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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI FORMAÇÃO ECONÔMICA E TERRITORIAL DO BRASIL GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 USO E OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ......................................... 5 2 OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO SOCIONATURAL BRASILEIRO ........................ 8 3 QUESTÕES ECONÔMICAS E POLÍTICAS NA FORMAÇÃO TERRITORIAL DO BRASIL...................................................................................................................13 4 A FORMAÇÃO TERRITORIAL DO BRASIL E AS ESTRATÉGIAS GEOPOLÍTICAS .................................................................................................... 15 5 OS DISCURSOS GEOPOLÍTICOS DOMINANTES NO PERÍODO REPUBLICANO ..................................................................................................... 19 6 AS LINHAS DE FORÇA DA GEOPOLÍTICA BRASILEIRA ................................ 25 7 FORMAÇÃO ECONÔMICO-ESPACIAL BRASILEIRA E SUA INSERÇÃO NA ECONOMIA GLOBAL ........................................................................................... 29 7.1 A organização espacial do Brasil .................................................................... 30 7.2 A fase dos vetores fundacionais ...................................................................... 31 7.3 A fase dos ciclos de assentamento ................................................................. 32 7.4 A fase da redivisão territorial industrial do trabalho ......................................... 34 7.5 A fase da privatização, da gestão e da desintegração espacial do projeto nacional...................................................................................................................35 7.6 A fase da articulação das sociabilidades e da formação espacial complexa .. 36 8 A PRODUÇÃO E O USO DO TERRITÓRIO ...................................................... 37 9 AS REDES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS ......................................... 39 10 O CONCEITO DE REGIÃO NA GEOGRAFIA E A QUESTÃO REGIONAL BRASILEIRA NOS CONTEXTOS POLÍTICO E SOCIOECONÔMICO ................. 42 11 A INTEGRAÇÃO REGIONAL BRASILEIRA: PARTICULARIDADES REGIONAIS NO TERRITÓRIO .................................................................................................. 48 3 12 A GESTÃO TERRITORIAL DO BRASIL E SUAS REGIÕES POLÍTICO- ADMINISTRATIVAS .............................................................................................. 52 13 SISTEMA ECONÔMICO BRASILEIRO ............................................................ 55 13.1 Características do sistema econômico brasileiro atual .................................. 60 13.2 Economia informacional ................................................................................ 62 14 ATIVIDADES ECONÔMICAS REGIONAIS ...................................................... 64 15 PRODUÇÃO DE ENERGIA NO BRASIL.......................................................... 68 16 SOCIEDADE, INDUSTRIALIZAÇÃO E REGIONALIZAÇÃO DO BRASIL........ 72 17 NATUREZA TÉCNICA E ECONÔMICA DAS INDÚSTRIAS ............................ 76 17.1 Indústrias extrativistas e de beneficiamento .................................................. 76 17.2 Indústrias de transformação .......................................................................... 77 17.3 Indústrias de bens de uso durável ................................................................. 78 18 DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DAS INDÚSTRIAS NO BRASIL .......................... 82 19 A RELAÇÃO HOMEM/NATUREZA SOB O ADVENTO DOS AVANÇOS TECNOLÓGICOS ................................................................................................. 86 20 IMPACTOS AMBIENTAIS URBANOS E INDUSTRIAIS .................................. 88 21 O RURAL BRASILEIRO E SEUS PROBLEMAS AMBIENTAIS ....................... 93 22 DESENVOLVIMENTO REGIONAL BRASILEIRO NOS SÉCULOS XX E XXI: PRINCIPAIS POLÍTICAS FEDERAIS DO ESTADO ............................................. 96 23 DESENVOLVIMENTO REGIONAL BRASILEIRO: RESULTADOS ............... 104 24 DESENVOLVIMENTO REGIONAL BRASILEIRO: IMPASSES E POSSIBILIDADES ............................................................................................... 108 4 Prezado aluno! O grupo educacional Faveni, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 1 USO E OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO Quando os portugueses chegaram ao Brasil, em 1500, grupos étnicos indígenas já ocupavam o território do País. Por séculos, as terras brasileiras foram utilizadas pelos indígenas, o que se modificou com a chegada dos portugueses, que tomaram posse do território. (FAGUNDES, 2021) A coroa portuguesa e os portugueses enviados para colonizar o Brasil adotaram um modelo de colonização de exploração (de terras, recursos naturais e mão de obra), visando a direcionar produtos para a metrópole. Ao chegar aqui, os colonos portugueses encontraram um território “[...] povoado por uma diversidade de tribos indígenas cuja soma chega a uma população de mais de cinco milhões de habitantes. Espaço e força de trabalho aí estão reunidos [...]” (MOREIRA, 2011, p. 11). Os portugueses, os bandeirantes (homens que exploravam e penetravam as terras) e os religiosos jesuítas foram agentes que por cerca de três séculos interviram no País e alteraram as formas de uso e ocupação do território brasileiro, bem como a vida dos indígenas que já residiam nesse território. Veja: Os três primeiros séculos serão dedicados a essa tarefa de disponibilização, realizada por intermédio de uma ação simultânea de expropriação e realocação territorial das tribos indígenas. A expropriação será a tarefa dos bandeirantes. A realocação, dos jesuítas. Disponibilizado, o espaço pode agora ser ocupado pelo colono. E a população indígena dele despojada, usada como força de trabalho (MOREIRA, 2011, p. 11– 12). A organização do território brasileiro ocorreu inicialmente por meio das capitanias hereditárias. As capitanias eram uma forma de distribuição de terras imposta pelos colonizadores. As faixas de terra eram destinadas aos donatários e repassadas por hereditariedade (na família, de pais para filhos). Cada donatário deveria administrar e proteger as terras recebidas e responder às imposições do rei de Portugal. Atente ao seguinte: As capitanias hereditárias foram a primeira medida real de colonização tomada pelos portugueses em relação ao Brasil. Com as capitanias, foi implantado um sistema de divisão administrativa por ordem do rei português D. João III, em 1534. A América Portuguesa foi dividida em 15 6 faixas de terra, e a administração dessas terras foi entregue aos donatários. As capitanias existiram no Brasil durante séculos, mas, a partir de 1548, uma nova forma de administrar o Brasil foi criada (SILVA, 2020, documento on-line). Na Figura 1, a seguir, veja as capitanias hereditárias e os seusrespectivos donatários, isto é, os europeus que receberam faixas de terra para administrar. Outra forma de organização do espaço geográfico do País — nesse caso, de distribuição das terras brasileiras — foram as sesmarias. As sesmarias foram criadas como um meio de implantar práticas de agricultura e povoar as novas terras da coroa portuguesa. Veja a definição de sesmaria: Sesmaria era um lote de terras distribuído a um beneficiário, em nome do rei de Portugal, com o objetivo de cultivar terras virgens. Originada como medida administrativa nos períodos finais da Idade Média em Portugal, a 7 concessão de sesmarias foi largamente utilizada no período colonial brasileiro. Iniciada com a constituição das capitanias hereditárias em 1534, a concessão de sesmarias foi abolida apenas quando houve o processo de independência, em 1822. A origem das sesmarias esteve relacionada com as terras comunais existentes no reino português e com a forma de distribuição delas entre os habitantes das comunidades rurais (PINTO, 2020, documento on-line). De acordo com Théry e Mello-Théry (2005), os ciclos econômicos do Brasil permitiram o povoamento do território. Para os autores, o processo de interiorização do País (a colonização ficou muito tempo restrita às faixas litorâneas) deu-se por meio dos diferentes ciclos econômicos. Afinal, tais ciclos desencadearam a exploração de regiões até então não ocupadas. Iniciava-se, assim, a formação de um Brasil “arquipélago”, com uma espécie de mosaico de regiões autônomas. Formava-se um país de diferenças regionais, com uma série de ciclos econômicos em regiões distintas. Cada tipo de produção afetou uma região diferente do País, permitindo novos povoamentos (chamados de “interiorização”) (THÉRY; MELLO-THÉRY, 2005). Até o século XVII, predominou o ciclo econômico do açúcar, restrito às áreas territoriais do litoral onde se cultivava a cana-de-açúcar e se produzia o açúcar em engenhos. Depois, iniciou-se um processo de interiorização, povoamento e expansão para Minas Gerais, com a descoberta de ouro. O ciclo econômico do ouro começou no final do século XVII (THÉRY; MELLO-THÉRY, 2005). A mineração em Minas Gerais impulsionou a mudança da capital do Brasil Colônia. A capital, que antes era Salvador, passou a ser o Rio de Janeiro. Com essa mudança, o centro econômico, que era restrito ao litoral nordestino, deslocou-se para o centro-sul brasileiro. Isso intensificou o processo de interiorização do Brasil; formaram-se vilas e, consequentemente, cidades polos de mineração. (FAGUNDES, 2021) Em seguida, teve início o ciclo econômico do café, nos