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Introdução à Fitoterapia: conceitos e definições APRESENTAÇÃO Fitoterapia pode ser definida como o estudo das plantas medicinais e suas aplicações no tratamento de doenças. Deriva do grego therapeia = tratamento e phyton = vegetal. Desta maneira, o termo fitoterapia foi dado à terapêutica que utiliza plantas ou derivados vegetais como medicamentos, originando-se do conhecimento e também do uso popular. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir os principais conceitos relacionados à fitoterapia.• Identificar as principais diferenças entre fitoterapia popular, tradicional e científica ocidental. • Reconhecer passos importantes para uma fitoterapia baseada em evidências.• DESAFIO A fitoterapia científica ocidental baseia-se em dados e evidências científicas. Desta maneira, é uma ferramenta fundamental que permite a busca das melhores evidências científicas disponíveis, podendo, assim, servir como ponto norteador para o emprego clínico de plantas medicinais e fitoterápicos para finalidades terapêuticas, diagnósticas ou profiláticas. - Quais são as estratégias empregadas para a busca destas evidências científicas? - Quais são as principais informações que devem ser obtidas? INFOGRÁFICO Observe o Infográfico a seguir para ajudar na compreensão do conteúdo. CONTEÚDO DO LIVRO O interesse dos órgãos públicos e pesquisadores pela fitoterapia tem crescido nas últimas décadas. Em 2006, a fitoterapia foi inserida no Sistema Único de Saúde (SUS) e, atualmente, 12 medicamentos fitoterápicos são ofertados pelo SUS. Na prática clínica, são bem vistos os medicamentos fitoterápicos e plantas medicinais que passam por testes farmacológicos, toxicológicos, pré-clínicos e clínicos, garantindo a eficácia, segurança e qualidade dessas formulações. No capítulo Introdução à Fitoterapia: conceitos e definições, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, veja o histórico e os principais conceitos relacionados à fitoterapia, conheça os medicamentos fitoterápicos ofertados pelo SUS bem como alguns exemplos de formulações fitoterápicas no cuidado ao paciente. Boa leitura. FARMACOBOTÂNICA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Definir os principais conceitos relacionados à fitoterapia. > Identificar as principais diferenças entre fitoterapia popular, tradicional e científica ocidental. > Reconhecer passos importantes para uma fitoterapia baseada em evidências. Introdução A fitoterapia é caracterizada pela utilização de plantas medicinais em suas di- ferentes formas farmacêuticas como recurso terapêutico. As plantas medicinais são utilizadas pela população desde milhares de anos antes da civilização cristã. Elas são uma fonte rica em metabólitos secundários como alcaloides, flavonoides e taninos, que apresentam potencial relevância terapêutica. No entanto, o uso inadequado de plantas medicinais frequentemente ocorre por falta de conhecimento sólido em relação a dosagem, posologia, modo de preparo, contraindicações e reações adversas. Com isso, a fitoterapia baseada em evidências busca promover a avaliação crítica das plantas medicinais e fitoterápi- cos como alternativas terapêuticas, maximizando seus benefícios e minimizando as reações adversas. Neste capítulo, você acompanhará o histórico do uso de plantas medicinais e fitoterápicos e os fatores que têm despertado o interesse no uso da fitoterapia Introdução à fitoterapia: conceitos e definições Marcella Gabrielle Mendes Machado pela população e pelos profissionais de saúde. Além disso, conhecerá alguns exemplos de formulações fitoterápicas para o tratamento de alguns distúrbios menores. Histórico da fitoterapia Desde os tempos mais remotos, os seres humanos utilizam plantas pelos seus diversos efeitos medicinais. De acordo com Saad et al. (2018), os regis- tros mais antigos que indicam a utilização de plantas para fins terapêuticos remontam à Era Paleolítica. Registros mais