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CAPÍTULO 1 Introdução ao Sistema Cardiovascular 1. CASO CLÍNICO Sr. Jorge, 58 anos, aposentado, comparece ao atendimento acompanhado da sua neta para avaliação de rotina. Ele nega queixas importantes e deseja passar por uma avaliação geral. Nega possuir doenças crônicas e uso de medicações contínuas. Após questionamentos, informou apresentar episódios frequentes de cefaleia em situações de estresse, como, quando perde partidas seguidas de baralho para sua esposa Marizete. Hábito de lazer dos fi nais de semana. Questionado, então, sobre a alimentação da família, Sr. Jorge informa que sua esposa e fi lho possuem “pressão alta”, e que por isso tentam regular a ingesta de sal. Porém, não há outras restrições alimentares e, frequentemente nos fi nais de semana, eles comem feijoada, lasanha, pizza, cachorro quente e comida japonesa, além de três a cinco latas de cerveja. Quanto à pratica de exercícios físicos, alegou fazer uma ou duas caminhadas de aproximadamente 30 minutos durante a semana. Sobre seu histórico familiar, informou que sua mãe, falecida aos 60 anos, também era hipertensa. Ao exame físico se obteve uma circunferência abdominal de 108 cm e uma pressão arterial sistêmica de 138 x 84 mmHg. Sem outras alterações dignas de nota. Dr. Barros esclarece que tudo indica para a possibilidade de Sr. Jorge ser também portador de hipertensão arterial sistêmica, explicando que seus hábitos e esta alteração do exame físico podem estar prejudicando a circulação nas artérias e, consequentemente, o risco de isso acometimento futuro da sua visão, dos rins, cérebro e até do coração. Entretanto, alega que precisaria avaliá-lo daqui a um mês para confi rmar essa hipótese. Enquanto isso, acorda com Sr Jorge que ele e sua família mudariam imediatamente de hábitos alimentares e que iniciariam uma prática regular de caminhadas de pelo menos 30 minutos cinco vezes na semana até o novo encontro. Enzo, o neta do Sr. Jorge, até então calado, inicia uma série de questionamentos destinados ao Dr. Barros: “O que são artérias?”, “O que elas têm a ver com o coração de meu avô?”. Dr. Barros, surpreso com a curiosidade da moça, resolve utilizar isso duplamente ao seu favor – “As artérias são como tubos por onde o sangue circula pelo corpo de seu avô. Se você ajudar seu avô a seguir o que acordamos, na próxima consulta, ele(a) (apontando para você, acadêmico de Medicina que estava sentado no canto do consultório durante todo esse tempo) irá te explicar como funciona a circulação com detalhes e te apresentar os tipos de vasos que possuímos em nosso corpo. O que acha?” – E assim, ele conseguiu uma parceira para cuidar da saúde de seu paciente e ainda deu ao seu acadêmico aquela motivação para os estudos que andava em falta. O que você acha que precisa estudar para não decepcionar a Polyanna e o Dr. Barros? 1. Possíveis palavras desconhecidas “doença crônica”: Uma doença crônica, geralmente, se difere de uma doença aguda pelo tempo de instalação, sendo a crônica caracterizada por uma doença já estabelecida e a aguda por um acometimento recente. O tempo que delimita a classificação depende da doença. “hipertensão arterial sistêmica”: Hipertensão, popularmente chamada de “pressão alta”, é ter medidas de pressão arterial, sistematicamente, igual ou maior que 130 por 80 mmHg (1), de acordo com a última diretriz americana sobre o assunto. 2. Palavras-chaves “Doenças crônicas”, “dores de cabeça”, “pressão alta”, “hábitos alimentares”, “exercícios físicos”, “circunferência abdominal”, “pressão arterial sistêmica”, “hipertensão”, “mãe falecida aos 60 anos”, “circulação”, “artérias”, “vasos”, “coração”. 3. OBJETIVOS Descrever o sistema circulatório e suas funções • Caracterizar os tipos de vasos sanguíneos Caracterizar os tipos de vasos sanguíneos 2. INTRODUÇÃO AO SISTEMA CIRCULATÓRIO 1. DEFINIÇÕES, COMPOSIÇÃO E FUNÇÕES Desde o início dos estudos na biologia, aprende-se que o corpo humano é composto por unidades denominadas de células. Mais adiante, ao decorrer dos anos colegiais, aprofundam-se os conhecimentos a respeito dos processos metabólicos que ocorrem nestas unidades, desde a produção de energia (ATP) até a sua utilização nos mais diversos mecanismos celulares. Sendo assim, passamos a visualizar as células como “microfábricas” que necessitam de recursos para seu funcionamento: o oxigênio que inspiramos em nossos pulmões e os nutrientes extraídos da nossa alimentação através do sistema digestório. Além disso, as células precisam expulsar os resíduos dos processos metabólicos, como o dióxido de carbono (CO2). Em resumo, assim como uma fábrica, para as células se faz necessária uma extensa rede de transporte para fornecer recursos e extrair resíduos. Em outras palavras, existem estruturas que carregam até as células o que lhes é necessário e trazem delas o que se tornou inútil para a eliminação. Apresento- lhe o sistema circulatório. O sistema circulatório é uma grande rede de tubos (os vasos) em que uma bomba (o coração) faz com que o fluído do sistema (o sangue) circule por todo o corpo. Entretanto, o sistema não se limita apenas à função de transporte. Ele também tem a função de redistribuir e dispersar o calor pelo corpo, algo que não é difícil de compreender se você lembrar um pouco da física. O sangue circulante absorve o calor produzido nos processos metabólicos e durante o seu trajeto, redistribui este calor que foi armazenado para as zonas mais frias. Já a dissipação fica por conta dos vasos periféricos que trocam calor com o ambiente. E é por isso que algumas pessoas de pele muito clara ficam mais vermelhas em locais quentes, pois o corpo está direcionando o sangue para a superfície, objetivando dissipar o excesso de calor. Por outro lado, pensando em um ambiente frio, são suas extremidades que ficam mais frias e perdem mais a cor, pois o corpo está direcionando o sangue para o interior do corpo. Estratégia para preservar o calor que está produzindo no metabolismo. Para realizar tais funções, o sistema circulatório engloba dois sistemas: o sistema cardiovascular e o sistema linfático. O primeiro tem o papel principal na circulação, ao passo que o sistema linfático possui uma participação mais coadjuvante, como veremos nos dois próximos parágrafos. O sistema cardiovascular é composto pelo coração e pelos vasos sanguíneos: as artérias, as veias e os capilares. O coração, através de suas contrações, irá proporcionar o movimento do sangue através das artérias, que são vasos eferentes ou vasos de saída – isto é, as artérias têm, na sua ponta proximal o coração ou outra artéria que saiu do coração e seguem em direção a um leito capilar que já abordaremos adiante. O sangue apresentará fluxo unidirecional neste circuito devido a basicamente dois mecanismos: o fechamento das válvulas cardíacas (Capítulo 04) e o funcionamento das válvulas venosas, que ainda abordaremos neste capítulo. Por conseguinte, a partir do coração, o sangue, ejetado pela artéria aorta, alcançará, através de seus ramos, todo o corpo. Como um tronco de uma árvore, a artéria aorta se ramifica e essas ramificações vão aumentando em quantidade e diminuindo em diâmetro até chegar aos leitos capilares, tão difundidos pelo corpo que pode chegar a uma extensão de 96000 km. Esses capilares possuem fenestrações (aberturas ou buracos) que servirão para transbordar parte do seu conteúdo no espaço intersticial (espaço entre células) onde ocorrerá troca direta de oxigênio, nutrientes e excretas. Ainda nos leitos capilares, a maior parte do conteúdo, agora pobre em oxigênio e nutrientes, é reabsorvido e segue pelas veias, ao mesmo tempo que o conteúdo restante é absorvido pelos vasos linfáticos que desembocam posteriormente em veias de maior calibre. O sangue então seguirá pelas veias, vasos aferentes ou de chegada - isto é, as veias sempre possuem na sua ponta distal uma outra veia ou o coração e surgiram de um leito capilar. E inversamente às artérias, as veias se convergem até se tornarem cada vez maiores e, finalmente, retornarao coração, fechando o circuito (Figura 1.1). E quanto ao sistema linfático? Seus vasos, estruturalmente muito simples, compostos apenas por uma camada de endotélio e por uma lâmina basal incompleta, formam uma rede de drenagem alternativa ao líquido intersticial para que retorne ao sistema venoso (Figura 1.2). Cerca de 10% do líquido intersticial segue esta rota, em detrimento da rota venosa clássica – ainda bem, porque esta rota constitui a única possível para trazer de volta as proteínas que foram lançadas ao interstício e, se não fosse por esse mecanismo, as proteínas se acumulariam, trariam consigo água (pressão oncótica que veremos no próximo capítulo) e todos viveríamos com edema periférico (inchaço por líquido). Neste caminho, a linfa (nome que se dá ao líquido presente no sistema linfático), irá banhar linfonodos, tonsilas, baço e convergir até dois grandes troncos: o ducto torácico (à esquerda) e o ducto linfático direito, que desembocarão na junção das veias jugular interna esquerda com subclávia esquerda e na confluência das veias jugular interna direita com veia subclávia direita, respectivamente (Figura 1.3). Figura 1.1: Visão geral do sistema circulatório. Do coração, no centro da imagem, saem as artérias que se dividem em artérias menores, arteríolas e capilares, onde há extravasamento de sangue para o espaço intersticial e troca nutrientes e excretas, retornando para a circulação venosa (azul) em vênulas, depois veias menores que convergem até formar as grandes veias que retornam ao coração. Uma via alternativa pode ser tomada: a circulação linfática (verde) coleta linfa do interstício, passa por nodos linfáticos e retorna para a circulação venosa em grandes veias próximas ao coração. Figura 1.2: Circulação linfática torácica (retirada do Netter). Figura 1.3: Figura esquemática mostrando o espaço intersticial rondado por capilares arteriais, venosos e linfáticos. Esse trajeto (coração -> leitos capilares sistêmicos -> coração), parte inferior da Figura 1.1, é denominado Circulação Sistêmica ou Grande Circulação. O sangue que retorna ao coração será agora enviado aos pulmões pela artéria pulmonar para uma nova oxigenação, retornando pelas veias pulmonares ao coração, quando se reinicia o ciclo. Este trajeto (coração -> leitos capilares pulmonares -> coração), parte superior da Figura 1.1, é denominado Circulação Pulmonar ou Pequena Circulação. Portanto, se considerarmos a circulação pulmonar, podemos verificar que as definições de artéria e veia, não guardam relação com os níveis de oxigenação do sangue presente em um ou outro vaso, e sim, se este vaso está levando sangue do coração para os demais órgãos (artérias) ou se está trazendo sangue dos órgãos de volta ao coração (veias). Afinal os vasos que desembocarão o sangue oxigenado ao coração são as veias pulmonares. Você prestou atenção que escrevemos no parágrafo anterior? Desliga esse celular, vamos repetir para você: o que define se um vaso é artéria ou veia não é a oxigenação do sangue nele presente, muito menos a cor com que desenharam no livro de anatomia. O dado que realmente importa nessa definição é: a artéria sai do coração em direção aos órgãos, e a veia volta dos órgãos em direção o coração. Agora que você entendeu, sem querer dificultar, você precisa saber que existe uma exceção a essa regra: a circulação “porta”. Neste caso, o sangue flui de uma veia para outro órgão, antes de retornar ao coração. Um exemplo clássico disso é demonstrado na circulação do fígado: 75% do sangue que entra neste órgão é proveniente da veia porta hepática que coletou o sangue do baço, estômago, vesícula, pâncreas e, principalmente, o intestino (2). Calma, isso não precisa ser decorado. O importante é entender a razão de existir essa exceção: uma das grandes funções do fígado é desintoxicar o corpo. Sendo assim, ele atua como um “porteiro” e “lixeiro”, recebendo o sangue contaminado destas regiões e eliminando as substâncias nocivas, antes que elas cheguem ao coração e ganhem acesso irrestrito a todos os órgãos do corpo (imagine a quantidade de lixo que entrou na sua circulação após aquela feijoada pós-prova no fim do semestre e imagine se não existisse o fígado para te proteger disso). Agora que os conceitos mais básicos foram apresentados, você é capaz de entender como dividiremos nosso estudo. Em um primeiro momento, focaremos nas vias do sistema, os vasos sanguíneos, quando abordaremos a tríade básica: anatomia, histologia e fisiologia de uma forma integrada. Em um segundo momento, passaremos para a bomba, o coração, novamente utilizando a tríade na mesma metodologia. Desta forma, ao final do livro, você terá sido apresentado aos principais tópicos do sistema de uma forma gradual e associada, facilitando a sua compreensão. 3. ARTÉRIAS, VEIAS E CAPILARES Se a gente pudesse ligar todos os vasos sanguíneos de nosso corpo em uma única linha, o comprimento desta linha seria duas vezes a circunferência do nosso planeta terra. E por que isso é importante? Essa informação, além de te fazer perder a dimensão restrita que pode ter sido criada de alguns poucos tubos ligando o coração aos demais órgãos, instiga a curiosidade de saber como algo tão extenso ocupa o interior de nosso corpo. A resposta para esse possível enigma são as variadas dimensões dos vasos. Assim como dividimos os vasos sanguíneos a depender da direção de seu fluxo, podemos dividi-los em subtipos a depender de suas dimensões e características histológicas. Quanto às dimensões, os diâmetros dos vasos variam desde aproximadamente 40 mm (3 cm2 de área transversa) de uma artéria aorta a capilares invisíveis a olho nu. Por isso, outra forma de divisão possível do sistema cardiovascular é em macrocirculação, que engloba os vasos que possuem mais de 0,1mm em diâmetro, e microcirculação que abrange os vasos menores que 0,1mm em diâmetro. Em relação às características histológicas, sabemos que os capilares são formados por uma única camada endotelial, enquanto as artérias e veias possuem três camadas principais, como podemos ver na Figura 1.4. Estas camadas possuem características gerais e alguns detalhes específicos que diferenciam cada subtipo. Estas camadas histológicas nos vasos sanguíneos são chamadas de túnicas: a túnica íntima, a túnica média e a túnica adventícia. Figura 1.4: Corte demonstrando camadas das artérias e veias. 