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Indaial – 2021 PsicoPatologia, Medicalização e saúde Profª. Nislândia Santos Evangelista 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2021 Elaboração: Profª. Nislândia Santos Evangelista Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: E92p Evangelista, Nislândia Santos Psicopatologia, medicalização e saúde. / Nislândia Santos Evangelista – Indaial: UNIASSELVI, 2021. 220 p.; il. ISBN 978-65-5663-851-5 ISBN Digital 978-65-5663-846-1 1. Psicanálise. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 616 aPresentação Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático Psicopatologia, Medicalização e Saúde, que foi elaborada para permitir a compreensão, a partir de diferentes óticas e com um olhar sensível, de conceitos e questões específicas da psicopatologia, uma área em constante diálogo com as deman- das próprias da psicopedagogia. Na Unidade 1, serão tratados conceitos e diretrizes que abordam a área da Psicopatologia, seus históricos, suas fissuras, suas transformações, tipos de abordagens e os principais documentos que servem como norteadores de práti- cas. Será discutido como o conceito de loucura mudou com o passar do tempo e como os aspectos sociais, políticos e morais influenciam na forma como percebe- mos e interpretamos os comportamentos dos indivíduos. Algumas abordagens da Psicologia também serão apresentadas, indicando que, dependendo de como compreendemos o indivíduo, as práticas, em termos de saúde mental, possuem técnicas e manejos diferentes. Por fim, veremos a avaliação e o diagnóstico na área da saúde, especificamente para o campo da Psicopedagogia. Na Unidade 2, estudaremos algumas especificidades da interseção entre Psicopedagogia e Psicopatologia, como essa relação foi construída e transformada, em conjunto com as demandas sociais e com as atualizações que os campos tanto da saúde quanto da educação passaram com o decorrer do tempo. Nesse sentido, também serão abordados alguns termos de inter- venção medicamentosa para transtornos de aprendizagem e/ou desenvol- vimento, pensando a partir de aspectos técnicos e sociais dessa questão e apontando algumas problemáticas e cuidados a serem utilizados. Por fim, na Unidade 3, estudaremos diferentes possibilidades para a avaliação psicopedagógica. Nesse interim, será abordada a importância do respeito à alteridade e de um olhar mais atento à diversidade, captando desde aspectos lúdicos até casos de neurodiversidade. Além disso, veremos breve- mente algumas considerações que o psicopedagogo deve ter nas relações com os sujeitos, aprendentes e responsáveis, no manejo do laudo e do pós-laudo. Bons estudos! Profª. Nislândia Santos Evangelista Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi- dades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra- mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida- de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun- to em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen- tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE suMário UNIDADE 1 — PSICOPATOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E PSICOLÓGICOS ....................................................................................................... 1 TÓPICO 1 — ASPECTOS SOCIAIS E HISTÓRICOS DO NORMAL E DO PATOLÓGICO ........... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 AS VÁRIAS FACES DA LOUCURA ............................................................................................... 4 2.1 LOUCURAS DA IDADE MÉDIA OU CAÇA ÀS BRUXAS ..................................................... 6 2.2 LOUCURAS DA RENASCENÇA OU A PERDA DA RAZÃO ............................................... 9 2.3 LOUCURAS DA PSIQUIATRIA OU A DOENÇA MENTAL ................................................ 12 3 LOUCURAS NO SÉCULO XX OU ASCENÇÃO E QUEDA DOS MANICÔMIOS ............ 14 3.1 LOUCURAS NO BRASIL E OU O RECONHECIMENTO DE DIREITOS E CIDADANIA ......... 16 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 20 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 21 TÓPICO 2 — DIFERENTES CONCEPÇÕES E ABORDAGENS DA PSICOPATOLOGIA ....... 23 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 23 2 ABORDAGENS DA PSICOPATOLOGIA .................................................................................... 23 2.1 ABORDAGEM PSICANALÍTICA .............................................................................................. 24 2.2 ABORDAGEM COMPORTAMENTAL E COGNITIVA ......................................................... 29 2.3 ABORDAGEM EXISTENCIAL E HUMANISTA ..................................................................... 37 3 O NORMAL E O PATOLÓGICO: CONCEITUAÇÃO E COMPREENSÃO .......................... 41 3.1 CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO ................................................................................................ 42 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 44 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 45 TÓPICO 3 — AVALIAÇÃO, DIAGNÓSTICO E PSICOPEDAGOGIA ..................................... 47 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 47 2 CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO ........................................................................................................ 47 2.1 ENTREVISTAS CLÍNICAS ......................................................................................................... 48 2.2 DOCUMENTOS NORMATIVOS ............................................................................................... 49 3 CRITÉRIOSDE DIAGNÓSTICO E A PSICOPEDAGOGIA ................................................... 50 3.1 AVALIAÇÃO E DIAGNÓSTICO EM PSICOPEDAGOGIA ................................................... 51 3.2 QUESTÕES ESPECÍFICAS DA PSICOPEDAGOGIA ............................................................. 54 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 57 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 61 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 62 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 64 UNIDADE 2 — PSICOPEDAGOGIA E PSICOPATOLOGIA ..................................................... 67 TÓPICO 1 — A RELAÇÃO ENTRE PSICOPEDAGOGIA E PSICOPATOLOGIA ................. 69 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 69 2 INTERSEÇÃO ENTRE ESCOLA E SAÚDE ................................................................................. 70 2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA IDEIA DE HIGIENE ................................................................. 71 2.1.1 Higienização e Racismo: uma via de mão única ............................................................ 72 2.2 A CONSTRUÇÃO DA INFÂNCIA NORMATIZADA ........................................................... 80 3 PSICOPEDAGOGIA E PSICOPATOLOGIA: HISTÓRICOS, CONTEXTOS E CONCEITOS ................................................................................................................................... 86 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 90 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 92 TÓPICO 2 — PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM E PSICOPATOLOGIA ............................ 95 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 95 2 NOMENCLATURAS PSICOPEDAGÓGICAS ............................................................................ 95 2.1 TRANSTORNOS DA APRENDIZAGEM .............................................................................. 101 2.1.1 Transtorno da Linguagem Escrita ................................................................................... 101 2.1.2 Dislexia ................................................................................................................................ 106 3 TRANSTORNOS NA MATEMÁTICA ...................................................................................... 107 4 TRANSTORNO DA MEMÓRIA .................................................................................................. 109 5 TRANSTORNO DE DESENVOLVIMENTO AUTISTA (TEA) .............................................. 111 6 TRANSTORNO DO DEFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE .................................... 114 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 116 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 117 TÓPICO 3 — MEDICALIZAÇÃO DA APRENDIZAGEM ........................................................ 119 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 119 2 MEDICALIZAÇÃO DA VIDA ..................................................................................................... 119 2.1 MEDICALIZAÇÃO DA VIDA ESCOLAR ............................................................................. 123 3 MEDICALIZAÇÃO: CRÍTICAS E REFLEXÕES........................................................................ 125 3.1 OS PAPÉIS DE RESISTÊNCIA E A PSICOPEDAGOGIA ..................................................... 128 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 130 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 135 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 137 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 139 UNIDADE 3 — PSICOPATOLOGIA: INSTRUMENTOS, ESTRATÉGIAS E INTERVENÇÕES EM PSICOPEDAGOGIA ................................................ 