental, estimular a participação e a construção da autonomia são essenciais. Por outro lado, cabe verificar se o governo e as instituições realmente querem criar condições para que este tipo de participação e de poder aconteçam, se os conselhos gestores e outros mecanismos legais de participação têm colaborado de fato com o desenvolvimentodo controle social, bem como se a população está realmente preparada e possui habilidades para colocar em prática uma participação ativa, crítica e emancipatória. 72 5.3.3 Temas ambientais nos projetos de educação ambiental Até aqui, vimos que um projeto de educação ambiental surge a partir de demandas de uma determinada comunidade ou território. É pertinente lembrar que a resolução de problemas ambientais locais é uma recomendação que vem desde a Conferência de Tbilisi como uma forma de mobilizar as pessoas para que olhem, reflitam, questionem e mudem suas realidades o que é positivo e vai ao encontro dos objetivos da educação ambiental. Mas um outro cuidado que se deve ter na elaboração de projetos de intervenção educativa socioambiental é verificar se tais problemas se configuram como temas geradores ou atividades fim. Essa reflexão é muito relevante e a abordaremos a partir de LAYRARGUES (2001) e TOZONI REIS (2006). Projetos baseados em atividades fim visam a resolução pontual dos problemas, já os que abordam os problemas ambientais como temas geradores compreendem o entendimento, a reflexão e a transformação da realidade. A primeira perspectiva de trabalho, por ser mais limitada e superficial, acaba criando uma percepção equivocada sobre a problema, no sentido de que os envolvidos acabam perdendo a visão do todo e das relações de causa e efeito. Essas práticas se configuram como projetos voltados a mudanças apenas comportamentais, portanto, é uma abordagem simplista e acrítica. A abordagem por temas geradores, tem como precursor Paulo Freire, a partir do ideário de uma educação ambiental crítica que possibilita a formação ética para pensar e agir de forma crítica, ideológica e transformadora (LOUREIRO e TORRES, 2014). Sob essa perspectiva, a problematização de uma determinada situação tem relação direta com a realidade concreta vivida pelos sujeitos sociais e principalmente tem sentido político. Os temas geradores são o ponto de partida para novas descobertas a partir do saber popular. Dessa forma, devem ter significado concreto para os envolvidos e devem ter conteúdo problematizador. Não basta falar sobre extinção, crise hídrica, aquecimento global entre outros problemas socioambientais apenas sobre o ponto de vista de seus conteúdos, mas sobretudo, discuti-los e entendê-los sob os pontos de vista político, social, cultural e histórico a partir dos diferentes conflitos e dimensões que o envolvem. 73 5.3.4 Educação ambiental para mudança de atitude ou comportamento? O conhecimento pertinente é aquele que é capaz de situar toda a informação em seu contexto e mobilizar não só uma cultura diversificada, mas também a atitude geral do espírito humano para propor e resolver problemas. Morin (1999) Ao longo do capítulo enfatizamos que as práticas educativas baseadas apenas na mudança comportamental não se mantêm em longo prazo, portanto, não são suficientes para provocar mudanças reais e efetivas. Mas qual a diferença entre comportamento e atitude? Em geral, nos projetos de educação ambiental, estes termos são utilizados como sinônimos e isso afeta diretamente o projeto como um todo, seus objetivos, metodologia e resultados esperados e/ou alcançados. Tem aumentado nas últimas décadas, os estudos sobre a efetividade da educação ambiental sob a perspectiva da psicologia ambiental. Esta área do conhecimento estuda a pessoa em seu contexto, evidenciando as percepções, atitudes, avaliações, representações ambientais e comportamentos tendo como tema central as inter-relações entre a pessoa e o meio ambiente físico e social. Esse contexto envolve duas dimensões: uma física e outra