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SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE COM ÊNFASE NA ESTRATÉGIA- SAÚDE DA FAMÍLIA UNIASSELVI-PÓS Autoria: Flaviana Aparecida de Mello Indaial - 2022 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2022 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. M527s Mello, Flaviana Aparecida de Saúde preventiva e promoção da saúde com ênfase na estraté- gia-saúde da família. / Flaviana Aparecida de Mello. – Indaial: UNIASSELVI, 2022. 114 p.; il. ISBN 978-65-5646-370-4 ISBN Digital 978-65-5646-371-1 1. Saúde preventiva. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 610 Impresso por: Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Jairo Martins Marcio Kisner Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 Saúde Preventiva E Promoção Da Saúde ...................................9 CAPÍTULO 2 A Atenção Primária Da Saúde – Aps – E A Atenção Básica Da Saúde .......................................................................................45 CAPÍTULO 3 A Estratégia De Saúde Da Família – Esf E Os Núcleos De Apoio À Saúde Da Família – NASF ...............................................81 APRESENTAÇÃO Como objetivo da disciplina Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia Saúde da Família é fundamental aprendermos a respeito dos modelos e dos conceitos balizares de promoção e prevenção da saúde e a influência dos determinantes sociais em saúde no processo saúde e doença. Com a evolução dos estudos e pesquisas em saúde, presentemente temos a concepção de que a saúde é muito mais do que a ausência de doença, mas contempla a totalidade do bem-estar biopsicossocial de cada ser humano. É sabido que, no Brasil, historicamente a saúde era tratada apenas como ausência de doença, e havia uma intensa desigualdade do acesso a algum tipo de tratamento; dessa forma, ampla parte da população recorria/e ainda recorre, a práticas de cuidados através de chás de ervas, benzedeiras e/ou curandeirismo. Durante séculos, o Brasil não investiu na saúde enquanto política pública social, com a sistematização da previdência social brasileira no início do século XX, o atendimento à saúde era atrelado à contribuição com a previdência social, somente aqueles cidadãos que eram trabalhadores de carteira assinada podiam ter acesso ao atendimento em saúde. Tal realidade perdurou até o início da década de 1980, quando surge e se intensifica o movimento pela reforma sanitária brasileira, que questionava esse tipo de acesso à saúde, e propunha uma alternativa de atenção à saúde através de um sistema universal livre de contribuições compulsórias. A força do movimento teve como ápice a VIII Conferência Nacional de Saúde, que defendeu a sistematização do SUS, tendo sido reconhecido e inserido na Carta Magna de 1988, e dois anos depois, sancionado através da Lei nº 8080/1990. A partir de então, o SUS deu início ao seu processo de sistematização e fortalecendo a lógica do modelo universal e gratuito à saúde, buscando romper com o modelo curativista e de cunho privatista. No entanto, precisamos registrar que mesmo tendo o SUS, o modelo de atenção à saúde que se opõe a ele nunca deixou de existir e busca de todas as formas táticas para contrapor o SUS. Com o desenvolvimento do SUS, a partir da década de 1990 em diante, precisamos dar ênfase a um importante serviço que fora implementado e implantado, que é trabalho Estratégia Saúde da Família – ESF. Ele se contorna enquanto uma tática de atenção à saúde intrincada no que se alude a respeito de práticas. Isso solicita que o método de acompanhamento seja arquitetado articulando conhecimento apurado, técnicas e tudo sendo embasado por princípios éticos para que assim possa conseguir ofertar uma atenção integral à saúde. Destarte, o desenvolvimento do trabalho profissional no âmbito da Estratégia de Saúde da Família precisa se organizar de modo a ativar os vários conhecimentos interdisciplinares e intersetoriais para arquitetar estratégias eficazes às questões relacionadas à saúde da população usuária. Avultamos, além disso, que a metodologia do trabalho na Estratégia Saúde da Família estabelece, como alvo de partida, a consideração do fato no qual se esteja desenvolvendo a intervenção, logo, o território de desempenho de atenção em saúde sob encargo da Equipe de Saúde da Família, em que as pessoas e famílias convivem, se relacionam e possuem identidade. Nesse sentido, é fundamental que cada profissional que fora atuar no ESF deve ter noção sobre a realidade territorial, tanto a partir de informações do fato cultural, epidemiológica, social, política e demográfica como os modos de apreciar e imaginar a realidade. Outra importante questão a ser mencionada é o fato de cada profissional precisa apreender sobre a atenção primária da saúde – APS – estudar a respeito das qualidades e diretrizes da APS e como estrutura do SUS, e a relevância da rede de atenção à saúde para uma boa articulação do atendimento da população. Ratificamos, portanto, a relevância de apreciar toda a sistematização que tangencia o SUS e a realidade social de vida das pessoas atendidas, bem como do território onde elas vivenciam, no entanto, porém de modo crítico, questionador e criativo. Para isso, organizamos esta disciplina em três capítulos. No primeiro capítulo, intitulado Modelos e conceitos em saúde, iniciamos com estudos sobre o conceito de promoção e prevenção da saúde e os determinantes sociais em saúde, em que você terá a oportunidade de instrumentalizar-se para o cotidiano de trabalho no âmbito da saúde pública compreendendo conceitos fundamentais relacionados, bem como aprenderá a identificar o que são os DSS – determinantes sociais em saúde. E, ao fim do capítulo, conhecerá modelos de atenção à saúde no Brasil: o modelo biomédico e o modelo de determinação social – modelo sanitarista, entendendo a respeito do contraponto que há entre o modelo biomédico em relação ao modelo sanitarista que deu origem ao SUS. No segundo capítulo, nominado A atenção primária da saúde – APS e a atenção básica da saúde iniciamos os estudos a respeito do que é a atenção primária da saúde – APS; diretrizes e características e, em seguida, vamos estudar a respeito da atenção básica de saúde e a sua política nacional de atenção básica: princípios e diretrizes. No terceiro e último capítulo, intitulado Estratégia de Saúde da Família – ESF e os Núcleos de Apoio à Saúde da Família – NASF, abordamos como se constituiu o Estratégia de Saúde da Família, bem como seus conceitos fundamentais e a relevância desse trabalho no âmbito da atenção básica de saúde, e a relação entre as UBS, ESF e os NASF e como se desenvolve essa atuação no cotidiano de atendimento. E, em seguida, vamos estudar as Unidades Básicas de Saúde - UBS, Estratégia Saúde da Família - ESF e os Núcleos de Apoio à Saúde da Família – NASF: legislação e diretrizes. Nosso desígnio é que seu curso seja um procedimento de constituição cotidiana ativado e com criticidade, no sentido de você se tornar sujeito da edificação do próprio conhecimento, de você instrumentalizar-se para a mudança da realidade social contribuindo com o seu fazer profissional e conhecimento a ser adquirido, para a sociedade e para o SUS ser mais justo, equitativo e se manter ativo, atendendoa quem dele necessitar. Portanto, faça anotações, registre, anote, produza esquemas paralelos que o auxiliem a abarcar e conhecer mais a respeito da disciplina, Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia Saúde da Família. Desejamos bons estudos! Professora Flaviana Aparecida de Mello CAPÍTULO 1 SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: • Conhecer os conceitos balizares de promoção e prevenção da saúde e a infl uência dos determinantes sociais em saúde no processo saúde e doença; • Aprender os modelos de atenção à saúde no Brasil; • Entender o contraponto que há entre o modelo biomédico em relação ao modelo sanitarista que deu origem ao SUS. 10 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família 11 SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Este capítulo tem como objetivo abordar informações e conhecimento a respeito dos modelos e conceitos em saúde. Sendo assim, aprenderemos a respeito do conceito de promoção e prevenção da saúde e os determinantes sociais em saúde. Você terá o ensejo de aprimorar-se para a intervenção profi ssional cotidiana no âmbito da saúde pública. Também estudaremos os conceitos fundamentais relacionados, bem como aprenderá a identifi car o que são os DSS – determinantes sociais em saúde. E, em seguida, vamos estudar os modelos de atenção à saúde no Brasil: modelo biomédico e o modelo de determinação social – modelo sanitarista, entendendo a respeito do contraponto que há entre o modelo biomédico em relação ao modelo sanitarista que deu origem ao SUS. E, ainda, conhecendo os diversos outros modelos de atenção à saúde que ainda persistem na sociedade. Junto a isso, buscamos contribuir para que no decorrer dos estudos, você possa analisar e, ainda, criar o seu próprio mapa conceitual sobre as informações que norteiam a prática na gestão do serviço social, fazendo o exercício da relação teoria e prática. Portanto, sugerimos que você verifi que os assuntos aqui abordados e alinhe com a sua realidade profi ssional e/ou o que almeja desenvolver em sua prática quando estiver inserido em algum espaço sócio-ocupacional. Assim, compomos um conjunto de possibilidades de abordagem do tema proposto neste capítulo que corrobora com os estudos a respeito da Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia Saúde da Família. Fique atento e vamos juntos em busca do conhecimento e aprimoramento profi ssional. Bons estudos! 