143 TÓPICO 1 — DIFERENTES INSTRUMENTOS PARA INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA .............................................................................................. 145 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 145 2 TÉCNICAS E INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO ................................................................. 147 3 EOCA ................................................................................................................................................. 150 4 TÉCNICAS PROJETIVAS PSICOPEDAGÓGICAS ................................................................. 151 4.1 DOMÍNIO ESCOLAR – PAR EDUCATIVO ........................................................................... 155 4.2 VÍNCULOS FAMILIARES – OS QUATRO MOMENTOS DE UM DIA ............................. 157 4.3 VÍNCULOS CONSIGO MESMO – FAZENDO O QUE MAIS GOSTO .............................. 160 4.4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PROVAS PROJETIVAS .................................. 162 5 DIAGNÓSTICO OPERATÓRIO .................................................................................................. 163 6 TESTES PSICOMÉTRICOS ........................................................................................................... 164 6.1 TESTES DE DESEMPENHO E INTELIGÊNCIA .................................................................. 165 6.2 TESTE GESTÁLTICO VISOMOTOR DE BENDER ................................................................ 166 7 SÍNTESE DE INSTRUMENTOS PARA AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM .................. 166 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 169 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 170 TÓPICO 2 — ALTERIDADE COMO NOVOS COLÍRIOS: O LÚDICO E A DIVERSIDADE ...... 171 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 171 2 O LÚDICO NAS INTERVENÇÕES ............................................................................................ 172 2.1 A HORA DO JOGO ..................................................................................................................... 177 2.2 SESSÃO LÚDICA CENTRADA NA APRENDIZAGEM ...................................................... 179 2.3 O JOGO DE AREIA PSICOPEDAGÓGICO (JAP) ................................................................. 181 3 A ALTERIDADE COMO ABORDAGEM E COMPREENSÃO .............................................. 184 3.1 A NEURODIVERSIDADE ......................................................................................................... 184 3.2 OS MOVIMENTOS PRÓ-CURA E ANTICURA .................................................................... 188 4 CONSIDERAÇÕES......................................................................................................................... 190 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 191 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 192 TÓPICO 3 — CONSTRUÇÃO DE RELAÇÕES NO LAUDO E PÓS-LAUDO ...................... 193 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 193 2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O LAUDO ...................................................................................... 194 2.1 O REGISTRO ............................................................................................................................... 196 3 RELAÇÕES E COMUNICAÇÕES COM A FAMÍLIA E COM A ESCOLA .......................... 198 4 DEVOLUTIVA .................................................................................................................................. 201 5 PSICOPEDAGOGIA: O ELO ENTRE EDUCAÇÃO E SAÚDE ............................................. 204 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 206 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 216 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 217 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 219 1 UNIDADE 1 — PSICOPATOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E PSICOLÓGICOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • conhecer os aspectos históricos da loucura; • entender algumas abordagens psicológicas e como elas compreendem o ser humano; • identificar alguns tópicos gerais sobre o processo de avaliação e como alguns instrumentos são utilizados; • compreender o uso de documentos normativos para diagnóstico e ques- tões específicas da Psicopedagogia. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – ASPECTOS SOCIAIS E HISTÓRICOS DO NORMAL E DO PATOLÓGICO TÓPICO 2 – DIFERENTES CONCEPÇÕES E ABORDAGENS DA PSICOPATOLOGIA TÓPICO 3 – AVALIAÇÃO, DIAGNÓSTICO E PSICOPEDAGOGIA Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 — UNIDADE 1 ASPECTOS SOCIAIS E HISTÓRICOS DO NORMAL E DO PATOLÓGICO 1 INTRODUÇÃO É importante entendermos que o que conhecemos, em termos teóricos, clí- nicos e acadêmicos, ou em termos vulgares, sobre loucura faz parte do imaginário e da construção social, fecundada e difundida com o decorrer do tempo. Assim, a história da loucura tem que estar sempre localizada num contexto social e político próprio de cada época e, na mesma linha, do que consideramos “normal”. Essas concepções estão sempre emaranhadas com o contexto moral, político, social, te- órico e, até mesmo, com a cosmovisão da época ou da cultura. Há diferentes formas de compreender a psicopatologia, tanto a partir da lupa histórica como a partir de abordagens psicológicas, nas quais há outra imensi- dão de possibilidades interpretativas. Neste tópico, focaremos no caráter histórico para, posteriormente, abordar as diferentes perspectivas. Veremos algumas trajetó- rias do conceito e do manejo da loucura no decorrer do tempo, abrangendo tanto a ótica da exclusão social quanto a ótica da reintegração social. Por fim, conhecere- mos, brevemente, alguns aspectos para diagnóstico e avaliação do paciente. O termo psicopatologia é de origem grega, composto pelas palavras “psy- chê”, “pathos” e “logos”, que significam, respectivamente, psiquismo, sofrimento e conhecimento, resultando em um conhecimento sobre o sofrimento psíquico (CECCARELLI, 2005). Inicialmente, psicopatologia foi um termo criado por Je- remy Bentham, em 1817, que reconheceu a necessidade de uma “psychological pathology” (patologia psicológica). Ao longo do tempo, foram usadas outras ex- pressões, como psicopatologia geral, psicologia anormal, psicopatologia clíni- ca, psicologia patológica, psicologia da anormalidade e psicologia do patológi- co, sendo o termo mais empregado e amplamente aceito psicopatologia – mais adiante, entenderemos um pouco do processo até surgir essa conceituação. A saúde como bem-estar integral, ou seja, tanto físico quanto mental e social, é uma definição cunhada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1946, considerada um conceito inovador, por um lado, devido à amplitude que conseguiu abarcar, mas que, por outro lado, também pode ser uma fragilidade, visto que não tem uma orientação objetiva (GAINO et al., 2018). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2001), cerca de 450 milhões de pessoas, no mundo, padecem de enfermidades neurop- siquiátricas, como transtornos mentais ou neurobiológicos, ou então problemas psicossociais como os relacionados com o abuso do álcool UNIDADE 1 — PSICOPATOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E PSICOLÓGICOS 4 e das drogas, atingindo prevalência pontual ao redor de 10%. Além disso, aproximadamente 24% de todos os pacientes atendidos por pro- fissionais de atenção primária têm um ou mais transtornos mentais (FIGUEIRÊDO; DELEVATI; TAVARES, 2014). Nesse cenário, a importância da compreensão, em termos amplos, dos trans- tornos psicológicos é essencial para que o profissional da área de psicopedagogia te- nha uma atuação consciente, com base em estudos e dados da área da psicopatologia. Desse modo, inicialmente, abordaremos as faces da loucura no decorrer do tempo. 