séculos XIX e XX. Nesse ciclo, São Paulo ganha destaque. No estado, o café desenvolveu-se magnificamente sobretudo no Vale do Paraíba Paulista, adaptando-se bem à terra roxa. Nesse período, o cultivo do café utilizava mão de obra assalariada (não mais 8 servil e pouco qualificada), constituída no início principalmente de imigrantes custeados pelos fazendeiros paulistas (THÉRY; MELLO-THÉRY, 2005). Outro ciclo econômico e produtivo que contribuiu para modelar o território brasileiro foi o da borracha, no início do século XX, na região da Amazônia. Ademais, destaca-se a pecuária, que contribuiu mais do que o ouro para dilatar o espaço brasileiro. A produção pecuária se estendeu até depois do período do ouro, criando estradas e pontos de apoio estáveis. (FAGUNDES, 2021) Destacam-se ainda a atuação dos bandeirantes (bandeirantismo) e dos missionários jesuítas (aldeamentos) e a expansão da agropecuária no processo de interiorização do País. No entanto, esses processos acarretaram impactos sociais e ameaças aos povos originários indígenas, bem como aos povos e comunidades afrodescendentes. Devido aos modelos econômicos e de trabalho vigentes, esses povos foram capturados, escravizados e em alguns casos mortos e extintos. (FAGUNDES, 2021) Portanto, a distribuição de terras por capitanias hereditárias e sesmarias e os ciclos econômicos influenciaram a formação territorial do país. Entre as consequências desses processos, destacam-se a economia e a política latifundiárias (em que prevalecem as grandes propriedades rurais), a concentração fundiária e a desigualdade social rural. (FAGUNDES, 2021) 2 OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO SOCIONATURAL BRASILEIRO Nos períodos colonial e monárquico, a matriz espacial de organização do território brasileiro considerou formas de utilização e ocupação baseadas nos recursos da natureza. Segundo Moreira (2011), a priori os colonos portugueses 9 organizaram o território a partir de características socionaturais denominadas “faixas geobotânicas”. A seguir, veja quais são essas faixas. Costeira (litoral): vegetação de mata tropical. Interiorana (interior): vegetação de mata campestre. Setentrional (Região Norte): vegetação de mata equatorial. Na Figura 2, veja os domínios geobotânicos brasileiros e a sua representação cartográfica. Nos domínios geobotânicos, instalam-se as formas de produção do setor primário da economia (agricultura, pecuária e extrativismo). Os colonizadores portugueses tinham como objetivo implantar práticas de uma agricultura de monocultura baseada no sistema de plantation, com o objetivo de comercializar essa produção agrícola e direcioná-la à metrópole portuguesa (relação colônia– metrópole). A lavoura se instala em áreas de mata tropical litorânea. Por sua vez, a 10 pecuária se instala em áreas de mata campestre do interior. Já o extrativismo se instala em áreas de mata equatorial ao norte do País (MOREIRA, 2011). Considere o seguinte: A entrada do colono português com seu modo de vida de monocultor e mercantil- -exportador por essas três faixas, embora quase numa reprodução do modo de ocupação indígena, com a lavoura ocupando as áreas de mata do litoral e a pecuária, as de formação aberta campestre da hinterlândia, além do extrativismo, as da mata equatorial, gera um novo tipo de enraizamento, movimentando socioambientalmente o quadro de integração da natureza sob novos modos de interligação e arranjo (MOREIRA, 2011, p. 19). No Quadro 1, veja uma síntese das principais características físicas e naturais das três faixas geobotânicas. Quadro 1. Principais características físicas e naturais das faixas geobotânicas. 11 Fonte: Adaptado de Moreira (2011). Segundo Gomes (1988), o arranjo e a organização espacial se dão em decorrência do modo de vida e copertencimento de grupos étnicos indígenas como o tupi (agricultura, lavoura de mandioca), os gês (coleta e caça), o caribe e o aruaque. Na faixa da mata atlântica, habitam as tribos indígenas tupis; na faixa da vegetação campestre, habitam as tribos indígenas gê; já na faixa da mata equatorial, habitam as outras tribos indígenas, como caribe e aruaque (GOMES, 1988). Posteriormente, uma nova forma de organização do território se inicia, considerando não apenas a distribuição espacial das tribos indígenas e as faixas geobotânicas, mas também questões de clima (tipos de clima, massas de ar, 12 temperatura, regime de chuvas), relevo e bacias hidrográficas. Os novos ocupantes atuam [...] substituindo pelo seu modo mercantil de ocupação espaços cultural e ambientalmente enraizados nos modos de vida comunitários das tribos indígenas, numa modalidade de relação que mantenha a complexidade de integração morfoestrutural e edafomorfoclimática que cada faixa geobotânica envolve (MOREIRA, 2011, p. 17). Para definir os domínios morfoclimáticos do Brasil, Ab’Sáber (2003) considerou elementos naturais (relevo, clima, vegetação e hidrografia) e suas relações e interações nas paisagens. Veja: [...] domínio morfoclimático e fitogeográfico [é] um conjunto espacial de certa ordem de grandeza territorial — de centenas de milhares a milhares de quilômetros quadrados de área — onde haja umesquema coerente de feições de relevo, tipos de solos, formas de vegetação e condições climático-hidrológicas. Tais domínios espaciais, de feições paisagísticas, de certa dimensão e arranjo, em que as condições fisiográficas e biogeográficas formam um complexo relativamente homogêneo e extensivo (AB’SÁBER, 2003, p. 11–12). Na Figura 3, veja os domínios morfoclimáticos do País. São eles: amazônico, cerrado, mares de morros, caatinga, araucária e pradarias. Além disso, há faixas de transição não diferenciadas em suas características. (FAGUNDES, 2021) 13 Moreira (2011) destaca que a organização no território e o arranjo espacial dos indígenas e dos colonos apresentam relação de correspondência com os domínios morfoclimáticos. O autor ainda afirma que a faixa de mata atlântica de ocupação tupi e de prática da lavoura agrícola no Brasil Colônia corresponde ao domínio de mares de morros. Por sua vez, a faixa de mata campestre de ocupação tapuia e prática pastoril corresponde aos domínios da caatinga, do cerrado, de araucárias e de pradarias. Por fim, a mata equatorial, ocupada por várias tribos e marcada pela prática do extrativismo, corresponde ao domínio amazônico. Veja: E que em si embutem tanto o modo indígena quanto o colonial de arranjo espacial numa relação de correspondência em que o domínio dos “mares de morros” florestados da faixa atlântica é o da área de ocupação tupi e da lavoura colonial; os domínios das depressões interplanálticas e semiáridas das caatingas do Nordeste, dos chapadões centrais recobertos dos cerrados, cerradões e campestres e das coxilhas subtropicais com formação mista das pradarias são os da ocupação tapuia e pastoril; e o domínio das terras florestadas da Amazônia, o da ocupação das múltiplas tribos e extrativismo (MOREIRA, 2011, p. 17). Portanto, a formação territorial do País se deu a partir de formas de uso e ocupação que consideraram questões socionaturais. 3 QUESTÕES ECONÔMICAS E POLÍTICAS NA FORMAÇÃO TERRITORIAL DO BRASIL A lei do arranjo espacial é aquela que melhor contemple fatores como localização e fertilidade do solo. Essa é uma combinação perfeita (solo e localização), denominada “renda diferencial”. Há locais em que se busca compensar a pobreza edáfica (referente aos solos) com uma excelente e privilegiada localização geográfica, como a litorânea (área portuária e estratégica para o escoamento da produção) (MOREIRA, 2011). 14 A renda diferencial, segundo Oliveira (2007), é aquela que independe da aplicação de capital. Ela decorre do tipo de solo e da fertilidade natural dos solos, que acarreta maior produtividade. Nesse contexto, a fertilidade natural dos solos, a localização das terras (devido à valorização das terras pelo mercado naquela localidade) e o transporte (devido a despesas com frete) são considerados fatores territoriais importantes. (OLIVEIRA 2007). Considere o seguinte: A renda diferencial I causada pela diferença da fertilidade natural dos solos existentes no país é, portanto, resultado da posse de uma força natural que foi monopolizada. [...] Assim a desigualdade natural dos diferentes tipos de solos permite a aqueles que detêm os solos mais férteis a possibilidade de auferirem renda da terra diferencial I de forma permanente, evidentemente, desde que este solo esteja produzindo (OLIVEIRA, 2007, p. 45). Atente também ao seguinte: A localização das terras como fonte formadora da renda da terra diferencial I também será analisada a partir da premissa de que iguais quantidades de capital aplicadas em terras diferentes, mas com áreas iguais, produzem resultados desiguais. [...] [Isso] quando não ocorre a alta dos preços de mercado, mas aparece um aumento na eficiência dos meios de transportes (OLIVEIRA, 2007, p. 48). A ocupação do território no Brasil Colônia ocorreu inicialmente nas seguintes capitanias da Região Nordeste: São Vicente, Bahia e Pernambuco. Tal ocupação envolveu a instalação de canaviais (lavouras de cana-de-açúcar) e engenhos de cana-de-açúcar em áreas de várzeas de rio (onde os solos são férteis para a prática da agricultura) e áreas próximas de zonas portuárias (para escoamento da produção e do extrativismo e exploração das riquezas das terras) (MOREIRA, 2011). Veja: Na Bahia e em Pernambuco, onde com o tempo a economia canavieira se concentra, frente o fracasso da experiência vicentina, a altíssima fertilidade do massapê compensa o problema da localização, cada vez mais interiorizada, resolvendo-se o problema com a abertura