2 O CONCEITO DE PROMOÇÃO E PREVENÇÃO DA SAÚDE E OS DETERMINANTES SOCIAIS EM SAÚDE Os cuidados absolutos com a saúde sugerem atos de promoção da saúde, prevenção de enfermidades e fatores de risco e, após alojada a enfermidade, o tratamento correspondente às pessoas enfermas (BUSS, 2010). 12 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família Saúde é considerada enquanto direito humano basilar admitida por todas as agências mundiais e em todas as sociedades. Destarte, a saúde se apresenta no mesmo patamar com diversos direitos afi ançados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos – (DUDH), do ano de 1948: liberdade, alimentação, educação, segurança, nacionalidade, entre outros. A saúde é largamente admitida como uma elementar solução para o desenvolvimento pessoal, social, econômico, bem como uma das mais extraordinárias extensões da qualidade de vida. Desse modo, a saúde e qualidade de vida, ambos os assuntos estão diametralmente conexos, fato que podemos distinguir no nosso dia a dia. Logo, a saúde coopera para aprimorar a qualidade de vida e esta é basilar para que um sujeito e a comunidade tenham saúde. Em sinopse, promover a saúde é agenciar a qualidade de vida. De acordo com Buss (2010), no ano de 1986, na cidade de Ottawa, localizada no Canadá, foi realizada uma Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, que constituiu uma linha de princípios éticos e políticos, determinando os campos de ação. Segundo Buss (2010), esse tratado convencionado nessa conferência internacional diz que promoção da saúde é o método de habilitação da comunidade para agir no progresso da sua qualidade de vida e saúde, compreendendo máxima participação no controle desse procedimento. Ainda a respeito da promoção da saúde, os autores Verdi, Da Ros e Souza (2012) citam outros díspares modelos conceituais, sendo um deles alvitrado pela saúde coletiva brasileira e outros originários do Canadá. Desde o Relatório Lalonde, publicado no ano de 1974, no Canadá, e mais designadamente, posteriormente à Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, ocorrida no ano de 1986, em Ottawa, a compreensão de promoção da saúde irrompeu com o modelo de níveis de prevenção amparado durante décadas. Para alcançar uma condição de completo bem-estar mental, físico e social, os sujeitos e coletivos necessitam ter ciência para adaptações, controlar anseios, ter satisfação e alterar convenientemente o ambiente social, natural e político. Desse modo, a saúde contorna-se, segundo Buss (2010), um conceito prosaico, que ressalta as soluções sociais e pessoais, assim como as competências físicas. Portanto, não é encargo exclusivo de políticas de saúde e vai além de um costume de vida saudável, na administração de um bem-estar global. Consideramos algumas soluções imprescindíveis para ter saúde de modo pleno: alimentação adequada, recursos sustentáveis, paz, renda, moradia, 13 SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE Capítulo 1 educação, ambiente saudável, equidade e justiça social, com toda a complexidade que sugerem quaisquer desses quesitos. Destarte, a promoção da saúde é a decorrência de um contíguo de fatores sociais, coletivos, individuais, culturais, econômicos e políticos que se ajustam de contorno privado em cada sociedade e em conjunturas específi cas, resultando em sociedades mais ou menos saudáveis. Na maior parte do tempo de suas vidas, a maioria das pessoas é saudável, ou seja, não necessita de hospitais, CTI ou complexos procedimentos médicos, diagnósticos ou terapêuticos. Mas, durante toda a vida, todas as pessoas necessitam de água e ar puros, ambiente saudável, alimentação adequada, situações social, econômica e cultural favoráveis, prevenção de problemas específi cos de saúde, assim como educação e informação – estes, componentes importantes da promoção da saúde. Então, para promover a saúde é preciso enfrentar os chamados determinantes sociais da saúde. A promoção da saúde se refere às ações sobre os condicionantes e determinantes sociais da saúde, dirigidas a impactar convenientemente a qualidade de vida. Por essa razão, assinala-se essencialmente por uma conciliação intersetorial e pelas atuações de ampliação da compreensão sanitária educação para a saúde, direitos e deveres, estilos de vida e aspectos comportamentais, dentre outros. De tal modo, para aprimorar as condições de saúde de uma população são imprescindíveis modifi cações carregadas dos padrões econômicos no cerne dessas sociedades e ativação de políticas sociais, que são de modo eminente políticas públicas sociais. Isto é, para que uma sociedade alcance saúde para todos os seus cidadãos é imprescindível atuação intersetorial e políticas públicas de caráter integral (BUSS, 2010). A comissão nacional dos determinantes sociais da saúde fez uma análise profunda dos determinantes sociais da saúde no Brasil e uma série de políticas e ações, cujo desígnio derradeiro é a promoção da saúde. É importante destacarmos a defi nição que a Organização Mundial da Saúde – OMS – desenvolveu sobre saúde determinando que o estado de saúde não é apenas ausência de doença, mas o completo bem-estar psicossocial do ser humano, admitido pelo nome de determinantes sociais da saúde. O processo saúde-doença não está sujeito exclusivamente aos mecanismos biológicosque afetam o organismo humano, há múltiplos condicionantes titulados determinantes do processo saúde x doença; eles são os fatores sociais, étnico- 14 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família raciais, culturais, econômicos, comportamentais e psicológicos que infl uenciam o episódio de problemas de saúde e seus fatos de risco na população. Os DSS abrangem as características específi cas do contexto social que infl uem na saúde e o modo como as condições sociais afetam a saúde. As interações entre distintos graus de condições sociais produzem desigualdades em saúde, desde o âmbito individual até o nível das condições culturais, ambientais e econômicas que incidem em ampla parte da sociedade (GEIB, 2012). Ainda conforme Geib (2012), juntos, formam o contexto sociopolítico responsável pela estratifi cação dos grupos segundo os níveis de renda, escolaridade, profi ssão, sexo, gênero, local de moradia e outros fatores. Esses mecanismos de estratifi cação socioeconômica são descritos como determinantes estruturais da saúde ou como fatores sociais determinantes das desigualdades na saúde. FIGURA 1 – DETERMINANTES SOCIAIS NO PROCESSO SAÚDE X DOENÇA FONTE: A autora 15 SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE Capítulo 1 Para a atenção integral de saúde, de acordo com Buss (2010), é imprescindível empregar e associar saberes e práticas atualmente agregados em compartimentos avulsos: atenção médico-hospitalar; programas de saúde pública; vigilância epidemiológica; vigilância sanitária; educação para a saúde, entre outros. O autor ainda pronuncia que essa integração deve combinar ações extrassetoriais em abalizados âmbitos, como água, esgoto, resíduos, drenagem urbana, e ainda, na educação, habitação, alimentação e nutrição; e administrar esses saberes e práticas conexos a um território característico, díspar de outros territórios, onde reside uma população com predicados culturais, sociais, políticos, econômicos. Em síntese, é a sugestão de uma inovação prática sanitária interdisciplinar, que agrega díspares conhecimentos teóricos e práticas, que se cobrem de um novo atributo ao proferir, de modo organizado pelo paradigma da promoção da saúde, para o enfrentamento das difi culdades viventes num dado território particular. Um bom exemplo de ações que se voltam ao cuidado da promoção da saúde em sua totalidade, temos a estratégia de saúde da família e dos agentes comunitários de saúde, que ponderamos ser fundamental para esse processo de promoção e merecem o mais decidido apoio político e técnico para sua implementação. Verdi, Da Ros e Souza (2012) proferem que este exemplar conceitual em saúde proporciona uma nova confi guração de analisar o processo saúde x doença. Cabe destacar que esse modo de analisar a saúde tem sua ascendência no continente europeu, em meados do século XIX, num movimento denominado Medicina Social. Ainda de acordo com Verdi, Da Ros e Souza (2012), os autores mencionam a respeito de um médico social e patologista conhecido como Virchow, em que este afi rmava que os indivíduos enfermam e falecem pelo modo no qual vivem. Esse estilo de viver a vida é determinado por fatores de ordem social, cultural e econômica, o que por sua vez assinala-se