temporal, ou seja, a forma de agir de um indivíduo varia de acordo com o espaço e o tempo (MOSER, 2018). Os conceitos de atitude e comportamento são polissêmicos. No que se refere à definição de atitude mencionaremos a abordagem tridimensional em RODRIGUES, ASSMAR e JABLONSKY (2010, p.81). Segundo estes autores a atitude se refere a “uma organização duradoura de crenças e cognições em geral, dotada de carga afetiva pró ou contra um objeto social definido, que predispõe a uma ação coerente com as cognições e afetos relativos a este objeto.” As atitudes têm assim, três componentes: um componente cognitivo: formado pelos pensamentos e crenças a respeito do objeto; um componente afetivo: inclui os sentimentos de atração ou repulsão em relação a ele; um componente comportamental: representado pela tendência de reação da pessoa em relação ao objeto de atitude. Todos os componentes citados acima estão correlacionados. Sendo assim, atitude predispõe comportamento. As atitudes podem variar de acordo com os valores e a motivação dos indivíduos, pois são os valores que nos orientam e fornecem 74 parâmetros para a avaliação e adoção de determinadas condutas e são os “motivos” que desencadeiam a ação, enquanto as atitudes predispõem a ela. Considerando a relação comportamento – meio ambiente, há diversas expressões que a qualificam, como por exemplo, comportamento ecológico, comportamento ambientalmente responsável, comportamento pró- ambiental, entre outras qualificações. Este último tem se destacado nas pesquisas da área da psicologia ambiental, se referindo a ações humanas que interferem positivamente ou contribuem para beneficiar o meio ambiente em curto e longo prazo. Muitos estudos abordam os comportamentos pró ambientais relacionados à economia de água, energia, participação em coleta seletiva e outros temas de gestão ambiental. O que ocorre é que em geral tais ações são mais individualistas e, em geral, não consideram os aspectos sociais e políticos inerentes à complexidade ambiental. Além disso, a dimensão temporal se põe como outro desafio, em muitos casos estes comportamentos pró ambientais não são duradouros. Cabe lembrar que os objetivos da educação ambiental vão muito além do “se cada um fizer a sua parte”. Retomando o conceito de atitude o grande diferencial se dá em agir de forma coerente ao seu componente cognitivo e afetivo. Se esta coerência inexiste, mesmo que as pessoas saibam que determinada ação é prejudicial à saúde ou ao meio ambiente, os seus comportamentos serão indiferentes ou continuarão sendo voltados a degradação. Se atitude predispõe comportamento, mudá-la ou pelo menos repensá- la é um dos objetivos que devem ser buscados nos processos de educação ambiental e de promoção da saúde. Por todo o exposto, depreende - se que os processos de educação ambiental são estratégias de promoção à saúde desde que questionem o status quo e sejam realizados de forma crítica e voltados à uma mudança de atitude que possibilite a transformação social. Não podemos perder de vista que no encontro entre essas duas áreas (saúde e meio ambiente) a intersetorialidade se faz primordial desde o planejamento até sua execução, pois não é possível construir políticas públicas saudáveis, ambientes favoráveis à saúde, fortalecer a ação comunitária, desenvolver habilidades pessoais e reorientar os serviços de saúde sem que haja uma troca e uma articulação de saberes e práticas, sem que a lógica compartimentada e setorial seja questionada e alterada. Trabalhar à luz da Promoção da Saúde implica necessariamente a realização de ações intersetoriais que busquem compreender e resolver os problemas em sua complexidade. 