1. AS CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS TÚNICAS Dentre as três camadas dos vasos, a mais interna é denominada túnica íntima. Esta reveste o interior do vaso sanguíneo e é constituída por uma única camada de células endoteliais pavimentosas, o que chamamos nos vasos sanguíneos de endotélio. Essas células se ancoram em uma fina lâmina de transição para o tecido conjuntivo que denominamos de lâmina basal. Posteriormente, temos um tecido conjuntivo frouxo, que chamamos de camada subendotelial, onde podem estar presentes também células musculares lisas dispostas longitudinalmente. Por fim, temos uma fina camada limitante que chamamos de lâmina elástica interna que separa a túnica íntima da túnica média. O que a túnica íntima possui de simplicidade estrutural, possui de complexidade funcional, e todas essas fascinantes funções que você lerá nos tópicos abaixo só foram descritas a partir do ano de 1980(3). As células endoteliais, as grandes estrelas da histologia circulatória e mais fascinantes também, desenvolvem papel crucial na troca de substâncias Secreção de colágeno dos tipos II, IV e V; Secreção de substâncias pró-coagulantes, como Fator de von Willebrand, PAI-1, fator V ativado e também de substâncias anti- coagulantes como prostaciclinas, tPA e heparinas. Isso tem importância crucial na manutenção da sua vida: quando a secreção de substâncias pró-coagulantes é mais ativada, corrige pequenos danos à sua circulação. Ao passo que quando um homem sofre um infarto agudo do miocárdio (oclusão total de uma artéria que irriga o coração), as substâncias anti-coagulantes teoricamente devem estar mais ativadas, para reduzir o danocausado e tentar “abrir” essa artéria(4); Secreção de fatores vasoativos, ou seja, têm a capacidade de diminuir ou aumentar o diâmetro do vaso, aumentando a pressão em seu interior e redirecionando seu fluxo. Essas substâncias são responsáveis pelo controle da pressão arterial e a disfunção delas está quase invariavelmente presente nos choques hemodinâmicos. São elas: (1) o óxido nítrico (ON ou NO), com suas propriedades endoteliais descobertas em 1980 e cuja pesquisa rendeu ao seu autor o prêmio Nobel da Fisiologia e Medicina em 1988. O ON possui propriedades vasodilatadoras, anti- inflamatórias e anti-coagulantes (5,6); (2) a endotelina, descoberta em 1988(7), uma substância vasoconstrictora potente, ou seja, capaz de reduzir o diâmetro do vaso; Possuem enzimas ligadas à membrana, como a enzima conversora de angiotensina, que converte angiotensina I em angiotensina II (também um vasoconstrictor), que também terá papel fundamental na regulação da pressão arterial.; Conversão de bradicinina, serotonina, prostaglandinas, norepinefrina e trombina. Todas essas substâncias com capacidade de regular o fluxo sanguíneo por causar vasoconstricção ou vasodilatação serão melhor detalhadas no capítulo 3. Realizam lipólise de lipoproteínas para transformá-las em triglicerídios e colesterol. Quanto à túnica média, esta é, geralmente, a camada mais espessa dos vasos. Ela é composta por camadas concêntricas de células musculares lisas organizadas helicoidalmente, circundada por uma matriz extracelular composta de fibras elásticas e reticulares, além de proteoglicanos e glicoproteínas. Limitando a túnica média podemos encontrar a lâmina elástica externa. Ela é semelhante à lâmina elástica interna, porém mais delgada e podemos encontra-la apenas nas artérias, principalmente em um subtipo que são as artérias musculares, como veremos adiante. A túnica adventícia é a camada de revestimento dos vasos e torna-se gradualmente contínua com o tecido conjuntivo pelo qual o vaso está passando. Ela é composta, principalmente, por fibroblastos, fibras de colágeno tipo I e fibras elásticas dispostas longitudinalmente. A túnica adventícia possui fenestrações que permitem a nutrição da porção mais interna da túnica média por difusão dos nutrientes do sangue circulante. Afinal, as células dos vasos sanguíneos também precisarão receber os recursos necessários para seu metabolismo e, por isso, em grandes vasos, existe a presença de vasa vasorum (“vasos dos vasos”). São arteríolas e vênulas muito pequenas que penetram pela túnica mais externa (adventícia) e nutrem esta camada e a camada média. Porções em que a difusão dos nutrientes do sangue circulante não alcança. (Figura 1.5) Figura 1.5: Vasa Vasorum (retirada de Junqueira). A maior parte dos vasos sanguíneos é provida por uma rede de fibras não mielinizadas de inervação simpática, através do neurotransmissor norepinefrina. Tendo em mente que essas fibras não penetram na túnica média dos vasos, a norepinefrina precisa se difundir por alguns micrômetros até atingir esta camada, e faz isto através de junções intercelulares. A inervação parassimpática também existe, liberando acetilcolina e levando células endoteliais a produzir ON. Em veias, as terminações nervosas chegam a uma profundidade maior, alcançando a túnica adventícia, mas com uma densidade menor. A importância do sistema nervoso autônomo, este que é dividido em simpático e parassimpático e que citamos nesse parágrafo que você quase pulou, será mais detalhada no capítulo 6. Resumindo a ópera, nas artérias e nas veias sempre teremos uma fina camada de revestimento interno, a túnica íntima; seguida de uma camada predominantemente muscular, a túnica média; terminando em uma cada de tecido conjuntivo, a túnica adventícia. Portanto, o que vai diferenciar os vasos serão a espessura destas camadas e os diferenciais da composição, o que refletirá diretamente na função de cada tipo de vaso como veremos a partir de agora. Releia este último parágrafo lentamente antes de passar para a próxima sessão. 2. AS ARTÉRIAS As artérias podem ser dividas nas grandes artérias elásticas, nas artérias musculares médias e nas arteríolas. Elas irão aparecer na circulação nessa exata ordem de ramificações e uma vez que você entenda as suas funções, mais facilmente lembrará das suas características. As grandes artérias elásticas são as primeiras a receber o sangue impulsionado pelo coração e são denominadas de artérias condutoras. Para o entendimento completo da sua função, o conceito de energia potencial elástica da física será importante. O ventrículo esquerdo ejeta uma determinada quantidade de sangue de aproximadamente 95 ml em cada batimento. Essa contração impulsiona o sangue adiante no circuito através da principal artéria elástica da circulação sistêmica, que é a artéria aorta. Hipoteticamente, se as artérias fossem um tubo rígido, quando chegasse o momento do fim da impulsão fornecida pela contração cardíaca, haveria uma redução brusca no fluxo sanguíneo, inclusive com breves momentos de estagnação. Porém, o que ocorre é que parte dessa força de impulsão é armazenada como energia elástica pelo estiramento das paredes artérias elásticas: é o chamado Efeito Windkessel (8). Sendo assim, quando ocorre a redução da impulsão no período de relaxamento cardíaco, essa energia latente acumulada novamente se transforma em uma força de impulsão para o sangue, enquanto as paredes das artérias retornam para as suas conformações originais. Ou seja, a função das grandes artérias elásticas é a de estabilizar o fluxo sanguíneo e garantir que o fluxo permaneça contínuo (Figura 1.6). Figura 1.6: Efeito Windkessel. A complacência do vaso faz com que, na diástole, a artéria se contraia, gerando pressão arterial diastólica e fluxo sanguíneo (retirada de Berne e Levy). São artérias elásticas a artéria aorta e seus principais ramos: o tronco braquiocefálico, as carótidas comuns, as subclávias e as ilíacas comuns. Também são elásticas a artéria pulmonar e as artérias pulmonares. São as grandes quantidades de fibras elásticas e elastina em suas camadas que possibilitam essa maior complacência desta categoria. A túnica média das artérias elásticas possui por volta de 40 membranas elásticas no recém-nascido e continua aumento ao longo da vida, chegando a mais de 70 membranas em um indivíduo adulto. Em seguida, temos as artérias musculares ou médias. Devido à sua função de regular o direcionamento do fluxo sanguíneo, determinando onde chegará mais ou menos sangue através da vasodilatação e da vasoconstrição, respectivamente, possuem função de artérias distribuidoras. Esta função é possível devido a possuírem até 40 camadas de feixes musculares lisos que permitem a redução do lúmen do vaso através da sua contração. Desta forma, o nosso organismo realiza vasoconstrição nas regiões onde não há necessidade de um maior aporte sanguíneo, direcionando o sangue para as demais regiões. O que é fundamental, por exemplo, para situações de emergências, como uma hemorragia de grande volume. Pois, o corpo consegue direcionar o sangue restante para os órgãos mais importantes, como o coração e o cérebro. Uma característica que auxilia na diferenciação nos cortes histológicos das artérias musculares das grandes artérias elásticas, além da cada média espessa, é a lâmina elástica interna proeminente como poderá ver em seu atlas histológico. Além disso, a sua túnica intima é mais delgada do que nas artérias elásticas, porém não é uma característica que ressalta facilmente aos olhos. Desta classificação fazem parte as demais artérias nominadas que não fizeram parte da categoria das artérias elásticas. Ou seja, com exceção das artérias citadas anteriormente (os grandes ramos da artéria aorta, artéria tronco pulmonar e as artérias pulmonares) que são artérias elásticas, qualquer outra artéria que é identificada por um nome, por ter calibre e/ou função de extrema relevância, você pode ter certeza que é uma artéria muscular: artérias braquiais, artérias renais,artérias femorais, etc. Por fim, temos a última categoria: as arteríolas. Como estamos seguindo o caminho lógico da ramificação, é dedutível que estas são as menores artérias. Por isso, só podem ser vistas quando ampliadas. Elas possuem a função de resistência e, consequentemente, reduzem a velocidade do fluxo para que sejam possíveis as trocas nos leitos capilares com maior eficiência através de uma ou duas camadas de feixes musculares lisos. Inclusive, os livros tradicionais de fisiologia trazem o conceito de meta- arteríolas. Estas nada mais são que arteríolas pré- capilares que, através da contração de sua musculatura lisa, determinam uma resistância ao fluxo sanguíneo de maneira semelhante às artérias musculares, auxiliando no controle do fluxo para o leito capilar e determinando quando chegará mais ou menos aporte sanguíneo na microcirculação. Apesar de não estar citado nos livros de fisiologia da graduação, hoje sabemos que este mecanismo parece estar presente apenas na circulação mesentérica (9) – vide detalhes no capítulo 3. 3. OS CAPILARES Os capilares são vasos extremamente simples se comparados às artérias e veias. Eles são formados basicamente por um endotélio apoiado e envolto por uma lâmina basal. Em alguns locais ao longo dos capilares, o endotélio pode ser envolto por pericitos, células que possuem uma lâmina basal própria que se funde com a lâmina basal do endotélio. Essa simplicidade é necessária para que ocorra o extravasamento de substâncias do leito capilar para o espaço intersticial. Por isso, a parede de um capilar é tão fina que é formada apenas por uma a três camadas de células, tendo, portanto, uma luz de apenas 4 a 8mm de diâmetro. O lúmen é tão estreito que geralmente permite apenas a passagem de células sanguíneas isoladas, por vezes necessitando de considerável deformação, algo que apenas é possível pela ausência de núcleo das hemácias. Quanto aos pericitos, estas são células que envolvem os capilares e também as vênulas pós-capilares com seus longos prolongamentos, possuem duas funções aparentes: a recuperação em caso de lesões, pois elas se diferenciam para formar células endoteliais ou células musculares lisas e talvez função contrátil, sugerida devido a presença de miosina, actina e tropomiosina em abundância em sua composição. Os capilares, por sua vez, são divididos em três tipos com características, funções e localizações distintas. Vamos falar deles agora. O primeiro tipo são os capilares contínuos ou somáticos. Eles são caracterizados pela ausência de fenestras, ou seja, orifícios em sua parede. Eles estão presentes nos tecidos musculares, nos tecidos conjuntivos, nas glândulas exócrinas e no tecido nervoso. Em alguns lugares desses tecidos, com exceção do tecido nervoso, eles possuem vesículas pinocíticas que são responsáveis pelo transporte de macromoléculas pela parede já que não possuem fenestras. O segundo tipo são os capilares fenestrados ou viscerais. Estes são caracterizados por possuírem fenestras nas paredes que podem ou não ser obstruídas por um diafragma mais fino que uma membrana celular. Quando possuem diafragma, são característicos de locais onde ocorre um intercâmbio intenso entre o tecido e o sangue, como é o caso dos rins, intestinos e glândulas endócrinas. Quando são destituídos de diafragma, o sangue só é separado dos tecidos pela lâmina basal. Este tipo está presente apenas no glomérulo renal. Algumas referências consideram este tipo específico (desprovido de diafragma) como um quarto tipo de capilar. A última categoria são os capilares sinusóides. Esta categoria está presente no fígado e em órgãos hemocitopoiéticos como a medula óssea e o baço. Eles possuem um trajeto tortuoso e um diâmetro maior do que os demais tipos de capilares, o que irá resultar na redução da velocidade do fluxo sanguíneo (esta afirmação pode não fazer sentido agora, mas fará quando você ler o capítulo 2). Além disso, as células endoteliais são descontínuas, assim como a lâmina basal. Tais características permitem o contato direto do sangue com os tecidos. Portanto, o sangue irá extravasar massivamente ao passar pelos sinusoides, permitindo, por exemplo, o metabolismo hepático de substâncias presentes no sangue, assim como a hemocaterese (destruição das hemácias) no baço. 4. AS VEIAS Focando apenas na circulação sistêmica, o sangue sai do coração rico em oxigênio, segue pelas artérias até os capilares, onde realiza o primeiro objetivo: a entrega de recursos para as células. Os próximos passos, então, são a drenagem dos resíduos do processo metabólico e o seguimento pela circulação venosa, onde grande parte destes resíduos serão metabolizados no fígado, o CO2 será eliminado na circulação pulmonar e os demais resíduos eliminados na urina e nas fezes. Este processo de extravasamento e drenagem no leito capilar será esmiuçado no Capítulo 02. As veias estão presentes em maior número em nosso corpo, possuem paredes mais finas e, geralmente, possuem maior diâmetro que as artérias correspondentes, portanto, possuem a função potencial de reservatório de sangue, chegando a conter mais de 70% do sangue circulante. Além disso, devido ao fato de as veias possuírem uma quantidade muito inferior de feixes musculares e pressões menores do que as artérias, usualmente, elas não possuem pulso. O que justifica a diferença do comportamento de um sangramento arterial, que ocorre em jatos intermitentes e concordantes com o pulso, e de uma hemorragia venosa, que ocorre em com um fluxo contínuo e lento, “babando”, como costumamos falar. Este fluxo lentificado, quando oriundo de estruturas inferiores ao coração tende a um refluxo, por ocorrer contra a força da gravidade. Porém, como foi adiantado no início do capítulo, as válvulas venosas impedem o movimento contrário e garantem, com o auxílio das bombas venosas (exploradas adiante), um fluxo unidirecional. As válvulas venosas são dobras da túnica íntima, compostas de tecido conjuntivo rico em fibras elásticas, revestidas em ambos os lados por endotélio, em forma de meia lua que se projetam para o interior da veia. Elas estão mais presentes em veias em que o sangue precisa enfrentar a força da gravidade para retornar ao coração, como as veias dos membros inferiores. Essas válvulas se abrem apenas para um lado, portanto, se houver tentativa de refluxo elas se fecham e quando o sangue flui na direção correta, elas se abrem. As veias, seguindo o mesmo padrão, também serão divididas em três categoriais com características e funções próprias. Sendo assim, logo após o leito capilar, teremos as vênulas que, irão confluir na formação das veias médias que, por fim, irão convergir até formação das grandes veias, como as veias cava superior e inferior. As vênulas pós-capilares são também chamadas de vênulas pericíticas. Elas são formadas apenas por uma camada de células endoteliais, envoltas de pericitos como já vimos. Porém, diferente dos capilares, existem vênulas um pouco maiores que possuem algumas células musculares lisas ao invés de pericitos em sua parede para realizar a função contrátil. As veias possuem uma íntima bem desenvolvida, porém é a túnica adventícia a mais espessa e bem desenvolvida. Esta que frequentemente possui feixes longitudinais de músculo liso. As veias, em grande parte, acompanham artérias em seu trajeto. Por isso, os nomes das veias usualmente recebem o mesmo nome da artéria que acompanham (exemplos: veia femoral, veia subclávia...), porém existem exceções como: as veias cavas (superior e inferior), a veia cefálica, a veia basílica e as veias safenas magna e parva. 