sistematizados do uso de plantas medicinais em regiões como Índia, China e Egito datam de milhares de anos antes da civilização cristã. Nessas regiões, era muito comum a associação da terapêutica com práticas espirituais, sendo que muitos sacerdotes atuavam como médicos. Há registros na Índia de cerca de 3000 a.C., em que canções de louvor às plantas eram realizadas (SAAD et al., 2018). O Ayurveda, uma filosofia médica oriental que surgiu na Índia durante o período de 2000–1000 a.C., utiliza as plantas medicinais como ferramentas terapêuticas e propõe que, para se alcançar a felicidade, a vida humana deve estar em harmonia com as leis da natureza, sendo a saúde um estado de completude (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AYURVEDA, [2020?]). Na China, o imperador Shen Nong, por volta de 2500 a.C., compilou as bases da medicina chinesa em um livro denominado Pen Tsao, no qual foram registradas 365 drogas, incluindo plantas medicinais como o chá-da-índia (Thea sinensi, atualmente catalogada como Camellia sinensis) e a efedra (Ephedra sinica). A medicina chinesa encontra-se inserida na visão de mundo da filosofia taoísta e utiliza a fitoterapia como uma forma de tratamento e prevenção de doenças (SAAD et al., 2018). O Papiro de Ebers, que data de cerca de 1550 a.C., é um tratado médico do Antigo Egito. Foi descoberto no século XIX e contém a descrição de procedi- mentos médicos, bem como do uso de plantas medicinais. Nesse documento, foram registradas cerca de 700 substâncias medicamentosas, sendo que muitas delas ainda são utilizadas e descritas em farmacopeias ocidentais, como o rícino (Ricinus communis), a hortelã (Mentha sp.), a papoula (Papaver somniferum), a mirra (Commiphora molmol) e o alecrim (Rosmarinus officinalis) (SAAD et al., 2018). Na Grécia Antiga, as práticas curativas utilizavam métodos mágico-te- rapêuticos acompanhados do uso de plantas medicinais, como os descritos nas poesias de Homero. De acordo com Saad et al. (2018), há indícios de que Introdução à fitoterapia: conceitos e definições2 a medicina grega antiga teve influência da medicina egípcia, com algumas plantas de origem da Índia e do Egito, e algumas receitas com características semelhantes. Pitágoras, por volta de 500 a.C., estudou como as drogas vegetais atuavam no organismo, o que levou à formulação das bases da medicina humoral e da dietética, as quais influenciaram Hipócrates, pai da medicina, alguns anos mais tarde. Hipócrates desmistificou a associação de cura pelo uso das plantas medicinais com forças sobrenaturais, e deu início à medicina racional- -naturalista, descrevendo sinais, sintomas e a sazonalidade de doenças, bem como a influência do emocional e condições de moradia na saúde dos pacientes (SAAD et al., 2018). Com a descoberta de novas regiões pelas grandes navegações no perí- odo da Renascença, novas drogas vegetais, assim como especiarias, foram adquiridas pela Europa, aumentando seu arsenal terapêutico. Os estudos desenvolvidos pelo médico conhecido como Paracelso (1493–1541) levaram a um novo entendimento a respeito das plantas medicinais. De acordo com Saad et al. (2018, p. 3), Paracelso “[...] anunciou a noção de que a planta medicinal encerra um componente terapeuticamente ativo, suscetível de ser extraído por processo químico, e que o processo utilizado para isso era a destilação”. Naquela época, a planta medicinal era utilizada na sua forma inteira ou em partes (folhas e raízes), sendo essa forma ainda utilizada nos dias atuais nas práticas populares. A partir do desenvolvimento da química medicinal e da síntese do ácido acetilsalicílico (Aspirina), princípio ativo que foi obtido a partir da modificação estrutural do ácido salicílico isolado da casca do salgueiro (Salix alba), as plantas medicinais passaram a ser utilizadas como matéria-prima para a obtenção de fármacos semissintéticos e como protótipos para a síntese de novas moléculas (SAAD et al., 2018). Embora o uso de