de portos à beira do rio e chamando para aí a localização do canavial e do engenho. O tempo foi afastando, todavia, os centros de produção dessa combinação solo–localização apropriada, num adentramento vale acima, rio adentro, de custos crescentes (MOREIRA, 2011, p. 41). Com a migração da Região Nordeste para a Região Sudeste, a relação entre localização e fertilidade dos solos também influenciou a lavoura de café: 15 Com o tempo, assim como na área canavieira dos solos de massapê da zona da mata nordestina, a renda diferencial puxa a monocultura para localizações distantes e solos menos férteis, a lei do rendimento decrescente empurrando a cafeicultura para localizações e solos cada vez mais distantes da costa e custos cada vez mais altos (MOREIRA, 2011, p. 41). Portanto, o processo de formação, ocupação e uso do território brasileiro perpassou ciclos produtivos e econômicos. Nesse processo, a localização das atividades produtivas se deu a partir de interesses dos colonizadores na extração de recursos da natureza e na exploração de sujeitos sociais (como os indígenas e os negros). Além disso, ela foi influenciada por leis espaciais de localização de atividades produtivas (considerando fatores como qualidade e fertilidades das terras, deslocamento dos produtos e distância de centros consumidores) e pela lógica do valor e da reprodução social, que gerou impactos duradouros na sociedade e nos territórios. (FAGUNDES, 2021) 4 A FORMAÇÃO TERRITORIAL DO BRASIL E AS ESTRATÉGIAS GEOPOLÍTICAS O Brasil foi formado no período das grandes navegações, como resultado do expansionismo europeu e da busca por novas terras, riquezas e metais preciosos. Na Europa, grandes mudanças estavam se constituindo durante o século XV, a exemplo da ascensão da burguesia, da retomada da nobreza ao poder soberano com o declínio do clero, além de grandes avanços técnicos que o mundo passou a conhecer, a exemplo dos avanços na cartografia, nas técnicas de navegação, entre outras. Tudo isso fez aumentar a ambição das nações pelo fortalecimento do comércio e da sua posição na geopolítica europeia. (DANTAS, 2021) Esse período também consolidou o capitalismo mercantil, fazendo os Estados buscarem expansão da riqueza por meio do comércio. Portugal e Espanha saíram na frente com as grandes navegações, mas Holanda, França e Inglaterra posteriormente também passaram a buscar colônias de exploração. (DANTAS, 2021) 16 O Brasil foi descoberto pelos europeus em 1500, devido à expedição portuguesa de Pedro Álvares Cabral; contudo, parte considerável do continente sul- americano foi ocupada pelos espanhóis, e algumas áreas se tornaram foco de disputa também com os holandeses. Buscando delimitar as fronteiras de atuação e proteger o território de invasões, estabelecendo um marco político-fronteiriço, Portugal e Espanha firmaram o tratado de Tordesilhas, em 1494, definindo, portanto, a primeira fronteira territorial do Brasil-Colônia. (DANTAS, 2021) As relações comerciais durante os séculos XVI e XVII foram marcadas por uma intensa disputa territorial na América do Sul, envolvendo principalmente portugueses e espanhóis (TEIXEIRA, 2006). A estratégia portuguesa para proteger o território foi repartir as terras em grandes porções, denominadas capitanias hereditárias. O regime de capitanias foi interessante parapovoar o território com portugueses que estavam em buscas de terras; além disso, a migração de escravos do continente africano para o Brasil iniciou no século XVI, estabelecendo uma divisão social do trabalho entre brancos europeus, que passaram a dominar as terras, e escravos africanos, além dos indígenas, que foram expropriados dos seus territórios com o avanço da ocupação europeia ou subordinados ao regime de escravidão. (DANTAS, 2021) Várias capitanias hereditárias, no entanto, acabaram não logrando o êxito esperado. Aquelas que melhor se estabeleceram foram as capitanias de São Vicente e Pernambuco, que adotaram produção de cana-de-açúcar, criação de engenhos e uma organização produtiva/econômica do território. Os donatários também dividiram as capitanias em sesmarias, porções que eram destinadas a 17 terceiros para produção agrícola. As sesmarias, no entanto, acabaram por constituir uma forte divisão de classes, nas quais os proprietários de terra, em grande parte, utilizavam mão de obra escrava para produção. (DANTAS, 2021) Assim, a economia brasileira colonial foi marcada primeiro pela exportação do pau-brasil seguida do açúcar e, posteriormente, com as descobertas das jazidas de ouro e prata, da atividade mineradora (TEIXEIRA, 2006). As atividades econômicas acabaram promovendo a ocupação de porções do território e amplos processos migratórios. O surgimento de vilas no entorno de dada atividade econômica foi característico: em Minas Gerais com a mineração, no Norte do país com as drogas do sertão, no Nordeste com os engenhos de cana-de- açúcar e em São Paulo e no Rio de Janeiro com o café. (DANTAS, 2021) A atuação dos Bandeirantes acabou resultando em novas definições fronteiriças, e a expansão migratória dos povos europeus para o interior do continente em busca de metais preciosos e novas descobertas promoveu imprecisões nas áreas de domínio português e espanhol. (DANTAS, 2021) Desse modo, conforme cita Moraes (2002), o Estado forja um país que negligencia o povo e defende o território em busca da legitimação do poder das elites; a atuação dos bandeirantes nesse sentido contribui para esse cenário, no qual a expansão nacional fortalece os donos do poder, mas mantém a condição periférica do país. Assim, o Brasil é adaptado aos planos internacionais devido à forte dependência econômica/comercial, subordinando-se às demandas da acumulação do capital internacional e implementando projetos/ideologias que se vinculam aos interesses internacionais e aos interesses das elites. (DANTAS, 2021) Em 1750 é assinado o tratado de Madrid, promovendo uma redefinição nos marcos político-territoriais da América do Sul. Desse modo, os portugueses conseguem a expansão do Brasil-Colônia, buscando também expandir suas atividades de exploração pelo território. (DANTAS, 2021) Na Figura 1 é possível verificar a fronteira dos tratados de Tordesilhas e de Madrid. 18 No século XVIII, uma série de mudanças ocorrem, a exemplo do processo de industrialização da Inglaterra, que levou os britânicos a se tornarem a principal potência econômica mundial, desencadeando grandes alterações no imperialismo. (DANTAS, 2021) Além disso, os franceses também passaram a conquistar vários territórios, e, no século XIX, devido às guerras napoleônicas e a invasão da França a Portugal, a família real se deslocou para o Brasil, em 1808. Desse modo, Portugal vai perdendo seu espaço geopolítico e comercial e o Brasil se torna seu refúgio. (DANTAS, 2021) Em 1822, o Brasil se torna independente da metrópole portuguesa; no entanto, a concentração fundiária, a divisão social do trabalho, acompanhada do escravismo e de uma hierarquia social estabelecida ao longo dos séculos, permanecem. O processo de independência é um marco institucional, mas não promove alterações na estrutura social e econômica do país. (DANTAS, 2021) Após o processo de independência, o Brasil continua como um país agrário- -exportador, comandado pela elite branca-europeia descendente do período 19 colonial. No entanto, aproxima suas relações de comércio com os ingleses, que passaram, no século XIX, a comprar grande parte do açúcar e do café produzido no Brasil (TEIXEIRA, 2006). Com o avanço das teorias liberais na Europa e dos ideais de propriedade privada, juntamente com o avanço do Estado Moderno, há uma forte pressão para abolição dos regimes escravagistas; o Brasil, em 1950, decreta a lei de terras, na qual toda terra deve cumprir uma função social. Em 1888 decreta a abolição da escravatura (SOUZA, 2017). Tais mudanças foram importantes para desenhar avanços sociais internos, no direito pela propriedade e pela terra. No entanto, na esfera político- -econômica, o país continuou cimentado em uma hierarquia social enrijecida de extremas desigualdades (SOUZA, 2017). O fim do Brasil-Império inaugura o regime republicano, que permaneceu marcado pelo domínio das oligarquias regionais, e do poder militar, tornando as mazelas sociais e econômicas um continuum. (DANTAS, 2021) 5 OS DISCURSOS GEOPOLÍTICOS DOMINANTES NO PERÍODO REPUBLICANO O período republicano no Brasil foi marcado por uma série de rupturas e disputas pelo poder. Sua primeira “fase” é conhecida como República Velha, marcada pelo comando de militares à frente do poder político do Estado. O prestígio dos militares veio principalmente com a vitória do Brasil na Guerra do Paraguai e 20 inaugurou um período na qual o exército passou a liderar o aparelho de Estado. (DANTAS, 2021) Ao mesmo tempo, foi marcado pelo comando de oligarquias regionais que se estabeleceram ao longo do tempo e concentravam a posse da terra, que desde o período colonial foi mal distribuída e herdada de modo extremamente concentrado. (DANTAS, 2021) O período também ficou conhecido pela política do “café com leite”, pois os Estados de São Paulo e Minas Gerais, produtores de café e leite, respectivamente, passaram a comandar o poder executivo, impedindo que políticos de Pernambuco e do Rio Grande do Sul chegassem ao poder. Assim, houve uma frente ampla de apoio a esse revezamento, sobretudo no setor agrário, que gozava de muitos benefícios (VARES, 2011). O início do século XX foi marcado por mudanças; alguns setores da sociedade começaram a defender um processo de modernização do país, que desde o período colonial mantinha uma economia primária e exportadora. Ao mesmo tempo, as elites agrárias conservadoras defendiam a manutenção do regime político-econômico-social e, obviamente, dos seus privilégios (VARES, 2011). Havia, em muitos momentos, uma relação amigável e indissociável entre a elite agrária e a militar. As camadas menos favorecidas também passaram a reivindicar direitos, que foram abafados devido aos pactos políticos estabelecidos na política do café com leite. (DANTAS, 2021) Em âmbito internacional, o mundo também passou por fortes tensões, como a Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, e a proliferação das teorias eugenistas, que chegaram ao Brasil e ganharam adeptos, sobretudo vinculados à elite acadêmica e política. Foi uma forma de manter o conservadorismo político e justificá-lo ao mesmo tempo em que a teoria respondia ao racismo estrutural da sociedade brasileira. A elite agrária escravagista também não se opôs aos movimentos eugenistas, pois mantinham a força do trabalho braçal e semiescravo (SOUZA, 2017). 