o todo da manifestação da enfermidade. Os mesmos autores ressaltam ainda que no ano de 1848, Virchow organizou, com outros profi ssionais, a Lei de Saúde Pública da Prússia, em que profere que incumbe ao Estado o encargo de cuidar da saúde da população, que o Estado necessita promover a saúde e desenvolver estratégias de enfrentamento e tratamento da doença para todos os sujeitos, isto é, saúde é direito de todos, dever do Estado. Por fi m, Verdi, Da Ros e Souza (2012) acrescentam que foi esse movimento que guiou a constituição do nosso sistema único de saúde – SUS. 16 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família A respeito do conceito de determinação social incidindo no processo saúde- doença, Verdi, Da Ros e Souza (2012) mencionam outro profi ssional que se dedicou a estudar a temática: Henry Sigerist, no ano de 1942, este pronunciava que o profi ssional de medicina tinha quatro amplas tarefas, são elas: • promover saúde; • prevenir doenças; • restabelecer o doente; • reabilitá-lo. Promover saúde era apresentar qualidades de vida, trabalho, educação, cultura, lazer, acesso à cultura, ter descanso, cabe ainda avultar que o modelo da determinação social não se recusa a prestar o atendimento individual quando imprescindível, entretanto, ela é contextualizada numa semelhança entre cidadãos. Você sabia que existem modelos de saúde que são distintos uns dos outros e, por essa razão, possuem concepções distintas de saúde? Para aquecer o debate, consulte o artigo a seguir: Modelos assistenciais: reformulando o pensamento e incorporando a proteção e a promoção da saúde, com autoria de: PAIM, Jairnilson Silva. Disponível em: https://dms.ufpel.edu.br/sus/fi les/media/PaimJS_ ModelosAssistenciais.pdf Converse com sua equipe de trabalho e seus colegas de turma sobre a relevância da compreensão a respeito dos distintos modelos de atenção à saúde e a importância da concepção de promoção e prevenção em saúde para a prática profi ssional dos diversos profi ssionais que atuam no âmbito da saúde pública em distintos espaços ocupacionais. De acordo com Carvalho (2008), o modelo de promoção da saúde originário do Canadá tem a afi rmação do social, já que exibe a consignação do processo saúde-doença, a procura de superação do modelo biomédico e o comprometimento de saúde como direito de cidadania. 17 SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE Capítulo 1 Caro estudante: para contribuir ainda mais com o seu conhecimento; deixamos como sugestão de leitura os seguintes livros: O referido livro promove uma refl exão a respeito dos conceitos e tendências presente no discurso contemporâneo do campo da saúde coletiva com ênfase na promoção da saúde. Referência: CZERESNIA, D. FREITAS, C. M. de. Promoção da saúde: conceitos, refl exões, tendências. Scielo – Editora FIOCRUZ, 2009. O referido livro agencia uma discussão sobre mudanças na abordagem da saúde e nas práticas de atenção e tem gerado debate internacional, convergindo para um novo paradigma. Este é baseado na promoção da saúde, a qual defende uma evolução substantiva no modo como são formuladas e implementadas as políticas públicas que infl uenciam as condições de saúde da população. 18 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família A autora reconstitui a história social do conceito e das práticas de promoção da saúde como crítica ao entendimento prioritariamente biomédico da saúde. Analisa como Brasil e Canadá incorporaram em suas políticas públicas a proposta de promoção da saúde ratifi cada pela Declaração de Otawa, em 1986, assim como os componentes conceituais dessa proposta, teoricamente e em suas apropriações pelos dois países. Referência: RABELLO, L. S. Promoção da saúde: a construção social de um conceito em perspectiva comparada. Editora FIOCRUZ, 2010. De acordo com Buss (2003), resumidamente, as formulações de promoção da saúde podem ser agrupadas em duas amplas convergências, conforme aponta o quadro a seguir: QUADRO 1 – PROMOÇÃO DA SAÚDE A primeira, centrada no comporta- mento dos indivíduos e seus estilos de vida. Uma das características desta tendência é o seu enfoque fortemente comportamental, expresso por meio de ações de saúde que visam à transformação de hábitos e estilos de vida dos indivíduos, ponderando o ambiente familiar, assim como o contexto cultural em que convivem. A segunda, dirigida a um enfoque mais amplo de desenvolvimento de políticas públicas e condições favo- ráveis à saúde. Esta tendência se aproxima muito do modelo preventivo. As semelhanças entre a promoção da saúde e a prevenção de doenças nosexibe que prevenir é vigiar, antecipar aconteci- mentos indesejáveis em populações consideradas de risco, enquanto promover a saúde, quando não se trata de contro- lar politicamente as condições sanitárias, de trabalho e de vida da população em geral, mas quando procura cunhar hábitos saudáveis, é também uma vigilância. Uma vigilância que cada um de nós necessita desempenhar sobre si próprio. FONTE: Adaptado de Buss (2003) Nessa ótica, centrada no comportamento dos indivíduos e seus estilos de vida, a promoção da saúde acerca-se a priorizar aspectos educativos acoplados a fatores de riscos comportamentais singulares e, deste modo, método potencialmente atinado pelos próprios sujeitos. 19 SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE Capítulo 1 Essa tendência, dirigida a um enfoque mais amplo de desenvolvimento de políticas públicas e condições favoráveis à saúde, apontada por Buss (2003) como mais atualizada, pondera como fundamental à função protagonista dos determinantes sociais a respeito das condições de saúde, cujo extenso espectro de fatores está absolutamente pertinente com a qualidade de vida particular e coletiva. Logo, promover a saúde implica considerar um padrão adequado de alimentação, de habitação e de saneamento, boas condições de trabalho, acesso à educação, ambiente físico limpo, apoio social para famílias e indivíduos e estilo de vida responsável. Promover a saúde envolve, também, dirigir o olhar ao coletivo de indivíduos e ao ambiente em todas as dimensões, física, social, política, econômica e cultural. Por fi m, promover a saúde implica uma abordagem mais ampla da questão da saúde na sociedade. 1) (Adaptada - 2018 - FCC – Órgão Prefeitura de Macapá – AP): Saúde” e “Doença” são termos que, sob a perspectiva da História, vêm mudando de signifi cado ao longo do tempo. Contemporaneamente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que “Saúde não é apenas a ausência de doença ou enfermidade, mas um estado de completo bem-estar físico, mental e social”, sendo este conceito baseado em: a) ( ) Uma abordagem holística da saúde. b) ( ) Uma abordagem negativa de saúde. c) ( ) Características individuais e específi cas, próprias da espécie humana. d) ( ) Evidências científi cas que se consolidaram após o fi nal da Idade Média. 2) (2020 - CESPE/CEBRASPE – Órgão: Hub – Residência multiprofi ssional em saúde coletiva): A intersetorialidade constitui um dos princípios da Política Nacional de Promoção de Saúde (PNPS) e pressupõe a articulação dos saberes para a promoção de saúde. Quanto a esse assunto, analise e assinale o item a seguir: 20 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família A integração dos setores público e privado constitui a base do conceito da intersetorialidade em saúde, e tem o objetivo de alcançar a integralidade e a solução de um problema complexo e multicausal. ( ) CERTO ( ) ERRADO FIGURA 2 – RESULTADOS DA PROMOÇÃO DE SAÚDE FONTE: A autora Importa sinalizar que as intenções para o debate de promoção da saúde têm de forma trivial a importância do social, nessa conjuntura, a questão de saúde necessita ser apreendida como a competência para viver a vida de forma livre, independente, refl exiva e socialmente responsável, de que o cerne de intervenção do setor da saúde precisa ser em volta dos serviços e territórios (VERDI; DA ROS; SOUZA, 2012). Carece compreender a saúde por meio da politização das práticas sanitárias, tendo como alvo a produção de bens e serviços, a produção de sujeitos à democratização institucional. Nesse aspecto, a promoção da saúde precisa abarcar o fortalecimento da democracia e a intervenção no ambiente. A promoção da saúde é componente de díspares instâncias de decisões e, destacadamente, do aparelho estatal, que necessita organizar um conjunto de políticas públicas de natureza estrutural econômicas e infraestruturais e da mesma forma políticas públicas sociais como saúde, habitação, assistência social, segurança alimentar, educação entre outras que envolvem a necessidade da população. 