4. OUTROS CONCEITOS IMPORTANTES 1. ANASTOMOSES E CIRCULAÇÃO COLATERAL Uma anastomose é uma comunicação entre os vasos sanguíneos que pode criar uma circulação colateral ou uma rota alternativa para a circulação do sangue. Estas podem ser classificadas em quatro tipos: Anastomose término-terminal: quando duas artérias se comunicam diretamente. Anastomose por convergência: quando duas artérias convergem e se fundem. Anastomosetransversa: quando um pequeno vaso arterial liga duas artérias transversalmente. Anastomose arteriovenosa: quando há uma conexão direta entre as menores artérias e veias. Estas são importantes para conservação do calor corporal. 2. ARTERIOGÊNESE E ANGIOGÊNESE A arteriogênese é definida como o desenvolvimento de fluxo através de artérias colaterais derivadas de anastomoses arterio-arteriais pré-existentes. Isto ocorre em processos de obstrução parcial ou total que resultam no aumento da pressão na região, forçando a ampliação do diâmetro de vasos pré-existentes, permitindo, desta forma, a passagem de sangue por uma rota alternativa. A angiogênese é o processo de formação de pequenos novos vasos como capilares, resultado de um estímulo isquêmico. Ou seja, o organismo ao passar por momentos em que os vasos existentes não são suficientes, estimula a criação de uma circulação colateral. Porém, ambos os processos necessitam de tempo para ocorrer com eficiência (10). A diferença entre ambos os mecanismos está disposta na Figura 1.7 Figura 1.7: Arteriogênese (A) é a indução de fluxo através de artérias colaterais previamente existentes através do gradiente de pressão gerado pela ausência de fluxo em uma das artérias. Angiogênese (B) é o crescimento de capilares a partir de vasos existentes, processo geralmente engatilhado por hipóxia (retirada da referência 6). 3. BOMBAS VENOSAS Existem três bombas que irão auxiliar no retorno venoso: a bomba arteriovenosa, a bomba musculovenosa e a bomba respiratória. A bomba arteriovenosa é possível devido a uma bainha vascular relativamente rígida que circunda as veias acompanhantes de uma determinada artéria. Sendo assim, quando a artéria se expande com a chegada de um pulso, ela comprime as veias nessa bainha, ordenhando desta forma o sangue no interior das veias em direção ao coração devido ao direcionamento das válvulas venosas. A bomba musculovenosa vai possuir o mesmo objetivo da bomba anterior, porém a ordenha das veias será realizada a partir da contração muscular das extremidades, principalmente dos membros inferiores. Por isso, alguns autores se referem as panturrilhas como corações secundários. Este é o motivo de se colocar um paciente acamado para caminhar assim que possível. As contrações musculares na caminhada irão auxiliar o retorno venoso, além de evitar úlceras por pressão. A bomba respiratória se utiliza da pressão negativa criada durante a expansão torácica na inspiração. O racional disso é que todo sistema de pressão desloca o fluído de onde há mais pressão para as regiões com menores pressões, logo a diminuição da pressão da caixa torácica, auxilia a “sugar” o sangue para a região, consequentemente, facilitando o deslocamento do sangue em direção ao coração. Quadro 1.1: Arteriosclerose e aterosclerose A arteriosclerose é o processo de enrijecimento das artérias resultado da perda de elastina com o envelhecimento do indivíduo. Sendo assim, ocorre uma progressiva perda da capacidade de se acumular energia nas grandes artérias elásticas (perda do Efeito Windkessel), assim como influencia diretamente no aumento da pressão arterial sistólica e sua pressão de pulso. A aterosclerose é um processo complexo de formação de um trombo, resultado de um processo inflamatório iniciado pelo acúmulo de colesterol com posterior agregação de componentes sanguíneos nas artérias. Este processo pode vir a gerar uma obstrução parcial ou total no vaso, suspendendo o suprimento de recursos para os tecidos da região. Caso este processo permaneça, o tecido pode vir a necrosar, ou seja, morte tecidual. 5. CONFERÊNCIAS Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo! CAPÍTULO 1 Introdução ao Sistema Cardiovascular 1. CASO CLÍNICO Sr. Jorge, 58 anos, aposentado, comparece ao atendimento acompanhado da sua neta para avaliação de rotina. Ele nega queixas importantes e deseja passar por uma avaliação geral. Nega possuir doenças crônicas e uso de medicações contínuas. Após questionamentos, informou apresentar episódios frequentes de cefaleia em situações de estresse, como, quando perde partidas seguidas de baralho para sua esposa Marizete. Hábito de lazer dos fi nais de semana. Questionado, então, sobre a alimentação da família, Sr. Jorge informa que sua esposa e fi lho possuem “pressão alta”, e que por isso tentam regular a ingesta de sal. Porém, não há outras restrições alimentares e, frequentemente nos fi nais de semana, eles comem feijoada, lasanha, pizza, cachorro quente e comida japonesa, além de três a cinco latas de cerveja. Quanto à pratica de exercícios físicos, alegou fazer uma ou duas caminhadas de aproximadamente 30 minutos durante a semana. Sobre seu histórico familiar, informou que sua mãe, falecida aos 60 anos, também era hipertensa. Ao exame físico se obteve uma circunferência abdominal de 108 cm e uma pressão arterial sistêmica de 138 x 84 mmHg. Sem outras alterações dignas de nota. Dr. Barros esclarece que tudo indica para a possibilidade de Sr. Jorge ser também portador de hipertensão arterial sistêmica, explicando que seus hábitos e esta alteração do exame físico podem estar prejudicando a circulação nas artérias e, consequentemente, o risco de isso acometimento futuro da sua visão, dos rins, cérebro e até do coração. Entretanto, alega que precisaria avaliá-lo daqui a um mês para confi rmar essa hipótese. Enquanto isso, acorda com Sr Jorge que ele e sua família mudariam imediatamente de hábitos alimentares e que iniciariam uma prática regular de caminhadas de pelo menos 30 minutos cinco vezes na semana até o novo encontro. Enzo, o neta do Sr. Jorge, até então calado, inicia uma série de questionamentos destinados ao Dr. Barros: “O que são artérias?”, “O que elas têm a ver com o coração de meu avô?”. Dr. Barros, surpreso com a curiosidade da moça, resolve utilizar isso duplamente ao seu favor – “As artérias são como tubos por onde o sangue circula pelo corpo de seu avô. Se você ajudar seu avô a seguir o que acordamos, na próxima consulta, ele(a) (apontando para você, acadêmico de Medicina que estava sentado no canto do consultório durante todo esse tempo) irá te explicar como funciona a circulação com detalhes e te apresentar os tipos de vasos que possuímos em nosso corpo. O que acha?” – E assim, ele conseguiu uma parceira para cuidar da saúde de seu paciente e ainda deu ao seu acadêmico aquela motivação para os estudos que andava em falta. O que você acha que precisa estudar para não decepcionar a Polyanna e o Dr. Barros? 1. Possíveis palavras desconhecidas “doença crônica”: Uma doença crônica, geralmente, se difere de uma doença aguda pelo tempo de instalação, sendo a crônica caracterizada por uma doença já estabelecida e a aguda por um acometimento recente. O tempo que delimita a classificação depende da doença. “hipertensão arterial sistêmica”: Hipertensão, popularmente chamada de “pressão alta”, é ter medidas de pressão arterial, sistematicamente, igual ou maior que 130 por 80 mmHg (1), de acordo com a última diretriz americana sobre o assunto. 2. Palavras-chaves “Doenças crônicas”, “dores de cabeça”, “pressão alta”, “hábitos alimentares”, “exercícios físicos”, “circunferência abdominal”, “pressão arterial sistêmica”, “hipertensão”, “mãe falecida aos 60 anos”, “circulação”, “artérias”, “vasos”, “coração”. 3. OBJETIVOS Descrever o sistema circulatório e suas funções • Caracterizar os tipos de vasos sanguíneos Caracterizar os tipos de vasos sanguíneos 2. INTRODUÇÃO AO SISTEMA CIRCULATÓRIO 1. DEFINIÇÕES, COMPOSIÇÃO E FUNÇÕES Desde o início dos estudos na biologia, aprende-se que o corpo humano é composto por unidades denominadas de células. Mais adiante, ao decorrer dos anos colegiais, aprofundam-se os conhecimentos a respeito dos processos metabólicos que ocorrem nestas unidades, desde a produção de energia (ATP) até a sua utilização nos mais diversos mecanismos celulares. Sendo assim, passamos a visualizar as células como “microfábricas” que necessitamde recursos para seu funcionamento: o oxigênio que inspiramos em nossos pulmões e os nutrientes extraídos da nossa alimentação através do sistema digestório. Além disso, as células precisam expulsar os resíduos dos processos metabólicos, como o dióxido de carbono (CO2). Em resumo, assim como uma fábrica, para as células se faz necessária uma extensa rede de transporte para fornecer recursos e extrair resíduos. Em outras palavras, existem estruturas que carregam até as células o que lhes é necessário e trazem delas o que se tornou inútil para a eliminação. Apresento- lhe o sistema circulatório. O sistema circulatório é uma grande rede de tubos (os vasos) em que uma bomba (o coração) faz com que o fluído do sistema (o sangue) circule por todo o corpo. Entretanto, o sistema não se limita apenas à função de transporte. Ele também tem a função de redistribuir e dispersar o calor pelo corpo, algo que não é difícil de compreender se você lembrar um pouco da física. O sangue circulante absorve o calor produzido nos processos metabólicos e durante o seu trajeto, redistribui este calor que foi armazenado para as zonas mais frias. Já a dissipação fica por conta dos vasos periféricos que trocam calor com o ambiente. E é por isso que algumas pessoas de pele muito clara ficam mais vermelhas em locais quentes, pois o corpo está direcionando o sangue para a superfície, objetivando dissipar o excesso de calor. Por outro lado, pensando em um ambiente frio, são suas extremidades que ficam mais frias e perdem mais a cor, pois o corpo está direcionando o sangue para o interior do corpo. Estratégia para preservar o calor que está produzindo no metabolismo. Para realizar tais funções, o sistema circulatório engloba dois sistemas: o sistema cardiovascular e o sistema linfático. O primeiro tem o papel principal na circulação, ao passo que o sistema linfático possui uma participação mais coadjuvante, como veremos nos dois próximos parágrafos. O sistema cardiovascular é composto pelo coração e pelos vasos sanguíneos: as artérias, as veias e os capilares. O coração, através de suas contrações, irá proporcionar o movimento do sangue através das artérias, que são vasos eferentes ou vasos de saída – isto é, as artérias têm, na sua ponta proximal o coração ou outra artéria que saiu do coração e seguem em direção a um leito capilar que já abordaremos adiante. O sangue apresentará fluxo unidirecional neste circuito devido a basicamente dois mecanismos: o fechamento das válvulas cardíacas (Capítulo 04) e o funcionamento das válvulas venosas, que ainda abordaremos neste capítulo. Por conseguinte, a partir do coração, o sangue, ejetado pela artéria aorta, alcançará, através de seus ramos, todo o corpo. Como um tronco de uma árvore, a artéria aorta se ramifica e essas ramificações vão aumentando em quantidade e diminuindo em diâmetro até chegar aos leitos capilares, tão difundidos pelo corpo que pode chegar a uma extensão de 96000 km. Esses capilares possuem fenestrações (aberturas ou buracos) que servirão para transbordar parte do seu conteúdo no espaço intersticial (espaço entre células) onde ocorrerá troca direta de oxigênio, nutrientes e excretas. Ainda nos leitos capilares, a maior parte do conteúdo, agora pobre em oxigênio e nutrientes, é reabsorvido e segue pelas veias, ao mesmo tempo que o conteúdo restante é absorvido pelos vasos linfáticos que desembocam posteriormente em veias de maior calibre. O sangue então seguirá pelas veias, vasos aferentes ou de chegada - isto é, as veias sempre possuem na sua ponta distal uma outra veia ou o coração e surgiram de um leito capilar. E inversamente às artérias, as veias se convergem até se tornarem cada vez maiores e, finalmente, retornar ao coração, fechando o circuito (Figura 1.1). E quanto ao sistema linfático? Seus vasos, estruturalmente muito simples, compostos apenas por uma camada de endotélio e por uma lâmina basal incompleta, formam uma rede de drenagem alternativa ao líquido intersticial para que retorne ao sistema venoso (Figura 1.2). Cerca de 10% do líquido intersticial segue esta rota, em detrimento da rota venosa clássica – ainda bem, porque esta rota constitui a única possível para trazer de volta as proteínas que foram lançadas ao interstício e, se não fosse por esse mecanismo, as proteínas se acumulariam, trariam consigo água (pressão oncótica que veremos no próximo capítulo) e todos viveríamos com edema periférico (inchaço por líquido). Neste caminho, a linfa (nome que se dá ao líquido presente no sistema linfático), irá banhar linfonodos, tonsilas, baço e convergir até dois grandes troncos: o ducto torácico (à esquerda) e o ducto linfático direito, que desembocarão na junção das veias jugular interna esquerda com subclávia esquerda e na confluência das veias jugular interna direita com veia subclávia direita, respectivamente (Figura 1.3). Figura 1.1: Visão geral do sistema circulatório. Do coração, no centro da imagem, saem as artérias que se dividem em artérias menores, arteríolas e capilares, onde há extravasamento de sangue para o espaço intersticial e troca nutrientes e excretas, retornando para a circulação venosa (azul) em vênulas, depois veias menores que convergem até formar as grandes veias que retornam ao coração. Uma via alternativa pode ser tomada: a circulação linfática (verde) coleta linfa do interstício, passa por nodos linfáticos e retorna para a circulação venosa em grandes veias próximas ao coração. Figura 1.2: Circulação linfática torácica (retirada do Netter). Figura 1.3: Figura esquemática mostrando o espaço intersticial rondado por capilares arteriais, venosos e linfáticos. Esse trajeto (coração -> leitos capilares sistêmicos -> coração), parte inferior da Figura 1.1, é denominado Circulação Sistêmica ou Grande Circulação. O sangue que retorna ao coração será agora enviado aos pulmões pela artéria pulmonar para uma nova oxigenação, retornando pelas veias pulmonares ao coração, quando se reinicia o ciclo. Este trajeto (coração -> leitos capilares pulmonares -> coração), parte superior da Figura 1.1, é denominado Circulação Pulmonar ou Pequena Circulação. Portanto, se considerarmos a circulação pulmonar, podemos verificar que as definições de artéria e veia, não guardam relação com os níveis de oxigenação do sangue presente em um ou outro vaso, e sim, se este vaso está levando sangue do coração para os demais órgãos (artérias) ou se está trazendo sangue dos órgãos de volta ao coração (veias). Afinal os vasos que desembocarão o sangue oxigenado ao coração são as veias pulmonares. Você prestou atenção que escrevemos no parágrafo anterior? Desliga esse celular, vamos repetir para você: o que define se um vaso é artéria ou veia não é a oxigenação do sangue nele presente, muito menos a cor com que desenharam no livro de anatomia. O dado que realmente importa nessa definição é: a artéria sai do coração em direção aos órgãos, e a veia volta dos órgãos em direção o coração. Agora que você entendeu, sem querer dificultar, você precisa saber que existe uma exceção a essa regra: a circulação “porta”. Neste caso, o sangue flui de uma veia para outro órgão, antes de retornar ao coração. Um exemplo clássico disso é demonstrado na circulação do fígado: 75% do sangue que entra neste órgão é proveniente da veia porta hepática que coletou o sangue do baço, estômago, vesícula, pâncreas e, principalmente, o intestino (2). Calma, isso não precisa ser decorado. O importante é entender a razão de existir essa exceção: uma das grandes funções do fígado é desintoxicar o corpo. Sendo assim, ele atua como um “porteiro” e “lixeiro”, recebendo o sangue contaminado destas regiões e eliminando as substâncias nocivas, antes que elas cheguem ao coração e ganhem acesso irrestrito a todos os órgãos do corpo (imagine a quantidade de lixo que entrou na sua circulação após aquela feijoada pós-prova no fim do semestre e imagine se não existisse o fígado para te proteger disso). Agora que os conceitos mais básicos foram apresentados, você é capaz deentender como dividiremos nosso estudo. Em um primeiro momento, focaremos nas vias do sistema, os vasos sanguíneos, quando abordaremos a tríade básica: anatomia, histologia e fisiologia de uma forma integrada. Em um segundo momento, passaremos para a bomba, o coração, novamente utilizando a tríade na mesma metodologia. Desta forma, ao final do livro, você terá sido apresentado aos principais tópicos do sistema de uma forma gradual e associada, facilitando a sua compreensão. 