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ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA E O NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA UNIASSELVI-PÓS Autoria: Luciane Eloisa Brandt Benazzi Indaial - 2021 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2021 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. B456e Benazzi, Luciane Eloisa Brandt Estratégia saúde da família e o núcleo de apoio à saúde da família. / Luciane Eloisa Brandt Benazzi – Indaial: UNIASSELVI, 2021. 197 p.; il. ISBN 978-65-5646-440-4 ISBN Digital 978-65-5646-441-1 1. Saúde da família. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 613 Impresso por: Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Jairo Martins Marcio Kisner Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS ..................7 CAPÍTULO 2 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA .....77 CAPÍTULO 3 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL ................139 APRESENTAÇÃO Prezado acadêmico, seja muito bem-vindo a esta disciplina, denominada de Estratégia Saúde da Família e Núcleo de Apoio à Saúde da Família, a qual visa fornecer elementos para uma reflexão crítica acerca dessas duas temáticas que produziram (e continuam a produzir) mudanças e impactos na organização dos serviços de saúde no território nacional ao longo do tempo. É preciso considerar que, em mais de 25 anos de implementação, a Estratégia Saúde da Família tem sido concebida como o componente primordial da agenda política para a organização dos serviços e das ações de saúde no Brasil, suscitando inúmeros resultados auspiciosos para a saúde da população. Sabemos que trabalhar com a saúde, nas famílias, não é uma tarefa fácil, ainda mais em um país tão diverso, inserido em um contexto permeado de desigualdades e com situações de saúde e de adoecimento díspares, como é a nossa realidade. Entretanto, acreditamos no potencial de mudanças e temos certeza de que você é capaz de transmutar a realidade, desempenhando, da melhor forma possível, o papel de agente transformador. Convidamos você, ao longo da disciplina, a trilhar um percurso desafiador, a pluralizar o seu olhar sobre a realidade do seu trabalho e a refletir, pensando em múltiplas formas, contribuindo, assim, para a efetivação do SUS e da Estratégia Saúde da Família. A partir dessa perspectiva apresentada, este material didático foi elaborado, tendo, como base teórica, bibliografias relevantes às temáticas envolvidas, estando dividido em três capítulos: Capítulo 1: Saúde da Família: Antecedentes Históricos, composta por três seções: SUS, Onde Tudo Começou; Família Como Foco de Atenção; e Atenção Primária à Saúde, Redes de Atenção à Saúde e Política Nacional de Atenção Básica: Reflexões Históricas para a Compreensão da Saúde da Família. Capítulo 2: Princípios Gerais da Estratégia Saúde da Família, formada por três seções: Do Programa à Estratégia Saúde da Família: Evolução Histórica; Estratégia Saúde da Família: Princípios e Diretrizes; e Organização e Processo de Trabalho na Estratégia Saúde da Família. Capítulo 3: ESF e NASF-AB: Interface e Panorama Atual, constituído por três seções: Do NASF ao NASF-AB: Conhecendo o Núcleo Ampliado de Saúde da Família; Apoio Matricial e Integração entre ESF e NASF-AB; ESF E NASF-AB: Impasses, Desafios e Papel na Pandemia da COVID-19. Como você pode observar, os conteúdos são extensos e teóricos, e, guardadas as limitações, não se pretende esgotar, aqui, temas tão complexos, mas apresentar algumas considerações relevantes, com base em referenciais diversificados e atualizados, na medida do possível, haja vista que apresentaremos fatos históricos no decorrer da nossa disciplina. Nosso intuito é que o seu aprendizado seja um processo de construção participativo e ativo, e, por isso, você será convidado a ampliar e a aprofundar os seus conhecimentos por meio de leituras complementares de artigos científicos e de sugestões de livros, de filmes e de documentários, os quais estarão indicados no decorrer do estudo. É importante que você organize uma rotina de estudo, a fim de atender às demandas da disciplina. Dessa forma, é imprescindível a sua participação nos fóruns, para que possa trocar ideias e experiências, além de realizar as atividades de estudos que estarão disponibilizadas no fim de cada seção, para que você verifique o seu aprendizado. Vamos lá, organize-se e dê início à disciplina! Desejamos uma boa leitura e um excelente aprendizado. Abraços! Prof.ª Ma. Luciane Benazzi CAPÍTULO 1 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: • Proporcionar uma visão global e abrangente dos antecedentes da Saúde da Família, como enfoque estratégico para a organização da Atenção Primária em Saúde. • Estimular, nos acadêmicos, o desenvolvimento de um olhar crítico e refl exivo sobre os processos históricos que antecederam a Saúde da Família. • Propiciar a compreensão do processo de construção do Sistema Único de Saúde (SUS) a partir das perspectivas histórica, política, econômica e social. • Constatar o sistema de saúde como fruto de um processo histórico, em constante construção e em conexão com as distintas formas de organização. • Compreender a evolução histórica da família na sociedade, analisando as diferentes confi gurações. • Reconhecer o contexto familiar como espaço de unidade de cuidados à saúde. • Identifi car as características da Atenção Primária Básica (APS)/Atenção Básica (AB), das Redes de Atenção à Saúde (RAS) e da Política Nacional de Atenção Básica. 8 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA 9 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Neste capítulo, abordaremos os antecedentes históricos que conformaram a saúde da família no Brasil, objetivando uma imersão na história e uma verdadeira viagem no tempo. Dessa forma, as referências utilizadas para a elaboração deste capítulo são, basicamente, as que tratavam dos temas na época, ou seja, são fontes históricas. Inicialmente, apresentaremos uma breve resenha historiográfi ca dos antecedentes do SUS; faremos uma breve abordagem da Medicina Comunitária e de alguns projetos alternativos de atenção à saúde, ocorridos nos anos de 1970; e, em seguida, revisitaremos a história da construção do Sistema Único de Saúde (SUS), fechando, assim, a nossa primeira parte, denominada de SUS, Onde Tudo Começou. Nosso próximo momento, designado de Família como Foco de Atenção, trará tópicos que abordarão a família como unidade cultural, social e política; a família brasileira e a inserção dela nas políticas de saúde; e uma visão geral para o trabalho nesses lares. Por fi m, a última seção, Atenção Primária à Saúde, Redes de Atenção à Saúde e Política Nacional de Atenção Básica: Refl exões Históricas para a Compreensão da Saúde da Família, relatará, de forma abreviada, essas três temáticas. Cabe salientar que apresentaremos os principais fatos históricos que infl uenciaram a conformação da saúde da família no Brasil, portanto, essa revisão não pretende ser exaustiva, muito menos esgotar temas tão abrangentes. Convidamos você a entrar no mundo da história, pois, antes de adentrarmos no universo da EstratégiaSaúde da Família, precisamos conhecer a evolução histórica da assistência à saúde ao povo brasileiro, para que possamos compreender e, principalmente, valorizar todas as conquistas e avanços, além de abarcar os retrocessos ocorridos. 2 SUS: ONDE TUDO COMEÇOU Antes de revisitarmos o Sistema Único de Saúde (SUS), é importante relembrarmos alguns fatos históricos que antecederam a criação dele, a fi m de que se possa compreender a construção do maior sistema público de saúde do mundo. 10 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA É pertinente reiterar que a compreensão da construção do SUS transita pelas contextualizações política e econômica do país, e, por isso, requer a apreensão da trajetória histórica. Faremos uma breve resenha historiográfi ca, ou seja, não apresentaremos todos os fatos, tendo sido organizados de forma resumida, para que possamos refl etir e entender o SUS no contexto atual. 2.1 ANTECEDENTES DO SUS: RECORTE HISTÓRICO Teremos que recuar no tempo e iniciar nos primórdios da nossa história, ou seja, recordar que não houve uma “descoberta” casual do Brasil, mas que havia uma intenção econômica em explorar as nossas terras e os recursos naturais. O nosso país não era um local desabitado, apresentava uma população – indígena –, a qual habitava aqui. Naquele momento, com a chegada dos portugueses, houve a disseminação de inúmeras doenças, o que modifi cou os processos de saúde e de doença da época. O Brasil estava submetido a Portugal, política e economicamente, com a exploração de ciclos do pau-brasil, da cana, da mineração e do café, para atender às necessidades do comércio internacional. A vinda da Família Real, em 1808, mudou, um pouco, o cenário, no que se refere à saúde e à parte administrativa do país, por meio do controle sanitário dos produtos consumidos e comercializados, objetivando o combate da proliferação de doenças e a resolução das questões sanitárias proeminentes. O Brasil Império teve início com Independência do Brasil, em 1822, encerrando-se em 1889, com a Proclamação da República, com diversos episódios históricos, dentre eles, a 1ª Constituição brasileira, a abdicação de D. Pedro I, as inúmeras revoltas, a Abolição da Escravatura etc. No que se refere à saúde, vale salientar que, até 1850, as atividades de saúde pública estavam limitadas ao controle dos navios, dos portos, com a delegação das atribuições sanitárias às juntas municipais, sem que resolvessem os problemas de saúde. 11 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 O período Imperial foi fi nalizado com a ausência de infraestrutura básica, precárias condições sanitárias, vários surtos epidêmicos e inexistência de legislação relativa à saúde pública (BRASIL, 2011a). Cabe frisar que, desde a época colonial, até o início da República Velha, a economia dependia das exportações de açúcar, de café, de borracha e de algodão, e, até 1888, era utilizada a mão de obra escrava. De 1889 a 1930, denominado de República Velha, o Brasil apresentou um arranjo político semelhante aos últimos anos do Império, sendo governado pelas oligarquias dos estados mais abonados, ou seja, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, tendo, como principal setor econômico, o café, o que concedia, aos cafeicultores, poder, os quais aplicavam parte dos lucros nas cidades. Salienta-se que a Proclamação da República trouxe um ideal de modernização, o que tornou necessário que os serviços sanitários fossem reavaliados, embora com viés mercadológico, para manter a população longe das doenças, almejando uma mão de obra hígida. O início do século XX foi marcado pela implementação de campanhas sanitárias, de forma arbitrária, gerando oposição por parte da população e da classe política adversária, o que gerou a Revolta da Vacina, em 1904, em decorrência da vacinação obrigatória contra a varíola, imposta por Oswaldo Cruz, então Diretor Geral de Saúde Pública. Nesse sentido, as décadas de 1920 e de 1930 foram evidenciadas pelo modelo intervencionista do Estado na área social, vinculando o cidadão ao mercado de trabalho (PAIM et al., 2011). O período de 1930 a 1945, na Era de Getúlio Vargas, fi cou conhecido pelas primeiras tentativas nacionalizantes, com as conquistas de alguns direitos nas área do trabalho e da saúde, um marco histórico na confi guração das políticas sociais brasileiras, apesar de haver uma política de privação de liberdade, inclusive, com o cancelamento da votação presidencial para uma reforma administrativa. O período de 1945 a 1964, denominado de República Populista, ou Desenvolvimentista, é lembrado por diversos presidentes. Teve-se o retorno de Getúlio Vargas, em 1950, permanecendo na presidência até 1954 (ano do suicídio). Após um breve governo de Café Filho, Juscelino Kubitschek assumiu em 1955, com a promessa de realizar “cinquenta anos em cinco”, fazendo muitos investimentos em construções de estradas e de indústrias automobilísticas, acumulando muitas dívidas. Jânio Quadros assumiu a presidência em 1961, permanecendo por sete meses, quando renunciou à presidência. Já o governo de João Goulart (1961 a 1964) foi marcado pelas instabilidades política e econômica, sendo que, com o golpe militar, abandonou o cargo. 12 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Basicamente, a partir das duas grandes guerras mundiais, a hegemonia capitalista foi assumida pelos Estados Unidos da América (EUA), e diversos aspectos do desenvolvimento brasileiro seguiram o modelo e os valores norte- americanos, amplifi cando-se com o Golpe Militar de 1964, o qual durou 21 anos. Durante esse período ditatorial, o Brasil teve cinco presidentes, passou por diversas instabilidades econômicas e problemas sociais, embora tenha tido um período de ápice, denominado de “milagre econômico”, entre 1968 e 1973. Também, nessa época, o Brasil protagonizou uma das maiores migrações por meio do êxodo rural, fazendo com que milhares de pessoas se alojassem nas periferias e nas favelas, contribuindo, ainda mais, para a caótica situação da saúde pública. Em 1966, foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), o qual unifi cou os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), integrando o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), sendo responsável pela concessão e pela manutenção de benefícios pecuniários e de assistência médico- hospitalar aos trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e aos dependentes (FGV, 2001). A área da saúde continuava à margem, acirrando contrastes e desigualdades, com indicadores de saúde cada vez mais baixos, e altos índices de mortalidade infantil, refl exo da pobreza e da falta de assistência à saúde, o que estava atrelado à carteira de trabalho. A assistência médico-hospitalar era prestada por meio do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), uma autarquia do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), criado em 1977, benefi ciando apenas os trabalhadores da economia formal (trabalhadores que contribuíam com a previdência social) e os dependentes deles. Assim, o INAMPS, para atender, contratava serviços privados, e aplicava recursos, nos Estados, de forma proporcional ao volume arrecadado e aos benefi ciários existentes, o que se tornou uma política pública de saúde, extinta em 1993 (BRASIL, 2002a). A política dominante era a de privatização da saúde, benefi ciando a rede particular, uma vez que o governo capitalizava as empresas de medicina privada, por meio de repasses fi nanceiros a elas, ao invés de investir na saúde pública. Em suma, havia um setor privado que era inviável para a maioria da população, devido ao custo. Ainda, um setor público, que contemplava os trabalhadores formais que contribuíam com a previdência, mas que não resolvia todos os problemas do povo. Portanto, havia a duplicidade de um sistema cindido 13SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 entre a saúde pública e a previdenciária. A preocupação do governo militar, com as condições de saúde da população, era pontual, priorizando a construção de hospitais não públicos e investindo na indústria farmacêutica e na cura das patologias, ou seja, os serviços de saúde estavam sob o modelo curativista hospitalocêntrico. Assim, o modelo de saúde vigente se tornava insustentável, haja vista que era centralizado, desintegrado, sem cunho preventivo, extremamente custoso, totalmente desprovido de recursos para práticas coletivas, tornando, a saúde, uma mercadoria, a qual a maioria não podia comprar. Para enriquecer o seu aprendizado, sugerimos a leitura de Os Anos de Chumbo: A Saúde sob a Ditadura, de autoria de Carlos F. Ponte e de Dilene R. do Nascimento: http://www.observatorio.epsjv. fi ocruz.br/upload/na%20corda%20bamba/cap_6.pdf. Outro fato relevante, o qual não podemos deixar de abordar, sucintamente, é a Reforma Sanitária Brasileira, surgida na década de 1970, liderada por profi ssionais da saúde e por pessoas vinculada ao setor, em busca da melhoria das condições de saúde, da qualidade de vida e da atenção à população. Foi um movimento que lutou pela reestruturação do sistema de serviços de saúde e defendeu a democratização, pois era contrário à política de saúde vigente, a qual estava ancorada na medicina privatista previdenciária. Dessa forma, o SUS teve a gênese nesse movimento. Para que você possa compreender melhor a Reforma Sanitária Brasileira, indicamos que acesse a Videoaula - Parte 1 - Reforma Sanitária: Trajetória e Rumos do SUS, de Jairnilson Paim, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=PRssz1_wcEU. Ainda, a parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=o2ESpAg9FG4&t=21s. 14 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Já a Nova República (1985-1988) foi marcada pelo fi m da ditadura, pela volta da democracia (movimento Diretas Já), por uma profunda crise econômica, pelo desemprego em massa, pelo descontrole infl acionário, pelo Plano Cruzado etc. Contudo, em contrapartida, houve a promulgação da Constituição Federal, a qual fi cou conhecida como Constituição Cidadã, por incorporar vários direitos ao povo brasileiro, inclusive, o direito à saúde, com a criação do SUS. A respeito do surgimento do SUS, abordaremos mais adiante. Ainda, nesse período, no setor da saúde, uma série de tentativas foi articulada para que houvesse reestruturação, por meio de medidas que sinalizavam a unifi cação assistencial, com viés preventivo e organização descentralizada, seguindo os preceitos da Reforma Sanitária Brasileira. A realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, foi o ponto- chave para o delineamento do Sistema Único de Saúde, sendo difundidas as diretrizes para a construção de um sistema único e descentralizado. Foi um evento memorável, pois, pela primeira vez, contou com a participação popular (mais de 4.000 pessoas participaram), de extrema signifi cância, e que reverbera até os dias atuais, inclusive, tendo menção na 16ª Conferência Nacional de Saúde (8ª+8), ocorrida em 2019 (BRASIL, 1986; 2019). Para elucidar a importância do movimento da Reforma Sanitária Brasileira e da VIII Conferência Nacional de Saúde, propomos que você assista ao vídeo de abertura dessa conferência, com a fala do sanitarista Sérgio Arouca: https://www.youtube.com/watch?v=-_ HmqWCTEeQ. Ainda, conta-se a história em comemoração aos 30 anos da VIII CNS, produzida pela ENSP/FIOCRUZ: https://www. youtube.com/watch?v=zZAHdF0fNps. 15 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 Nessa abrangência, a década de 1980 teve a implantação/idealização de três projetos (com exceção do SUS): 1. Prev-Saúde: idealizava ampliar a assistência à saúde para toda a população, incluindo aqueles que não contribuíam com a Previdência. Contudo, não foi colocado em prática, uma vez que grupos atuantes na medicina privada se opuseram ferrenhamente, pois o atendimento médico ofertado pelo Estado, de forma gratuita, poderia reduzir o lucro do setor privado de saúde. 2. Ações Integradas de Saúde (AIS): criadas em 1982, era um modelo assistencial que visava à integração das ações educativas, preventivas e curativas, uma estratégia para o processo de descentralização da saúde, tendo, como ênfase, a Atenção Básica/Primária como “porta de entrada” do sistema para a rede ambulatorial. Por meio delas, muitos bairros carentes de distintas cidades receberam pequenos postos de saúde. 3. Sistema Unifi cado Descentralizado de Saúde (SUDS): criado em 1987, no âmago do INAMPS, tinha, para o delineamento, alguns componentes elementares preconizados pela Reforma Sanitária, como: universalização, descentralização, regionalização, equidade, hierarquização e participação comunitária. O plano era repassar, aos poucos, a responsabilidade do INAMPS, a fi m de descentralizar ou de municipalizar a gestão dos serviços de saúde (BRASIL, 2011a; ESCOREL, 2008; POLIGNANO, 2004). Em algumas literaturas especializadas, há relatos de que o SUDS foi um estágio evolutivo das Ações Integradas de Saúde, um protótipo do SUS, abrindo caminhos para a construção dele. Em 1988, ocorre a promulgação da nova Constituição Federal, trazendo novos “ares” para o Brasil e para a população, especialmente, no que se refere à saúde, ao contemplá-la nos Arts. 196 a 200, sendo que, naquele momento, o SUS ganhava vida, e que, mais adiante, regeria a área da saúde no país. Para encerramos esta parte, apresentaremos um quadro-resumo com os principais fatos ocorridos nos distintos períodos históricos (Brasil-Colônia até Nova República), considerando os contextos político e socioeconômico, além do setor da saúde. 16 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA QUADRO 1 – RESUMO DO PROCESSO HISTÓRICO NOS CONTEXTOS POLÍTICO E SOCIOECONÔMICO E SETOR DA SAÚDE - BRASIL COLONIAL ATÉ NOVA REPÚBLICA PERÍODO HISTÓRICO CONTEXTO POLÍTICO CONTEXTO SOCIOECONÔMICO SETOR SAÚDE Brasil Colonial (1500-1822) Momento político atrelado a Por- tugal. Exploração das matérias-primas por Portugal. País agrário e extra- tivista. Predomínio de curandeiros, pajés. Instalação das Santas Casas de Miseri- córdia e das faculdades de Medicina. Organização sanitária incipiente, sem modelo de atenção à saúde. Serviços de saúde precários e insufi cien- tes. Predomínio das doenças pestilenciais. Brasil-Império (1822-1889) Centralismo político. Sistema de coro- nelismo (controle por parte dos grandes proprie- tários de terra). Priorização do sanea- mento dos portos. Preocupação com a infraestrutura e a urbanização das prin- cipais localidades. Surgimento do capita- lismo moderno. Início da industriali- zação. Ênfase na Polícia Sanitária. Administração da saúde centrada nos municípios. Criação das primeiras instituições de controle sanitário dos portos e das epi- demias. Predomínio das doenças pestilenciais. Ações voltadas, exclusivamente, para as situações emergenciais das epidemias que ocorriam nos centros urbanos. República Velha (1889- 1930) Estado liberal-oli- gárquico. Revoltas militares (Revolução de 1930). Emergência das questões sociais. Economia agroex- portadora (capital comercial). Crise do café. Insalubridade nos portos. Introdução do Modelo Campanhista Sa- nitarista. Diretoria Geral de Saúde Pública (cria- ção e posteriores reformas). Lei Eloy Chaves (Caixas de Aposentado- ria e Pensão CAPs). Acesso a serviços de saúde fi lantrópicos e particulares. Incipiente assistência à saúde por meio da previdência social. Dicotomia entre saúde pública e previ- dência social. Doenças pestilenciais e de massa (tuber- culose, endemias rurais, sífi lis). 17 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 Era Vargas (1930-1945) “Estado Novo” (Estado autoritá- rio entre 1937 e 1938, identifi cado com o nazifascis- mo). Industrialização,com manutenção da estrutura agrária. Institucionalização da saúde pública pelo Ministério da Educação e Saúde. Institucionalização da previdência social e da saúde ocupacional pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Intensifi cação do modelo campanhista sanitarista. Campanhas de saúde pública (febre amarela e tuberculose). Criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs). I Conferência Nacional de Saúde (1941). Predomínio das endemias rurais, tuber- culose, defi ciências nutricionais, aciden- tes de trabalho etc. Período Desenvol- vimentista (1945-1964) Governos popu- listas, liberais e desenvolvimen- tistas. Substituição de importações. Rápida urbanização. Migrações. Indústria automobi- lística. Introdução do capital internacional. Criação do Ministério da Saúde. Expansão hospitalar. Surgimento das empresas de saúde. Leis unifi cadoras dos direitos de previ- dência social dos trabalhadores urbanos. II Conferência Nacional de Saúde. Doenças modernas (doenças crônicas degenerativas, acidentes de trânsito e de trabalho), doenças infecciosas e parasi- tárias. Alta taxa de morbimortalidade infantil. 18 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Regime Militar (1964-1984) Golpe militar, ditadura em 1964 (regime autoritá- rio e centraliza- dor). Reforma adminis- trativa em 1966. Crise política. Abertura lenta e gradual da política. Liberalização. Movimentos sociais. Transição política (1974-1984). Internacionalização da economia. Período do Milagre econômico entre 1968 e 1973. Fim do Milagre Eco- nômico (1973). Penetração do capi- talismo no Campo e nos serviços. Unifi cação dos IAPs no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). III Conferência Nacional de Saúde (1963). Privatização da assistência médica. Capitalização do setor da saúde. Criação do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), em 1976. V Conferência Nacional de Saúde (1975). Crise na previdência social e no sistema de saúde. Instituto Nacional da Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), em 1977. VI Conferência Nacional de Saúde (1977). Sistema de saúde centralizado e fragmen- tado. Setor privado benefi ciado. Financiamento dos Estados e dos municí- pios por parte do INAMPS, para a expan- são da cobertura. Surgimento das Ações Integradas de Saú- de (AIS). VII Conferência Nacional de Saúde (1980). Prev-Saúde. Predomínio das morbidades modernas, persistência das endemias rurais e doen- ças infecciosas e parasitárias. Nova Repú- blica (1985- 1988) Início da “Nova República” (1985). Ampliação do Movimento de Reforma Sani- tária. Assembleia Nacional Consti- tuinte. Nova Consti- tuição Federal (1988). Fim da recessão. Reconhecimento da dívida social. Planos de estabiliza- ção econômica. Crise infl acionária. Continuação do fi nanciamento aos Esta- dos e aos municípios pelo INAMPS. Expansão das AIS. Saúde incluída na agenda política. VIII Conferência Nacional de Saúde (1986). Implantação do Sistema Unifi cado e Des- centralizado de Saúde (SUDS), em 1987. Redução da mortalidade infantil e das do- enças preveníveis por imunização; persis- tência das doenças modernas; aumento das mortes violentas; crescimento da AIDS; e epidemia de dengue. FONTE: A autora 19 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 Que tal fazermos uma viagem no túnel do tempo? Para isso, sugerimos que você assista ao documentário Políticas de Saúde no Brasil: Um Século de Luta pelo Direito à Saúde, para conhecer um pouco mais a respeito da história da saúde no país: https://www. youtube.com/watch?v=-gSIBFcnCIs. 2.1.1 BrEVE APrESENTAÇÃo DA MEDiCiNA ComuNiTáriA E DoS ProJEToS ALTErNATiVoS Ao SiSTEmA DE SAÚDE NA DÉCADA DE 1970 Você já tinha ouvido falar de que, antes do SUS, projetos de gestão de saúde tinham sido implantados? Provavelmente, seja a primeira vez que você esteja recebendo essa informação. Então, vamos lá conhecer?! Tudo começa com a Medicina Comunitária, implantada nos centros comunitários de saúde dos Estados Unidos da América (EUA). Atingiu-se o ápice nos anos de 1930, passando por um período de declínio, com a reconquista do prestígio nos anos de 1960, mas não seguiu em frente (SILVA, 2010). No Brasil, a Medicina Comunitária surgiu com o movimento pela Reforma Sanitária, na década de 1970, dentro do Departamento de Medicina Preventiva, incorporando acadêmicos de Medicina, Enfermagem e Odontologia, servindo como estágio, a fi m de que se aproximassem da realidade da saúde pública (PAIM, 1998; SILVA, 2010). Na Medicina Comunitária da época, as ações eram sociais, voltadas para as populações marginalizadas, de cunho preventivo, direcionadas para a relação do ser humano com o ambiente, o envolvimento da população com o autocuidado, com papel ativo, segundo Silva (2010). Paim (1998) complementa que havia a implantação de serviços básicos de saúde para as populações urbanas residentes nas periferias, e para as rurais, que não tinham acesso. Ainda, ações preventivas e curativas eram integradas, enfatizando as atividades extramurais, com visitas domiciliares, ações educativas, reuniões e saneamento, dentre outras, com foco no uso de pessoal auxiliar. 20 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Quer ler mais e se aprofundar no tema? Indicamos o livro A Medicina e o Pobre, de Eymard Vasconcelos, escrito em 1986, que trata de uma experiência profi ssional ocorrida no processo de consolidação da medicina comunitária no Brasil: https://www. ufpb.br/redepopsaude/contents/biblioteca-1/a-medicina-e-o-pobre/ medicpobredigitalizado-compress.pdf. Sob esse prisma, técnicos inseridos no aparelho estatal, durante o regime militar, participaram de projetos inovadores na área da saúde, mas, mesmo antes dessa ação, algumas experiências de gestão dos serviços de saúde, de natureza social, já eram praticadas em certos municípios, como Montes Claros - MG, Campinas - SP e Niterói - RJ. Os projetos eram realizados no âmbito das universidades, tendo, como protagonistas, professores universitários (contrários ao sistema excludente existente), militantes de partidos da esquerda e integrantes de outros movimentos antagônicos ao militarismo. O Projeto de Montes Claros - MG, na primeira fase, entre 1971 e 1974, de caráter inovador em saúde pública, foi referência na área de Atenção Primária à Saúde. Dentre as características dele, podemos citar a gestão democrática, com decisões tomadas em assembleias e em reuniões, em parceria com gestores municipais, por meio da descentralização na administração dos serviços; e a confl uência da saúde com a educação, mediante capacitações pedagógicas aos auxiliares de saúde, que trabalhavam com as famílias (ESCOREL, 2008; SILVA, 2010). De acordo com Escorel (2008), esse projeto buscou aumentar a cobertura de atendimentos de saúde, utilizando medidas de baixo custo e levando em consideração os princípios de administração democrática, regionalização, hierarquização e efi ciência, incluindo a integralidade da assistência à saúde, por meio de atendimento realizado por auxiliares de saúde e com a participação da população. 21 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 Auxiliares de saúde: profi ssionais (não graduados ou técnicos com formação específi ca), membros da própria comunidade, os quais faziam visitas domiciliares, prestando serviços de saúde e de educação às famílias e à comunidade (SILVA, 2010). Ressalta-se que as diretrizes foram aplicadas no âmbito nacional, por meio do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), implantado em 1976. O projeto realizado em Campinas - SP teve início em 1977, por intermédio dos programas de medicina comunitária, desenvolvidos pela Unicamp e pela PUC-Campinas, para implantar modelos alternativos de atenção à saúde, devido à incapacidade de manter o modelo hospitalocêntrico em decorrência da crise econômica,à organização administrativa do setor da saúde ser insufi ciente e à inadequação do modelo de atenção à saúde às necessidades da população. Em virtude disso, democratizou-se a atenção médica e se ampliou a cobertura por meio de instalações de redes básicas, prevendo a hierarquização dos níveis de atenção da medicina integral (NASCIMENTO; CORREA; NOZAWA, 2007). Outro projeto inovador foi o de Niterói - RJ, o qual, em 1977, após a criação da Secretaria de Saúde e Ação Social, deu início a um processo inovador nas ações de saúde pública, inspirado na estratégia de Atenção Primária à Saúde, da OMS, com autonomia, aos municípios, para a gestão e a execução dos cuidados primários em saúde, a partir da criação dos Distritos Sanitários (FeSAÚDE, 2021). A experiência de dividir a cidade em distritos possibilitou um olhar mais detalhado às necessidades para a saúde, proporcionando melhores condições de planejamento das ações, uma vez que cada distrito tinha papel fundamental na articulação intersetorial e na reorganização dos serviços, buscando equidade, democratização e efi cácia. Em 1976, já contava com seis postos de saúde, cinco administrados pela prefeitura, destacando-se pela organização do sistema de saúde local, por meio da integração com a população. Semanalmente, eram realizadas reuniões com a equipe de gestão e os profi ssionais das unidades, em espaços da própria comunidade, para a avaliação das ações (BARRETO; SOUZA, 2015). Ainda, segundo a autora supracitada, em 1977, foi promovido o primeiro curso de agentes de saúde pública, pela Secretaria Municipal de Saúde, 22 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA objetivando formar pessoas das comunidades nas quais as unidades básicas de saúde estavam instaladas, sendo realizado em parceria com as Associações de Moradores e lideranças locais. Contudo, apesar dos grandes avanços e da notoriedade, por questões políticas partidárias, em 1980, houve o retorno ao modelo tradicional de assistência à saúde. 2.2 SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: OLHAR HISTÓRICO Agora que você já conheceu ou relembrou um pouco da história que antecede o SUS, vamos prosseguir no nosso caminho?! Transitaremos pelos acontecimentos históricos que conformaram o SUS, ou seja, pelo arcabouço legal e pelas confi gurações normativa e organizativa, para que se possa compreender o potencial da Estratégia da Saúde Família no capítulo posterior. Para começar, é preciso se lembrar de que a criação ofi cial do SUS foi registrada na Constituição Federal (CF) de 1988, mas a concepção dele ocorreu no 1º Simpósio Nacional de Política de Saúde, pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), em 1979, por meio de um documento, o qual apresentava os valores, os princípios, as diretrizes e as demais normativas que vieram a reger o SUS. Ademais, o SUS incorporou as diretrizes propostas pela Reforma Sanitária. Portanto, foi idealizado muito antes de 1988, tendo sido instituído pela CF, e, efetivamente, inserido no ordenamento jurídico, em 1990. A Construção do SUS: Histórias da Reforma Sanitária e do Processo Participativo: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/ construcao _do_SUS_2006.pdf. Diante dessas considerações, a Constituição de 1988 propiciou condições legais e institucionais para a implantação de um modelo de assistência à saúde universal e público, a fi m de contemplar a população, sem distinção, custeado por recursos oriundos do erário público. Assim, o SUS se confi gurou como um dos maiores sistemas universais do mundo, tornando-se referência internacional. 23 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 Veja o enorme avanço que tivemos. Após 488 anos, a assistência à saúde passou a ser ofertada, de forma universal, para milhões de brasileiros que, antes, estavam no limbo. Isso se tornou a maior conquista social da história do Brasil! Com o SUS, veio um novo conceito de saúde, mais abrangente, atrelado aos determinantes e aos condicionantes de saúde, considerando, dentre outros, a moradia, a alimentação, o trabalho, a renda e a educação como fatores essenciais (BRASIL, 1990b). Vale se lembrar de que, anterior ao SUS, a saúde era vista, apenas, como a ausência de doença, com concepção negativa. Nesse contexto apresentado, surge o Programa Saúde da Família (PSF), trazendo uma nova concepção para a atuação do profi ssional de saúde e para a assistência ao indivíduo, com vistas a abdicar a medicina curativa e atuar na integralidade do cuidado, enxergando-o como um sujeito que está inserido em uma comunidade sociocultural e econômica (LEVCOVITZ; GARRIDO, 1996). Outro aspecto que merece ser lembrado é que o Brasil, na época da criação do SUS, contava com 140 milhões de brasileiros, sendo o único país que dispunha de um sistema universal, público e integral de saúde, características que, aliadas à extensão e às desigualdades regionais, geraram incontáveis desafi os à implementação desse sistema. Você já parou para pensar no que signifi ca o SUS? Existem várias vertentes relativas ao SUS, uma vez que ele pode ser visto como uma política de Estado ou como a maior política pública em execução ou em construção. Também, é alcunhado de maior plano de saúde do Brasil, e denominado de política pública de saúde brasileira. Dessa forma, Paim (2015; 2018) relata que não há uma compreensão clara e defi nida do que é o SUS, pois precisa ser visto além de uma política de saúde pública, tendo em vista ser um sistema público e universal de saúde, e não um sistema de saúde pública ou parte dele, muitas vezes, confundido com serviços de saúde pela população e pelos profi ssionais da área, gestores do sistema e políticos. A Lei Federal nº 8.080/90, no Art. 4º, o defi ne como um 24 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA [...] conjunto de ações e de serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, das administrações direta e indireta, e das fundações mantidas pelo poder público. [...] A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar (BRASIL, 1990a, s.p.). Não deixe de acessar o e-book interativo O que é o SUS, de Jairnilson Paim, Editora Fiocruz, edição de 2015, disponível em http://www.livrosinterativoseditora.fi ocruz.br/sus/1/. Com base no que foi citado, é preciso acentuar que o SUS não é um sistema estanque e concluído, muito pelo contrário, é resultante de processos dinâmicos, intricados e em construção permanente, pois se aprimora todos os dias, para que possa efetivar os princípios em prol da saúde do povo brasileiro. O SUS é um sistema complexo por existir em todo o território nacional, reunindo as três esferas de governo, sem ordem hierárquica, mas com atribuições distintas e que devem trabalhar em conjunto. Reserve um tempinho e assista a um vídeo elaborado pela Fiocruz, o qual conta uma parte da história da construção do SUS: https://www.youtube.com/watch?time_continue=51&v=Cb- cslNmGnE&feature=emb_logo. Considerando a complexidade e a extensão do SUS, optou-se por apresentá- lo por meio de recortes, para fi ns didáticos, denominados de dimensões, conforme poderá ser visualizado a seguir: 25 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 FIGURA 1 – DIMENSÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS FONTE: Adaptada de <https://ideias-efatos.blogspot.com/2013/05/audiencia- publica-discute-mudancas-no.html#.YK-Rm6hKjIU>. Acesso em: 24 abr. 2021. Com base na fi gura anterior, iniciaremos a explanação de cada dimensão de maneira sucinta. • Dimensão legal Essa dimensão compreende a legislação e a regulamentação do SUS, orientando e defi nindo o funcionamento dele, tendo, como base, a Constituição Federal de 1988 (Arts. 196 a 200) e as Leis Orgânica da Saúde – LOS (Lei nº 8.080/1990 e Lei nº 8.142/1990), as quais estabelecem os princípios e as diretrizes gerais para o SUS, e, a partir delas, sãodefi nidas novas regulamentações, visto que o SUS se encontra em contínuo aperfeiçoamento. Como já vimos, a Constituição de 1988 foi um marco para a cidadania, e, pela primeira vez, apresentou uma seção específi ca para a saúde, com quatro dimensões orientadoras, conforme poderão ser visualizadas a seguir: 26 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA FIGURA 2 – DIMENSÕES ORIENTADORAS PARA SAÚDE, CONFORME CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 FONTE: A autora De forma abreviada, a Lei nº 8.080/90 dispõe sobre a organização e o funcionamento dos serviços e das ações, defi ne os objetivos e as atribuições do SUS, estabelece os princípios e as diretrizes e algumas determinações com relação ao funcionamento. Vale ressaltar que a Lei nº 8.080/90 somente foi regulamentada pelo Decreto nº 7.508/11, o que marcou um importante avanço no âmbito do SUS e vem sofrendo constantes alterações. A Lei nº 8.080/1990 sofreu pequenas alterações e/ou inclusões nos anos de 1995, 1999, 2002, 2005, 2011, 2012, 2013, 2015, 2017, 2020 e 2021. FONTE: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>. Acesso em: 24 abr. 2021. 27 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 Há, também, as Normas Operacionais Básicas do SUS (NOB-SUS 1991, 1992, 1993 e 1996), cujas edições foram realizadas, tendo, como fi nalidade, colaborar com a implantação do SUS, sendo que a NOB/91 e a NOB/92, em especial, acabaram difi cultando os processos de fi nanciamento e de descentralização do SUS, uma vez que, ainda, estavam vinculadas aos recursos do orçamento do INAMPS. Após a mobilização popular, foram editadas as NOB- SUS 93 e 96, com o objetivo de efetivar a implantação, sendo que a NOB/96 reconfi gurou as bases no processo de municipalização das ações de saúde, em especial, das relativas ao fi nanciamento das ações (BENAZZI, 2020). Para saber mais a respeito das leis, das portarias, das resoluções e de outras legislações, acesse http://www4.planalto.gov. br/legislacao/. Outro endereço, no qual você pode acessar, de forma mais específi ca, a legislação pertinente ao SUS, é http://bvsms. saude.gov.br/ultimas-noticias/3295-lei-n-8080-30-anos-de-criacao- do-sistema-unico-de-saude-sus. • Dimensão ética Essa dimensão engloba os princípios ético-doutrinários que regem o Sistema Único de Saúde, os quais estão consubstanciados na Constituição Federal e nas Leis Orgânicas da Saúde, formando o tripé de sustentação, composto pela universalidade (atender a todos), equidade (atender/ofertar mais a quem mais precisa) e integralidade (do cidadão e das ações). O princípio da universalidade visa garantir atenção à saúde a todo e qualquer cidadão, uma vez que é um direito de todos e compromisso do Estado, devendo ser atendido, conforme as necessidades, sem restrições, distinções e custo. Já o princípio da equidade busca reduzir as desigualdades na saúde, pois, apesar de todos terem direito a ela, nem todos têm as mesmas condições de acesso aos serviços. Portanto, deve-se tratar, de forma diferenciada, os desiguais, ofertando mais a quem mais necessita. Lembrando que equidade não é igualdade, que é a ausência de diferenças. O princípio da integralidade pode estar atrelado a dois signifi cados complementares, isto é, à integralidade do sujeito, considerando a pessoa como um todo, de forma holística, contemplando todas as necessidades dela; e à 28 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA integralidade das ações a ele direcionadas, abarcando a promoção, a prevenção, a recuperação e a recuperação da saúde, ou seja, oferta-se um conjunto articulado e contínuo de ações e de serviços em cada nível de complexidade de assistência. Face ao exposto, o SUS ambiciona contribuir para uma sociedade mais justa e saudável, engendrado como um sistema universal, equânime e integral, com ousadia para um país com as dimensões continentais e com abismais desigualdades. • Dimensão organizacional A dimensão organizacional abrange as diretrizes que operacionalizam o SUS, ou seja, refere-se aos princípios organizativos, ou, também, denominados de princípios organizativo-operativos (descentralização, hierarquização, regionalização e participação popular), os quais servem para que os princípios éticos sejam concretizados. A Constituição Federal de 1988 determina a “descentralização, com direção única em cada esfera de governo”, o que dá autonomia de decisão às questões relacionadas à saúde, mas que aumenta o grau de responsabilidade dos Estados e dos municípios. Dessa forma, não haverá hierarquia entre as esferas governamentais, portanto, cada gestor responderá por toda a rede assistencial relacionada à área dele, responsabilizando-se pelas políticas de saúde e pela condução das negociações com os prestadores de serviços, haja vista que, teoricamente, quem está mais próximo das adversidades tem mais e melhores condições de solucioná-las. Nessa acepção, a descentralização com comando único oportuniza, especialmente, ao município, assumir a gestão plena do SUS, o que, de certa forma, possibilita que os serviços sejam executados e atendam, especifi camente, às necessidades da população, assegurando o acesso integral aos serviços e às ações de saúde, com baixa probabilidade de que ocorram desvios de dinheiro público, o que, na prática, isso nem sempre acontece. A hierarquização está estabelecida na CF, no Art. 198, o qual relata que as ações e os serviços públicos de saúde devem ser parte integrante de uma organização hierarquizada e regionalizada. Assim, esses serviços devem estar organizados regionalmente, e obedecer a uma hierarquia (níveis de complexidade), a qual vai desde a atenção básica, passando pela atenção média ou especializada, à alta complexidade, sendo que essa estruturação oportuniza que o que seja feito seja programado e planejado de melhor forma possível. 