21 SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE Capítulo 1 É importante compreendermos que a determinação da doença está diretamente ligada aos fatores sociais, e precisamos cada vez mais desenvolver ações de educação em saúde para que a população possa compreender a relevância destes determinantes sociais e adotar medidas de promoção da sua própria saúde. Destarte, compreensão da forma de organização da sociedade no capitalismo nos permite conhecer o papel e os limites estruturais do Estado, para viabilizar ou para não assumir políticas sociais e, dentre elas, as de saúde. Assim, compreenderemos como isso vai gerar desigualdades sociais, eixo para entender a determinação social da doença (VERDI; DA ROS; SOUZA, 2012). Este nos leva a refl etir que o poder capitalista internacional com seus representantes nacionais, bem como o próprio interesse capitalista nacional procura adotar os encargos de comando, tanto no poder Executivo como no Legislativo e Judiciário, para afi ançar uma política que assevere a reprodução do capital (VERDI; DA ROS; SOUZA, 2012). Assim, confi gura ser um problema para a classe trabalhadora e principalmente para a grande massa de pessoas que vivem em situação de pobreza extrema. É importante registrar que isso tem alusões diretas no sistema único de saúde pública para a população brasileira. A hegemonia dominante assume também papéis nos órgãos de imprensa e na lógica das igrejas e impregna sua ideologia. Por fi m, fazendo referência ao que diz respeito ao modelo de prevenção de saúde proposto originalmente para elucidar a história natural da doença, oferece três coefi cientes de prevenção: primário, secundário e terciário. No coefi ciente primário, defendia a existência de um nível primário de prevenção. É salutar ressaltar que nesse modelo o foco central é a prevenção da doença. Portanto, essa concepção de prevenção da saúde versa, na veracidade, a respeito da doença, e não propriamente da promoção de saúde (VERDI; DA ROS; SOUZA, 2012). Contudo, a principal diferença encontrada entre prevenção e promoção está no olhar sobre o conceito de saúde; na prevenção, a saúde é vista simplesmente como ausência de doenças, enquanto na promoção, a saúde é enfrentada como um conceito positivo e multidimensional procedendo deste modo, em um modelo participativo de saúde na promoção em oposição ao modelo médico de intervenção (CZERESNIA, 1999 apud FREITAS, 2003). 22 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família 2.1 OS MODELOS DE ATENÇÃO À SAÚDE NO BRASIL: MODELO BIOMÉDICO E MODELO DE DETERMINAÇÃO SOCIAL – MODELO SANITARISTA Neste subtópico, você vai ter o ensejo de estudar a respeito das concepções de alguns modelos de atenção à saúde, conhecendo-os e compreendendo seus objetivos e características, além de apreender a respeito de um breve histórico da constituição destes. Para pronunciarmos a respeito dos modelos de atenção à saúde brasileira é importante discorrermos a priori sobre a concepção de medicina social que teve origem no século XVIII, na Europa, em uma ampla metodologia de rearticulação social da prática médica o qual Foucault designou de “nascimento da medicina social”, indicando que o capitalismo socializou o corpo como força de produção e de trabalho, e isso iria se estabelecer através da medicina (MENEGHEL, 2004). Assim, a medicina, em uma estratégia biopolítica, conquistaria, depois disso, um lugar na sociedade como seu objeto de trabalho. A medicina não social, individualista, clínica, essa não existe, no entanto foi uma fantasia pela qual certa forma de prática “associal” de medicina – a prática privada – se respaldou e se fundamentou (MENEGUEL, 2004). A medicina social pesquisa e estuda a dinâmica do processo saúde/doença, a ligação com a estrutura organizacional de atenção médica e com o corpo social,intencionando à obtenção de níveis robustos possíveis de saúde e bem-estar. Na Europa do século XVIII, a medicina social surgiu distinguindo-se em três principais tendências: o sanitarismo inglês, focado na medicina da força de trabalho; o urbanismo francês, empenhado com a salubridade das cidades; e por fi m, a polícia médica, essa se constituiu na Alemanha, delimitada por uma imensa atenção com o controle sanitário. O movimento da medicina social defi nia que a participação política é o principal meio estratégico de mudança da realidade de saúde, na perspectiva de que as revoluções populares garantissem justiça, igualdade e cidadania. Na América Latina, o período transcorrido entre o fi nal do século XIX até 1930, distingue-se pelas investigações no âmbito da higiene, patrocinadas pelo 23 SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE Capítulo 1 Estado e elaboradas por institutos de pesquisa nos padrões europeus. A chamada “revolução científi ca”, permeada pelas descobertas da bacteriologia, disporia com que o foco causal se transportasse das condições sociais para os microrganismos. Desse modo, o ideal indicado era o de achar uma vacina para cada tipo de agente infeccioso e executar medidas de controle das doenças sem uma análise ou questionamento do ambiente socioeconômico e cultural. É como se o retorno às explicações causais de cunho biológico em desfavor dos pressupostos sociais das doenças acontecesse periodicamente. No momento atual, esse juízo impregna os estudos e pesquisas que trata de vários agravos, podendo-se mostrar mais diretamente a intensa busca por uma vacina para a AIDS, que possa controlar a doença sem pontuar questões importantes que envolvem gênero, sexualidade e drogadição, entre outros. Nos primórdios do século XX, coincidiu com a criação dos institutos de medicina tropical e as campanhas contra determinadas doenças, o saneamento dos portos, a revolta contra a vacina obrigatória. Tivemos ainda as pesquisas fundamentadas na parasitologia e os levantamentos entomológicos, independentemente do pensamento de alguns sanitaristas do período, já se depara-se com o embrião do pensamento ecológico, principalmente na obra de Samuel Pessoa, este elaborou interessantes teorias a respeito dos nichos ecológicos de doenças transmissíveis (MENEGHEL, 2004). Um aspecto a salientar é que a redução nos índices das doenças transmissíveis na Europa foi atribuída aos feitos da medicina bacteriana. Porém, mais tarde, foi evidenciado que tal fato deveu-se, na realidade, à Revolução Vital, ou seja, à melhoria da qualidade de vida, e não aos atos médicos propriamente ditos. As esperanças em relação à medicina bacteriana caíram na década de 1930, um momento crítico permeado pela crise ocasionada pelos elevados custos da medicina científi ca sem diminuir os níveis das doenças. A morbidade e a mortalidade, ocasionadas por doenças infecciosas e parasitárias, transformaram para um cenário do qual os agravos crônico-degenerativos tomaram maiores proporções, somados do acréscimo da expectativa de vida, padrão qualifi cado de transição epidemiológica (MENEGHEL, 2004). O novo modelo de justifi cativa para a saúde/doença, criado em 1930, nos Estados Unidos, tentava racionalizar os altos custos da assistência médica. Assim, estava inaugurada a medicina preventiva, respaldada na história natural da doença e também nos pressupostos de prevenção à saúde. 24 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família A gênese das doenças encontrava-se em um período de pré-patogênese, composto pela notável tríade de agentes e hospedeiros equilibrados em uma balança, do qual fi el é o ambiente. Estudiosos e pesquisadores elaboraram duras críticas ao modelo preventivista, especialmente no que toca à superfi cialidade da proposta e à homogeneização dos fatores determinantes da saúde/doença (MENEGHEL, 2004). Na década de 1970, muitas propostas de ampliação de cobertura de serviços de saúde e ainda de cuidados básicos em saúde foram questionados. A medicina social acompanhou de perto essas propostas, entretanto, paralelamente, ela tenha se estabelecido em uma referência de contestação ao pensamento hegemônico da saúde pública – reducionista e biologista. Desse modo, a saúde coletiva só iria afl orar nos anos 1980, baseada na interdisciplinaridade como facilitadora de um conhecimento vasto de saúde e na multiprofi ssionalidade como uma maneira de enfrentar a diversidade interna ao saber/fazer das práticas sanitárias (MENEGHEL, 2004). A saúde coletiva – estabelecida nos limites do biológico e do social – segue pela frente a responsabilidade de pesquisar, compreender e interpretar as questões determinantes da produção social das doenças e da organização social dos serviços de saúde, quer no âmbito diacrônico quer no plano sincrônico da história. A saúde coletiva, ao incorporar as ciências humanas no campo da saúde, reorganiza as coordenadas deste campo, conduzindo para seu interior as perspectivas simbólica, ética e política. A atenção à saúde caracteriza a organização estratégica do sistema e das práticas de saúde em explicação às necessidades da população. E manifesta- se em políticas, programas e serviços de saúde consoante os princípios e as diretrizes que compõem e estruturam o Sistema Único de Saúde (SUS). O entendimento do termo atenção à saúde diz respeito tanto a processos históricos, políticos e culturais que manifestam disputas por projetos no campo da saúde e à própria visão de saúde sobre o objeto e os objetivos de suas ações e serviços, signifi ca como tem de ser as ações e os serviços de saúde, como a quem se destinam, sobre o que incidem e a maneira como se organizam para alcançar suas metas (MATTA; MOROSINI, s.d.). Numa concepção histórica, o sentido de atenção almeja superar a clássica oposição entre as dualidades: a assistência e a prevenção, entre indivíduo e coletividade, que por longo tempo marcou as políticas de saúde no Brasil. Sendo assim, refere-se à história ao corte entre as iniciativas de caráter individual e 25 SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE Capítulo 1 curativo, que defi nem a assistência médica, e as iniciativas de caráter coletivo e massivo, de fi nalidades preventivas, específi cas da saúde pública. Essas duas formas aqui mencionadas de confi gurar e de ordenar as ações e os serviços de saúde caracterizaram dois modelos diferenciados – o modelo biomédico e o modelo campanhista/preventivista – estes marcaram, mutuamente, a assistência médica e a saúde pública, expressões do setor saúde brasileiro cuja separação, há muito instituída, ainda refl ete um desafi o para a confi guração da saúde em um sistema integrado. O modelo biomédico, desenvolvido ainda o século XIX, relaciona doença à lesão, limitando o processo saúde-doença a sua dimensão anatomofi siológica, removendo as dimensões histórico-sociais, como a cultura, a política e a economia e, em consequência disso, colocando seus principais planejamentos interventivos no corpo doente. Você sabe que também existe o conceito de medicina preventiva? E você sabe o que signifi ca medicina preventiva? A medicina preventiva é a especialidade médica focada em evitar o desenvolvimento de doenças, reduzir o impacto das enfermidades na saúde dos indivíduos e melhorar a qualidade de vida de pacientes em tratamento. O conceito de medicina preventiva surgiu em meados do século XX como um movimento que propunha uma abordagem diferente da medicina. A ideia básica era mudar o foco da prática médica, que até então se concentrava exclusivamente no tratamento das doenças, para uma visão mais voltada à promoção da saúde. Em contrapartida, desde o fi nal do século XIX, o modelo preventivista ampliou o paradigma microbiológico da doença para as populações, defi nindo-se como um saber epidemiológico e sanitário, objetivando o ordenamento, organização e à higienização dos espaços humanos.No Brasil, tais modelos de atenção são possíveis ser compreendidos em relação às condições socioeconômicas e políticas criadas nos vários períodos históricos de organização da sociedade brasileira (MATTA; MOROSINI, s.d.). 26 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família Os autores ainda expressam que o modelo campanhista – motivado por interesses agroexportadores no começo do século XX – fundamentou-se em campanhas sanitárias no combate às epidemias de febre amarela, peste bubônica e varíola, estabelecendo programas de vacinação obrigatória, desinfecção dos espaços públicos e residências e demais ações de medicalização do espaço urbano, que focaram, em sua maioria, nas camadas mais empobrecidas da população. Esse modelo perdurou no cenário das políticas de saúde brasileiras até o início da década de 1960 (MATTA; MOROSINI, s.d.). O modelo previdenciário-privatista surgiu na década de 1920 infl uenciado pela medicina liberal, e seu objetivo era ofertar assistência médico-hospitalar para os trabalhadores urbanos e industriais, na modalidade de seguro-saúde/ previdência. Sua ordenação é marcada pela lógica da assistência e da previdência social, a princípio, limita-se a algumas corporações de trabalhadores e, em seguida, unifi cando-se no Instituto Nacional de Assistência e Previdência Social – INPS – em 1966, e vai ampliando-se gradualmente aos demais trabalhadores formalmente inseridos na economia. Esse modelo é conhecido também pela sua dimensão hospitalocêntrica, pois, a partir da década de 1940, a rede hospitalar começou a receber um volume robusto de investimentos, e a atenção à saúde foi se consolidando sinônimo de assistência hospitalar. Refere-se à maior manifestação na história do setor saúde brasileiro da concepção médico-curativa, alicerçada no paradigma fl exneriano, marcado por uma concepção mecanicista do processo saúde-doença, pelo reducionismo da causalidade aos agentes biológicos, focado na atenção sobre a doença e o indivíduo. Nessa perspectiva organizou o ensino, e o trabalho médico foi um dos responsáveis pela fragmentação e hierarquização do desenvolvimento de trabalho em saúde e pelo alastramento das especialidades médicas (MATTA; MOROSINI, s.d.). Conforme os apontamentos dos autores, nesse mesmo processo, o modelo campanhista da saúde pública, guiado pelas intervenções na coletividade e nos espaços sociais, perde terreno e infl uencia o cenário político e o orçamento público do setor saúde, que passa a preferir a assistência médico-curativa, chegando a comprometer a prevenção e o controle das endemias no território nacional (MATTA; MOROSINI, s.d.). 27 SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE Capítulo 1 Se você quiser conhecer mais sobre os assuntos abordados, vamos deixar a indicação de alguns livros que se articulam com o assunto tratado neste subtópico: Este livro é indicado para as áreas de Medicina, Nutrição, Enfermagem, Fisioterapia, Psicologia, Odontologia, Farmácia, Medicina Veterinária, Serviço Social, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e muitas outras ligadas à saúde. Possui um arcabouço teórico bem aprofundado a respeito dos conceitos, teorias sobre a saúde pública no Brasil. Referência: MAGALHÃES, Thereza Maria (coord.) Manual de Saúde Pública. 2. ed. Salvador: Editora Sanar, 2019. Um livro didático e de referência que inclui os eixos de análise individual/coletivo, clínico/epidemiológico e público/privado, além de congregar autores com experiência na gestão de serviços e do próprio sistema, nos três níveis da federação. 28 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família A construção do SUS há muito deixou de ser obra exclusiva de intelectuais capazes de ler em língua estrangeira. Temos ‘construtores’ que leem na realidade concreta dos serviços e da gestão, e que participam ativamente do complexo processo de construção cotidiana da saúde. Referência: GIOVANELLA, Lígia; ESCOREL, Sarah; LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa; NORONHA, José de Carvalho; CARVALHO, Antônio Ivo de. Políticas e sistema de saúde no Brasil. SciELO - Editora FIOCRUZ, 2012. Ao fi nal da década de 1970, vários segmentos da sociedade civil – entre eles, usuários e profi ssionais de saúde pública – aborrecidos com o sistema de saúde brasileiro começaram um movimento de luta pela ‘atenção à saúde’ como um direito de todos e um dever do Estado. Esse movimento fi cou conhecido como Reforma Sanitária Brasileira e resultou na instituição do SUS por meio da Constituição de 1988. A Constituição de 1988 destinou alguns artigos específi cos para tratar especifi camente a respeito da saúde, tamanha a necessidade de avalizá-la enquanto direito inerente a todos os cidadãos. O texto constitucional apresenta a saúde delineando-a legalmente através de princípios e diretrizes que necessitam ponderar as atividades do Estado e da sociedade em prol da proteção social e integral da saúde enquanto direito no Brasil. Nesse compasso, os legisladores brasileiros elaboraram normas legais com vistas a proteger o direito à saúde no Brasil, expandindo signifi cativamente esse direito a todas as pessoas que dele necessitarem. Dentre os direcionamentos legais promovidos pela Constituição Federal de 1988, que protegem o Direito à Saúde, destacam-se os artigos 196 ao 200. Tratando, assim, a saúde um dever do Estado, além de orientar legalmente a necessidade dos estados, municípios e União de organizar os atendimentos em saúde de maneira descentralizada e com a participação da população, além de avultar sobre a necessidade de sistematizar esse atendimento em forma de um sistema único. O Estado em suas três esferas, precisa implementar políticas econômicas e sociais com vistas à redução dos riscos de enfermidades e demais agravos, e, sobretudo realizar ações de promoção do acesso universal e igualitário às ações e serviços empreendidos pelo poder público em relação a saúde. 29 SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE Capítulo 1 Com o reconhecimento legal da saúde sendo inserida no texto constitucional, sendo considerada direito social fundamental, ela passa a receber proteção jurídica e legal com vistas a assegurar esse direito a todos os cidadãos, o que concerne em obrigar o poder público a fazer seu papel na oferta de atendimento em saúde em todos os níveis de atenção, sempre de acordo com as necessidades da população. A Constituição Federal de 1988 representa o principal marco legal de consolidação de direitos sociais no país, e do Estado democrático de Direito; mormente, porque se delineou após o longo período de ausência de democracia, de liberdade de expressão e direitos cassados e negados. A Constituição Federal, ainda, pôs fi m à lógica de atendimento à saúde, atrelada à contribuição com a previdência social, passando assim a ser universal e demarcou o início do atendimento em saúde nos motes de sistema único, podemos assegurar que ela preconizou o Sistema Único de Saúde – SUS – brasileiro. Posteriormente regulamentado pelas leis nº 8.080/90 e 8.142/90, chamadas Leis Orgânicas da Saúde. 