21 A República Velha vai até 1930, com a Revolução; assim, Getúlio Vargas chega ao poder e dá início à Era Vargas. A partir de então, uma série de mudanças ocorreu. Em âmbito internacional, a crise de 1929 provocou forte queda nas exportações de café e açúcar do Brasil, e as alas pró-modernização nacional ganharam destaque com a chegada de Vargas ao poder, que interrompeu o ciclo SP-MG no comando do País. (DANTAS, 2021) Vargas introduziu,aos poucos, mudanças significativas e buscou incentivar a industrialização nacional; assim, passou a centralizar o poder do Estado e promover uma série de ações estratégicas que visavam modernizar o país por meio da industrialização. Esse processo foi fundamental para o desenvolvimento industrial do Sudeste e desencadeou uma rápida e intensa urbanização em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo (CANO, 2005). Entre as mudanças feitas na Era Vargas, a criação da consolidação das leis de trabalho (CLT) foi uma das principais e mais marcantes, pois as leis trabalhistas promoveram uma espécie de pacto entre a classe trabalhadora, que passou a ser regulamentada e adquirir direitos necessários, e as elites industriais e agrárias, que passaram a exigir requisitos dos trabalhadores; tal pacto “acalmou” os ânimos dos movimentos populares. A garantia também promoveu a permanência da concentração da propriedade no Brasil e conservou o poder das elites (CANO, 2005). Os maiores parceiros comerciais do Brasil na época eram Estados Unidos e Alemanha; havia também fortes relações com os italianos, que já estavam migrando para o Brasil desde o fim do século XIX, principalmente devido ao movimento de embranquecimento da população e da incorporação da mão de obra branca estrangeira nas fazendas de café e leite em São Paulo e Minas Gerais. Com o advento da Segunda Guerra Mundial, porém, o Brasil opta por apoiar os Estados Unidos, e, a partir de então, as relações Brasil- -EUA se estreitam. (DANTAS, 2021) Na década de 1950, é criada a Comissão Mista Brasil-EUA, que buscou unir recursos para financiar obras de infraestrutura; foi, assim, criado Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), para gerir recursos das obras e outros investimentos (KLÜGER, 2014). 22 Em 1948, também é criada a Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), que visava expandir a economia dos países latino-americanos em um contexto de forte alinhamento com a Organização das Nações Unidas, que havia sido criada em 1945, no contexto pós-guerra. (DANTAS, 2021) O Brasil apoiou os Aliados na Segunda Guerra, bloco formado por Estados Unidos, Inglaterra, França e União Soviética. No entanto, com o fim da Segunda Guerra Mundial, a ascensão dos EUA como principal potência mundial, e a ascensão dos ideais comunistas liderados pelos soviéticos, a Guerra Fria gerou um ambiente hostil nas relações diplomáticas entre os países. (DANTAS, 2021) Esse período de bipolaridade nas relações internacionais perdurou até o final da década de 1980; praticamente todas as ações envolvendo questões internacionais, sejam acordos econômicos, diplomáticos e/ou militares, tinham interesses de uma das duas potências, que passaram a polarizar o mundo em um grande duelo ideológico e uma corrida pela hegemonia e o poder global. (DANTAS, 2021) Com a criação da Comissão Brasil-EUA e da Cepal, o Brasil passou a investir massivamente na industrialização, por meio de grandes projetos coordenados pelo Estado. Ao mesmo tempo, passou a modernizar o campo e importar automóveis, processo este que levou a uma grande revolução urbana, sobretudo em cidades como São Paulo, que passou a adotar seu planejamento urbano para os automóveis, que eram símbolo da modernidade. (DANTAS, 2021) O amplo processo migratório que ocorreu em decorrência do período entre guerras fez o Brasil se tornar um local atrativo; assim, atrelado à rápida modernização, o país passou por uma intensa urbanização e um inchaço populacional considerável (Figura 2). 23 O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) também promoveu grandes transformações; com o Plano de Metas, o governo objetivou acelerar a modernização nacional que estava em curso e construiu Brasília, uma capital moderna, com o objetivo de integrá-la às outras regiões. (DANTAS, 2021) Havia, no entanto, três grandes movimentos ideológicos que pairavam sobre o país. Um era o mais conservador, que procurava frear o processo de modernização para conservar o poder sobre a propriedade e a riqueza; outro buscava acelerar a modernização com base na diversificação produtiva, garantindo elevar a economia nacional e promover gradativamente transformações sociais, modelo defendido pela CEPAL; o último era constituído de movimentos alinhados com os ideais socialistas, que, liderados por movimentos sociais e camadas populares, lutavam por reforma agrária, reforma urbana e divisão da riqueza. (DANTAS, 2021) O último movimento foi fortemente repreendido a partir de 1964, com o golpe militar. A retomada dos militares ao poder garantiu a permanência das elites no poder e conservou a estrutura agrária e patrimonial. Ao mesmo tempo, os militares criam o Plano Nacional de Desenvolvimento, na tentativa de acelerar a expansão econômica do Brasil, no auge da Guerra Fria, introduzindo o Brasil nos mercados capitalistas e aprofundando as relações com os Estados Unidos. (DANTAS, 2021) Esse longo processo ficou conhecido como modernização conservadora, pois, apesar da ampla industrialização nos setores têxteis, alimentício, siderúrgico 24 e metalúrgico, o país não mudou sua estrutura socioeconômica desigual, além de conservar o poder político de oligarquias que permaneceram atuando no aparelho de estado, direta ou indiretamente (PERLATTO, 2014). A década de 1980 é marcada pelo fim da Guerra Fria e pela abertura de novos ideais; o avanço das pautas ambientais, dos direitos humanos, das liberdades individuais e da paz mundial faz as nações adotarem novos acordos, propostas e prerrogativas que alteram drasticamente as estratégias geopolíticas do Brasil. (DANTAS, 2021) Desse modo, podemos considerar que o Brasil antes de 1930 não obtinha uma noção de unidade territorial forte, sendo constituído por grupos de poder importantes no Rio Grande do Sul, em São Paulo e Pernambuco, mas, após o governo Vargas, o país passa a constituir um Estado Centralizador, nas quais as decisões do Estado passaram a prevalecer (e se articular) sobre as oligarquias regionais, que não perderam expressão, mas foram submetidas ao Estado central (SOUZA, 2017). Vargas, nesse sentido, conseguiu criar uma unidade federativa na qual passou a consolidar a figura do Estado Nacional, promoveu um pacto das elites, satisfazendo as necessidades da elite agrária e industrial, ao mesmo tempo em que ganhou popularidade entre as classes operárias. (DANTAS, 2021) A universidade brasileira também desempenhou papel fundamental na constituição de uma noção de Brasil-Nação, a começar pela Universidade de São Paulo, que ao formar, principalmente, parte da classe média brasileira, legitimando a ideologia de um país branco e miscigenado, excluiu a noção de luta de classes e do escravismo posto em prática por séculos, tal como foi tratado nas obras de Gilberto Freire e outros (SOUZA, 2017). Nos governos subsequentes a Vargas, a centralização do poder político aumenta, sendo que as políticas públicas e o próprio orçamento e financiamento das políticas eram centralizados no poder federal. Desse modo, a formação do Estado a partir dos poderes executivo, legislativo e judiciário também é marcada pela descentralização dos poderes entre os entes federativos, e o governo federal, 25 até a Constituição de 1988, exercia papel decisivo na centralidade e no financiamento das macropolíticas. (DANTAS, 2021) Assim, a Constituição de 1988 dá início a uma ruptura na posição geopolítica do Brasil e inaugura uma nova forma de comportamento nos assuntos envolvendo relações internacionais. Ao mesmo tempo, promove a descentralização do poder, criando mecanismos jurídicos e institucionais que permitem a gestão das políticas públicas em âmbito estadual e municipal, rompendo com a característica do Estado centralizador, que marcou parte considerável do século XX. (DANTAS, 2021) 6 AS LINHASDE FORÇA DA GEOPOLÍTICA BRASILEIRA Após a constituição de 1988, o Brasil introduz institucionalmente a importância da democracia; isso foi resultado dos movimentos populares, sindicatos e outros, mas também de uma grande coesão internacional na qual várias nações passaram a reconhecer a importância da democracia, da cidadania, dos direitos humanos e das liberdades individuais (SEINO et al., 