29 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 A regionalização é a demarcação dos espaços e das responsabilidades, isto é, é a aplicabilidade do princípio da territorialidade, o que permite conhecer a população, atendendo às necessidades dela, a todos, priorizando os mais necessitados e de forma integral, em conformidade com os princípios da universalidade, da equidade e da integralidade, respectivamente. Assim, a regionalização conduz a descentralização das ações de atenção e serviços de saúde, visando a uma grande capacidade de cogestão regional, além da resolutividade e da qualidade nos resultados. No que se refere à participação popular, esse princípio assegura a participação da comunidade, por meio dos Conselhos e das Conferências de Saúde, em consonância com a Lei nº 8.142/90, na gestão do SUS e na construção das políticas públicas de saúde, em todas as esferas governamentais. O princípio da participação popular, no controle social, atualmente, não está sendo efetivado na sua totalidade, tendo em vista a pouca participação da comunidade, o que contribuiu para que não ocorram avanços e que os demais princípios não se consolidem. Salienta-se que os princípios e as diretrizes do SUS estão consubstanciados na Constituição de 1988, regulamentados e ratifi cados no Capítulo II, da Lei nº 8.080/90, no Art. 7º. • Dimensão política A dimensão política está relacionada com a divisão do poder do SUS, contemplando os atores e as instâncias com forças decisórias e de negociação. No SUS, o poder está compartilhado entre os gestores, os trabalhadores da área da saúde e os usuários, o qual é exercido em espaços institucionalizados e democráticos, de caráteres deliberativo e avaliativo, nas três instâncias de governo. Merecem destaque a institucionalização dos canais, uma vez que possibilita que os atores envolvidos se expressem e deliberem os rumos do SUS, e a dos espaços, pois viabiliza a intervenção popular sobre a gestão, assim, mesmo quando há determinada independência na atuação do gestor, algumas definições 30 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA devem ser referendadas por instâncias, uma vez que as decisões dele são decorrentes da percepção do governo e dos interesses da sociedade, como é o caso do Plano de Saúde. A formulação está a cargo do gestor, mas necessita da aprovação dos Conselhos de Saúde. O plano de saúde, instrumento central de planejamento para defi nição e implementação de todas as iniciativas no âmbito da saúde de cada esfera da gestão do SUS, para o período de quatro anos, explicita os compromissos do governo para o setor da saúde, e refl ete, a partir da análise situacional, as necessidades da população e as peculiaridades próprias de cada esfera (BRASIL, 2013). As Conferências e os Conselhos de Saúde são os espaços de proposição, de negociação, de avaliação e de aprovação das práticas dos gestores. Todos os atores participam. As Conferências de Saúde ocorrem em um processo ascendente (municipal, estadual e nacional). Conforme a Lei nº 8.142/1990, a Conferência Nacional de Saúde (CNS) deve ser realizada a cada quatro anos, com a participação dos vários segmentos sociais, a fi m de que a situação seja avaliada e de que ocorra a proposição de diretrizes para que novas políticas de saúde sejam formuladas. Os Conselhos de Saúde oportunizam a discussão das políticas de saúde, servindo de local para que os interesses de diferentes segmentos sociais sejam manifestados, possibilitando as negociações de propostas e o direcionamento dos recursos para atender às prioridades. Têm atuação independente do governo, ainda que façam parte da estrutura dele. Desde 1941, até 2019, já foram realizadas 16 Conferências Nacionais de Saúde (CNS) em contextos políticos diversos e com características bem distintas em termos de temática, composição e deliberações. 31 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 Já as instâncias de pactuação e de cogestão, caracterizadas pela Comissão Intergestores Bipartite (CIB) e pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT), são espaços específi cos para a participação, somente, dos gestores. Também, há a Comissão Intergestores Regional (CIR), uma instância deliberativa, composta por representantes do Estado e todos os secretários municipais de saúde de um dado território, cuja responsabilidade é instituir um processo de planejamento regional que defi na prioridades, viabilizando a integralidade de ações e de serviços de atenção em uma região de saúde. Por fi m, fazem parte, da dimensão política do SUS, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), o Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), os Conselhos de Secretários Municipais de Saúde de cada Estado (COSEMS) e os Colegiados de Gestão Regional. Você pode saber mais a respeito do CONASS, do CONASEMS e dos COSEMS, além da confi guração do SUS, acessando o documento O SUS de A a Z - Garantindo Saúde nos Municípios, disponível em https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/sus_az_ garantindo_saude_ municipios _3ed _p1.pdf. Cabe enfatizar que a dimensão política não se restringe aos espaços estabelecidos, podendo haver uma intensa mobilização por parte da população, utilizando outras vias. • Dimensão fi nanceira Antes de prosseguirmos, cabe uma ressalva: seremos muito sucintos no quesito fi nanciamento, tendo em vista a complexidade e a extensão do tema. A dimensão fi nanceira se refere à organização do fi nanciamento do SUS, um quesito determinante, pois, a partir do fi nanceiro, as ações e a assistência à saúde são colocadas em prática, e, em decorrência dele, as demais dimensões poderão ser executadas. Embora o direito à saúde tenha sido abarcado na Constituição Federal, por meio de políticas públicas, e materializado no SUS, com o arcabouço legal defi nido nas Leis Orgânica da Saúde, a precariedade no fi nanciamento, sempre, 32 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA foi recorrente, uma vez que não havia uma defi nição, em lei, do mínimo necessário para o fi nanciamento da saúde. O Art. 195, da Constituição Federal, afi rma que “a seguridade social será fi nanciada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios” (BRASIL, 1988, s.p.). Assim, as três esferas do governo precisam fi nanciar o SUS, devendo gerar receita sufi ciente para custear as despesas com as ações e os serviços de saúde. Já o Art. 198 estabelecia que o SUS fosse fi nanciado com os recursos do Orçamento da Seguridade Social, além de outras fontes. Contudo, devido a diversos motivos, a previdência se viu obrigada a utilizar parcelas crescentes desse orçamento, sendo que, em 1993, a receita de contribuições de empregados e de empregadores passou a fi nanciar o pagamento de benefícios previdenciários, de forma exclusiva, levando o Ministério da Saúde ao endividamento, para pagar as despesas de custeio. Assim, para fi nanciar a saúde, foi instituída a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), a qual funcionou como fonte substitutiva (CONASS, 2007). Na década de 1990, a economia e o fi nanciamento do SUS eram instáveis, sendo criadas diversas alternativas para tentar solucionar o subfi nanciamento, como foi o caso da PEC 169/93, a qual lutava pela vinculação das receitas federal, estadual e municipal, sendo um dos marcos da história do fi nanciamento do SUS. Não podemos deixar de mencionar que a introdução do Piso de Atenção Básica (PAB) foi uma medida decisiva para a perspectiva da descentralização fi nanceira do SUS, o qual foi responsável por alterar a lógica de repasse dos recursos federais para o sistema de prestação de ações médico-sanitárias, incentivando os municípios a assumirem o protagonismo da gestão da rede básica, de forma progressiva. Em 2000, foi criada a Emenda Constitucional 29 (EC-29), objetivando a superação dos problemas de fi nanciamento do SUS, determinando a vinculação e o estabelecimento da base de cálculo e os percentuais mínimos de recursos orçamentários que as três esferas do governo seriam obrigadas a aplicar nos serviços e nas ações de saúde (BRASIL, 2000; CONASS, 2007). Dessa forma, houve uma conquista para o SUS, uma vez que tornou o processo de fi nanciamento mais estável, embora se saiba que, na prática, isso não tenha ocorrido. Cabe mencionar que, em 2006, com o Pacto pela Saúde, o qual tinha as fi nalidades de estruturar os serviços, de garantir o acesso a todos, de 33 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 promover “inovações nos processos e nos instrumentos de gestão”, e de “redefi nir responsabilidades coletivas por resultados sanitários em função das necessidades da população e em busca da equidade social” (BRASIL, 2006a, p. 1), as transferências dos recursos, também, sofreram alterações, sendo divididas em seis grandes blocos de fi nanciamento (Atenção Básica; Média e Alta Complexidades da Assistência; Vigilância em Saúde; Assistência Farmacêutica; Gestão do SUS; e Investimentos em Saúde). Em 2017, a Portaria nº 3.992 dispôs sobre o fi nanciamento e a transferência dos recursos federais para as ações e os serviços públicos de saúde do SUS. Para mais detalhes, acesse http://bvsms. saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt3992_28_12_2017.html. Mais adiante, em 2011, a Lei Complementar 141/2012 regulamentou a EC- 29, e defi niu que a União precisava aplicar, anualmente, em ações e em serviços de saúde, o montante correspondente ao valor empenhado no exercício fi nanceiro anterior, mais o percentual correspondente à variação nominal do PIB, no mínimo, sendo que os Estados e Distrito Federal deveriam aplicar, no mínimo, 12% da arrecadação dos impostos, e, os municípios, 15% (BRASIL, 2012a). Outro fato importante foi a aprovação da Emenda Constitucional 95 (EC 95), em 2016, que limita o crescimentodas despesas primárias à taxa de infl ação por 20 anos, trazendo consequências nefastas ao SUS e contribuindo para o desmonte dele, por meio do desfi nanciamento, com retrocesso na garantia de direitos fundamentais do cidadão, como saúde e educação. Para se manter atualizado, especialmente, no que se refere ao fi nanciamento, sugerimos que acesse https://aps.saude.gov.br/ (Secretaria de Atenção Primária à Saúde – SAPS). 34 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Agora que você já estudou, brevemente, o SUS, faremos algumas considerações, a fi m de encerrarmos esta parte. Durante esse percurso, vimos que a construção do SUS aconteceu dentro de um contexto histórico repleto de acontecimentos econômicos e políticos, em meio a interesses divergentes e a várias contradições. O período gestacional dele foi longo (desde 1979 até o efetivo nascimento, em 1990), e o processo de implantação não foi simples. A conquista veio por meio de um intenso processo de luta. A trajetória para a criação do SUS não foi fácil e simples, repleta de acontecimentos, culminando com a promulgação da Constituição Federal (CF), de 1988, a qual desconstruiu os modelos de políticas social e de saúde, até então vigentes, à medida que instituiu a saúde como direito do cidadão e dever do Estado. Guardadas as limitações, o SUS rompeu com o modelo de assistência à saúde pregresso, e estabeleceu novas bases assistenciais, institucionais e gerenciais, trazendo inúmeros benefícios para a saúde da população brasileira. Com a criação do SUS, o conceito de saúde foi ampliado, passando a ser um direito social e dever do Estado a ser considerado na sua complexidade. Convém destacar que o SUS é composto por uma enorme rede, atendendo a uma toda população, não somente com a assistência à saúde, mas, também, por meio das vigilâncias, das campanhas de vacinação, por intermédio dos agentes de saúde, através da oferta de procedimentos de média e de alta complexidades, como transplante de órgãos, doação de sangue, hemodiálise, quimioterapia, doação de leite humano etc. Enfi m, são inúmeros serviços disponibilizados à população. Outro aspecto que merece ser mencionado é que o SUS convive com o sistema de saúde suplementar, uma vez que foi assegurada, no texto constitucional (Art. 199), a possibilidade de coexistência de atividades privadas. Vários foram os desafi os enfrentados, como as mudanças signifi cativas na organização do modelo curativista hospitalocêntrico; o subfi nanciamento do sistema; a ideia de que é um sistema para os pobres; a não contemplação, na íntegra, do princípio da universalização; a não ruptura da segmentação que existia antes da Reforma Sanitária, entre o público e o privado etc. Veja que esses desafi os perduram até os dias atuais. 35 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 Podemos inferir que o SUS é um sistema inovador e avançado, o qual se constitui a partir de uma nova confi guração político-institucional, com um modelo técnico-assistencial, ancorado nos princípios da universalidade, da integralidade e da equidade, para servir ao povo brasileiro. Ademais, pode ser considerado um sistema inclusivo, uma vez que concretiza, no dia a dia da população, os direitos constitucionais à saúde. Assim, o SUS é uma obra inacabada, que está em constante transformação, além de aperfeiçoamento e adaptação. Para refl etir... O SUS real é o SUS constitucional? Uma boa indicação de leitura é o livro Políticas, Epidemiologia e Experiências no Sistema Único de Saúde (SUS): Possibilidade e Desafi os do Cenário Brasileiro, autoria de Fernando J. G. da Silva Júnior et al., da Editora CRV, lançado em 2020, o qual delineia, sob uma perspectiva política, o processo de construção do SUS, apresenta estudos epidemiológicos e contempla refl exões e experiências, desenvolvidas em diversos territórios. Antes de avançarmos, chegou a hora de você colocar em prática o que aprendeu, fazendo as atividades a seguir: 1 - Com base no que foi visto até aqui, o que você diria para uma pessoa jovem, de 20 anos, que reclama a respeito do sistema público de saúde. Responda, tendo, como base, o que você aprendeu nesta seção. 2 - Observe a seguinte representação, de uma linha do tempo indicando os três projetos que se destacaram na década de 1980 e que antecederam o SUS. Então, escreva, nos retângulos, uma característica relativa a cada um deles. 36 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA PrevSaúde AIS SUDS 3 FAMÍLIA COMO FOCO DE ATENÇÃO Iniciaremos a nossa seção com o seguinte questionamento: Você já parou para pensar o quanto sabe a respeito das “famílias”? Pois bem, diante desse questionamento, nortearemos o nosso conteúdo, a fi m de que ele se torne o ponto de partida para que você possa compreender a família a partir das perspectivas histórica, social, política e cultural. Parece simples e fácil discorrer a respeito da família, tendo em vista que todos nós nascemos, crescemos ou fazemos parte de uma. Contudo, apreender como se forma essa unidade social, na atualidade, faz pensar em diferentes particularidades que cooperam para a confi guração dela. Ainda, devemos estar desprovidos de qualquer julgamento. A família, como confi guração e estrutura, vem sofrendo mudanças ao longo do processo histórico no que se refere à forma, à função e ao papel, ancorando- se sob várias óticas, sejam religiosas, ideológicas, econômicas, políticas, antropológicas, sociológicas, jurídicas ou psicológicas. Portanto, cada vez mais, observamos e convivemos com a diversidade de confi gurações familiares. Por ser, a família, a mais importante rede social de referência para o desenvolvimento do ser humano, a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou o ano de 1994 como o “Ano Internacional da Família” (ONU NEWS, 37 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 2019), o que se identifi cou com o marco brasileiro de reconhecimento da família, como foco da agenda da Atenção Básica de Saúde, por meio do Programa Saúde da Família (PSF). Desde então, especialmente, no Brasil, a família tem se tornado a base operacional das políticas sociais, ocupando lugar de destaque na atenção à saúde e nas políticas públicas. Vamos, a partir de agora, abarcar as motivações histórico-políticas que impulsionaram o estabelecimento da família como centro da atenção à saúde e de que família se fala, ou seja, conhecer as confi gurações, os arranjos, os contextos e as características culturais dela, a fi m de compreendê-la como um grupo social inserido nas políticas de saúde. Tal abordagem se justifi ca à medida que é essencial, a quem trabalha com a saúde da família, que entenda o que são “famílias” e como se organizam. Convidamos você a pensar nas concepções de família, nas características e na importância dela para as ações de saúde Vamos lá?! 3.1 FAMÍLIA COMO UNIDADE CULTURAL, SOCIAL E POLÍTICA NO CONTEXTO HISTÓRICO No transcorrer da história da humanidade, a família vem se mantendo como instituição social e como unidade básica da sociedade, apresentando diversas formas, de acordo com os diferentes sistemas sociais, culturais e políticos. De acordo com Silva (2004), com a civilização, surgiu o modelo de família patriarcal, hierarquizada, tendo, o homem, como “chefe”, cuja função fundamental era a manutenção do status social, com o elo voltado, apenas, para a coexistência, uma vez que os casamentos e as fi liações não estavam fundamentados no amor, mas na necessidade de poder, com convivência formal e solene. No decorrer da formação do Brasil, observou-se que, no período colonial, eram habituais as relações concubinárias entre os colonizadores e as mulheres indígenas. No período imperial, essas relações ocorriam entre os senhores feudais e as mulheres escravizadas. Contudo, esses laços, apesar de terem existido, sempre foram ocultados e marginalizados, ocasionandopreconceito e estigma às mulheres. 38 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Cabe ressaltar que, no Brasil, inicialmente, somente o casamento católico era reconhecido, uma vez que a Igreja ditava as regras, detendo o monopólio, portanto, a família existia a partir do casamento. Tal fato justifi ca o porquê de, até os dias atuais, muitas pessoas, ainda, utilizarem família como sinônimo de casamento. A família brasileira do século XIX era chefi ada pelo “pai de família”, o qual exercia autoridade quase irrestrita a toda unidade doméstica, sendo que a lei delegava, a ele, o direito de punir os integrantes (GRAHAM, 1997). De acordo com o Código Civil de 1916, a família era instituída sob a égide matrimonial, patriarcal, hierárquica, biológica e heteroparental, sendo, legalmente, reconhecida e chancelada a superioridade masculina (BRASIL, 1916). Assim, o modelo patriarcal, com hierarquia verticalizada, centrada no matrimônio, fonte de procriação, atravessou uma boa parte da história. Sob esse prisma, desde o Brasil-Colônia, até o fi nal do século XIX, a família continuou a ocupar um papel central nos grupos mais privilegiados e nos segmentos menos favorecidos, conforme Scott (2009). Outro ponto que merece ser salientado é que famílias que se afastavam do modelo dito “padrão”, ou seja, que não se enquadravam no modo hegemônico de família, eram (e ainda continuam sendo, por alguns) consideradas “desestruturadas”, uma vez que fugiam da norma construída socialmente, e da estrutura dita “normal”. Contudo, o que se têm são famílias que se organizam de maneira diferente. Afi nal, o que é família? A defi nição de família não é tarefa simples, e a delimitação do signifi cado é, ainda mais, complicada. Existe uma multiplicidade de conceitos e inúmeras controvérsias acerca do que vem a ser família. Apesar de ser, extensamente, estudada, especialmente, pelos campos das Ciências Humanas e Sociais, ainda, é um tema em construção. Como bem diz Nitschke (1999, p. 41): falar de família é mergulhar em águas de diferentes e variados signifi cados para as pessoas, dependendo do local onde vivem, da cultura, das orientações religiosa e fi losófi ca, e outros aspectos. Que modelo, ou imagem, que vem à mente quando nos referimos à família? 39 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 Normalmente, o modelo de família no qual pensamos é naquela parecida com a nossa, e que, possivelmente, poderá ser composta por pai, mãe e fi lho (s), ou, somente, por mãe e fi lho (s). No imaginário social, a associação imediata é relacionar a família com as pessoas que vivem no mesmo domicílio ou àquelas que estão unidas por laços de parentesco e/ou adoção e afetividade. Outra forma de defi nir a família é baseada na concepção idealizada pela consciência coletiva, por meio de um modelo padronizado, mesmo que não corresponda à realidade da maioria das pessoas. Logo, não há um signifi cado único de família, pois cada pessoa tem a própria representação, podendo ser da família real ou da idealizada/sonhada, sendo que essa concepção dependerá da própria experiência de vida familiar, construída a partir de elementos referenciais, crenças ideológicas, expectativas e categoria social. Assim, podemos dizer que a família, ao mesmo tempo em que é uma construção social e interage com a sociedade, é um universo único, com uma história singular, permeada de sentimentos bons ou não, a qual propicia os aportes afetivos, por vezes, e que remete a lembranças. Nessa direção, acompanhando a evolução da sociedade, o conceito de família vem sofrendo mudanças signifi cativas, e vários fatores, como níveis educacional e econômico da mulher aumentados, forte liberdade sexual feminina, decréscimo do número de casamentos ofi ciais, aumento da taxa de divórcio, dentre outros, contribuíram para as novas confi gurações familiares. Assim, a família tradicional (nuclear), aquela formada por pai, mãe e fi lho (s), não é mais a única possibilidade, e o casamento deixou de ser regra para a constituição de uma. Hoje, existem diferentes confi gurações familiares, com distintas nomenclaturas, dentre elas, famílias monoparentais (compostas, somente, pelo pai ou pela mãe); reconstituídas (recasadas após o divórcio); unipessoais (uma única pessoa); homoafetivas (compostas por casais homossexuais, com ou sem crianças); adotivas (sem relação consanguínea entre pais e fi lhos); extensas ou multiparentais (com três ou quatro gerações); e transgêneros (uma das pessoas, ou o casal, transgênero, incluindo, ou não, as crianças), por exemplo (KASLOW, 2001; JESUS, 2012). Encontram respaldos jurídico e constitucional e reconhecimento social. 40 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA O que diz, a nossa Constituição Federal de 1988, a respeito da família? A Constituição Federal de 1988 oferece amparo à família, consubstanciado no Art. 226. Enaltece-a como a base da sociedade, trazendo um rol elucidativo, o qual não exclui a viabilidade de formar outros modelos de organização familiar, estabelecendo direitos e deveres que devem ser exercidos pelo homem e pela mulher, e de forma igual (BRASIL, 1988): Título VIII Da Ordem Social Capítulo VII Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo, a lei, facilitar a sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar, a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º Os direitos e os deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos, igualmente, pelo homem e pela mulher. § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é uma livre decisão do casal, competindo, ao Estado, propiciar recursos educacionais e científi cos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições ofi ciais ou privadas. § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações (BRASIL, 1988). FONTE: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 24 abr. 2021 41 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 Assim, a Carta Magna validou uma nova constituição familiar (união estável), ampliando o conceito de família e protegendo todos os integrantes dela de forma igualitária, com o reconhecimento do pluralismo familiar. Em contrapartida, o § 3 só reconhece, como entidade familiar, a união entre homem e mulher. Não podemos deixar de mencionar que o Novo Código Civil (2002) estabeleceu o “poder familiar”, igualmente, compartilhado pela mãe e pelo pai, substituindo o termo “pátrio poder”, além de reconhecer os direitos de fi lhos fora do casamento (BRASIL, 2002b). Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2011, reconheceu, juridicamente, as uniões estáveis homoafetivas, concedendo as mesmas regras e consequências da união estável heteroafetiva (BRASIL, 2011b), suscitando críticas de diversos segmentos, os quais alegaram que o STF, além de extrapolar os limites das funções, também, modifi cou a Constituição. O polêmico Projeto de Lei nº 6.583/2013, o qual tramita há mais de oito anos, referente ao Estatuto da Família, causou vários debates a respeito do que é considerado família, sendo que grupos defendem a família monogâmica, sem considerar as uniões homossexuais, enquanto outros solicitama ampliação do conceito para as relações afetivas de mais de duas pessoas (poliamor), e defendem que as relações homossexuais se enquadrem como uma. Em 2018, o Estatuto da Família foi aprovado pela Câmara e promulgado, porém, logo após, foi suspenso, devido ao alto índice de reprovação. E você, o que pensa a respeito? Qual a sua opinião? FONTE: <https://bit.ly/3kO9C0h>; <https://bit.ly/38DiZKz>. Acesso em: 24 abr. 2021. Observe que a própria Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) relata que qualquer grupo que apresente relações baseadas na confi ança, no suporte mútuo e tenham um destino comum deve ser reconhecido como família, não podendo estar circunscrito a laços sanguíneos, casamento, parceria sexual ou adoção. Como é ou está a família brasileira? 42 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA A “cara” da família brasileira começou a ser esboçada com os Censos Demográfi cos, sendo que o primeiro recenseamento ocorreu em 1872, de forma incipiente, com poucas variáveis, mas que defi niu o conceito de família como [...] a pessoa livre que vive só e sobre si, em uma habitação, ou um certo número de pessoas que, em razão de relações de parentesco, de subordinação ou de simples dependência, vive em uma habitação ou parte de habitação, sob o poder, a direção ou a proteção de um chefe, dono ou locatário da habitação e com economia comum (AZEVEDO, 1990, p.115 apud OLIVEIRA, 2003, p. 11). Note que o termo “pessoa livre” se relacionava à condição da época, distinguindo homens livres e escravizados. Já o segundo Censo, ocorrido em 1890, com cobertura temática mais ampla, aproximou-se mais do contexto familiar, com a coleta de dados relacionados à fi liação dos indivíduos, identifi cando-os como legítimos, ilegítimos, legitimados e expostos (crianças abandonadas pelos pais por algum motivo e colocadas na roda dos expostos, a qual tinha objetivo caritativo-assistencialista, recolhendo-as), propondo-se a investigar a estrutura familiar (tamanho da família, data e número de casamentos, grau de parentesco no casamento, número de fi lhos nascidos vivos, mortos e sobreviventes), conforme Oliveira (2003). Ficou curioso para entender mais a respeito da roda dos expostos? Sugerimos a leitura de Roda dos Expostos: Um Caminho para a Infância Abandonada, de autoria de Diana C. de Resende: https://www.ufsj.edu.br/paginas/temposgeraisantigo/n1/artigos/roda. pdf. Nessa dimensão, desde a instalação, em 1936, o Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE) se debruça em pesquisas, em bases estatísticas, a fi m de desvelar a realidade da população brasileira em diversas dimensões, inclusive, naquelas concernentes à família. Até o Censo de 1960, poucas foram as variáveis inseridas relacionadas à família, sendo que, nesse ano, novas opções de respostas para a variável estado conjugal foram implantadas, ou seja, a de pessoas separadas e a de pessoas em união consensual estável (OLIVEIRA, 2003). 43 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 O Censo de 1980 foi o que mais contemplou variáveis referentes ao tamanho, à composição e à estrutura familiar, estabelecendo um vínculo entre as pessoas residentes com o chefe/pessoa responsável pelo domicílio e pela família, e a inclusão da classifi cação dos domicílios por categoria de família: nuclear (domicílio composto por um chefe de família com fi lhos solteiros, ou casal com ou sem fi lhos); estendida (domicílio com outro parente, além da família nuclear); e composta (domicílio com família nuclear ou estendida, com pessoas não parentes). Assim, permite-se verifi car a existência de famílias conviventes no domicílio. Outro fato importante foi o reconhecimento de que a chefi a da família poderia ser desempenhada pelo homem ou pela mulher (OLIVEIRA, 2003; NASCIMENTO, 2006). O Censo de 1991 ampliou o conceito de família, contudo, a ideia de dependência doméstica foi conservada, e incorporada a noção de convivência. Ainda, foi modifi cada a forma de investigar o estado conjugal/civil, passando- se a perguntar se a pessoa vive ou viveu em companhia de algum cônjuge (NASCIMENTO, 2006). Novas alterações das características de uma família foram apresentadas no Censo de 2000, sendo, novamente, o conceito, ampliado, e as categorias “chefe do domicílio” e “chefe da família” foram substituídas por “pessoa responsável pelo domicílio” e por “pessoa responsável pela família”, demonstrando que 26,5% dos lares estavam sob a responsabilidade das mulheres, conforme Nascimento (2006). Dados lançados no IBGE, em 2012, demonstraram que a formação clássica de família (nuclear) deixou de ser a maioria, representando 49,9% dos domicílios. Ainda, informações da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD), de 2015, revelaram que esse arranjo familiar era de 42,3% (IBGE, 2017). Por falar em PNAD, você sabe qual é o conceito de família proposto? Relativo à família, “considerou-se o conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência, que residissem na mesma unidade domiciliar e, também, a pessoa que morasse só em uma unidade domiciliar” (IBGE, 2016, p. 15). Assim, considera-se um casal (sem fi lhos), ou uma pessoa que more sozinha, como família, além dos empregados que vivem na residência. O Censo de 2010 mostrou que a família brasileira se diversifi cou, passando de 11 laços de parentesco, no Censo de 2000, para 19, em 2010. Ainda, as famílias homoafetivas somaram 60 mil, sendo 53,8% delas formadas por mulheres, e 10,1 milhões compostas por mães ou por pais solteiros (IBGE, 2012). 44 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA O modelo nuclear vem perdendo espaço no âmbito dos arranjos familiares no Brasil, fazendo com que a sociedade contemporânea se abra a novas confi gurações familiares, tendo em vista os inúmeros aspectos envolvidos que contribuem para uma conformação cada vez mais diversifi cada. Sugerimos que você pesquise, com o banco de dados demográfi cos do Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE), em www.ibge. gov.br, informações referentes ao número total da população e a distribuição por sexo e faixa etária, tendo, por referência, o Brasil, o Estado e o município no qual você reside, além do último censo. Desse modo, longe de esgotar a temática, e na esteira dessa concepção, para que se possa compreender a família brasileira em uma sociedade tão matizada e divergente como a nossa, faz-se necessário considerar algumas premissas básicas dessa concepção, conforme Verdi, Da Ros e Cutolo (s.d.), como: a) unidade social, uma vez que as famílias se produzem por meio da participação dos modos de produção e de trabalho, e se reproduzem socialmente, seguindo o fl uxo da sociedade; b) a família faz parte do processo histórico, e muda, de acordo com a formação social brasileira, uma vez que o contexto histórico é determinante para o arranjo familiar; c) a dimensão cultural é a base elementar nos processos de organização e de formação familiares. Guardadas as limitações, o que se pode inferir é que a família é uma síntese de múltiplas determinações históricas, culturais, sociais e econômicas, uma multiplicidade de nuances, dialeticamente, articulada a uma estrutura social da qual faz parte. Ademais, enquanto grupamento social, tem total relevância, por ser o principal agente de socialização e de reprodução dos padrões culturais, o qual compartilha cuidados, sentimentos, deveres e obrigações. A família brasileira contemporânea se pluralizou, tem um novo formato e uma nova cara, mudou sob os pontos de vista estrutural, comportamental e conceitual, trazendo, em seu bojo, expressões e signifi cados heterogêneos, o que torna a delimitação complexa e desafi adora. 45 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 Uma Análise Histórica do Conceito de Família: Um Estudo das Gênesis da Família até a Multiparentalidadee a Família Constitucionalizada em seu Conceito Amplo, autoria de Sandro M. Godoy, Mutilo A. L. Lima e Graziela M. Cardoso, de 2020: http://san. uri.br/revistas/index.php/direitoejustica/article/view/45/28. 3.2 FAMÍLIA BRASILEIRA NAS POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE Como a família se tornou o foco das políticas de saúde no Brasil? A família, como objeto de atenção das políticas públicas brasileiras, não é exclusividade da saúde, pois, desde a década de 1970, existiam programas voltados para a renda familiar, embora com poucas extensão e visibilidade. A instituição família, inicialmente, foi alvo das políticas sociais, com vistas ao combate à pobreza ou de habitação, por exemplo, as quais buscam melhorar as condições de vida por meio de programas sociais, visando dirimir as desigualdades existentes. De acordo com Ribeiro (2004), no Brasil, a inserção da família, no âmbito das políticas públicas, ganhou notabilidade na década de 1980, em decorrência dos interesses do Estado, da sociedade civil e dos órgãos internacionais, por meio da criação do Movimento Familiar Cristão ou das iniciativas estatais, como as associações de pais e mestres. Segundo Carvalho (2002), a política social, antes dos anos 1990, pode ser caracterizada de diversas formas, dentre elas, como assistencialista e tutelar, por ser direcionada às pessoas carentes; e elitista, uma vez que privilegiava a população favorecida, setorizada, institucionalizada, com centralidade no Estado. No campo da saúde, nos anos de 1940, o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) alcançou as famílias ao instituir visitas às casas, como uma atividade rotineira, ainda que direcionada aos indivíduos, em particular. Assim, podemos dizer que, de uma forma muito incipiente, iniciou-se a visita domiciliar. Embora já tivessem ocorrido na história, no início do século XX, as “visitas” da polícia 46 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA médica, e dos agentes brigadistas do “mata-mosquito”, às casas da população brasileira, marcaram presença com os cunhos fi scalizatório e punitivo. No que se refere à política de saúde, vimos, na seção anterior, que foi constituída, de forma segmentada, desde o nascedouro, e que a assistência à saúde eclode na previdência social, a qual foi o marco básico do sistema de proteção social delineado no Brasil. A história nos mostrou que as estratégias de saúde, propostas pelos governos do nosso país, nem sempre visavam à saúde e ao bem-estar da população, e que as políticas refl etiam o momento vivido e a economia vigente. Constatamos que o Sistema Único de Saúde foi uma evolução signifi cativa se o compararmos ao cenário anterior à Constituição de 1988, pois, a partir desse marco, os segmentos populacionais começaram a se articular para que políticas públicas de saúde fossem idealizadas e voltadas às particularidades e às especifi cidades, haja vista que, até então, a assistência à saúde estava direcionada para a cura dos indivíduos, de forma individualizada. Nessa perspectiva, a centralidade da família, como foco da atenção das políticas de saúde, é recente, ou seja, ocorre na década de 1990, pois, até esse período, as escassas políticas priorizavam as pessoas de forma individualizada, sendo que se materializaram por meio do Programa Saúde da Família (PSF), o qual trouxe as abordagens familiar e comunitária para o centro da atenção à saúde. O PSF foi um progresso no que se refere às ações públicas de assistência familiar, indo além de uma oferta assistencialista, uma vez que o mote dele estava direcionado ao desenvolvimento das potencialidades da família e dos integrantes dela. A implantação não signifi cava, apenas, a institucionalização de uma nova estrutura de serviço de saúde, com exceção das áreas desprovidas, mas a inserção de um novo trabalho, de cobertura universal, trazendo uma nova concepção de saúde, objetivando a promoção, substituindo, assim, as práticas tradicionais de assistência à saúde, voltadas para o individualismo, centradas no hospital e na doença. Destarte, o setor da saúde busca responder a uma pluralidade de necessidades, delineando um novo modelo, com foco na família, com atuação nos espaços nos quais as pessoas vivem, tendo em conta o estilo de vida, o meio ambiente e os valores socioculturais, de modo a promover a saúde e proporcionar uma vida saudável (SILVA; SILVA; BOULLOS, 2011), o que, hoje, está efetivado na Estratégia Saúde da Família. 47 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 Você sabia que os documentos do Ministério da Saúde, norteadores da Estratégia de Saúde da Família (ESF), não trazem um conceito explícito de família? Assim, ter a família como centro de atenção à saúde é contemplá-la de forma integral e sistêmica, considerando-a um espaço para os desenvolvimentos individual e coletivo, e tendo, como pressuposto, a abordagem global dos indivíduos que a compõem, levando em conta os núcleos familiar e social. Desse modo, a família é, concomitantemente, objeto e sujeito dos processos de cuidado e de promoção da saúde. Conforme Franco (2002), passou a ser consenso que é, praticamente, inviável, assistir ao indivíduo, doente ou sadio, de forma integral, quando não se considera o ambiente mais próximo dele, o qual é o núcleo familiar ao qual pertence. O modelo Saúde da Família, de acordo com Mendes (1996), é uma estratégia para reordenar o setor da saúde, a fi m de afetar e compreender o sistema e a população que esse sistema prevê assistir. É visto como um programa que apresenta objetivos restringidos, os quais contemplam, apenas, algumas necessidades elementares de determinados grupos humanos que se encontram em situação de extrema pobreza, com baixa densidade tecnológica, custos mínimos e recursos diferenciados. Ainda, é uma estratégia de ordenamento do primeiro nível de atenção. Cabe realçar que o modelo Saúde da Família vem ao encontro dos princípios do SUS, por estar em congruência com os princípios da universalidade, da equidade, da atenção, da integralidade e da regionalização, além da humanização das práticas. É preciso salientar que, assim como há um impasse para instituir um paradigma para a família, há a difi culdade em relacioná-la às políticas de saúde e em eleger estratégias de trabalho com ela. Entretanto, não há como pensar nas políticas públicas de saúde sem cogitá-las. Como bem vimos, por muito tempo, a prática de atenção à saúde esteve centralizada no indivíduo, de forma descontextualizada, ou seja, sem levar em conta que esse sujeito está inserido em uma família e que esta é agente do 48 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA cuidado dos integrantes e de si mesma, portanto, devendo ser considerada um objeto de trabalho e de cuidado dos profi ssionais. 3.3 TRABALHANDO COM AS FAMÍLIAS Inicialmente, é relevante enfatizar que não se pode falar de família, deve-se utilizar o termo no plural, “famílias”, a fi m de que se contemple a multiplicidade de arranjos familiares existentes na sociedade, os quais se modifi cam diante dos distintos grupos sociais, variando tempo e espaço, segundo Scott (2009), especialmente, quando nos referimos à prestação de serviços e à assistência à saúde. É notório que, no seio familiar, as práticas de cuidado à saúde, relacionadas às crenças, às atitudes, aos hábitos e aos comportamentos, são aprendidas e vivenciadas nesse espaço. Por muito tempo, o domicílio se confi gurou como o lócus das práticas e dos cuidados (SILVA; SILVA; BOUSSO, 2011). Segundo Martins, Fernandes e Gonçalves (2012), no âmbito familiar, primeiramente, identifi ca-se e se explica o adoecimento dos integrantes. Ainda, nele, os fenômenos saúde/doença obtêm maior relevância. Cabe mencionar que a família infl uencia e é infl uenciada pelas intervenções na saúde e pelos impactos causados pela enfermidade, uma vez que participa de todo o processo, podendo, até mesmo, tornar-seum fator de proteção ou de agravo à saúde do familiar, uma vez que, atualmente, já é consolidado o entendimento de que as condições de saúde ou de doença, de um membro da família, e a família como unidade, são infl uenciadas mutuamente (FRIEDMAN; BOWDEN; JONES, 2003 apud SILVA; SILVA; BOUSSO, 2011). Podemos, então, dizer que os binômios família-saúde e família-doença são uma via de “mão dupla”. A família possui intrínseca relação com o processo saúde/doença, além de ser o agente do cuidado dos integrantes e de si mesma, devendo ser considerada como elemento primordial de atenção dos profi ssionais de saúde. No âmbito internacional, a busca por práticas que contemplassem a saúde da família, por parte dos profi ssionais de saúde, somente, ocorreu no fi nal da década de 1970. A partir daí, houve o desenvolvimento de uma atenção sistemática à família (BURNS, 2002 apud SILVA; SILVA; BOUSSO, 2011). Transpondo para a nossa realidade, vemos que não estamos tão distantes assim, a julgar pela história que acabamos de conhecer na seção anterior. Para 49 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 tanto, trabalhar com as famílias necessita, por parte do profi ssional de saúde, despir-se de preconceitos, independentemente de estar, ou não, de acordo, no que se refere aos diversos formatos de família que convivem na sociedade, desprendendo-se de imagens idealizadas e, socialmente, impostas, e de defi nições universalizantes. Todavia, isso não quer dizer que o profi ssional de saúde necessite aprovar a dinâmica familiar, mas que deva adotar as atitudes de escuta e de abertura para melhor interpretar tal dinâmica, e, por consequência, realizar as ações e as práticas de forma mais satisfatória (GABARDO; JUNGES; SELLI, 2009). Além disso, é imperativo considerar que as famílias possuem especifi cidades étnicas, religiosas e sociais, além de crenças, especialmente, as ligadas à saúde, aos costumes e aos valores, as quais precisam ser respeitadas e compreendidas por todos os profi ssionais que, com elas, trabalham. No entanto, os profi ssionais da carecem de orientações e de preparo relativos ao trabalho com esses indivíduos, a fi m de que possam abordar os integrantes de forma mais humana e integralizada. Deve-se levar em conta a realidade na qual estão inseridos, as singularidades, as idiossincrasias e as necessidades específi cas deles, dada a complexidade dos distintos contextos e das conjunturas socioeconômicas de cada núcleo. Para isso, é imprescindível que o profi ssional esteja disposto a aprender a lidar com esse cenário, desenvolvendo habilidades e competências e interesse em criar um vínculo temporário com a família em foco. Agora que já possibilitamos uma visão ampliada, chegou a hora de você realizar a atividade de estudo, antes de prosseguirmos para a nossa última seção. 