plantas medicinais tenha diminuídopor um tempo frente ao processo de industrialização e desenvolvimento de fármacos sintéticos, seu uso pela população voltou a ganhar força nas últimas décadas. Muitos fatores têm contribuído para o aumento da utilização das plantas medicinais pela população, incluindo os efeitos adversos relacionados ao uso de medi- camentos industrializados, o difícil acesso à assistência médica, o aumento do consumo de produtos naturais em busca de uma vida mais saudável e a tendência à prática da medicina integrativa (SÃO PAULO, 2019). Introdução à fitoterapia: conceitos e definições 3 Atualmente, além de matéria-prima para fármacos semissintéticos, as plantas medicinais são utilizadas in natura (como em chás de plantas me- dicinais), em preparações galênicas simples (como em extratos fluidos e tinturas) e em formulações farmacêuticas com maior valor agregado, como os fitoterápicos (SIMÕES et al., 2017). A planta medicinal in natura consiste na planta fresca, coletada no mo- mento do uso, enquanto a planta medicinal seca (ou suas partes) passa pelos processos de coleta, estabilização (quando aplicável) e secagem, podendo ser disponibilizada na forma íntegra, rasurada, triturada ou pulverizada. Ademais, as formulações de fitoterápicos podem ser encontradas em forma de monodroga ou com composição com mais de uma droga vegetal, ambas comercializadas em diversas formas farmacêuticas (comprimidos, envelopes, sachês, xaropes, tinturas e extratos fluidos). O fitoterápico ma- nipulado é produzido pela farmácia de manipulação, enquanto o fitoterápico industrializado é produzido pela indústria farmacêutica ou pelo laboratório oficial (SAAD et al., 2018). Fitoterápicos A cartilha Plantas medicinais e fitoterápicos (SÃO PAULO, 2019, documento on-line) define a fitoterapia como “[...] a terapêutica caracterizada pelo uso de plantas medicinais em suas diferentes formas farmacêuticas, sem a utilização de substâncias ativas isoladas, ainda que de origem vegetal”. Uma planta medicinal pode ser definida como a espécie vegetal, cultivada ou não, utilizada com fins terapêuticos e/ou profiláticos, enquanto fitoterápico é definido pela Anvisa (BRASIL, 2021, p. 11), como [...] o produto obtido exclusivamente de matéria-prima ativa vegetal (compreende a planta medicinal, ou a droga vegetal ou o derivado vegetal), exceto substâncias isoladas, com finalidade profilática, curativa ou paliativa. Podendo ser simples, quando o ativo é proveniente de uma única espécie vegetal medicinal, ou com- posto, quando o ativo é proveniente de mais de uma espécie vegetal medicinal. Embora as plantas medicinais venham sendo utilizadas desde a Antigui- dade, o uso oficial de fitoterápicos só foi reconhecido mundialmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1978, por meio da Declaração de Alma-Ata. No Brasil, o Ministério da Saúde passou a incentivar como prio- ridade o estudo das plantas medicinais para aplicação clínica por meio da Portaria nº 212/1981. Em 2006, a fitoterapia foi inserida no Sistema Único Introdução à fitoterapia: conceitos e definições4 de Saúde (SUS), sendo que a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fi- toterápicos foi regulamentada pelo Decreto nº 5.813, de 22 de junho de 2006 (BRASIL, 2021). Atualmente, são ofertados pelo SUS 12 medicamentos fitoterápicos, listados no Quadro 1. Quadro 1. Medicamentos fitoterápicos ofertados pelo SUS Denominação genérica Apresentação Indicação/ação Alcachofra (Cynara scolymus L.) Cápsula, comprimido, solução oral, tintura Tratamento dos sintomas de dispepsia funcional (síndrome do desconforto pós-prandial) e de hipercolesterolemia leve a moderada. Apresenta ação colagoga e colerética. Aroeira (Schinus terebinthifolius Raddi) Gel e/ou óvulo vaginal Apresenta ação cicatrizante, anti-inflamatória e antisséptica tópica, para uso ginecológico. Babosa [Aloe vera (L.) Burm. f.] Creme, gel Tratamento tópico de queimaduras de 1º e 2º graus