2 AS VÁRIAS FACES DA LOUCURA O termo “psicopatologia” ainda é usado em diferentes sentidos, para desig- nar diferentes tipos de comportamento, sendo estudado a partir de diversas aborda- gens e autores e se mantendo em constante atualização – considerando que a história e a cultura estão sempre em movimento e, portanto, os termos e os conceitos para pensar e aplicar o que é o “normal” e o que é “patológico” também se atualizam. Pode-se falar, de maneira geral, que o campo da psicopatologia inclui uma variedade de fenômenos que associamos, historicamente, à “doença men- tal” (DALGALARRONDO, 2019). Esses fenômenos incluem vivências, estados mentais e padrões comportamental, que apresentam tanto uma esfera individual e singular, uma dimensão própria e, por outro lado, conexões complexas com ideias da psicologia sobre normalidade (DALGALARRONDO, 2019). Dito de outra forma, não se pode compreender ou explicar tudo o que existe em um ser humano por meio de conceitos psicopatológicos. As- sim, ao se diagnosticar Van Gogh como esquizofrênico (ou epiléptico, maníaco-depressivo ou qualquer que seja o diagnóstico formulado), ao se fazer uma análise psicopatológica de sua biografia, isso nunca explicará totalmente sua vida e sua obra. Sempre resta algo que trans- cende à psicopatologia e mesmo à ciência, permanecendo no domínio do mistério (DALGALARRONDO, 2019, p. 28). Percebemos que seria injusto e, sobretudo, antiético limitar a experiência e a jornada de um indivíduo a um diagnóstico psicopatológico, optando-se por com- preender que essa é apenas uma das tantas esferas possíveis de um indivíduo. Por isso mesmo, o estudo da área revela a importância para os profissionais que lidam com o tema sobre cuidado, atenção, intervenções e manejos necessários. Vicent Van Gogh foi considerado um dos maiores pintores de todos os tem- pos, tendo produzido mais de 2 mil obras durante seus 37 anos de vida.O artista foi ca- racterizado como um homem incompreendido, atormentado, intempestivo e com dis- INTERESSA NTE TÓPICO 1 — ASPECTOS SOCIAIS E HISTÓRICOS DO NORMAL E DO PATOLÓGICO 5 túrbios comportamentais. Seu legado é tão representativo que, em 1973, em Amsterdã, na Holanda, seu país-natal, foi criado um museu para abrigar suas criações. Dessa maneira, não só suas obras como sua vida geram muita curiosidade até os dias de hoje. Outro fato interessante sobre o artista foi ele não ter alcançado reconhecimento em termos simbóli- cos e artísticos nem em termos materiais, enquanto era vivo. A fama e o reconhecimento de seu trabalho vieram apenas no post mortem. Uma de suas obras mais famosas, “Noite Estrelada”, é a única pintura noturna da série de obras da vista do quarto do hospício Asilo Saint-Paul, onde ficou internado nos últimos anos de sua vida. FIGURA – A NOITE ESTRELADA, DE VAN GOGH FIGURA – FILME COM AMOR, VAN GOGH FONTE: <https://bit.ly/3vGNytD>. Acesso em: 29 ago. 2021. FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/310748443033929357/>. Acesso em: 29 ago. 2021. Van Gogh foi tema de diversos livros, filmes e documentários, sendo o mais recente Com amor, Van Gogh, uma animação biográfica feita em stop motion, utilizando pinturas a óleo sobre a tela, para replicar a técnica que o autor utilizava em vida. Para realização das pinturas, 125 artistas trabalharam para pintar os 65 mil quadros individuais do filme, sendo cada sequência inspirada por pinturas específicas de Van Gogh. O elenco jogou cenas em conjuntos rudimentares, então isso foi projetado para telas, quadro a quadro e pintado. Os cineastas optaram por usar pintores classicamente treinados sobre animações tradicio- nais. Assim, fica demarcada a importância e a relevância de Van Gogh, o que, em alguma medida, transcende qualquer diagnóstico psicopatológico que o artista teria. UNIDADE 1 — PSICOPATOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E PSICOLÓGICOS 6 Não obstante, se quisermos apresentar uma cronologia – que estaria, cer- tamente, com lacunas –, podemos pensar a partir de “fases da história” para com- preendermos também “fases da loucura”. Consideramos, assim, que a loucura (o patológico) sempre existiu, mas a forma e o conteúdo que se ressaltavam muda- vam de acordo com o contexto. Assim, na Idade Média, por exemplo, pensamos em termos de demonologia e caça às bruxas; na renascença e na idade moderna, pensamos a partir da (perda da) razão. Veremos, mais adiante, um pouco sobre essas outras épocas, para que seja possível compreender a fluidez desse termo e o quanto se conecta com modo de operar da sociedade. 2.1 LOUCURAS DA IDADE MÉDIA OU CAÇA ÀS BRUXAS A forma como uma sociedade lida com a anormalidade depende muito dos valores ali impregnados, como suposições sobre a vida e o comportamento humano. No período medieval, sobretudo na baixa Idade Média (séculos XI a XV, ou seja, no final desse período), o que chamavam de “anormalidade” ou “loucu- ra” tinha causa atribuída a preceitos sobrenaturais e demoníacos, com tratamento envolvendo preces e exorcismos (HOLMES, 1997). A chamada “demonologia” diz respeito à crença de que forças sobrena- turais e diabólicas atuam sobre o comportamento humano, causando a anormali- dade (a loucura). Mesmo antes da Idade Média, há evidências, em forma de rolos de papiro e monumentos, apontando que egípcios, árabes e hebreus acreditavam que a loucura seria decorrente de fontes míticas, como deuses raivosos, maus es- píritos e castigo divino (HOLMES, 1997). Na verdade, também no Império Persa de 900 a 600 a.C., todos os transtornos físicos e mentais eram considerados mani- festações demoníacas (BARLOW; DURAND, 2015). No entanto, devemos considerar que, nessa época, outros fenômenos tam- bém eram atribuídos à ira dos deuses, como tempestades, inundações ou incên- dios. Dessa forma, a partir da cosmovisão e da compreensão de mundo da época, era esperado que também o “desvio” da norma dos comportamentos humanos, ou o contágio de alguma doença, também fosse associado a entes “superiores”. Essa concepção de loucura/anormalidade a partir de uma ótica mítica tem íntima relação com o imaginário popular, presente ainda nos dias atuais, sobre a eterna batalha entre o bem e o mal. Durante o último quartel do século XIV, religiosos e autoridades laicas apoiaram as superstições populares, e a sociedade passou a acreditar na realidade e no poder dos demônios e das bruxas. A Igreja Católica se dividiu, e um segundo segmento, com a inclusão de um papa, sur- giu no sul da Franca para competir com Roma. Em reação a essa cisma, a Igreja Romana lutou contra o mal no mundo que acreditava estar por trás daquela heresia (BARLOW; DURAND, 2015, p. 8). A batalha entre o bem e o mal, nesses termos, encontrou regozijo na forte opinião popular, política e religiosa do sobrenatural. Desse modo, para compre- endermos o contexto, com a pobreza elevada e um alto índice de mortalidade TÓPICO 1 — ASPECTOS SOCIAIS E HISTÓRICOS DO NORMAL E DO PATOLÓGICO 7 (devido, entre outras coisas, à peste bubônica que assolou o continente europeu no século XIV), as pessoas recorriam às ervas e ao contato com a natureza, o que era costume na época (FEDERICI, 2004). No entanto, com a ascensão do capitalismo e o surgimento da ciência, es- sas práticas, realizadas sobretudo por mulheres mais velhas e pobres, passaram a ser especuladas como “mágicas” ou “bruxarias” (FEDERICI, 2004), embora já não fossem bem-vistas ou recebidas, quando se levava em conta o novo paradigma que se fortalecia naquele cenário, pois recorrer à natureza poderia ser considera- do algo “irracional”, devido às diversas mudanças que ocorriam naquela altura histórica, mudança demográfica, mudança nas formas e nos meios de produção, no crescimento das cidades e no surgimento da ciência. Desse modo, a população recorria, como último suspiro, às divindades que regiam aquela realidade, o que causava, a um só tempo, medo e segurança. Para compreender melhor esse período histórico, recomendamos a leitura de Calibã e a Bruxa, de autoria de Silvia Federici, em que há um esquema interpretativo que esclarece duas questões históricas muito importantes: a execução de centenas de milha- res de “bruxas” no começo da Era Moderna e o surgimento do capitalismo coincidindo com essa guerra contra as mulheres. O livro aborda o período de transição que envolve mudanças radicais na força do trabalho, nos meios de produção, na cosmovisão da po- pulação e em uma série de novos conflitos sociais e políticos. Era um cenário como um caldeirão fervente, em que tantas mudanças ocorriam simultaneamente, o que resultou em uma série de violências para legitimar as novas concepções impostas. Posto isso, o desenvolvimento da ciência, da medicina e do capitalismo são peças-chave. Essa compre- ensão é importante para que se compreenda o quanto as questões de loucura, patologia e transtornos mentais estão histórica e intimamente imbricadas com as demais transforma- ções políticas e sociais. Nenhuma de nossas concepções atuais nasce num vazio social, pelo contrário, são séculos de lentas transformações. Hoje, o que fica no imaginário po- pular sobre bruxas são estereótipos de filmes e desenhos animados, mas, em outra época, era símbolo de perigo social e, para tal, justificava-se um genocídio que durou quase um século. Além disso, é preciso esclarecer que a ideia de bruxaria existia apenas como re- tórica religiosa e política, para cassar e controlar as pessoas que não seguiam as normas ou buscavam algum tipo de controle contraceptivo ou curas através das ervas medicinais. DICAS UNIDADE 1 — PSICOPATOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E PSICOLÓGICOS 8 FIGURA – CAPA DO LIVRO DE SÍLVIA FEDERICI, CALIBÃ E A BRUXA FONTE: <https://bit.ly/3ntTfal>. Acesso em: 29 ago. 2021. Como reação aos comportamentos das mulheres que já não eram aceitáveis, como uso de medicamentos e controle da natalidade, passaram a ser considerados como “bizarros” e possuídospelos demônios. Assim, esses indivíduos que fugiam da norma, especulados como “dominados por maus espíritos”, eram considerados responsáveis por qualquer infortúnio experimentado pelos moradores da cidade. Por exemplo, se uma vaca parasse de dar leite, se algum animal fugisse e/ou se a plantação de alguém não vingasse, acreditava-se ser obra de algum dos indivíduos possuídos, principalmente mulheres, que eram tidas como bruxas. Os tratamentos incluíam exorcismo, em que diversos rituais religiosos eram desenvolvidos para livrar vítima dos maus espíritos. Outras abordagens incluíam tosar o cabelo da ví- tima em formato de cruz e amarrá-la a um muro próximo ao adro de uma igreja, de maneira que pudesse se