1- Tomando, como base, o que você aprendeu nesta seção, propomos o desafi o de ilustrar a representação de uma confi guração familiar não tradicional, além de tipifi cá-la. A forma para representá-la fi ca a seu critério e criatividade. Desafi o aceito?! Então, mãos à obra! Ah, uma dica: há alguns sites que disponibilizam materiais para a elaboração do genograma. 50 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA 4 ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE, REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE E POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO BÁSICA: REFLEXÕES HISTÓRICAS PARA A COMPREENSÃO DA SAÚDE DA FAMÍLIA A partir de agora, oportunizaremos uma refl exão histórica a respeito da Atenção Primária à Saúde (APS), das Redes de Atenção à Saúde (RAS), e da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), a fi m de que se possa compreender as conexões com a Saúde da Família, abordada no próximo capítulo. Reitera-se que o escopo deste capítulo é fazer uma revisão histórica, por isso, não serão enfatizados os acontecimentos recentes, com algumas exceções. Dito isso, convidamos você a recordar pontos fundamentais, e a fazer uma refl exão crítica a respeito da Atenção Primária da Saúde (APS) e da conexão dela com a Atenção Básica (AB). Vamos em frente?! 4.1 REVISITANDO A ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE/ATENÇÃO BÁSICA Para compreendermos a relação da Atenção Primária à Saúde (APS) com o modelo brasileiro de Atenção Básica à Saúde (ABS), o qual se estrutura a partir da Estratégia Saúde da Família (ESF), é preciso recorrermos, novamente, à história. A sistematização do conceito de Atenção Primária à Saúde pode ser reconhecida na estrutura do Relatório Dawson, publicado em 1920, o qual divide, em três níveis, um sistema de saúde: nível primário (com clínico geral na comunidade), nível secundário (com corpo clínico especialista, atuando em ambulatórios) e nível terciário (com especialistas vinculados à atenção hospitalar), de acordo com Ministry of Health (1920), tornando-se o marco inicial da APS, com semelhanças com o que se é discutido atualmente. 51 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 Veja que interessante, já em 1920, pensava-se em delimitar um território (base territorial), com a atenção à saúde baseada nas necessidades locais (níveis de atenção). Ainda, um médico generalista seria o protagonista da promoção de ações preventivas de doenças e da recuperação da saúde (concepções curativista e preventivista). Obviamente, para a época, o modelo médico-centrado era o predominante, e não se cogitava a promoção da saúde. O termo APS (Primary Health Care) foi descrito em documentos ofi ciais, pela primeira vez, na década de 1970, em uma revista da Comissão Médica Cristã (CMC), a qual defendia a intervenção, a nível local, das comunidades, por meio do treinamento de agentes de saúde e de métodos acessíveis, haja vista que as ações em hospitais não apresentavam impacto relevante para a saúde da população (MELLO; FONTANELLA; DEMARZO, 2009). Segundo os autores supracitados, a expressão APS foi incorporada aos documentos da Organização Mundial da Saúde (OMS), pela primeira vez, em 1975, no relatório The Promotion of National Health Services (A Promoção de Serviços Nacionais de Saúde), defendendo a Atenção Primária como o caminho para os serviços de saúde mais efetivos. Ainda, faltava uma base conceitual para o termo APS, com uma proposta de conferência a respeito do tema, conduzida pela OMS, o que gerou a Declaração de Alma-Ata, em 1978, evidenciando a APS como a estratégia básica para a saúde como direito das pessoas e das comunidades, com ênfase no acesso universal aos serviços e na intersetorialidade das ações (MELLO; FONTANELLA; DEMARZO, 2009). A 1ª Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde originou a Declaração de Alma-Ata, a qual defi niu, pela primeira vez, que a APS é uma atenção essencial de saúde, tendo como base, tecnologia e métodos práticos, cientifi camente, comprovados, e, socialmente, aceitáveis, colocados aos indivíduos e às famílias da comunidade de forma universal, por meio da plena participação deles e a um custo acessível em cada etapa do desenvolvimento, com os espíritos de autoconfi ança e de autodeterminação. Portanto, fez parte do sistema de saúde do país, tendo função central, com enfoque principal nos desenvolvimentos social e econômico da comunidade, sendo o primeiro nível de contato dos indivíduos e da família com o sistema nacional de saúde. Ainda, é considerado o local onde eles vivem e trabalham (OMS, 1978). De acordo com Starfi eld (2002, p. 28), a Atenção Primária é aquele nível de um sistema de saúde que oferece a entrada no sistema para todas as novas necessidades e problemas 52 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA e fornece atenção para a pessoa (não direcionada para a enfermidade), no decorrer do tempo, e para todas as condições, exceto as muito incomuns e raras. Ainda, coordena ou integra a atenção fornecida em outro lugar ou por terceiros. Nessa acepção, a APS é concebida como a porta de entrada do sistema de saúde,e cerca de 90% das demandas são resolvidas, uma vez que está direcionada às ações individuais e coletivas concernentes à promoção e à proteção à saúde, à prevenção de agravos, ao diagnóstico, ao tratamento e à reabilitação, centrada na família, com a participação ativa da comunidade e dos profi ssionais envolvidos, confi gurando-se como prioridade no processo de reorganização dos serviços de saúde em todos os países do mundo (STARFIELD, 2002; CAMPOS; GUERREIRO, 2010). A APS é o primeiro contato que as pessoas têm com o sistema de saúde, de forma universal, com acessibilidade, integralidade e abrangência das ações individuais e coletivas, levando em conta a longitudinalidade (relação entre o paciente e a equipe de saúde ao longo do tempo) e a coordenação do cuidado, devendo ser praticada e orientada nos âmbitos familiar e comunitário, considerando a estrutura e as conjunturas social, econômica e cultural (STARFIELD, 2002; STARFIELD; SHI; MACINKO, 2005). De modo geral, a defi nição clássica da APS é dada por Starfi eld (2002), e os atributos essenciais dela são conformados pelo primeiro contato (acesso), acrescentado a integralidade, a longitudinalidade e a coordenação do cuidado. Para que você possa compreender melhor a APS, especialmente, os atributos essenciais, sugerimos a leitura do artigo Atenção Primária à Saúde: Um Ensaio sobre Conceitos Aplicados aos Estudos Nacionais, de autoria de Gustavo Z. Portela, de 2017: https:// www.scielo.br/pdf/physis/v27n2/1809-4481-physis-27-02-00255.pdf. Você deve estar se perguntando: quais são os benefícios da APS? Diversos estudos científi cos têm demonstrado que um sistema de saúde baseado no referencial da APS é mais equitativo e efetivo, apresenta um elevado grau de satisfação por parte do usuário, tem baixo custo e melhora os indicadores sanitários (STARFIELD; SHI; MACINKO, 2005). 53 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 Ainda, permanece atual o debate conceitual acerca da Atenção Primária à Saúde, tendo em vista a inclusão da cobertura universal de saúde na Agenda 2030, por meio da meta 3.8 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), 3 “Saúde e Bem-estar”, e da preconização da Atenção Primária como estratégia. Indicamos que você assista ao fi lme-documentário SICKO, de Michael Moore, traduzido, para o português, como SOS Saúde, o qual apresenta exemplos de países que têm sistemas centrados na APS: https://www.youtube.com/watch?v=VoBleMNAwUg. No Brasil, o termo “Atenção Básica” foi eleito, pelo Movimento da Reforma Sanitária, para retratar o primeiro nível do sistema de atenção à saúde, e para organizar e operar a porta de entrada do sistema, integrando a rede assistencial de cuidados, com ênfase na comunidade, por meio do reconhecimento do território (ABRASCO, 2020). Entretanto, a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) considera os termos Atenção Básica (AB) e Atenção Primária à Saúde (APS) equivalentes, nas atuais concepções (BRASIL, 2017). Contudo, essa equivalência divide opiniões entre a academia e as instituições. Fausto e Matta (2007) complementam que a APS, no Brasil, refl ete os princípios da Reforma Sanitária, o que leva o SUS a adotar a designação de Atenção Básica à Saúde (ABS), a fi m de enfatizar a reorientação do modelo assistencial, tomando, como base, um sistema integrado e universal de atenção. Como era a Atenção Primária à Saúde no Brasil? É oportuno destacar que, no nosso país, no início do século XX, algumas experiências da APS foram instituídas, embora de forma incipiente, como o caso da criação dos centros de saúde, em 1924, os quais estavam organizados a partir de uma base populacional e atuavam na educação sanitária. Tem-se a criação do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), que, a partir da década de 1940, passou a implementar um modelo de estabelecimento de redes integradas de saúde, realizando ações curativas e preventivas, inicialmente, aos trabalhadores dos seringais. Foi ampliado, nas décadas seguintes, para outras regiões do país. Portanto, esse serviço contrastou com o modelo verticalizado vigente, e foi o pioneiro na atenção básica domiciliar (FINKELMAN, 2002). 54 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Com relação ao SESP, Fausto e Matta (2007) complementam que os programas desenvolvidos por esse serviço contemplavam assistência médica ambulatorial; atendimentos de urgência e de internação hospitalar, organizados em uma rede hierarquizada e regionalizada de atenção à saúde; auxílio domiciliar; campanhas sanitárias; e ações de saneamento e de abastecimento de água potável, ou seja, abarcavam serviços curativos e preventivos, conciliando médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes sanitários. As ações estavam baseadas em um programa integrado e integral, mas a atuação estava limitada a áreas estratégicas e com pouquíssima articulação com as demais instituições de saúde. Outro fato a ser destacado é a criação do Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência (SAMDU), em 1949, o qual trouxe inovação, proporcionando atendimento médico domiciliar aos usuários do setor público, com atendimento universal, embora restrito aos casos de urgência. Um pouco mais adiante, na década de 1960, programas de extensão de cobertura à saúde, incentivados por fundações internacionais, como Kellogg e Ford, ocorriam, de forma paralela, às medidas adotadas pelo governo, ampliando o acesso aos serviços de saúde em locais com poucos recursos, tornando-se modelos alternativos, ou seja, já se buscava repensar nos modelos vigentes de atenção à saúde (FAUSTO; MATTA, 2007). Ainda nessa década, segundo os autores supracitados, os Departamentos de Medicina Preventiva (DMP), vinculados às faculdades de Medicina, instituíram os primeiros programas de integração docente-assistencial, sendo que as experiências de Medicina Comunitária, que faziam parte da formação médica, eram desenvolvidas em diversas localidades do país. Assim, tais iniciativas, ocorridas nos anos de 1960, demonstravam que a atenção à saúde não estava limitada aos processos de adoecimento, e que o estado de saúde da população se mantinha relacionado, diretamente, com as condições de vida, exigindo intervenções amplas, uma verdadeira crítica à Medicina e ao sistema de saúde ofi cial vigente. Já na década de 1970, mais especifi camente, em 1976, foi criado o Programa de Interiorização de Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), vinculado ao Ministério da Saúde, o qual visava à expansão da rede de atenção primária de saúde aos municípios do interior, tendo, como principais metas, aumentar o alcance de cobertura dos serviços médicos, de modo especial, nas áreas rurais; e viabilizar a regionalização da atenção e da assistência médicas, com foco nos cuidados primários em saúde, de forma hierarquizada e descentralizada. Logo, era um programa estratégico que estava em consonância com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e com a Organização Pan-Americana de Saúde 55 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 (OPAS), as quais defendiam o aumento da cobertura dos serviços de saúde nas comunidades mais distantes, por intermédio de pessoal auxiliar, recrutado, localmente, e capacitado (ESCOREL, 1999; PIRES-ALVES; PAIVA, 2006). Observe que o PIASS requeria a capacitação e a formação de pessoal auxiliar e técnico, e, para isso, contou com o Programa de Preparação Estratégica de Pessoal da Saúde (Ppreps), para a formação descentralizada de recursos humanos (PIRES-ALVES; PAIVA, 2006). Fausto e Matta (2007) informam que o PIASS foi uma das primeiras iniciativas formais para integrar as ações de saúde, e que, apesar de ter respondido, de forma restrita, às necessidades da população carente, contribuiu para a redefi nição da política de saúde, propondo ações descentralizadoras e a reorientação na organização. Você deve se lembrar de que as diretrizes do Projeto Montes Claros serviramde base para o PIASS, portanto, foi uma ampliação do que era operacionalizado lá. Essa década, também, foi marcada pela iniciativa, de alguns municípios, para organizarem os próprios sistemas locais de saúde, com base nos ideais de extensão de cobertura à saúde das periferias urbanas, mas com o diferencial de estruturar o sistema integrado, articulando as áreas típicas de atenção primária a um conjunto maior, com uma gama de áreas preventivas e curativas bem distintas dos programas de Medicina Comunitária, os quais propunham ações isoladas, conforme Fausto e Matta (2007). Ainda, temos as primeiras experiências de Medicina Comunitária que deram início à participação de alguns municípios no desenvolvimento da APS, como Montes Claros, Campinas e Niterói, temas já abordados anteriormente. Na sequência, ou seja, na década de 1980, surge o Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (Prev-Saúde), já abordado neste capítulo. Como podemos ver, essas experiências relacionadas à organização e à oferta da APS confl uíram para o modelo de Saúde da Família, adotado como estratégia de expansão e de consolidação da APS, na década de 1990. Vale pontuar que as propostas para a Atenção Primária à Saúde, no sistema de saúde brasileiro, durante os anos de 1980 e de 1990, divergiram, em vários aspectos, das reformas realizadas na maioria dos países latino-americanos, os quais foram motivados a adotar políticas de saúde baseadas em programas seletivos de atenção primária, sem vinculação de ações desenvolvidas em outros 56 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA níveis de atenção. Portanto, enquanto muitos sistemas de saúde públicos visavam à redução dos custos nas ações, o Brasil adotava políticas sociais de caráter inclusivo, além de redistributivo. Dessa forma, a APS foi alicerçada nos princípios da equidade, da integralidade, da saúde como direito de todos e da participação popular, conforme Fausto e Matta (2007). Tal fato pode justifi car a nomenclatura “Atenção Básica”. A Política Nacional de Atenção Básica, de 2006, relata: A Atenção Básica se caracteriza por um conjunto de ações de saúde, nos âmbitos individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. É desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território no qual vivem essas populações. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, as quais devem resolver os problemas de saúde de frequência e relevância nesse território. É o contato preferencial dos usuários com os sistemas de saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, da acessibilidade e da coordenação do cuidado, do vínculo e da continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social (BRASIL, 2006b, p. 2). Já a defi nição de Atenção Básica, proposta pela Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017, é a seguinte: O conjunto de ações de saúde individuais, familiares e coletivas que envolvem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde, desenvolvidas por meio de práticas de cuidado integrado e gestão qualifi cada, realizadas com equipe multiprofi ssional e dirigida à população em território defi nido, sobre a qual as equipes assumem responsabilidade sanitária (BRASIL, 2017, p. 1) FONTE: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm>. Acesso em: 24 abr. 2021. 57 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 No contexto normativo, a APS, ou AB, ganhou destaque na política nacional de saúde, por meio da Norma Operacional Básica do SUS (NOB SUS 01/96), a qual assumiu o termo Atenção Básica. Em termos históricos, as primeiras iniciativas dedicadas às alterações na organização da atenção à saúde, por parte do Ministério da Saúde, com ênfase na atenção básica/primária, ocorreram por meio do Programa de Agentes Comunitário de Saúde (PACS), e do Programa Saúde da Família (PSF), em 1991 e em 1994, respectivamente, os quais trouxeram a família e a comunidade como norteadoras da organização da atenção à saúde, reorganizando a atenção básica do SUS, segundo Fausto e Matta (2007). A Atenção Básica é o atendimento inicial, ou seja, a porta de entrada do usuário ao sistema de saúde, funcionando como um fi ltro, a fi m de organizar o fl uxo dos serviços. Tem, como escopo, orientar para a prevenção de doenças, solucionando os casos de agravos e direcionando os mais graves para os níveis de maior complexidade (FIOCRUZ, 2021). A Atenção Básica, também, envolve outras iniciativas, como o Programa Brasil Sorridente, o Programa Melhor em Casa, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde, dentre outros. Por fi m, Fausto e Matta (2007, p. 62) mencionam que a Atenção Básica é “o que melhor representa a história e a concepção do sistema de saúde brasileiro, fundado nos ideais da Reforma Sanitária e nos princípios e nas diretrizes do SUS”. A Portaria nº 2.436/2017 informa que a Atenção Primária à Saúde (APS) é a base para o desenvolvimento de sistemas de saúde com alto nível de resolutividade, uma vez que atende às necessidades individuais/familiares e coletivas (BRASIL, 2017). Atualmente, a Atenção Primária/Básica está presente nos 5.570 municípios brasileiros, com a estrutura de serviços e a capacidade de prestar atenção à saúde para a população (FERREIRA et al., 2020). Por meio do Decreto nº 9.795, de 17 de maio de 2019, a APS passou ao status de Secretaria (Secretaria de Atenção Primária à Saúde – SAPS) no âmbito do Ministério da Saúde, reforçando, dessa forma, a relevância e a prioridade dela no Sistema Único de Saúde. FONTE: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm>; FERREIRA, S. R. S. et al. O processo de trabalho da enfermeira na Atenção Primária, frente à pandemia da COVID-19. Brasília: 58 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA ABen/DEAB, 2020. p. 19-26; <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2019-2022/2019/decreto/D9795.htm>. Para complementar os seus conhecimentos, acesse o artigo Atenção Básica no Brasil (1980-2006): Alguns Destaques, de autoria de Eunice Simão, Gelson Luiz de Albuquerque e Alacoque Lorenzini Erdman, de 2007: https://www.redalyc.org/pdf/3240/324027958007.pdf. 4.2 REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE (RAS): O QUE É? Inicialmente, vale salientar que o nosso conhecido Relatório Dawson, aquele de 1920, já propunha a organização integrada dos sistemas de saúde, antevendo a necessidade de os sistemas serem organizados a partir da hierarquização e da regionalização da APS. A organização Pan-Americana de Saúde (2010), mesmo reconhecendo as diversidades contextuais entre os distintos países e a obrigatoriedade de adaptação das propostas, apontou quatorze atributos basilares, embora genéricos, para as redes de atenção à saúde funcionarem de forma adequada: 1) População e território defi nidos com amplo conhecimento das necessidades e das preferências, com a determinação da oferta de serviços de saúde; 2) Uma extensa oferta de estabelecimentos e de serviços de saúde, como os de saúde pública, promoção da saúde, prevenção de doenças, diagnóstico e tratamento oportunos, reabilitação e cuidados paliativos, todos sob um único guarda-chuva organizacional; 3) Um primeiro nível de atenção, de fato, como uma porta de entrada ao sistema, integrando e coordenando o cuidado da saúde, com a resolução da maioria das necessidades de saúde da população; 4) Entrega de serviços especializados no local mais adequado, preferencialmente, em ambiente extra-hospitalar; 5) Existência de coordenação dos cuidadoslongitudinalmente; 6) Cuidado de saúde centrado na pessoa, na família e na comunidade; 7) Sistema de governança único para toda a rede; 8) Ampla participação social; 9) Gestão integrada dos sistemas de apoio administrativo e clínico; 9) Ação intersetorial e abordagem dos determinantes e da equidade em saúde; 10) Gestão integrada dos sistemas de apoio administrativo, clínico e logístico; 11) Recursos humanos 59 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 sufi cientes, competentes, comprometidos e valorizados pela rede; 12) Sistema de informação integrado; 13) Gestão baseada e resultados; e 14) Financiamento adequado. Salienta-se que a Portaria de Consolidação nº 3, de 28 de setembro de 2017, no Capítulo 1, o qual abarca a Rede de Atenção à Saúde, Anexo 1, item 4, traz esses mesmos atributos. No Brasil, pesquisadores, gestores e sanitaristas têm proposto estratégias de organização em redes de atenção à saúde, em decorrência da diversidade das condições, das necessidades de saúde, das transições epidemiológica e demográfi ca, do sistema fragmentado e hierarquizado, dentre outros aspectos, sendo que um dos autores que vem pesquisando e defendendo a implantação, há muito tempo, é Eugênio Vilaça Mendes. A Rede de Atenção à Saúde (RAS), no âmbito do SUS, visando garantir universalidade, equidade e integralidade à saúde do povo brasileiro, tem o auge com a publicação da Portaria GM nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010, a qual estabelece as diretrizes para a organização no âmbito do SUS. O Anexo da referida Portaria informa que o documento referente à Rede de Atenção à Saúde apresenta a justifi cativa, os principais conceitos, os fundamentos e os atributos da RAS, além dos elementos constitutivos, das principais ferramentas de microgestão dos serviços e das diretrizes, com algumas estratégias para a implementação. A Portaria GM nº 4.279/2010 foi revogada, estando, atualmente, em vigência, a Portaria de Consolidação nº 3, de 28 de setembro de 2017 (BRASIL, 2017). FONTE: BRASIL. Portaria de Consolidação nº 3, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as redes do Sistema Único de Saúde. 2017. Disponível em: https://bvsms. saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0003_03_10_2017. html#CAPITULOI. Acesso em: 24 abr. 2021. 60 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Nesse enfoque, o Ministério da Saúde (BRASIL, 2017) vem adotando a estratégia de redes de atenção à saúde, tipifi cando redes temáticas, como materno-infantil (Rede Cegonha), atenção às urgências e emergências (RUE), atenção à saúde das pessoas com condições crônicas, e cuidados à pessoa com defi ciência e atenção psicossocial (RAPS). O propósito é tentar responder às necessidades específi cas de cuidado à saúde. O que vem a ser uma Rede de Atenção à Saúde (RAS)? A Rede de Atenção à Saúde é defi nida como arranjos organizativos de ações e de serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas, e que, integrados por meio dos sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado (BRASIL, 2017, s.p.). Ressalta-se que a defi nição de RAS não sofreu alteração, ou seja, permanece a mesma, desde a Portaria nº 4.279/2010. Já Mendes (2010, p. 2300) defi ne da seguinte forma: As Redes de Atenção à Saúde são organizações poliárquicas de conjuntos de serviços de saúde vinculados, entre si, por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e interdependente, o que permite ofertar uma atenção contínua e integral a determinada população, coordenada pela atenção primária à saúde prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa e de forma humanizada, e com responsabilidades sanitárias e econômicas por essa população. A justifi cativa para a conformação das RAS se dá pela alta incidência e pela prevalência das doenças crônicas que exigem a construção da integralidade para ser gerida nos crescentes custos dos sistemas de saúde, segundo Mendes (2011). A própria Portaria nº 4.279/10 relata que o perfi l epidemiológico é caracterizado por uma tripla carga de doença (persistência de doenças parasitárias, infecciosas; desnutrição, morte materna e óbitos infantis; desafi o das doenças crônicas e crescimento das causas externas, devido a acidentes de trânsito e violência). Nessa direção, o autor supracitado relata que a implantação das RAS é uma forma diferenciada de organizar o sistema de atenção à saúde em sistemas integrados, os quais permitem responder às condições de saúde da população brasileira com efi ciência, efetividade, equidade, segurança e qualidade. Dessa forma, a estruturação das RAS, de acordo com Shimizu (2013, p. 1102), 61 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 apresenta-se como uma alternativa potente para reduzir a fragmentação do sistema, conforme demonstrado por alguns países que conseguiram consolidar sistemas de saúde integrados, os quais favorecem o acesso, a continuidade, a integralidade e a racionalização dos recursos. Outro ponto que merece relevância é a estruturação do sistema de saúde brasileiro, o qual se apresenta no modelo piramidal e hierárquico das complexidades de cada nível de atenção (atenção básica, média e alta complexidade). Tal estruturação fragmentada não permite uma adequada articulação entre os níveis, proporciona pouca comunicação entre eles, e não provê a responsabilização pela resolubilidade do problema, além de estar voltada para as doenças agudas. Há a necessidade de alterar essa estruturação pela rede poliáquica horizontal, estando, a Atenção Primária à Saúde, no centro (MENDES, 2011), conforme mostrará a fi gura a seguir. FIGURA 3 – ORGANIZAÇÃO DA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE FONTE: <https://www.conass.org.br/liacc/wp-content/uploads/2014/10/A- CONSTRUCAO-SOCIAL-DA-APS-5.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021. Nessa concepção, o nó central seria a Atenção Primária à Saúde, a qual se torna a responsável pela coordenação das ações dos demais elos da rede (via de mão dupla), havendo uma boa comunicação entre esses elos. Apesar de se apregoar a relação não hierárquica e horizontal entre os pontos e os níveis de atenção à saúde, isso não signifi ca priorizar um deles no que se refere a investimentos e à destinação de recursos, uma vez que todos são, igualmente, importantes. 62 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA A Rede de Atenção à Saúde está fundamentada no entendimento da Atenção Primária à Saúde (APS), como primeiro nível de atenção e como porta de entrada do sistema, composta por uma equipe multidisciplinar que cobre toda a população, atendendo às necessidades dela, de forma integrada e coordenada. A RAS tem, como objetivo, a promoção da integração sistêmica das ações e dos serviços de saúde, e é caracterizada pela formação de relações horizontais entre o centro de comunicação, na APS, com os pontos de atenção, pelo cuidado multiprofi ssional, pela centralidade nas necessidades da saúde da população, pela responsabilização das atenções integral e contínua e pelo compartilhamento de objetivos e de compromissos com os resultados econômicos e sanitários. A RAS apresenta três elementos fundamentais: a população (a razão de ser, aquela cadastrada e com vínculo com a APS, e não a de censo demográfi co), a estrutura operacional (formada pelos “nós” das redes e pelas ligações que dialogam com estes) e os modelos de atenção à saúde (sistemas lógicos que organizam o funcionamento da RAS) (CONASS, 2015; BRASIL, 2017). Alguns fundamentos precisam ser considerados para que seja assegurada a resolutividade na rede de atenção: Economia de Escala; Qualidade; Sufi ciência; Acesso e Disponibilidade de Recursos; Integrações Vertical e Horizontal; Processos de Substituição; Região de Saúde ou Abrangência; e Níveis de Atenção (BRASIL, 2017). Conforme Freitas e Araújo (2018), positivamente, ressaltam-seduas demandas da bioética: respeito aos valores e às decisões do usuário (Fundamento da Qualidade) e cuidados paliativos (Fundamento da Sufi ciência). Contudo, estudos anteriores à publicação da Portaria já anunciavam enormes difi culdades para o estabelecimento da RAS. No que concerne aos atributos, são os seguintes: Primeiro Contato; Longitudinalidade; Integralidade; Coordenação; Centralidade na Família; Abordagem Familiar e Orientação Comunitária. Com relação à centralidade na família, remete-se ao conhecimento, pela equipe de saúde, dos membros e dos problemas de saúde deles. Atualmente, tem-se utilizado um conceito amplo de família, incluindo fi lhos consanguíneos, ou não, e demais pessoas que convivam no mesmo domicílio. Já no que se refere à abordagem familiar, informa-se que deve ser realizada em vários momentos, exemplifi cando, por meio da realização do cadastro das famílias, a mudança de fase do ciclo vital e o surgimento de doenças crônicas ou agudas. Essas situações permitirão um vínculo entre a equipe, o usuário e a família, o que facilita a investigação e a intervenção. 63 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 No SUS, a Estratégia Saúde da Família representa o principal modelo para a organização da APS. O fortalecimento se torna uma exigência para o estabelecimento da RAS. Para elucidar tudo o que vimos até aqui, a respeito da Rede de Atenção à Saúde, você pode acessar a palestra proferida por Eugênio Vilaça, em abril de 2021, disponível em https://www.youtube. com/channel/UCdVwnuxr7y3WZnYPZn_uqmw. Logo, a RAS deve ser formada por um conjunto de serviços de saúde, adscrito em um determinado território, que tenha, como centralidade, o usuário e as necessidades de saúde dele, assegurando a ampliação da cobertura. Embora a RAS esteja inserida no SUS desde 2010, quando as diretrizes dela foram estabelecidas, pouco avançou. A conformação, ainda, é um desafi o, e, como o SUS, está em construção. A 3ª edição da PNAB (Portaria nº 2.423, de 21 de setembro de 2017) defi ne as Redes de Atenção à Saúde (RAS) como uma estratégia para a organização do SUS. FONTE: <http://www.legislacaodesaude.rj.gov.br/cat-portarias/ 8191-portaria-n-2423-de-24-de-janeiro-de-2017.html>. Acesso em: 24 abr. 2021. Como forma de complementar deste tópico, propomos que você acesse As Redes de Atenção à Saúde, de Eugênio Vilaça Mendes, de 2011: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/redes_de_ atencao_saude.pdf. 64 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Confi ra, também, o livro Redes Regionalizadas de Atenção à Saúde: Desafi os à Integração Assistencial e à Coordenação do Cuidado, de Adriano M. dos Santos, de 2018: http://books.scielo.org/ id/r7wwf/pdf/santos-9788523220266.pdf. Por fi m, não deixe de ler o artigo Redes de Atenção à Saúde: Tendências da Produção de Conhecimento no Brasil, de autoria de Caroline C. Peite et al., de 2019: https://www.scielo.br/j/ean/a/8V3GK bxjSp3VdpbR3s78HDb/?lang=pt&format=pdf. 4.3 POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO BÁSICA (PNAB): BREVE HISTÓRICO Para fi car mais íntimo da Estratégia de Saúde da Família, retome, brevemente, a Política Nacional de Atenção Básica. Faremos um rápido passeio histórico pela PNAB, sendo que, posteriormente, no Capítulo 3, retomaremos essa política na atualidade. Primeiramente, é preciso salientar que a história de criação da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) está, intrinsicamente, conectada ao próprio contexto de vinda do Sistema Único de Saúde (SUS), tendo em vista que ela é o resultado da atuação de movimentos sociais, de trabalhadores, de usuários e da própria atuação governamental (BRASIL, 2012b). Desse modo, no decorrer do tempo, o Governo Federal tem buscado formas de adequar as normas da Atenção Primária à Saúde (APS), transportando-as para a Atenção Básica (AB), e defi nindo parâmetros que estejam alinhados e conformados à realidade brasileira, especialmente, às concernentes ao Sistema Único de Saúde (SUS). Com esse propósito, o Ministério da Saúde, à luz das legislações vigentes, instituiu a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), aprovada por meio da Portaria nº 648, de 28 de março de 2006, com o intuito de transformar o modelo de saúde, reorientando-o, conforme os preceitos do Sistema Único de Saúde, e estabelecendo a Atenção Básica (AB) como a porta de entrada aos serviços públicos. Ainda, explicita-se a Saúde da Família como modelo preferencial no âmbito do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2006b). Convém enfatizar que a PNAB surgiu como forma de adequar e de fortalecer os programas existentes (Programa de Agentes Comunitários de Saúde – PACS 65 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 e Programa Saúde da Família – PSF) ao estágio de desenvolvimento da Atenção Básica no país, além de defi nir os princípios e as diretrizes necessários para a implementação (BRASIL, 2006b). Com a edição da primeira versão da PNAB, no contexto do Pacto pela Saúde, foram incorporados os atributos de Atenção Primária à Saúde (APS), propostos por Starfi eld (2002), sendo que o governo brasileiro estabeleceu diretrizes para o fortalecimento, conforme Giovanella et al. (2015). Por falar do Pacto pela Saúde (Pacto pela Vida, pela Saúde e de Gestão), não podemos deixar de abordá-lo novamente, mas sob outro ângulo. A proposta ocorre por meio da Portaria nº 399/06, em decorrência das críticas na condução da política de descentralização. Foram estabelecidas seis prioridades, dentre elas, o fortalecimento da Atenção Básica, assumindo “a estratégia de saúde da família como estratégia prioritária para esse fortalecimento, devendo, o desenvolvimento, considerar as diferenças loco-regionais” (BRASIL, 2006a, p. 5). A PNAB apresentou, como objetivo principal, o estabelecimento das diretrizes organizacionais. Considerou-se o Pacto pela Saúde e foram redefi nidos os princípios gerais, as responsabilidades de cada esfera governamental, a infraestrutura, os recursos necessários, as características do processo de trabalho, as atribuições dos profi ssionais e as regras de fi nanciamento, incluindo as especifi cidades do Programa Saúde da Família (PSF) (BRASIL, 2007). Ampliaram-se a fi nalidade e a concepção da Atenção Básica, ao serem introduzidos os atributos da Atenção Primária à Saúde Abrangente. Ainda, foram revisadas as incumbências das Unidades Básicas de Saúde, reconhecidas as diferentes modalidades (UBS com ou sem ESF) e tida, a Saúde da Família, como modelo substitutivo e de reorganização da Atenção Básica (BRASIL, 2006a). Em 2011, a PNAB foi atualizada, tendo, como principal objetivo, o fortalecimento da Atenção Primária à Saúde (APS) como porta de entrada ao Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda, considerada coordenadora do cuidado nas Redes de Atenção, defi nida a Estratégia Saúde da Família (ESF) como tática prioritária de consolidação, de expansão e de qualifi cação da APS (BRASIL, 2012b). A segunda edição da PNAB (2011), basicamente, manteve a mesma essência de 2006, com algumas alterações marginais, como: criação dos Núcleos de Apoio à Saúde à Família (NASF); incorporação das equipes de saúde bucal; fl exibilização da carga horária dos profi ssionais médicos das equipes de Saúde da Família (eSF); instauração das equipes de Saúde da Família ribeirinhas e unidades fl uviais; e regulamentação do Programa Saúde na Escola (PSE) e dos Consultórios de Rua. 66 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA A Política Nacional da Atenção Básica ressalta que são responsabilidades comuns, às três esferas governamentais, “apoiar e estimular a adoção da Estratégia Saúde da Família pelos serviços municipais de saúde, como tática prioritária de expansão, de consolidação e de qualifi cação da Atenção Básica à Saúde” (BRASIL, 2012b, p. 27), devendo ser, de competência das Secretarias Municipais de Saúde, a “inserção da Estratégia Saúde da Famíliana rede de serviços, como tática prioritária de organização da atenção básica” (BRASIL, 2012b, p. 32). Com relação à equipe de Saúde da Família (eSF), cada eSF deve se responsabilizar por, no máximo, 4.000 pessoas, mas o ideal são 3.000. Já a equipe multiprofi ssional precisa contar com, no mínimo, médico e enfermeiro generalistas ou especialistas em Saúde da Família, ou médico de família e de comunidade; auxiliar ou técnico de enfermagem; e agentes comunitários de saúde (número de ACS deve ser sufi ciente para cobrir 100% da população cadastrada, com um máximo de 750 pessoas), podendo acrescentar profi ssionais de saúde bucal (cirurgião-dentista generalista ou especialista em Saúde da Família, auxiliar e/ou técnico em saúde bucal) (BRASIL, 2012b). Cabe pontuar que, em 2011, foi lançado o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e de Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), por meio da Portaria nº 1.654, de 19 de julho de 2011, objetivando incentivar as equipes e os gestores a melhorarem a qualidade dos serviços de saúde prestados, a fi m de garantir um padrão comparável nos âmbitos nacional, regional e local, o que faz parte da PNAB, como estratégia de sensibilização, visando à qualifi cação da Atenção Básica (BRASIL, 2011c). Assim, a PNAB é umas das políticas mais relevantes de assistência à saúde, especialmente, quando se trata da promoção e da prevenção, propondo uma Atenção Básica mais fortalecida, visando ao cuidado integral e direcionado para as necessidades da população. A Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017, estabeleceu a revisão das diretrizes da PNAB, no âmbito do SUS, revogando a Portaria 2.488/2011. Nesse sentido, algumas mudanças fundamentais ocorreram, especialmente, no que se refere ao fi nanciamento de equipes de AB e à cobertura do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB). FONTE: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/ prt2436_22_09_2017.html>. Acesso em: 24 abr. 2021. 67 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 Que tal ampliar os seus conhecimentos, lendo o artigo A Política Nacional de Atenção Básica no Contexto da Policy Analysis, de autoria de Priscila F. de Paula, Karla M. D. Teixeira e Suely de F. R. Silveira, de 2019? Disponível em https://periodicos.uninove.br/ revistargss/article/view/14976/7685. Para concluirmos o capítulo com chave de ouro, só falta você realizar a atividade de estudo. 1 - Tomando, como base, o tópico da Rede de Atenção à Saúde, busque, na literatura científi ca, informações das principais diferenças entre o sistema fragmentado, o hierárquico, o verticalizado e a Rede de Atenção à Saúde, e elabore um quadro comparativo. Lembre-se de que o próprio material já traz algumas diferenças, e dá subsídios para que você pesquise, por meio das indicações de leituras. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Chegamos ao fi m do Capítulo 1, e, nele, você pôde fazer um curto passeio histórico, revisitando e conhecendo vários acontecimentos e aspectos do processo de construção do SUS. Também, transitou pelo complexo tema que é a família, percorreu a “estrada” da Atenção Primária à Saúde (APS)/Atenção Básica (AB), fez uma parada na Rede de Atenção à Saúde e chegou ao destino fi nal, contemplando a Política Nacional de Atenção Básica. Esperamos que essa incursão retrospectiva, em parte da história do Brasil, e da atenção à saúde, tenha possibilitado momentos de refl exão relacionados à concepção das políticas de saúde brasileiras em distintos períodos da história, viabilizando uma visão crítica e a compreensão de muitos fatos na atual conjuntura. 68 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Sabemos que a história é muito mais extensa, repleta de episódios, recheada de situações relevantes. Contudo, buscamos apresentar informações que possam, ao fi m da disciplina, fazer com que você as contextualize com a temática principal, que é a Estratégia Saúde da Família. Finalizamos, dizendo muito obrigado pela sua atenção diante da leitura deste material, o qual foi elaborado com muito carinho, e com a expectativa de que você tenha aproveitado ao máximo e agregado conhecimento à própria vida profi ssional. Encontramo-nos no próximo capítulo! Até lá! REFERÊNCIAS ABRASCO. Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Desafi os da APS no SUS no enfrentamento da Covid-19. Rio de Janeiro, 2020. BARRETO, E.; SOUSA, C. M. A trajetória de implementação do Programa Médico de Família em Niterói: continuidades e mudanças nos anos 2000. 2015. Disponível em: https://webcache.googleusercontent.com/ search?q=cache:dSwj9zDOGLEJ:https://www.arca.fi ocruz.br/bitstream/ icict/37161/2/ve_Camille_Melo_ENSP_2015+&cd=6&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 24 abr. 2021. BENAZZI, L. E. B. Políticas de saúde. Indaial: UNIASSELVI, 2020. BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Relatório Nacional Consolidado: 16ª Conferência Nacional de Saúde. 2019. Disponível em: https://bvsms.saude. gov.br/bvs/publicacoes/16_conferencia_nacional_saude_relatorio_nacional_ consolidado.pdf. Acesso em: 24 abr. 2021. BRASIL. Portaria de Consolidação nº 3, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as redes do Sistema Único de Saúde. 2017. 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Regulamenta o § 3o do art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde; estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fi scalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas 3 (três) esferas de governo; revoga dispositivos das Leis nos 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.689, de 27 de julho de 1993; e dá outras providências. 2012a. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp141.htm. Acesso em: 24 abr. 2021. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2012b. BRASIL. Sistema Único de Saúde. Brasília: CONASS, 2011a. Disponível em: https://www.conass.org.br/bibliotecav3/pdfs/colecao2011/livro_1.pdf. Acesso em: 24 abr. 2021. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 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Acesso em: 24 abr. 2021. 70 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. 4. ed. Brasília, 2007. Disponível em: https://livroaberto.ibict.br/bitstream/1/879/1/politica_nacional_ atencao_basica_4ed.pdf. Acesso em: 24 abr. 2021. BRASIL. Portaria n° 399, de 22 de fevereiro de 2006. Divulga o Pacto pela Saúde 2006 – Consolidação do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido Pacto. 2006a. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/gm/2006/prt0399_22_02_2006.html. Acesso em: 24 abr. 2021. BRASIL. Portaria nº 648, de 28 de março de 2006. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS). 2006b. 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Acesso em: 24 abr. 2021. BRASIL. PEC 169/1993. Altera o inciso IV do artigo 167 e o artigo 198 da Constituição Federal e prevê recursos orçamentários a nível da União, Estados e Municípios para a manutenção do Sistema Único de Saúde com o fi nanciamento das redes públicas, fi lantrópicas e conveniadas. 