1) No que diz respeito à saúde enquanto política pública brasileira, como ela está apresentada no campo da seguridade social da Constituição Federal de 1988? 2) Sabe-se que a promulgação da Carta Magna em 1988 assegurou o direito da população à saúde e, ao Estado, o dever de assegurar esse direito a todos brasileiros. Assim, como o Estado garantirá o acesso à saúde para a população? Em meio ao movimento de consolidação do SUS, a noção de atenção afi rma-se na tentativa de produzir uma síntese que expresse a complexidade e a extensão da concepção ampliada de saúde que marcou o movimento pela Reforma Sanitária: saúde é a resultado das condições de habitação, alimentação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, promoção e posse da terra e ascensão a serviçosde saúde (MATTA, MOROSINI, s.d.). 30 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família A partir dessa concepção ampliada do processo saúde-doença, a atenção à saúde intenta conceber e organizar as políticas e as ações de saúde numa perspectiva interdisciplinar, partindo da crítica em relação aos modelos excludentes, seja o biomédico curativo ou o preventivista. No âmbito do SUS, há três princípios fundamentais a serem considerados em relação à organização da atenção à saúde, são eles: o princípio da universalidade, pelo qual o SUS deve garantir o atendimento de toda a população brasileira; o princípio da integralidade, pelo qual a assistência é apreendida como um conjunto articulado e ininterrupto das ações e serviços preventivos e curativos, singulares e coletivos; e o princípio da equidade, pelo qual esse atendimento deve ser garantido de forma igualitária, porém, contemplando a multiplicidade e a desigualdade das condições sociossanitárias da população (BRASIL, 1990). Em relação à universalidade, o desafi o posto à organização da ‘atenção à saúde’ é o de constituir um conjunto de ações e práticas que permitam incorporar ou reincorporar parcelas da população historicamente apartadas dos serviços de saúde. Da mesma forma, ao pautar-se pelo princípio da integralidade, a organização da ‘atenção à saúde’ implica a produção de serviços, ações e práticas de saúde que possam garantir, a toda a população, o atendimento mais abrangente de suas necessidades. Já em relação à equidade, a ‘atenção à saúde’ precisa orientar os serviços e as ações de saúde segundo o respeito ao direito da população brasileira em geral de ter as suas necessidades de saúde atendidas, considerando, entretanto, as diferenças historicamente instituídas e que se expressam em situações desiguais de saúde segundo as regiões do país, os estratos sociais, etários, de gênero entre outros. 31 SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE Capítulo 1 FIGURA 3 – PRINCÍPIOS ORGANIZATIVOS E DOUTRINÁRIOS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE PRECONIZADOS A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 FONTE: A autora Já os princípios organizativos têm as seguintes funções: • Regionalização - ter serviços de saúde dentro dos territórios sem ter a necessidade das pessoas se deslocarem para muito distante de sua região; artigo 198 da CF/1988. • Descentralização - responsabilização dos vários entes (municípios, estados, DF e União) em fazer um sistema único de alcance e qualidade para todos; está preconizado no artigo 198 da CF/1988. • Participação popular – tem os cidadãos participando das discussões e debates sobre o atendimento em saúde, através dos conselhos municipais de saúde, conferências entre outros, nos três níveis – Municipal, Estadual e Federal. Premido, de um lado, pelas tensões geradas por essa pauta de princípios e, de outro, pela convivência com os paradigmas do modelo assistencialista, o 32 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família SUS organizou o modelo de atenção à saúde de forma hierarquizada, em níveis crescentes de complexidade. Segundo essa lógica, os serviços de saúde são classifi cados nos níveis primário, secundário e terciário de atenção, conforme o grau de complexidade tecnológica requerida aos procedimentos realizados. A imagem associada a essa hierarquização é a de uma pirâmide, em cuja base se encontram os serviços de menor complexidade e maior frequência, que funcionariam como a porta de entrada para o sistema. No meio da pirâmide estão os serviços de complexidade média e alta, aos quais o acesso se dá por encaminhamento e, fi nalmente, no topo estão os serviços de alta complexidade, fortemente especializados. Essa tentativa de organizar e racionalizar o SUS, se, por um lado, proporcionou um desenho e um fl uxo para o sistema, por outro, reforçou a sua fragmentação e subvalorizou a atenção primária como um lócus de tecnologias simples, de baixa complexidade. Em contraposição, o modelo de atenção pode constituir-se na resposta dos gestores, serviços e profi ssionais de saúde para o desenvolvimento de políticas e a organização dos serviços, das ações e do próprio trabalho em saúde, de forma a atenderem às necessidades de saúde dos indivíduos, nas suas singularidades, e dos grupos sociais, na sua relação com suas formas de vida, suas especifi cidades culturais e políticas. O modelo de atenção pode, enfi m, buscar garantir a continuidade do atendimento nos diversos momentos e contextos em que se objetiva a atenção à saúde. Nesse sentido, existem também propostas de atenção dirigidas a grupos específi cos que podem ser descritas como políticas voltadas para atenção à saúde por ciclo de vida – atenção à saúde do idoso, à criança e ao adolescente, atenção à saúde do adulto; a portadores de doenças específi cas – atenção à hipertensão arterial, diabetes, hanseníase, DST/Aids, entre outras; e relativas a questões de gênero – saúde da mulher e, mais recentemente, saúde do homem. Essas propostas podem vir associadas a estratégias de centralização política e especialização técnica, historicamente concebidas como programas de saúde que antagonizam com a lógica da integralidade, uma vez que favorecem a fragmentação das políticas e das ações de saúde e buscam uniformizar a intervenção por meio de protocolos técnico-científi cos pouco permeáveis às especifi cidades políticas, sociais e culturais. 33 SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE Capítulo 1 Ao contrário, argumenta-se que a complexidade dos problemas de saúde requer para o seu enfrentamento a utilização de múltiplos saberes e práticas. Desse modo: O sentido da mudança do foco dos serviços e ações de saúde para as necessidades individuais e coletivas, portanto para o cuidado, implica a produção de relações de acolhimento, de vínculo e de responsabilização entre os trabalhadores e a população, reforçando a centralidade do trabalho da equipe multiprofi ssional (EPSJV, 2005, p. 75). Numa dimensão ético-política, isso signifi ca afi rmar que a ‘atenção à saúde’ se constrói a partir de uma perspectiva múltipla, interdisciplinar e, também, participativa, na qual a intervenção sobre o processo saúde-doença é resultado da interação e do protagonismo dos sujeitos envolvidos: trabalhadores e usuários que produzem e conduzem as ações de saúde. 1) Na Constituição Federal, na seção II da saúde, o artigo 198 informa que as ações e os serviços públicos de saúde devem integrar uma rede regionalizada, compor um sistema único e seguir algumas diretrizes. Quais são essas diretrizes? 2) Sabe-se que no Brasil, mesmo com a implantação do SUS, a partir da Constituição Federal de 1988, ainda nos deparamos com outro tipo de projeto para a saúde brasileira. Qual é esse outro tipo de projeto? É importante destacar que os modelos apresentados anteriormente são formas de organização do sistema em diferentes períodos históricos no Brasil. Atualmente, apesar do modelo preconizado ser a Atenção Básica em Saúde, os demais modelos aqui estudados ainda estão presentes em formas de organização de programas e nas práticas de atenção à saúde. Para melhor síntese de compreensão sobre os modelos de atenção, explicitamos no quadro os principais modelos do Estado brasileiro e suas distintas características: 34 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família QUADRO 2 – SÍNTESE DOS MODELOS DE ATENÇÃO À SAÚDE NO ESTADO BRASILEIRO SANITARISMO ASSISTENCIALISMO MÉDICO ATENÇÃO BÁSICA EM SAÚDE Características organizacionais Financiamento público estatal Financiamento misto (estado, empregador) Financiamento público com repasse e autono- mia municipal Acesso universal Acesso à população defi nida Acesso progressivamen- te universal (territorial) Ações não hospitalares Ações enfaticamente hospitalares Ações territorializadas e indutoras de redesda atenção à saúde Ações verticais sem participação social Controle social inci- piente Participação popular e controle social Características das práticas de atenção à saúde Proteção social focali- zada e seletiva Proteção social meri- tocrática (acesso para quem tem vínculo de trabalho ou pagamento direto) Proteção social univer- sal Ações de prevenção Ações curativas Orientado pela integra- lidade Ações programadas Atendimento à deman- da Equilíbrio entre ações programadas e aten- dimento à demanda espontânea Ações sobre o ambien- te e coletividade Ações individuais Ações individuais e coletivas centradas no usuário/família/comu- nidade Práticas não necessa- riamente médicas Práticas enfaticamente médicas Práticas multiprofi ssio- nais Processo saúde-do- ença na perspectiva microbiológica Processo saúde-do- ença na perspectiva anatomoclínica Processo saúde-doença baseado nos determi- nantes sociais de saúde FONTE: <https://dms.ufpel.edu.br/sus/fi les/U02.html>. Acesso em: 11 maio 2021. Compreendemos que a saúde foi uma das áreas cujos avanços constitucionais foram mais relevantes. O Sistema Único de Saúde – SUS –, constituinte da Seguridade Social e uma das proposições do Projeto de Reforma Sanitária, foi regulamentado, em 1990, pela Lei Orgânica da Saúde – LOS. Ao analisar o SUS como uma estratégia, o Projeto de Reforma Sanitária tem como base o Estado democrático de direito, encarregado das políticas sociais e, consequentemente, da saúde (CFESS, 2010). 