beneficiar ao ouvir a missa (BARLOW; DURAND, 2015). Antes de mais nada, toda uma literatura de contas e moralidades. Sua origem, sem dúvida, é bem remota. Mas ao final da Idade Média, ela assume uma superfície considerável: longa série de “loucuras” que, estigmatizando como no passado vícios e defeitos, aproximam-nos todos não mais do orgulho, não mais da falta de caridade, não mais do esquecimento das virtudes cristãs, mas de uma espécie de grande desatino pelo qual, ao certo, ninguém é exatamente culpável, mas que arrasta a todos numa complacência secreta. A denúncia da loucura tor- na-se a forma geral da crítica (FOUCAULT, 1978, p. 18). Essa foi a época em que a Inquisição teve o seu apogeu, com apoio do Estado e da Igreja, apoiado em um imaginário popular sobre a batalha entre o bem e o mal. A convicção de que a bruxaria e as bruxas eram causas da loucura e de outros ma- les continuou durante o século XV. Essa crença de “possessão”, bruxaria e poderes “demoníacos” também foi, anos depois, um contributo para a lógica e as estratégias TÓPICO 1 — ASPECTOS SOCIAIS E HISTÓRICOS DO NORMAL E DO PATOLÓGICO 9 FIGURA – UMA FORMA DE CARTAZ, ESCRITO EM LATIM, QUE DESIGNA A CAPA DO LIVRO O MARTELO DAS FEITICEIRAS FONTE: <https://bit.ly/3jAUpzK>. Acesso em: 29 ago. 2021. para a colonização dos povos das Américas e da África, que não eram reconhecidos como humanos, mas como selvagens, considerados sem alma e “menores” por sua forma de compreender o mundo material e divino (FEDERICI, 2004). O livro Malleus Maleficarum, ou o Martelo das Feiticeiras, é de autoria de Heinrich Kraemer e James Sprenger, na Alemanha, entre 1486 e 1487, dois inquisitores na baixa Idade Média. Essa obra é uma espécie de manual para identificar, prender e torturar as pessoas acusadas de bruxaria. Embora não seja oficialmente pertencente à Igreja, os inquisitores podiam utilizar o livro como diretriz e guia. De acordo com historiadores, em- bora não haja um consenso, a estimativa é que milhões de pessoas foram executadas, das quais quase 85% eram mulheres. Esse material é importante para a compreensão história de uma época e os artifícios utilizados para conseguir alcançar o objetivo. UNI 2.2 LOUCURAS DA RENASCENÇA OU A PERDA DA RAZÃO Essa margem entre o fim da Idade Média e Início da Renascença, proposta para fins didáticos, ressalta também a ascensão da ciência e da medicina como for- ma de guiar as compreensões de mundo, de indivíduo e de sociedade. Nessa linha, UNIDADE 1 — PSICOPATOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E PSICOLÓGICOS 10 o tratamento oferecido à loucura, àqueles que fogem das normas, não mais será a partir de exorcismos ou técnicas desenvolvidas pela igreja. A mudança na forma de se perceber a loucura coloca a medicina como peça-chave e fundamental para o tratamento e o estudo da cura das doenças nervosas. A partir desse estudo, do desenvolvimento de técnicas para compreensão da loucura, desse fértil domínio do saber, do desenvolvimento de uma linguagem e de uma métrica para o comporta- mento humano, nascerá a possibilidade de uma psiquiatria da observação, de uma psicologia, de um internamento e, posteriormente, também da psicopedagogia. O filósofo Michel Foucault, em uma de suas pesquisas, aborda o tema da história da loucura e aponta-nos para a reconfiguração do social. Dito de outra for- ma, no início da Idade Média, havia uma quantidade, em franco crescimento, dos casos de lepra, de forma que havia um local específico para alojar leprosos. Essa medida continha a contaminação ainda maior da doença. A lepra, na alta Idade Média, era o verdadeiro temor e terror da população que, de acordo com Foucault (1978), um a cada cem parisiense teve contato com a doença. O fato da diminuição radical da doença deixou estes espaços de internação ao léu e só foram de fato re- avivados quase dois séculos depois, onde a loucura, por assim dizer, tomou conta do medo e do imaginário popular e assim vemos, novamente, reações de divisão, de exclusão e de purificação dos indivíduos (FOUCAULT, 1978). Trata-se de recolher, alojar, alimentar aqueles que se apresentam de espontânea vontade, ou aqueles que para lá são encaminhados pela autoridade real ou judiciária. E preciso também zelar pela subsistên- cia, pela boa conduta e pela ordem geral daqueles que não puderam encontrar seu lugar ali, mas que poderiam ou mereciam ali estar (FOUCAULT, 1978, p. 56). Desse modo, a partir da Renascença, podemos perceber um delineamento maior do internamento, tal qual na Idade Média, quando os leprosos eram se- gregados, porém, agora, o público-alvo era outro (FOUCAULT, 1978). Contudo, temos que ter em mente que o gesto de aprisionamento, de internamento, carrega um leque de significados para além da questão clínica em si, pois também há camadas sociais, políticas, religiosas, econômicas e morais (FOUCAULT, 1978). Essas esferas e a forma como nos relacionamentos com a loucura, com a dita anormalidade, depende sempre do conjunto da história e da cultura. Assim, mui- tas vezes, a prática do internamento está condicionada a faltas morais, conflitos familiares e libertinagem, sendo, então, o internamento a medida social adotada para ser a casa da loucura (VIEIRA, 2007). É nesse quadro que, ao final do século XVIII, aproximam-se duas figu- ras que tinham permanecido por muito tempo estranhas uma a outra: o pensamento médico e a prática do internamento. Essa aproximação não aconteceu devido a uma tomada de consciência de que os internos eram doentes, mas por um trabalho violento que se realizou através de um defrontamento entre o velho espaço de exclusão, homogêneo e uniforme e esse espaço social da assistência que o século XVIII frag- mentou. Com a vitória desse último, a loucura ganha um estatuto pú- blico e o espaço do confinamento é criado para garantir a segurança da sociedade contra os seus perigos (VIEIRA, 2007, p. 18). TÓPICO 1 — ASPECTOS SOCIAIS E HISTÓRICOS DO NORMAL E DO PATOLÓGICO 11 O filósofo e historiador Michel Foucault, em seu livro História da Loucura, des- vela e analisa sobre as modificações do discurso sobre a loucura na Idade Média e no Re- nascimento, mostrando alguns pontos de clivagem e outros pontos de continuação, como temos visto no decorrer do texto. ESTUDOS FU TUROS FIGURA – CAPA DO LIVRO A HISTÓRIA DA LOUCURA, DE MICHEL FOUCAULT FONTE: <https://amzn.to/30UFUQR>. Acesso em: 29 ago. 2021. Essa transformação na forma de compreender e manejar a loucura, em termos sociais, com criação de instituições e o desenvolvimento de todo um ar- senal do saber também foi acompanhado pelas artes, pinturas e literatura, espe- cialmente (FOUCAULT, 1978). Nesse sentido, compreende-se que a loucura, na altura da Idade Média, consistia em perceber o mal – e a morte – aproximando-se do indivíduo para, em alguma medida, libertá-lo. Com o passar do tempo, o foco estava na denúncia de que há loucura em toda parte e que disso nem mesmo a morte os salvaria (FOUCAULT, 1978). O pintor Bosch representou, no vasto de sua obra, esse imbricamento entre a Nau dos Loucos e o perigo, sempre próximo, semprea à espreita, ou seja, a loucura sempre ao lado e esta, por sua vez, representada por meio da devassidão e do caos (FOUCAULT, 1978). Lembremos, contudo, que estaépoca histórica também apre- sentava uma série de drásticas transformações sociais que colocam em xeque todo um estilo de vida e um esquema de crenças sobre si, sobre o outro, a vida e a morte. UNIDADE 1 — PSICOPATOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E PSICOLÓGICOS 12 A pintura Navio dos Loucos, do artista holandês Hieronymus Bosch (1450- 1516), feita em óleo sobre madeira, por volta de 1495, apresenta uma crítica, de forma alegórica, sobre os costumes da sociedade da época: a devassidão e a profanidade, in- clusive no clero, o jogo e o álcool. Entre os protagonistas estão uma monja franciscana e um clérigo pobre e transgressor, que se encontram distraídos. Essa pintura foi feita num período de grande crise religiosa e social. INTERESSA NTE FIGURA – PINTURA RENASCENTISTA DO ARTISTA BOSCH, EM QUE HÁ ALGUMAS PESSOAS CANTANDO, DANÇANDO E BEBENDO, ENTRE ELAS FIGURAS REPRESENTANTES DO CLERO FONTE: <https://www.ex-isto.com/2020/01/navio-dos-loucos.html>. Acesso em: 29 ago. 2021. 