1993a. Disponível em: https:// www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fi chadetramitacao?idProposicao=24979. Acesso em: 24 abr. 2021. 71 SAÚDE DA FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Capítulo 1 BRASIL. Portaria nº 545, de 20 de maio de 1993. Estabelece normas e procedimentos reguladores do processo de descentralização da gestão das ações e serviços de saúde, através da Norma Operacional Básica - SUS 01/93. 1993b. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1993/ prt0545_20_05_1993.html. Acesso em: 24 abr. 2021. BRASIL. Portaria nº 234, de 7 de fevereiro de 1992. Disponível em: http://siops. datasus.gov.br/Documentacao/Portaria%20234_07_02_1992.pdf. Acesso em: 24 abr. 2021. BRASIL. 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CAPÍTULO 2 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: • Promover o conhecimento da evolução histórica, das diretrizes e das especifi cidades da Estratégia Saúde da Família no âmbito da Atenção Básica, além da organização, do funcionamento e das tecnologias de trabalho. • Desenvolver as habilidades necessárias para coparticipar, de forma interdisciplinar, da ESF, a fi m de contribuir para a reorganização da Atenção Básica no seu território de ação. • Conhecer as bases normativas para a implantação do PSF/ESF. • Fazer uma análise crítica relativa à implantação e à implementação do Programa Saúde da Família. • Ampliar os conhecimentos em relação aos conceitos e às teorias pertinentes aos processos de trabalho das equipes da ESF. 78 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA 79 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Durante o nosso passeio pela história, no Capítulo 1, constatamos que, inicialmente, as estratégias de saúde estavam voltadas para as condições sanitárias dos portos e dos núcleos urbanos, visando às relações comerciais internacionais, e para atrair imigrantes que serviriam de mão de obra para o processo de industrialização do país. Assim, a atenção à saúde de abrangência coletiva estava direcionada para o modelo sanitarista campanhista. Na Era Vargas, a política de saúde se tornou centralizada, imperando o modelo de assistência médica ofertado aos indivíduos com vínculos trabalhistas. Já os anos 1940 e 1950 foram caracterizados pelo descaso, por parte do Estado, com as políticas de saúde, as quais, ainda, tinham, como foco, o modelo sanitarista campanhista. A partir da década de 1960, o modelo médico-hospitalar (centrado no atendimento hospitalar), de cunhos assistencialista, curativo e individual, fi nanciado às custas da Previdência Social, foi se consolidando, sendo que, com a criação do INPS, passa a priorizar a contratação de serviços de terceiros em detrimento da ampliação dos próprios. Nos anos 1970, a atenção à saúde é caracterizada pelo setor privado, o maior prestador de serviços, com fi nanciamento da Previdência Social. A década de 1980 permanece com o mesmo modelo de assistência à saúde, ou seja, curativo, hospitalocêntrico, individualista e centrado na visão lucrativa por parte das empresas prestadoras de serviços médicos, até a chegada do SUS. O fi m dos anos de 1980 e a década de 1990 foram memoráveis na história das políticas públicas, apresentando mudanças no modelo assistencial à saúde, especialmente, pela VIII Conferência Nacional de Saúde, pela promulgação da Constituição Federal e pela implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, a saúde pública brasileira perpassou várias fases até chegar ao enfoque atual, o qual é, teoricamente, a promoção da saúde e a prevenção das doenças, evoluindo, de acordo com os contextos políticos, sociais e econômicos. Vimos que o SUS, desde a concepção dele, vem passando por uma metamorfose, em busca de se tornar, efetivamente, um sistema universal, implementando uma série de reformulações na atenção à saúde, a reestruturação do processo de trabalho, com novas propostas e criações de programas e políticas de saúde. Ainda, há a notoriedade para o Programa Saúde da Família (PSF), cada vez mais, um sistema de saúde complexo, integral, amplo e universal. 80 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Destarte, a forma de organização do SUS privilegia a Atenção Básica (AB) como orientadora e ordenadora do cuidado à saúde, estando sob a égide da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), a qual defi ne o PSF, atualmente, denominado de Estratégia Saúde da Família (ESF), como a porta de entrada ao sistema de saúde e uma tática prioritária para a ampliação e o fortalecimento da AB. Na dimensão apresentada, para contextualizar o Programa Saúde da Família (PSF)/Estratégia Saúde da Família (ESF), é imperioso traçar a evolução dele, desde as primeiras manifestações até o estágio atual, uma vez que tem, como meta, introduzir uma nova dinâmica ao processo de intervenção em saúde, com a valorização da família na agenda governamental. Após a incursão pelo PSF e pela ESF, você será convidado a navegar pela organização e pelo processo de trabalho que permeiam a ESF. Desejamos uma boa leitura e muita saúde para todos nós! 2 DO PROGRAMA À ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: EVOLUÇÃO HISTÓRICA O objetivo, a partir de agora, será contextualizar quando, como e por que o Programa/Estratégia Saúde da Família surgiu como uma proposta de reorientação da assistência à saúde no Brasil. Para isso, apresentaremos um resgate histórico fundamentado por uma criteriosa revisão da literatura, permitindo identifi car as transformações ocorridas e a busca por uma estratégia prática de reorganização da atenção à saúde, para ampliar a compreensão das diferentes proposições que caracterizam a mudança do modelo assistencial brasileiro. Assim, inicialmente, abordaremos os antecedentes do Programa Saúde da Família (PSF), ou seja, o Programa de Agentes de Saúde. Preparado para mais uma nova etapa da nossa caminhada rumo à ESF? Então, vamos lá! 81 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 2.1 PROGRAMA DE AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE (PACS): A GÊNESE Antes de abordarmos, especifi camente, o PACS, é de extrema importância que se entenda a gênese dele. Tudo começou em 1987, quando o projeto de um Programa de Agentes de Saúde é incluído no Plano do Governo Estadual do Ceará, o qual previa a expansão de um programa, em pequena escala, no município de Jucás, na periferia e na região metropolitana de Fortaleza, por meio de educação à saúde, com base em visitas domiciliares, realizadas por funcionários públicos, nas comunidades de residência, de acordo com Minayo, D´Elia e Svitone (1990). Assim, a Secretaria Estadual aventou a possibilidade de envolver moradores das áreas de seca em atividades de promoção à saúde, os quais seriam remunerados com verbas do Governo Federal. De setembro de 1987 a agosto de 1988, 6113 pessoas (95% mulheres) foram contratadas em 118 municípios do Sertão, as quais passaram por treinamento durante 15 dias, promovendo simples cuidados de saúde, como terapia de reidratação oral, aleitamento materno e vacinação. Tal programa perdurou até que a situação pluviométrica se regularizou, sendo desativado de forma gradual (MINAYO; D´ELIA; SVITONE, 1990). Contudo, tendo em vista os resultados obtidos e a pressão das comunidades, o Governo Estadual manteve o programa, utilizando recursos próprios, com 45 municípios contemplados, e várias modifi cações, dentre elas, a revisão da seleção e da distribuição dos agentes de saúde nos locais. Ainda, de acordo com os autores, houve a expansão do programa, com ênfase no atendimento materno-infantil, ocasionando impactos positivos, como a redução de doenças preveníveis por meio da vacinação e a queda notável da mortalidade infantil. Salienta-se que o Programa Agentes de Saúde foi regulamentado pela Portaria nº 232/92, a qual estabeleceu as normas técnicas e operacionais, considerando o agente de saúde um “profi ssional-chave” do programa. Portanto, o Ceará se torna o primeiro Estado a institucionalizar o Programa de Agentes de Saúde, com a contribuição para o delineamento dele (CEARÁ, 1992; ÁVILA, 2011). Dessa forma, oMinistério da Saúde toma ciência da experiência exitosa no Ceará, e constata a importância dos agentes de saúde nos serviços básicos. Assim, em 1991, formula o Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde (PNACS), o qual, posteriormente, passa a ser chamado de Programa de Agentes Comunitário de Saúde (PACS), conforme Barros et al. (2010). 82 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Segundo Souza (2000), é de extrema relevância citar experiências brasileiras que já vinham sendo desenvolvidas, como Projetos do Vale do Ribeira (São Paulo), Casa Amarela (Recife), Rondonópolis (Mato Grosso), e do Ceará, as quais infl uenciaram o desenho e a concepção do PACS, além do Projeto Costeira do Pirajubaé (Santa Catarina), o qual auxiliou na disseminação de ideias e na formação de recursos humanos. A implantação do PACS estava atrelada ao cumprimento de alguns requisitos: ter uma unidade básica de saúde a que o Agente Comunitário de Saúde (ACS) estivesse vinculado; ter um enfermeiro como supervisor/instrutor; ter o Conselho Municipal de Saúde instituído; e ter o Fundo Municipal de Saúde criado e estabelecido para receber os recursos necessários (BRASIL, 2002). Logo, o PACS se tornou um braço auxiliar na implementação do SUS e um instrumento de (re) organização dos sistemas/modelos locais, à medida que passou a exigir esses requisitos dos munícipios para a adesão. Para o processo de implantação do PACS, duas questões foram relevantes, segundo Vianna e Dal Poz (1998): a escolha do agente, com o envolvimento do processo seletivo, da capacitação, da avaliação etc.; e as condições institucionais da gestão da saúde no âmbito local, envolvendo o grau de participação dos usuários, a formação dos conselhos de saúde, os recursos humanos disponíveis, a autonomia da gestão fi nanceira etc. Cabe mencionar que, ao agente comunitário de saúde, era conferida a responsabilidade de acompanhar 150 a 200 famílias, aglutinadas em uma microárea, o que foi primordial para o fortalecimento dos princípios de vigilância à saúde e de responsabilização territorial. Outrossim, cada integrante da família atendido deixava de ser uma estatística, um número, passando a ganhar uma identidade e um endereço (BRASIL, 2002). O PACS passou a ter a família como elemento fundamental de ação na saúde, instaurando a noção de área de cobertura. Ademais, inseriu a visão ativa de intervenção em saúde, ou seja, não “esperar” pela demanda, mas agir de forma preventiva. Além disso, ampliou o enfoque reducionista da saúde, até então, centrado na atuação médica. O objetivo principal do PACS era contribuir para a redução das mortalidades infantil e materna, especialmente, nas regiões Norte e Nordeste, ampliando a cobertura dos serviços de saúde para as áreas mais carentes (VIANA; DAL POZ, 1998). De acordo com Souza (2000), o PACS tinha o agente comunitário como o "elo" entre a comunidade e o serviço de saúde, visto que era uma pessoa das próprias redondezas, conectada com os valores e os costumes, contribuindo para o resgate e a valorização do saber popular. Contudo, havia um limitante importante, 83 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 as unidades de saúde, as quais permaneciam no sistema tradicional, com enfoque no curativo, sem vínculo com a população, e com baixa resolutividade, ou seja, com atuação oposta ao que era preconizado pelo trabalho dos agentes comunitários de saúde. É preciso mencionar que, a cada alteração política, marcada por substituições sucessivas de ministros da saúde, havia o debate acerca da continuidade, ou não, do PACS, sendo que, em 1992, a expansão fi cou suspensa por alguns meses, dando continuidade devido à epidemia de cólera que ameaçava o país. Em 1993, novamente, foi posto em xeque, na gestão do médico Jamil Haddad, do Ministério da Saúde, mas as experiências exitosas levaram ao redirecionamento (BRASIL, 2002). Com a publicação da Norma Operacional Básica de 1993 (NOB-SUS/93), a qual estabeleceu novos critérios para a municipalização dos serviços de saúde, era mais do que necessária a implantação de uma nova estrutura de Atenção Básica, dando início à formulação de um novo programa que repercutisse na qualidade da atenção ofertada e nos custos da saúde (BRASIL, 2002). Assim, com a NOB-93, ocorre o primeiro movimento para o estabelecimento do PSF, uma vez que essa norma deu respaldo legal ao processo de descentralização, ao olhar para as carências locais, permitindo fl exibilidade político-institucional e considerando as diversidades da nossa realidade. Portanto, o PACS representou, nacionalmente, a primeira estratégia de mudança da assistência à saúde, tendo, o agente comunitário de saúde, como protagonista, com a incumbência de promover a saúde nos âmbitos domiciliar e local, por meio de ações educativas. Cabe salientar que o PACS, somente, foi, efetivamente, instituído e regulamentado em 1997, quando se iniciou o processo de consolidação da descentralização de recursos no âmbito do SUS (BRASIL, 2001a). Atualmente, o PACS é denominado de Estratégia de Agentes Comunitários de Saúde (EACS) (BRASIL, 2017). 84 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA 2.2 PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA (PSF): ORIGEM E IMPLANTAÇÃO As origens do Programa Saúde da Família (PSF) estão nos movimentos de reformas das décadas de 1970 e de 1980, os quais tinham, como objetivo primordial, substituir o modelo tradicional de saúde, alicerçado na valorização da doença e do hospital, por um novo modelo que priorizasse a promoção da saúde e a prevenção, considerando a participação da população (BRASIL, 2002). Para Mendes (2002), algumas propostas de implantação de serviços de Atenção Primária à Saúde, anteriores ao PSF, merecem destaque, como: o Programa de Médicos de Família da Fundação Municipal de Saúde de Niterói – RJ (década de 1990) e o Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição em Porto Alegre – RS (década de 1980). São experiências que se aproximam da repercussão mais imediata para a formulação do PSF. Como nasceu o PSF? O PSF nasceu de uma indignação, a partir da qual cerca de 1.000 munícipios brasileiros não dispunham de nenhum profi ssional médico no ano de 1993. Ainda, o acesso aos serviços de saúde era muito precário (BRASIL, 2010b). Diante da grande repercussão da experiência do Programa de Agentes de Saúde no Ceará, visto que obteve efetivo impacto na diminuição da mortalidade infantil do Estado (em torno de 30%), e do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), delineado pelo Ministério da Saúde, em 1991, o PSF é formulado durante o governo de Itamar Franco, quando Henrique Santillo assume o Ministério da Saúde (MENDES, 1998 apud AGUIAR, 1998). De acordo com Vianna e Dal Poz (1998), a idealização do PSF foi feita em 1993, a partir de uma reunião a respeito da temática “Saúde da Família”, a qual esteve assentada na discussão para a elaboração de uma nova proposta com base no êxito do PACS, e na incorporação de novos profi ssionais, a fi m de que os agentes de saúde fossem supervisionados por enfermeiros. Tal reunião ocorreu em Brasília, convocada pelo gabinete do Ministro da Saúde Henrique Santillo, e 85 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 com apoio do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e da OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), por meio de consultores que se fi zeram presentes. Outro fato importante, encontrado na literatura, é que o PSF foi inspirado no modelo de saúde de Cuba, o qual era aplicado a toda população residente daquele território, de abrangência nacional e de caráter permanente, durante a década de 1960 (CUBA, 1975 apud DENTI, 2000), como referências às experiências desenvolvidas no Canadá e na Inglaterra. Com relação às infl uências de Cuba, Inglaterra e Canadá, Mendes (2002) e Giovanella (2006) consideraramque as experiências de outros países contribuíram para as discussões e o amadurecimento do programa, mas ponderaram que a implantação seria algo muito particular, a julgar pelas diferenças políticas, sociais, históricas e institucionais inerentes a cada país. Mendes (2019) complementa que o modelo de saúde da família brasileiro é singular, embora tenha recebido infl uências externas importantes. Divergiu delas por ser uma política pública direcionada à saúde da família e da comunidade, optando por um modelo de base populacional e territorial, e não por uma proposta restrita de medicina familiar, a qual prevalecia no âmbito mundial, com o protagonismo dos médicos generalistas ou de família. Dessa forma, o PSF surgiu como um novo modelo, com vistas a transmutar o modelo assistencial vigente e a mudar o enfoque geral das políticas de saúde, colocando a família como o objeto central de atenção no ambiente em que vive. Elegeu-se, como aspecto fundamental, o “[...] estabelecimento de vínculos, além da criação de laços de compromisso e de corresponsabilidades entre os profi ssionais de saúde e a população'' (BRASIL, 1997a, p. 7). Ainda, a “[...] equipe passa a ter uma delimitação geográfi ca, por ser, nesse espaço, a construção de relações intra e extrafamiliares boas e ruins, e onde ocorre a luta pela melhoria das condições de vida” (BRASIL, 1997a, p. 8). Ao se colocar a família no cerne da atenção, as equipes devem prestar assistência de forma contínua, integral, de qualidade e resolutiva na unidade de saúde e no domicílio, com vistas a atender às necessidades de saúde daquela área adscrita. Portanto, as equipes deverão “conhecer a realidade das famílias pelas quais são responsáveis, com ênfase nas características sociais, demográfi cas e epidemiológicas delas” (BRASIL, 1997a, p. 14). As ações proferidas pelo PSF se tornam desafi adoras para os profi ssionais habituados aos modelos de saúde verticalizados, com ações de saúde elaboradas para pobres e enraizadas nas unidades de saúde, haja vista que, a partir desse programa, os atos devem se expandir extramuros, considerando as necessidades 86 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA e a realidade das pessoas e das famílias e levando em conta o local de moradia, com a quebra de paradigmas. Todavia, essa nova concepção passou por difi culdades no que se refere à operacionalização, como a compreensão do que é a família, devido aos múltiplos sentidos atribuídos a ela, além da carência de uma defi nição nas diretrizes do PSF. De acordo com Campos e Garcia (2007), a equipe que contempla a família não tem uma orientação técnica a respeito do que ela vem a ser, ou instrumentos de avaliação de famílias, sendo que, na maioria das vezes, a abordagem familiar é realizada de acordo com o senso comum, privilegiando as lógicas subjetiva e individual, sem parâmetros conceituais mais consistentes. Relatam que, até aquele momento, nenhum documento ofi cial do PSF apresentava um perfi l das famílias brasileiras, com as características e os contextos sociais nos quais estavam inseridas, e diretrizes ou orientações de abordagem metodológica ou teórica. Considerando o exposto, é relevante informar que o Caderno de Atenção Domiciliar, Capítulo 2, lançado pelo Ministério da Saúde, em 2012, traz elementos direcionados à família no âmbito domiciliar: http://189.28.128.100/dab/ docs/geral/CAD_VOL2_CAP2.pdf. Inicialmente, a institucionalização do PSF fi cou sob a responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), criada a Coordenação de Saúde da Comunidade (COSAC), a qual agregou a gerência do Programa de Agentes Comunitários e a de interiorização do SUS, sendo que, em 1995, foi transferido para a Secretaria de Assistência à Saúde (SAS), dando início às discussões referentes à remuneração dos procedimentos, via tabela do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA-SUS), conforme Aguiar (1998). O primeiro documento do PSF é de 1994, denominado de Saúde Dentro de Casa: Programa de Saúde da Família, o qual apresenta as diretrizes que foram geradas em 1993, durante a reunião com o tema Saúde da Família, os objetivos, as metas, as atividades da equipe, a operacionalização, o acompanhamento, a supervisão, a avaliação, a organização e a gerência, propostas para fi nanciamento e cronograma (BRASIL, 1994a). Esse documento apresenta como base do programa, com o PSF voltado para a proteção e para a promoção da saúde, conforme segue: 87 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 Afastando-se do atual modelo assistencial centrado na doença e no hospital, o Programa Saúde da Família – PSF proporciona a desburocratização do atendimento, através da atenção integral e contínua a todos os membros da família (BRASIL, 1994a, p. 7). Na Apresentação, consta que esse programa atenderá, em especial, 32 milhões de brasileiros incluídos no Mapa da Fome, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), os quais estão expostos a grandes riscos de adoecer e de morrer sem acesso permanente aos serviços de saúde (BRASIL, 1994a). Tal focalização nos excluídos gerou a compreensão de que o PSF era “um programa de pobre para pobre”. Ademais, a limitação de recursos fez com que a implantação do programa iniciasse pelas áreas de grande exclusão social, as mais desassistidas, considerando o princípio da equidade, conforme Souza (2000). Aqui, é importante evidenciar que, em suma, o contexto socioeconômico, do início dos anos de 1990, era catastrófi co, haja vista que, aproximadamente, 59,4 milhões de pessoas eram pobres, 27,8 milhões delas eram consideradas miseráveis, e o Índice Gini era de 0,605, em 1993 (GOULART, 2007). Se o propósito inicial do programa é a cobertura assistencial às áreas de risco e aos mais pobres, visando à equidade, como fi ca o princípio da universalidade das ações na saúde? Isso demonstraria infl uência da lógica neoliberal sobre o PSF? Efetivamente, o PSF é colocado em prática em 1994, em todo o território nacional, por meio da Portaria nº 692, que dispunha sobre a criação do Programa de Interiorização do Sistema Único de Saúde (PISUS), implantado nos municípios dos Estados da Amazônia, e do Programa de Saúde da Família (PSF), como modelo de atenção para todo o território nacional (BRASIL, 1994b). O PSF trouxe, na proposta, o compromisso de prestar assistência integral, universal e resolutiva para a população na unidade de saúde e no domicílio, enfatizando a promoção da saúde por meio de trabalho em equipe multiprofi ssional, com o fortalecimento das ações intersetoriais. Ainda, estimulava-se a participação da comunidade, uma novidade para a época, possibilitando que as ações de saúde fossem ajustadas, conforme as necessidades específi cas de cada família, 88 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA indivíduo e área geográfi ca, o que descaracterizava a verticalização, comum nos programas governamentais de até então. Na formulação inicial, o PSF apresentava alguns objetivos, como a melhoria do estado de saúde da população, a promoção do conceito de saúde como direito, o fornecimento da atenção integral, o foco na família como núcleo básico, a humanização no atendimento, a racionalização do acesso aos serviços, o incentivo ao adequado controle social por parte da população, o atendimento à população adscrita por meio de agendamento, com possibilidade de atendimento domiciliar etc. (BRASIL, 1994a). Com essa confi guração, conforme Paim (1999), o PSF se remete a uma nova prática de saúde, distinta das praticadas, anteriormente, no modelo assistencial sanitarista campanhista, o qual, por ter atuação limitada a campanhas e a programas de saúde, não reconhece os problemas vigentes de saúde da população, e, no modelo assistencial privativista, por contemplar, apenas, quem procura a assistência, desconhece as necessidades reais da comunidade. O indivíduoé visto de forma fragmentada, visando à cura dele. A operacionalização do PSF ocorreria por intermédio do trabalho em equipe multiprofi ssional, composta, minimamente, por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e quatro a seis agentes comunitários de saúde, podendo, esses números, ser alterados, conforme a demanda e as características locais. Seria preciso residir na área de atuação, sendo responsável por 800 a 1.000 famílias, com fl exibilidade. Ainda, considerar a densidade demográfi ca e a acessibilidade e trabalhar em regime de dedicação exclusiva, com política salarial diferenciada (BRASIL, 1994a). Ademais, a equipe deveria dar atenção integral e contínua a todos os membros da família, independentemente da faixa etária, do sexo e do estado de saúde, com atendimento à demanda organizada, a partir de prioridades epidemiológicas, à espontânea; e à gerada pelas ações coletivas e educativas (BRASIL, 1994a). Outro aspecto relevante é que esse documento indicava a visita domiciliar como fator essencial de vigilância à saúde, além da viabilidade de internação domiciliar em casos de doenças crônicas, de baixo risco ou para pacientes em fase de recuperação, visando ao bem-estar e à humanização dos cuidados. Apresentava, como metas para o primeiro ano de operacionalização, constituir e capacitar 2.500 equipes, nas 26 Unidades de Federação e no Distrito Federal, em municípios nos quais os serviços estivessem municipalizados e que quisessem aderir de forma espontânea, benefi ciando 2,5 milhões de famílias (BRASIL, 1994a). 89 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 Vale mencionar que os recursos fi nanceiros eram escassos para a implantação do PSF, sendo transferidos aos Estados e aos municípios por meio de convênios, fi rmados entre a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde (BRASIL, 2010b). Com relação à implantação do PSF, o Ministério da Saúde sugeriu que as etapas fossem realizadas, conforme as distintas realidades dos sistemas municipais de saúde, e que existissem, inicialmente, um trabalho de divulgação e um de sensibilização da proposta aos gestores, aos profi ssionais de saúde e à população, para, em seguida, dar-se o prosseguimento às demais etapas (adesão, recrutamento, seleção, contratação, capacitação, treinamento e educação continuada). Salienta-se que, em um primeiro momento, a adesão dos municípios ao PSF ocorreu por meio de convênio, sendo que superou a forma convenial, em 1996, à medida que passou a ser remunerado pela tabela do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA-SUS). Também, perdeu o caráter de programa, passando a ser um reestruturante dos serviços, ou seja, tornou-se um instrumento, haja vista que a ideia era que ele servisse como exemplo de um novo modelo de assistência, diferente do dominante (AGUIAR, 1998; VIANNA; DAL POZ, 1998). Posteriormente, os repasses para o PSF começaram a ser calculados, conforme a quantidade de procedimentos ambulatoriais, de baixa e média complexidades, realizados no município, o que estimulava as Equipes de Saúde da Família (eSF) a darem continuidade à priorização da lógica da doença, não se dedicando à prevenção e às ações educativas nas comunidades (BRASIL, 2002). Em 1996, o PSF iniciou uma forte integração com o PACS, uma vez que as operações poderiam ser combinadas, tendo em vista que a equipe Saúde da Família incluía o agente comunitário, possibilitando uma fusão dos dois programas. Nessa época, eram dois os modelos de assistência à saúde no SUS: o tradicional e o da família, associado ao dos agentes comunitários. O da família tinha remuneração diferenciada para pressionar a adesão e a expansão com as áreas de maior risco e com as populações mais carentes. Ademais, o PSF remunerava, de forma diferenciada, os médicos, para atrair melhores profi ssionais, mas a formação acadêmica não estava direcionada para médicos generalistas, o que difi cultava a contratação e a expansão do programa (VIANNA; DAL POZ, 1998). A respeito da remuneração diferenciada aos profi ssionais do PSF, Franco e Merhy (2003) enfatizam que é um equívoco pensar que isso, por si, garantirá um atendimento acolhedor e de boa qualidade, com o compromisso dos profi ssionais para a resolução dos problemas de saúde dos usuários. 90 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA É relevante destacar que, a partir do PSF, as mudanças nos critérios de distribuição de recursos começaram a ser discutidas, pois fi cou evidenciado que determinadas atividades deveriam ser remuneradas per capita, e não por procedimento. Assim, o PSF foi fundamental para as propostas de mudanças por meio da Norma Operacional Básica do SUS nº 01, de 1996 (NOB-96), com a criação do Piso de Atenção Básica (PAB), o que contribuiu para que a implantação do programa se expandisse, em especial, nos municípios de pequeno porte. Dessa forma, a implantação do PSF ocorreu no âmbito da vigência da NOB-93, mas a expansão é, sobretudo, caudatária da NOB/96 (BRASIL, 2010b). Cabe mencionar que a NOB-96 enfatizou a Atenção Básica à Saúde como eixo estruturante do SUS, ao adotar os PSF/PACS como estratégias fundamentais para a organização das ações de Atenção Básica (BRASIL, 1996). Segundo Souza (2000), houve uma evolução importante por parte do incentivo ao PSF e ao PACS, em decorrência das mudanças da lógica de fi nanciamento, com associação a outras medidas técnicas e políticas, o que refl etiu nos números de equipes e de agentes, sendo que, em dezembro de 1997, existiam 1.623 equipes de Saúde da Família e 54.934 agentes comunitários de saúde. Em 1997, a Portaria nº 1.886 aprovou as normas e as diretrizes do PACS e do PSF, a fi m de regulamentar a implantação e a operacionalização deles, reconhecendo-os como “importante estratégia” para o aprimoramento do SUS (BRASIL, 1997b). Ressalta-se que, entre 1997 e 1998, o Ministério da Saúde editou uma série de Portarias, objetivando a regulamentação específi ca para implementação do PSF e do PACS. Ainda nesse ano (1997), o Ministério da Saúde lançou um novo documento, Saúde da Família: Uma Estratégia para a Reorientação do Modelo Assistencial. Relatou que o PSF, embora rotulado como programa, fugia da concepção usual dos demais programas, uma vez que não era uma intervenção vertical e paralela às atividades dos serviços de saúde, pois se caracterizava como uma estratégia, possibilitando a integração e a organização das atividades em um território defi nido, o que propiciava o enfrentamento e a resolução dos problemas identifi cados (BRASIL, 1997a). Também, nesse documento, na Introdução, deixa claro que “o PSF não é uma estratégia desenvolvida para a atenção exclusiva ao grupo mulher e criança [...]”, e “[...] não é um sistema de saúde pobre para os pobres, com utilização de baixa tecnologia” (BRASIL, 1997a, p. 8-9). 91 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 Conforme Goulart (2007), o documento referido anunciava, detalhadamente, a que veio o PSF, com a apresentação dos objetivos, das diretrizes operacionais e das etapas de implantação. Ainda, dava especial atenção à reorganização das práticas de trabalho e às competências dos níveis de governo, mostrando-se abrangente e ambicioso. O documento explicita os objetivos gerais e específi cos do PSF, reiterando a reorientação da assistência à saúde. As ações deixariam de ser centradas no indivíduo. O foco seria a família. Deixariam de ser curativas, com ênfase na doença, para abarcar os sentidos da promoção, da proteção e da prevenção, considerando os condicionantes e os determinantes de saúde de cada área delimitada: Objetivo Geral: Contribuir para a reorientação do modelo assistencial a partir da Atenção Básica, em conformidade com os princípios do Sistema Único de Saúde, imprimindo uma nova dinâmica de atuação nas unidades básicas de saúde,com defi nição de responsabilidades entre os serviços de saúde e a população. Objetivos Específi cos: Prestar, na unidade de saúde e no domicílio, assistência integral, contínua, com resolubilidade e boa qualidade às necessidades de saúde da população adscrita. Intervir sobre os fatores de risco aos quais a população está exposta. Eleger a família e o espaço social dela como núcleo básico de abordagem no atendimento à saúde. Humanizar as práticas de saúde através do estabelecimento de um vínculo entre os profi ssionais de saúde e a população. Proporcionar o estabelecimento de parcerias através do desenvolvimento de ações intersetoriais. Contribuir para a democratização do conhecimento do processo saúde/doença, da organização dos serviços e da produção social da saúde. Fazer com que a saúde seja reconhecida como um direito de cidadania e, portanto, expressão da qualidade de vida. Estimular a organização da comunidade para o efetivo exercício do controle social (BRASIL, 1997a, p. 10). Desse modo, o PSF objetiva que os serviços, como as ações de saúde, sejam resolutivos. Ainda, é preciso desenvolver ações intersetoriais, visto que a saúde envolve demais áreas, como habitação, meio ambiente, educação, emprego, dentre outros, estando em consonância com os princípios do SUS. O PSF não deve ser entendido como uma proposta marginal, mas como uma nova estratégia do setor da saúde que visa substituir o modelo vigente, em sintonia com os princípios da equidade e da universalidade da atenção e da integralidade das ações, estruturado a partir da lógica básica de atenção à saúde, com novas práticas setoriais e a garantia da indissociabilidade entre os trabalhos clínicos e a promoção da saúde (BRASIL, 2000). 92 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA O PSF segue os princípios do SUS, tendo, como objetivo, a implementação do modelo assistencial proposto por ele, portanto, não se pode confundir com o próprio modelo assistencial. Para a operacionalização do PSF, esse documento indica que a equipe deveria ser formada, no mínimo, por um médico (generalista ou médico de família), um enfermeiro, um técnico ou auxiliar de enfermagem (profi ssional de nível médio) e agentes comunitários de saúde (sem estabelecer o quantitativo). Ainda, era possível que outros profi ssionais fossem incorporados, conforme a demanda e as características locais (BRASIL, 1997a). Cabe salientar, com relação a essa composição, surgiram questionamentos. Foi argumentado que essa equipe mínima não seria sufi ciente para contemplar os grandes centros urbanos. Ademais, a Sociedade Brasileira de Pediatria criticou a formação, considerando que a presença de um pediatra seria necessária na equipe, visto que a grande maioria dos médicos não tinha formação em medicina de família e que os generalistas apresentavam limitações de conhecimentos no que se referia às crianças e aos adolescentes (SBP, 2001 apud CAMPOS; GUERRERO, 2008). Cada equipe trabalharia em um território defi nido de abrangência, responsável por 600 a 1.000 famílias, com um limite máximo de 4.500 habitantes. As famílias seriam cadastradas mediante visitas domiciliares, iniciando, dessa forma, o vínculo da equipe/unidade com a comunidade, além de ser identifi cada a situação de saúde da área (BRASIL, 1997a). De acordo com Franco e Merhy (2003), o PSF possui, na própria cartografi a, a localização primordial do espaço territorial, com a delimitação da área sob a responsabilidade de uma determinada equipe, por excelência, o locus operacional do programa. Assim, o PSF tem o trabalho quase que, restritivamente, centrado no território, com matriz teórica delineada, preferencialmente, no campo da vigilância à saúde. 93 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 Verdi et al. (2016) relatam que a forma de concepção do PSF tem, como princípio, contemplar, muito mais, a comunidade do que a família, uma vez que a base é territorial, ou seja, na qual vivem as famílias. Você concorda com os autores? As equipes atuariam nas Unidades de Saúde da Família (USF), e, quando necessário, realizariam atendimento no domicílio, sendo que cada USF precisaria contar com instalações e equipamentos indispensáveis para um atendimento adequado, podendo utilizar o mesmo endereço no qual, antes, funcionava o centro ou o posto de saúde (BRASIL, 2001b). Dessa forma, o trabalho seria estruturado a partir de uma USF. Uma equipe multiprofi ssional fi caria sediada, responsável por uma determinada população, a ela, vinculada, a fi m de desenvolver atividades centradas na família, favorecendo os vínculos e a compreensão ampliada do processo saúde/doença, com a identifi cação das necessidades de saúde locais (BRASIL, 2001b). O vínculo entre a eSF e a família não seria secundarizado, uma vez que esta não escolheria a própria equipe? As funções de cada equipe são distribuídas em ações programáticas, atendimentos na USF, pelo médico e pelo enfermeiro, e visitas domiciliares, as quais são compulsórias e consideradas o grande diferencial do programa, para a mudança do modelo vigente de assistência, uma vez que o PSF trabalha com a noção de que a intervenção no âmbito familiar seria capaz de modifi car o perfi l “higiênico” da população, o que auxiliaria na prevenção de agravos à saúde. Ademais, as visitas domiciliares não devem ser consideradas uma novidade e exclusivas do PSF, visto que já são colocadas em prática em diversas redes de serviços, inclusive, com bons resultados (FRANCO; MERHY, 2003). Nessa perspectiva, o PSF aumenta o alcance das ações à saúde e a capilaridade, com a adoção de novas medidas de atuação para a família, e não para o indivíduo em sua singularidade, visando à prevenção das doenças e à promoção da saúde, a fi m de romper com o modelo curativista predominante e 94 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA de estabelecer um vínculo com a população, valorizar o território e promover o trabalho em equipe. Então, inaugura-se uma nova prática de fazer saúde no país. O núcleo estrutural do PSF é formado pela territorialização e pelo vínculo entre o usuário/família e o profi ssional, mas isso, por si só, não altera o perfi l dos serviços de saúde, a forma de produção e o núcleo de trabalho, centrado no médico, pois age para a mudança da arquitetura do programa, e não da essência, conforme Franco e Merhy (2003). Outro aspecto levantado pelos autores citados é relativo à gestão do PSF, ou seja, à estrutura, ao formato da equipe, às funções de cada profi ssional, ao cadastramento das famílias, ao levantamento dos problemas existentes no território e aos diversos modos de fazer o programa. Tudo isso é regulamentado, pelo Ministério da Saúde, de forma centralizada, devendo ser seguido, rigorosamente, pelos municípios, sob pena de não receberem o fi nanciamento, caso não se enquadrem nas normas. Assim, o programa fi ca engessado, o tradicional centralismo das políticas de saúde permanece, e é abortada a construção de modelos alternativos, contradizendo a NOB/96, que “autoriza” a constituição de programas “similares” ao PSF. O PSF cresceu, qualitativa e quantitativamente, no governo de Fernando Henrique Cardoso, quando o economista José Serra assumiu o Ministério da Saúde, a partir de 1998, o qual traçou metas para a expansão acelerada (20 mil equipes e cobertura de 50% da população brasileira durante o mandato). Ainda, o programa foi “erigido com autêntica política nacional, passando a fazer parte do chamado “Avança Brasil”, segundo Goulart (2007). Naquele período, houve a reformulação da Secretaria de Políticas, e a criação do Departamento de Atenção Básica, a fi m de fortalecer a Estratégia Saúde da Família (BRASIL, 2002). Conforme Aguiar (1998), tendo, como base, os dados da COSAC/SAS/ Ministério da Saúde, de 1994, a agosto de 1998, o PSF atingiu 953 municípios, com 2.621 equipes de Saúde daFamília para 9.042.450 habitantes. No fi nal da década de 1990, o PSF e o PACS contaram com uma nova fonte de fi nanciamento, por meio do REFORSUS – Reforço à Reorganização do Sistema Único de Saúde (empréstimo internacional para o setor da saúde), operacionalizado pelo Banco do Brasil (GOULART, 2007). Outra importante iniciativa do Ministério da Saúde, para viabilizar o PSF, foi o projeto denominado de Polos de Capacitação, Formação e Educação Permanente de Pessoal para Saúde da Família, com a utilização dos recursos do REFORSUS, 95 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 envolvendo as universidades para a formação, a capacitação e a educação permanente do pessoal atuante no PSF, conforme Aguiar (1998). Cavalcanti e Carvalho (2010) relatam que o próprio Ministério da Saúde reconhece que a formação acadêmica dos profi ssionais de saúde é defi ciente para a prática interdisciplinar preconizada para o PSF, tanto que idealizam os Polos de Educação Permanente em Saúde, a fi m de contornar a situação. Em 1999, o Ministério da Saúde, em parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ, realizou a pesquisa censitária Perfi l dos Médicos e Enfermeiros do PSF, para auxiliar no processo de decisão referente às ações voltadas aos profi ssionais envolvidos (BRASIL, 2002). Em 2000 e 2001, foi desenvolvida uma avaliação dos Polos de Capacitação, via Núcleo de Estudos de Políticas Públicas – NEPP/Unicamp, com subsídios importantes para o processo decisório do Ministério da Saúde, referentes à qualifi cação dos profi ssionais das Equipes de Saúde da Família (BRASIL, 2002). Vislumbrando contar com pessoal capacitado desde a graduação, o Ministério da Saúde, na gestão do ministro Barjas Negri, lançou, em 2002, o Programa de Incentivo a Mudanças Curriculares nos Cursos de Medicina (PROMED), o qual apoiava, fi nanceiramente, escolas médicas que reorientassem a formação dos acadêmicos, enfatizando o modelo de atenção à saúde e fortalecendo a Atenção Básica (BRASIL, 2002). Com relação ao processo de avaliação do PSF, o Ministério da Saúde anunciou, ofi cialmente, a intenção, apenas no ano 2000, tendo sido realizada uma pesquisa, via correio, denominada de Avaliação da Implantação e Funcionamento do PSF, em 1.219 municípios (24 Estados) e com 3.119 equipes de saúde da família, entre abril e julho de 1999. A busca foi feita por resultados da implantação, da supervisão, da garantia de princípios e do nível de envolvimento dos Estados e dos municípios, visando identifi car os critérios utilizados para a implantação e para mensurar o grau de aproximação entre a equipe de Saúde da Família e a população (GOULART, 2007; OLIVEIRA, 2006; BRASIL, 2002). Conforme o relatório (BRASIL, 2000 apud OLIVEIRA, 2006), os resultados indicaram uma forte consolidação do PSF na região Nordeste. A composição e o tamanho das equipes variaram entre os Estados, mas a maioria continha oito profi ssionais de nível superior de diversas especialidades, e, apesar de não estar bem explicitado, havia certa difi culdade na relação da coordenação do PSF com as cidades maiores, haja vista a independência técnico-fi nanceira que caracterizava as capitais. O Ministério da Saúde, em 2001/2002, realizou uma avaliação normativa do 96 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA PSF, de caráter censitário, visitando 3.778 (67,9%) municípios, 13.501 equipes de Saúde da Família (eSF) e 2.558 de saúde bucal, a qual demonstrou que 79,3% das eSF estavam atuando, conforme os parâmetros de adscrição de clientela, cobrindo uma população de até 4.500 pessoas, e que 54,5% das equipes de saúde bucal contemplavam o parâmetro populacional de até 6.900 pessoas (BRASIL, 2004). Goulart (2007) apresenta uma tabela demonstrativa da evolução quantitativa do PACS e do PSF, de 1994 a 2001, conforme segue: TABELA 1 – EVOLUÇÃO QUANTITATIVA DO PSF E DO PACS (1994-2001) ANO Nº de município com Equipe Saúde da Família Nº de Equipes Saúde da Família População coberta (x 1.000) 1994 55 328 1.132 1995 150 724 2.498 1996 228 847 2.922 1997 567 1.623 5.599 1998 1.134 3.083 10.636 1999 