3. ARTÉRIAS, VEIAS E CAPILARES Se a gente pudesse ligar todos os vasos sanguíneos de nosso corpo em uma única linha, o comprimento desta linha seria duas vezes a circunferência do nosso planeta terra. E por que isso é importante? Essa informação, além de te fazer perder a dimensão restrita que pode ter sido criada de alguns poucos tubos ligando o coração aos demais órgãos, instiga a curiosidade de saber como algo tão extenso ocupa o interior de nosso corpo. A resposta para esse possível enigma são as variadas dimensões dos vasos. Assim como dividimos os vasos sanguíneos a depender da direção de seu fluxo, podemos dividi-los em subtipos a depender de suas dimensões e características histológicas. Quanto às dimensões, os diâmetros dos vasos variam desde aproximadamente 40 mm (3 cm2 de área transversa) de uma artéria aorta a capilares invisíveis a olho nu. Por isso, outra forma de divisão possível do sistema cardiovascular é em macrocirculação, que engloba os vasos que possuem mais de 0,1mm em diâmetro, e microcirculação que abrange os vasos menores que 0,1mm em diâmetro. Em relação às características histológicas, sabemos que os capilares são formados por uma única camada endotelial, enquanto as artérias e veias possuem três camadas principais, como podemos ver na Figura 1.4. Estas camadas possuem características gerais e alguns detalhes específicos que diferenciam cada subtipo. Estas camadas histológicas nos vasos sanguíneos são chamadas de túnicas: a túnica íntima, a túnica média e a túnica adventícia. Figura 1.4: Corte demonstrando camadas das artérias e veias. 1. AS CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS TÚNICAS Dentre as três camadas dos vasos, a mais interna é denominada túnica íntima. Esta reveste o interior do vaso sanguíneo e é constituída por uma única camada de células endoteliais pavimentosas, o que chamamos nos vasos sanguíneos de endotélio. Essas células se ancoram em uma fina lâmina de transição para o tecido conjuntivo que denominamos de lâmina basal. Posteriormente, temos um tecido conjuntivo frouxo, que chamamos de camada subendotelial, onde podem estar presentes também células musculares lisas dispostas longitudinalmente. Por fim, temos uma fina camada limitante que chamamos de lâmina elástica interna que separa a túnica íntima da túnica média. O que a túnica íntima possui de simplicidade estrutural, possui de complexidade funcional, e todas essas fascinantes funções que você lerá nos tópicos abaixo só foram descritas a partir do ano de 1980(3). As células endoteliais, as grandes estrelas da histologia circulatória e mais fascinantes também, desenvolvem papel crucial na troca de substâncias Secreção de colágeno dos tipos II, IV e V; Secreção de substâncias pró-coagulantes, como Fator de von Willebrand, PAI-1, fator V ativado e também de substâncias anti- coagulantes como prostaciclinas, tPA e heparinas. Isso tem importância crucial na manutenção da sua vida: quando a secreção de substâncias pró-coagulantes é mais ativada, corrige pequenos danos à sua circulação. Ao passo que quando um homem sofre um infarto agudo do miocárdio (oclusão total de uma artéria que irriga o coração), as substâncias anti-coagulantes teoricamente devem estar mais ativadas, para reduzir o dano causado e tentar “abrir” essa artéria(4); Secreção de fatores vasoativos, ou seja, têm a capacidade de diminuir ou aumentar o diâmetro do vaso, aumentando a pressão em seu interior e redirecionando seu fluxo. Essas substâncias são responsáveis pelo controle da pressão arterial e a disfunção delas está quase invariavelmente presente nos choques hemodinâmicos. São elas: (1) o óxido nítrico (ON ou NO), com suas propriedades endoteliais descobertas em 1980 e cuja pesquisa rendeu ao seu autor o prêmio Nobel da Fisiologia e Medicina em 1988. O ON possui propriedades vasodilatadoras, anti- inflamatórias e anti-coagulantes (5,6); (2) a endotelina, descoberta em 1988(7), uma substância vasoconstrictora potente, ou seja, capaz de reduzir o diâmetro do vaso; Possuem enzimas ligadas à membrana, como a enzima conversora de angiotensina, que converte angiotensina I em angiotensina II (também um vasoconstrictor), que também terá papel fundamental na regulação da pressão arterial.; Conversão de bradicinina, serotonina, prostaglandinas, norepinefrina e trombina. Todas essas substâncias com capacidade de regular o fluxo sanguíneo por causar vasoconstricção ou vasodilatação serão melhor detalhadas no capítulo 3. Realizam lipólise de lipoproteínas para transformá-las em triglicerídios e colesterol. Quanto à túnica média, esta é, geralmente, a camada mais espessa dos vasos. Ela é composta por camadas concêntricas de células musculares lisas organizadas helicoidalmente, circundada por uma matriz extracelular composta de fibras elásticas e reticulares, além de proteoglicanos e glicoproteínas. Limitando a túnica média podemos encontrar a lâmina elástica externa. Ela é semelhante à lâmina elástica interna, porém mais delgada e podemos encontra-la apenas nas artérias, principalmente em um subtipo que são as artérias musculares, como veremos adiante. A túnica adventícia é a camada de revestimento dos vasos e torna-se gradualmente contínua com o tecido conjuntivo pelo qual o vaso está passando. Ela é composta, principalmente, por fibroblastos, fibras de colágeno tipo I e fibras elásticas dispostas longitudinalmente. A túnica adventícia possui fenestrações que permitem a nutrição da porção mais interna da túnica média por difusão dos nutrientes do sangue circulante. Afinal, as células dos vasos sanguíneos também precisarão receber os recursos necessários para seu metabolismo e, por isso, em grandes vasos, existe a presença de vasa vasorum (“vasos dos vasos”). São arteríolas e vênulas muito pequenas que penetram pela túnica mais externa (adventícia) e nutrem esta camada e a camada média. Porções em que a difusão dos nutrientes do sangue circulante não alcança. (Figura 1.5) Figura 1.5: Vasa Vasorum (retirada de Junqueira). A maior parte dos vasos sanguíneos é provida por uma rede de fibras não mielinizadas de inervação simpática, através do neurotransmissor norepinefrina. Tendo em mente que essas fibras não penetram na túnica média dos vasos, a norepinefrina precisa se difundir por alguns micrômetros até atingir esta camada, e faz isto através de junções intercelulares. A inervação parassimpática também existe, liberando acetilcolina e levando células endoteliais a produzir ON. Em veias, as terminações nervosas chegam a uma profundidade maior, alcançando a túnica adventícia, mas com uma densidade menor. A importância do sistema nervoso autônomo, este que é dividido em simpático e parassimpático e que citamos nesse parágrafo que você quase pulou, será mais detalhada no capítulo 6. Resumindo a ópera, nas artérias e nas veias sempre teremos uma fina camada de revestimento interno, a túnica íntima; seguida de uma camada predominantemente muscular, a túnica média; terminando em uma cada de tecido conjuntivo, a túnica adventícia. Portanto, o que vai diferenciar os vasos serão a espessura destas camadas e os diferenciais da composição, o que refletirá diretamente na função de cada tipo de vaso como veremos a partir de agora. Releia este último parágrafo lentamente antes de passar para a próxima sessão. 2. AS ARTÉRIAS As artérias podem ser dividas nas grandes artérias elásticas, nas artérias musculares médias e nas arteríolas. Elas irão aparecer na circulação nessa exata ordem de ramificações e uma vez que você entenda as suas funções, mais facilmente lembrarádas suas características. As grandes artérias elásticas são as primeiras a receber o sangue impulsionado pelo coração e são denominadas de artérias condutoras. Para o entendimento completo da sua função, o conceito de energia potencial elástica da física será importante. O ventrículo esquerdo ejeta uma determinada quantidade de sangue de aproximadamente 95 ml em cada batimento. Essa contração impulsiona o sangue adiante no circuito através da principal artéria elástica da circulação sistêmica, que é a artéria aorta. Hipoteticamente, se as artérias fossem um tubo rígido, quando chegasse o momento do fim da impulsão fornecida pela contração cardíaca, haveria uma redução brusca no fluxo sanguíneo, inclusive com breves momentos de estagnação. Porém, o que ocorre é que parte dessa força de impulsão é armazenada como energia elástica pelo estiramento das paredes artérias elásticas: é o chamado Efeito Windkessel (8). Sendo assim, quando ocorre a redução da impulsão no período de relaxamento cardíaco, essa energia latente acumulada novamente se transforma em uma força de impulsão para o sangue, enquanto as paredes das artérias retornam para as suas conformações originais. Ou seja, a função das grandes artérias elásticas é a de estabilizar o fluxo sanguíneo e garantir que o fluxo permaneça contínuo (Figura 1.6). Figura 1.6: Efeito Windkessel. A complacência do vaso faz com que, na diástole, a artéria se contraia, gerando pressão arterial diastólica e fluxo sanguíneo (retirada de Berne e Levy). São artérias elásticas a artéria aorta e seus principais ramos: o tronco braquiocefálico, as carótidas comuns, as subclávias e as ilíacas comuns. Também são elásticas a artéria pulmonar e as artérias pulmonares. São as grandes quantidades de fibras elásticas e elastina em suas camadas que possibilitam essa maior complacência desta categoria. A túnica média das artérias elásticas possui por volta de 40 membranas elásticas no recém-nascido e continua aumento ao longo da vida, chegando a mais de 70 membranas em um indivíduo adulto. Em seguida, temos as artérias musculares ou médias. Devido à sua função de regular o direcionamento do fluxo sanguíneo, determinando onde chegará mais ou menos sangue através da vasodilatação e da vasoconstrição, respectivamente, possuem função de artérias distribuidoras. Esta função é possível devido a possuírem até 40 camadas de feixes musculares lisos que permitem a redução do lúmen do vaso através da sua contração. Desta forma, o nosso organismo realiza vasoconstrição nas regiões onde não há necessidade de um maior aporte sanguíneo, direcionando o sangue para as demais regiões. O que é fundamental, por exemplo, para situações de emergências, como uma hemorragia de grande volume. Pois, o corpo consegue direcionar o sangue restante para os órgãos mais importantes, como o coração e o cérebro. Uma característica que auxilia na diferenciação nos cortes histológicos das artérias musculares das grandes artérias elásticas, além da cada média espessa, é a lâmina elástica interna proeminente como poderá ver em seu atlas histológico. Além disso, a sua túnica intima é mais delgada do que nas artérias elásticas, porém não é uma característica que ressalta facilmente aos olhos. Desta classificação fazem parte as demais artérias nominadas que não fizeram parte da categoria das artérias elásticas. Ou seja, com exceção das artérias citadas anteriormente (os grandes ramos da artéria aorta, artéria tronco pulmonar e as artérias pulmonares) que são artérias elásticas, qualquer outra artéria que é identificada por um nome, por ter calibre e/ou função de extrema relevância, você pode ter certeza que é uma artéria muscular: artérias braquiais, artérias renais, artérias femorais, etc. Por fim, temos a última categoria: as arteríolas. Como estamos seguindo o caminho lógico da ramificação, é dedutível que estas são as menores artérias. Por isso, só podem ser vistas quando ampliadas. Elas possuem a função de resistência e, consequentemente, reduzem a velocidade do fluxo para que sejam possíveis as trocas nos leitos capilares com maior eficiência através de uma ou duas camadas de feixes musculares lisos. Inclusive, os livros tradicionais de fisiologia trazem o conceito de meta- arteríolas. Estas nada mais são que arteríolas pré- capilares que, através da contração de sua musculatura lisa, determinam uma resistância ao fluxo sanguíneo de maneira semelhante às artérias musculares, auxiliando no controle do fluxo para o leito capilar e determinando quando chegará mais ou menos aporte sanguíneo na microcirculação. Apesar de não estar citado nos livros de fisiologia da graduação, hoje sabemos que este mecanismo parece estar presente apenas na circulação mesentérica (9) – vide detalhes no capítulo 3. 