e como coadjuvante nos casos de psoríase vulgaris. Cáscara-sagrada (Rhamnus purshiana DC.) Cápsula, tintura Coadjuvante nos casos de obstipação intestinal eventual. Espinheira-santa (Maytenus officinalis Mabb.) Cápsula, emulsão, suspensão oral, tintura Coadjuvante no tratamento de gastrite e úlcera gastroduodenal e sintomas de dispepsia. Garra-do-diabo (Harpagophytum procumbens DC. ex Meissn.) Cápsula, comprimido, comprimido de liberação retardada Tratamento da dor lombar baixa aguda e como coadjuvante nos casos de osteoartrite. Apresenta ação anti-inflamatória. Guaco (Mikania glomerata Spreng.) Solução oral, tintura, xarope Apresenta ação expectorante e broncodilatadora. Hortelã (Mentha x piperita L.) Cápsula Tratamento da síndrome do cólon irritável. Apresenta ação antiflatulenta e antiespasmódica. Isoflavona-de-soja [Glycine max (L.) Merr.] Cápsula, comprimido Coadjuvante no alívio dos sintomas do climatério. (Continua) Introdução à fitoterapia: conceitos e definições 5 Denominação genérica Apresentação Indicação/ação Plantago (Plantago ovata Forssk.) Pó para dispersão oral Coadjuvante nos casos de obstipação intestinal habitual. Tratamento da síndrome do cólon irritável. Salgueiro (Salix alba L.) Comprimido, elixir, solução oral Tratamento de dor lombar baixa aguda. Apresenta ação anti-inflamatória. Unha-de-gato (Uncaria tomentosa — Willd. ex Roem. & Schult. — DC.) Cápsula, comprimido, gel Coadjuvante nos casos de artrites e osteoartrite. Apresenta ação anti-inflamatória e imunomoduladora. Fonte: Adaptado de Brasil (2020). A indústria de fitoterápicos está em constante desenvolvimento em todo o mundo, e é crescente o interesse em pesquisas com plantas medicinais a fim de comprovar sua eficácia e confirmar as indicações terapêuticas relacionadas ao seu uso. Na prática médica, são bem-vistos os medicamentos fitoterápicos e plantas medicinais que passam por testes farmacológicos, toxicológicos, pré- -clínicos e clínicos, representando uma alternativa ao uso de medicamentos sintéticos, por sua vez relacionados a um maior número de efeitos adversos. O crescimento da indústria de plantas medicinais e fitoterápicos no Brasil ainda é impulsionado pela grande biodiversidade nacional e pelo conhecimento tanto popular quanto científico a respeito dessas plantas (SAAD et al., 2018). A produção de medicamentos fitoterápicos no Brasil tem apresentado um crescimento exponencial de cerca de 10% ao ano em valores. Em 2018, o mercado de fitoterápicos faturou R$ 2,3 bilhões, o que representa 2,2% do mercado farmacêutico total (RIBEIRO, 2016). Fitocomplexo De acordo com a Anvisa (BRASIL, 2021, documento on-line), fitocomplexo é o “[...] conjunto de todas as substâncias, originadas do metabolismo primário e/ou secundário, responsáveis, em conjunto, pelos efeitos biológicos de (Continuação) Introdução à fitoterapia: conceitos e definições6 uma planta medicinal ou de suas preparações”. O metabolismo primário de plantas origina proteínas, aminoácidos, carboidratos, vitaminas e clorofila. Já o metabolismo secundário origina substâncias que não apresentam dis- tribuição universal dentre as espécies vegetais, mas que são essenciais para sua adaptação e para sua defesa contra o ataque de patógenos e demais agentes. Esses metabólitos costumam apresentar potencial relevância terapêutica. As plantas medicinais são uma fonte rica em metabólitos secundários. De maneira geral, essas substâncias podem ser classificadas em grupos químicos, embora apresentem muitas vezes uma grande variabilidade química estrutural. No Quadro 2, é possível ver os principais grupos fitoquímicos e suas respectivas características biológicas e/ou químicas. Quadro 2. Relação dos principais grupos fitoquímicos com suas caracterís- ticas biológicas e/ou químicas Classe Definição / características Propriedades / características Alcaloides Aminas básicas Importantes fármacos (morfina, atropina, vincristina) — mais de 12 mil substânciasconhecidas