1.647 7.254 14.676 2000 2.766 8.604 29.684 2001 3.233 11.285 38.933 FONTE: Goulart (2007, p. 10) Com base nos números expostos, constata-se a trajetória ascendente do PSF, em especial, a partir de 1998. Entretanto, os indicadores de saúde não responderam, igualmente, especialmente, no que se referia à mortalidade materna e ao controle da dengue, colocando o Brasil em situação desfavorável ao ser comparado com outros países mais pobres. Mendes (2002) informa que, até janeiro de 2002, o PSF estava implantado em 3.588 municípios (64,4% do total), com 13.660 equipes, cobrindo 47.130.000 de brasileiros (27,7%), com o predomínio de cobertura no Nordeste (33,1%) e no Centro-Oeste (sendo que as metas do Ministério da Saúde eram de 20.000 equipes e cobertura populacional de 40% até o fi m de 2002). O PACS, nesse mesmo período, contava com 155.850 agentes comunitários, presente em 4.729 municípios (85% do total), com cobertura populacional de 52,7% (89.613.000 pessoas), e com predomínio no Norte (90,9%) e no Nordeste (81,3%). Destarte, a evolução do PSF e do PACS permite, sob o ponto de vista de Mendes (2002), concluir que, em oito anos de existência desses programas, ocorreram um crescimento expressivo; a concentração das equipes de PSF e de 97 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 PACS nas regiões mais pobres; e a discrepância entre a cobertura populacional e o percentual de municípios abarcados pelo PSF, o que indica que as equipes têm a tendência de se concentrar em regiões periféricas urbanas e/ou rurais e em pequenos municípios, e que a cobertura do PACS é o dobro da do PSF. Desse modo, o PSF, criado como estratégia de reorganização do sistema de serviços de saúde, cumpre um papel ambíguo, com forte conotação de programa voltado para regiões e populações pobres. O autor supracitado, ainda, relata que o PSF está longe de ser um modelo organizacional de atenção primária, uma vez que, ainda, era vigente, no país, o modelo convencional, fortemente, hegemônico, cobrindo 72,3% da população, o qual perdurará por muitos anos. Já o PSF apresenta cobertura de 27,7%, com a ampliação, especialmente, em áreas com défi cit de atenção primária, devendo estimular a conversão do modelo. Cabe frisar que o Decreto nº 3189/99 fi xou as diretrizes das atividades dos Agentes Comunitários de Saúde, e, em 2002, por meio da Lei nº 10.507, foi criada a profi ssão Agente Comunitário de Saúde, vinculado o exercício da profi ssão ao SUS, e, posteriormente, revogada pela Lei nº 11.350/06. A inserção de ações de saúde bucal, no PSF, foi regulamentada no fi nal de 2000, em duas modalidades de equipes: modalidade I (Cirurgião-Dentista – CD – e Auxiliar de Consultório Dentário – ACD) e modalidade II (CD, ACD e Técnico em Higiene Dental – THD). Até 2003, uma equipe de Saúde Bucal (eSB) poderia estar vinculada a duas equipes, o que comprometia as ações de promoção e de prevenção, devido ao elevado volume de procedimentos clínicos curativos demandados. Então, a partir de 2003, o Ministério da Saúde iniciou o fi nanciamento das eSB vinculadas a, apenas, uma equipe, aumentando, em média, 60% o valor desses incentivos (BRASIL, 2008). Ainda, a Portaria nº 673, de 3 de junho de 2003, estabeleceu que os gestores municipais teriam autonomia para defi nir o número de eSB, desde que não ultrapassasse o número de eSF (BRASIL, 2003a). Em 2000, foi apresentado o Perfi l dos Médicos e Enfermeiros do Programa Saúde da Família, no Brasil, abrangendo os diversos aspectos sociodemográfi cos, a formação técnico-científi ca e a inserção desses profi ssionais no mercado de trabalho, a fi m de subsidiar estratégias de (re) capacitação deles. Assim, contemplavam-se as políticas públicas e as necessidades do programa, com elementospara o planejamento, a ampliação e o desenvolvimento (MACHADO, 2000). O ano de 2001 foi marcado por diversos fatos que visavam à consolidação do PSF, como: 98 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA • O Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS), o qual objetivou o fortalecimento do PSF em regiões que não conseguiam atrair médicos e enfermeiros por intermédio das prefeituras. • A implantação da Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS/ SUS 01), a qual asseguraria a resolutividade necessária na Atenção Básica e a continuidade da assistência quando as situações exigirem um alto nível de complexidade. • O Programa Farmácia Popular foi criado, pois, para o PSF ser resolutivo, o medicamento precisava ser garantido. • A operacionalização da incorporação da odontologia marcou presença, no PSF, com a criação das equipes de Saúde Bucal (eSB), sendo que, em abril de 2002, já existiam 3.183 equipes. • O início do monitoramento da implantação e do funcionamento das equipes de Saúde da Família se fez presente, com o objetivo de nortear o rumo do PSF (a partir dos dados levantados, prosseguir com as experiências exitosas e corrigir as distorções) (BRASIL, 2002). Em 2001, foi lançado o Guia Prático do Programa Saúde da Família, pelo Ministério da Saúde, o qual pode ser acessado em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/partes/guia_psf1.pdf. Outro ponto que merece destaque é que, em 2003, a Portaria nº 396 reajustou, em 20%, os valores dos incentivos fi nanceiros ao PSF e ao PACS, com um fi nanciamento diferenciado para a implantação do PSF em municípios com mais de 100 mil habitantes (BRASIL, 2003b). Como havia a difi culdade de expansão do PSF nas grandes cidades, foi formulado e aprovado, em 2003, o Projeto de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (PROESF), celebrado com o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), visando sanar esse percalço (BRASIL, 2010b). Durante a primeira década, o PSF expandiu em todo o país, visto que, em junho de 2004, contava com 20.561 equipes em 84% dos municípios brasileiros, e com uma cobertura populacional de 38% (aproximadamente, 60 milhões de habitantes). No entanto, a implementação, nos grandes centros, continuava lenta, uma vez que se defrontou com questões complexas, como com a oferta consolidada em uma rede desarticulada e mal racionalizada, os agravos de 99 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 saúde típicos de grandes metrópoles, dentre outras, demonstrando que não há uniformidade quanto às modalidades instaladas. Em contrapartida, ocorreram avanços no que se refere ao vínculo entre equipes e famílias adscritas, além da incorporação de novas práticas profi ssionais (ESCOREL et al., 2007). Para Mendes (2002), vários seriam os obstáculos, de natureza diversa, que o PSF enfrentaria para a própria implantação como estratégia de organização do SUS, dentre eles: ambiente externo contaminado pela ideologia fl exneriana; contrariedade dos interesses consolidados de determinadas especialidades médicas; obstáculo cognitivo-tecnológico (só funciona bem em um sistema integrado de serviços de saúde com instrumental tecnológico); defi ciência na compreensão do PSF como estratégia pelos diferentes atores; fragilidade do SUS para dar conta da implantação do PSF; infraestrutura inapropriada das unidades básicas de saúde; falta de profi ssionais adequados à estrutura do PSF em quantidade e em qualidade; o trabalho em equipe; o subfi nanciamento etc. De acordo com Fausto e Matta (2007), a trajetória do PSF indica dois momentos distintos: o primeiro é marcado pela fase de formulação e de implantação, e, o segundo, pela proposta organizativa da Atenção Primária à Saúde (APS), passando a ser considerado estratégico para a reorientação do modelo de atenção predominante. Para fi nalizarmos esta parte, apresentaremos uma linha do tempo com os principais marcos do PSF. Observe: FIGURA 1 – LINHA DO TEMPO COM PRINCIPAIS MARCOS DO PSF - 1994 A 2005 FONTE: Adaptada de <http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/ revistas/revista_saude_familia27.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021. 100 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA 1 - Considerando o que foi estudado, leia, com atenção, as asserções a seguir, classifi cando, cada uma, como “CERTA” ou “ERRADA”. a) O Programa Saúde da Família (PSF) surge em decorrência do PACS, em 1991, objetivando suprir a carência de profi ssionais de saúde em munícipios de pequeno porte e distantes das capitais. ( ) CERTA. ( ) ERRADA. b) O Programa Agentes de Saúde foi desenvolvido no Ceará, na década de 1980, com incentivo fi nanceiro do Governo Federal, em decorrência do alto índice pluviométrico da região, cessado quando os níveis normalizaram. ( ) CERTA. ( ) ERRADA. c) O Agente Comunitário de Saúde (ACS) é o protagonista do Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS), uma vez que, por intermédio dele, existe a conexão entre o serviço de saúde e a comunidade. ( ) CERTA. ( ) ERRADA. d) Existiam difi culdades para expandir o Programa Saúde da Família (PSF) para os grandes centros urbanos, sendo que a alternativa encontrada foi a institucionalização de um projeto, denominado de PROESF. ( ) CERTA. ( ) ERRADA. e) Na formulação inicial do PSF, a equipe, com regime de dedicação exclusiva, seria responsável por 800 a 1.000 famílias, e por prestar assistência integral e contínua a todos os membros delas na unidade e no domicílio. ( ) CERTA. ( ) ERRADA. 101 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 3 ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: PRINCÍPIOS E DIRETRIZES Como vimos, inicialmente, o Ministério da Saúde concebeu a Saúde da Família como um programa, em 1994, mas, a partir de 1996, já começa a considerá-lo como uma estratégia de transformação do modelo assistencial, tendo em vista a Atenção Básica. Também, constatamos que, desde a implantação dele, ela tem se expandido pelos municípios brasileiros, viabilizando o acesso à saúde para a população. A Portaria nº 648/06 aprovou a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), estabelecida a revisão de diretrizes e de normas para a organização da AB para o PSF e para o PACS (BRASIL, 2006a). Por conseguinte, por meio dessa Portaria, o PSF deixa de ser um programa, consagrando-se como estratégia permanente e contínua na AB, o chamado Estratégia Saúde da Família (ESF), um modelo de AB em todo o país. Mendes (2019) relata que a mudança semântica de PSF para ESF foi signifi cativa, contudo, deve-se aprofundar a transformação, a fi m de que, realmente, alcance-se uma efetiva mudança de paradigma. No mesmo ano (2006), foi implantado o Pacto pela Saúde (Pacto pela Vida, em Defesa do SUS e da Gestão), como forma de consolidar o SUS. Buscou-se o fortalecimento da AB, com foco nas ações de promoção à saúde (BRASIL, 2006b). A partir do Pacto pela Vida, foram elencadas prioridades e a defi nição de que a ESF seria essencial para o fortalecimento da AB. Ainda, estabelecidos objetivos, metas e indicadores específi cos para a estratégia, visando à solidifi cação em municípios de pequeno e médio portes e à ampliação nos grandes centros urbanos (BRASIL, 2006b; 2008). Nesse sentido, a ESF, como modelo proposto pelo SUS, apresenta três aspectos fundamentais: o conhecimento do território; o conhecimento dos problemas, das necessidades e das demandas da população que está inserida nesse território; e a organização das ações de promoção, de prevenção, de recuperação e de reabilitação da saúde. Assim, tem a família como objeto de atenção, buscando criar laços entre a população e os profi ssionais, via ações inter e multiprofi ssionais O ponto central é a responsabilização por um dado território (FARIA et al., 2017). Quais são os princípios da ESF? 102 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DEAPoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Os diversos documentos relacionados à ESF demonstram que, basicamente, os princípios são os mesmos que norteiam o SUS, a AB e os próprios da Estratégia. Cabe salientar que, conforme a PNAB de 2006, a AB é orientada pelos seguintes princípios: “[...] da universalidade, da acessibilidade e da coordenação do cuidado, do vínculo e da continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social” (BRASIL, 2006a, p. 10). Observe que os princípios da AB indicam as questões do cuidado, do vínculo e da continuidade, os quais não constam como princípios do SUS. Contudo, os princípios do vínculo e da continuidade estão relacionados às conexões entre os usuários e os profi ssionais de saúde, a fi m de garantir a permanência no atendimento. Ainda, há relação com o princípio da participação social, uma vez que a formação de um vínculo possibilita uma participação ativa dos usuários na melhoria do SUS. Os princípios gerais da ESF estão presentes na PNAB/2006, os quais podem ser interpretados como deveres desta, uma vez que o Capítulo II - Das Especifi cidades da Estratégia Saúde da Família, da Portaria nº 648/2006, relata que a ESF deve: FIGURA 2 – PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA - PNAB - 2006 FONTE: <https://www.scielo.br/j/csc/a/CZxTXdgbKNTnVJGd8PTfT8j/?lang=pt#>. Acesso em: 24 abr. 2021; Brasil (2006a, p. 20) 103 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 Nessa acepção, as equipes da ESF devem atuar em territórios circunscritos que possuem prioridades e características próprias, as quais deverão ser analisadas por meio do diagnóstico situacional, a fi m de priorizar e de qualifi car o atendimento, além de canalizá-lo para as necessidades de cada localidade, contribuindo para que o planejamento e a programação das ações e dos serviços ocorram, com o estabelecimento, da família e da comunidade, como objeto de trabalho. Assim, os princípios específi cos da ESF se coadunam com os preceitos do SUS, da mesma maneira que buscam consolidar o que está proposto na Constituição de 1988 e na Lei nº 8.080/90. De acordo com a 3ª versão da PNAB (2017), os princípios norteadores da ESF são os mesmos que regem o SUS e a AB, ou seja, a universalidade, a equidade e a integralidade. Em 1997, o Ministério da Saúde defi niu as diretrizes operacionais da ESF/PSF, as quais devem ser seguidas para a implantação do modelo Saúde da Família nas unidades básicas: Caráter substitutivo, complementaridade e hierarquização; adscrição da clientela; cadastramento; instalação das unidades de Saúde da Família; e composição e atribuições das equipes (BRASIL, 1997a). Já a Portaria nº 1.886, de 18 de dezembro de 1997, que aprova as Normas e Diretrizes do Programa de Agentes Comunitários de Saúde, e do Programa Saúde da Família, informa que as diretrizes operacionais do PSF são: aspectos para a reorganização das práticas de trabalho nas unidades de Saúde da Família; e caracterização dessas unidades e das equipes (BRASIL, 1997b). Com a instituição da PNAB, houve a incorporação de diretrizes e de normas relativas a outras formas de organização da AB, indo além da ESF. Assim, as diretrizes da ESF visam operacionalizar a AB, conforme a Portaria nº 2.436/17, com base nas seguintes ações: FIGURA 3 – DIRETRIZES DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA - PNAB - 2017 104 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA FONTE: Adaptada de Brasil (2017) 3.1 ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: ESTRATÉGIA DA MUDANÇA Agora, daremos continuidade ao percurso histórico da ESF, e abordaremos algumas especifi cidades. Até aqui, constatamos que a ESF surgiu como uma estratégia prioritária, visando à reorganização da Atenção Básica em consonância com os preceitos do SUS, e que a implementação dela contribuiu para a ampliação da oferta de serviços e de ações de saúde, inclusive, para a saúde bucal. Outrossim, introduziu-se uma nova visão da prática assistencial à saúde vigente, caracterizada pela centralidade na oferta de um atendimento médico para o indivíduo doente, individualizada e hospitalocêntrica, passando a um modelo de assistência coletiva, baseado na família e no indivíduo, consideradas as complexidades e as necessidades de saúde nos contextos físico e social, das formas multi e interprofi ssional. 105 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 Nessa lógica, seguem as principais diferenças entre o modelo hegemônico de atenção à saúde e a ESF, de forma comparativa. QUADRO 1 – QUADRO COMPARATIVO ENTRE O MODELO HEGEMÔNICO E A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA (ESF) MODELO HEGEMÔNICO ESF Saúde como ausência de doença. Saúde como qualidade de vida. Base em práticas, frequentemente, clientelistas; prestação de serviços de saúde realizada como favor, e não como direito do cidadão. Prestação de serviços de saúde como um direito de cidadania. Atenção centrada no indivíduo. Atenção centrada no coletivo. Centrado em ações curativas. Centrada na atenção integral à saúde, incluindo ações de promoção, de proteção, de cura e de recuperação. Hospital como serviço de saúde dominante. Hierarquização da rede de atendimento, ou seja, garantidos níveis das atenções primária, secundária e terciária, e articulados entre si. Serviços de saúde concentrados nos centros urbanos dos municípios. Serviços de saúde distribuídos em todo o território dos municípios, com acesso de toda a população. Predomínio da intervenção do profi ssional médico. Predomínio da intervenção de uma equipe interdisciplinar. Planejamento e programação; desconsideração do perfi l epidemiológico da população. Planejamento e programação com base em dados epidemiológicos; priorização de famílias ou de grupos com alto risco de adoecimento, além de morte. Não consideração da realidade e da autonomia local e não valorização da participação comunitária. Estimulação da participação comunitária, com autonomia nas ações de planejamento a nível dos territórios das equipes de Saúde da Família. Funcionamento baseado na demanda espon- tânea. Funcionamento dos serviços baseado na organização da demanda e no acolhimento dos problemas da população adscrita. FONTE: Andrade, Barreto e Bezerra (2006, p. 813) Dando continuidade à nossa linha do tempo, com os principais marcos do PSF/ESF, surge o seguinte: 106 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA FIGURA 4 – LINHA DO TEMPO COM PRINCIPAIS MARCOS DA ESF - 2006 A 2014 FONTE: Adaptada de <http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/revistas/ revista_saude_familia27.pdf> e <http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/ publicacoes/revista_saude_familia35_36.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021. Em 2006, a Lei nº 11.350 redefi niu as atribuições dos Agentes Comunitários de Saúde, dentre elas, as ações de integração entre a equipe de saúde e a população adscrita à USF e o processo de contato permanente com os usuários, sendo os responsáveis pela coleta das informações e pela realização do levantamento dos problemas de saúde e das situações de risco das famílias. Também, é oportuno destacar que, em 2007, foi lançado o Programa Mais Saúde: Direito de Todos, denominado de Programa de Aceleração do Crescimento do Setor Saúde (PAC da Saúde), o qual previa um aumento signifi cativo do número de eSF, com a ampliação das ações para grupos específi cos (crianças, mulheres, idosos e trabalhadores) e o benefício a populações indígenas, remanescentes de quilombos e que viviam em assentamentos rurais (BRASIL, 2008). Em 2008, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de saúde analisou a ESF, constatando que a proporção de domicílios cadastrados era menor quando maior era o rendimento mensal per capita. Ainda, atingia a população com pouca escolaridade, além de evidenciar a superioridade do SUS com ESF em relação ao SUS sem, em todas as variáveis analisadas (MENDES,2019). Não podemos deixar de mencionar que, para a ESF, a criação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), em 2008, foi um dos grandes avanços, mas, a respeito disso, abordaremos no último capítulo da nossa disciplina. 107 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 Em 2009, a Saúde da Família completou 15 anos, e estava presente em, praticamente, todo o território brasileiro: eram 94% dos municípios brasileiros atendidos por quase 30 mil eSF, 18 mil eSB e 230 mil agentes comunitários de saúde. FONTE: <http://189.28.128.100/ dab/docs/publicacoes /revistas/ revista_saude_familia21.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021. Outro fato importante foi a regulamentação das Unidades de Saúde da Família Fluviais, pela Portaria nº 2.191/GM, de 3 de agosto de 2010, sendo, o Abaré, a primeira barca em funcionamento, adaptada aos critérios da Portaria. Também, em 2010, conforme Mendes (2019, p. 104), a importante revista médica British Medical Journal, no editorial dela, afi rmou: “O Programa de Saúde da Família é, provavelmente, o exemplo mundial mais impressionante de um sistema de atenção primária integral de rápida expansão e bom custo-efetividade [...]”, o que demonstrou o reconhecimento, no âmbito mundial, do PSF. Já no âmbito nacional, em 2011, no 15º Concurso de Inovações da Gestão Pública Federal, promovido pela Escola Nacional de Administração Pública e pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão do Brasil, competindo com mais de 140 políticas públicas, a ESF fi cou em 1º lugar (MENDES, 2019). Vimos, até aqui, que a ESF se desenvolveu de forma gradativa, uma verdadeira mola propulsora da AB, assim como é a PNAB, que rege toda essa engrenagem. Nessa lógica, a primeira revisão da PNAB ocorreu em 2011, por meio da Portaria nº 2.488, visando à consolidação da AB e à continuidade da centralidade da ESF. Resguardou-se a essência da primeira versão, mas, com a introdução de inovações relacionadas à ampliação da cobertura, do acesso e da resolubilidade da AB, trouxe mais fl exibilização, em especial, para a categoria médica, no que se refere à carga horária, visando suprir o défi cit desses profi ssionais na equipe, além de abarcar conceitos atualizados, novos arranjos de equipes, e o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica (PMAQ-AB). Conforme a PNAB/2011, a ESF deve operar como base de estruturação das Redes de Atenção, visto que tem papel signifi cativo no primeiro contato, 108 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA na longitudinalidade e na coordenação do cuidado, reiterando que a Saúde da Família é a estratégia prioritária para a expansão e a consolidação da Atenção Básica (BRASIL, 2012). Assim, Mendes (2012) preconiza que a concepção da ESF, como centro de comunicação das Redes de Atenção à Saúde (RAS), e como estratégia de reordenamento do SUS, é de extrema importância para que os demais problemas sejam superados, uma vez que permitirá priorizar a APS no SUS. Desde a implantação, a ESF tem apresentado expressiva expansão de cobertura, com ritmos distintos entre as regiões brasileiras e de acordo com o porte populacional dos municípios. Em 2013, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), com base domiciliar, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE), e em parceria com o Ministério da Saúde, coletou informações acerca da cobertura da ESF, indicando que 53,4% da população estava coberta e 56% de domicílios cadastrados (IBGE, 2015). Do PSF para a ESF, 1,1 milhão de brasileiros foram cobertos no primeiro ano do programa. Ao total, 109 milhões de usuários foram atendidos, com várias conquistas e avanços, desde o aumento da cobertura populacional até as mudanças estruturais nos modos de atender e cuidar da população. Entretanto, durante esse percurso do PSF/ESF, muitos foram os percalços, sendo que Mendes (2012) identifi cou alguns problemas que restringiram o desenvolvimento dele: a) subfi nanciamento; b) carência de equipes multiprofi ssionais operando de forma interdisciplinar; c) carência de uma infraestrutura adequada; d) baixa densidade tecnológica utilizada; e) fragilidade dos sistemas de apoio diagnóstico e terapêutico; f) precarização das relações de trabalho; g) fragilidade dos sistemas de informações clínicas, em especial, dos prontuários clínicos familiares eletrônicos; h) problemas educacionais dos profi ssionais de saúde no âmbito da graduação e no da pós-graduação; i) visão ideológica de um mix de atenção primária seletiva e do primeiro nível de atenção; j) incipiente grau de institucionalização; baixas valorizações política, econômica e social; k) fragilidade gerencial (gestão com base na oferta, ausência de gestão clínica e baixa profi ssionalização dos gestores); l) fragilidade institucional do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde; m) ausência de modelos de atenção à saúde construídos com base em evidências; e n) pouca presença de controle social exercido pelos Conselhos Locais de Saúde. Em contrapartida, como estratégia estruturante, a ESF tem produzido resultados positivos nos principais indicadores de saúde da população brasileira. 109 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 Nessa direção, Macinko e Mendonça (2018) realizaram um estudo de revisão e de síntese das evidências dadas à importância e aos impactos da ESF no Brasil, indicando que ocorreram um melhor acesso e a utilização de serviços de saúde por parte da população, em especial, por quem mais precisa. Ainda, ocorreram reduções importantes das mortalidades infantil e adulta, a expansão de acesso a tratamentos, melhoria na equidade de acesso aos serviços de saúde, a diminuição de hospitalizações desnecessárias e o aumento extensivo de infraestrutura. Assim, concluem que a ESF cumpre com os requisitos de um bom sistema de atenção à saúde, que existem várias evidências da efetividade dela, e que, portanto, não deve sofrer cortes que interrompam os resultados. Necessita ser defendida, como uma conquista, por toda população. A ESF é caracterizada como um modelo de atenção à saúde, a qual propõe uma dinâmica inovadora, por meio do trabalho realizado por equipes multiprofi ssionais, centrado na família. Visa à melhoria da oferta de serviços de menor densidade tecnológica, tornando-se uma nova postura ideológica. Contudo, tendo em vista a inserção em cenários diversifi cados e complexos, permeados por interesses sociais, econômicos, e, principalmente, políticos, algumas das potencialidades podem ser subestimadas, gerando questionamentos no que se refere à credibilidade de ser, realmente, a reorganizadora das ações e dos serviços de saúde, vindo a substituir, de fato, o modelo tradicional de Atenção Básica no Brasil. Antes de prosseguirmos para a nossa última parte, que tal realizar a atividade de estudo? 1 - Até o ano de 2014, apresentamos os números da expansão da ESF no âmbito nacional. Agora, chegou a sua vez de pesquisar. Escolha entre os anos de 2015 e 2020 e busque informações acerca da cobertura da ESF. Sua busca pode ser feita por meio de artigos científi cos publicados em bases de dados, como LILACS, BIREME, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), SCIELO e Google Acadêmico, ou no Portal e-Gestor (https://egestorab.saude.gov. br/paginas/acessoPublico/relatorios/relatoriosPublicos.xhtml). Não se esqueça de citar a referência utilizada, conforme as normas da ABNT. Boa pesquisa! 110 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA 4 ORGANIZAÇÃO E PROCESSO DE TRABALHO NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Até aqui, constatamos que a ESF é um modelo que propôs mudanças na forma de organizar os serviços e as ações de saúde e no objeto de atenção, passando a ser o indivíduo, a família e o entorno. O agente de transformação é uma equipe multiprofi ssional, a qual tem a responsabilidade de realizarum extensivo diagnóstico situacional de saúde da população, indispensável para o planejamento de enfrentamento das necessidades e das adversidades encontradas, com a ajuda da participação popular. Portanto, mais do que um novo modelo, a ESF é uma mudança no processo de trabalho e no relacionamento entre usuários e profi ssionais de saúde. Ainda, entre as distintas categorias profi ssionais, sendo necessária uma alteração de paradigmas, com a priorização da escuta, da fala e do vínculo. Uma das peculiaridades da ESF é a proposta de trabalho interdisciplinar e em equipe, uma vez que valoriza os diversos saberes e os campos de atuação dos diferentes integrantes da equipe multiprofi ssional, mediante a defi nição de competências e da corresponsabilidade, visando ao cuidado integral e resolutivo, para o qual o indivíduo, a família e a comunidade são os pilares de referência. 4.1 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA ESF Para atender às necessidades de saúde da população, as quais são complexas e diversifi cadas, a ESF preconiza que a atenção à saúde seja desenvolvida por meio das equipes de Saúde da Família (eSF), as quais, atualmente, são compostas por, no mínimo, médico generalista ou especialista em Saúde da Família, ou médico de Família e Comunidade; enfermeiro generalista ou especialista em Saúde da Família; auxiliar ou técnico de enfermagem; e Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Podem ser acrescentados, a essa composição, os profi ssionais de Saúde Bucal: cirurgião-dentista generalista ou especialista em Saúde da Família; auxiliar e/ou técnico em Saúde Bucal (BRASIL, 2021a); e agentes de combate às endemias (BRASIL, 2017). De acordo com a PNAB, os profi ssionais que compõem a eSF deverão cumprir uma carga horária de 40 horas semanais, vinculados a, apenas, uma eSF, com atendimento a uma população adscrita de 2.000 a 3.500 pessoas, localizada 111 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 dentro do próprio território. Ainda, deverão ser garantidos os princípios e as diretrizes da Atenção Básica (BRASIL, 2017). Dessa forma, a ESF está pautada no trabalho em equipe, fundamentado em uma atuação coletiva. Os profi ssionais devem compartilhar os conhecimentos e as experiências em função de um objetivo comum, a fi m de construir uma dinâmica de trabalho articulada e interativa, visando a uma ação integral e mais resolutiva, com a superação da prática habitual de, apenas, compartilhar o espaço físico. Nesse sentido, Faria et al. (2017) relatam que é preciso ter em conta a diferença do trabalho em grupo e do trabalho em equipe, uma vez que, para um grupo se tornar uma equipe, são necessários complementaridade, interdependência, sinergismo das ações, e predisposição para compartilhar objetivos, responsabilidades, decisões e resultados, além de disposição para ouvir e considerar as experiências e os saberes de cada membro do grupo, dentre outros elementos. Logo, a alocação de papéis é vital para que não haja a centralização de um só indivíduo, mas a complementariedade. Portanto, transformar um grupo de trabalhadores da área da saúde em uma equipe de trabalho é um grande desafi o, haja vista que, ainda, prevalece a cultura das relações hierárquicas de poder, da fragmentação, com atuação individualizada, sendo que muitos integrantes realizam as atividades sem articulação e sem uma troca de informações com os demais membros. Essa postura contribui para que o processo de trabalho se mantenha centrado na clínica clássica, colaborando para que não haja o comprometimento com o cuidado, o que difi culta o planejamento das ações aos usuários, de forma integral, e não propicia o estabelecimento do vínculo com a comunidade, tornando-se um dos maiores obstáculos para que ocorra, efetivamente, a reorganização do modelo de saúde. Convém lembrar que, etimologicamente, a palavra “equipe” está relacionada a trabalhos compartilhados, sendo que o conceito está consolidado como um conjunto de pessoas que têm vínculos e que buscam um objetivo comum. Já o termo “trabalhar em equipe” se refere à conexão de diferentes processos de trabalhos, com a valorização da participação do outro, a fi m de construir consensos relacionados aos objetivos e aos resultados que devem ser alcançados de forma coletiva (SOUSA; HAMANN, 2009). Nessa acepção, o propósito do trabalho em equipe é romper com a prática tradicional do trabalho em saúde, a qual é individualizada e que tem a doença como objeto, e, a cura, como objetivo. A perspectiva preconizada pela ESF é, justamente, mudar esse paradigma, tendo o indivíduo, a família e a comunidade no centro do processo, vislumbrando um trabalho colaborativo entre os integrantes da equipe a fi m de ofertarem uma assistência integral e resolutiva. 112 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Para Campos (1992), a ideia de organização do processo de trabalho, baseada no trabalho em equipe, seria uma alternativa prática de superação da costumeira divisão do trabalho em saúde em recortes verticais, sem a ilusão de acabar com o poder médico, mas com o diferencial de atribuir, a todos os envolvidos, os resultados, socializando o direito de opinião da organização do trabalho. Franco e Merhy (2003) asseveram que, apesar de o trabalho estar direcionado para as práticas multiprofi ssionais, não há garantia de que a dinâmica médico- centrada será descontinuada. Nessa linha de interpretação, sabemos que perdura a predominância do poder hierarquizado do nível superior sobre o nível médio, e da categoria médica sobre as demais, consolidando o status de determinadas profi ssões. Vale enfatizar que cada profi ssional possui uma formação e uma capacitação específi cas, uma história de vida, com especifi cidades próprias (tempo e vínculo de trabalho, experiências profi ssionais e de vida, diferenças salariais, dentre outras), e que, desse modo, o trabalho em equipe gera o encontro de diferentes pessoas, permeadas pelas próprias subjetividades e com os saberes científi cos adquiridos. Assim, cada integrante deve saber lidar com as diferenças e reconhecer os próprios limites. Obviamente, é inerente, às relações no trabalho, a presença de momentos de divergências, os quais não devem ser, totalmente, evitados, uma vez que contribuem para o engrandecimento da equipe, quando bem trabalhados. Com relação ao trabalho em equipe na ESF, Figueiredo (2015, p. 3) informa: Na ESF, o trabalho em equipe é considerado um dos pilares para a mudança do atual modelo hegemônico em saúde, com interação constante e intensa de trabalhadores de diferentes categorias e com diversidade de conhecimentos e de habilidades que interajam entre si, para que o cuidado do usuário seja o imperativo ético-político que organiza a intervenção técnico-científi ca. Sob esse prisma, os profi ssionais que compõem as eSF têm atribuições comuns, as quais poderão ser visualizadas a seguir: 113 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 TABELA 2 – ATRIBUIÇÕES COMUNS AOS PROFISSIONAIS DAS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA, CONFORME PNAB - 2017 FONTE: Adaptada de Brasil (2017) Cabe salientar que, além das atribuições comuns, a PNAB defi ne as específi cas de cada um dos profi ssionais, objetivando o cumprimento pleno das ações. Assim, todos os profi ssionais envolvidos devem ter o compromisso com o vínculo e a longitudinalidade do cuidado, trabalho esse que só será possível por meio do cuidado compartilhado e colaborativo. Você pode conferir as atribuições específi cas de cada profi ssional que compõe a eSF e a eSB, acessando a Portaria de Consolidação nº 2, disponível em https://bvsms.saude.gov.br/ bvs/ saudelegis/gm/2017/prc0002_03_10_2017.html. Sabemos que a PNAB apresenta os princípios gerais, as diretrizes e as bases a serem seguidas para atender às exigências da ESF, e defi ne as atribuições que orientam a organização do processo de trabalho das equipesde saúde. Contudo, cada equipe tem autonomia para executar tais atribuições, para organizar o processo de trabalho e defi nir que tecnologias utilizar. Ressalta-se que a organização do trabalho em equipe é de extrema relevância para a qualidade da atenção à saúde. Todavia, a simples presença de distintas classes profi ssionais de saúde, com atribuições defi nidas, não é sufi ciente para contemplar, de forma satisfatória, esse desafi o, uma vez que, para o cuidado integral, faz-se necessária a realização de um trabalho entre os integrantes da eSF de forma complementar. Cada profi ssional pode expandir as habilidades, compartilhar os saberes e dividir as funções, respeitando os limites 114 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA legais e técnicos de cada profi ssão, para exercer o potencial máximo de trabalho colaborativo com os colegas. Outrossim, a eSF deve organizar o trabalho a partir de um planejamento de ações a serem desenvolvidas. É preciso conhecer o território, dialogar com a população adscrita, estabelecer vínculos, a fi m de compreender a dinâmica local e de considerar a participação comunitária, ancorada em um processo de trabalho que promova o cuidado ampliado em saúde. Contudo, sabe-se que, mesmo tendo uma equipe multiprofi ssional na ESF, ainda, são habituais práticas pouco colaborativas, com a fragmentação do cuidado e a atuação, de forma individualizada, dos profi ssionais, resquício de uma formação uniprofi ssional. Outro aspecto que merece ser citado é que a PNAB (2011) inseriu a previsão para as eSF para populações específi cas (residentes nas comunidades ribeirinhas e pessoas em situação de rua), por meio das equipes de Saúde da Família Ribeirinha (eSFR), da equipe Saúde da Família Fluvial (eSFF) e das equipes de Consultório de Rua (eCR). Quer mais informações das eSFR e das eSFF? Acesse http:// aps.saude.gov.br/ape/esfr; http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/ documentos/folder_fase_implementacao_esfr.pdf e https://aps. saude.gov.br/ape/ubsf. Para dados das eCR, acompanhe em https:// aps.saude.gov.br/ape/consultoriorua/. 4.2 PROCESSO DE TRABALHO DA EQUIPE DE SAÚDE DA FAMÍLIA (ESF) O processo de trabalho pode ser entendido como a forma através da qual as atividades profi ssionais são realizadas, ou seja, o modo de desenvolver o trabalho, sendo que, na ESF, os agentes, ou sujeitos do processo, são os seguintes: o SUS (agente institucional); as equipes de ESF, compostas pelos profi ssionais; os indivíduos do território adscrito; e a sociedade (FARIA et al., 2017). Na ESF, o processo de trabalho deve ir muito além da assistência médica, pois é preciso ocorrer o estabelecimento de vínculos entre os indivíduos e os profi ssionais de saúde. Ainda, a família é tida como o centro de atenção, caracterizando-se como um trabalho relacional. 115 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 O trabalho em equipe, na área da saúde, é um trabalho coletivo institucional, o que gera interação, divisão de tarefas, compartilhamento de conhecimentos, colaboração e cooperação. A integração e a comunicação entre os diferentes atores deve ser rotineira. A ESF tem, como elementos centrais, a visita domiciliar, o trabalho com adscrição de clientela, o acolhimento como porta de entrada para as unidades básicas, a equipe multiprofi ssional e a integralidade das práticas, sendo fundamentais os processos diagnósticos da realidade, a organização horizontal do trabalho, o compartilhamento do momento decisório e a atuação sincrônica (RIBEIRO; PIRES; BLANK, 2004; NAVARRO; GUIMARÃES; GARANHANI, 2013; SOUSA; HAMANN. 