3. OS CAPILARES Os capilares são vasos extremamente simples se comparados às artérias e veias. Eles são formados basicamente por um endotélio apoiado e envolto por uma lâmina basal. Em alguns locais ao longo dos capilares, o endotélio pode ser envolto por pericitos, células que possuem uma lâmina basal própria que se funde com a lâmina basal do endotélio. Essa simplicidade é necessária para que ocorra o extravasamento de substâncias do leito capilar para o espaço intersticial. Por isso, a parede de um capilar é tão fina que é formada apenas por uma a três camadas de células, tendo, portanto, uma luz de apenas 4 a 8mm de diâmetro. O lúmen é tão estreito que geralmente permite apenas a passagem de células sanguíneas isoladas, por vezes necessitando de considerável deformação, algo que apenas é possível pela ausência de núcleo das hemácias. Quanto aos pericitos, estas são células que envolvem os capilares e também as vênulas pós-capilares com seus longos prolongamentos, possuem duas funções aparentes: a recuperação em caso de lesões, pois elas se diferenciam para formar células endoteliais ou células musculares lisas e talvez função contrátil, sugerida devido a presença de miosina, actina e tropomiosina em abundância em sua composição. Os capilares, por sua vez, são divididos em três tipos com características, funções e localizações distintas. Vamos falar deles agora. O primeiro tipo são os capilares contínuos ou somáticos. Eles são caracterizados pela ausência de fenestras, ou seja, orifícios em sua parede. Eles estão presentes nos tecidos musculares, nos tecidos conjuntivos, nas glândulas exócrinas e no tecido nervoso. Em alguns lugares desses tecidos, com exceção do tecido nervoso, eles possuem vesículas pinocíticas que são responsáveis pelo transporte de macromoléculas pela parede já que não possuem fenestras. O segundo tipo são os capilares fenestrados ou viscerais. Estes são caracterizados por possuírem fenestras nas paredes que podem ou não ser obstruídas por um diafragma mais fino que uma membrana celular. Quando possuem diafragma, são característicos de locais onde ocorre um intercâmbio intenso entre o tecido e o sangue, como é o caso dos rins, intestinos e glândulas endócrinas. Quando são destituídos de diafragma, o sangue só é separado dos tecidos pela lâmina basal. Este tipo está presente apenas no glomérulo renal. Algumas referências consideram este tipo específico (desprovido de diafragma) como um quarto tipo de capilar. A última categoria são os capilares sinusóides. Esta categoria está presente no fígado e em órgãos hemocitopoiéticos como a medula óssea e o baço. Eles possuem um trajeto tortuoso e um diâmetro maior do que os demais tipos de capilares, o que irá resultar na redução da velocidade do fluxo sanguíneo (esta afirmação pode não fazer sentido agora, mas fará quando você ler o capítulo 2). Além disso, as células endoteliais são descontínuas, assim como a lâmina basal. Tais características permitem o contato direto do sangue com os tecidos. Portanto, o sangue irá extravasar massivamente ao passar pelos sinusoides, permitindo, por exemplo, o metabolismo hepático de substâncias presentes no sangue, assim como a hemocaterese (destruição das hemácias) no baço. 4. AS VEIAS Focandoapenas na circulação sistêmica, o sangue sai do coração rico em oxigênio, segue pelas artérias até os capilares, onde realiza o primeiro objetivo: a entrega de recursos para as células. Os próximos passos, então, são a drenagem dos resíduos do processo metabólico e o seguimento pela circulação venosa, onde grande parte destes resíduos serão metabolizados no fígado, o CO2 será eliminado na circulação pulmonar e os demais resíduos eliminados na urina e nas fezes. Este processo de extravasamento e drenagem no leito capilar será esmiuçado no Capítulo 02. As veias estão presentes em maior número em nosso corpo, possuem paredes mais finas e, geralmente, possuem maior diâmetro que as artérias correspondentes, portanto, possuem a função potencial de reservatório de sangue, chegando a conter mais de 70% do sangue circulante. Além disso, devido ao fato de as veias possuírem uma quantidade muito inferior de feixes musculares e pressões menores do que as artérias, usualmente, elas não possuem pulso. O que justifica a diferença do comportamento de um sangramento arterial, que ocorre em jatos intermitentes e concordantes com o pulso, e de uma hemorragia venosa, que ocorre em com um fluxo contínuo e lento, “babando”, como costumamos falar. Este fluxo lentificado, quando oriundo de estruturas inferiores ao coração tende a um refluxo, por ocorrer contra a força da gravidade. Porém, como foi adiantado no início do capítulo, as válvulas venosas impedem o movimento contrário e garantem, com o auxílio das bombas venosas (exploradas adiante), um fluxo unidirecional. As válvulas venosas são dobras da túnica íntima, compostas de tecido conjuntivo rico em fibras elásticas, revestidas em ambos os lados por endotélio, em forma de meia lua que se projetam para o interior da veia. Elas estão mais presentes em veias em que o sangue precisa enfrentar a força da gravidade para retornar ao coração, como as veias dos membros inferiores. Essas válvulas se abrem apenas para um lado, portanto, se houver tentativa de refluxo elas se fecham e quando o sangue flui na direção correta, elas se abrem. As veias, seguindo o mesmo padrão, também serão divididas em três categoriais com características e funções próprias. Sendo assim, logo após o leito capilar, teremos as vênulas que, irão confluir na formação das veias médias que, por fim, irão convergir até formação das grandes veias, como as veias cava superior e inferior. As vênulas pós-capilares são também chamadas de vênulas pericíticas. Elas são formadas apenas por uma camada de células endoteliais, envoltas de pericitos como já vimos. Porém, diferente dos capilares, existem vênulas um pouco maiores que possuem algumas células musculares lisas ao invés de pericitos em sua parede para realizar a função contrátil. As veias possuem uma íntima bem desenvolvida, porém é a túnica adventícia a mais espessa e bem desenvolvida. Esta que frequentemente possui feixes longitudinais de músculo liso. As veias, em grande parte, acompanham artérias em seu trajeto. Por isso, os nomes das veias usualmente recebem o mesmo nome da artéria que acompanham (exemplos: veia femoral, veia subclávia...), porém existem exceções como: as veias cavas (superior e inferior), a veia cefálica, a veia basílica e as veias safenas magna e parva. 4. OUTROS CONCEITOS IMPORTANTES 1. ANASTOMOSES E CIRCULAÇÃO COLATERAL Uma anastomose é uma comunicação entre os vasos sanguíneos que pode criar uma circulação colateral ou uma rota alternativa para a circulação do sangue. Estas podem ser classificadas em quatro tipos: Anastomose término-terminal: quando duas artérias se comunicam diretamente. Anastomose por convergência: quando duas artérias convergem e se fundem. Anastomose transversa: quando um pequeno vaso arterial liga duas artérias transversalmente. Anastomose arteriovenosa: quando há uma conexão direta entre as menores artérias e veias. Estas são importantes para conservação do calor corporal. 2. ARTERIOGÊNESE E ANGIOGÊNESE A arteriogênese é definida como o desenvolvimento de fluxo através de artérias colaterais derivadas de anastomoses arterio-arteriais pré-existentes. Isto ocorre em processos de obstrução parcial ou total que resultam no aumento da pressão na região, forçando a ampliação do diâmetro de vasos pré-existentes, permitindo, desta forma, a passagem de sangue por uma rota alternativa. A angiogênese é o processo de formação de pequenos novos vasos como capilares, resultado de um estímulo isquêmico. Ou seja, o organismo ao passar por momentos em que os vasos existentes não são suficientes, estimula a criação de uma circulação colateral. Porém, ambos os processos necessitam de tempo para ocorrer com eficiência (10). A diferença entre ambos os mecanismos está disposta na Figura 1.7 Figura 1.7: Arteriogênese (A) é a indução de fluxo através de artérias colaterais previamente existentes através do gradiente de pressão gerado pela ausência de fluxo em uma das artérias. Angiogênese (B) é o crescimento de capilares a partir de vasos existentes, processo geralmente engatilhado por hipóxia (retirada da referência 6). 3. BOMBAS VENOSAS Existem três bombas que irão auxiliar no retorno venoso: a bomba arteriovenosa, a bomba musculovenosa e a bomba respiratória. A bomba arteriovenosa é possível devido a uma bainha vascular relativamente rígida que circunda as veias acompanhantes de uma determinada artéria. Sendo assim, quando a artéria se expande com a chegada de um pulso, ela comprime as veias nessa bainha, ordenhando desta forma o sangue no interior das veias em direção ao coração devido ao direcionamento das válvulas venosas. A bomba musculovenosa vai possuir o mesmo objetivo da bomba anterior, porém a ordenha das veias será realizada a partir da contração muscular das extremidades, principalmente dos membros inferiores. Por isso, alguns autores se referem as panturrilhas como corações secundários. Este é o motivo de se colocar um paciente acamado para caminhar assim que possível. As contrações musculares na caminhada irão auxiliar o retorno venoso, além de evitar úlceras por pressão. A bomba respiratória se utiliza da pressão negativa criada durante a expansão torácica na inspiração. O racional disso é que todo sistema de pressão desloca o fluído de onde há mais pressão para as regiões com menores pressões, logo a diminuição da pressão da caixa torácica, auxilia a “sugar” o sangue para a região, consequentemente, facilitando o deslocamento do sangue em direção ao coração. Quadro 1.1: Arteriosclerose e aterosclerose A arteriosclerose é o processo de enrijecimento das artérias resultado da perda de elastina com o envelhecimento do indivíduo. Sendo assim, ocorre uma progressiva perda da capacidade de se acumular energia nas grandes artérias elásticas (perda do Efeito Windkessel), assim como influencia diretamente no aumento da pressão arterial sistólica e sua pressão de pulso. A aterosclerose é um processo complexo de formação de um trombo, resultado de um processo inflamatório iniciado pelo acúmulo de colesterol com posterior agregação de componentes sanguíneos nas artérias. Este processo pode vir a gerar uma obstrução parcial ou total no vaso, suspendendo o suprimento de recursos para os tecidos da região. Caso este processo permaneça, o tecido pode vir a necrosar, ou seja, morte tecidual. 5. CONFERÊNCIAS Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo! CAPÍTULO 2 Dinâmica dos Fluídos (hemodinâmica) 1. CASO CLÍNICO Sr. Jorge (vide capítulo anterior), retorna à consulta novamente acompanhado da sua neta Pollyana após um mês com os resultados dos exames, como combinado. Ele alega estar seguindo à risca todas recomendações realizadas na última consulta com exceção dos finais de semana, período em que ainda mantem seus hábitos antigos – “ninguém é de ferro”. Ele informa que já se sente mais disposto e que acreditava que os valores elevados da sua pressão sanguínea registrados na última consulta, provavelmente, se deviam à suaansiedade. Dr. Barros esclarece que realmente existe essa possibilidade e explica que existe um fenômeno conhecido como “hipertensão do avental branco”. Esta é definida pelo aumento da pressão dentro do consultório médico provocada pela ansiedade do paciente, porém em outras situações, os valores retornam à normalidade. Sendo assim, após realizar uma nova aferição e verificar uma pressão arterial de 144 x 92 mmHg, Dr. Barros dá uma breve explicação sobre o risco cardiovascular do Sr. Jorge, que não é alto, e que o paciente tem 3 a 6 meses para reduzir a pressão arterial ao valor normal, de acordo com as últimas diretrizes. Então, durante esse tempo, Sr. Jorge terá que demonstrar mais esforço no controle não- farmacológico da pressão arterial e também realizará uma MAPA para excluir a tal “hipertensão do jaleco branco”. Após esclarecer o procedimento, Pollyana tornou a se mostrar curiosa: “o que é essa pressão arterial? Todo mundo tem? O que você ouve nesse aparelho para saber qual é a pressão arterial de meu avô?”. Novamente intrigado com a curiosidade da garota, Dr. Barros cobra a você, afortunado acadêmico, as explicações que ele havia solicitado na última consulta, alegando que precisaria destas informações para responder às novas perguntas. Como você leu com atenção ao Capítulo 1, voou baixo nas explicações. Orgulhoso, Dr. Barros acrescentou que os vasos possuem propriedades fisiológicas elementares, e como seu paciente já tinha uma idade mais avançada, algumas podiam estar mais prejudicadas, contribuindo para a elevação da pressão arterial. Além disso, durante as suas explicações, o preceptor informou que comprimir o braço do Sr. Jorge e depois ir liberando aos poucos, provocava colisões do sangue com as paredes dos vasos daquele local e que essas colisões poderiam ser auscultadas. Através destes sons e olhando no relógio (manômetro) era possível determinar indiretamente a pressão arterial. 1. POSSÍVEIS PALAVRAS DESCONHECIDAS “Pressão arterial”: Vide capítulo “MAPA”: Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial. Esta é realizada através de um aparelho que o paciente carrega consigo por 24hs e de tempos em tempos, registra a pressão arterial do paciente. Dessa forma é possível avaliá-la em diversos cenários da rotina. 2. PALAVRAS-CHAVES “Pressão arterial”, “mudança de hábitos”, “MAPA”, “aferir a pressão arterial “, “choques do sangue com as paredes desse vaso que podiam ser auscultados”, “propriedades dos vasos 3. OBJETIVOS Compreender as propriedades dos vasos sanguíneos Compreender a pressão arterial e a técnica de aferição indireta 2. DISTRIBUIÇÃO DO VOLUME SANGUÍNEO O volume de sangue que circula em um indivíduo é de aproximadamente 7% de seu peso corpóreo. Este volume em um estado fisiológico é constante. Ou seja, se houver aumento do volume em uma região é porque houve a redução em outra. Portanto, há um gerenciamento baseado nas necessidades dos sistemas. Se o indivíduo realiza uma alimentação volumosa, por exemplo, haverá uma maior demanda do sistema digestório e mais sangue será direcionado a este trato. Consequentemente, considerando o volume absoluto constante, ocorrerá uma pequena redução da quantidade de sangue em outros sistemas. Esta redução quando ocorre no cérebro proporciona o estado de sonolência pós-prandial. Outro exemplo que aprofundaremos adiante é o estado de luta ou fuga. Uma situação em que o indivíduo seja exposto a um estressor (situação de risco de vida, falar em público, etc.) e o corpo responde preparando o mesmo para reagir a situação. Ou seja, prepara o indivíduo para o enfrentamento ou para a fuga. Desta forma, os sistemas nervoso, cardiovascular, respiratório e muscular são priorizados. E dentre diversas respostas que a situação promove está o aumento do fluxo sanguíneo para estes sistemas. Estes dois exemplos servem para ilustrar que há esse gerenciamento por demanda que é resultado da regulação neuroendócrina. E como vimos no capítulo anterior, essa função de regular o fluxo sanguíneo na macrocirculação é artérias musculares e na microcirculação das arteríolas. Sendo estas as principais atuantes nesse gerenciamento. Entretanto, apesar de estarmos analisando uma situação estável, constantemente o nosso corpo precisa alterar esse volume. Seja reduzindo-o através da urina e do suor, assim como também o aumentando, pelo estímulo da sede e da fome. A distribuição do volume no sistema cardiovascular é de aproximadamente 84% na circulação sistêmica, 9% na circulação pulmonar e 7% no coração. Sendo que desses 84% presentes na sistêmica, 64% se encontra nas veias, 13% nas artérias e 7% nas arteríolas e capilares sistêmicos. 3. PROPRIEDADES DOS VASOS SANGUÍNEOS Imagine um aparato de bombeamento de algum líquido que consegue, de acordo com as próprias necessidades, através de um software avançado, reduzir ou aumentar o seu diâmetro, suas pressões internas, modificar o fluxo em seu interior, deixar mais líquido no reservatório e menos líquido corrente ou vice-versa, aumentar a força da bomba – tudo sem a necessidade de um operador manual. Pois bem, esta máquina perfeita existe e está dentro de cada um de nós. Os vasos sanguíneos são mais do que apenas tubos em um sistema de hidráulico de pressão. Como vimos, são estruturas de lúmen adaptável, e quem controla isso não é um software. 