e mais de 13 classes Flavonoides Pigmentos dos vegetais (flores, frutos) Anti-inflamatórios, antioxidantes Glicosídeos Presença de açúcar Mais de 10 classes e mais de 3 mil substâncias conhecidas Saponinas Glicosídeos com característica de sabão Vários grupos químicos — alguns estão envolvidos no metabolismo dos esteroides Taninos Polifenólicos, a maioria precursora do ácido gálico Substâncias adstringentes que atuam como antidiarreicos, hemostáticos e cicatrizantes Terpenoides Derivados de unidades de 5 carbonos de isoprenos (10, 15, 20, 30, 40, > 40) Mais de 20 mil substâncias conhecidas; seis classes e estruturalmente heterogêneos Fonte: Adaptado de Saad et al. (2018). Introdução à fitoterapia: conceitos e definições 7 A partir de plantas medicinais, também podem ser obtidos os óleos es- senciais, que consistem em misturas complexas de substâncias voláteis e lipofílicas, responsáveis, por exemplo, pelas fragrâncias e aromas. De acordo com Saad et al. (2018, p. 29): [...] os grupamentos funcionais mais encontrados nos óleos essenciais são hidro- carbonetos, alcoóis, aldeídos, cetonas, fenóis, óxidos, éteres e ésteres. Assim, os óleos essenciais são misturas bastante complexas, de várias substâncias simples, em que cada componente contribui para o efeito biológico da mistura como um todo. Dentre as diversas propriedades biológicas dos óleos essenciais, podemos destacar as atividades antimicrobiana (como em óleos de cravo-da-índia [Syzygium aromaticum], eucalipto [Eucalyptus globulus Labill.] e alecrim [Ros- marinus officinalis]), antiexpectorante (como em óleos obtidos das folhas de eucalipto e folhas de hortelã-pimenta [Mentha x piperita L.]) e estomáquica, carminativa e colagoga (como em óleo da casca da laranja-amarga [Citrus aurantium L.]) (SIMÕES et al., 2017). Fitoterapia baseada em evidências A fitoterapia representa um importante recurso terapêutico em todo o mundo, sendo incentivada por órgãos federais e inserida no SUS por meio da Política Nacional de Práticas Integrativas. As plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos constituem uma alternativa ao uso de medicamentos sintéticos em uma população cada vez mais preocupada com a saúde e bem-estar. Contudo, é importante conhecer bem as dosagens, os modos de utilização, contraindicações e reações adversas das plantas medicinais, a fim de garantir a saúde do paciente e alcançar o benefício terapêutico dessas plantas. Grande parte da população que faz uso de plantas medicinais desconhece seus possíveis efeitos tóxicos, assim como a forma correta de preparo e as indicações e contraindicações de cada planta. Por serem produtos de origem natural, há uma crença de que as plantas medicinais e fitoterápicos não podem causar prejuízo algum à saúde do usuário, crença esta que não tem embasamento científico (BRUNING et al., 2012). A fitoterapia baseada em evidências busca promover a avaliação crítica de plantas medicinais e fitoterápicos como alternativas terapêuticas, ma- ximizando seus benefícios e minimizando as reações adversas. Além disso, Introdução à fitoterapia: conceitos e definições8 busca conduzir o estudo sobre a eficácia, segurança e qualidade dessas formulações. De acordo com Alexandre (2004), muitas vezes a experiência popular, o folclore e estudos não científicos são mais valorizados do que os ensaios pré-clínicos e clínicos das formulações, os quais fornecem dados sobre indicações, doses, qualidade, eficácia e segurança das plantas me- dicinais e dos fitoterápicos. Com isso, a fitoterapia baseada em evidências detecta os melhores resultados disponíveis, sistematizando o acesso a essas informações e analisando-as quanto às aplicações em ações de saúde e nos cuidados ao paciente. Os profissionais de saúde têm apresentado interesse crescente nessa área, buscando capacitação e conhecimento, com o objetivo de realizar uma adequada prescrição e uso de plantas medicinais e fitoterápicos em seus atendimentos. Por outro