2.3 LOUCURAS DA PSIQUIATRIA OU A DOENÇA MENTAL Com o desenvolvimento das sociedades e a transformação que o conceito e a compreensão da loucura, a medicina ganhou cada vez mais espaço com seus métodos e técnicas clínicas. Desse modo, a psiquiatria teve cada vez mais acen- tuada relevância para o entendimento moderno do que seria loucura (SCHNEI- DER, 2009). Agora enquadra-se o conceito no bojo de uma doença mental. Ou seja, o que antes era reconhecido como bruxaria ou perda da razão, agora tem um nome que é regido por uma área do saber (a medicina) e está relacionado com adoecimento do próprio corpo. Assim, uma série de nomenclaturas e descrições são elencadas a fim de medir e mesurar a mente humana. Ainda nesse pensamen- to, consagra-se a ideia de cura, pois assim como a medicina sara as doenças do corpo, também cura os males da mente (SCHNEIDER, 2009). TÓPICO 1 — ASPECTOS SOCIAIS E HISTÓRICOS DO NORMAL E DO PATOLÓGICO 13 Nesse interim, os “transtornos mentais” passaram a ser a sustentação da construção psiquiátrica, com perspectivas teórico-epistemológicas, cuja determi- nação é organicista, muitas vezes de base genética, a partir de uma perspectiva essencialmente individualista e universalizante (SCHNEIDER, 2009). Um ponto de fragilidade, portanto, está na desconexão da psiquiatria e de seus conceitos com as relações sociais dos sujeitos, associando, quando feito, de maneira superficial. Assim, a psiquiatria, em seu início, com esse caráter pouco humanizado, des- dobra-se em práticas de internação, cujo sofrimento humano é incitado em nome da ciência e na crença de “concertar” e de “endireitar” o sujeito que da norma se desviou. Tais concepções desdobram-se nas práticas da internação e em diversas te- rapêuticas, indo inicialmente do acorrentamento, passando pela aplicação de banhos quentes e frios, pelo tratamento moral, pela lobotomia, pelos choques insulínicos e elétricos, até a vasta e indiscriminada administração de psicofármacos, a partir dos anos 1950 (SCHNEIDER, 2009, p. 63). Em O Nascimento da Clínica, Michel Foucault aborda como a medicina tem sua base na análise e observação clínica dos casos, desenvolvendo a descrição de sinais e sintomas para realizar o diagnóstico. Isso coloca os pensamentos e os quadros clínicos, de maneira classificatória, em seu início. No entanto, com o decorrer do tempo, a medicina desenvolve uma perspectiva experimental e cien- tífica, o que consolidará a clínica moderna, pautada, sobretudo, na anatomia e na patologia do século XIX, sob forte influência dos pensamentos iluministas que saúdam a razão e o controle total do corpo como sinal de civilização. Assim, a loucura não é mais uma bruxaria ou uma associação a algo mítico, passando a ser considerada uma doença que deve receber um diagnóstico classi- ficatório e um tratamento “adequado”, que passa a ser um objeto de intervenção exclusivo da medicina, tendo o aval para medicar e internar (SCHNEIDER, 2009). Esse movimento coloca a interpretação do que é loucura no crivo do modelo ana- tomopatológico, buscando explicações da doença mental em fatores externos como lesões ou disfunções médicas, as quais se encontrariam no “corpo físico”, procu- rando, assim, o aspecto orgânico da loucura. Na medida em que não se encontram, em termos palpáveis, esses fatores objetivos para a doença mental, a medicação de psicotrópicos passa a ser uma prática comum, à medida que controla alguns sintomas em alguns casos. Essas práticas medicamentosas ocorriam, em seus pri- mórdios, a partir de tentativas, incertas, que poderiam incorrer ao erro. No caso de acerto medicamentoso, quase arbitrário, então, estabelecia-se o diagnóstico. Hipócrates é considerado o pai da medicina, mas, na clínica psiquiátrica, o francês Philippe Pinel (1745-1826) ocupa esse lugar. Com a psiquiatria de Pinel, a medicina passou a responder sobre os fenômenos patológicos, rompendo a vi- são religiosa predominante desde a Idade Média (PACHECO, 2003). Dando con- tinuidade aos passos de Pinel, conservando o pressuposto de que a doença men- tal teria causas morais e físicas, Jean-Étienne Esquirol (1772-1840) foi defensor de uma análise detalhada e apurada das síndromes psicopatológicas (PACHECO, 2003). Até hoje, permanecem elementos de sua nosografia – por exemplo, suas subdivisões da mania em piromania, cleptomania etc. UNIDADE 1 — PSICOPATOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E PSICOLÓGICOS 14 Antoine-Laurent Bayle (1799-1858), em sua tese Pesquisas sobre as doenças mentais, buscava provar que a alienação mental seria oriunda de uma inflamação crônica em uma das meninges, também podendo ser ocasionada por uma gastrite ou gastroenterite crônica. Além disso, apresentava a ideia de que a loucura pode- ria ser determinada por uma gota irregular (PEREIRA, 2009). Ele foi o primeiro profissional a descobrir a causa anatômica de um estado de alienação e, a partir de seu estudo, outras pesquisas procurariam identificar as causas orgânicas de todas as doenças mentais. Na Alemanha, podemos destacar nomes como Wilhelm Griesinger (1817- 1868) e Emil Kraepelin (1856-1926). Griesinger acreditava que as “doenças psíqui- cas eram disfunções do cérebro” e a “insanidade” representava apenas um sintoma de patologia cerebral. Procurando construir uma psiquiatria empírica baseada no modelo médico, Griesinger defendia que esta deveria transcender as descrições pu- ramente sintomáticas ao modo francês e ainda levava em conta a personalidade anterior ao desenvolvimento da doença (WANG; LOUZA NETO; ELKIS, 1995). Kraepelin apresentou diferentes classificações para a loucura, demarcan- do aos poucos, novas categorias nosográficas no campo psiquiátrico. Sua inten- ção era identificar um quadro clínico e criar uma taxonomia para as psicoses. Kra- epelin também tornou possível o desenvolvimento das bases de dados clínicos (BERRIOS; HAUSER, 2013). As práticas desses médicos já se caracterizavam como a definição de psi- copatologia. Entretanto, apesar de alguns fenômenos já observados nos doentes mentais, a psicopatologia, enquanto disciplina científica, foi nomeada a partir de Karl Jaspers, em 1913. 3 LOUCURAS NO SÉCULO XX OU ASCENÇÃO E QUEDA DOS MANICÔMIOS Se, por um lado, a loucura é uma produção histórica e social mediada por discursos, práticas, representações e sabres sobre o estado mental dos pacientes, por outro lado, o sofrimento psíquico, atualmente, exibe, em alguma medida, a ideia de incapacidade e improdutividade, podendo gerar constrangimento aos indivíduos, inclusive nas instituições que recebiam esses sujeitos, como em hos- pitais psiquiátricos e manicômios (FIGUEIRÊDO; DELEVATI; TAVARES, 2014). Nesse contexto, a reforma psiquiátrica tem foco em intervenções com equipes multidisciplinares, com vistas à melhoria da qualidade de vida e à cidadania do indivíduo (FIGUEIRÊDO; DELEVATI; TAVARES, 2014). A representação história do conceito de loucura, portanto, está imbricada com o surgimento de manicômios e hospitais psiquiátricos.Assim, percebem-se diferentes funções do manicômio, sendo a mais antiga a recolhida de loucos e outras minorias, isolando-os em prédios antigos e mantidos pelo poder públi- co, por grupos ou instituições religiosas (FIGUEIRÊDO; DELEVATI; TAVARES, TÓPICO 1 — ASPECTOS SOCIAIS E HISTÓRICOS DO NORMAL E DO PATOLÓGICO 15 2014). Por conseguinte, surgiram hospitais psiquiátricos para que esses sujeitos tivessem um tratamento médico adequado, ainda que os profissionais desses lo- cais não tivessem uma formação médica, o que causava verdadeiros problemas. A partir do século XIX, surgem instituições que acolhem apenas doentes mentais, a fim de um tratamento médico especializado e sistemático em instituições chamadas de manicômios. No entanto, as condições estruturais desses espaços eram precárias e, como em outras épocas, os pacientes não tinham, necessariamente, um diagnóstico de doença mental. A população enclausurada era, como em outras épo- cas, minorias e populações socialmente vulneráveis ou estigmatizadas, como epiléti- cos, homossexuais, prostitutas, entre outras pessoas que não seguiam a norma. Esse cenário é sustentado, no âmbito da produção de conhecimento, pela influência do pensamento de René Descartes, que elevava e condicionava a razão como forma “correta” da existência humana (FIGUEIRÊDO; DELEVATI; TAVA- RES, 2014). Logo, aquele que foge da razão, que é guiado a partir de uma desra- zão, não tem condições para cuidar de si e, ainda nessa via, também não possui condições para conviver em sociedade. Assim, os tidos como “loucos” eram en- clausurados em manicômios/hospitais psiquiátricos, como forma de assistência social, considerando que são desvalidados e sua existência é, em alguma medi- da, deslegitimada (FIGUEIRÊDO; DELEVATI; TAVARES, 2014). Nesse sentido, as internações, além de arbitrárias, eram muito violentas, privando o sujeito de liberdade e mantendo-o enclausurado. O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, é baseado numa famosa pas- sagem do arquiteto romano Vitrúvio, um tratado de arquitetura em que, no terceiro livro, descreve as proporções do corpo humano masculino. Esse caráter de medição do corpo se estendeu também para medição da mente e da vida, e, de forma geral, influenciou o pensamento do filósofo René Descartes. INTERESSA NTE UNIDADE 1 — PSICOPATOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E PSICOLÓGICOS 16 FIGURA – O HOMEM VITRUVIANO, DE LEONARDO DA VINCI FONTE: <https://bit.ly/3nsI8P5>. Acesso em: 29 ago. 2021. 