1. FLUXO SANGUÍNEO O fluxo sanguíneo é o movimento contínuo do sangue através do sistema cardiovascular, resultado dos gradientes de pressão criados pela bomba do sistema, o coração. Ou seja, se forcarmos nossa atenção em uma porção do sangue, esta irá percorrer de forma contínua o sistema de uma zona de maior pressão para uma zona de menor pressão. As paredes dos vasos promovem, contra o líquido circulante, uma resistência na forma de atrito. Em situações de normalidade, esta resistência será maior na periferia do vaso, onde há contato direto com as paredes, do que no centro, onde o sangue terá mais liberdade de fluir. Ok até aqui? Este dado leva a duas conclusões importantes no entendimento na dinâmica dos fluidos: o primeiro é que quanto menor for o calibre do vaso, maior será a proporção de sangue em contato com sua parede e maior será a resistência à passagem do fluxo sanguíneo; o segundo é que esta disposição da passagem do sangue mais lento pela periferia resulta na formação de lâminas, camadas concêntricas de sangue, em que a velocidade do fluxo aumenta quanto mais se aproxima do centro. Este é o conceito de fluxo laminar, como podemos ver na Figura 2.1, painel B. Figura 2.1: Fluxo laminar x Fluxo turbulento (retirada do Guyton). Entretanto, caso haja algum tipo de obstrução por placas ateroscleróticas, se o sangue possuir uma densidade elevada, ou ainda se as propriedades elásticas das artérias forem perdidas, o fluxo perde essa característica laminar, como podemos ver na Figura 2.1, painel C e se torna turbulento, chocando-se contra as paredes do vaso e contra o próprio sangue. Apesar do fluxo turbulento geralmente estar associado a situações patológicas, podemos utilizá-lo a nosso favor para aferir indiretamente a pressão arterial de um indivíduo, e isto se dá porque estes choques desorganizados contra a parede do vaso são audíveis ao estetoscópio. Sendo assim, o método de aferição da pressão arterial se baseia, primeiramente, na obstrução total do vaso que ocorre ao se insuflar o manguito do esfigmomanômetro a uma pressão maior que a que é realizada pelo sangue de dentro do vaso. Ao desinsuflar lentamente o manguito, o examinador perceberá o momento em que a pressão sanguínea é suficiente para vencer a obstrução mecânica, iniciando um fluxo turbulento audível através da obstrução parcial e pode- se verificar no manômetro a pressão que foi necessária para vencer a resistência (Figura 2.2). Essa será considerada a pressão arterial sistólica. Você pode conferir a descrição completa do método no quadro 2.1. Quadro 2.1: A aferição da pressão arterial Passos para obtenção da pressão arterial pelo método indireto segundo a VI DiretrizesBrasileiras de Hipertensão: Preparo do paciente: 1. Explicar o procedimento ao paciente e deixá-lo em repouso de 3 a 5 minutos em ambiente calmo. Deve ser instruído a não conversar durante a medição. Possíveis dúvidas devem ser esclarecidas antes ou depois do procedimento. 2. Certificar-se de que o paciente NÃO: - Está com a bexiga cheia; - Praticou exercícios físicos há pelo menos 60 minutos; - Ingeriu bebidas alcoólicas, café ou alimentos; - Fumou nos 30 minutos anteriores. 3. Posicionamento: - O paciente deve estar sentado, com pernas descruzadas, pés apoiados no chão, dorso recostado na cadeira e relaxado; - O braço deve estar na altura do coração, apoiado, com a palma da mão voltada para cima e as roupas não devem garrotear o membro. 4. Medir a PA na posição de pé, após 3 minutos, nos diabéticos, idosos e em outras situações em que a hipotensão ortostática possa ser frequente ou suspeitada. Etapas para a realização da medição 1. Determinar a circunferência do braço no ponto médio entre acrômio e olécrano; 2. Selecionar o manguito de tamanho adequado ao braço (ver Quadro 3); 3. Colocar o manguito, sem deixar folgas, 2 a 3 cm acima da fossa cubital; 4. Centralizar o meio da parte compressiva do manguito sobre a artéria braquial; 5. Estimar o nível da PAS pela palpação do pulso radial*; 6. Palpar a artéria braquial na fossa cubital e colocar a campânula ou o diafragma do estetoscópio sem compressão excessiva*; 7. Inflar rapidamente até ultrapassar 20 a 30 mmHg o nível estimado da PAS obtido pela palpação*; 8. Proceder à deflação lentamente (velocidade de 2 mmHg por segundo) *; 9. Determinar a PAS pela ausculta do primeiro som (fase I de Korotkoff) e, após aumentar ligeiramente a velocidade de deflação*; 10. Determinar a PAD no desaparecimento dos sons (fase V de Korotkoff) *; 11. Auscultar cerca de 20 a 30 mmHg abaixo do último som para confirmar seu desaparecimento e depois proceder à deflação rápida e completa*; 12. Se os batimentos persistirem até o nível zero, determinar a PAD no abafamento dos sons (fase IV de Korotkoff) e anotar valores da PAS/PAD/zero*; 13. Realizar pelo menos duas medições, com intervalo em torno de um minuto. Medições adicionais deverão ser realizadas se as duas primeiras forem muito diferentes. Caso julgue adequado, considere a média das medidas; 14. Medir a pressão em ambos os braços na primeira consulta e usar o valor do braço onde foi obtida a maior pressão como referência; 15. Informar o valor de PA obtido para o paciente; e 16. Anotar os valores exatos sem “arredondamentos” e o braço em que a PA foi medida. * Itens realizados exclusivamente na técnica auscultatória. Reforça-se a necessidade do uso de equipamento validado e periodicamente calibrado. Figura 2.2: Aferição da pressão arterial (retirada do Berne e Levy). A resistência vascular periférica, como vimos, é o nome dado ao atrito entre o sangue e a parede dos vasos. Essa resistência depende de três fatores: o diâmetro do lúmen, o comprimento do vaso e a viscosidade sanguínea. A viscosidade sanguínea é proporcional ao hematócrito que vemos no hemograma de um indivíduo (percentual de glóbulos vermelhos presentes no sangue). Ou seja, se uma pessoa possui hematócrito de 40%, isto significa que 40% do seu volume sanguíneo é constituído de hemácias e o restante de consiste em plasma. A saber, 42% é o valor médio de um homem adulto, enquanto que nas mulheres a média é 38%. Portanto, quanto maior o hematócrito, maior a viscosidade do sangue. Outro conceito hemodinâmico que você precisa ter em mente é o de “resistência em série” ou “resistência em paralelo” (1). É importante porque é mais condizente com o modelo de “canos” do nosso corpo. E como acontece? Perceba: o fluxo sanguíneo vai da aorta para artérias menores, arteríolas, capilares e depois retorna ao sistema venoso e coração, não é? Esse caminho em sequência (ou série) deve ser percorrido pelo sangue e para isso é preciso vencer a resistência de cada um desses locais (R total = R1 + R2 + R3...). Mas as pequenas artérias e arteríolas representam um modelo em que o sangue entra em uma OU em outra delas, consistindo, então, em circulações paralelas. No caso de resistências em paralelo, a pressão de fluxo de entrada e de saída é a mesma para todas elas, então, em um exemplo hipotético de vasos de mesmo diâmetro e comprimento, o fluxo será o mesmo e a resistência também (R total = R de cada vaso x número de vasos). Parece complicado, mas a Figura 2.3 pode te ajudar (não deixe de ver!). Figura 2.3: Para vasos conectados em série (imagem de cima, A), a resistência total é a soma de todas as resistências do circuito (R1 + R2 + R3). Para vasos conectados em paralelo (imagem abaixo, B), a resistência de cada vaso é uma parte do total (R vaso = R total/nº), modificando a fórmula temos: R total = R de cada vaso x número de vasos (retirado de Faber). Figura 2.4: Lei de Pouiseille determinando maior fluxo de líquido quando maior o diâmetro do vaso a uma progressão de quarta potência. 44 = 256 (retirada do Guyton). A condutância é o oposto da resistência, de modo que a mensuração de um parâmetro, te dá também o outro. Ou seja, é a medida do fluxo sanguíneo sob determinada pressão. Como podemos ver na fórmula 2.3, ocorre uma relação direta da condutância e o raio do vaso quando o fluxo é laminar. A condutância de um vaso aumenta em proporção direta à quarta potência do raio deste vaso. O que significa que se aumentarmos o raio de 1 para 4, o fluxo aumentará 256 vezes. Esta é a famosa lei de Poiseuille (lê-se pua-zôi) – você ainda ouvirá sobre essa lei muitas vezes na vida acadêmica e prática da Medicina (Figura 2.4). Q = πΔPr4 8μl Q: velocidade do fluxo sanguíneo ΔP: diferença de pressão entre as extremidades do vaso r: é o raio do vaso L: comprimento do vaso μ: viscosidade do sangue Quanto à velocidade do fluxo nos diferentes tipos de vasos sanguíneos, intuitivamente costuma-se pensar que assim como uma mangueira pressionada, quanto menor o diâmetro de determinado tipo de vaso, maior será a velocidade de fluxo por ali. Porém, a velocidade, além de ser influenciada pela resistência vascular periférica, é inversamente proporcional a um conceito denominado secção transversal. Simplificando, a secção transversal é a soma dos diâmetros de todos os vasos de um mesmo tipo. Sendo assim, por mais que as artérias elásticas possuam grandes lúmens, seu diâmetro absoluto (a soma dos diâmetros de todas as artérias elásticas) é inexpressivo se comparado ao diâmetro de todos os capilares presentes no corpo. Como era de se esperar, a física nunca erra! Então, da mesma forma da mangueira, no nosso corpo, o fluxo é mais rápido por locais mais apertados: se o fluxo tem que se manter constante independente do diâmetro transversal do vaso, e se o espaço é diminuto, o jeito é aumentar a velocidade. Como já explicitamos, a soma do diâmetro de todos os capilares do corpo é muito maior que o diâmetro da aorta por exemplo. Consequentemente a velocidade do fluxo na aorta é muito maior, já que o diâmetro deste vaso é menor que de todos os capilares juntos. Para se ter uma ideia, enquanto o sangue percorre a artéria aorta com aproximadamente 33 cm/s, essa velocidade nos capilares é de apenas 0,3 mm/s. Posteriormente, obtém novamente velocidade nas veias até alcançar novamente o coração. Não deixe de ver a Figura 2.5. Figura 2.5: No gráfico de cima (A), percebemos que a maior área de secção transversal da circulação está na soma de todos os capilares do nosso corpo. Sendo assim, nessa região, a velocidade de fluxo será reduzida. No gráfico de baixo (B), percebemos que a pressão arterial é maior quanto mais próximo do coração e reduz à medida que se afasta deste, já a resistência relativa é maior nas arteríolas e capilares (retirada de Faber). 2. DISTENSIBILIDADE X COMPLACÊNCIA (CAPACITÂNCIA) A distensibilidade vascular e a complacência vascular são conceitos interligados. A distensibilidade é o percentual do aumento do volume a partir deaplicada uma determinada pressão. Enquanto que a complacência ou capacitância é o aumento absoluto do volume a partir de aplicada uma determinada pressão. Ou seja, quanto um vaso pode acomodar de volume a depender do aumento da pressão. Tais conceitos podem ser melhor compreendidos com um exemplo: se aplicarmos 1 mmHg em dois vasos (A e B), em que A possui diâmetro maior do que B, ambos podem aumentar em 10% o seu volume. Sendo assim, eles possuem a mesma distensibilidade. Porém, devido a possuírem diâmetros distintos, depois de aplicada essa pressão, a quantidade absoluta que foi acomodada em A foi maior do que de B. Logo, A é mais complacente do que B. As veias são cerca de 8 vezes mais distensíveis que as artérias correspondentes por possuírem paredes mais delgadas e menores quantidade de fibras musculares. Somando-se o fato dos diâmetros das veias também serem até três vezes maiores se comparadas às artérias correspondentes, logo as veias possuem em média uma complacência 24 vezes maior do que as artérias. Isso é de suma importância na prática médica. Perceba: para que haja um aumento de 3-5 mmHg na pressão venosa de um indivíduo, são necessários litros de solução. Essa é a razão pela qual podemos transfundir sangue em um paciente sem deixa-lo edemaciado. As veias são cerca de 8 vezes mais distensíveis que as artérias correspondentes por possuírem paredes mais delgadas e menores quantidade de fibras musculares. Somando-se o fato dos diâmetros das veias também serem até três vezes maiores se comparadas às artérias correspondentes, logo as veias possuem em média uma complacência 24 vezes maior do que as artérias. Justificando a função das veias de reservatório de sangue. 3. PRESSÃO SANGUÍNEA A pressão arterial é um dado clínico de suma importância na rotina de consultório. Por isso, precisamos dedicar uma atenção especial em todos os seus conceitos (todo médico precisa entender a pressão arterial). A pressão sanguínea é definida como a força exercida pelo sangue contra qualquer unidade de área da parede vascular e a unidade utilizada é milímetros de mercúrio (mmHg). Isso significa que, por exemplo, uma pressão de 100 mmHg realizada pelo sangue contra a parede de um vaso sanguíneo é suficiente para suspender a coluna de mercúrio de um manômetro em 100 mm. Parte dessa pressão é fornecida ao sangue através das contrações cardíacas, alcançando, aproximadamente, 120 mmHg de pressão contra as paredes das artérias durante a sístole ventricular: esta é a pressão arterial sistólica. Durante o relaxamento do coração, o sangue nas grandes artérias segue fluindo por conta da distensibilidade que as artérias elásticas possuem, portanto, ainda exercendo pressão arterial contra a artéria, só que em níveis menores: a pressão adquire valores em torno de 80 mmHg, a famosa pressão arterial diastólica. Tais conceitos (sístole e diástole) são melhor explorados no capítulo 05 no estudo do ciclo cardíaco. Já ouviu falar nesse valor 120 x 80? 12 por 8? Agora você entende o porquê. O sangue, à medida que avança na circulação sistêmica e alcança vasos cada vez menores até a microcirculação, se distanciando da bomba, perde pressão. Nos capilares obtém valores médios de 17 mmHg, aproximando-se a valores de 0 mmHg ao atingir a porção mais distal das veias cavas, quando o sangue finalmente desemboca no átrio direito. A pressão no átrio direito, cerca de 0 mmHg, é denominada pressão venosa central (PVC). E ela é regulada por dois fatores: a capacidade de o sangue do lado direito do coração ser ejetado para circulação pulmonar e o próprio retorno do sangue sistêmico para o átrio direito. Sendo assim, se o coração tiver alguma dificuldade nesses dois fatores, a pressão venosa central é alterada. Um exemplo importante disso é no manejo de pacientes graves que apresentam colapso hemodinâmico (você ainda vai se deparar com isso um dia): o paciente está com a pressão arterial baixíssima. Como o médico não possui uma câmera microscópica para avaliar cada local do sistema circulatório do paciente, uma das medidas que ele pode utilizar para definir a causa e selecionar um tratamento é através da medida da PVC: caso ela esteja alta, o paciente já tem muito líquido no corpo ou algo está obstruindo a passagem desse líquido pelo coração direito até o esquerdo – então fazer soro fisiológico para aumentar a pressão arterial não é uma saída inteligente. Já se a PVC desse paciente estiver normal, o paciente ainda pode ser hidratado, afim de aumentar o retorno venoso e o débito cardíaco (Lei de Frank Starling – capítulo 5. Quanto à pressão sanguínea na circulação pulmonar, esta possui valores muito menores. Sendo que a pressão sistólica média na artéria pulmonar é de apenas 25 mmHg, e a diastólica 8 mmHg. Os valores menores justificam-se por um percurso menor e mais próximo ao coração. A medida direta da pressão arterial pulmonar também é importante no manejo de pacientes criticamente enfermos. O cateter de Swan-Ganz traz valiosas informações sobre esse sistema e pode ajudar (e muito!) o médico a tomar suas decisões. 