2009). Cabe salientar que, na maioria das vezes, o processo de trabalho, na ESF, fi ca por conta da própria equipe, a qual tem a responsabilidade de gerenciá-lo, exigindo, dos integrantes, competências técnicas, políticas e gerenciais. Necessita- se, assim, de um modelo de gestão que proporcione, às eSF, instrumentos adequados para o gerenciamento e a operacionalização das diretrizes na prática cotidiana (FARIA et al., 2010). As eSF devem incorporar novas formas de operacionalizar e de organizar a dinâmica de trabalho no dia a dia, e com diferentes tecnologias, as quais podem ser classifi cadas em três categorias: dura, leve-dura e leve. A tecnologia dura se refere aos equipamentos e aos instrumentos materiais do trabalho (aparelhos, máquinas, normas, políticas); a tecnologia leve-dura está relacionada ao saber técnico estruturado de cada profi ssional (saberes e conhecimentos que processam o trabalho); e a tecnologia leve diz respeito às relações entre os sujeitos envolvidos no trabalho (vínculo, acolhimento e intersubjetividade) (MERHY; FEUERWERKER, 2009; MERHY, 2000). E você, utiliza quais dessas tecnologias na sua prática laboral? Contextualizando para a prática diária, podemos citar, como exemplo de utilização dessas tecnologias, a seguinte situação: no processo de cadastramento da população adscrita, ao chegar ao domicílio, o ACS se apresenta e relata o motivo da visita (tecnologia leve); ao preencher os formulários de coleta das informações e/ou relacionar uma queixa do usuário a um problema de saúde e realizar uma orientação ou encaminhamento, utiliza-se a tecnologia leve-dura. Por fi m, caso ele faça a aferição da temperatura do usuário, o termômetro utilizado é caracterizado como tecnologia dura. 116 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Nesse sentido, dentre as tecnologias, a ESF, pelas características peculiares, privilegia as leves, as quais são necessárias para o estabelecimento das relações de vínculos e de confi ança, favorecendo a construção de um espaço dialógico, no qual o usuário pode externar as próprias expectativas e necessidades. Ademais, por meio das tecnologias leves, as ações em saúde podem ser expandidas, estabelecendo práticas mais personalizadas e duradouras, pois possibilitam a ampliação do raciocínio clínico, tornando-se instrumentos potentes para transmutar o modelo assistencial em saúde, o que garante, à ESF, o protagonismo na organização da atenção à saúde. O processo de trabalho da eSF foi bem especifi cado na Portaria nº 648/2006, Capítulo II, Item 4, referente à PNAB, conforme apresentado a seguir: FIGURA 5 – CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE DA FAMÍLIA, CONFORME A PNAB - 2006 FONTE: Adaptada de Brasil (2006a) Nessa acepção, o processo de trabalho das eSF é caracterizado, conforme a PNAB/2006, pelo trabalho em equipe, de forma interdisciplinar, e com a integração das áreas técnicas e profi ssionais com distintas formações. Ainda, 117 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 pela valorização das práticas e dos saberes na perspectiva de uma abordagem integral e resolutiva, dentre outros fatores (BRASIL, 2006a). Dessa forma, as responsabilidades passariam a ser divididas entre os integrantes da equipe, deixando de ser centradas na fi gura do médico. Entretanto, na prática, o médico continua sendo o ponto focal do processo de trabalho em saúde, sendo que os demais profi ssionais de saúde participam, na maioria das vezes, de forma suplementar, das decisões dele. Rios e Nascimento (2018) corroboram com o que foi citado, relatando que, no campo da saúde, o que se observa é a hegemonia do trabalho médico, construída historicamente, de forma que o processo de trabalho se organiza e se constitui a partir da prática médica em detrimento das outras profi ssões, centrado no ato prescritivo, na produção de procedimentos e no poder de cura. Assim, urge repensar no processo de trabalho em saúde, desenvolvendo práticas interdisciplinares, com fortalecimento da integralidade. Já a 3ª versão da PNAB (BRASIL, 2017) indica as características do processo de trabalho na AB: Defi nição do território e Territorialização; Responsabilização Sanitária; Porta de Entrada Preferencial; Adscrição de usuáriose desenvolvimento de relações de vínculo; Acesso; Acolhimento; Trabalho em Equipe Multiprofi ssional; Resolutividade; Promoção da atenção integral, contínua e organizada à população adscrita; Realização de ações de atenção domiciliar, quando necessária; Programação e implementação das atividades de atenção à saúde, de acordo com as necessidades de saúde da população; e Implementação da promoção da saúde como um princípio para o cuidado. Conforme a PNAB, o processo de trabalho das equipes de saúde se direciona à prevenção de doenças e à promoção da saúde nos territórios sob a sua responsabilidade, integrado às ações de vigilância em saúde (BRASIL, 2017). Como modelo de atenção, o trabalho em saúde da família deve ter em conta a família como locus precípuo de atuação, utilizando técnicas baseadas na realidade circunscrita. Desse modo, a forma de organização da ESF contribuiu para uma reorientação do processo de trabalho, com a possibilidade de aprofundar os fundamentos, os princípios e as diretrizes da AB, ampliando a resolutividade e impactando a situação de saúde dos indivíduos e da coletividade, o que gera uma notável relação custo-benefício (BRASIL, 2021b). Cabe mencionar que a estruturação do processo de trabalho em saúde ocorre a partir dos agentes, os quais possuem saberes e práticas estruturados, e que o trabalho da equipe, realizado em territórios, é uma estratégia fundamental para a descentralização e a organização do serviço, consideradas as características locais e as diferenças sociais, além do conhecimento da condições em que vivem 118 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA as pessoas e dos possíveis fatores condicionantes e determinantes do processo saúde-doença. O processo de trabalho em equipe é instigador, exige fl exibilidade, integração de saberes, e necessita rever conceitos e refl exões de como promover um campo de atuação que seja comum a todos os componentes da eSF. A organização do processo de trabalho das eSF deve estar pautada no acolhimento dos usuários, exigindo que a eSF discuta e defi na a forma através da qual os integrantes participarão desse evento, haja vista que as ações de acolhimento são precípuas para a construção do vínculo entre o profi ssional, o usuário e a família dele. Portanto, requer-se, da eSF, uma escuta apurada, além da ampliação da capacidade clínica para que reconheça os riscos e as vulnerabilidades, para que realize as intervenções ou o acionamento de outros dispositivos da rede (BRASIL, 2011c). Cabe frisar que a PNAB menciona, como uma das atribuições das equipes de saúde, o acolhimento com escuta qualifi cada dos indivíduos que buscam a ESF, objetivando uma assistência humanizada e resolutiva, pois se identifi cam os riscos e os agravos de saúde. Assim, o acolhimento é um momento que extrapola a investigação da queixa principal do usuário, a fi m de compreender as necessidades dele, servindo para fortalecer o vínculo entre a eSF e o cidadão. Com base nisso, a Política Nacional de Humanização (PNH) apregoa que a escuta qualifi cada é uma ferramenta que facilita a operacionalização da integralidade, garantindo que a atenção à saúde seja resolutiva. Assim, é preciso operar os processos de trabalho em saúde, além de atender à demanda, respeitar a singularidade e viabilizar as intervenções interdisciplinares e equânimes (DUARTE et al., 2017). No entanto, apesar de essa escuta ser reconhecida como uma poderosa ferramenta, a maioria dos processos a desconsideram, demonstrando a prevalência do uso das tecnologias duras. Indicamos o artigo Impacto da Política Nacional de Humanização na Estratégia Saúde da Família e na Rede de Saúde, disponível em https://revistas.pucsp.br/index.php/dic/ article/view/33313/25045 para complementar esse tema. 119 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 Não podemos deixar de abordar que o Ministério da Saúde tem incentivado a gestão a implementar atividades, para a qualifi cação do processo de trabalho em saúde, por meio da Educação Permanente em Saúde (EPS), a qual está ancorada na Política de Educação Permanente em Saúde (PNPS). A EPS é uma proposta ético-política-pedagógica que tem, como escopos, nortear e qualifi car os profi ssionais, além de transformar os processos formativos, as práticas de educação em saúde e a organização do trabalho em uma perspectiva intersetorial no cenário da ESF, visando ao fortalecimento das práticas na AB, por meio do trabalho articulado entre instituições de ensino, serviços de saúde, comunidade e esferas de gestão. Portanto, a ESF é um espaço propício para a consolidação da EPS, haja vista que realiza trabalho interdisciplinar e práticas compartilhadas, utilizando distintas tecnologias para a atenção à saúde dos usuários (FERREIRA et al., 2019). Atualmente, há um debate em evidência, o qual não podemos deixar de relatar, de forma breve, que é acerca do trabalho interprofi ssional e da necessidade de diferenciar interprofi ssionalidade, a qual se refere à integração de práticas, por meio da articulação colaborativa e intencional entre as profi ssões, de interdisciplinaridade, relacionada à integração dos saberes, pois diz respeito à esfera das ciências, às áreas de conhecimento ou às disciplinas. Para Ellery (2018), a interprofi ssionalidade tem, como objetivo, reduzir a fragmentação das práticas profi ssionais, visando alcançar resultados satisfatórios no que se refere aos cuidados de saúde prestados aos usuários, enquanto a interdisciplinaridade está relacionada ao conhecimento de inúmeras disciplinas, de forma fragmentada, tendo, como resultado, uma divisão sintética do conhecimento. O trabalho interprofi ssional, mediante prática colaborativa, é uma excelente maneira de enfrentar os complexos desafi os do setor da saúde e de concretizar a interdisciplinaridade, pois a interprofi ssionalidade articula distintos campos de práticas e fortalece a centralidade no usuário e nas necessidades dele, portanto, trabalhar em equipe interprofi ssional simboliza transitar entre áreas diversas de formação. Nesse enfoque, Ellery (2012) corrobora com o exposto, acrescentando que o trabalho em equipe, desenvolvido pelos profi ssionais que integram a eSF, deve acontecer de forma interprofi ssional, uma vez que esta é entendida como a atuação de múltiplos profi ssionais, os quais têm as próprias culturas profi ssionais e os respectivos códigos de ética e de autoridade individualizada. Assim, deverão interagir em áreas comuns, nas quais todos têm conhecimento, independentemente da especialidade. 120 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Cabe ressaltar que a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2010) tem estimulado a adoção da Educação Interprofi ssional (EIP) na formação em saúde, uma vez que reconhece a prática interprofi ssional, com a EIP, como uma estratégia transformadora, haja vista que os profi ssionais de saúde interagem entre si e envolvem o usuário, a família e a comunidade, proporcionando um cuidado mais resolutivo e efetivo, fortalecendo o sistema de saúde. Por fi m, é preciso estar ciente de que a organização do processo de trabalho da eSF deve estar pautada nos conhecimentos acerca dos problemas de saúde da população, da identifi cação das áreas de risco, das situações epidemiológicas e de outros aspectos relacionados aos determinantes e aos condicionantes dos processos de saúde e de doença. O processo de trabalho na ESF está sofrendo signifi cativas alterações com e-SUS APS. Para mais informações, acesse https:// sisaps.saude.gov.br/esus/. Guardadas as limitações, e tendo em vista que a temática é complexa, não há como abordarmos todas as vertentes. Assim, para fi nalizarmos, vale enfatizar que é de fundamental importância que toda equipe de saúde realize o trabalho, com base em um planejamento de ações, o qual deverá estar embasado por meio do conhecimentodo território no qual serão desenvolvidas essas ações, dos diálogos com a população e da compreensão da dinâmica local. Lembrando que esse planejamento deverá contar com a participação da comunidade. Agora, que tal falarmos um pouco da avaliação? 4.3 AMQ – AVALIAÇÃO PARA MELHORIA DA QUALIDADE DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA E PMAQ – PROGRAMA DE MELHORIA DE ACESSO E DE QUALIDADE Diante do crescimento exponencial da Estratégia Saúde da Família, em 2005, o Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde sugeriu a adoção 121 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 de uma metodologia avaliativa, denominada de Avaliação para Melhoria da Qualidade da Estratégia Saúde da Família (AMQ), envolvendo todos os processos e atores, com o objetivo de incentivar a qualifi cação do trabalho, convidando os profi ssionais e os gestores a refl etirem a respeito dos processos de trabalho deles, e a desenvolverem iniciativas de melhorias com base na realidade local (BRASIL, 2005). A AMQ foi uma proposta ousada como metodologia de autoavaliação, tornando-se uma ferramenta elementar de apoio à gestão da qualidade e ao planejamento da ESF, pois permitia avaliar duas esferas distintas de atuação (a gestão local e as equipes), mediante cinco diferentes instrumentos de autoavaliação, e com 300 padrões de qualidade, validados por um amplo processo participativo, através da contribuição de atores-chave. O apogeu ocorreu em 2006, quando mais de 542 municípios aderiram, mas somente 84 deles concluíram todas as fases (BRASIL, 2005; 2007a). A AMQ é composta por cadernos dirigidos aos gestores, coordenadores, unidades de saúde e equipes, sendo que o caderno nº 4 é direcionado ao conjunto dos profi ssionais das eSF e das eSB, tendo, como eixo norteador, o trabalho da equipe multiprofi ssional com uma população/território (BRASIL, 2005). Silva e Caldeira (2011) relatam que, embora sejam apresentadas as características específi cas de indicação de padrões de qualidade e de potencialidades do instrumento, existem limitações para que a AMQ seja disseminada e utilizada como instrumento de pesquisas avaliativas, dado que não existe uma defi nição explícita para a aferição de escores ou de pontos de corte específi cos, não permitindo, assim, a classifi cação entre equipes, em relação aos estágios A a D. Em 2011, foi instituído o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ), pela Portaria nº 1.654, sendo, esse programa, um componente da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), que tem, como objetivos principais, promover a melhoria do acesso e da qualidade da atenção à saúde, e institucionalizar a cultura da avaliação na AB, oportunizando transparência e efetividade das ações governamentais. São dispostas quatro fases (1- adesão e contratualização; 2- desenvolvimento; 3- avaliação externa e 4- recontratualização) que se complementam, conformando um ciclo contínuo de melhoria do acesso e da qualidade (BRASIL, 2011a; 2012; 2015). Trata-se de uma avaliação voltada para as ações e para as atividades das eSF, ainda, para a infraestrutura das unidades de saúde, com o auxílio a partir da identifi cação de áreas prioritárias e o subsídio, aos gestores, para o estabelecimento de melhorias na atenção à saúde da população. Visa, também, à 122 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA implementação de processos avaliativos mais participativos e à reengenharia dos processos de trabalho por meio do uso das informações obtidas pelo programa (LIMA et al., 2019). Esse programa traz uma novidade, pois, por intermédio do monitoramento e da avaliação, mediante as avaliações positivas das equipes e as metas estabelecidas e atingidas por estas, ocorre o incentivo fi nanceiro, ou seja, a partir do PMAQ, com a introdução do “componente de qualidade”, criou-se um novo desenho do fi nanciamento do PAB variável, com o aumento do repasse de recursos e a consideração dos padrões de qualidade e de acesso como referência, fi rmados de forma tripartite. No primeiro ciclo de adesão, o PMAQ contemplou as equipes de Saúde da Família (eSF) e de Atenção Básica (eAB) parametrizadas, incluindo as eSB. Cabe mencionar que a ESF é uma opção de fortalecimento da AB, e que nem todos os municípios aderiram e ela, assim, o Ministério da Saúde elaborou parâmetros mínimos para que as eAB, dispostas de forma diferente da ESF, pudessem aderir ao PMAQ, incluindo, no Manual Instrutivo, o item “Critérios de Parametrização e Equivalência das Diferentes Modalidades de Organização da Atenção Básica com a Estratégia Saúde da Família” (BRASIL, 2011a, p. 29). Em 2013, no 2º Ciclo, houve a inclusão dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) e dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO). Já em 2015, surgiu o 3º Ciclo, com a participação de todas as equipes de saúde da AB (Saúde da Família e Parametrizada), incluindo as eSB, os NASF e os CEO, que se encontravam em conformidade com a PNAB, sendo que foram estabelecidas as regras do PMAQ para as Equipes de Atenção Básica (incluindo aquelas com Saúde Bucal) e para os NASF. Com relação ao processo de autoavaliação das equipes de saúde, a fi m de identifi car aspectos positivos e problemáticos no processo de trabalho, o instrumento utilizado é a AMAQ (Autoavaliação para a Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica), o qual foi construído com base na AMQ e em outras ferramentas avaliativas, como PCATool, MoniQuor e Quality Book of Tools. Portanto, a AMAQ avalia padrões de qualidade, e, desse modo, é esperada uma melhoria dos serviços, das relações e do processo de trabalho na AB (BRASIL, 2011b). Nesse contexto, a autoavaliação das eSF consiste em uma das iniciativas principais da avaliação da AB, contribuindo para ancorar o modo de reorganizar o processo de trabalho e auxiliando para a efetividade do cuidado, uma vez que evidencia as fragilidades e as potencialidades, à medida que a realidade do 123 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 processo de trabalho na qual a equipe está inserida é avaliada, tornando-se uma ferramenta positiva para o aprimoramento e para a consolidação da ESF. Ainda, permite que o processo de trabalho seja analisado com base na autoavaliação dos profi ssionais que trabalham nas eSF, subsidiando-os na operacionalização, na organização das práticas, na atuação e na tomada de decisão (LIMA et al., 2019). O PMAQ tem propiciado refl exões no que se refere às práticas rotineiras relativas à atenção à saúde, induzindo melhorias e comprometimento no processo de trabalho das equipes de saúde, embora, perceba-se que a inserção da práxis avaliativa, no dia a dia da ESF, ainda, é incipiente. Quer saber mais a respeito do PMAQ? É só acessar https:// aps.saude.gov.br/ape/pmaq. Não deixe de ler o artigo The Challenges of Payment for Performance Under Brazil’s PMAQ, disponível em https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S2214- 109X%2821%2900038-3. Para encerrarmos o nosso capítulo, faremos uma rápida exposição da abordagem familiar na ESF. 4.4 ABORDAGEM FAMILIAR NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: BREVES COMENTÁRIOS No capítulo anterior, estudamos a família e vimos que o contexto familiar é considerado o primeiro espaço de identifi cação e de explicação do adoecimento dos integrantes, e, nele, os fenômenos da saúde e da doença assumem uma forte signifi cância. De acordo com Starfi eld (2002), conhecer o contexto familiar oportuniza identifi car os problemas existentes, além de escolher as melhores intervenções, o que aumenta as possibilidades de prevenção e de manejo das doenças. Assim, a família é uma unidade que precisa ser compreendida, pelos profi ssionais de saúde, a partir das inter-relações deles, e a abordagem familiar assume um papel 124 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA de total relevância no trabalho daAPS, especialmente, por conta do trabalho em equipe multiprofi ssional, o qual deve orientar as intervenções com base no conhecimento dos integrantes da família e dos problemas de saúde, incluindo a comunidade. É imprescindível que a eSF se aproxime da família com os intuitos de conhecê-la, de ouvi-la, de constatar as necessidades e as difi culdades dela, e de trocar saberes para que possa, efetivamente, auxiliá-la nas questões de saúde e de doença, entendendo-a a partir da percepção do processo de saúde-doença- cuidado. Outrossim, essa aproximação serve para que a eSF compreenda o conjunto familiar em sua totalidade, a fi m de planejar e de implantar ações direcionadas à solução dos entraves identifi cados. A aproximação pode ser potencializada com a utilização de tecnologias relacionais, oriundas da Psicologia e da Sociologia, como as ferramentas de abordagem familiar, as quais têm, como fi nalidade, o estreitamento das relações entre o profi ssional de saúde e a família, permitindo o entendimento e o conhecimento do indivíduo em sua singularidade e a relação dele com a família e com a comunidade (SILVEIRA FILHO, 2007). Nessa perspectiva, as ferramentas de abordagem familiar são úteis, assertivas e essenciais no trabalho da ESF, pois dão suporte, às eSF, para que possam entender o funcionamento da família, identifi car os problemas e desenvolver as atividades personalizadas. Lembrando que a ESF tem, como objetivo, promover a atenção centrada na família em um território de abrangência, com uma população adstrita a uma eSF. As famílias devem ser cadastradas, classifi cadas por riscos, e com acompanhamento por meio de ferramentas de abordagem familiar (MENDES, 2012). Dentre as diversas ferramentas, destacam-se: o Genograma; o Ecomapa; o Ciclo de Vida Familiar; o APGAR Familiar; o FIRO (Fundamental Interpersonal Relations Orientations); e o P.R.A.C.T.I.C.E. (Present Problem; Roles and Structure; Affect; Communication; Time in the family life cycle; Illness in family past and present; Coping with stress; Ecology). A seguir, apresentaremos, de forma sucinta, cada uma dessas ferramentas, tendo, como base, Ditterich, Gabardo e Moysés (2009), Mendes (2012), Rodrigues et al. (2016) e Jesus et al. (2019). 125 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 FIGURA 6 – ALGUNS TIPOS DE FERRAMENTAS DE ABORDAGEM FAMILIAR FONTE: A autora Cabe salientar que o Genograma e o Ecomapa são muito usados, na prática da ESF, como recursos gráfi cos, pois oferecem as possibilidades de a eSF conhecer e intervir no âmbito familiar através do relacionamento, na subjetividade e na integridade da família, ordenando, de forma prática, as informações. Ainda, auxiliam no fortalecimento do vínculo entre a população assistida e os integrantes da equipe de saúde. Contudo, a eles, podem ser agregadas outras ferramentas, a fi m de auxiliarem, ainda mais, na apreensão do contexto familiar, especialmente, no que se refere à diversidade de arranjos. Portanto, as ferramentas de abordagem familiar são de extrema importância para que a eSF compreenda, de forma efetiva, a situação de cada membro que compõe o núcleo familiar, a relação deles com os demais integrantes e com as outras famílias com as quais convivem, as quais estabelecem uma rede de apoio social. Ainda, há o entendimento dos processos de saúde/doença que ocorrem nesse âmbito, o que permite o acompanhamento ao longo do tempo, favorecendo a defi nição de ações preventivas que sejam capazes de promover a saúde de todos os componentes. Essas ferramentas possibilitam que a eSF conheça a cultura, a estrutura, o ciclo de vida e as relações inter e intrapessoais da família, como ela se organiza para o cuidado e como as questões emocionais interferem no quadro clínico. Assim, identifi cam-se as potencialidades e as fragilidades, propiciando, aos integrantes, participarem do processo de coleta das informações, com autonomia e empoderamento na construção das saúdes individual e familiar. 126 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA À medida que o profi ssional de saúde adentra no contexto familiar, seja na unidade de saúde ou no próprio domicílio, ocorre uma corresponsabilização pelo cuidado, contribuindo para uma forte proximidade e pelo fortalecimento do vínculo. 1 - Com base na leitura e nos conhecimentos adquiridos durante a leitura, analise as afi rmativas e coloque “V” para as verdadeiras e “F” para as falsas: ( ) Equipamentos/suprimentos, programas de prevenção e dinâmica em grupo são alguns exemplos de tecnologias leves, leve-duras e duras, respectivamente. ( ) O Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade, no primeiro ciclo, contemplou a adesão das equipes de Saúde da Família. ( ) O genograma é uma representação gráfi ca do sistema familiar, um instrumento que serve para ampliar o conhecimento a respeito das famílias. ( ) O processo de trabalho das equipes de Saúde da Família deve estar direcionado, exclusivamente, para a promoção da saúde nos territórios, sob sua responsabilidade. ( ) A defi nição do território de atuação e de população, sob responsabilidade das eSF, é uma característica do processo de trabalho das equipes. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA, de cima para baixo: a) ( ) F – V – V – F – V. b) ( ) V – V – F – F – V. c) ( ) F – V – V – F – V. d) ( ) V – V – F – F – V. e) ( ) V – V – V – V – V. 127 PRINCÍPIOS GERAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Capítulo 2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Concluímos mais uma etapa do nosso percurso, mesclando fatos históricos e atualidades, e esperamos que o conteúdo, aqui, apresentado, tenha sido útil e contribuído para pluralizar o seu olhar sobre a Estratégia Saúde da Família e todas as nuances dela. Neste capítulo, você teve a oportunidade de conhecer, com mais profundidade, a gênese da Estratégia Saúde da Família, perpassando pela organização e pelo processo de trabalho dela. Constatamos que o Programa Saúde da Família, ora denominado de Estratégia Saúde da Família, foi concebido como um modelo que visa reorganizar a Atenção Básica/Atenção Primária à Saúde, de acordo com os preceitos que regem o Sistema Único de Saúde (SUS), além de ampliar o acesso aos serviços. A ESF propõe alterações na forma de prestar assistência e atenção à saúde para a população, o que deve ser equânime, integral e contínuo, tendo, como núcleo de cuidado, a família, visando substituir o modelo biomédico ou médico- clínico, focado no cuidado individualizado e na doença, com a saúde nas múltiplas dimensões. Sabe-se que um programa ou uma estratégia, por si só, não será sufi ciente para romper estruturas enraizadas se não ocorrerem alterações no perfi l dos sujeitos que se colocam como protagonistas desse novo modelo assistencial que se pretende incutir. Faz-se necessária a construção de uma nova cultura e de um comportamento pautados pela humanização, pela empatia e pela cidadania, com associação a novas confi gurações de trabalho e de conhecimentos técnicos, independentemente do momento histórico. Reiteramos que a ESF é caracterizada pela atuação dela na comunidade, considerando o trabalho com a família e as relações econômicas, sociais e políticas que permeiam a realidade dos indivíduos, pautando-se em uma prática de saúde interdisciplinar e interprofi ssional, à medida que abarca diferentes categorias e, por conseguinte, múltiplos saberes e práticas, os quais aspiram uma atenção integral e resolutiva. A ESF objetiva mudanças paradigmáticas no modo de se conceber a relação entre profi ssional de saúde e população, e nas questões saúde/doença, as quais não são fáceis para ser realizadas, pois geram uma sucessão de transformações, 128 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA que vão desde questões políticas até concepções pessoais dos atores envolvidos no processo. Mesmodiante dessa proposta auspiciosa, os estudos (e o cotidiano) têm demonstrado fragilidades nessa promoção de mudanças, evidenciando que, ainda, perduram ações curativas, voltadas para o tratamento e para a reabilitação de doenças, com ênfase no modelo biomédico e com lacunas no trabalho em equipe. Portanto, há, ainda, muitos desafi os, pela frente, para a real efetivação da ESF como um modelo hegemônico. Por fi m, vimos, até aqui, que a ESF, com a equipe multiprofi ssional, deve ter um olhar voltado para o indivíduo, para a família dele e para a comunidade em sua totalidade, a partir do rompimento com a lógica tradicional de cuidado à saúde, ressignifi cando o processo de trabalho, com a interdisciplinaridade como base e atuação interprofi ssional. Ademais, reitera-se que o trabalho em equipe, na ESF, é de extrema relevância. Deve ser enfatizado e discutida a dinâmica do processo de trabalho no que se refere à organização e às relações, o que auxilia para que as fragilidades e as potencialidades sejam compreendidas. No próximo e último capítulo, daremos continuidade à evolução, aos desafi os e às perspectivas futuras para a ESF. Até mais! REFERÊNCIAS AGUIAR, D. S. de. A “Saúde da Família” no Sistema Único de Saúde: um novo paradigma? 1998. Disponível em: https://www.arca.fi ocruz.br/bitstream/ icict/4673/2/dayse_aguiar_ensp_mest_1998.pdf. Acesso em: 24 abr. 2021. ANDRADE, L. O. 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Acesso em: 24 abr. 2021. 138 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA CAPÍTULO 3 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: • Compreender o NASF-AB como estratégia de ampliação das ações da ESF, os aspectos conceituais, os objetivos, as normatizações e as principais diretrizes. • Conhecer e analisar a atual conjuntura da Saúde da Família. • Oportunizar e estimular uma refl exão crítica a respeito da relação do NASF-AB com a ESF. • Desencadear refl exões diante das formas de organizar o trabalho do NASF-AB. • Pluralizar o olhar referente aos atuais acontecimentos históricos e políticos que impactam na saúde da família e na organização do modelo assistencial à saúde. 140 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA 141 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Nos capítulos anteriores, constatamos que, desde os primórdios, até a atualidade, várias foram as tentativas de organizar a assistência à saúde no Brasil, com a implantação de diversos modelos, sendo que o marco histórico ocorreu via instauração do PSF, o qual, posteriormente, passou a ser legitimado como ESF, tornando-se o elemento fundamental da agenda política para o ordenamento das ações e dos serviços de Atenção Básica. Dando prosseguimento à nossa disciplina, o último capítulo visará retratar, em um primeiro momento, o contexto histórico do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), desde a concepção, perpassando pelas alterações, como pela NASF-AB, até a provável extinção. Assim, traremos subsídios teóricos e históricos para que você possa contextualizar o NASF-AB como estratégia de ampliação das ações da ESF. Posteriormente, abarcaremos o apoio matricial e a integração entre a ESF e o NASF-AB, fi nalizando com a tematização de questões pertinentes ao momento atual, envolvendo essas duas estratégias, com um breve recorte temporal diante do maior desafi o da saúde do século XXI: a pandemia da COVID-19. É imprescindível esclarecer que não se pretende esgotar temas tão complexos, mas apresentar considerações relevantes que contribuam para aprofundar a sua compreensão de tais temáticas, a fi m de que ocorram refl exões apuradas, contribuindo, de forma efetiva, para as suas formações acadêmica e profi ssional. Esperamos que aproveite, ao máximo, o conteúdo, e desejamos um excelente estudo! 2 DO NASF AO NASF-AB: CONHECENDO O NÚCLEO AMPLIADO DE SAÚDE DA FAMÍLIA Almeida (2016), ao estudar a sociogênese do NASF, descreve quatro momentos específi cos no que se refere à construção dele, no contexto do Ministério da Saúde. O primeiro, de 2000 a 2002, caracterizou-se pelas primeiras articulações para que as equipes de atenção primária à Saúde fossem ampliadas; no segundo momento, compreendido entre 2003 e 2005, apresentou-se o 142 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDEDA FAmÍLiA Núcleo de Atenção Integral à Saúde da Família (NAISF) como produto fi nal, cujo delineamento era centrado em ações individuais e curativas, com foco na integralidade da atenção, que seriam desenvolvidas por equipes, previamente, defi nidas; no terceiro momento, correspondente ao período de 2005 a 2006, houve a revogação da Portaria que instituiu o NAISF, além de um “vácuo” no debate acerca da ampliação das equipes de APS; por fi m, no quarto momento, entre 2007 e 2008, surgiu o NASF, com ações centradas no apoio às eSF, a partir de uma perspectiva de matriciamento de práticas e de saberes. Você sabia da existência do NAISF? Pois então, antes dessa denominação, houve uma outra versão, chamada de Núcleo de Saúde Integral (NSI), a qual centraria as ações em três áreas específi cas (saúde mental; atividade física e saúde; e reabilitação) e duas áreas interseccionais (serviço social e alimentação e nutrição). Objetivava avançar na consecução da integralidade da atenção e da gestão em saúde e na resolubilidade, nos municípios com 50 mil habitantes ou mais, e com menos de 10 eSF. Após a formulação de diversas propostas e formatos, o NSI foi renomeado para Núcleos de Atenção Integral à Saúde da Família (NAISF) (ALMEIDA, 2016). O NAISF foi instituído pela Portaria nº 1.065, de 4 de julho de 2005, como um arranjo organizacional de suporte técnico às eAB em quatro áreas (atividade física; alimentação/nutrição; saúde mental; e reabilitação), a fi m de ampliar a integralidade e a resolubilidade da atenção à saúde em municípios com 40 mil habitantes ou mais e que possuíssem, pelo menos, nove eSF, exceto a Amazônia Legal, cujo mínimo seria de sete eSF e 30 mil habitantes. As categorias profi ssionais contempladas eram: profi ssional de Educação Física, instrutor de práticas corporais, fi sioterapeuta, nutricionista, psiquiatra, psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional e assistente social. Contudo, no dia seguinte, a Portaria foi revogada, assim como outras, em decorrência da exoneração do ministro da Saúde, Humberto Costa (ALMEIDA, 2016). Nesse contexto, em 2008, 14 anos depois da institucionalização do Programa Saúde da Família (PSF) e de intensos debates e negociações no âmbito federal, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 154, criou o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), com a expectativa de expandir a cobertura e as ações da Atenção Básica (AB), para alcançar a interdisciplinaridade das ações 143 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 e a integralidade da atenção à saúde. Tinha, como escopo, o apoio às equipes de Saúde da Família (eSF), contribuindo com as formas assistencial e técnico- pedagógica (BRASIL, 2008; 2014). Com relação aos apoios assistencial e técnico-pedagógico, Batista et al. (2017, p. 265) explicam que O apoio assistencial se caracteriza por abarcar os atendimentos individuais ou compartilhados, e o desenvolvimento da prática grupal, tendo, o usuário, como favorecido. Já o apoio técnico-pedagógico se refere à educação permanente, ação, diretamente, voltada para a equipe. O NASF é uma estratégia inovadora que tem, como objetivos, apoiar a AB e a ESF, ampliar a cobertura, aumentar a resolutividade, reforçar os processos de territorialização e de regionalização em saúde, e aperfeiçoar a atenção e a gestão, constituindo-se como uma equipe de apoio, com o oferecimento de retaguarda para o cuidado integral (BRASIL, 2010b; 2014). É de suma relevância recordar que a proposta do NASF partiu de um contrafl uxo, ou seja, a AB, na maioria dos lugares, acontecia por meio da multiprofi ssionalidade, com o cuidado médico-centrado que envolvia, apenas, enfermeiros, odontólogos e agentes comunitários de saúde, sendo que o acesso aos demais profi ssionais ocorria a partir da atenção secundária, mediante encaminhamento e contrarreferência, de forma inefi ciente e descompromissada na maioria das vezes (REIS; MENESES, 2020). O Ministério da Saúde, ao instituir o NASF, possibilitou a inserção de outros profi ssionais da área da saúde, de nível superior, como membros das equipes, haja vista que, até então, a composição dos times era arraigada nos profi ssionais médicos e enfermeiros. Diversas categorias profi ssionais da área da saúde formam a equipe do NASF, com atuação em parceria com as eSF e auxílio para o manejo e para a resolução de problemas clínicos e sanitários. É preciso revisar a prática do encaminhamento, de forma integrada e sistemática, com a redefi nição das práticas de referência e de contrarreferência em um seguimento longitudinal e de ampla integralidade do cuidado, a fi m de consolidar os atributos da AB e o papel dela, o de coordenadora do cuidado no SUS (BRASIL, 2008; 2010b; 2014). O NASF não é, meramente, o acréscimo de outras áreas da saúde para apoiar as eSF, mas uma estratégia de ação ampliada, a qual trabalha, de forma interprofi ssional, a fi m de atender aos princípios do SUS, especialmente, o da integralidade (BRASIL, 2017). 144 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA De acordo com a Portaria nº 154/08, foram estabelecidas duas modalidades de NASF (NASF 1 e NASF 2). As equipes eram compostas por assistente social, farmacêutico, fi sioterapeuta, fonoaudiólogo, médico acupunturista, médico ginecologista, médico homeopata, médico pediatra, médico psiquiatra, nutricionista, psicólogo, profi ssional de Educação Física e terapeuta ocupacional (BRASIL, 2008). Conforme a referida Portaria, a composição de cada NASF poderia ser defi nida pelos gestores municipais, considerando os critérios de prioridades locais e de disponibilidade de profi ssionais. Ainda, recomenda que cada NASF conte com, pelo menos, um profi ssional da área da saúde mental. É necessário destacar que o teor da Portaria fundadora do NASF está congruente com o movimento mundial, valorizando a atuação de equipes multiprofi ssionais e as abordagens interdisciplinares. Ainda, sugere diversas áreas de ações voltadas para práticas integrativas e complementares, atividade física, assistência farmacêutica, alimentação e nutrição, saúde mental, serviço social, saúde da mulher e reabilitação. Observe, a seguir, as principais características do NASF, de acordo com os documentos ministeriais: FIGURA 1 – PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO NASF FONTE: A autora O NASF, como apoiador da ESF, veio para preencher uma lacuna na AB, ao incluir outras categorias profi ssionais da área da saúde, essenciais para a ampliação do cuidado à saúde da população e para a implantação de ações multiprofi ssionais e não médicas voltadas para a promoção e a qualidade de vida. Portanto, a proposta tem, como conceito norteador, a clínica ampliada, a fi m de que os profi ssionais atuem além de um recorte diagnóstico, superando a 145 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 lógica assistencialista curativa, por meio de projetos terapêuticos e atendimentos compartilhados, com o envolvimento dos usuários e das singularidades de cada um. Vale destacar que a defi nição das ações do NASF está voltada para duas responsabilidades: práticas sobre a população e sobre a eSF. Clínica ampliada: toda profi ssão faz um recorte, um destaque de sintomas e de informações, cada uma de acordo com o núcleo profi ssional. Ampliar a clínica signifi ca, justamente, ajustar os recortes teóricos de cada profi ssão às necessidades dos usuários. A clínica ampliada pode ser caracterizada pelos seguintes movimentos: 1) compreensão ampliada do processo saúde-doença e construção compartilhada dos diagnósticos e das formas terapêuticas; 3) ampliação do “objeto de trabalho”; 4) transformação dos “meios” ou dos instrumentos de trabalho; 5) suporte para os profi ssionais de saúde (BRASIL, 2010b). O trabalho integrado entre as equipes multiprofi ssionais propicia o atendimento compartilhado entre os profi ssionais, a discussão de casos clínicos,a construção de projetos terapêuticos, e o desenvolvimento de ações intersetoriais, visando à prevenção, à promoção da saúde, à ampliação e à qualifi cação das intervenções em saúde de grupos populacionais e no território. Convém salientar que as possibilidades de intervenções do NASF com a ESF são variadas, perpassando pelo apoio pedagógico às equipes, pela elaboração de projetos de saúde para o território adscrito, pelos atendimentos compartilhados e pelas discussões de casos clínicos, ou seja, por todo o ciclo vital, pela promoção de saúde, pelas visitas domiciliares etc. (SOUZA; MEDINA, 2018). É preciso ressaltar que o NASF não recebe encaminhamentos da eSF/eAB, portanto, não se constitui como uma porta de entrada do sistema para os usuários, servindo de apoio às equipes para a discussão dos casos e das decisões em conjunto, ou seja, os casos/situações serão debatidos entre os profi ssionais da eSF/eAB e da NASF, e realizado o diagnóstico para que as defi nições das ações sejam pactuadas e repactuadas em conjunto. Ainda, é possível contar, ou não, com a ação direta do profi ssional do NASF. 146 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA O NASF não é um ambulatório de especialidades. Portanto, não se constitui como serviços com unidades físicas, e não é de livre acesso para o atendimento individual ou coletivo, ou seja, os profi ssionais não têm ligação direta com os usuários. Segundo Almeida (2016), a entrada do NASF na agenda da saúde brasileira foi favorecida por alguns fatores, como: experiências de inserção de equipes multiprofi ssionais na AB, em alguns Estados e municípios; cenário político benéfi co ao fortalecimento de políticas sociais, um movimento de distintas categorias profi ssionais de saúde contra o Projeto de Lei do Ato Médico; necessidade de ampliação do mercado de trabalho na área da saúde etc. Em 2007, o NASF integrou o plano “Mais Saúde”, o qual foi anunciado como um grande avanço para a melhoria das condições de saúde e de qualidade de vida dos brasileiros. Foram apresentadas 86 metas e 208 ações, com a previsão de fi nanciar o custeio de 1.500 NASF até o ano de 2011, uma meta ultrapassada, pois, no fi m desse mesmo ano, já existiam 1.609 NASF em todo o Brasil (BRASIL, 2007; 2011). Em 2010, uma nova modalidade de NASF (NASF 3) foi criada pela Portaria nº 2.843, com prioridade à atenção integral em saúde e em saúde mental aos usuários de crack, de álcool e de outras drogas. Foi, imposta na AB, em municípios com até 20 mil habitantes (BRASIL, 2010b), e revogada pela Portaria nº 2.488/11. Nesse mesmo ano, no de 2010, as Diretrizes do NASF foram publicadas no Caderno de Atenção Básica nº 27, o qual, também, apresenta as orientações para a construção dos processos de trabalho dos profi ssionais incorporados aos NASF (BRASIL, 2010a), um valoroso referencial para as equipes desempenharem as atividades. Entretanto, Tesser (2017) alerta que as diretrizes ministeriais acabam por gerar ambivalências e superposições entre eSF e NASF. Conforme o Caderno supracitado, as equipes NASF devem atuar em consonância com as diretrizes relativas à AB, ou seja, “ações interdisciplinar e intersetorial; educação permanente em saúde dos profi ssionais, e da população; desenvolvimento da noção de território; integralidade, participação social, educação popular; promoção da saúde e humanização” (BRASIL, 2010a, p. 7). 147 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 Na lógica apresentada, a integralidade é a diretriz primordial a ser desempenhada pelo NASF, concebida sob três dimensões: a prática (traduz- se na abordagem integral do usuário); a organizacional (é a integração das ações de promoção, de prevenção, de reabilitação e de cura, com a garantia do acesso às redes de atenção, segundo as necessidades da população); e a política (pertinente às respostas governamentais aos problemas de saúde e às necessidades de determinados grupos) (BRASIL, 2010a). Outro aspecto a ser apontado e que gera controvérsias é a assistência individualizada. Segundo o Caderno nº 27 (BRASIL, 2010a), o atendimento individualizado não é uma ação prioritária, devendo ocorrer, somente, em casos, extremamente, necessários, e procurando manter o vínculo com a eSF, a qual é a responsável por dar seguimento ao caso. Assim, os atendimentos individuais fazem parte das ações realizadas pelos profi ssionais do NASF, mas, ainda, não são entendidas como prioritárias. Em comemoração aos 10 anos do NASF, a Secretaria de Atenção Primária à Saúde desenvolveu uma série de vídeos. O vídeo 1 é relativo às diretrizes, e pode ser acessado em https://www. youtube.com/watch?v=WSwtHKx2xlg&list=PLaS1ddLFkyk-xRkL_ MfM9_-jKoiajAS8C. A atuação do NASF está dividida em nove áreas estratégicas, as quais não são remetidas à atuação específi ca e exclusiva de uma determinada categoria profi ssional: Saúde da criança/do adolescente/do jovem; Saúde mental; Reabilitação/saúde integral da pessoa idosa; Alimentação e nutrição; Serviço social; Saúde da mulher; Assistência farmacêutica; Atividade física/práticas corporais; e Práticas integrativas e complementares (BRASIL, 2010a). Quer ter acesso ao Caderno de Atenção Básica nº 27: Diretrizes do NASF? Acesse http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/ cadernos_ab/abcad27.pdf. 148 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Em 2011, por meio da Portaria nº 2.488, as categorias foram ampliadas, sendo acrescentados os seguintes profi ssionais: médico ginecologista/obstetra; médico geriatra; médico internista (clínica médica); médico do trabalho; médico veterinário; profi ssional com formação em educação e arte, ou seja, arte educador; e profi ssional de saúde sanitarista, graduado na área da saúde e com pós-graduação em Saúde Pública/Coletiva, ou graduado em uma dessas duas áreas (BRASIL, 2011). Em 2015, havia um total de 25.102 profi ssionais de saúde que trabalhavam no NASF, conforme o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). 22,4% deles eram fi sioterapeutas; 16,9%, psicólogos; e, 15%, nutricionistas (QUIRINO et al., 2019). Essa Portaria reiterou a atuação integrada entre as equipes do NASF e da ESF, propondo que o NASF, também, deveria apoiar os profi ssionais das eAB para populações específi cas, como o Consultório na Rua, equipes ribeirinhas e fl uviais e Academia da Saúde, a fi m de compartilhar saberes e práticas de saúde nos territórios, sob a responsabilidade dessas equipes. Enfatiza-se que, inicialmente, somente os municípios que possuíam, no mínimo, três equipes de Saúde da Família, podiam implantar o NASF, sendo que, com a publicação da Portaria nº 3.124/2012, foi universalizado para todas as cidades brasileiras, inclusive, para aquelas que possuíam uma única eSF. Tal Portaria, também, recriou a modalidade NASF 3, a qual deveria estar vinculada uma (mínimo) ou duas (máximo) eSF e/ou eAB para populações específi cas (consultórios na rua, equipes ribeirinhas e fl uviais), agregando-se, de modo específi co, ao processo de trabalho, como uma equipe ampliada (BRASIL, 2012). Dessa forma, segue um resumo das modalidades. Acompanhe! 