2013). O avanço dos meios de comunicação e da globalização provocaram também uma ampla articulação entre a sociedade civil, além de promover a disseminação de ideais universais. O Brasil inicia a década de 1990 liderando uma das maiores reuniões acerca da questão ambiental, a Eco-92, que ocorreu no Rio de Janeiro, naquele ano. Aos poucos, o Brasil foi se consolidando como um país responsável por liderar debates importantes internacionalmente. (DANTAS, 2021) 26 Em 1991, Paraguai, Argentina, Uruguai e Brasil criam o Mercado Comum do Sul (Mercosul), bloco econômico que tem o Brasil como um dos principais protagonistas, pois lidera as relações de comércio e detém a maior população. O país conhecido pela passividade auxiliou, por meio das forças de defesa, vários outros países em ações humanitárias coordenadas pela ONU e se posicionou firmemente no combate ao terrorismo, a epidemias, pobreza e outros (LIMA; MILANI; DUARTE, 2017). Nos anos 2000, elevou o PIB drasticamente e se tornou uma potência econômica no setor de produção de commodities agrícolas — além de atingir autossuficiência no setor energético petrolífero. Também impulsionou a política de diversificação de combustíveis e passou a ser protagonista na produção de energias renováveis. Introduziu uma política ambiental eficaz que reduziu drasticamente o desmatamento até o ano de 2015. (DANTAS, 2021) Em 2006 entrou no bloco dos BRICS — constituído por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, países de economia emergente que passaram a criar acordos comerciais para obtenção de vantagens competitivas. O país, por ser um dos mais multiétnicos do mundo, adotou uma política migratória que viabilizou a regularização de imigrantes de países africanos, latino- americanos e outras regiões do mundo como a Ásia. Desse modo, apesar da grande dependência econômica e tecnológica e do retrocesso em acordos ambientais dos últimos anos, o Brasil pode ser caracterizado como um país que adota relações diplomáticas estratégicas, em assuntos de relevância global. (DANTAS, 2021) No entanto, para se chegar a esse patamar, o país passou por um amplo processo de ampliação das fronteiras territoriais, (re) organização política- -territorial do Estado Nacional, e constituiu algumas mudanças políticas estratégicas. Os mapas das Figuras 3a-b mostram a expansão territorial do Brasil. 27 (a) (b) Essa expansão territorial e a nova divisão política-administrativa do Brasil conferiram novas estratégias para fortalecimento do comércio no Cone Sul, passaram a descentralizar recursos e investimentos em novas áreas, explorando o potencial econômico das regiões, como áreas de mineração e expansão das fronteiras agrícolas, e criaram possibilidades de se tornar uma potência econômica 28 regional, principalmente devido à comercialização de commodities agrícolas e minerais. (DANTAS, 2021) No que tange à Constituição de 1988, ela promoveu a descentralização do poder político, conferindo autonomia aos municípios na gestão do território, e disponibilizando instrumentos jurídicos e fiscais para aquisição de recursos próprios; assim, estados e municípios passaram a ter um papel legislativo fundamental no desenvolvimento de políticas e estratégias de desenvolvimento. Esse processo fez que regiões deprimidas passarem a ser assistidas politicamente, e obter através de públicas um desenvolvimento mais equitativo, principalmente com as políticas públicas pós anos 2000. (DANTAS, 2021) Outra estratégia interna que promoveu fortes alterações nas dinâmicas políticas e no desenvolvimento foi a transferência da capital. O governo JK e o plano de metas, ao construir Brasília, acabou concebendo um novo país, que por meio de uma integração regional povoou várias regiões, ampliou a malha rodoviária, articulou o Centro-Oeste às demais regiões e promoveu investimentos no interior. Vale destacar que entre os anos de 1960 e 1990 o Brasil vive o auge do êxodo rural, da urbanização e da expansão demográfica, além de grandes alterações econômicas no campo devido à modernização agrícola. (DANTAS, 2021) Tais fatores abriram novos mercados para investimentos externos e insumos, além de criar uma demanda de consumo urbana, fazendo o Brasil efetivamente ingressar na economia mundial. Esses processos alteraram drasticamente as relações geopolíticas do País, que passou a ampliar as relações de comércio com outros países. (DANTAS, 2021) 29 7 FORMAÇÃO ECONÔMICO-ESPACIAL BRASILEIRA E SUA INSERÇÃO NA ECONOMIA GLOBAL Para compreender o papel da globalização e sua atuação na transformação dos diversos territórios e regiões mundiais, é preciso retomar alguns conceitos essenciais que nos auxiliem a entender as consequências dos processos em escala macro e como eles influenciaram os processos de microescala. (SILVEROL, 2021) A globalização pode ser entendida como um processo que visa à integração entre os mercados financeiro, de bens e de serviços, e indústrias, comércios, tecnologias e culturas. O ato de integrar pode trazer inúmeros benefícios, mas, ao mesmo tempo, pode agravar situações internas aos países, isto é, relações inerentes ao microcosmo, gerando conflitos sociais, políticos e culturais. Ainda, a integração trazida pela globalização traz a ideia de difusão, em que as ideias e pensamentos mundiais foram (e são) disseminados nos territórios e regiões de forma padrão, não respeitando as individualidades regionais e, especialmente, suas especificidades econômicas, políticas e sociais (SANTOS, 1999). O processo de globalização do Brasil ocorreu a partir do final da década de 1980, em decorrência da estagnação econômica e da falta de alternativas para a realização de diversas reformas e de investimentos em infraestrutura, sobretudo industrial. O fato de o Brasil ter iniciado sua industrialização de forma tardia prejudicou seu ingresso de forma competitiva no mercado internacional, transformando-o em um país periférico à economia global (MOREIRA, 2005). Para que o fenômeno da globalização brasileira seja compreendido, é importante entender os processos iniciais que resultaram na organização econômico-espacial atual. Os processos foram distintos em cada região e convergiram em um processo com o mesmo princípio, mas que ainda aconteceu de forma diferenciada, em decorrência das características de cada região. (SILVEROL, 2021) A organização espacial das regiões é resultante de diversas dinâmicas territoriais, que variaram de acordo com o momento histórico. Cada período histórico 30 é caracterizado por determinado tipo de uso do território/região, marcado por manifestações particulares que se integram ao longo do tempo. (SILVEROL, 2021) A distribuição territorial do trabalho define uma hierarquia entre os lugares, pois a forma de agir das pessoas e das instituições se altera no decorrer do tempo, impondo transformações às regiões e modificando seu grau de importância. Além disso, o conjunto de técnicas e sua evolução definem a base de uma região, tornando-a hegemônica e representando a expressão geográfica da globalização (SANTOS, 1999). 7.1 A organização espacial do Brasil O processo de globalização só é possível mediante a existência de uma rede de fluxos efetiva, pois é a partir dessa rede que os fluxos de pessoas, mercadorias e serviços circulam pelo território. E é somente pela interligação de bens e serviços que ocorre a globalização. No território brasileiro,a globalização ocorreu de maneira desigual, tanto no tempo e no espaço quanto em relação aos resultados do processo, o que repercutiu na produção e no uso do território, além do estabelecimento das redes de circulação de mercadorias. (SILVEROL, 2021) A organização econômico-espacial do Brasil pode ser dividida em fases (MOREIRA, 2005): 1. A dos vetores fundacionais; 2. A dos ciclos de assentamento; 3. A da redivisão territorial industrial do trabalho; 4. A da privatização, da gestão e da desintegração espacial do projeto nacional; 5. A da articulação das sociabilidades e das tendências de uma formação espacial complexa. Essas fases atuaram de maneira concomitante, em um processo contínuo de transformação do território. Vejamos cada uma em detalhes a seguir. 31 7.2 A fase dos vetores fundacionais A formação espacial do Brasil iniciou-se por meio de dois vetores: o movimento dos bandeirantes e a expansão do gado. Esses movimentos começaram em pontos e momentos diferentes no território, mas se encontraram no século XVIII (MOREIRA, 2005). O movimento dos bandeirantes teve início no século XVI, permanecendo ativo até o século XVIII. Seu ponto de partida foi o litoral, seguindo por quatro rotas distintas: litoral Sul, para o desbravamento da costa; Sudoeste, em direção ao território das missões jesuíticas; Oeste e Noroeste, em direção às comunidades indígenas do planalto central e da Amazônia; e Nordeste, em direção aos territórios quilombolas, rebelados contra os centros canavieiros da zona da mata nordestina (MOREIRA, 2005). O objetivo dessas incursões era a captura de índios e de escravos fugitivos, e, ao mesmo tempo, a busca por outras riquezas, especialmente metais. Os bandeirantes, durante sua permanência nesses lugares, realizaram cultivos agrícolas para subsistência e iniciaram pequenos núcleos populacionais, que funcionaram como uma base logística que, posteriormente, originou as cidades atuais. (SILVEROL, 2021) A expansão do gado originou-se na região açucareira da Zona da Mata pernambucana, com o avanço dos rebanhos para a direção do sertão nordestino no Piauí e no Ceará; para a direção Oeste, nos limites do planalto central; e pela calha do Rio São Francisco, na direção Sul. Da mesma forma como aconteceu com os