4. FATORES DETERMINANTES DA PRESSÃO SANGUÍNEA Os fatores reguladores mais importantes da pressão arterial são a resistência periférica e o débito cardíaco. A resistência vascular periférica (RVP) depende, como visto anteriormente, do diâmetro do lúmen do vaso, do comprimento total desse vaso e da viscosidade sanguínea. Sendo assim, se ocorrer alguma alteração destes fatores, como por exemplo uma vasoconstricção, maior será o atrito, maior será a resistência ao fluxo, e consequentemente, maior será a pressão. O débito cardíaco (DC) (Capítulo 05) é a quantidade de sangue que o coração irá ejetar na sístole, ou seja, volume sistólico (VS) após um número de batimentos que o coração teve em um determinado período de tempo. Logo, quanto mais sangue é ejetado, também maior será a pressão. Já que os dois fatores citados possuem relação direta com a pressão arterial, é possível criar uma fórmula, na qual a PA pode ser calculada através da multiplicação dos seus fatores fisiológicos, com a clássica fórmula 2.4 PA = DC x RVP Como vimos, o débito cardíaco = frequência cardíaca (FC) x volume sistólico (VS). Trocando em miúdos, se um coração bate 70 vezes por minuto e ejeta 70 ml de sangue por batimento, o débito cardíaco é 4900 ml/min. Jogando os valores na fórmula 2.4, criamos a fórmula 2.5, que é mais completa: PA = FC x VS x RVP Legal. Mas para saber a pressão arterial de um indivíduo, basta eu ir lá e medir com meu esfigmomanômetro. Não preciso de fórmula para isso. Sim, está certo. As fórmulas 2.4 e 2.5 são didáticas. Importante mesmo, na prática clínica, é saber como está o débito cardíaco do seu paciente. E isso pode se dar de duas maneiras: (1) multiplicar FC x VS, tendo o volume sistólico avaliado através de um ecocardiograma; ou (2) através do princípio de Fick, uma das fórmulas mais elegantes da Medicina. Antes de mostrar a fórmula, entenda: o débito cardíaco pode ser estimado através de um raciocínio simples. Se eu consumo determinada quantidade de oxigênio por minuto (ml/min), significa que meu coração foi capaz de mandar aquele oxigênio através de uma artéria para meus órgãos e recebê-lo pela veia. Se meu coração tem menor capacidade de bombeamento, portanto, menor débito cardíaco, meu consumo será menor porque eu não posso tirar O2 do nada. Ok até aqui? Então, o VO2 (consumo de O2 em um minuto) é igual ao produto do débito cardíaco vezes o gradiente de oxigenação entre o sangue arterial, mais oxigenado, e venoso, menos oxigenado. Passando um dado da fórmula pra lá e um pra cá, temos que: Já que a VO2 tem um valor constante de acordo com o sexo e a idade do paciente e o médico pode descobrir a oxigenação do sangue arterial e do sangue venoso através de acessos vasculares profundos, agora sim, mesmo sem um ecocardiograma, sabemos o débito cardíaco do paciente. “Voei”. Ok. É compreensível. Fórmulas não são legais. Mas sugiro que guarde as fórmulas 2.4 e 2.6 para a vida. Em unidades de terapiaintensiva, onde o paciente sofre rotineiramente com baixo débito cardíaco, essas duas fórmulas salvam vidas. Um conceito importante que temos que ter antes de seguir adiante é o de pressão de pulso, que é a subtração entre os valores da pressão arterial sistólica (PAS) e da pressão arterial diastólica (PAD). Entenda: a pressão arterial sistólica é muito influenciada pela contração ventricular, e a pressão arterial diastólica sofre forte influência da complacência e da elasticidade do vaso, além do escoamento do sangue pela circulação, pois durante essa fase não há força mecânica empurrando o sangue, então o que se espera dele é que ele se mantenha fazendo força contra o vaso e criando pressão. Então, se o sangue não permanece nas artérias durante a diástole, a pressão diastólica reduz e a subtração PAS – PAD aumenta de valor. E por que isso é importante? Porque isso significa doença! Para se ter ideia, o estudo Framingham demonstrou que um aumento de 10 mmHg na pressão de pulso é associado a um risco 23% maior de desenvolvimento de doença arterial coronariana (2). Um outro uso importante é no doente enfermo calcular a variação da pressão de pulso, visto que os doentes em colapso hemodinâmico e gravemente enfermos têm pouca variação e valores absolutos baixos de pressão de pulso. 5. O PULSO O pulso é o reflexo do estiramento das artérias ao receber a energia propagada pela contração cardíaca. Podemos senti-lo em algumas artérias superficiais, como a artéria radial, e por isso, é uma das formas de avaliação indireta do sistema circulatório no exame clínico. 4. FISIOLOGIA DA MICROCIRCULAÇÃO Vimos no capítulo anterior que a microcirculação corresponde aos capilares e as menores vênulas e arteríolas, e é onde ocorre o extravasamento para o espaço intersticial, onde se darão as trocas necessárias para os tecidos. Se ocorre extravasamento em excesso, este líquido pode vir a se acumular, resultando em edema (“inchaço“). Portanto, para que ocorra o processo de forma adequada, se faz necessário um equilíbrio de fatores, sendo os principais: a pressão hidrostática, a pressão coloidosmótica e a permeabilidade capilar. A pressão hidrostática é a pressão sanguínea nos capilares. Essa força aplicada contra o endotélio dos capilares, que são relativamente permeáveis, irá promover o extravasamento do líquido para o interstício. Contudo, as paredes dos capilares funcionam como uma barreira seletiva mecânica em que apenas pequenas estruturas atravessarão, logo, ocorre uma filtração do conteúdo plasmático em que grandes moléculas e células não atravessam os poros. Enquanto a pressão hidrostática auxilia no extravasamento, a pressão coloidosmótica, também chamada de pressão oncótica, irá promover a reabsorção de fluídos para os capilares. Esta corresponde a pressão promovida pelas proteínas do plasma, principalmente, a albumina, seguindo o mesmo conceito do movimento de solvente na membrana plasmática. O fluído irá sempre se difundir para o local com a maior concentração de solvente na tentativa de equilibrar os meios. Ou seja, a perda de fluídos inicial promovida pela pressão hidrostática, resulta no aumento da concentração de solutos nos capilares que em algum momento irá superar a pressão hidrostática e promover a reabsorção. Consequentemente, entender a fisiologia na microcirculação é visualizar um embate de forças contrárias (pressão hidrostática x pressão coloidosmótica) em que o resultado a cada momento define a direção do movimento dos fluídos e pequenas moléculas (Figura 2.6). Portanto, como ocorre passo a passo as trocas nos leitos capilares? Primeiramente o sangue chega com uma grande pressão hidrostática nos capilares e promove o extravasamento de líquido e nutrientes pelos poros para o espaço intersticial que irão nutrir as células. O sangue continua a circular no leito capilar, perdendo pressão hidrostática e ganhando pressão coloidosmótica, devido ao acumulo de proteínas. Nesse tempo as células já absorveram os nutrientes e oxigênio extravasados e liberaram seus resíduos como dióxido de carbono para o espaço intersticial. A pressão coloidosmótica supera a pressão hidrostática e o que ocorre é a absorção de fluído do espaço intersticial juntamente com esses resíduos celulares. (Quadro 2.2) Figura 2.6: R As forças da pressão do líquido e pressão coloidosmótica atuam sobre a membrana capilar e tendem a mover o líquido para fora ou para dentro dos poros da membrana (retirada do Guyton). Quadro 2.2 – Resumo das forças que operam na extremidade capilar (retirado do Guyton). mmHg mmHg Forças que tendem a mover o líquido para fora: Pressão capilar (extremidade arterial do capilar) 30 Pressão negativa do líquido livre intersticial 3 Pressão coloidosmótica do líquido intersticial 8 FORÇA TOTAL PARA FORA 41 Forças que tendem a mover o líquido para dentro: Pressão coloidosmótica do plasma 28 FORÇA TOTAL PARA DENTRO 28 Resultante das forças: Para fora 41 Para dentro 28 FORÇA EFETIVA PARA FORA (NA EXTREMIDADE ARTERIAL) 13 Todavia, a reabsorção promovida pela pressão coloidosmótica não é suficiente. Ou seja, se apenas houvesse esse mecanismo de reabsorção, ocorreria um acúmulo de líquido no espaço intersticial. Desta forma, retomando as funções básicas do sistema circulatório, o sistema linfático, através de vasos de fundo cego, irá drenar os excessos do extravasamento e despejar posteriormente no sistema venoso. Mantendo assim a volemia do sistema e evitando perdas. Entretanto, até o sistema linfático possui um limite. Sendo assim, em situações patológicas em que algum dos fatores se altere, como por exemplos, aumento demasiado da volemia, congestão no sistema circulatório, queda na produção de albumina e/ou aumento da permeabilidade capilar (ex: processo inflamatório), resultará em um extravasamento que pode vir a superar o limite de absorção do sistema linfático. Além deste processo específico de troca no leito capilar, há a participação dos outros vasos da microcirculação. As pequenas arteríolas irão controlar o fluxo para cada tecido a depender da demanda do mesmo. Esse controle será ainda mais refinado pelas metarteríolas, que podem abrir ou fechar a entrada dos capilares, gerando um fluxo intermitente. Sendo que a esse fenômeno chamamos de vasomotilidade. 5. CONFERÊNCIAS Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo! CAPÍTULO 3 Regulação da Circulação e da Pressão Arterial 1. CASO CLÍNICO Sr. Jorge (vide capítulo anteriores), retorna para mais uma consulta, agora com o resultado da MAPA, como combinado. Ele reforça que está com hábitos alimentares mais saudáveis e vem realizando caminhadas pelo menos quatro vezes na semana. Desta vez, informa que não houve excessos nos finais de semana, porém não pode garantir que eles não ocorram esporadicamente. A MAPA demonstrou alguns picos de pressão arterial sistólica e diastólica ao longo do dia e o Dr. Barros aproveitou para esclarecer o Sr. Jorge quanto aos resultados. Desta forma, segundo ele, estava excluída a possibilidade de da hipertensão do avental branco e ele optaria por iniciar com uma dosagem baixa de uma droga anti-hipertensiva. O médico acrescentou também que não há cura para a hipertensão arterial e que o principal objetivo do tratamento é evitar eventos adversos no futuro. A medicação irá auxiliar no processo, mantendo os valores pressóricos dentro dos valores aceitáveis, e também reduzindo chances do Sr. Jorge sofrer um acidente vascular cerebral, infarto agudo do miocárdio ou evolução para insuficiência cardíaca. Após sobre as consequências de não controlar a pressão e como uma doença silenciosa poderia vir a trazer grandes complicações para a saúde do Sr. Jorge, O Dr. Barros decidiu lhe passar a primeira função do dia: ensinar ao neto do Sr. Jorge como aferir pressão arterial. Dr. Barros optou pelo uso de um fármaco específico para o Sr. Jorge: um inibidor da enzima conversora da angiotensina (iECA) e explicou que a atuação desse fármaco se dá,predominantemente, nos rins. Ao perceber que não só a neta do Sr. Jorge, mas também você, jovem aprendiz, estavam agora sem entender nada – por que um remédio com ação nos rins vai atuar no sistema circulatório? – o seu preceptor decidiu por explicar um pouco sobre os mecanismos regulatório da pressão arterial e da circulação sanguínea. Avô e neta saíram satisfeitos da consulta com a missão de controlar a “tal” pressão arterial. E você saiu pensando: preciso estudar. 1. POSSÍVEIS PALAVRAS DESCONHECIDAS - acidente vascular encefálico (AVE): também conhecido como acidente vascular cerebral (AVC) ou popularmente como derrame cerebral, é caracterizado pela interrupção súbita da irrigação sanguínea em um determinado território cerebral. Seja devido a oclusão arterial, denominando-se de AVE isquêmico ou ruptura de alguma artéria, o AVE hemorrágico. As manifestações dependem do território acometido, porém o quadro típico acompanha uma hemiparesia corpórea contralateral ao território. - infarto agudo do miocárdio (IAM): possui uma fisiopatologia semelhante ao AVE: interrupção do fluxo sanguíneo a uma determinada região, neste caso, uma região cardíaca. A principal causa é a oclusão parcial ou total das artérias coronárias que estudaremos no próximo capítulo, devido a formação de placas ateroscleróticas (já abordadas no capítulo 1 – vale a pena reler o quadro). - insuficiência cardíaca (IC): esta se caracteriza pela incapacidade do coração de realizar a sua principal função: bombear sangue suficiente para suprir às demandas do corpo. Sendo assim, podemos ter o aumento excessivo de demanda ou, a etiopatogenia mais predominante: a falência do coração em seu papel de bomba, seja por sobrecarga volêmica (insuficiência cardíaca congestiva) e/ou por morte de tecido cardíaco após um IAM. Você entenderá muito melhor após estudar os capítulos seguintes, mas desde já entenda que coração é um órgão muscular e assim como você fadiga se exagerar nos exercícios, nosso coração também. Entretanto, diferente dos músculos esqueléticos, ele não tem a possibilidade de dar uma pausa para se recompor. 2. PALAVRAS-CHAVES “Pressão arterial”, “regulação do sistema circulatório”, “regulação local”, “regulação humoral”, “regulação nervosa” 3. OBJETIVOS Compreender os mecanismos de regulação do sistema circulatório 2. REGULAÇÃO DO SISTEMA CIRCULATÓRIO (VASOS SANGUÍNEOS) O nosso corpo possui dois grandes sistemas de regulação: o sistema endócrino e o sistema nervoso. Ambos interagem visando manter todo o funcionamento equilibrado e dentro dos padrões, o que chamamos de homeostase. Quando nos referimos ao sistema circulatório, não é diferente. Por isso, podemos dividir didaticamente regulação em três categorias: a regulação local (orquestrada pelo próprio órgão), regulação humoral (endócrina) e a regulação nervosa. Estes sistemas irão interagir entre si promovendo respostas a curto e a longo prazo. O legal é que as respostas a curto prazo possuem uma ação rápida e de breve duração (segundos a minutos), para situações de emergência, enquanto que as respostas a longo prazo possuem uma ação mais lenta, porém com efeito mais duradouro (horas a dias). Vamos conhecer esses mecanismos! Vai ser importante para a sua vida de médico. 