75 Resumo A prática da educação ambiental está diretamente relacionada ao conceito que se tem de meio ambiente, portanto, se é vista, apenas sob seus aspectos ecológicos se configurará como uma prática reducionista. De acordo com os diferentes contextos históricos seus objetivos foram sendo alterados partindo de uma concepção mais conservadora até uma perspectiva mais crítica. A partir deestudos quanto à pratica da educação ambiental em diversos países identificou-se quinze correntes de atuação. São elas: a naturalista, a conservacionista, a resolutiva, a sistêmica, a científica, a humanista, a moral, a holística,a biorregionalista, a práxica, a crítica social, a feminista, a etnográfica, a eco educação e a sustentabilidade. Tais correntes não ocorrem isoladamente, uma proposta educativa pode ter características de duas ou mais correntes. Tais correntes podem ser agrupadas em macrotendências da educação ambiental, sendo conservadoras voltadas aos aspectos naturais, pragmáticas voltadas a questões pontuais e a práticas comportamentalistas ou críticas baseadas no enfrentamento político das questões socioambientais. Sendo estas últimas as que mais se aproximam dos objetivos da promoção da saúde. Além de entender as concepções e macrotendências da educação ambiental, considerando que se trata de um processo educativo é essencial conhecer as teorias de aprendizagem e suas abordagens metodológicas. Entre as diversas possibilidades, destacamos as teorias: comportamentalista (foco no direcionamento do comportamento), cognitivista (conhecimento relacionado a situação social com foco no processo e não apenas no resultado), aprendizagem significativa (tem como base Para uma maior compreensão quanto à contribuição de Paulo Freire à educação ambiental, recomenda-se as seguintes leituras: FREIRE P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. Ed. São Paulo: Paz e Terra; 2011. GUIMARÃES, M. Educação ambiental crítica. In: LAYRARGUES, P.P. (Org.). Identidades da educação ambiental brasileira. Brasília, DF: Ministério do Meio Ambiente; Diretoria de Educação Ambiental, 2004. p. 25-34. LOUREIRO F.B.; TORRES J.R. Educação Ambiental: dialogando com Paulo Freire. 1 ed. São Paulo: Cortez, 2014. 76 os conhecimentos prévios do educando), sociocultural (educação crítica e problematizadora) e a aprendizagem social ( práticas socioambientais de caráter colaborativo). Todos os aspectos citados trazem importantes subsídios para elaboração de projetos de Educação Ambiental. Além disso, é fundamental que seja um processo dialógico e participativo, constituído por uma etapa de diagnóstico e outra de intervenção. O diagnóstico deve permitir identificar as causas do problema ou situação socioambiental em análise. As técnicas e metodologia de diagnóstico são diversas e podem envolver mapeamentos socioambientais, entrevistas, oficinas de futuro, pesquisa ação, questionários, entre outras. A intervenção deve contemplar e se basear nos resultados do diagnóstico e sobretudo, ser adequada às características do público envolvido no projeto. Considerando a importância da participação no processo educativo socioambiental, estratégias educativas socializadoras são as mais indicadas e podem contemplar: leituras seguidas de momentos de discussão, análises, interações sociais, dramatizações e, mensagens em múltiplas linguagens, com destaque à educomunicação. Tendo em vista que a promoção à saúde visa à transformação das condições e estilos de vida e demanda o fortalecimento individual e coletivo para a atuação sobre os fatores determinantes de saúde, a educação ambiental se configura como uma importante estratégia para alcançá-la. No que se refere à participação social, vimos que tanto para alcançar os objetivos da educação ambiental como da promoção à saúde, a mesma deve ser ativa, fruto de uma construção social e principalmente considerar sua dimensão política de modo que contribua para o empoderamento coletivo. Nesse processo, os temas ambientais devem ser tratados como temas geradores, ou seja, devem permitir a problematização de uma realidade concreta incluindo seus aspectos sociais, políticos, culturais e históricos de modo que possibilitem a reflexão, a ação e uma mudança de atitude em prol da proteção do meio ambiente e da promoção à saúde. 