bandeirantes, a cada ponto de parada dos rebanhos, foram realizados pequenos 32 plantios agrícolas e núcleos populacionais, criando novas bases de referência da ocupação e formação do território (MOREIRA, 2005). Os movimentos dos bandeirantes e dos rebanhos contribuíram para o deslocamento das fronteiras formais impostas pelo Tratado de Tordesilhas, avançando para o interior do território brasileiro e criando as primeiras bases, que, posteriormente, interligariam essas regiões. (SILVEROL, 2021) 7.3 A fase dos ciclos de assentamento As rotas desbravadas e criadas pela expansão do gado e pelo movimento dos bandeirantes facilitaram o estabelecimento e a disseminação de núcleos populacionais pelo território. Ao mesmo tempo, os ciclos de assentamento que foram fomentados pelos ciclos econômicos também contribuíram, de maneira decisiva, para a organização espacial do território. Assim, a evolução do território ocorreu sob a influência de seis grandes ciclos (MOREIRA, 2005): 1. Pau-brasil; 2. Cana-de-açúcar; 3. Mineração; 4. Gado; 5. Borracha; 6. Café. A formação espacial brasileira iniciou-se com o ciclo do pau-brasil, que ocorreu entre os séculos XVI e XVII no litoral, sobretudo nos núcleos de mata atlântica. A extração da madeira para exportação exigiu o estabelecimento de feitorias e pequenas áreas de ocupação, mas com baixa magnitude. (SILVEROL, 2021) O ciclo da cana-de-açúcar, iniciado em 1532 na zona da mata nordestina, foi o que, de fato, atuou de forma efetiva na ocupação territorial do litoral. Do litoral nordestino, foi se expandido pelas áreas de mata atlântica já devastadas pela 33 exploração de pau-brasil e seguiu até o Rio de Janeiro, notadamente no Norte do estado, e no litoral paulista, na região de São Vicente. (SILVEROL, 2021) No século XVIII, com o encontro de ouro e de diamantes em Minas Gerais e em parte do Centro-Oeste, a organização espacial sofreu uma importante mudança, com a transferência de uma parte da ocupação do litoral para o interior. Com isso, a formação colonial, que apresentava um caráter agrário, foi substituída pela mineira-urbana, encerrando a fase dos bandeirantes e da expansão do gado. Ao final do ciclo da mineração, a vida urbana instalada no interior prosseguiu, e o ciclo do gado foi iniciado nessa região, enquanto o centro de referência retornou para os núcleos açucareiros do litoral (MOREIRA, 2005). O ciclo do gado é uma junção de dois deslocamentos de rebanhos, sendo um proveniente do sertão nordestino e o outro do Sul do País, com um único destino: o planalto central-mineiro, devido à demanda de alimentos e de animais para transporte criada durante o ciclo da mineração. Durante esses deslocamentos, muitas áreas foram sendo povoadas, e novos núcleos de ocupação, estabelecidos. (SILVEROL, 2021) Enquanto o ciclo da mineração acontecia no Centro-Sul do País, o ciclo da borracha era iniciado no Norte do País, no final do século XVIII. A extração da borracha reorganizou todo o território, e essa nova atividade econômica atraiu pessoas, principalmente do sertão nordestino, que foram assolados pelas secas do final do século. Com isso, as relações existentes foram alteradas, surgindo uma nova forma de exploração da floresta (MOREIRA, 2005). O ciclo do café é o último ciclo econômico, iniciado no século XIX e estendido até meados do século XX, cujo núcleo mais próspero foi o estado de São 34 Paulo. O café foi cultivado inicialmente nas matas dos maciços interiores da cidade do Rio de Janeiro, expandindo-se para a Serra do Mar e o Vale do Paraíba, nos estados do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e de São Paulo. Na sequência, alcançou o planalto paulista, onde atingiu seu auge. (SILVEROL, 2021) Esse último ciclo econômico foi de grande importância, pois sua rentabilidade possibilitou e fomentou a realização de inúmeras transições, como da colônia para a independência, da escravidão para o capitalismo e da monarquia para a república. Ainda, seria o responsável por uma grande transformação do espaço geográfico brasileiro, com o financiamento da industrialização e da urbanização do País (MOREIRA, 2005). 7.4 A fase da redivisão territorial industrial do trabalho No decorrer dos ciclos econômicos, a configuração espacial brasileira foi se consolidando, e, no início do século XX, a formação espacial já estava fundamentada e pronta para o próximo passo: a industrialização. Nesse momento, o território se reorganizou e algumas áreas foram diferenciadas, além de ter havido a consolidação das regiões e de suas áreas de influência em função dos ciclos econômicos. De fato, a diferenciação regional foi de grande importância para o desenvolvimento da indústria, sobretudo para a divisão territorial de trabalho, cujo objetivo era extrair as divisas de exportação necessárias ao desenvolvimento industrial (MOREIRA, 2005). A fase industrial pode ser dividida em dois momentos: a fase pré-industrial e a fase industrial propriamente dita. Até a década de 1950, a produção industrial buscava atender ao mercado externo e, com as divisas obtidas com o comercio exterior, financiava o capital inicial das indústrias, com aquisições de matérias- primas importadas e equipamentos diversos. A partir de 1950, o parque industrial brasileiro estava desenvolvido e com capital, e centrando a formação espacial a partir de uma organização do espaço produzida e transformada para atender às necessidades da indústria. (SILVEROL, 2021) 35 Assim, a fase de ciclos econômicos e a organização espacialresultante desse processo, ou seja, uma economia regional organizada, com a fase da industrialização, foi transformada em uma economia nacional regionalmente organizada (MOREIRA, 2005). 7.5 A fase da privatização, da gestão e da desintegração espacial do projeto nacional A fase de industrialização também repercutiu na ampliação e na urbanização das cidades, especialmente no Sudeste do Brasil. As oportunidades decorrentes do crescimento da indústria, do comércio e do aumento dos serviços provocaram uma série de movimentos populacionais. A migração interna trouxe uma variedade de problemas e de conflitos sociais, já que o desenvolvimento estava mais concentrado em uma região do País (SANTOS, 2009). Para que as outras regiões pudessem se desenvolver, foram realizadas reformas que tinham por objetivo uma nova reordenação espacial, de forma a orientar o desenvolvimento das outras regiões, bem como sua modernização. A reestruturação do espaço brasileiro iniciou-se na década de 1970, com três ações principais (MOREIRA, 2005): 1. O incentivo à modernização da agricultura; 2. A redistribuição territorial da indústria; 3. A privatização de espaços estatais. A modernização da agricultura ocorreu de forma mais contundente a partir da década de 1970, mas a expansão das fronteiras agrícolas foi anterior, com a migração de pequenos produtores oriundos do Sul do Brasil, a partir de meados da década de 1950, para o Centro-Oeste. Aproveitando essa corrente migratória, o governo militar também incentivou a colonização no Norte do País, principalmente na fronteira amazônica. A partir de técnicas de cultivo dos solos do cerrado elaboradas pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), a agricultura em larga escala foi possibilitada, acrescida do incentivo governamental 36 ao desenvolvimento da indústria para agricultura, permitindo a mecanização do campo. Em poucas décadas, commodities como soja, algodão, milho, etc., passaram a ocupar essas regiões (MOREIRA, 2005). A redistribuição territorial da indústria consistiu em políticas de desconcentração industrial, a partir da redistribuição de alguns setores para as periferias do território, como as indústrias de bens intermediários, implementando- as na forma de grandes polos mineiro-industriais. Essa redistribuição, associada à modernização da agricultura, conferiu visibilidade e importância aos outros espaços regionais, integrando-os, de alguma forma, ao espaço geográfico nacional. Assim, a nova configuração espacial abandonou, em parte, a organização em faixas de sentido litoral-interior e as regiões oriundas dos ciclos econômicos para uma disseminação das estruturas por boa parte do território (MOREIRA, 2005). Por fim, a política de privatização das empresas estatais, ocorrida a partir dos anos de 1980, privatizou também a gestão territorial. A partir do momento que empresas de áreas estratégicas de infraestrutura e de bens intermediários, como siderurgia, exploração de recursos minerais, energia, etc., foram privatizadas, sua gestão passou a ser de responsabilidade do capital privado. (SILVEROL, 2021) 7.6 A fase da articulação das sociabilidades e da formação espacial complexa A era das privatizações de empresas estatais, que também privatizava a gestão territorial de uma parte do espaço geográfico, reduziu a ação do poder público na regulação e na gestão do espaço. A gestão territorial passou a ser interpretada, a partir de então, como uma parceria público-privada, em que o capital privado sinaliza, na maioria das vezes, as ações necessárias para que ele seja beneficiado. Porém, para que o poder público mantivesse certo controle da gestão 37 territorial, foram criadas as agências de regulação para setores estratégicos da economia, como o petróleo, as telecomunicações, a energia elétrica, os transportes terrestres, etc., como um mecanismo de intervenção às ações do capital privado. (SILVEROL, 2021) Dessa forma, a gestão territorial e a organização espacial brasileira passaram a ser cada vez mais fragmentadas e setorizadas. As agências reguladoras buscam assegurar a gestão territorial, que, muitas vezes, beneficia o capital privado, alterando a forma como a sociedade se relaciona com o espaço geográfico. Com as mudanças, surgem formas espontâneas, por parte da população, de autorregulação, de modo a permitir o desenvolvimento de formas coletivas e individuais de organização da produção e de vida, antes associadas aos interesses do capital privado (MOREIRA, 2005). Nesse sentido, a formação espacial brasileira, a partir de meados da década de 1990, tornou-se ainda mais complexa, justamente pela coexistência das demandas do capital privado e da globalização e as formas não capitalista de existência da sociedade. Tudo isso impõe a necessidade de novos caminhos e a quebra de paradigmas em relação ao trabalho e às políticas para o gerenciamento e a regulação do espaço geográfico (MOREIRA, 2005). 