35 SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE Capítulo 1 Ressalta-se como fundamentos desse plano a democratização do acesso; a universalização das ações; a evolução da qualidade dos serviços, com a implementação de um novo modelo assistencial centrado na integralidade e equidade das ações; a democratização das informações e lisura no uso de recursos, bens e ações do governo; a descentralização com controle social democrático; a interdisciplinaridade nas ações. Possui como premissa básica a defesa da saúde como direito de todos e dever do Estado (BRAVO, 1999; BRAVO; MATOS, 2001). A proposta elementar da Reforma Sanitária é a defesa da universalização das políticas sociais e a garantia dos direitos sociais. Nesse sentido, destaca- se a concepção ampliada de saúde, defi nidas como melhores condições de vida e de trabalho, com destaque nos determinantes sociais; a nova organização do sistema de saúde através da construção do SUS, aliado aos princípios da intersetorialidade, integralidade, descentralização, universalização, participação social e também a redefi nição dos papéis institucionais das unidades políticas (União, Estado, municípios, territórios) na prestação dos serviços de saúde; e efetivo fi nanciamento do Estado. Cabe destacar que no ano de 1989, nas eleições presidenciais, há uma disputa entre dois projetos societários: Democracia de Massas X Democracia Restrita (NETTO, 1990), erigidos no processo da relação Estado – Sociedade. O projeto Democracia de Massas pressupõe a ampla participação social, agregando as instituições parlamentares e os sistemas partidários através de uma malha de organizações de base: sindicatos, comissões de empresas, organizações de profi ssionais e de bairros, movimentos sociais urbanos e rurais. FIGURA 4 – DEMOCRACIA RESTRITA X DEMOCRACIA DE MASSAS FONTE: A autora 36 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família Esse projeto propõe associar a democracia representativa com a democracia direta e concebe ao Estado democrático de direito a responsabilidade e o dever de construir respostas às expressões da questão social. O projeto Democracia Restrita restringe os direitos sociais e políticos com a concepção de Estado mínimo, ou seja, máximo para o capital e mínimo para o trabalho. O enxugamento do Estado é a grande meta, como também a substituição das lutas coletivas por lutas corporativas. Na década de 1990, em consequência das derrotas sofridas pelo projeto Democracia de Massas, fortalece-se um rumo político das classes dominantes no processo de enfrentamento da crise brasileira. Nessa perspectiva, as principais estratégias do grande capital passam a ser: fervorosa crítica às conquistas sociais da Constituição Federal de 1988, com ênfase para a concepção de Seguridade Social, e a edifi cação de uma cultura persuasiva para a transmissão e tornar seu projeto consensual e compartilhado (MOTA, 1995). É notável, nessa década, a afi rmação das contrarreformas de forte caráter neoliberal, apregoadas pelas agências internacionais. As propostas do grande capital têm como vetores privilegiados, segundo Mota (1995), a defesa do desenvolvimento de privatização e a constituição do cidadão consumidor. Na defesa do processo de desenvolvimento de privatização, destaca-se a mercantilização da Saúde e da Previdência e a ampliação do assistencialismo. FIQUE ATENTO Mesmo com a promulgação da Constituição Federal em 1988, trazendo a saúde como direito social fundamental e assegurando-a enquanto direito de todo cidadão; não deixou de existir um outro projeto de saúde no Brasil, que é o que chamamos de projeto privatista. Esse projeto visa destinar o direito da saúde apenas para garantir os mínimos em saúde, e que esse direito seja regulado pelo mercado, tem um forte apelo a não universalização das ações, voltando-se para a ideia de que para se ter acesso à saúde se fazem necessárias contribuições. O que podemos concluir que esse tipo de projeto altamente neoliberal, circunda a política de saúde, e que a população precisa fazer resistência juntamente com os movimentos sociais e trabalhadores do SUS para não deixar esse projeto avançar ainda mais e destituir o SUS. 37 SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE Capítulo 1 FONTE: CFESS. Parâmetros de atuação do assistente social na saúde. Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/Parametros_ para_a_Atuacao_de_Assistentes_Sociais_na_Saude.pdf. Acesso em: 10 maio 2021. As principais diretrizes são: a Reforma da Previdência anexada no bojo da Reforma do Estado, que vem sendo instituída progressivamente e possui características de uma contrarrevolução ou contrarreforma; a defesa do SUS para os menos favorecidos e a refi lantropização da assistência social, com forte proliferação da ação do setor privado no âmbito das políticas sociais (GUERRA, 1998). A contrarreforma do Estado atingiu a saúde através das proposições de contenção do fi nanciamento público; da divisão entre ações curativas e preventivas, rompendo com a concepção de integralidade por intermédio da elaboração de dois subsistemas: o subsistema de entrada e controle. Ou seja, de atendimento básico, de obrigação do setor estatal visto que esse atendimento não é de preocupação do setor privado e o subsistema de referência ambulatorial e especializada, composto por unidades de maior complexidade que seriam transformadas em Organizações Sociais (CFESS, 2010). A política pública de saúde tem encontrado notórias difi culdades para sua efetivação, como a desigualdade de acesso da população aos serviços de saúde, o desafi o de construção de práticas baseadas na integralidade, os dilemas para alcançar a equidade no fi nanciamento do setor, os avanços e recuos nas experiências de controle social, a falta de articulação entre os movimentos sociais, entre outras. Todas essas questões são exemplos de que a construção e consolidação dos princípios da Reforma Sanitária permanecem como desafi os fundamentais na agenda contemporânea da política de saúde. FIQUE ATENTO A concepção de saúde como direito de todos os cidadãos somente foi admitida pelo Estado brasileiro a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. Ganha especial atenção dos preceitos constitucionais, devido a estar arrolado na 38 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família seção II da ordem social em queapresenta a quem se destina, além dos princípios e diretrizes para a sistematização do Sistema Único de Saúde (SUS) para o Brasil. É necessário que todos/as profi ssionais que atuam ou desejam atuar no âmbito do SUS, quer seja na atenção básica, nível secundário e/ou terciário, entenda sobre equidade, universalidade, integralidade, descentralização e participação popular, que se constituem como princípios organizativos do SUS que orientarão as ações nos três níveis de atenção à saúde. É importante enfatizarmos que o projeto de reforma sanitária brasileira, edifi cado a partir da metade dos anos de 1970, encontra-se sendo intencionalmente deslegitimado e enfraquecido em suas ações e recursos, para que assim possa perder sua notoriedade para o projeto voltado para o mercado ou privatista, que encontrou base na lógica neoliberal a partir dos anos 1990. O projeto da saúde articulado ao mercado ou à reatualização do modelo médico assistencial privatista está pautado na Política de Ajuste, que tem como principais tendências: • a contenção dos gastos com racionalização da oferta; • a descentralização com isenção de responsabilidade do poder central. A incumbência do Estado, nesse projeto, se traduz em garantir um mínimo àqueles que não podem pagar, fi cando para o setor privado o suporte aos que têm acesso ao mercado, diante disso, suas propostas relevantes nesse sentido são: caráter focalizado para assistir às populações em situação de vulnerabilidade através do pacote básico para a saúde, expansão da privatização, forte incentivo ao seguro privado, descentralização dos serviços em âmbito local e eliminação da vinculação de fonte com relação ao fi nanciamento (CFESS, 2010). Existem alguns sites acadêmicos que reúnem publicações de artigos acadêmicos de várias revistas eletrônicas acadêmicas, dentre eles, deixamos como indicação o site da Scielo; sendo assim, segue o site para que possa acessar e navegar: https://scielo.org/. 