lado, muitos profissionais de saúde não reconhe- cem o valor da fitoterapia, em parte por não receberem a formação sobre o assunto durante a graduação. Com isso, faz-se necessário a atualização dos profissionais de saúde frente à fitoterapia, a fim de fornecer informações seguras aos usuários e promover o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos (BRUNING et al., 2012). Em resposta às demandas de prescrição e dispensação de plantas me- dicinais, drogas vegetais e fitoterápicos, em 2011 foi publicado pela Anvisa a primeira edição do Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira. As formulações relacionadas nesse formulário podem ser manipuladas pelos estabelecimentos autorizados para essa atividade, seguindo a legislação vigente, e servem de referência para o sistema de notificação da Anvisa. Em 2021 foi publicada a segunda edição do documento, em que foram revisadas as monografias da primeira edição e incluídas novas monografias. Nesta mais recente edição, são apresentadas 85 monografias, com um total de 236 formulações (BRASIL, 2021). Grande parte dos fitoterápicos industrializados são isentos de prescrição médica. Para a dispensação de produtos que exijam prescrição médica, exige-se a especialização na área clínica, comprovando-se conhecimentos técnico-científicos e habilidades para uma adequada prescrição. Alguns fito- terápicos vendidos sob prescrição médica incluem ginkgo (Ginkgo biloba L.), hipérico (Hypericum perforatum L.), kava-kava (Piper methysticum G. Forst.) e valeriana (Valeriana officinalis L). No Quadro 3, são descritas algumas sugestões de formulações fitoterápi- cas para o tratamento de distúrbios menores, como a gripe e a estagnação. Introdução à fitoterapia: conceitos e definições 9 Quadro 3. Formulações fitoterápicas para o tratamento de distúrbios menores Condição clínica Principais sinais/ indicações Plantas indicadas para o tratamento Sugestão de formulação Gripe � Febre alta � Sudorese � Cefaleia � Dor de garganta � Tosse � Secreção amarelada � Sede � Mialgia � Língua com a saburra amarelada � Citrus aurantium (laranja-da-terra) � Echinacea purpurea (equinácea) � Mentha pulegium (poejo) � Extrato de própolis Xarope: � Tintura de poejo 5% � Tintura de laranja- da-terra 5% � Tintura de guaco 5% � Tintura de própolis 2% � Mel q.s.p. 100 mL Modo de usar: tomar 10 mL 3 a 6 vezes/dia. Palpitações e arritmias � Palpitações e arritmias ocasionais. Obs.: situações agudas com taquicardia ou bradicardia intensas acompanhadas de vertigem e dispneia merecem investigação cardiológica imediata � Crataegus oxyacantha (crataego) � Valeriana officinalis (valeriana) � Chamomila recutita (camomila) Uso oral: � Crataegus oxyacantha (fruto) (extrato seco) 300 mg (por dose) � Valeriana officinalis (raiz) (extrato seco) 50 mg (por dose) � Preparar cápsulas para 30 dias. Modo de usar: tomar 1 dose 3 vezes/dia. Varizes � Sensação de desconforto e edema � Aesculus hippocastanum (castanha-da- índia) � Centella asiatica (centela) � Melilotus officinalis (meliloto) � Hamamelis virginiana (hamamélis) � Vitis vinifera (uva) Uso oral: � Aesculus hippocastanum (fruto) � (extrato seco 5:1) 200 mg (por cápsula) � Centella asiatica (erva) � (extrato seco 5:1) 33 mg (por cápsula) Preparar 60 cápsulas. Modo de usar: tomar 1 cápsula 2 vezes/dia. (Continua) Introdução à fitoterapia: conceitos e definições10 Condição clínica Principais sinais/ indicações Plantas indicadas para o tratamento Sugestão de formulação Hemorroidas � Dor e desconforto � Aesculus hippocastanum (castanha-da- índia) � Aloe sp. (babosa) � Hamamelis virginiana (hamamélis) � Paeonia alba (peônia-branca) Uso tópico: � Aesculus hippocastanum (tint.) 3,3% � Paeonia alba (tint.) 3,3% � Hamamelis virginiana (tint.) 3,3% Base pomada q.s.p. 30 g Modo de usar: usar 4 vezes/dia até amelhora dos sintomas. Dores agudas e pós-trauma � Dor � Edema � Vermelhidão � Hematoma � Pulso e língua sem alterações � Arnica montana (arnica) � Cordia verbenacea (erva-baleeira) � Harpagophytum procumbens (garra-do-diabo) Uso tópico: � Cordia verbenacea (folhas) 10% � Arnica montana (flores) 10% Base creme ou gel q.s.p. 30 g Modo de usar: aplicar 3 vezes/dia no local afetado. Dispepsia funcional (estagnação) � Náuseas e vômitos � Eructação � Distensão � Má digestão � Língua com saburra acentuada � Baccharis trimera (carqueja) � Cinnamomum zeylanicum (canela) � Citrus aurantium (laranja-da-terra) � Citrus reticulata (tangerina) � Cynara scolymus (alcachofra) � Foeniculum vulgare (funcho) � Mentha x piperita (alevante) � Peumus boldus (boldo-do-chile) � Plectranthus barbatus (boldo brasileiro) Citrus reticulata (casca do fruto) (pó) 500 mg (por dose) Preparar 60 doses. Modo de usar: tomar uma dose após o almoço e o jantar por 30 dias. Fonte: Adaptado de Saad et al. (2018.) (Continuação) Introdução à fitoterapia: conceitos e definições 11 A partir do conteúdo abordado, foi possível conhecer o histórico da fitoterapia, passando pelas antigas civilizações da Índia, China e Egito até os dias atuais, bem como alguns conceitos que devem ser distinguidos, como planta medicinal, fitoterápico e fitocomplexo. Como a fitoterapia representa um recurso terapêutico importante, foram apresentados os principais metabólitos secundários presentes nas plantas medicinais e suas propriedades biológicas. Por fim, para nortear o profissional ao propor terapias com plantas medicinais, alguns exemplos de formulações fitote- rápicas foram apresentados. Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AYURVEDA. Ayurveda ou medicina ayurvedica. [S. l.]: ABRA, [2020?]. Disponível em: https://ayurveda.org.br/a-abra/o-que-e-ayurveda/. Acesso em: 1 abr. 2021. ALEXANDRE, R. F. Fitoterapia baseada em evidências: exemplos dos medicamentos fito- terápicos mais vendidos em Santa Catarina. 2004. Dissertação (Mestrado em Farmácia) — Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Saúde, Florianópolis, 2004. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/86886. Acesso em: 1 abr. 2021. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Formulário de Fitoterápicos da Far- macopeia Brasileira. 2. ed. Brasília: ANVISA, 2021. BRASIL. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: Rename 2020. Brasília: Mi- nistério da Saúde, 2020. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/ relacao_medicamentos_rename_2020.pdf. Acesso em: 1 abr. 2021. BRUNING, M. C. R. et al. A utilização da fitoterapia e de plantas medicinais em unidades básicas de saúde nos municípios de Cascavel e Foz do Iguaçu-Paraná: a visão dos profissionais de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 17, n. 10, p. 2675–2685, 2012. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012001000017. Acesso em: 1 abr. 2021. RIBEIRO, W. Prefeitura de São Paulo distribui mais de 6,7 milhões de medicamentos fitoterápicos. Anápolis: ICTQ, 2016. Disponível em: https://www.ictq.com.br/politica- -farmaceutica/1128-prefeitura-de-sao-paulo-distribui-mais-de-6-7-milhoes-de- -medicamentos-fitoterapicos. Acesso em: 1 abr. 2021. SAAD, G. A. et al. Fitoterapia contemporânea: tradição e ciência na prática clínica. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. SÃO PAULO. Conselho Regional de Farmácia. Plantas medicinais e fitoterápicos. 4. ed. São Paulo: CRFSP, 2019. Disponível em: http://crfsp.org.br/images/cartilhas/Plantas- Medicinais.pdf. Acesso em: 1 abr. 2021. SIMÕES, C. M. O. et al. Farmacognosia: do produto natural ao medicamento. Porto Alegre: Artmed, 2017. Introdução à fitoterapia: conceitos e definições12 Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Introdução à fitoterapia: conceitos e definições 13 DICA DO PROFESSOR Os fitoterápicos são medicamentos obtidos única e exclusivamente de plantas medicinais. O que os difere de qualquer tratamento popular como, por exemplo, um chá, é que os fitoterápicos são produtos padronizados e tecnologicamente obtidos, passando