149 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 FIGURA 2 – RESUMO DAS MODALIDADES DO NASF FONTE: Adaptada de Brasil (2017) Obs.: Revogada pela Portaria n° 2.979/19, a qual será abordada mais adiante. De acordo com a diretriz ministerial, a composição das equipes NASF deve ser estabelecida pelo gestor municipal, em consulta às eSF/eAB, conforme as necessidades constatadas no território, o perfi l epidemiológico e as condições socioeconômicas da população, a fi m de priorizar os profi ssionais que mais se enquadrem para o desenvolvimento das ações de promoção, de prevenção e de reabilitação (BRASIL, 2010a; 2014; 2017). Ressalta-se que cada equipe do NASF tem características próprias, com variações, conforme o funcionamento dasESF de cada município. A criação do NASF alterou a dinâmica de trabalho nas unidades de saúde, trazendo um novo formato de atuação, pautado em uma integração dialógica. Assim, rompeu-se com a hierarquização tradicional, uma vez que prima pelo compartilhamento de saberes e de práticas, com a geração de questionamentos, de expectativas e de objeções, tendo em vista que as eSF não foram indagadas se queriam receber tal apoio. Outra questão importante a ser apontada é que as equipes NASF, além das eSF e das eAB, podem participar do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica (PMAQ-AB), desde que o município tenha aderido a ele. A primeira avaliação que o NASF passou, por meio do PMAQ-AB, foi em 2013. As equipes foram classifi cadas e certifi cadas em quatro categorias (insatisfatório; mediano ou abaixo da média; acima da média; muito acima da média), de acordo 150 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA com o desempenho delas. As que tinham melhores desempenhos poderiam, até mesmo, duplicar o valor recebido, enquanto as classifi cadas como insatisfatórias seriam desclassifi cadas do Programa (BRASIL, 2013b). No que concerne aos resultados dessa avaliação (2º ciclo), foram decepcionantes, pois, das 1.813 equipes NASF avaliadas (78,5% do número total), somente 285 delas (15,7%) foram classifi cadas com desempenho muito acima da média; 884 (48,8%), com desempenho mediano ou abaixo da média; e, 40 (2,2%), desclassifi cadas (BRASIL, 2015), demonstrando que muito, ainda, precisava ser realizado para melhorar a qualidade dessas equipes. Já no 3º ciclo, homologado pela Portaria nº 1.658, de 12 de setembro de 2016, esse número aumentou para 4.110 equipes NASF-AB (BRASIL, 2018a), representando 91,2% do total (acréscimo de 226,47% se comparado ao 2º ciclo). A avaliação externa foi realizada em 2018 (2º semestre), com publicação de duas listas de certifi cação: Portaria nº 2.777/2018: https://www.in.gov.br/ materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/39731589/do1- 2018-09-05-portaria-n-2-777-de-4-de-setembro-de-2018-39731428; e Portaria nº 874/2019: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria- n%C2%BA-874-de-10-de-maio-de-2019-108883717. FONTE: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/ prt1658_12_09_2016.html>. Acesso em: 24 abr. 2021. Em 2014, foi lançado o Caderno de Atenção Básica nº 39 - Núcleo de Apoio à Saúde da Família. v. 1: Ferramentas para a gestão e para o trabalho cotidiano. Aborda a implantação, com a apresentação de algumas ferramentas a utilizar, incluindo o uso da informação para a qualifi cação das ações do NASF (BRASIL, 2014). Esse Caderno traz ferramentas mais concretas, visando auxiliar os trabalhadores e os gestores na operacionalização rotineira do NASF. O Caderno nº 39 está disponível em http://189.28.128.100/dab/ docs/portaldab/publicacoes/ caderno_39.pdf. 151 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 Como vimos, o Ministério da Saúde fundamenta a proposta do NASF por meio de um arcabouço teórico, composto por diretrizes e por dispositivos legais que servirão para a construção, a organização e a operacionalização do processo de trabalho dos profi ssionais envolvidos, e para apoiar a gestão. Após nove anos de existência do NASF, a 3ª edição da PNAB (2017) alterou a nomenclatura para “Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica – NASF-AB”, ou seja, substituiu a dimensão do apoio pela dimensão da ampliação, e expandiu o escopo de atuação das equipes multiprofi ssionais, as quais podem complementar as eSF e outras equipes de AB (BRASIL, 2017). FIGURA 3 – ALTERAÇÃO DE NASF PARA NASF-AB FONTE: <https://conexaoto.com.br/2014/03/31/semus-implanta-nucleo-de- apoio-a-saude-da-familia>; <http://sejaresidentepsi.blogspot.com/2018/02/ mudancas-na-politica-de-atencao-basica.html>; <https://atencaobasica. saude.rs.gov.br/upload/arquivos/201811/01161304-material-de-apoio-para- o-processo-de-trabalho-dos-nasf-ab.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021. A mudança de nome gera questionamentos e dúvidas que abarcaram o motivo de se retirar a palavra “apoio”, relacionada ao termo apoio matricial. Seria uma tentativa de esmorecer a importância do apoio matricial? Essa alteração abriria brechas para que houvesse um retrocesso na integralidade do cuidado à saúde do usuário? Apesar de ter ocorrido a modifi cação do nome, as diretrizes do trabalho permanecem as mesmas, e, de acordo com a Política Nacional de Atenção Básica/2017, o NASF-AB: 152 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Constitui uma equipe multiprofi ssional e interdisciplinar composta por categorias de profi ssionais da saúde, complementar às equipes que atuam na Atenção Básica. É formada por diferentes ocupações (profi ssões e especialidades) da área da saúde, atuando, de maneira integrada, para dar suporte (clínico, sanitário e pedagógico) aos profi ssionais das equipes de Saúde da Família (eSF) e de Atenção Básica (eAB) (BRASIL, 2017, p. 17). Como demonstrado, a PNAB/2017 ampliou a abrangência do NASF para além da ESF, mas, também, tornou-o mais ambíguo, o que pode favorecer as práticas assistencialistas tradicionais e o prenúncio da completa erradicação. Desde a implantação, o NASF, como equipe de apoio, vem passando por ajustes e por algumas mudanças, a fi m de ampliar o acesso, de desenvolver ações mais próximas às comunidades, e de se qualifi car, de acordo com a demanda e as necessidades territoriais. O NASF, quando criado, poderia apoiar até 20 eSF (modalidade 1), sendo que, após as três alterações (Portarias nº 2.488/11, 3.124/12 e 2.436/17), o NASF 1 apoia até 9 eSF, ampliadas as ações, também, para as eAB. Reitera-se que o trabalho do NASF é guiado pelas diretrizes da AB, com apoio às eAB, visando à ampliação e ao aperfeiçoamento da gestão e da atenção em saúde. Ainda, há a priorização da construção de redes de atenção, o que garante o cuidado integral à população. Entretanto, Tesser (2017) é partidário de que as diretrizes ministeriais acabam por gerar ambiguidades e superposições entre as eSF e as equipes NASF. É válido, também, mencionar, que a literatura científi ca demonstra uma diversidade de modelos de NASF-AB, o que permite categorizar as equipes em três tipos de confi gurações, de acordo com Nascimento (2014): 1) aquela que mais se aproxima do modelo preconizado pelo Ministério da Saúde, ou seja, do NASF equipe matricial, com ações assistenciais e técnico-pedagógicas; 2) intitulada de equipe semimatricial, refl etindo tomadas assistenciais e técnico- pedagógicas, mas com priorização do atendimento ambulatorial; e 3) denominada de equipe NASF assistencial-curativista, com distanciamento marcante do objetivo do NASF a partir do predomínio do apoio somente como uma forma de acesso aos profi ssionais especialistas. Cabe enfatizar que as causas das variações dos modelos de NASF são múltiplas. Podem perpassar pela formação dos profi ssionais envolvidos, pelo arranjo das práticas elegidas pela gestão municipal e por determinações políticas, econômicas e ideológicas. 153 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 Para encerrarmos esta parte, segue um resumo com as principais características e as alterações referentes ao Núcleo nas PNAB 2011 e 2017. Logo após, haverá uma tabela com o histórico quantitativo de NASF-AB nos anos de 2010 e de 2018. QUADRO 1 – PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS E ALTERAÇÕES OCORRIDAS NO NASF-AB: PNAB 2011 x PNAB 2017 PNAB 2011 PNAB 2017 Nomenclatura: Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Nomenclatura: Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB). NASF vinculado, apenas, à eSF. NASF-AB vinculado à eSF e à eAB. Três modalidades. Três modalidades. 19 profi ssões/ocupações. 19 profi ssões/ocupações. Descrição do processo de trabalho. Sem descrição do processo de trabalho. Disci- plinado no Caderno de AtençãoBásica nº 39 e normativas específi cas. Defi nidos os valores de implantação e de custeio. Normatização dos valores de implantação e de custeio em portarias específi cas. Parâmetros de vinculação: NASF 1 (5-9 eSF); NASF 2 (3-4 eSF); NASF 3 (1-2 eSF). Parâmetros de vinculação mantidos: NASF 1(5-9 eSF/eAB); NASF 2 (3-4 eSF/eAB); NASF 3 (1-2 eSF/eAB). FONTE: A autora TABELA 1 – EVOLUÇÃO DO QUANTITATIVO DE NASF-AB - 2010 E 2018 PERÍODO POPULAÇÃO NASF-AB 1 NASF-AB 2 NASF-AB 3 2010 191.575.774 1.186 131 0 2018 206.114.067 3.275 1.011 1.231 FONTE: Adaptada de Portal e-Gestor (BRASIL, 2021b) Salienta-se que os dados referentes ao NASF, no Portal e-Gestor, estão disponibilizados desde setembro de 2010, incluindo os dados da tabela, referentes aos Núcleos implantados com o fi nanciamento do Ministério da Saúde. Com base no exposto, constata-se que, em 2010, havia um total de 1.317 NASF. Já em 2018, passou para 5.527, um signifi cativo avanço dos Núcleos no país. Você saberia responder, de imediato, o que é o apoio matricial? Pois bem, esse será o tema da nossa próxima seção, mas antes, que tal fazer as atividades de estudo? 154 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Com base no que foi visto nesta primeira parte, responda às questões a seguir: 1 - Os Núcleos de Ampliação à Saúde da Família (NASF-AB) são equipes multiprofi ssionais que atuam de maneira integrada. Quais são os profi ssionais que os compõem? 2 - Os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) foram criados em 2008, pelo Ministério da Saúde, com o objetivo de apoiar a Estratégia Saúde da Família. Cite uma característica do NASF. 3 - O NASF-AB traz uma nova forma de atuação, pautada em uma integração dialógica, com o compartilhamento de saberes e de práticas. Qual é a principal diretriz do NASF e como pode ser concebida? 3 APOIO MATRICIAL E INTEGRAÇÃO ENTRE ESF E NASF-AB Antes de adentrarmos, especifi camente, no apoio matricial, faz-se necessário reiterar que a fi nalidade do NASF-AB é apoiar as eSF nos territórios sob sua responsabilidade, por meio dos apoios assistencial e técnico-pedagógico, guiada pelo conceito do apoio matricial, oferecendo uma retaguarda especializada aos profi ssionais das ESF mediante o compartilhamento de saberes, de práticas e a articulação das ações (BRASIL, 2014). O apoio matricial em saúde (conhecido, na prática, como matriciamento) é uma estratégia de cogestão para a organização dos trabalhos em rede e interprofi ssional, também, denominado de metodologia de trabalho ou ferramenta tecnológica. Pretende propiciar uma retaguarda especializada, de forma assistencial, e, por meio de suporte técnico-pedagógico, às equipes de referência (CAMPOS; DOMITTI, 2007; CAMPOS, 2000). O Caderno nº 27 (BRASIL, 2010a, p. 12) esclarece que o “apoio matricial será formado por um conjunto de profi ssionais que não têm, necessariamente, relação direta e cotidiana com o usuário, mas cujas tarefas serão as de prestar apoio às equipes de referência (equipes de SF)”. 155 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 Com relação à equipe de referência, esse mesmo Caderno informa o seguinte: A proposta de equipe de referência (equipe de SF), na APS, parte do pressuposto de que existe interdependência entre os profi ssionais. Prioriza a construção de objetivos comuns em um time, com uma clientela adscrita bem defi nida. Assim, uma das funções importantes da coordenação (gerência) de uma equipe de referência é, justamente, produzir interação positiva entre os profi ssionais em busca das fi nalidades comuns. Apesar das diferenças entre eles, é possível não as eliminar, mas aproveitar a riqueza que elas proporcionam (BRASIL, 2010a, p. 11-12). Portanto, a equipe de referência e o apoio matricial são metodologias que têm, como objetivo, organizar o processo de trabalho, a fi m de apresentar novas possibilidades de se realizar um cuidado à saúde mais ampliado, por meio da garantia de espaços de diálogo e das trocas de saberes entre distintas categorias profi ssionais. De forma resumida, podemos dizer que a equipe de referência é a eSF, um padrão de saúde para a população adscrita, e o apoio matricial são os profi ssionais que auxiliam o trabalho da ESF. Quer conhecer mais a respeito da equipe de referência e do apoio matricial? É só acessar HumanizaSUS: Equipe de Referência e Apoio Matricial, disponível em https://bvsms.saude.gov.br/ bvs/ publicacoes/equipe_referencia.pdf. É preciso acentuar que os conceitos de apoio matricial (no caso, equipes NASF) e de equipe de referência (no caso, eSF/eAB) foram propostos pelo autor Gastão W. S. Campos, e aplicados, na prática, em serviços de saúde mental, de AB e hospitalar do SUS. Nessa direção, o apoio matricial e a equipe de referência são arranjos organizacionais e uma metodologia para a gestão do trabalho em saúde, com o objetivo de expandir a viabilidade de se realizarem a clínica ampliada e a integração dialógica entre diferentes especialidades e profi ssões (CAMPOS; DOMITTI, 2007; CUNHA; CAMPOS, 2011). Nessa dimensão, o arranjo do apoio matricial nos convida a repensar no processo saúde/doença biologicista, propondo a clínica ampliada como 156 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA orientadora das práticas em saúde e modelo de trabalho colaborativo entre a equipe de referência e as equipes do NASF. De acordo com Campos (2000), o termo "apoio", extraído do método Paideia, o qual concebe o apoiador institucional, propõe uma metodologia para ordenar uma relação entre referência e especialista, tomando, como base, os conceitos dialógicos, e não mais fundados na autoridade. Já o termo "matricial" visa anular o princípio da hierarquização, com a indicação de uma alteração drástica de posição do especialista em relação ao profi ssional que necessita do apoio dele, a partir de uma relação horizontalizada (CASTRO; CAMPOS, 2016). O matriciamento enaltece a interdisciplinaridade, a interação entre os profi ssionais das equipes, o diálogo, o atendimento compartilhado e a concepção ampliada do processo saúde/doença, apresentando-se como um recurso para a organização do trabalho em saúde na AB, e com um dispositivo estratégico para melhorar a qualidade e para aumentar a resolutividade das intervenções em saúde (CAMPOS, 2000; CAMPOS; DOMITTI, 2007; BRASIL, 2014). Nessa acepção, as bases para o apoio matricial são conformadas pela responsabilização, pelo compromisso entre as equipes e os profi ssionais especialistas apoiadores, pela decisão compartilhada e pelos mecanismos de diálogo, segundo Castro e Campos (2016). Na prática, o apoio matricial ocorre por meio de profi ssionais com outros núcleos de saberes, os quais compõem as equipes e que contribuirão para a ampliação do escopo das ações ofertadas e a articulação com outros pontos de atenção da rede, o que, consequentemente, auxiliará na garantia da continuidade do cuidado aos usuários (BRASIL, 2014). Ressalta-se que o apoio matricial não é uma prerrogativa exclusiva do NASF, haja vista que profi ssionais de outros pontos de atenção da rede podem fazê-lo, como é o caso dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) (BRASIL, 2014). Cunha e Campos (2011) relatam que o apoio matricial utiliza os conceitos de núcleo e de campo, complementa a metodologia de trabalho prevista em sistemas hierarquizados (mecanismos de referência e de contrarreferência, protocolos e centros de regulação), e depende da ampliação dos locais nos quais se realiza 157 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 a atenção especializada, da relação entre as equipes de saúde envolvidas e da ideação compartilhada de diretrizes sanitárias e clínicas entre os especialistas que propiciam o matriciamento e os integrantes da equipe de referência. Ademais, preconiza que a lógica de encaminhamentos indiscriminados seja alteradapara uma lógica de corresponsabilidade territorial, visando a uma grande resolutividade, de forma dinâmica e interativa. A proposta para o desenvolvimento das ações do NASF está fundamentada no processo de trabalho, por meio do apoio matricial, o qual está embasado pelo referencial teórico-metodológico, o que inclui aspectos clínico-assistenciais (ação clínica específi ca direta com o usuário, de forma individual e/ou coletiva) e técnico- pedagógicos (ação de apoio educativo com e para as eSF e as eAB (CAMPOS; DOMITTI, 2007; BRASIL, 2010b). Na dimensão técnico-pedagógica, estão inseridas ações conjuntas entre os profi ssionais que compõem o NASF e as equipes vinculadas, as quais devem considerar as necessidades dos usuários, das famílias ou da comunidade em questão, como reuniões de matriciamento, discussão de temas, ações coletivas compartilhadas, atividades compartilhadas no território, dentre outras. Já as intervenções concernentes à dimensão assistencial estão voltadas às ações diretas dos profi ssionais do NASF com os usuários, ou seja, a atividades coletivas específi cas de cada classe profi ssional ou a atendimentos individualizados (BRASIL, 2014). Cabe mencionar que a predominância da dimensão assistencial em relação ao apoio técnico-pedagógico é um obstáculo, indicando que a lógica de atenção, até então, está centrada na doença e no modelo curativo, forçando o NASF a trabalhar com uma lógica ambulatorial. Nesse sentido, a própria população cria uma expectativa de ser atendida de forma individual; a eAB espera que o NASF dê, unicamente, um suporte para os atendimentos clínicos; a gestão cobra, dos profi ssionais, uma produção quantitativa de atendimentos; e alguns profi ssionais que trabalham no NASF têm difi culdades de ampliar os próprios horizontes de atuação para além das ações inerentes ao núcleo de conhecimento (BRASIL, 2014). Para que a prática de apoio matricial ocorra, é fundamental o entrosamento das eSF/eAB e do NASF-AB. No entanto, o que se observa, no dia a dia, é a falta de articulação entre as equipes, além da necessidade de superar a lógica segmentada da saúde para a construção de redes de atenção e de cuidado. É de suma importância a desconstrução do saber disciplinar fragmentado, o qual, ainda, impera em algumas equipes. 158 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA O sucesso do processo de matriciamento dependerá de mudanças nas relações entre a equipe de referência (eSF/eAB) e a equipe de NASF-AB. Deverão substituir as hierarquizações da administração clássica por relações horizontalizadas e dialógicas, pautadas na permuta de saberes, na capacitação e nas responsabilidades bilaterais. Gera-se, dessa maneira, experiência para todos os colaboradores envolvidos (CAMPOS; DOMITTI, 2007; BRASIL, 2014). Diversos estudos têm demonstrado que, ainda, são identifi cadas distintas formas de implantação e de operacionalização do NASF, e não há total clareza, por parte dos profi ssionais envolvidos, quanto ao modo de operar o apoio matricial, ou seja, o matriciamento permanece não sendo assimilado de maneira satisfatória em um cenário de expectativas controversas, permeado por dubiedade. O Caderno nº 39 (BRASIL, 2014) estabelece algumas ferramentas de trabalho para que o apoio matricial seja colocado em prática, como o trabalho em grupo; o atendimento, o qual pode ser dividido em três modalidades: atendimento domiciliar compartilhado; atendimento individual compartilhado e atendimento individual específi co (também, denominado de interconsultas); o genograma; e o ecomapa, esses dois últimos já mencionados no Capítulo 2. Todavia, a utilização de tais ferramentas tecnológicas, ainda, não é parte do objeto do apoio matricial para muitas equipes do NASF, conforme nos revelam diversos estudos. As práticas de grupos são uma das estratégias utilizadas para o desenvolvimento das ações multiprofi ssionais, as quais estão em conformidade com as diretrizes e os princípios do SUS, pois permitem a participação da comunidade, de acordo com as necessidades dela, a variabilidade de crenças e de costumes, tornando-se uma importante ferramenta de democratização do acesso, de manutenção da saúde e de inserção social do usuário, o que gera a qualidade de vida do indivíduo e dos familiares dele, repercutindo nos entornos social e laboral (RASERA; ROCHA, 2010). O atendimento domiciliar compartilhado está relacionado ao atendimento a um sujeito ou a uma família, na própria residência, em decorrência de estar acamado e/ou domiciliado, contando com a presença de um profi ssional da eSF/ eAB e de, pelo menos, um do NASF-AB. Com exemplo: atendimento a uma pessoa restrita ao leito realizado pelo médico e pelo nutricionista. Com relação ao atendimento individual compartilhado, como o próprio nome já diz, é realizado em conjunto, com um profi ssional da eSF/eAB e com, pelo menos, um do NASF, uma das intervenções mais frequentes na rotina de trabalho (BRASIL, 2014). Como exemplo, podemos citar o atendimento a um idoso, realizado conjuntamente, entre a enfermeira e o fi sioterapeuta. 159 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 Já o atendimento individual específi co pode ocorrer dependendo da conformação da rede do município, quando houver necessidade. Esse tipo de atendimento não é inviabilizado pela lógica do apoio matricial (BRASIL, 2014). De acordo com a PNAB 2017, compete, às equipes do NASF-AB, dentre outras atribuições, realizarem atendimento individual, interconsulta, atendimento compartilhado, discussão de casos, educação permanente, ações de prevenção e de promoção da saúde, construção conjunta de projetos terapêuticos, debate em torno do processo de trabalho das equipes, intervenções no território e na saúde de grupos populacionais de todos os ciclos de vida e da coletividade, ações intersetoriais, dentre outras (BRASIL, 2017; 2018b). Assim, o apoio matricial não pode ser caracterizado, apenas, pela escolha de uma ação isolada, uma vez que envolve diversas intervenções, as quais devem ser articuladas, de forma a responderem às necessidades dos territórios, dos usuários e das equipes. O apoio matricial pode ser considerado, também, uma forma de educação permanente, à medida que os profi ssionais, com formações distintas, ampliam a comunicação entre si ao conduzir, de forma compartilhada, os casos (CASTRO; CAMPOS, 2016). É oportuno destacar que as práticas de Educação Permanente em Saúde (EPS) constam, no Caderno de Atenção Básica nº 27 e no nº 39, como disposições do trabalho do NASF. Nesse contexto, a EPS, no âmbito do NASF-AB, deve qualifi car os profi ssionais do NASF-AB e da ESF/AB por meio da problematização do processo de trabalho e das defi ciências de formação, pautadas pelas demandas. Por que o apoio matricial? Respondendo ao questionamento anterior, de acordo com Brasil (2018b), podemos dizer que o apoio matricial auxilia a equipe a encontrar novas alternativas para além dos encaminhamentos e dos procedimentos burocratizados; produz ganhos para o matriciador e para o matriciado; estabelece relações horizontais entre os serviços, com compartilhamento e negociação das estratégias de cuidado; supera a lógica do simples encaminhamento da referência e da contrarreferência entre a AB e os serviços especializados; e contribui para o acompanhamento longitudinal. 160 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Para entender melhor o tema do apoio matricial como estratégia de compartilhamento do trabalho em equipe, você poderá assistir ao vídeo que engloba o Nasf/Apoio Matricial, por Gastão Wagner Campos, disponível em https://www.youtube.com/ watch?v=4Hl3KMGwyIE. Conforme Castro e Campos (2016), a proposta do trabalho em saúde, pautada no apoio matricial, é inovadora para a transformação das relações interprofi ssionais e do modelo assistencial. Contudo, ainda, requer a superaçãode alguns impasses de diversas ordens, em especial, estruturais, técnicos e políticos, para o alcance dos objetivos. A prática matricial tenciona mudanças nas relações de poder. Exercita a interdisciplinaridade, propõe o apoio educativo às eSF/eAB, e cria e fortalece os vínculos com os usuários, com o território e entre as equipes. Em contrapartida, apresenta entraves, como a grande demanda por cuidado da saúde; a resistência, por parte das eSF, em compartilharem os casos, e do NASF, em prestar assistência específi ca, com ações mais generalistas ou o oposto, tornando-se um ambulatório; as metas distintas entre as equipes; os entendimentos diferentes a respeito da execução do apoio matricial; a falta de especialistas na AB e nos serviços de retaguarda, dentre outros (TESSER, 2017; KLEIN; D´OLIVEIRA, 2017). Assim, o apoio matricial é permeado pela intersubjetividade, uma vez que leva em conta a formação e como o profi ssional pensa no cuidado em saúde. Sugerimos a leitura do artigo Núcleos de Apoio à Saúde da Família, Seus Potenciais e Entraves: Uma Interpretação a partir da Atenção Primária à Saúde, disponível em https://www.scielo.br/j/ icse/a/zBhWdfDtYq67F3874K6KY8F/?format=pdf&lang=pt. 161 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 3.1 RELAÇÃO ENTRE NASF-AB E ESF/ EAB Como vimos anteriormente, o apoio matricial norteia o processo de trabalho do NASF-AB. Defi ne os papéis deste e das demais equipes envolvidas, seguindo recomendações do Ministério da Saúde. O NASF-AB tem, como função, apoiar as equipes na análise, no planejamento de ações oportunas e na realização de intervenções assistenciais com os usuários, por meio de atendimentos individuais ou em grupo (BRASIL, 2014). As equipes de profi ssionais do NASF, com diferentes especialidades, são organizadas de forma interdisciplinar e intersetorial, e têm o objetivo de oferecer suporte às eSF e às eAB, de forma horizontal e com uma parceria colaborativa, a fi m de remodelar e de reorientar o modelo de atenção à saúde e de gestão, ampliando o escopo de olhares e de ações. A interação entre as equipes do NASF e a eSF traz potencialidades e desafi os, uma vez que a implantação do NASF foi realizada sem que houvesse a revisão dos documentos norteadores das eSF, gerando algumas incongruências, como as diferentes exigências de produtividade ou tensões entre a lógica da colaboração e a da profi ssional tradicional, ou, ainda, a diferença de expectativas entre as equipes, conforme diversos autores apontam. Outro ponto que merece destaque é que a integração das equipes não requer que todos os profi ssionais estejam todo o tempo juntos, ainda que sejam necessários momentos de encontro dos envolvidos. Assim, o diálogo interdisciplinar e as práticas colaborativas devem ser as bases para a integração entre as equipes de AB e o NASF, procurando o desenvolvimento de uma postura proativa para atuar em uma lógica diferenciada daquela pautada no encaminhamento do usuário, tradicionalmente, instituída nos serviços de saúde. Vale reforçar que essa atitude precisa ser tomada pelos profi ssionais que compõem o NASF e por aqueles que conformam as equipes de AB, sendo necessárias permeabilidade e disposição para o trabalho (BRASIL, 2014, p. 67). Você deve estar se perguntando: como podem ser pensadas ações colaborativas em conjunto, entre eSF/eAB e NASF-AB? A atuação integrada entre NASF-AB e eSF/eAB pode ocorrer de diversas formas. Como exemplo, podemos citar a seguinte situação: O ACS relata, à equipe, que, ao visitar uma idosa na casa dela, preocupou-se com o desânimo, 162 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA a apatia e a repentina perda de peso, solicitando uma intervenção. Assim, a eSF se reúne com a psicóloga e a nutricionista (profi ssionais do NASF-AB) para discutir o caso, e sendo sugerida a realização dos atendimentos psicológico e nutricional, além da oferta de atividades de convivência como trabalhos manuais, por exemplo. Ficou determinado que a enfermeira, por ter um vínculo mais forte com a idosa, seria a profi ssional de referência para discutir, com a usuária, as ações a serem desenvolvidas. Dessa forma, foi agendada uma visita domiciliar para discutir e para pactuar as ações, tendo, como desfecho, a concordância por parte da idosa, sendo, estas, desenvolvidas, registradas, debatidas, monitoradas e avaliadas pelas equipes, no decorrer do tempo. A boa articulação entre o NASF-AB e a eSF/eAB é primordial para a efetivação do trabalho colaborativo, para que se estabeleça a lógica da cooperação interprofi ssional na rotina laboral. Sem embargo, é essencial que os trabalhadores estejam abertos a novos processos de trabalho horizontalizados e colaborativos, comprometidos com as necessidades dos usuários. 3.2 NASF-AB E PROCESSO DE TRABALHO Sabemos que as fi nalidades do trabalho desenvolvido pelo NASF-AB são variadas e dependentes do perfi l da gestão das equipes, e existem inúmeros modelos de processos de trabalho e distintas formas de responder às demandas, o que confere caráter singular a cada núcleo. O processo de organização do trabalho do NASF-AB é norteado, principalmente, pela lógica do apoio matricial, pela clínica ampliada, pela cogestão e por algumas outras ferramentas/instrumentos, como o projeto terapêutico e as intervenções no território, os quais são apresentados e recomendados no Caderno de Atenção Básica NASF-AB nº 27. Ainda, há outras ferramentas para o trabalho integrado entre NASF-AB e equipes vinculadas, elencadas no Caderno de Atenção Básica nº 39 (BRASIL, 2010a; 2014). A PNAB/2017 orienta que o trabalho do NASF-AB seja realizado de forma horizontal e interdisciplinar: Deve estabelecer o processo de trabalho a partir de problemas, de demandas, de necessidades de saúde e de grupos sociais nos territórios, e a partir de difi culdades dos profi ssionais de todos os tipos de equipes que atuam na Atenção Básica, a partir das análises e dos manejos. Para tanto, faz-se necessário o compartilhamento de saberes, de práticas intersetoriais 163 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 e de gestão do cuidado em rede, incluindo a realização de educação permanente e a gestão de coletivos nos territórios, sob responsabilidade dessas equipes (BRASIL, 2017, p. 14). Como ocorre a organização do trabalho integrado entre NASF-AB e eSF/ eAB? Primeiramente, é de fundamental importância o compartilhamento de saberes e de práticas, como já visto, incluindo o apoio matricial, para que o processo de trabalho do NASF-AB seja organizado no sentido integrado, colaborativo, e pautado na corresponsabilização com as eSF/eAB. Nessa acepção, o Caderno de Atenção Básica nº 39 - NASF sugere que sejam realizadas reuniões de matriciamento, atividades coletivas compartilhadas, e discussões por meio de rodas de conversa, por exemplo, entre os profi ssionais que compõem o NASF-AB e as eSF/eAB vinculadas (BRASIL, 2014). As reuniões de matriciamento devem ser realizadas de forma periódica (mínimo, mensalmente) entre os profi ssionais do NASF-AB e a eSF vinculada, para discussão de casos e de temas, pactuação de ações, avaliação de resultados e repactuação de novas estratégias para o cuidado. Portanto, a partir dessas reuniões, as ações conjuntas serão defi nidas, e, as ações específi cas, desenvolvidas pelos profi ssionais do NASF (BRASIL, 2014). Salienta-se que essas reuniões são espaços ideais para as trocas de saberes, as discussões de casos e as construções compartilhadas, e não somente um momento para que a eSF/eAB repasse os casos para os profi ssionais do NASF- AB. As atividades coletivas compartilhadas podem ser realizadas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e em outros locais, dentro do território. É preciso contar com a participação da eSF/eAB e de profi ssionais do NASF-AB, com coordenação síncrona (profi ssional do NASF-AB e profi ssional daeSF) e/ou com a coordenação do NASF-AB ou da eSF (BRASIL, 2014). Já a roda de conversa é uma forma democrática que oportuniza, a cada participante, expressar os próprios saberes, conhecimentos, experiências e pensamentos, o que facilita o aprofundamento de determinado tema e contribui para a defi nição de ações, por meio de um consenso. Também, é importante ressaltar que, ao organizar a agenda de atividades, o profi ssional do NASF-AB deve focar no território específi co sob a responsabilidade dele, realizar ações interdisciplinares e incluir momentos de apoio para desenvolver atividades com cada uma das eSF/eAB vinculadas. 164 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA O Caderno de Atenção Básica nº 39 traz algumas recomendações para a elaboração da agenda, as quais podem ser acessadas em http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/caderno_39.pdf. Reitera-se que o processo de trabalho, entre NASF e eSF/eAB, constitui-se a partir de ações compartilhadas entre as equipes, e, para a realização dessas ações, são utilizadas estratégias, como o Projeto Terapêutico Singular (PTS), o Projeto de Saúde no Território (PST), a pactuação de apoio, além do apoio matricial, que se destaca como a principal ferramenta usada pelo NASF-AB, além da clínica ampliada, já citada (BRASIL, 2010a; 2014). O Projeto Terapêutico Singular (PTS) se confi gura por ser “um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas para um sujeito individual ou coletivo, resultado de discussão coletiva de uma equipe interdisciplinar, que pode ser apoiada pela equipe NASF”. É utilizado para situações mais complexas, e desenvolvido em quatro momentos (diagnóstico e análise; defi nições de ações e de metas; divisão de responsabilidades; e reavaliação) (BRASIL, 2014, p. 73-74). O PTS é um dispositivo que leva em consideração a historicidade do indivíduo, valorizando-a, e possibilita a integração entre a equipe e o usuário, com a corresponsabilidade e a autonomia do indivíduo durante o processo saúde/ doença, além de ampliar o olhar sobre os casos encontrados à luz dos distintos saberes e profi ssionais, a fi m de solucionar o problema encontrado. No que se refere ao Projeto de Saúde no Território (PST), “este funciona como catalizador de ações locais para a melhoria da qualidade de vida e para a redução das vulnerabilidades em um território determinado. O Projeto de Saúde no Território busca estabelecer redes de cogestão e corresponsabilidade, instaurando um processo de cooperação, de parceria entre os diversos atores sociais do território” (BRASIL, 2010a, p. 30). O PST é uma estratégia que deve ser compartilhada entre as equipes envolvidas, baseada em ações de produção da saúde em um determinado território, por meio da identifi cação de uma área e/ou situação de risco, voltada para a produção de saúde mais integral. A pactuação de apoio pode ser delimitada em duas atividades: avaliação conjunta, da situação inicial do território, entre os gestores, as equipes de SF e 165 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 o Conselho de Saúde (espaço e análise, discussão e negociação para defi nir os profi ssionais integrantes da equipe NASF); e pactuação do desenvolvimento do processo de trabalho e das metas, entre os gestores, a equipe do NASF, a equipe de SF e a participação social (BRASIL, 2010a). Salienta-se que é uma ferramenta de cogestão, coordenada pela gestão de saúde e que deve estar em constante construção. Faz-se necessário reiterar que a clínica ampliada é outra ferramenta tecnológica potente e resolutiva. Deve ser utilizada no cotidiano do NASF, a qual estimula práticas baseadas no compartilhamento de saberes, de experiências, de condutas e de procedimentos (BRASIL, 2010a). Nesse sentido, ela visa integrar e articular as diversas disciplinas existentes, sem desvalorizar nenhuma abordagem disciplinar, com os intuitos de potencializar uma prática em saúde mais complexa e de minimizar a fragmentação do processo de trabalho. Essas ferramentas/estratégias conferem o caráter inovador do processo de trabalho do NASF-AB, e reafi rmam a importância dele para a AB e para o SUS. Todavia, é preciso se lembrar de que a defi nição das ferramentas utilizadas, ou das ações desenvolvidas, necessita estar relacionada às necessidades dos usuários ou da comunidade atendida, considerando as possibilidades de atuação dos profi ssionais do NASF-AB e das eSF/eAB envolvidos. Que tal ampliar o seu conhecimento? Para isso, sugerimos o artigo Análise Documental sobre as Normativas do Trabalho no Núcleo Ampliado de Saúde da Família, publicado em 2019: https://www. scielo.br/j/pcp/a/vQ5cgsBLngpvhhWBqvyrNLh/?lang=pt&format=pdf. Diversos estudos têm demonstrado a existência de descompasso do trabalho realizado em relação ao trabalho prescrito, ao se analisarem a organização e a gestão do processo de trabalho do NASF-AB. Souza e Medina (2018) constataram que os processos de trabalho entre o NASF-AB e as eSF estão desarticulados e fragmentados, erigidos em um contexto biomédico, centrados na clínica, com a priorização à atenção individual e à medicalização das doenças, secundarizando a promoção da saúde e voltados para o modelo hegemônico. Portanto, relatam que há a necessidade de que o processo de trabalho seja requalifi cado, a fi m de torná-lo mais integrado, e 166 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA enfatizam que os profi ssionais do NASF-AB e os gestores não podem delegar a responsabilidade pela integração, somente, às eSF. A organização do processo de trabalho do NASF oscila, e apresenta certa crise de identidade, à medida que, nas ações individuais, há certa tendência a se manter o específi co núcleo de conhecimento e de domínio técnico do profi ssional, mas que, muitas vezes, reincide nos paradigmas tradicionais. Já nas atividades coletivas, existe a presença do nivelamento da diversidade em um nível de generalidade, sem que haja a exploração dos potenciais técnico-científi cos dos integrantes da equipe, o que pode gerar a impressão de desperdício. Outrossim, existem antagonismos no que se refere à operacionalização do trabalho, pois, de um lado, estão os que pensam no NASF como um suporte às eSF/eAB, e, de outro, os que pensam nele funcionando como um ambulatório de especialidades, propício a gerar embates cotidianos, a infl uenciar a relação entre eSF e a equipe NASF. O processo de trabalho dos NASF-AB apresenta evidências de difi culdades, as quais são constatadas nas diferentes regiões e nos Estados do país. Dentre os vários fatores que desafi am e obstaculizam o processo de trabalho, podem- se citar: a resistência, por parte das eSF, em acolherem o modelo de apoio matricial; a lógica do atendimento ambulatorial; o foco nas práticas assistenciais, em detrimento das ações preventivas e de promoção da saúde; a difi culdade em compreender o trabalho do NASF-AB pelas equipes apoiadas e pelos profi ssionais que o compõem; e a não utilização de ferramentas de trabalho orientadas para o planejamento e para a vigilância em saúde (VIEIRA DE MACEDO et al., 2016; SHIMIZU; FRAGELLI, 2016). A Portaria nº 2.539/2019 alterou as Portarias de Consolidação nº 2 e nº 6, de 28 de setembro de 2017, para instituir a equipe de Atenção Primária (eAP) no Anexo XXII - Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) (BRASIL, 2019a). Chegamos ao fi m de mais uma etapa, agora, só falta você revisar o que leu, fazendo a atividade de estudo. 167 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 1 - Nesta parte, foram apresentados o apoio matricial, a relação entre ESF e NASF, e o processo e a organização de trabalho do NASF- AB. Dessa forma, leia as sentenças a seguir e coloque “V” para as verdadeiras e “F” para as falsas: a) ( ) Considerando a perspectiva de apoio matricial, na qual se fundamenta o NASF-AB, podemos dizerque é inovadora, pois transforma as relações interprofi ssionais. b) ( ) As reuniões de matriciamento servem para as discussões de casos e de temas relevantes, de forma prioritária, a fi m de subsidiar novas ações e estratégias para o cuidado. c) ( ) Para a organização e o processo de trabalho do NASF-AB, algumas ferramentas tecnológicas podem ser utilizadas, dentre elas, tem-se o PTS, que leva em consideração a historicidade do território. d) ( ) As equipes NASF-AB devem ser organizadas de forma interdisciplinar, pois servem de retaguarda para as equipes Saúde da Família, em parceria cooperante. 4 ESF E NASF-AB: IMPASSES, DESAFIOS E PAPEL NA PANDEMIA DA COVID-19 No Capítulo 2, abordamos o contexto histórico do PSF/ESF até o período de 2014, e constatamos que a expansão dele ocorreu de forma gradual, com impacto positivo na saúde da população brasileira, o que facilitou o acesso e a utilização dos serviços de saúde, com melhores índices. Do ponto de vista histórico, podemos inferir que, no âmbito do SUS, nenhuma outra iniciativa em saúde alcançou a magnitude dessa estratégia, citada, internacionalmente, como exemplo de sucesso. Dando prosseguimento aos fatos históricos relacionados à ESF, em outubro de 2016, temos a realização do VII Fórum de Gestão da Atenção Básica, promovido pelo Ministério da Saúde, com o desígnio de engendrar subsídios para a revisão da PNAB. 168 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Em 2016, marcou presença a promulgação da Emenda Constitucional nº 95 (emenda do “Teto dos Gastos”), congelando a destinação de recursos públicos por 20 anos e limitando as políticas sociais, especialmente, no fi nanciamento do SUS, e, por consequência, na ESF, depauperando os direitos sociais do cidadão brasileiro. Até 2016, o Ministério da Saúde investiu R$ 5,5 bilhões para a construção de seis mil novas USF, reforma e ampliação de 11.800 unidades já existentes e compra de equipamentos para 5.000 unidades em obras de reforma e de infraestrutura para as unidades da ESF (ANDERSON, 2019). Como indicado anteriormente, em 2017, foi aprovada a nova PNAB, a qual apresenta e singulariza a ESF. Referenciam-se a estrutura, o funcionamento e as diretrizes, mas, somente, descreve a família de forma diminuta, no Anexo I, do Anexo XXII, no Capítulo I - Das Disposições Gerais da Atenção Básica à Saúde, demonstrando a exiguidade e a necessidade de uma defi nição mais pormenorizada acerca de família nessa Política. No que tange à cobertura da ESF, dados disponibilizados no Portal e-Gestor (2021b) indicam que esta alcançava 58% da população brasileira, atingindo 100% em alguns munícipios, em outubro de 2017. Vale pontuar que não há menção à cobertura universal no texto da PNAB/2017, sendo recomendada a abrangência de 100% da população adscrita somente em territórios considerados, socialmente, vulneráveis, ou de grande dispersão territorial, embora determine de 2.000 a 3.500 pessoas por eSF/eAB (BRASIL, 2017). A revisão da PNAB ocorreu em um contexto conturbado da política brasileira (após a destituição da presidente Dilma Rousseff e durante a exacerbação e a ascensão de manifestações institucionais e governamentais de apoio à redução do fi nanciamento de políticas públicas educacionais e de saúde), provocando críticas, rejeições e hesitações. A 3ª edição da PNAB foi muito criticada, inclusive, por meio de nota conjunta, entre a ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), o CEBES (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde) e a ENSP (Escola Nacional de Saúde Pública). 