3.1 LOUCURAS NO BRASIL E OU O RECONHECIMENTO DE DIREITOS E CIDADANIA Esse contexto tem sua fertilidade e brotamento na Europa, não obstante, essa forma de se relacionar com a loucura e com esses sujeitos chegou também ao Brasil, onde o pensamento colonial e ocidentalizado imperava e aguçava formas de tratamento desumano. Contudo, após a Segunda Guerra Mundial, diversos movimentos se levantaram contra essas formas teóricas e práticas de se pensar e relacionar a loucura. Esses movimentos defendiam perspectivas humanizadas em relação à saúde mental (FIGUEIRÊDO; DELEVATI; TAVARES, 2014). A reforma psiquiátrica no Brasil encontrou brotamento no período de redemocratização do país, embora sua idealização já estivesse sendo fertilizada décadas antes, porque, além da redemocratização, o país também passava por uma transição na fase sanitarista, colocando a responsabilidade de saúde para os Estados. Assim, a partir da década de 1980, surgiram novos serviços de assis- tência, como o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), que são como membros do pensamento de uma Reforma Psiquiátrica Brasileira (FIGUEIRÊDO; DELEVATI; TAVARES, 2014), cujo atendi- mento parte de diferentes frentes e profissionais, nos quais não há o princípio de internamento, mas, pelo contrário, de socialização e cidadania. TÓPICO 1 — ASPECTOS SOCIAIS E HISTÓRICOS DO NORMAL E DO PATOLÓGICO 17 A assistência é definida como de atenção integral, e o serviço propõe atividades psicoterápicas, socioterápicas de arte e de terapia ocupacio- nal – enfoque multidisciplinar. O sofrimento psíquico deve ser pen- sado no campo da saúde coletiva, tendo em consideração os diversos contextos em que o indivíduo está inserido como a família, o trabalho, cultura, contexto histórico, entre outros. [...] Os serviços substitutivos foram os principais avanços da Reforma Psiquiátrica, trazendo alter- nativas de tratamento com o objetivo de, principalmente, não repro- duzir as bases teórico-práticas do modelo psiquiátrico clássico [...]. É notável, que a presença dos CAPS/NAPS refletiu uma mudança na concepção de tratamento dos pacientes psiquiátricos; onde antes a única instituição que receberia esses pacientes – com a função de reco- lher/excluir – eram os manicômios/hospitais psiquiátricos (FIGUEIRÊ- DO; DELEVATI; TAVARES, 2014, p. 130). Esse contexto é ressaltado, ainda mais, devido à Luta Antimanicomial que influenciou a criação do Projeto de Lei nº 3.657, proposto, em 1989, pelo Depu- tado Federal Paulo Delgado, sobre a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros recursos assistenciais, regulamentando a internação psi- quiátrica compulsória, indicada apenas quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. O livro O Holocausto Brasileiro, de autoria de Daniela Arbex, conta a história de algumas pessoas que foram enclausuradas no “Colônia”, o maior hospício do Brasil, lo- calizado em Barbacena, Minas Gerais. No Colônia, morreram quase 60 mil pessoas, entre as quais cerca de 70% tinham diagnóstico de doença mental por serem homossexuais, prostitutas, meninas grávidas que haviam sido violentadas e esposas que os maridos deci- diram internar. Essas pessoas eram, a um só tempo, enclausuradas e abandonadas, mor- riam de fome, de frio e de choque. A autora chama esse período de holocausto, devido ao genocídio contra as pessoas que fugiam à norma. Vale a pena a leitura para conhecimento de uma fase obscura do Brasil, em termos de saúde mental, e para que, com essa consci- ência, essa fase não encontre terreno fértil para que se repita. ESTUDOS FU TUROS UNIDADE 1 — PSICOPATOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E PSICOLÓGICOS 18 FIGURA - FOTO DE VÁRIAS PESSOAS DEITADAS EM MACAS OU SENTADAS NO CHÃO, AMONTOADAS; A IMAGEM ESTÁ EM PRETO E BRANCO E PASSA UMA IDEIA DE TRISTEZA FONTE: Arbex (2013, p. 157;159) Ainda com intuito de regulamentar essa situação, foi instituída a Lei Na- cional da Reforma Psiquiátrica, Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001 (BRASIL, 2001), sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, re- direcionando o modelo assistencial em saúde mental. Com isso, foram estipula- das mudanças tanto em relação ao tratamento quanto à compreensão de loucura na sociedade. Nesse sentido, pensa-se a loucura não mais como um elemento que deve estar excluído e posto à margem da sociedade, pelo contrário, essa nova con- cepção coloca os sujeitos e a ideia na rua e em socialização, com questionamentos e discussões sobre os sujeitos tidos como “loucos”, que passam a ser reconheci- dos como cidadãos que possuem direitos (FIGUEIRÊDO; DELEVATI; TAVARES, 2014). Assim, a Reforma Psiquiátrica previu a proteção e a garantia de direitos a pessoas portadoras de transtornos mentais e criticou o modelo hospitalocêntro e enclausurador imposto anteriormente. De acordo com a Lei nº 10.216/2001, são direitos da pessoa portadora de transtorno mental: I- ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâ- neo às suas necessidades; II- ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; III- ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; IV- ter garantia de sigilo nas informações prestadas; V- ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclare- cer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; VI-ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; VII- receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; VIII- ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasi- vos possíveis; IX- ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saú- de mental (BRASIL, 2001). TÓPICO 1 — ASPECTOS SOCIAIS E HISTÓRICOS DO NORMAL E DO PATOLÓGICO 19 Certamente, a implementação dessas leis é essencial para o combate à es- tigmatização de pessoas com transtornos mentais na sociedade. Contudo, esses movimentos políticos não representam uma resolução imediata em relação aos manicômios, porque, como mostramos no anteriormente, esse é um tema que atravessa séculos e as formas de exclusão são sempre renovadas. Assim, parte do problema está nas concepções e nas representações de loucura na sociedade, no processo de subjetivação e nas transformações sociais e políticas (FIGUEIRÊDO; DELEVATI; TAVARES, 2014). Como era de se esperar, esse movimento não apre- senta resultados imediatos. 20 Neste tópico, você aprendeu que: RESUMO DO TÓPICO 1 • As concepções de loucura mudam de acordo com a época histórica. • Na Idade Média, concebiam a loucura a partir dos termos de possessão de- moníaca. • A caça às bruxas foi, entre outras coisas, consequência de transformações sociais, sendo impulsionada pelas esferas religiosas, políticas e científicas. • No Renascimento, a loucura é concebida como ausência da razão. • Para a Psiquiatria, a loucura é percebida como doença mental. • A Reforma Psiquiátrica trouxe uma ideia de humanização para o tratamento de transtornos mentais. 21 1 Existem trajetórias no conceito e no manejo da loucura no decorrer do tem- po, da ótica da exclusão social à ótica da reintegração social. Sobre a trajetó- ria histórica da psicopatologia, assinale a alternativa INCORRETA: a) ( ) No período medieval, sobretudo na baixa Idade Média, o que chama- vam de “anormalidade” ou “loucura” tinha causa atribuída a preceitos sobrenaturais e demoníacos. b) ( ) No início da Renascença, o tratamento oferecido à loucura, àqueles que fogem das normas, era a partir de exorcismos ou técnicas desenvolvi- das pela igreja. c) ( ) A partir do século XIX, surgem instituições que acolhem apenas doen- tes mentais, a fim de tratamento médico especializado e sistemático em instituições chamadas de manicômios. d) ( ) A psicopatologia, enquanto disciplina científica, foi nomeada a partir de Karl Jaspers, em 1913. 2 A partir da década de 1980, no Brasil, começam a surgir novos serviços de assistência, como o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), que são como membros do pensamento de uma Reforma Psiquiátrica Brasileira. Com base na reforma psiquiátrica brasileira, analise as sentenças a seguir: I- A Lei Nacional da Reforma Psiquiátrica, Lei nº 10.216/2001, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. II- A Lei nº 3.657, proposta, em 1989, pelo Deputado Federal Paulo Delgado, defendia a extinção progressiva dos manicômios. III- Dois fatores essenciais e que apresentaram resultados imediatos foram a reforma, um movimento político, e a implementação das leis. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As sentenças I e II estão corretas. b) ( ) Somente a sentença I está correta. c) ( ) As sentenças I e III estão corretas. d) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas. 3 A Lei Nacional da Reforma Psiquiátrica, Lei nº 10.216/2001, propôs mudan- ças em relação ao tratamento e à compreensão de loucura na sociedade. Com relação à pessoa portadora de transtorno mental, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: ( ) Não ter acesso aos meios de comunicação para não atrapalhar o tratamento. ( ) Ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração. AUTOATIVIDADE 22 ( ) Receber o menor número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento. ( ) Ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – V – V – V. b) ( ) F – V – V – V. c) ( ) F – V – F – V. d) ( ) V – V – F – V. 4 As concepções de loucura e doença no século XV são diferentes das do sé- culo XIX. Disserte sobre quais são essas diferenças nesses períodos. 5 Foi com a psiquiatria de Pinel que a medicina passou a responder sobre os fe- nômenos patológicos, rompendo a visão religiosa predominante desde a Idade Média. Emil Kraepelin (1856-1926) contribuiu com o entendimento que temos hoje sobre psicopatologia. Disserte sobre as contribuições de Kraepelin. 