39 SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE Capítulo 1 A universalidade do direito – um dos fundamentos centrais do SUS e contido no projeto de Reforma Sanitária – é um dos aspectos que tem provocado resistência dos formuladores do projeto privatista da saúde. Os valores solidários, coletivos e universais que alicerçam a formulação da Seguridade Social lavrada na Constituição de 1988 estão sendo trocados pelos valores individualistas, corporativos, focalistas, que expande a consolidação do projeto direcionado para o mercado, que possui por suporte a consolidação do SUS para os vulneráveis e a segmentação do sistema (CFESS, 2010). Você sabe qual a importância do movimento da reforma sanitária para assegurar a saúde pública no Brasil enquanto direito de todos os cidadãos? Esse movimento ocorreu em vários países no mundo e, no Brasil, deu início a partir do fi nal da década de 1970, em meio ao período ditatorial militar. Cabe ressaltar que o Brasil se espelhou no movimento sanitarista da Itália. Várias entidades como: Centro de Estudos brasileiros – CEBES (1976); Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO (1979) foram se organizando no Brasil para fortalecimento desse movimento, para que pudesse alcançar a mudança estrutural de atendimento em saúde para a população brasileira. O movimento ganhou mais força quando se concretizou a VIII Conferência em saúde realizada em Brasília no ano de 1986, em que se debateu profundamente a mudança na forma de ofertar saúde no Brasil, e que essa mudança deveria ser a partir da universalização do acesso, bem como conceber a saúde não apenas como curativa, mas, sim, de prevenção e promoção, além de ter mecanismos legais para assegurar seu fi nanciamento. Ponderamos, deste modo, que esse movimento que reuniu vários profi ssionais e a participação da população, foi fundamental para que dois anos após essa conferência nacional em saúde, a nova Constituição Federal pudesse avalizar a saúde enquanto direito social e humano com todas as garantias necessárias a atender à população de forma universal. FONTE: <https://www.todamateria.com.br/reforma-sanitaria- brasileira/>. Acesso em: 10 maio 2021. 40 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família Nessa situação, várias entidades defi nidas até então no campo progressista têm modifi cado suas lutas coletivas por lutas corporativas, limitadas a grupos de interesses. Essa visão está de total acordo com o ideário das classes dominantes que vislumbram como perspectiva a “americanização perversa” da sociedade brasileira, enfraquecendo os processos de resistência com a utilização de métodos e estratégias persuasivas, intimidando os trabalhadores a uma prática política defensiva (VIANA, 1999). Por fi m, esse projeto coletivo, cuja construção iniciou-se nos anos de 1980, tem sido questionado e substituído pelo projeto corporativo e privatista que procura naturalizar a objetividade da ordem burguesa, considerando, assim, a necessidade de a saúde ser um produto a ser comercializado a quem dela precisar, procurando reforçar a lógica de seguro saúde no Brasil. Contudo, cabe aos profi ssionais do âmbito da saúde pública brasileira desenvolver estratégias cotidianas em seu exercício de trabalho para fazer valer os preceitos constitucionais, bem como a materialidade dos princípios balizadores da reforma sanitária que culminaram na constituição do SUS – Sistema Único de Saúde. 3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Neste capítulo, procuramos explicitar a respeito de conhecimentos que são de suma importância para a compreensão dos estudantes que desejam atuar e/ ou que já atuam profi ssionalmente no campo da saúde pública com foco na saúde da família. Como discente, você pôde compreender a relevância da promoção à saúde, entendendo como esse conceito surgiu e a que ele se destina a atender, apreendendo ainda a concepção ampliada de saúde que surgiu a partir da perspectiva ampliada do processo de saúde x doença e conhecendo os impactos dos determinantes sociais em saúde – DSS – tangenciando o referido procedimento de saúde x doença. Como estudante, você também foi orientado a refl etir acerca da existência de modos diferentes de pensar saúde que acabam constituindo seus diferentes modelos conceituais. É fundamental destacar que o tema modelos conceituais em saúde não se consume nesta ocasião de estudo. É imprescindível que cada qual busque a compreensão dos modelos conceituais de saúde, e faça uma refl exão crítica em seu cotidiano de trabalho 41 SAÚDE PREVENTIVA E PROMOÇÃO DA SAÚDE Capítulo 1 a fi m de verifi car as implicações de cada qual, infl uenciando na direção do atendimento à população, e enquanto profi ssionais, procurando validar o conceito do modelo que emanou da reforma sanitária brasileira. Relembramos que seu objetivo de aprendizagem neste capítulo foi conhecer o modelo da determinação social da doença em contraponto ao modelo biomédico e a infl uência das relações sociais na constituição desses modelos de saúde, além de identifi car algumas características do modelo da promoção da saúde, bem como suas tendências contemporâneas. Confi rmamos, assim, a importância desse estudo para todos os estudantes, para que tenham a noção do que tínhamos enquanto concepções de acesso à saúde e compreensão dos processos de saúde e doença, bem como os vários tipos de modelos de atenção em saúde que foram sendo estudados e implantados no mundo e que infl uenciou o Brasil. Por fi m, compreendendo ainda que a reforma sanitária buscou pautar-se em um modelo de atenção universal, mas que, a lógica privatista de saúde ainda persiste nos atuais dias, tentando de todas as formas enfraquecer o sistema de saúde na concepção universal; e mesmo diante da constante ameaça ao SUS os profi ssionais tendo entendimento da totalidade, buscar fazer a defesa deste sistema para todos os brasileiros. REFERÊNCIAS ANDRADE, L. O. M. de. Do surgimento da medicinasocial ao surgimento da intersetorialidade. [s.d.]. AROUCA, S. Reforma Sanitária. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1998. Disponível em: http://bvsarouca.icict.fi ocruz.br/sanitarista05.html. Acesso em: 11 abril. 2021. BAPTISTA, T. W. F. O direito à saúde no Brasil: sobre como chegamos ao Sistema Único de Saúde e o que esperamos dele. In: EPSJV (Org.) Textos de Apoio em Políticas de Saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005. BRASIL. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Diretrizes do NASF: Núcleo de Atenção à Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. 152 p. (Caderno de Atenção Básica n. 27). BRASIL. Saúde da Família: uma estratégia para reorientação do modelo assistencial. Brasília, 1997. 42 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponível em: http://www6. senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=134238. Acesso em: 10 maio 2021. BRASIL. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Disponível em: http://www6. senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=134561. Acesso em: 10 maio 2021. BRASIL. Constituição da República. Artigos 194, 196. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/. Acesso em: 10 maio 2021. BRAVO, M. I. S. A política de saúde na década de 90: projetos em disputa. 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CAPÍTULO 2 A ATENÇÃO PRIMÁRIA DA SAÚDE – APS – E A ATENÇÃO BÁSICA DA SAÚDE A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: • Conhecer a atenção primária da saúde – APS – como estrutura do SUS; • Estudar as características e diretrizes da APS; • Aprender a respeito do modelo de atenção básica de saúde na perspectiva de sua política nacional de atenção básica – PNAB. 46 Saúde Preventiva e Promoção da Saúde com Ênfase na Estratégia-Saúde da Família 47 A ATENÇÃO PRIMÁRIA DA SAÚDE – APS – E A ATENÇÃO BÁSICA DA SAÚDE Capítulo 2 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Este capítulo objetiva tratar sobre a atenção primária da saúde (APS); diretrizes e características e, em seguida, estudaremos a respeito da atenção básica de saúde e a sua política nacional de atenção básica: princípios e diretrizes. Possibilitaremos a você, a possibilidade de obter uma refl exão crítica sobre o conceito, as qualidades, os eixos e as diretrizes da Atenção Primária da Saúde (APS) e sua afi nidade com o modelo brasileiro da Atenção Básica de Saúde (ABS), que se fundamenta a partir da Estratégia Saúde da Família. Nessa perspectiva, apontaremos contribuições no transcorrer dessa leitura para lhe possibilitar análises e, também, elaborar o seu próprio mapa conceitual a respeito das informações que orientam a prática na gestão do serviço social, estabelecendo o exercício da relação teoria e prática. Mediante a isso, propomos que você observe os conteúdos aqui tratados e alinhe com a sua realidade profi ssional e/ou o que aspira desenvolver no seu cotidiano profi ssional quando
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