por controle de qualidade e sendo possível quantificar o composto responsável pela ação terapêutica. Veja mais sobre eles no vídeo a seguir. EXERCÍCIOS 1) Assinale a alternativa INCORRETA quanto aos principais conceitos relacionados à fitoterapia. A) Fitoterapia tradicional: baseia-se no conhecimento tradicional de povos. B) Fitoterapia popular: tradição de uso doméstico de plantas, para fins terapêuticos, transmitida oralmente. C) Fitoterapia científica ocidental: estudo integrado do emprego clínico de plantas medicinais e fitoterápicos para tratamento de doenças. D) Medicamento fitoterápico: é aquele obtido com o emprego exclusivo de derivados de drogas vegetais. E) Fitofármaco: obtido através da mistura de um produto sintético e um derivado de planta medicinal. 2) Na fitoterapia científica ,os ensaios clínicos constituem uma importante fonte de informação; entretanto, estes estudos devem ser conduzidos de acordo com requisitos fundamentais para garantir a sua qualidade. Assinale a alternativa INCORRETA. A) Utilizar, nos estudos, medicamentos fitoterápicos elaborados com extratos padronizados, ou seja, com sua composição química identificada quali e quantitativamente. B) Os médicos responsáveis pelos estudos devem tomar conhecimento de qual grupo recebeu determinada intervenção. C) O número da população de estudo deve ser adequado para que os resultados possam ser extrapolados para a população total. D) Os participantes devem receber as intervenções propostas de forma aleatória. E) Antes de iniciar o estudo deve-se realizar um diagnóstico preciso dos pacientes a serem incluídos. 3) A fitoterapia tradicional é uma das mais antigas formas de tratamento para diversas enfermidades. Assinale a alternativa que não se enquadra nesta classificação: A) Medicina ayurvédica. B) Medicina tradicional chinesa. C) Medicina alopática. D) Medicina antroposófica. E) Medicina indígena. 4) Quais são as principais vantagens da fitoterapia científica ocidental em relação à fitoterapia tradicional ou popular? A) Conhecimento acerca da toxicidade. B) Adequação correta da posologia. C) Dados sobre interações medicamentosas. D) Fornece informações sobre efeitos adversos. E) Indicação terapêutica comprovada cientificamente. 5) A decisão pela fitoterapia em um plano terapêutico não é uma tarefa fácil, pois diversos aspectos devem ser levados em consideração. Assinale a alternativa que descreve uma correta indicação de uso de fitoterápicos. A) Câncer no seu estado crônico não deve ser tratado com medicamentos fitoterápicos, entretanto, pode ser utilizado como um tratamento primário. B) Estados leves de ansiedade e/ou depressão reativa e infecções urinárias inespecíficas, entre outros, são doenças que podem ser tratadas exclusivamente com fitoterápicos. C) Fitoterapia não deve ser utilizada, preventivamente, como intervenção em predisposições familiares. D) Em casos de doenças hepáticas e vias respiratórias, os fitoterápicos podem ser usados como terapia de escolha. E) Associação de plantas são preferidas à monoterapia. NA PRÁTICA No Brasil, o uso da fitoterapia está bastante difundido e, atualmente, esta prática está crescendo consideravelmente devido às políticas públicas que incentivam a sua utilização e, também, à legislação específica para produzir medicamentos fitoterápicos com qualidade. Além disso, a Farmacopeia Brasileira publicou recentemente o Formuláriode Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira. Este formulário torna-se bastante relevante para a aplicação da prática fitoterápica, pois descreve detalhadamente a fórmula e o modo de preparo, as indicações, as advertências e também como deve ser utilizada. SAIBA + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Fitoterapia Baseada em Evidências. Parte 1. Medicamentos Fitoterápicos Elaborados com Ginkgo, Hipérico, Kava e Valeriana. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!
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