8 A PRODUÇÃO E O USO DO TERRITÓRIO A organização econômico-espacial do Brasil foi construída a partir de fases, que foram alterando o modo como o espaço geográfico se configuraria em função dos acontecimentos históricos, econômicos e sociais que ocorriam no território brasileiro. (SILVEROL, 2021) O uso do território, desde o período Colonial até meados da industrialização, sempre foi muito desigual. À medida que as dinâmicas econômicas, sociais e históricas eram alteradas, surgiam novas formações espaciais, cujo processo de desenvolvimento ainda se mantinha desigual, somente mudando o centro de importância de um espaço para outro, bem como as relações sociais ali existentes (MOREIRA, 2005). 38 Sem dúvida, a grande transformação do uso e da produção do território ocorreu a partir da fase industrial brasileira, que pode ser dividida em duas fases. A primeira, quando a industrialização conseguiu dissolver e alterar a dinâmica econômica imposta pelos ciclos econômicos, reorganizando o espaço e estabelecendo uma nova divisão territorial de trabalho, ou seja, separando de forma definitiva o campo da cidade; e a segunda, quando essa divisão territorial de trabalho foi consolidada, e as indústrias, antes pulverizadas, concentraram-se em São Paulo (MOREIRA, 2005). Para fomentar as novas atividades econômicas, um novo território foi produzido, com infraestruturas que permitissem a circulação de mercadorias, de serviços e de pessoas, bem como a comunicação e a transmissão de energia. Ainda, deveria ser organizado em uma ampla rede de circulação, objetivando instaurar o comando da cidade sobre o campo e do estado de São Paulo sobre o espaço nacional. (SILVEROL, 2021) A forte concentração da economia industrial no polo paulista e a subordinação, por décadas, das atividades regionais à performance econômica da indústria concentrada em São Paulo fomentaram e promoveram o uso e a produção do território em outros espaços de maneira muito desigual, gerando muitas disparidades econômicas e sociais. Nesse sentido, tornou- -se necessária a adoção de ações que tentassem equalizar as disparidades, pois só com uma produção territorial equilibrada o País se desenvolveria de forma mais sustentável. (SILVEROL, 2021) 39 Assim, a descentralização industrial permitiu o uso e a produção territorial nos espaços periféricos do centro paulista, como as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A instalação de indústrias de bens intermediários e a expansão agrícola propiciaram a transformação do espaço geográfico, da formação espacial e das dinâmicas economias e sociais. (SILVEROL, 2021) A partir da década de 1980, a formação espacial brasileira, incluindo seu uso e a produção territorial, foi ampliada graças à disseminação das atividades agrícolas, pecuárias e industriais por todo o território. Essa disseminação também fomentou a criaçãoe a difusão de uma rede de circulação, que envolveu transportes, comunicação e linhas de transmissão de energia, ampliando a circulação de pessoas entre as cidades e as trocas comerciais, que se tornaram cada vez mais distribuídas pelo território nacional (MOREIRA, 2005). 9 AS REDES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS No período colonial brasileiro, os colonizadores portugueses não tinham interesse em criar cidades, mas, sim, em estabelecer alguns núcleos urbanos no litoral brasileiro com a função de defesa e como entreposto para a exploração do interior nos diversos ciclos extrativos e agrícolas que existiram durantes os séculos que se seguiram. Assim, durante todo o período colonial e na fase de assentamento, quando atuaram os ciclos econômicos, os núcleos populacionais eram criados para defesa e entreposto. Assim, não compunham qualquer rede de circulação e se interligavam com os núcleos do litoral com o intuito de escoamento, configurando pontos isolados no território. (SILVEROL, 2021) Devido ao movimento bandeirante, alguns núcleos populacionais passaram a se interligar de alguma forma, e uma incipiente rede de circulação foi iniciada a partir de 1530, com uma rede de circulação formada, ao final de 1720, com 63 vilas e oito cidades. A rede formada a partir de 1720, portanto, foi fomentada pelo surgimento de vilas e de cidades que se desenvolveram e prosperaram em função dos ciclos econômicos. Ou seja, à medida que as cidades cresciam e se 40 desenvolviam em função das atividades econômicas, as redes de circulação tornavam-se mais complexas e difundidas pelo território (MOREIRA, 2005). Com a aceleração do processo de urbanização, a partir do século XVIII, as vilas e as cidades ganharam mais relevância, já que as oligarquias agrárias elegeram as cidades como sua moradia principal. Os grandes fazendeiros iam para as fazendas somente para acompanhar o andamento da produção e para resolver problemas relacionados à atividade (SANTOS, 2009). A urbanização brasileira atingiu sua maturidade no século XIX. Com o sucesso do ciclo do café e os primeiros surtos de industrialização, as relações comerciais entre as diferentes regiões brasileiras, que até então eram consideradas “arquipélagos regionais”, intensificaram-se. Com a produção do café, o estado de São Paulo passou a ser o polo dinâmico de uma grande área do território nacional, a qual abrangia o Rio de Janeiro e Minas Gerais. Todo o aparato desenvolvido em função desse ciclo econômico, como a construção e a melhoria dos meios de transporte e de circulação e dos meios de comunicação, trouxe uma fluidez a essa região (MOREIRA, 2005). 41 Além disso, a própria natureza comercial agroexportadora do café inseriu, no território, as primeiras formas capitalistas de trabalho, de produção e de consumo, garantindo a fluidez nas redes de circulação. A divisão do trabalho que ocorreu nessa região promoveu o crescimento dos diversos subespaços envolvidos nessa rede, originando uma série de diferenciações espaciais quando comparadas com outras regiões do Brasil. (SILVEROL, 2021) A dinâmica proporcionada pela produção e comercialização do café e pela divisão do trabalho foi fundamental para que o processo de industrialização se desenvolvesse primeiramente nessa região, atribuindo uma grande vantagem ao polo central, São Paulo. No entanto, foi uma integração limitada do espaço e do mercado, pois só se concentrou no Sudeste do País. (SILVEROL, 2021) A partir de 1945, as primeiras vias importantes de transportes, como o ferroviário e o rodoviário, foram construídas e/ou interligadas, permitindo uma maior circulação de bens, de serviços e de mercadorias diversas entre as diversas regiões do País, e, sobretudo, dessas regiões para o núcleo urbano principal, São Paulo. Toda essa infraestrutura foi construída com o objetivo de intensificar os programas de substituições de importações e, por consequência, promoveu o aumento das redes de circulação com a ampliação da comunicação entre as redes urbanas (MOREIRA, 2005). No geral, a rede de circulação que foi promovida pela industrialização, e a urbanização era orientada para atender às demandas de uma área central, que, por muitas décadas, foi o estado de São Paulo. Isso ocasionou um impacto negativo nas relações e nos outros núcleos iniciais de assentamento. A configuração espacial desses espaços e sua rede de circulação foram alteradas diversas vezes para atender ao núcleo central, até que as políticas públicas iniciassem o processo de descentralização. (SILVEROL, 2021) As políticas de descentralização, a partir da década de 1970, permitiram o estabelecimento de novas redes de circulação, especialmente para a periferia do território, onde a expansão da agricultura e a instalação e/ ou transferência de indústrias diversas, sobretudo de bens de produção, permitiram a ampliação das redes. Ainda, a construção de infraestrutura básica, como estradas e ferrovias, e a 42 instalação de linhas de transmissão de energia e de comunicação permitiram o avanço na circulação de pessoas, de mercadorias e de serviços. (SILVEROL, 2021) Dessa maneira, as redes regionais preexistentes passaram a ser integradas a uma rede nacional de circulação, com o centro de referência ainda no sudeste do Brasil. A desconcentração industrial no estado de São Paulo permitiu maior interiorização das redes e a busca pelas redes regionais, de modo a integrar quase todo o sistema. (SILVEROL, 2021) 10 O CONCEITO DE REGIÃO NA GEOGRAFIA E A QUESTÃO REGIONAL BRASILEIRA NOS CONTEXTOS POLÍTICO E SOCIOECONÔMICO O conceito de região é uma importante categoria de análise para a geografia e tem sido utilizado desde a geografia clássica com diferentes significações, na tentativa de compreender o espaço geográfico e as suas particularidades. O termo “região” não é de uso único e exclusivo da geografia, sendo utilizado também por outras ciências ao longo do tempo, além de ser utilizado para representar ideias de senso comum. Cabe fazer um apanhado histórico