169 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 Tinha caráter de denúncia, tendo em vista a perda da prioridade, afetando os avanços conquistados pela ESF na história do SUS e os processos em curso, à medida que facultou outras confi gurações da AB, fomentando incertezas de possíveis retrocessos (ABRASCO, 2017). Tal reformulação na PNAB acabou por permitir uma forte fl exibilização na implementação de modelos de AB, usurpando o caráter propositivo e indutor das políticas, dando margem à regressão em relação à construção que vinha ocorrendo entre a AB e a ESF. O Ministério da Saúde justifi ca que as alterações propostas são decorrentes, dentre outros fatores, das disposições praticadas nas versões anteriores da PNAB, as quais suscitaram o desfi nanciamento de alguns serviços de AB, a necessidade de mais autonomia por parte da gestão municipal e a contemplação das distintas realidades regionais. Entretanto, muitas alegações do Ministério da Saúde podem ser consideradas falaciosas, em vista dos impactos assertivos da adesão e da expansão da ESF nas condições de saúde do povo brasileiro. O texto da PNAB/2017, em relação à ESF, é dúbio, à medida que mantém a estratégia como prioritária, mas outorga e incita outras formas de organizações da AB, o que pode levar à desconstrução desta, uma vez que consegue acometer, de modo desfavorável, a estrutura e o funcionamento. Essa dubiedade se torna mais evidente quando outros elementos relacionados à ESF, constantes na PNAB/2017, são explorados, como é o caso das mudanças nos preceitos da composição profi ssional e do arranjo da carga horária das equipes que compõem a AB (obrigatoriedade de 40 h para todos os profi ssionais da ESF, inclusive, para os médicos). Ainda, pode-se citar a indefi nição relacionada ao número de ACS que deverão compor cada eSF, por exemplo. As alterações dispostas na PNAB vigente podem exacerbar as desigualdades em um país, historicamente, desigual, além de apresentar riscos para que os avanços conquistados pela ESF se diluam, ocasionando a descontinuidade no país. Com relação à expansão da ESF, observe um comparativo do quantitativo de equipes no período de 20 anos de existência da ESF: 170 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA TABELA 2 – QUANTITATIVO DE AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE E DE EQUIPES SAÚDE DA FAMÍLIA E SAÚDE BUCAL - 1998/2018 PERÍODO POPULAÇÃO Nº DE MUNICÍPIOS COM eSF ACS eSF eSB 1998 159.644.929 1.134 78.705 3.062 0 2018 206.116.067 5.475 262.325 42.975 2.145 FONTE: Adaptada de Portal e-Gestor (BRASIL, 2021b) Observa-se que, de 1998 a 2018, houve um aumento de municípios (4.341) que implantaram a ESF, além de um crescimento das eSF, com fi nanciamento do Ministério da Saúde, passando de 3.062 para 42.975, ou seja, 14 vezes mais equipes cadastradas. No que se refere aos ACS, constata-se um aumento signifi cativo de profi ssionais nesse período de 20 anos, de 78.705 para 262.325 (mais de 233% de aumento). Com relação às eSB, em 1998, não havia nenhuma equipe credenciada com fi nanciamento, tendo em vista que os dados, somente, aparecem no sistema a partir de 2001, sendo que, nesse ano, existem 3.071 equipes. Outra questão a ser apresentada é a instituição do Programa Mais Médicos pelo Brasil, em 2019, inicialmente, por meio de Medida Provisória nº 890, convertida na Lei nº 13.958/2019. Visa prestar serviços médicos em locais de difícil provimento ou de alta vulnerabilidade, e estimular a formação de médicos especialistas em Medicina de Família e Comunidade, no âmbito da APS, no SUS. Destaca-se que a referida lei, também, instituiu a Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (ADAPS) (BRASIL, 2019c), substituindo, assim, o Programa Mais Médicos, de 2013, que tinha, dentre os objetivos, consolidar a ESF. Anderson (2019) relata que o Programa Mais Médico pelo Brasil deixa dúvidas a respeito do envolvimento das universidades públicas no desenvolvimento da ESF, e dos cursos promovidos pela UNA-SUS aos profi ssionais da ESF, por exemplo. Informa, ainda, que esse Programa acaba por suprimir o eixo estruturante das ações da ESF no que se refere aos atributos das orientações familiar, comunitária e de competência cultural, à medida que reduz o escopo das ações da APS. 171 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo3 A Portaria nº 2.979, de 12 de novembro de 2019, revogou a Seção I – Do processo de implantação e credenciamento das Equipes de Atenção Básica nos municípios e no Distrito Federal (Capítulo II – Das Equipes de Saúde da Família), da Portaria de Consolidação nº 2/2017 – Anexo XXII - Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) (BRASIL, 2019b). Em 2019, a ESF completou 25 anos de longa caminhada, com muitas conquistas e desafi os. Tem enfrentado os vazios assistenciais e os inúmeros problemas decorrentes de um modelo de saúde estritamente biológico, e herdado do sistema previdenciário, democratizando a atenção à saúde e imprimiu uma nova dinâmica aos serviços. Com relação ao quantitativo de eSF, os últimos dados disponíveis, no momento, no Portal eGestor, são de dezembro de 2019. Assim, 5.462 municípios contavam com 43.223 eSF implantadas (com fi nanciamento do Ministério da Saúde); 5.032 deles possuíam 2.095 eSB cadastradas; e, 5.483, 260.295 ACS. Giovanella et al. (2021a) realizaram um estudo para verifi car a expansão da cobertura da ESF, por meio dos resultados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), entre 2013 e 2019. Dentre os resultados encontrados, destaca-se que houve um aumento de cobertura de 11,6% , incluindo mais 18,7 milhões de pessoas. Tal crescimento, segundo as autoras, pode ter ocorrido devido ao Programa Mais Médicos, considerando-se que este cooperou para que mais de 8.800 eSF fossem implantadas no período (de setembro de 2013 a outubro de 2018). Contudo, essa pesquisa revelou que ocorreu uma queda no que se refere à visita domiciliar mensal de ACS, passando de 47,2% (2013) para 38,4% (2019), talvez, atrelada a vários fatores, como a alterações nas responsabilidades dos ACS, dentro e fora da UBS; acolhimento; preenchimento de formulários do Bolsa Família; entrega de exames etc. Outro ponto que chama a atenção, nesse estudo, é que 11% (mesmo percentual de 2013) dos respondentes não sabiam responder se o domicílio estava cadastrado ou não, sugerindo pouco conhecimento a respeito da ESF. Ressalta-se que a PNS 2019 foi a primeira pesquisa de base populacional nacional executada, posteriormente, às mudanças propostas pela PNAB/2017, e pela nova modalidade de fi nanciamento da AB, reiterando que a ESF permanece sendo o modelo predominante de APS no SUS, conforme as autoras. 172 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Quer ter acesso aos dados da Pesquisa Nacional de Saúde 2019? Basta acessar https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia- noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/28791-saude-da-familia- visitou-cerca-de-4-em-cada-10-domicilios-do-programa-em-2019. Você encontrará um resumo e outros materiais pertinentes. Prosseguindo com a trajetória histórica da ESF, não podemos deixar de mencionar a Portaria nº 397/20, a qual instituiu o Programa Saúde na Hora, no âmbito da PNAB, com o objetivo principal de implementar o horário estendido de funcionamento das USF e UBS, no SUS, em todo o território brasileiro, a fi m de proporcionar um forte acesso dos usuários e de ampliar a cobertura da ESF (BRASIL, 2020a). Esse Programa tem, como meta, a redução do volume de atendimentos nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e nas emergências hospitalares, ofertando de assistência nos dias de semana de, no mínimo, 60 horas semanais (12 horas diárias ininterruptas), ou cinco horas diárias aos sábados e/ou domingos, com 11 horas diárias ininterruptas (de segunda até sexta-feira). Assim, convertem-se as Unidades de Saúde da Família (USF), em UPA, nos municípios de médio e de grande portes, e se prevê a viabilidade de reduzir a carga horária dos profi ssionais de nível superior (BRASIL, 2020a). Face ao exposto, depreende-se que a diminuição da carga horária dos profi ssionais, em especial, dos médicos, poderá comprometer a organização do trabalho das eSF, assim como a ampliação do horário, o que não aumenta a concentração dos profi ssionais de forma equitativa, haja vista que a busca por atendimento não se distribui de forma uniforme. Logo, o Saúde na Hora desorganiza as ações de saúde desenvolvidas na ESF, desconstruindo o processo de trabalho das eSF/eAP, conforme Anderson (2019). Conforme a referida Portaria, os estabelecimentos participantes do Saúde na Hora poderão ter cadastradas, no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES), as seguintes equipes: I - eSF; II - eAP; e III - eSB. 173 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 De acordo com a redação dada pela Portaria nº 397, de 16 de março de 2020, são consideradas Unidades de Saúde da Família (USF) os estabelecimentos com, pelo menos, uma eSF, a qual possui funcionamento com carga horária mínima de 40 horas semanais, no mínimo, cinco dias da semana e nos 12 meses do ano, possibilitando acesso facilitado à população. Também, relata que as USF e UBS são consideradas potenciais espaços de educação, de formação de recursos humanos, de pesquisa, de ensino em serviço, de inovação e de avaliação tecnológica para a RAS (BRASIL, 2020a). Os avanços proporcionados pela ESF são incontestáveis nas dimensões organizativas (integralidade, participação social, acesso, dentre outros), político- institucionais (expansão, ações intersetoriais, por exemplo) e técnico-assistenciais (trabalho multidisciplinar, enfoque familiar, acolhimento, vínculo e produção do cuidado), conforme Arantes, Shimizu e Merchán-Hamann (2016). A literatura e os estudos realizados em distintas partes do Brasil indicam resultados positivos da ESF, os quais já destacamos no decorrer da nossa disciplina, e que apontam que ela está permeada por muitos desafi os. Dentre eles, são citados os seguintes: a baixa densidade tecnológica, com a fragilidade dos sistemas de informação clínica e de apoio diagnóstico; as poucas valorizações econômica, social e política da estratégia; os problemas gerenciais; o aumento da expectativa de vida; a prevalência das condições crônicas; as causas externas de morbimortalidade; as desigualdades regionais para o acesso aos serviços de saúde; os problemas de saúde emergentes, como a pandemia da COVID-19, e reemergentes, dentre outros, fazendo com que as eSF tenham difi culdades de organizar, de gerir e de prestar o cuidado ordenado. Arantes, Shimizu e Merchán-Hamann (2016) complementam que o aprimoramento da ESF está subordinado a questões complexas, como fi nanciamento, necessidade de melhoria da organização do acesso aos demais níveis de atenção, formação dos profi ssionais, ações de planejamento com participação social, superação do modelo biomédico e equilíbrio entre a abordagem individual e a comunitária, visando ao enfrentamento dos determinantes sociais. Nessa mesma linha de raciocínio, Tesser, Norman e Vidal (2018) acrescentam que, como difi culdades para a operacionalização da ESF, estão o excessivo número de usuários vinculados às eSF, a falta de recursos básicos, 174 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA de infraestrutura e de ambiência, a insufi ciência de profi ssionais, a carência de médicos com formação em família e em comunidade, e a educação permanente das equipes. Como podemos ver, os desafi os são inúmeros, e cada estudo realizado aponta fatores distintos, de acordo com a realidade vivenciada de cada ESF. Viana e Ribeiro (2021) relatam que somente 1,5% dos médicos recém-formados optam pela especialidade médica “Medicina de Família e Comunidade”. Também, informam que a opção pela ESF é de 17,5% na região Sudeste, e de 32,1% na região Norte do Brasil. De acordo com Mendes (2019), é preciso avançar e não retroceder, radicalizar a ESF, transformá-la, efetivamente, em uma estratégia de reorganização do SUS, indo além da mudança semântica já ocorrida, haja vista que o ciclo da AB, do qual ela adveio, esgotou-se. Na visão dele, está na hora de se instaurar um novo ciclo, o ciclo da APS, a fim de estabelecer um conjunto de alterações processuais para que a ESF se consolide, preparando-a para coordenar as Redes de Atenção à Saúde (RAS). Compete, à ESF, mudar o foco do cuidado em saúde, com a desafi adora incumbência de transmutar o modelo de assistência, o qual, historicamente, foi construído a partir da doença, em um modelo voltado para a promoção da saúde, centrado na realidade do usuário. Contudo, sabemos que, mesmo depois de 27 anos da criação da ESF, os profi ssionais que compõem as equipes, ainda, enfrentam obstáculos para colocar em prática esse modelo, embora ofereçam, na maioria das vezes, um atendimento acolhedor e humanizado, porém, ainda, centrado na doença. 4.1 NASF-AB: CONTEXTO ATUAL Vimos, anteriormente, que a PNAB/2017 trouxe modifi cações para o NASF- AB. Com relação ao fi nanciamento, os recursos que integram o PAB Variável continuariam condicionados à implantação de estratégias e de programas da AB para os municípios que implantarem quaisquer uma das estratégias contempladas pelo piso, incluindo o NASF-AB (BRASIL, 2017). 175 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 No contexto, o custeio estaria estruturado no PAB Fixo, por pagamento per capita, conforme a tipifi cação municipal, e no PAB Variável, via pagamento por tipologia de equipes e de desempenho. Em 2019, a Portaria nº 2.979 instituiu o Programa Previne Brasil, o qual defi niu um novo modelo de fi nanciamento de custeio da APS. Revogou algumas normativas, dentre elas, as que defi nem os parâmetros e o custeio do NASF-AB (BRASIL, 2019b), causando controvérsias a respeito da permanência deste. Esse Programa redefi niu as formas de repasse das transferências para os municípios, deixando de ser tido por número de eSF e de equipes NASF-AB credenciadas e implantadas. Ainda, extinguiu o repasse per capta, e passou a ter, como base, três componentes: capitação ponderada, pagamento por desempenho e incentivo para ações estratégicas. Ademais, o Art. 12, da referida Portaria, indica quais são as estratégias, as ações e os programas com custeio, sem citar o NASF-AB (BRASIL, 2019b). Portanto, os gestores municipais terão o desafi o de atender às mudanças das regras de fi nanciamento para a AB/APS, de forma imediata, sob ameaça de perder aporte fi nanceiro. Salienta-se que o Programa de Melhoria de Acesso e Qualidade na Atenção Básica (PMAQ-AB) foi substituído pelo pagamento de um rol de indicadores de desempenho. Não deixe de assistir ao vídeo Cadastro SCNES Estratégia Saúde da Família, disponível em https://www.youtube.com/ watch?v=sQ7CDXXDzmQ. De forma resumida, pode-se dizer que o valor fi xo, o qual era repassado, de forma regular, aos municípios, é extinto. O aporte fi nanceiro deixa de ser, de acordo com a população do município, rompendo com um dos pilares do SUS, a universalidade. Na prática, esse modelo passa a priorizar os pacientes cadastrados e deixa de fi nanciar a APS/AB por meio da implantação de eSF e do NASF/AB. Portanto, há um risco iminente de desmonte das equipes NASF-AB, uma vez que deixam de receber recursos fi nanceiros. 176 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Com o novo fi nanciamento, avançamos ou retrocedemos? Ainda, não temos uma resposta concreta para essa indagação, somente o tempo dirá... Destaca-se que a Portaria nº 2.979, de 12 de novembro de 2019, revogou a Seção II – Dos NASF, da Portaria de Consolidação nº 2/2017 – Anexo XXII - Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Reserve um tempinho para assistir às videoaulas do curso da Rede Colaborativa, para o fortalecimento da gestão do SUS, a respeito do modelo de fi nanciamento federal da Atenção Básica, promovido pelo CONASEMS, sendo que a parte 1 está disponível em https://www.youtube.com/ watch?v=HAqPPDh7oqs. Lembramos que são oito partes. Com relação às equipes NASF-AB, credenciadas pelo Ministério da Saúde, desde a criação, o número foi ampliado de forma gradativa, sendo que, em dezembro de 2019 (último dado disponível no Portal e-Gestor, até a data da elaboração deste material didático), contava com 5.759 equipes dispersas por todo o Brasil: 3.445 delas eram NASF 1; 1.052 NASF 2; e 1.262 NASF 3 (BRASIL, c2021). Embora tenha ocorrido uma expressiva expansão, é notório que as distintas realidades das regiões brasileiras acabam gerando o descompasso entre o planejado e o implementado. Convém observar que a Portaria nº 99/2020 – Anexo I redefi ne o nome do Núcleo para Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Primária, mas mantém a sigla NASF-AB. FONTE: <https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-99-de-7-de- fevereiro-de-2020-242574079>. Acesso em: 24 abr. 2021. 177 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 Em 2020, a Nota Técnica nº 3 - DESF/SAPS/MS, publicada pela Secretaria de Atenção Primária em Saúde (SAPS/MS), a qual aborda o NASF-AB e o Programa Previne Brasil, considerou que a constituição de equipes multiprofi ssionais será desvinculada das equipes NASF-AB, e que o gestor municipal terá autonomia para formar as próprias equipes, defi nir os profi ssionais que devem as compor, com as respectivas cargas horárias, e estabelecer os arranjos de equipe. Outrossim, cabe, a ele, cadastrar esses profi ssionais, diretamente, nas eSF ou nas eAP, ampliando a composição mínima; mantê-los cadastrados no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES), como equipe NASF-AB; e/ ou cadastrá-los, somente, no estabelecimento de AP, sem vínculo com nenhuma equipe (BRASIL, 2020b). Assim, a partir dessa data (janeiro de 2020), o Ministério da Saúde deixa de realizar novos credenciamentos de NASF-AB, sendo que as solicitações anteriores deverão arquivadas. Dessa forma, pode-se inferir que há um desestímulo à estratégia do NASF-AB e à lógica do apoio matricial por parte do Ministério. Então, o NASF-AB acabou? Como compete, ao gestor municipal, a decisão de manter, ou não, os profi ssionais do NASF-AB, além de ter que escolher o formato no qual os manterá, caso prossiga com ele, pode ser que acabe, ou não, pois a manutenção está nas suas mãos. Já do ponto de vista enquanto estratégia, o NASF-AB, na política nacional, foi extinto, conforme a maioria dos estudiosos apregoam. Ressalta-se que a Nota Técnica nº 3/2020 informa que a desvinculação das equipes multiprofi ssionais das tipologias de equipes NASF-AB proporciona a autonomia do gestor municipal para compor as equipes dele. Contudo, vale lembrar que o gestor já possuía tal autonomia, além de que a estruturação das estratégias de saúde deve estar ordenada, com vistas a garantir a resolubilidade, conforme as necessidades da população, e não estar confi gurada para benefi ciar a gestão (BRASIL, 2020b). Cabe enfatizar que a referida Nota Técnica menciona que o custeio da AB necessita priorizar o usuário atendido, e enaltece a importância das equipes multiprofi ssionais, para que haja a garantia da qualidade desse atendimento (BRASIL, 2020b). No entanto, à medida que a implementação do NASF-AB fi ca, 178 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA exclusivamente, a cargo do gestor local, sem nenhuma garantia de concretização, a interdisciplinaridade e a multiprofi ssionalidade não estão sendo priorizadas e asseguradas, o que abre precedentes para a precarização do atendimento. À medida que ocorre uma decisão governamental de que os recursos da AB devem estar relacionados à captação de pessoas, fi ca evidente o princípio da seletividade (o qual não faz parte da legislação do SUS), além de que não se quer mais um SUS para todos. Reis e Meneses (2020) relatam que a atuação de muitas equipes de NASF- AB apresenta ambiguidades e reduções, uma vez que ocorre a oposição entre as dimensões assistencial e pedagógica do trabalho, de forma que uma exclui a outra, haja vista que, para muitos, a proposta do apoio signifi ca o não atendimento.Assim, atua-se, simplesmente, nas reuniões de matriciamento, o que, na visão dessas autoras, é um equívoco, pois é preciso considerar a coexistências das duas perspectivas de atuação. As autoras supracitadas, também, preconizam que há a necessidade de mudanças, contudo, sem retrocesso, uma vez que existem questões que colocam o NASF-AB na berlinda, devido à escassez de elementos sistematizados que apresentem efi ciência, contudo, existem experiências exitosas a partir das contribuições efetivas para a AB, em quantidade relevante. Um estudo realizado por Mazza et al. (2019), em 23 artigos científi cos, constatou que a organização do trabalho do NASF-AB é infl uenciada, basicamente, por duas dimensões: 1) macropolítica: composta pelas seguintes categorias: Infraestrutura (problemas de infraestrutura e recursos materiais; insufi ciência da rede de serviços); Gestão do trabalho do NASF-AB (existência de coordenação; precarização dos contratos de trabalho; baixa remuneração; presença de metas de produção; grandes quantidades de equipes apoiadas pelos núcleos etc.) e Formação e competências para o SUS (desconhecimento, por parte dos profi ssionais, da própria atuação; formação para o trabalho; falta de clareza das defi nições teóricas para a orientação dos NASF-AB; difi culdade de compreensão do trabalho dos profi ssionais que o integram, da equipe de referência e dos usuários); 2) micropolítica: composta por: Organização do trabalho e relação entre as equipes (reuniões entre equipes de referência e 179 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 NASF; difi culdade de articulação intersetorial; relação entre os profi ssionais das equipes; comunicação entre equipe de referência, NASF e rede intersetorial etc.) e Características dos profi ssionais dos NASF-AB (características pessoais; interesse pessoal e identifi cação com o trabalho; habilidade de trabalho em equipe; cultura assistencialista dos profi ssionais; e ausência de trajetória, no campo das políticas públicas, dos profi ssionais envolvidos). Com base nesse estudo, concluíram que os aspectos macro e micropolíticos estão presentes de forma conjunta e indissociável na atuação diária do NASF- AB, e que infl uenciam a organização e o processo de trabalho dos profi ssionais envolvidos, evidenciando a ocorrência de inúmeros desafi os em detrimento das potencialidades para esse processo (MAZZA et al., 2019). Vale lembrar que o NASF-AB foi idealizado para incrementar as ações das eSF, ampliando o leque de serviços, mas que se defronta com contratempos concretos na AB, relacionados à gestão, à organização dos processos de trabalho, aos obstáculos estruturais, além dos relativos ao desenvolvimento das ações em conjunto, com a eSF/eAB. Diversos estudos realizados ao longo dos 13 anos de existência do NASF- AB demonstram as potencialidades e as mazelas dele, contribuindo para o aprimoramento do trabalho e para o fortalecimento da ESF. Aspectos, como sobrecarga dos profi ssionais dos Núcleos; frágil integração entre as equipes; infraestrutura inapropriada; precariedade de vínculos trabalhistas; alta rotatividade de profi ssionais; carência de estratégias de formação; oferta reduzida de ações individuais e coletivas, com difi culdade para acesso às atividades clínicas individualizadas; excesso de demanda; limitações no acesso dos usuários aos Núcleos; e questões estruturais de fi nanciamento e de falta de integração com a RAS são algumas das difi culdades encontradas em diversos estudos desenvolvidos nos mais variados NASF-AB espalhados pelo Brasil. Aliadas aos aspectos citados, têm-se a desresponsabilização e a segregação dos NASF-AB perante a longitudinalidade, o pouco tempo de atuação com as eSF, tornando-se um empecilho para a materialização de ações coletivas e integrais. Ainda, o cuidado colaborativo entre os Núcleos e as equipes envolvidas ser, ainda, uma prática distante, com o direcionamento para as atividades coletivas, com dicotomia entre as ações individuais e coletivas, havendo o difícil equilíbrio entre essas duas vertentes. Apesar do reconhecimento da AB, do trabalho das eSF e da parceria com o NASF-AB como espaços primordiais na produção do cuidado, têm suscitado 180 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA discussões a respeito dos propósitos e dos lugares na RAS. Ainda, existem concepções díspares que tratam do NASF-AB, como o entendimento de os Núcleos se confi gurarem como atenção secundária por parte da gestão, dos profi ssionais envolvidos e dos usuários. Alguns autores argumentam que o NASF- AB deve ser caracterizado como uma nova atenção especializada, comandada pela APS, enquanto outros consideram que ele é parte integrante da APS/AB, coadunando-se com os atributos desta. É evidente que o NASF-AB é um arranjo organizacional e assistencial inovador que ampliou o escopo das ações em saúde no âmbito da ESF. Além disso, enriqueceu a oferta dos serviços para a atenção básica, proporcionando melhorias para a saúde e para o bem-estar da população brasileira. A articulação de diversos saberes profi ssionais, por meio do processo de trabalho coletivo, possibilita uma abordagem qualifi cada e ampliada dos problemas de saúde, dos determinantes e dos condicionantes. Ainda, propicia a efetivação dos princípios do SUS, a democratização das informações e a educação em saúde, a fi m de contribuir para a mitigação da fragmentação das práticas profi ssionais e da supremacia de saberes sobre outros. Lamentavelmente, mesmo com todas as evidências da magnitude do NASF- AB para o SUS e para a população, corre-se o risco de se perder essa estratégia de apoio e de ampliação, tendo em vista a posição do atual Governo Federal, por meio da Nota Técnica 3/2020, a qual dá fi m ao cadastro de novas equipes NASF-AB, deixando, a critério da gestão municipal, a continuidade, ou não, da existência delas, uma vez que as verbas federais para a manutenção deixarão de existir. Assim, é presumível que muitos munícipios deixarão de contemplar o NASF na AB, e que haverá demissão em massa de inúmeros profi ssionais de saúde, impactando, negativamente, a vida destes. Irrefutavelmente, o desmantelamento do NASF-AB ocasionará um enorme retrocesso na saúde pública, uma vez que não há, até o momento, modelos que possam substituí-lo, deixando desassistidas milhares de pessoas que dependem desse serviço. Reitera-se que o NASF-AB é uma equipe interprofi ssional, multidisciplinar e complementar, com inúmeras potencialidades e relevância para a ESF, à medida que proporciona uma efetiva promoção de saúde à população brasileira. Por fi m, apresentaremos uma linha do tempo no que se refere à construção do NASF nas normatizações ministeriais, destacando as Portarias e os documentos produzidos pelo Ministério da Saúde, a fi m de que você possa ter uma visão geral. 181 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 FIGURA 4 – LINHA DO TEMPO NASF/NASF-AB 182 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA FONTE: A autora 4.2 ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA DIANTE DA PANDEMIA Inicialmente, analisaremos, sucintamente, o fenômeno histórico-social do século XXI, a pandemia da COVID-19, para, a posteriori, debatermos a respeito do papel da ESF diante de tal acontecimento. Como é de conhecimento, a transmissão do Novo Coronavírus, renomeado de SARS-CoV-2, teve início em dezembro de 2019, em Wuhan, província de Hubei, na China, disseminando-se, rapidamente, em todo o mundo. Foi declarado, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), em janeiro de 2020, e, no dia 11 de março, anunciado como pandemia (WHO, 2020; OPAS, 2020). No Brasil, o primeiro caso de COVID 19 registrado, ofi cialmente, foi em 26 de fevereiro de 2020, em São Paulo (UNITED NATIONS, 2020), alastrando- se, rapidamente, pelas demaisregiões do país. Assim, foi declarada como transmissão comunitária em todo o território no dia 20 de março de 2020 (BRASIL, 2020c). De 26 de fevereiro de 2020 até 24 de julho de 2021, foram confi rmados 19.670.534 casos e 549.448 óbitos por COVID-19 no Brasil (BRASIL, 2021a). De acordo com Giovanella et al. (2021b), no Brasil e em diversos outros países, a atenção especializada, direcionada aos casos mais graves da COVID-19, tem sido priorizada. Contudo, não se pode esquecer que há muito a se fazer no âmbito da APS, haja vista que a ESF, devido a características peculiares de orientação comunitária e de responsabilidade territorial dela, é o modelo mais apropriado para auxiliar a população em situação de isolamento social. Cabe salientar que, apesar de abordagens comunitárias serem mais propícias para refrear epidemias, essa não foi a estratégia utilizada, em um primeiro momento, para combater a COVID-19 pelo mundo, mesmo em países que têm 183 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 a APS como porta de entrada do sistema de saúde, uma vez que priorizaram os atendimentos hospitalares, assim como os casos graves (GIOVANELLA et al., 2021b). Diante do maior desafi o sanitário do momento, a resposta nacional à pandemia da COVID-19 (SARS-CoV-2) passa pela APS/ESF, a qual desempenha um papel fundamental, por meio das eSF/eAP e das equipes do NASF-AB para o enfrentamento, embora não exerça algo que afete, pontualmente, a letalidade da doença. Identifi ca potenciais casos graves, antecipadamente, contribuindo para a redução da incidência, o que impacta na mitigação da morbimortalidade. Portanto, a ESF, como nível mais capilarizado, possibilita intervenções, transversalmente, efetivas no controle da COVID-19. Nesse sentido, esse nível de atenção contribui para a redução da procura por serviços hospitalares e de urgência dos assintomáticos leves, evitando a sobrecarga dos serviços secundários, uma vez que atua na identifi cação precoce e no manejo adequado dos casos suspeitos e graves, exercendo o controle da transmissibilidade do SARS-CoV-2 (BRASIL, 2020d). As diretrizes 7 Passos para Atenção Primária fazem parte da 4ª edição do Guia Orientador para enfrentamento da pandemia na Rede de Atenção à Saúde, com publicação pelo Ministério da Saúde, em 2021, e disponível em http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/ documentos/corona/7passos_vweb.pdf. É oportuno relatar que um conjunto de ações federais foi disponibilizado em: https://aps.saude.gov.br/ape/corona, inclusive, a elaboração do Protocolo de Manejo Clínico do Coronavírus (COVID-19) na Atenção Primária à Saúde, servindo de apoio para a AB/APS no combate à COVID-19, apesar de, inicialmente, não terem existido planejamento e coordenação do enfrentamento à pandemia, de forma adequada, por parte do Governo Federal. 184 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA A Portaria nº 1.444, de 29 de maio de 2020, instituiu os Centros Comunitários de Referência para o enfrentamento da Covid-19, no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS), e estabelece o incentivo para o custeio desses Centros, além do incentivo fi nanceiro federal adicional per capita, em caráter excepcional e temporário, considerando o cenário emergencial de saúde pública de importância internacional. FONTE: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-1.444- de-29-de-maio-de-2020-259414882>. Acesso em: 24 abr. 2021. A Portaria nº 1.445, de 29 de maio de 2020, instituiu os Centros de Atendimento para Enfrentamento da Covid-19, em caráter excepcional e temporário, considerando o cenário emergencial de saúde pública de importância internacional, decorrente do coronavírus (Covid-19). FONTE: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-1.445- de-29-de-maio-de-2020-259414867>. Acesso em: 24 abr. 2021. A (re) organização da rede assistencial, no que se refere à práxis do novo Coronavírus, necessitou de adaptações e de mudanças relativas às ações e aos serviços de saúde ofertados ao povo brasileiro. Reestruturaram-se o fl uxo de trabalho, com a suspensão dos atendimentos eletivos; a priorização das demandas espontâneas; o agendamento de consultas por horário; a utilização do atendimento por meio eletrônico, quando possível; e a manutenção exclusiva dos atendimentos essenciais, com o intuito de evitar aglomeração, além de garantir a segurança dos usuários e dos profi ssionais. O advento da COVID-19, também, ocasionou a remodelação da estrutura física e do quadro profi ssional para melhor atender às demandas cotidianas, monitorar os usuários com sintomas respiratórios e dar início à imunização. Ainda, surgiu efeito nos processos de trabalho, como a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) por parte de todos os profi ssionais, a elaboração de protocolos, as testagens dos trabalhadores, o treinamento para a paramentação e para a desparamentação etc. 185 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 Novas dinâmicas de trabalho foram originadas em função da pandemia, descaracterizando a rotina de trabalho, com a suspensão das visitas domiciliares e das atividades em grupo, e com o aumento do tempo interno na UBS/USF, além do uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Como exemplo, podemos citar a Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, que propôs um trabalho intercalado entre visitas domiciliares e monitoramento telefônico para usuários sintomáticos (a cada 24 horas para idosos acima de 60 anos e com condições clínicas de risco, e a cada 48 horas aos demais, até se completarem 14 dias do início da sintomatologia), com orientações para atendimento presencial, se necessário (RIO GRANDE DO SUL, 2020). Uma série de adversidades se impuseram na dinâmica de trabalho das equipes, como a insufi ciência de EPIs, o temor pela contaminação, a sobrecarga de trabalho, o estresse, a falta de suporte técnico, a desconfi guração do trabalho etc. Dessa forma, em decorrência das restrições espaço-temporais e logísticas ocasionadas pela pandemia, as eAP e as eSF precisaram se adequar, alterando os processos de trabalho delas, comprometendo o vínculo presencial e o trânsito entre os distintos territórios de abrangência. Ainda, houve a necessidade de remodelação dos fl uxos assistenciais, com mudanças na inter-relação entre os integrantes das equipes, impossibilitando o planejamento das atividades por meio de reuniões presenciais (MACIEL et al., 2020). Com o cenário da pandemia, as eSF, as eAP, e as do NASF-AB, assim como outras conformações multiprofi ssionais, precisaram se reinventar, atuando na linha de prevenção e de controle, em consonância com as diretrizes mundiais. Ressalta-se que atividades desempenhadas pelo NASF-AB, também, tiveram que ser reestruturadas ou pausadas, sendo que as reuniões de matriciamento, a programação de atendimentos compartilhados e as atividades coletivas fi caram prejudicadas. Ademais, vale frisar que muitas equipes do NASF-AB estão participando da campanha de vacinação, e têm papel preponderante na reabilitação dos usuários que contraíram a SARS-CoV-2. Não podemos deixar de mencionar os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), que têm papel crucial diante da crise sanitária atual, devido às potencialidades deles, dada a inserção territorial, favorecendo a familiaridade e relação com a comunidade. Assim, identifi cam-se as vulnerabilidades, realizam- se o rastreamento e o acompanhamento dos assintomáticos e dos sintomáticos, e se disseminam medidas individuais e coletivas, como o uso de máscara e de álcool em gel, quarentena, isolamento social e cuidados com aglomerações. Maciel et al. (2020) corroboram com o citado quando relatam que os ACS, por serem o elo entre os serviços de saúde e a comunidade, e por conhecerem as 186 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA peculiaridades e as demandas do território, acabam porauxiliar na conscientização e na sensibilização da comunidade, pois têm, como eixo norteador do trabalho, a educação em saúde. Por trabalharem na linha de frente, são fundamentais no controle e na prevenção de pandemias, como da COVID-19, orientando a população adscrita com as formas de transmissão do vírus, os sinais e os sintomas, e a utilização do aplicativo Coronavírus-SUS, do Ministério da Saúde, com informações e orientações que visem ao enfrentamento desse evento, para que ocorram a permeabilidade e a aceitação das medidas preconizadas pelo governo. O Ministério da Saúde publicou o material Orientações Gerais Sobre a Atuação do ACS Frente à Pandemia de Covid-19 e os Registros a Serem Realizados no e-SUS APS, o qual está disponível em http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/esus/ Orientacoes_ACS_COVID_19.pdf. Fazemos, a você, um convite para ler o 1º Boletim da Pesquisa Monitoramento da Saúde e Contribuições ao Processo de Trabalho e à Formação Profi ssional dos Agentes Comunitários de Saúde em Tempos de Covid-19, e a refl etir a respeito desse estudo, o qual está disponível em https://www.arca.fi ocruz.br/bitstream/ icict/42709/8/1%20Boletim%20ACS%20Covid19.pdf. Outro ponto a ser destacado é que a ESF/APS, também, desempenha, no momento, um papel fundamental relativo aos problemas decorrentes da pandemia, oriundos da precarização das vidas econômica e social e do isolamento social, como o alcoolismo, a violência doméstica, os transtornos mentais e a agudização de agravos crônicos, o que exige cuidados longitudinais integrados. 187 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 A Fiocruz lançou, em setembro de 2020, a pesquisa nacional Análise do Processo de Trabalho da Estratégia Saúde da Família na Pandemia de Covid-19 a todos os profi ssionais da eSF, das eAPS e das equipes NASF-AB que estejam atuando no momento, contemplando diversos aspectos, dentre eles: incorporação de novas rotinas de serviços durante a pandemia; formas de atenção prestadas a suspeitos e a doentes com COVID-19; práticas de promoção da saúde para proteção à doença e de vigilância para o monitoramento e a mitigação; e o conhecimento das medidas das proteções individual/ familiar/domiciliar e ocupacional dos profi ssionais. FONTE: <https://www.conass.org.br/pesquisa-fi ocruz-investiga- processo-de-trabalho-das-equipes-de-saude-da-familia-na- covid-19/>. Acesso em: 24 abr. 2021. Qual é o papel da ESF para o enfrentamento da pandemia? FIGURA 5 – PAPEL DA ESF NO ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA FONTE: <https://www.informasus.ufscar.br/afi nal-o-que-e-a-estrategia- de-saude-da-familia-e-qual-o-seu-papel-no-enfrentamento-a-pandemia/>. Acesso em: 24 abr. 2021; Adaptada de Giovanella et al. (2021a) 188 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA Vale lembrar que a pandemia realçou as mazelas da saúde pública brasileira, mas, também, proporcionou notoriedade ao SUS, resgatando a centralidade dele na política social, e à AB/APS, com a oportunização da ESF a se fortalecer e a assumir um protagonismo como coordenadora do cuidado. Sem dúvida, o enfrentamento à pandemia tem sido desafi ante para as saúdes públicas mundial e brasileira, o que demonstra, cada vez mais, a importância de um sistema de saúde universal e equânime e de uma APS que seja forte, resolutiva e formada por equipes potencializadoras. Por fi m, em tempos de crise sanitária, como a desencadeada pela pandemia da COVID-19, reacende o debate acerca de uma ESF mais forte e comprometida com os princípios do SUS e da APS. Assim, ela é colocada em destaque, enaltecem-se a priorização e a expansão, e se fortalecem todos os atributos, especialmente, no que se refere às ações promotoras de vínculo e orientadas para a educação em saúde. Para enriquecer o seu aprendizado, acesse o vídeo Estratégia Saúde da Família na Pandemia – Sala de Convidados, disponibilizado pelo Canal Saúde Ofi cial em https://www.youtube. com/watch?v=PDPAsTR8DDs. Estamos quase no fi m da nossa disciplina, mas, para isso, só falta você realizar a atividade de estudo a seguir. 1 - Considerando que os temas estudados na última seção, relacionados à atualidade, convidamos você a pesquisar, nos sítios governamentais, a respeito do momento vigente, referente aos NASF-AB, no seu município e no âmbito nacional, a fi m de incrementar o seu conhecimento. 189 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES No decorrer da nossa disciplina, pôde-se constatar que o progresso do sistema de saúde brasileiro ocorreu conforme as evoluções econômica, política e social, perpassando regimes políticos distintos e promulgações legislativas que atingiram, pontualmente, a saúde pública. Defi nitivamente, o nosso legado histórico é o SUS, o qual, ao longo dos mais de 30 anos de existência, possibilitou inovações no delineamento dos arranjos organizacionais de serviços de saúde, com um substancial crescimento da cobertura da AB, especialmente, por intermédio da ESF. A ESF, durante o percurso histórico, alcançou resultados expressivos, ampliou o acesso da população aos serviços básicos de saúde, promoveu melhorias nos índices, e mitigou desigualdades sociais e regionais. Ainda, é reconhecida, internacionalmente, como exemplo de estratégia bem-sucedida, em um país com enorme heterogeneidade, uma verdadeira alavanca basilar do avanço da AB/APS. Indiscutivelmente, as condições de vida e de saúde da população brasileira melhoraram muito em decorrência dos avanços e das conquistas da ESF. No entanto, ao refl etirmos a respeito da concepção de atenção integral à saúde e da concretização das ações interprofi ssionais, depreende-se que, ainda, falta muito para elas se concretizarem. O NASF-AB, por sua vez, foi uma conquista importante para a ESF e para o desenvolvimento e o aprimoramento de um modelo de cuidado à saúde, à medida que estimula práticas centradas nas trocas de saberes entre distintas categorias profi ssionais, estruturando-se, de forma gradativa, a partir de um arcabouço legal. Nesses 27 anos de existência da ESF e 13 anos do NASF-AB, os 5.570 municípios brasileiros imprimiram diferentes padrões de expansão dessas duas estratégias e muito se avançou, como mostram os dados da distribuição de cobertura. A ESF alcançou resultados extraordinários, saindo de uma cobertura de, aproximadamente, 10%, em 1998, para cerca de 74%, em maio de 2019, o que benefi ciou mais de 134 milhões de pessoas, conforme Anderson (2019). É fundamental que nós, profi ssionais de saúde e cidadãos, estejamos atentos e críticos a todo processo de mudança que possa ser incoerente com os princípios do SUS, principalmente, em tempos de discursos extremistas e conservadores, com pautas antidemocráticas, os quais visam a alterações profundas no escopo das políticas públicas, a partir da tentativa de desconstruir o que foi conquistado a duras penas. 190 ESTrATÉGiA SAÚDE DA FAmÍLiA E O NÚCLEo DE APoio À SAÚDE DA FAmÍLiA As tentativas de desmantelamento da ESF, desde 2017, com a redução de ACS, a fl exibilização da carga horária dos profi ssionais, a revogação da prioridade para a ESF, a perda de profi ssionais com o término do Programa Mais Médicos, a extinção dos NASF-AB, o novo modelo de fi nanciamento e a fragilização do enfoque comunitário são alguns exemplos citados por Giovanella et al. (2021b). Chegamos ao fi m da nossa disciplina, não da forma como gostaríamos, tendo em vista todos os percalços que estamos enfrentando, mas, na esperança de dias melhores. Esperamos que o caminho metodológico proposto tenha contribuído para que você faça novas aproximações com os temas ESF e NASF-AB, a partir de refl exões críticas e construtivas para repensar na sua realidade e aperfeiçoar as práticas de cuidado que, talvez, você realize. É válido frisar que a busca por conhecimentos não se encerra aqui, e que a nossa finalidade é, além de disponibilizar o aporte teórico como um suporte, instigar você a ser o protagonista do seu aprendizado. Foi um prazer e uma honra contribuir para o seu aprendizado. Desejamos muito sucesso e realizações pessoais e profi ssionais. AbraSUS! REFERÊNCIAS ABRASCO. Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Contra a reformulação da PNAB – Nota sobre a revisão da Política Nacional de Atenção Básica. 2017. Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/posicionamentos-ofi ciais- abrasco/contra-reformulacao-da-pnab-nota-sobre-revisao-da-politica-nacional-de- atencao-basica/29798/. Acesso em: 24 abr. 2021. ALMEIDA, E. R. A gênese dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. 2016. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/21633/1/ Tese%20 ERIKA%20ALMEIDA.%202016.pdf. Acesso em: 24 abr. 2021. ANDERSON, M. I. P. Médicos pelo Brasil e as políticas de saúde para a Estratégia Saúde da Família de 1994 a 2019: caminhos e descaminhos da Atenção primária no Brasil. Rev Bras Med Fam Comunidade, v. 14, n. 41, p. 1, 2019. Disponível em: https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/ view/2180/998. Acesso em: 24 abr. 2021. 191 ESF E NASF-AB: INTERFACE E PANORAMA ATUAL Capítulo 3 ARANTES, L. J.; SHIMIZU, H. E.; MERCHÁN-HAMANN, E. Contribuições e desafi os da Estratégia Saúde da Família na Atenção primária à saúde no Brasil: revisão de literatura. 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