23 TÓPICO 2 — UNIDADE 1 DIFERENTES CONCEPÇÕES E ABORDAGENS DA PSICOPATOLOGIA 1 INTRODUÇÃO Anteriormente, vimos um pouco sobre a loucura a partir de uma perspec- tiva histórica. Neste tópico, abordaremos como a psicopatologia pode ser com- preendida a partir de diferentes teorias, que influenciam também a forma como serão conduzidos o diagnóstico e o tratamento. A psicopatologia percorreu um caminho difícil para ser uma disciplina autô- noma, sendo uma ciência recente, influenciada pela psiquiatria, pela psicanálise e pela psicologia (FERNANDES, 2003). Segundo Jaspers, em psicopatologia, há dois objetivos possíveis de conhecimento: os fenômenos psíquicos (singulares) e dinâmicos. Os fenômenos psíquicos implicam uma psicopatologia estática, que pode ser subjetiva ou objetiva. Na psicopatologia estática, é preciso descartar qualquer teoria ou conceito precedente para colher o vivido pelo outro, tal como se apre- senta intuitivamente, numa compreensão por identificação com ele. A psicopato- logia objetiva estudar os aspectos externos dos estados psíquicos, como a postura, o discurso, a mímica facial etc., e seu método não visa a uma compreensão, mas a uma explicação (PESSOTTI, 2006). Os fatores dinâmicos se preocupam com eventos intrapsíquicos nem sem- pre passíveis de explicação. Essenciais à psicopatologia, então, são as teorias e as descobertas da Psico- logia, que também é responsável por uma série de instrumentos utilizados para o diagnóstico de pacientes. Por isso, veremos algumas abordagens referentes à psicologia e como essas teorias compreendem o indivíduo e suas patologias. 2 ABORDAGENS DA PSICOPATOLOGIA Como discutido anteriormente, há diversas formas de se perceber a doen- ça, a normalidade e os comportamentos humanos. Para compreender um pouco mais sobre essa diversidade no campo teórico, destacamos três das principais abordagens da Psicologia, apresentando um panorama geral de como são e em que se baseiam a construção dessas teorias e como elas percebem o sujeito em situação de adoecimento mental. 24 UNIDADE 1 — PSICOPATOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E PSICOLÓGICOS Não há hierarquias entre as abordagens, em termos de relevância, sendo importante destacar formas diferentes de se perceber o sujeito – todas têm contri- buições para a área da Psicologia, assim como também são passíveis de críticas, pois, nos campos acadêmico e científico, é necessário percebermos lacunas para, assim, conseguirmos transformações. 2.1 ABORDAGEM PSICANALÍTICA A psicopatologia dinâmica ocupa-se das relações dos fenômenos psíquicos com outros eventos: as relações psíquicas, que são compreensíveis e têm como exemplo o fracasso que gera depressão, e as explicativas, como a ingestão de álcool que leva à irritabilidade e à fadiga. Com isso, Jaspers conclui que é possível tentar uma explicação do comportamento do louco, mas a sua loucura ou o seu mundo delirante é inacessível à compreensão (PESSOTTI, 2006). Para a Psicanálise, os afetos são de suma importância, pois, a partir deles, as condutas e os traumas dos indivíduos passam a ficar condicionados, estando afeto e ação intimamente imbricados em conflitos e desejos inconscientes. Logo, sintomas e síndromes, para a psicanálise, podem gerar um quadro diagnósticode psicopatologia (DALGALARRONDO, 2019). O sintoma é encarado, nesse caso, como uma “formação de compro- misso”, um certo arranjo entre o desejo inconsciente, as normas e as permissões culturais e as possibilidades reais de satisfação desse de- sejo. A resultante desse emaranhado de forças, dessa “trama confliti- va” inconsciente, é o que se identifica como sintoma psicopatológico (DALGALARRONDO, 2019). Sigmund Freud foi o precursor da psicanálise, área que surgiu no século XIX, na Europa, num contexto de crescente casos de histeria. Tendo como referência Jean Martin-Charcot (1825-1893) e Josef Breuer (1842-1925), Freud passou a aderir à hipnose como estratégia de tratamento aos casos de histeria, começando a delinear sua teoria de que conteúdos inconscientes podem adoecer o corpo. No manejo da hipnose, Breuer pedia que os pacientes descrevessem seus problemas, conflitos e medos durante o transe e, ao final da sessão, embora muitas vezes melhorassem o quadro, eles não se lembravam da descrição que haviam feito, ou seja, essas lem- branças estavam além de suas consciências (BARLOW; DURAND, 2017). As teorias de Freud e Breuer foram possíveis graças às observações sistemá- ticas que realizaram sobre os casos de histeria. Um dos mais emblemáticos (e clássicos) dessa época foi o de Anna O., em 1985, uma jovem cuja saúde do corpo física indicava estabilidade e nenhum problema, mas que, aos 21 anos de idade, enquanto cuidava de seu INTERESSA NTE TÓPICO 2 — DIFERENTES CONCEPÇÕES E ABORDAGENS DA PSICOPATOLOGIA 25 pai doente e nas horas que passava ao lado do pai, durante o dia, desenvolveu uma série de sintomas físicos, como perda da visão, da audição e da fala, além da impossibilidade de comer e paralisia de braços e pernas e algumas alucinações. Com observações cons- tantes e foco em um sintoma de cada vez, Breuer induziu a paciente ao estado hipnótico, em que suas memórias eram revividas em forma de símbolos abstratos. Assim, ao mesmo tempo em que determinados eventos da infância contribuíram para o surgimento dos sin- tomas, relembrar esses eventos também contribuiu para a melhora de Anna O. Esse é um caso que consta no livro Estudos sobre a Histeria, de autoria de Breuer e Freud. Além disso, o filme Freud Além da Alma conta a história do início da psicanálise e os de- safios que Freud enfrentou para apresentar e legitimar para a comunidade acadêmica sua nova teoria de desenvolvimento humano. FIGURA - IMAGENS DE BREUER, ANNA O. E FREUD FONTE: <https://bit.ly/3Go0UQ6>. Acesso em: 29 ago. 2021. A partir de um arsenal de observações, acompanhamentos e tratamentos, Freud desenvolveu um modelo psicanalítico, que aborda o desenvolvimento e a estrutura de nossas personalidades. Nesse interim, dependendo de como sujeito consegue lidar (ou driblar) seus conteúdos psicológicos, pode desenvolver quadros de transtornos psicológicos. A visão psicanalítica de indivíduo é, em grande medi- da, determinista, sendo o sujeito dominado por forças inconscientes. A psicanálise é uma das correntes mais importantes da psicologia e suas ideias são de grande influência e importância para o século XX, quando passou a olhar para si, para a in- fância e para a sexualidade a partir de novos termos (DALGALARRONDO, 2015). De acordo com Barlow e Durand (2015, p. 18), há três principais facetas da teoria psicanalítica: (1) a estrutura da mente e as distintas funções da personalidade, que as vezes se chocam umas com as outras; (2) os mecanismos de defesa com os quais a mente se defende desses choques ou conflitos; e (3) os estágios do desenvolvimento psicossexual precoce que oferece os subsídios para nossos conflitos internos. 26 UNIDADE 1 — PSICOPATOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E PSICOLÓGICOS Por essa via, a estrutura da mente é composta por id, ego e superego. O id diz respeito à fonte de nossos desejos sexuais e agressivos, e, por isso, opera a partir do princípio do prazer. Quando vemos uma criança em seus primeiros me- ses de vida, pensando a partir de uma perspectiva psicanalítica, dizemos que ela é “puro id”, no sentido de que ela busca apenas alcançar seus desejos. Isso porque o id opera a partir de um “processo primário” de informação, sendo irracional, emocional, ilógico e repleto de fantasias. O superego, por sua vez, é formado com base em princípios morais, pois sua construção depende também da cultura na qual o indivíduo está inserido, tendo uma forte carga de noção civilizatória; o que for considerado bom, respon- sável, ético e moral, será por onde o superego caminhará. Por isso, os conteúdos impulsivos, agressivos e/ou sexuais do id, marcados pelo princípio do prazer, não chegam integralmente ao superego, que é mais rígido e tem sua formação a partir das lógicas sociais. O ego, por outro lado, é regulado a partir do princípio da realidade, pois processa as informações decorrentes de um “processo secundário”, enfatizando o uso das cognições de pensamento, com racionalidade e lógica. O ego é responsá- vel por mediar as informações e os conflitos entre id e superego, tendo, portanto, uma função conciliadora entre os desejos e a realidade. Desse modo, caso essa mediação do ego seja bem-sucedida, o sujeito pode alcançar realizações, levar uma vida criativa e com bem-estar. Caso contrário, ou seja, se o superego ou o id tornar-se mais enfatizado, forte ou rígidos, o conflito intrapsíquico domina, abrindo espaço para o desenvolvimento de transtornos psicológicos. FIGURA 1 – INDICAÇÕES DA ESTRUTURA DA MENTE DE ACORDO COM A PSICANÁLISE: ID, EGO E SUPEREGO FONTE: Barlow; Durand (2015, p. 19) Essa espécie de “batalha psíquica” em que o ego é um mediador entre id e superego pode, ocasionalmente, causar ansiedade, devido a pressões que o ego pode sofrer nessas mediações. A ansiedade, nesse sentido, é entendida como um sinal para que sejam postos em ação alguns mecanismos de defesa, que são TÓPICO 2 — DIFERENTES CONCEPÇÕES E ABORDAGENS DA PSICOPATOLOGIA 27 “processos protetores inconscientes que mantem sob controle as emoções primi- tivas associadas aos conflitos, de maneira que o ego possa continuar a funcionar adequadamente” (BARLOW; DURAND, 2015, p. 19). Os mecanismos de defesa são utilizados por todos nós e a forma como lida- mos e enfrentamos os conflitos é essencial para compreendermos alguns quadros de psicopatologia. Alguns exemplos de mecanismos de defesa são descritos como: • negação: recusa reconhecer algum aspecto da realidade objetiva ou da experiência subjetiva que é visível para outras pessoas; • deslocamento: transfere um sentimento sobre um objeto (ou uma resposta a ele) que causa desconforto para outra pessoa ou objeto, geralmente menos