sobre o significado de região e seu emprego na geografia durante os diferentes períodos vivenciados pela ciência e entender sua importância no contexto territorial brasileiro. (MEGIATO, 2021) Ao procurar significados de “região” no dicionário Dicio de língua portuguesa, é possível encontrar diversos significados, sendo os principais: [...] território que se diferencia do outro por possuir características próprias de localização, população, clima e etc.; Designação das cinco grandes áreas por meio das quais o Brasil se divide; Designação das camadas que dividem a atmosfera. (REGIÃO, 2020, documento on-line). Ainda, apresentam-se significados para outras áreas, como a anatomia, em que o termo é utilizado para designar áreas do corpo humano. O dicionário ainda apresenta sinônimos para a palavra que remetem a país, província, pátria, nação e distrito — termos esses que são amplamente utilizados para entender questões territoriais de determinado espaço geográfico. (MEGIATO, 2021) 43 Ao pesquisar sua etimologia, a palavra “região” aparece como derivada do latim regere, com o prefixo reg comum a outras palavras, como regra e regente, de acordo com Gomes (2011). De acordo com o autor, a palavra regione era utilizada para denominar áreas no Império Romano (Figura 1) que respondiam a Roma, mas que possuíam uma administração local. Gomes (2011) relaciona o surgimento do conceito de região no período com a interpretação de alguns filósofos que se propuseram a discutir a questão territorial dessa época. Alguns filósofos interpretam a emergência deste conceito como uma necessidade de um momento histórico em que, pela primeira vez surge, de forma ampla, a relação entre centralização do poder em um local e a extensão dele sobre uma área de grande diversidade social, cultural e espacial.(GOMES, 2011, p. 51). Assim como outros conceitos da geografia, o conceito de região passou por ressignificações desde a Antiguidade até os diversos períodos da ciência geográfica. Tais ressignificações foram dadas por cada contexto histórico, agregando novos significados de acordo com as questões territoriais, políticas, econômicas e sociais de cada período. Porém, sempre estiveram atreladas ao significado de região questões como: diversidade espacial, diversidade física, 44 diversidade cultural, diversidade política, além de centralização de poder e regulação administrativa. (MEGIATO, 2021) De acordo com Gomes (2011, p. 52), a partir do levantamento histórico do conceito de região, é possível perceber três consequências principais: A primeira é que o conceito de região tem implicações fundadoras no campo da discussão política, da dinâmica do Estado, da organização da cultura e do estatuto da diversidade espacial; percebemos também que este debate sobre região (ou sobre seus correlatos como nação), possui um inequívoco componente espacial, ou seja, vemos que o viés na discussão destes temas , da política, da cultura, das atividades econômicas, está relacionado especificamente às projeções no espaço das noções de autonomia, soberania, direitos etc., e de suas representações; finalmente, em terceiro lugar , percebemos que a geografia foi o campo privilegiado destas discussões ao abrigar a região como um dos seus conceitos-chave e ao tomar a si a tarefa de produzir uma reflexão sistemática sobre este tema. Ao fazer uma análise histórica sobre o pensamento geográfico e a sua evolução no tempo, é possível perceber transformações, rupturas e mudanças metodológicas e de significados na abordagem do conceito de região. Em parte, as discussões e os debates em torno do conceito de região acompanharam o desenvolvimento do pensamento científico e a evolução da ciência geográfica. De acordo com Carvalho (2002), mesmo antes da sistematização da geografia, a noção de região já aparecia com o filósofo Immanuel Kant, no século XVIII, atrelada à ideia de espaço geográfico. Para o autor, o espaço se dividia em regiões que representariam a história dos homens na superfície terrestre. Na obra do geógrafo Friedrich Ratzel, da corrente do determinismo, é abordada a noção de região natural, sendo considerada parte da geografia física e relacionada às questões da natureza. Isso porque, na concepção do determinismo, o meio ambiente influencia ou define as diferentes sociedades humanas. Já a obra do geógrafo Paul Vidal de La Blache, fundador da corrente do possibilismo, apresenta a noção de região geográfica. De acordo com Carvalho (2002, documento on-line): Vidal de La Blache (1845- 1918) defendeu a região, enquanto entidade concreta, existente por si só. Aos geógrafos caberia delimitá-la e descrevê- la. Segundo ele, a geografia definiria seu papel através da identificação das regiões da superfície terrestre. Nessa noção de região, acrescenta-se 45 à presença dos elementos da natureza, caracterizadores da unidade e da individualidade, a presença do homem. Outros autores que se destacam na abordagem do conceito de região são os geógrafos Alfred Hettner e Richard Hartshorne. Hettner considerava uma divisão das ciências em: Ciências idiográficas (observação e descrição de fenômenos em determinado lugar ou sobre algum tema); e Ciências nomotéticas (levantamento, classificação de fenômenos e elaboração de sínteses para explicação de fenômenos universais). De acordo com Spósito (2004), as ideias de Hettner foram retomadas por Hartshorne em The Nature of Geography, em que se discute o método regional de estudo, abordando a distribuição e a localização espacial ao se estudar a região. Nas palavras de Spósito (2004), fazendo referência a Hartshorne, “[...] a região não é uma realidade evidente, mas um produto mental, uma forma de ver o espaço que coloca em evidência fundamentos da organização diferenciada do espaço, ou seja, síntese de relações complexas” (SPÓSITO, 2004, p. 103). Outros autores e outras correntes do pensamento geográfico influenciaram o conceito de região e a sua aplicação. Merece destaque a geografia neopositivista, que, segundo Spósito (2004), buscou a unidade metodológica e de discurso da ciência geográfica, considerando o conceito de região como uma divisão do espaço de acordo com critérios diferentes e criando o conceito de regiões funcionais e regiões homogêneas. Também se destaca a noção de região dada pela geografia crítica, que considera a diferenciação do espaço como fruto da divisão do trabalho e do processo de acumulação de capital, diferenciando aqueles que o possuem daqueles que não os possuem. Nesse sentido, de acordo com Spósito (2004), o processo histórico passa a ser visível por meio do conceito de formação econômica. O autor busca no pensamento de Milton Santos (1978) sintetizado por Gomes (1995) o entendimento de que região é a síntese concreta e histórica desta instância espacial 46 ontológica dos processos sociais, produto e meio da produção e reprodução de toda vida social (SANTOS, 1978 apud GOMES, 1995). É possível perceber a questão regional brasileira, a sua concepção e a sua aplicação no território ao longo do tempo. Algumas regionalizações, de acordo com Haesbart (2020), eram referentes “[...] tanto às transformações histórico-geográficas concretas quanto — e às vezes de maneira dissociada — ao campo da história das ideias” (HAESBART, 2020, documento on-line). A primeira regionalização do Brasil data de 1913, com o propósito de regionalizar o país por meio dos aspectos físico-naturais como relevo, clima e vegetação, dividindo o país em cinco regiões: Setentrional, Norte Oriental, Central, Oriental e Meridional. Tal regionalização era utilizada para fins didáticos no ensino de geografia e foi proposta pelo geógrafo Delgado de Carvalho. Segundo Haesbart (2020), foi somente depois da segunda metade do século XX que as regionalizações brasileiras passaram a agregar de forma mais efetiva as características econômicas e culturais em seus modelos e propostas. Antes desse período, as regionalizações existentes, como a de Delgado de Carvalho, eram influenciadas pela obra de Vidal de La Blache, que inicialmente considerava os aspectos naturais para delimitação das regiões. De acordo com Haesbart (2020, documento on-line): É sintomático o debate envolvendo as propostas do Conselho Nacional de Geografia quando da definição da primeira regionalização oficial do país, em 1941. Segundo Lira (2017), travou-se à época um embate entre diferentes tradições da geografia, ‘uma vertente francesa e uma vertente norte americana, representando também diferenças entre a escola paulista, formada por Monbeig, e a escola carioca, influenciada, após a passagem de Deffontaines, pela escola americana’. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1945, propôs uma nova regionalização para o território nacional, baseando-se em aspectos físicos e socioeconômicos. Nessa divisão regional, o Brasil se dividia em sete regiões: Norte, Nordeste Oriental, Nordeste Ocidental, Centro-Oeste, Leste Setentrional, Leste Meridional e Sul. De 1950 a 1960, essas regiões se diferenciavam pela inserção ou exclusão de áreas, devido às transformações territoriais ocorridas no período. 47 A regionalização oficial do IBGE atual foi desenhada em 1970, sendo o país dividido em cinco macrorregiões político-administrativas: Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Posteriormente, em 1990, com as mudanças da Constituição de 1988, essa divisão regional foi atualizada a partir de algumas mudanças territoriais que se configuraram. (MEGIATO, 2021) Uma regionalização que se destaca pela preocupação em inserir questões de ordem econômica e formas de ocupação do espaço no Brasil é a
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