77 FIGURAS Figura 1 https://www.freepik.com/free-vector/people-living-city-full-pollution_4817002.htm Figura 2 ________________ et al. Da Samarco em Mariana à Vale em Brumadinho: desastres em barragens de mineração e Saúde Coletiva. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 35, n. 5, 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2019000600502. Acesso em 21.01.2020. Figura 3 CNDSS - Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde. As causas sociais das iniqüidades em saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008. Figura 4 BUSS P.M.; FILHO A. P. A saúde e seus determinantes sociais. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva. 2007; 17 (1): 77-93. Figura 5 OMS. Organização Mundial da Saúde. Diminuindo diferenças: a prática das políticas sobre determinantes sociais da saúde: documento de discussão. Rio de Janeiro, Brasil, 19-21 de outubro de 2011. Disponível em: <http://cmdss2011.org/site/wp-content/uploads/2011/10/Documento-Tecnico-da- Conferencia-vers%C3%A3o-final.pdf>. Acesso em: 24 jan. 2020. Figura 6 Elaborado por Colin E.C.S. com base em DIAS GF. Educação Ambiental: princípios e práticas. 9. ed. São Paulo: Gaia; 2010. Figuras 7 e 8 Elaborado por Colin E.C.S. https://www.freepik.com/free-vector/people-living-city-full-pollution_4817002.htm http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2019000600502 78 Figura 9 Elaborado por Colin E.C.S. com base em BRASIL. Lei n. 9795 - 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental. Política Nacional de Educação Ambiental. Brasília, 1999. Figura 10 BRANCO, E. A. Dimensões e indicadores de monitoramento e avaliação de políticas públicas de educação ambiental. Brasília. Funbea. Dez. 2018. Disponível em: https://www.funbea.org.br/wp-content/uploads/2018/10/apresentacao- indicadores-lancamento.pdf. Acesso em 23.01.2020. Figura 11 https://www.google.com/search?q=meio+ambiente&rlz=1C1GCEU_pt- BRBR832BR832&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwj30tvGuYPoAhVAH bkGHcmUAdAQ_AUoAnoECBQQBA&biw=1920&bih=920 Figura 12 https://www.google.com/search?q=educa%C3%A7%C3%A3o+ambiental&rlz=1C1G CEU_pt-BRBR832BR832&hl=pt- BR&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwizobKtuoPoAhWAD7kGHQ0DBe 4Q_AUoAXoECBUQAw&biw=1920&bih=920 Figuras 13 e 14 Elaborado por Colin E.C.S. Figura 15 PMSA - Prefeitura Municipal de Santo André. Santo André: biomapa – democratizando a gestão das áreas de mananciais. Santo André: 2005. Figura 16 https://br.freepik.com/vetores-gratis/banner-de-recursos humanos_3925764.htm#position=8&page=1&query=interview https://www.funbea.org.br/wp-content/uploads/2018/10/apresentacao-indicadores-lancamento.pdf https://www.funbea.org.br/wp-content/uploads/2018/10/apresentacao-indicadores-lancamento.pdf https://www.google.com/search?q=meio+ambiente&rlz=1C1GCEU_pt-BRBR832BR832&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwj30tvGuYPoAhVAHbkGHcmUAdAQ_AUoAnoECBQQBA&biw=1920&bih=920 https://www.google.com/search?q=meio+ambiente&rlz=1C1GCEU_pt-BRBR832BR832&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwj30tvGuYPoAhVAHbkGHcmUAdAQ_AUoAnoECBQQBA&biw=1920&bih=920 https://www.google.com/search?q=meio+ambiente&rlz=1C1GCEU_pt-BRBR832BR832&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwj30tvGuYPoAhVAHbkGHcmUAdAQ_AUoAnoECBQQBA&biw=1920&bih=920 https://www.google.com/search?q=educa%C3%A7%C3%A3o+ambiental&rlz=1C1GCEU_pt-BRBR832BR832&hl=pt-BR&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwizobKtuoPoAhWAD7kGHQ0DBe4Q_AUoAXoECBUQAw&biw=1920&bih=920 https://www.google.com/search?q=educa%C3%A7%C3%A3o+ambiental&rlz=1C1GCEU_pt-BRBR832BR832&hl=pt-BR&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwizobKtuoPoAhWAD7kGHQ0DBe4Q_AUoAXoECBUQAw&biw=1920&bih=920 https://www.google.com/search?q=educa%C3%A7%C3%A3o+ambiental&rlz=1C1GCEU_pt-BRBR832BR832&hl=pt-BR&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwizobKtuoPoAhWAD7kGHQ0DBe4Q_AUoAXoECBUQAw&biw=1920&bih=920
Compartilhar