ameaçadores; • projeção: atribui falsamente os próprios sentimentos, impulsos e pensamentos inaceitáveis para outra pessoa ou objeto; • racionalização: encobre as verdadeiras motivações de atos, pen- samentos e sentimentos por meio da elaboração de explicações confortadoras para si mesmo, mas incorretas; • formação reativa: substitui comportamentos, pensamentos ou senti- mentos por outros que são diretamente opostos àqueles inaceitáveis; • repressão: bloqueia desejos, pensamentos ou experiências pertur- badores da mente consciente; • sublimação: direciona sentimentos ou impulsos potencialmente mal adaptativos para se tornarem comportamentos socialmente aceitos (BARLOW; DURAND, 2015, p. 19). Por exemplo, numa situação hipotética de um ambiente de trabalho, em que o chefe é grosseiro e agressivo com o funcionário, o qual, devido a sua po- sição hierárquica ou a sua forma de resolver conflitos, não pode responder na mesma proporção; ao chegar em casa, esse funcionário pode deslocar o tal con- flito para uma outra relação, como brigar com esposa ou filhos, uma vez que sua posição no ambiente doméstico permite e aceita tais ações. Por outro lado, se ele liberasse essa tensão e esse conflito do ambiente de trabalho compondo um dese- nho ou uma melodia, ele estaria sublimando oconflito, dando contornos criativos e socialmente aceitos a essa situação. Nesse sentido, um dos principais objetivos de um tratamento psicanalíti- co tradicional é trazer à consciência material o que foi reprimido, ou seja, o que está no inconsciente. Para isso, há diversos métodos adotados, como o método de “associação livre”, utilizado desde os primórdios da psicanálise, em que o sujeito diz literalmente tudo o que lhe vem à mente, como nos casos de histeria. Os tratamentos mais atuais com a psicanálise exploram aspectos do “self”, que são inconscientes e que o sujeito não reconhece, de modo que o terapeuta desempenhe a função de estudar como os sujeitos revelam e influenciam esses conteúdos que vêm à tona. De toda forma, o foco do tratamento psicanalítico está na exploração das experiências emocionais do indivíduo (atuais ou passadas), de seus mecanismos de defesa, de seus relacionamentos íntimos e de suas fantasias de maneira geral (sonhos, devaneios etc.). 28 UNIDADE 1 — PSICOPATOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E PSICOLÓGICOS A teoria de Freud influenciou o mundo e firmou-se como um novo para- digma da mente, embora seja considerada a versão “clássica” ou “ortodoxa” da psicanálise. Diversos outros autores contribuíram com a teoria psicanalítica, po- dendo-se citar, inicialmente, Carl Jung (1875-1961), um estudante de Freud e que rejeitou algumas das ideias deste, formando seus próprios pensamentos (BAR- LOW; DURAND, 2015). Jung era um proeminente discípulo de Freud, mas rejeitou diversos as- pectos sobre conotação sexual da teoria de seu mestre, apresentando o conceito de “inconsciente coletivo”, que seria um conhecimento acumulado historicamen- te, passado de geração para geração, armazenado profundamente na mente dos indivíduos, da sociedade e da cultura (BARLOW; DURAND, 2015). Nesse senti- do, ele aborda muitos aspectos dos desejos espirituais e religiosos, dando a eles tanta importância quanto aos desejos sexuais, aproximando-se de ideias míticas da existência humana. Por algum tempo, Jung também estudou noções da caba- la, do tarot e mandalas, percebendo padrões da natureza que surgem em nossos sonhos. O trabalho com mandalas ficou amplamente conhecido e é utilizado até hoje em alguns centros de reabilitação. Além disso, também abordou traços está- veis da personalidade, como introversão e extroversão. Psiquiatra alagoana, Nise da Silveira (1905-1999) foi uma das maiores repre- sentantes da corrente junguiana no Brasil. Jovem médica, formada pela Universidade da Bahia e psiquiatra principiante no hospício da Praia Vermelha, Nise da Silveira sempre ou- sou; esquerdista, atuante na União Feminina do Brasil, foi presa pela ditadura getulista, ao lado de Olga Prestes e Elisa Berger. Também foi expulsa do Partido Comunista, pelo crime inafiançável de suposto trotskismo. Nise da Silveira equilibrava-se entre as estruturas rígidas das instituições e sua inegável vocação para a marginalidade. Seu feito mais celebrado foi ter transformado honestas e sedativas atividades de terapia ocupacional em vias libertárias de realização estética para os internos do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Foram esses trabalhos artísticos dos internos que culminaram na criação do Museu de Imagens do Inconsciente, em 1952, do qual parte do acervo veio a ser apresentado em São Paulo, em 2000, na mostra Brasil 500 anos. Em 1955, Nise fundou, no Rio de Janeiro, um grupo de estudos sobre C. G. Jung, que viria a se tornar um centro aglutinador de todos que bus- cavam caminhos alternativos aos diversos discursos hegemônicos que, então, dominavam o campo “psi”. Já em 1956, preocupada em resgatar a dimensão humana dos denomina- dos “loucos”, Nise da Silveira criou a Casa das Palmeiras, instituição pioneira de acolhimen- to, de portas sempre abertas, e que, na opinião de um de seus primeiros clientes, seria “um cantinho que iria modificar o mundo”. Em 2015, foi lançado um filme biográfico em sua homenagem Nise: no coração da loucura, que conta uma pouco de sua história, por ter proposto uma nova forma de tratamento aos pacientes que sofrem da esquizofrenia, eliminando o eletrochoque e a lobotomia. Ao longo da história, vemos como seus colegas de trabalho discordam do seu meio de tratamento e a isolam, restando a ela assumir o abandonado Setor de Terapia Ocupacional, no qual dá início a uma nova forma de lidar com os pacientes, através do amor, da arte e de mandalas. INTERESSA NTE TÓPICO 2 — DIFERENTES CONCEPÇÕES E ABORDAGENS DA PSICOPATOLOGIA 29 FIGURA - NISE DA SILVEIRA, MULHER NA FAIXA ETÁRIA DOS 60 ANOS FONTE: <https://bit.ly/3EgwRIw>. Acesso em: 7 abr. 2021. 2.2 ABORDAGEM COMPORTAMENTAL E COGNITIVA O modelo comportamental (ou modelo cognitivo-comportamental; ou mo- delo de aprendizagem social), a partir do século XX, ganhou cada vez mais desta- que com sua proposta pragmática, experimental e baseada em evidências e obser- vações. Desse modo, percebemos a diferença e a distância entre esse modelo e a psicanálise, uma vez que esta valoriza e investiga processos intrapsíquicos, lançan- do uma teoria sobre estrutura abstrata da mente que regularia o comportamento. O modelo comportamental, em contrapartida, trabalha essencialmente com as pos- sibilidades que o contexto oferece, não estando ligada, em um primeiro momento, a investigações ou especulações sobre questões do comportamento que não podem ser mensuradas a partir de observação e experimento (BARLOW; DURAND, 2015). Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) foi um dos pioneiros a investigar sobre o condicionamento clássico. O experimento mais conhecido de Pavlov consistia em examinar por que os cachorros salivavam antes receberem sua comida. As- sim, estudou como ocorria a condição da presença de um evento particular, ou seja, um estímulo. No caso de Pavlov, observou-se que os cachorros, ao ouvi- rem os sons dos passos do assistente de laboratório, já começavam a salivar, pois os passos indicavam que, no momento seguinte, a comida seria servida. Dessa forma, havia um condicionamento da resposta (salivar) do cachorro de acordo com as condições (passos) do ambiente. Posteriormente, Pavlov passou a utilizar um metrônomo para que a observação fosse mais fidedigna. Não obstante, se o estímulo é lançado sem que seja oferecida a comida por um longo período, o condicionamento perdia a eficácia, ou seja, o cachorro já não apresentava mais a resposta (BARLOW; DURAND, 2015). 30 UNIDADE 1 — PSICOPATOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E PSICOLÓGICOS FIGURA 2 – IVAN PAVLOV FIGURA 3 – WATSON FONTE: <https://bit.ly/3CdWgSv>. Acesso em: 29 ago. 2021. FONTE: <http://www.psicologiavirtual.net/2018/01/ivan-pavlov-autor.html>. Acesso em: 29 ago. 2021. O psicólogo John B. Watson (1878-1958), influenciado por Pavlov, é consi- derado o fundador da abordagem comportamental (behaviorista). Watson tinha como base teórica a ciência natural e não partia de pressupostos de introspecção, pois acreditava que esses métodos não seriam quantificáveis, tendo como metas a previsão e o controle do comportamento, e dando ao behaviorismo o status de ciência empírica radical. TÓPICO 2 — DIFERENTES CONCEPÇÕES E ABORDAGENS DA PSICOPATOLOGIA 31 O PEQUENO ALBERT Em um dos mais famosos e controversos experimentos, Watson e Rosalie Rayner, uma de suas alunas, estudaram o medo com o pequeno Albert, um menino de 9 meses de idade. Os pesquisadores deram a Albert um ratinho branco, totalmente inofensivo, e a criança não apresentou medo, pelo contrário, gostava de se divertir com seu animal de estimação. No entanto, como parte do estudo, todas vezes que Albert ia em direção do rato para pe- gá-lo, soltavam um barulho alto atrás dele. Com isso, após cinco tentativas de pegar o rato, Albert mostrou os primeiros sinais de medo. Além disso, a criança passou a demonstrar medo de outros animais, como um coelho, por exemplo, e também a apresentar medo de qualquer objeto branco peludo, como até mesmo a barba do Papai Noel. Obviamente,
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