1. REGULAÇÃO LOCAL A demanda tecidual é o principal fator determinante da regulação local. Será em resposta a essa demanda que ocorrerá um maior ou menor aporte sanguíneo para uma determinada região. Entende-se como demanda, além da necessidade de suprimento de oxigênio e outros nutrientes (glicose, aminoácidos e ácidos graxos), as outras funções do sistema: remoção de dióxido de carbono e íons de hidrogênio do tecido, manutenção de concentrações apropriadas de outros íons necessários para o metabolismo e também o transporte de hormônios e outras substâncias para o local. Existe uma controvérsia sobre esse controle que vamos discutir agora. Os clássicos livros texto de fisiologia definem como responsabilidade das metarteríolas e esfíncteres pré-capilares esse controle local da circulação. No entanto, a existência de estruturas anatômicas do tipo metarteríolas e esfíncteres pré-capilares só está comprovadamente presente na circulação mesentérica. Deste modo, recomendamos aqui o termo “resistência pré-capilar”(1,2). Prosseguindo: na circulação, uma maior demanda irá promover o uma menor resistência pré-capilar, consequentemente, irá permitir uma maior chegada de sangue ao local. Assim como, uma menor demanda irá promover uma maior resistência. Desta forma, é permitido o direcionamento do fluxo para áreas que necessitam de maior demanda. Esse redirecionamento permite poupar o trabalho cardíaco de manter um fluxo intenso em todos os tecidos (o que levaria a uma insuficiência cardíaca, como vimos em sua definição nas possíveis palavras desconhecidas deste capítulo). O controle local agudo se baseia nessa vasoconstricção e vasodilatação rápida de arteríolas ou pelo aumento ou diminuição da resistência pré-capilar por alguns segundos ou minutos. Existem duas teorias que tentam explicar o mecanismo: a teoria da vasodilatação e a teoria da falta de oxigênio. É importante saber que a palavra “teorias” vem do fato de que o mecanismo geral ainda não está completamente elucidado – ainda faltam peças no quebra-cabeças. No entanto, cada uma dessas teorias que veremos agora já está bem encaixada no quadro geral (Figura 3.1). Figura 3.1: Controle local agudo do fluxo sanguíneo através de arteríolas e metarteríolas. Teorias da vasodilatação e da demanda de oxigênio (retirada do Guyton). A teoria da vasodilatação defende que quando há uma deficiência de oxigênio ou de nutrientes, as células teciduais produzem substâncias vasodilatadoras como a adenosina (principalmente), histamina, íons de potássio que se difundem até as arteríolas e meta-arteríolas mesentéricas, causando a vasodilatação e, consequentemente, aumentando o fluxo no local. A teoria da falta de oxigênio, também chamada de teoria da falta de nutrientes, defende que a deficiência de nutrientes e oxigênio seria percebida no sangue do lúmen pelas próprias arteríolas, promovendo a vasodilatação, assim como, em teoria, a abertura dos esfíncteres pré-capilares. E o racional disso é mais simples do que você imagina: simplesmente não haveria oxigênio para nutrir a arteríola e ela não seria capaz de se contrair. Caso ocorra o inverso a resposta é contrária, ou seja, o excesso de recursos provoca vasoconstricção, desviando de lá o fluxo. Isso é tão importante na prática clínica que você nem imagina! Já vai aprendendo desde agora: se um paciente grave, como um que sofre um infarto agudo do miocárdio, chegar ao seu pronto socorro com boa oxigenação sanguínea, você não irá suplementar oxigênio para ele – isso causaria vasoconstricção dos tecidos que é tudo que ele não precisa agora – ele está se recuperando de um infarto! (3,4) Outro fator que regula o fluxo para determinadas regiões é a pressão arterial, pois seu aumento também irá implicar no aumento do fluxo sanguíneo. Porém esse efeito será breve, pois o fluxo tende a se normalizar. O modo como a pressão arterial age no controle do fluxo é explicado por duas outras teorias que vamos conhecer agora: a teoria metabólica e a teoria miogênica. A teoria metabólica do controle de fluxo pela pressão arterial segue a linha dos nutrientes, ou seja, o aumento da pressão sanguínea e, consequentemente, o aumento do fluxo sanguíneo, promove uma maior disponibilidade de oxigênio e nutrientes, levando a uma vasoconstricção. O resultado é a normalização do fluxo mesmo com a pressão elevada. Que bom que isso existe – se não qualquer pico hipertensivo seria passível de nos levar ao AVC agudo ou a hipertensão intracraniana. A teoria miogênica do controle de fluxo pela pressão arterial realiza uma defesa baseada na contração muscular e o papel do cálcio no mecanismo. Segundo esta teoria, o estiramento dos vasos, promove a abertura dos canais de cálcio que irá resultar na vasoconstricção que regulariza o fluxo.Ok, aprendi que existem várias maneiras de o corpo se autorregular para aumentar o fluxo em uma determinada região. Mas quais as consequências disso? À situação de maior recepção de fluxo damos o nome de “hiperemia” e ela pode ser ativa ou reativa, como veremos nos dois próximos parágrafos. A hiperemia ativa é o aumento do fluxo sanguíneo, em até vinte vezes, resultado do aumento da demanda tecidual como vimos até aqui. Por exemplo, durante a atividade física em que os músculos demandam mais recursos, consequentemente aumentando o fluxo sanguíneo para eles. A hiperemia reativa é uma resposta à falta temporária de fluxo no local, ou seja, é uma reação. Em um local que, por acaso, fique desprovido de recursos por um tempo, quando o fluxo for restituído, este será amplificado em quatro a sete vezes acima do normal para compensar a sua ausência temporária. Este efeito pode ser demonstrado ocluindo-se temporariamente as artérias radial e ulnar, liberando-as posteriormente. A palma da mão irá apresentar uma vermelhidão brevemente que é resultado do aumento do fluxo sanguíneo. 2. CONTROLE A LONGO PRAZO O oxigênio tem papel no controle do fluxo sanguíneo também a longo prazo. A neovascularização a partir da angiogênese, que é a formação de novos vasos a partir de um pré-existente para suprir a baixa oferta de O2 e o estresse oxidativo de uma determinada região, nada mais é do que um mecanismo de longo prazo de regular um fluxo para uma região, concorda? Vimos isso no Capítulo 1. O que não vimos no Capítulo 1 e deixamos para falar agora é que a angiogênese pode, também, ser patológica: por exemplo, promover o crescimento de um tumor que já ficou muito grande para receber apenas demanda local por difusão (5). Um exemplo digno de nota do papel do oxigênio na angiogênese é a curiosa e triste epidemia de cegueira em neonatos prematuros que houve na década de 40, no período pós-guerra. O excesso de oxigênio ofertado a esses bebês causava uma vasoconstricção local com hipóxia tecidual retiniana, sendo esse o primeiro estágio da doença. Depois, a hipóxia iria levar a níveis altos de fator de crescimento derivado do endotélio e fator de crescimento insulina-like, duas substâncias que promovem uma violenta angiogênese, fazendo com que a retina do bebê ficasse super-vascularizada, predispondo a hemorragias e cicatrizações que finalmente levariam o bebê à cegueira. A epidemia da década de 40 passou, mas os avanços da Medicina permitiram com que bebê cada vez mais prematuros fossem viáveis, dando início a uma nova onda de retinopatia da prematuridade (6). 3. DERIVADOS DO ENDOTÉLIO O endotélio, camada interna de revestimento dos vasos sanguíneos tem a capacidade de autorregulação através da liberação de fatores vasoativos como o óxido nítrico e a endotelina. O óxido nítrico (ON) é um vasodilatador importante que está relacionado à integridade do endotélio. O atrito do sangue no endotélio vascular causa um estresse ao tecido, chamado de estresse de cisalhamento, ou shear stress, como alguns livros podem trazer. Este atrito depende basicamente do fluxo e da viscosidade sanguínea. Ou seja, quando o estresse cisalhamento aumenta, promove a liberação de ON, visando evitar danos ao endotélio através da vasodilatação. Por possuir ação sistêmica, o óxido nítrico é capaz de relaxar artérias proximais ao local de alto fluxo, possuindo um papel mais amplo nessa regulação que os vistos até então. A via de sinalização do óxido nítrico é a seguinte (atenção, não se perca agora): óxido nítrico se liga à guanilato ciclase, ativando-a. A guanilato ciclase ativada retira dois grupamentos fosfato da molécula do guanosina trifosfato, fazendo ela se transformar na guanosina monofosfato cíclica (GMPc). Essa molécula vai diminuir a entrada de cálcio na célula e sua liberação pelo retículo sarcoplasmático. Sem cálcio não há contração efetiva da musculatura lisa (7). Ufa, acabou. Só comentamos porque é importante. Não desista. Por que isso é importante? Porque em 1863 um senhor chamado Sir Thomas Lauder Brunton usou os nitratos pela primeira vez para promover vasodilatação e melhora da isquemia em pacientes com angina do peito (8). Tem mais: uma outra via de sinalização do GMPc que você vai conhecer (como médico ou como usuário, sabe-se lá...) é a fosfodiesterase que degrada a molécula. Os inibidores da fosfodiesterase, portanto, elevam os níveis de GMPc e causam vasodilatação. Estamos falando do famoso “Viagra” (9). A endotelina possui uma ação inversa à do ON. Ele é dos mais poderosos vasoconstritores e a sua liberação está relacionada ao dano endotelial (ex: trauma). Sua ação se dá por outra via, a da fosfolipase C, que no fim das contas aumenta o cálcio intracelular e a capacidade de contração das células musculares lisas vasculares. A sua liberação da endotelina visa, principalmente, evitar perdas sanguíneas. Sendo assim, se ocorrer uma ruptura de um vaso sanguíneo, essa vasoconstrição irá tentar obstruí-lo e conter a hemorragia. Entretanto, elevadas medidas pressóricas podem lesar o endotélio e promover uma maior elevação da pressão. Formando assim uma cascata de degradação do endotélio. Fármacos antagonistas da endotelina têm sido usados no tratamento da hipertensão pulmonar (10). 4. REGULAÇÃO HUMORAL OU ENDÓCRINA A regulação humoral é o controle da circulação feito por substâncias que atuam basicamente no diâmetro dos vasos. Logo, podemos dividir essas substâncias em agentes vasoconstritores e agentes vasodilatadores. 5. EPINEFRINA (ADRENALINA) X NOREPINEFRINA (NORADRENALINA) Em situações de exercício e de estresse (luta ou fuga) o sistema nervoso autônomo simpático responde com liberação de norepinefrina. Além de ter sua própria ação vasoconstritora potente, a norepinefrina aumenta a frequência e a força dos batimentos cardíacos e estimula a medula das glândulas suprarrenais a produzir e liberar ainda mais norepinefrina e epinefrina. A ação destas suas substâncias se dá através do agonismo de canais alfa e beta adrenérgicos, ativando, através das proteínas Gs, a adenil ciclase que irá retirar dois grupamentos fosfato da adenosina trifosfato (ATP) para formação da adenosina monofosfato cíclica (AMPc) que por sua vez irá promover a ação da proteína kinase A (PKA) que tem como efeito principal a liberação e sensibilização de moléculas de cálcio. Mais cálcio: maior contração de musculatura lisa (Figura 3.2). Ufa, terminamos a parte chata. Pode acordar agora. Consequentemente a tudo isso que você não leu, ocorre vasoconstrição periférica (direciona mais sangue para as vísceras e músculos estratégicos), quebra de reservas de glicose no fígado, disponibilizando mais energia, ou seja, fornece ao corpo todos os instrumentos necessários. Figura 3.2: Óxido nítrico x adrenalina ou noradrenalina (imagem original). Esta ação vasoconstritora da epinefrina ocorre de forma sistemática com exceção das artérias que irrigam o coração, as artérias coronárias. Nelas a epinefrina provoca a vasodilatação. Fato importante, pois o coração está sendo altamente exigido, logo há demanda aumenta. A importância prática disso é que tanto a norepinefrina como a epinefrina são drogas usadas em pacientes gravemente enfermos, na tentativa de aumentar sua pressão arterial e manter fluxo sanguíneo adequado para os órgãos nobres. 6. ANGIOTENSINA II A angiotensina II é o produto final da cadeia do sistema renina-angiotensina-aldosterona e é um vasoconstritor potente. Sua ação se dá principalmente em um receptor conhecido como AT1, bem distribuído por todos os órgãos do corpo. O receptor AT1 age em proteínas Gs da membrana plasmática que estimularão fosfolipases C a produzir inositol 3-fosfato que se ligará ao seu receptor no retículo sarcoplasmático e abrirá um canal para efluxo de cálcio. Mais cálcio na célula: mais contração. Age também no metabolismo do ácido aracdônico, que através de prostaglandinas, tromboxano A2 e leucotrienos também irá induzir a vasoconstricção (11). (Ver “Papel dos rins na regulação ao final do capítulo”) Comonem tudo é perfeito, essa via de sinalização também pode ser patológica e tem papel central na patogênese da insuficiência cardíaca congestiva. Ao mediar estresse oxidativo, níveis altos de angiotensina II levam à inflamação e fibrose. Este sistema é tão importante que diferentes medicações anti-hipertensivas e para controle de insuficiência cardíaca agem em diferentes etapas do seu metabolismo: existem drogas para inibir a liberação de renina, por exemplo, outras para inibir a conversão de angiotensina I em angiotensina II (inibidores da ECA), e também drogas inibidoras do receptor AT1 (bloqueadores dos receptores da angiotensina II). 7. VASOPRESSINA (ADH – HORMÔNIO ANTI- DIURÉTICO) A vasopressina é um peptídeo sintetizado pelo hipotálamo em resposta a situações de hipovolemia ou hipotenso. Além de promover a retenção de líquido, aumentando o volume sanguíneo, a vasopressina também tem efeito vasoconstritor. Seu efeito se dá por ação nos receptores V1 que ativam a via do fosfotidilinositol, inibição de vias colinérgicas e do óxido nítrico e potencialização de outros agentes vasoconstrictores. Seu efeito é mais duradouro que o da norepinefrina (12). (Ver “Papel dos rins na regulação ao final do capítulo”) 8. BRADICININA Descoberta por três fisiologistas brasileiros em 1949 no campus de Ribeirão Preto da USP a partir de testes com veneno de jararaca, a bradicinina provoca tanto a dilatação arteriolar, quanto o aumento da permeabilidade capilar, ou seja, o aumento dos poros capilares. O efeito da bradicinina é mais lento que o da substância que, na verdade, os cientistas estavam estudando na época, a histamina. Por ser mais lento, foi nomeada bradicinina (13). 9. HISTAMINA Ação semelhante à bradicinina e é liberada por mastócitos e basófilos (células sanguíneas) nos processos inflamatórios, principalmente, nas reações alérgicas e tem ação predominantemente vasodilatadora por ação na proteína G, nesse caso liberando ON (14). Seus efeitos vasodilatadores são tão potentes que, em reações alérgicas, levam o indivíduo ao choque distributivo, um tipo específico de colapso hemodinâmico (15). 10. ADENOSINA Nucleosídeo simples presente em abundância no corpo, é a molécula básica do ATP e do AMPc, que tanto comentamos aqui. Quando na forma pura, a adenosina sofre rápido catabolismo de uma enzima chamada adenosina deaminase, e é transformada em inosina. Age em quatro canais, o A1, A2A, A2B e A3 com ações variáveis na proteína Gs, tendo como efeito final a vasodilatação (16,17). 11. ÍONS CÁLCIO, POTÁSSIO E MAGNÉSIO Os íons cálcio que provocam vasoconstrição, enquanto que os íons potássio e magnésio promovem a vasodilatação. 3. REGULAÇÃO NERVOSA A regulação nervosa é a mais rápida resposta do corpo a situações externas, podendo duplicar a pressão arterial em questão de segundos. É regulada basicamente pelo sistema nervoso autônomo (SNA), que pode ser dividido em SNA simpático e no SNA parassimpático. Quanto a esta divisão, os dois componentes terão focos diferentes na regulação do sistema circulatório. O SNA simpático irá regular a circulação através de alterações nos vasos, e é dele que vamos falar a partir de agora. Enquanto que o SNA parassimpático se utiliza de alterações na função cardíaca, objetivo do capítulo 06. A maioria dos vasos nos tecidos são inervados por fibras simpáticas, com exceção do leito capilar. Estas fibras simpáticas estimuladas irão promover aumento da força de contração cardíaca e vasoconstrição, principalmente, pela liberação de norepinefrina. Nós já falamos da norepinefrina e da epinefrina neste mesmo capítulo, quando discutíamos “regulação humoral”. Pois é. Essas são substâncias endócrinas (agem a distância do órgão em que foram produzidas) com liberação regulada pelo sistema nervoso. A redução do diâmetro do vaso provocada pela norepinefrina e pela epinefrina vai provocar dois principais efeitos, a depender do local de atuação. Em se tratando das arteríolas, haverá aumento da resistência periférica, o que resultará na redução da velocidade do fluxo e no aumento da pressão arterial. Em grandes veias, o sangue acumulado nestes vasos será repelido para frente, levando-o com mais intensidade ao coração, portanto, aumentando o retorno venoso. A partir desse aumento do retorno venoso, ocorrerão dois reflexos: Frank-Starling e Bainbridge, abordados no capítulo 05. Ocorre aumento da frequência cardíaca e força de contração, consequentemente, aumentando o débito cardíaco e a pressão arterial. Vamos repetir porque é importante: o aumento do retorno venoso aumenta o débito cardíaco sistólico e também a pressão arterial. Grife essa parte. “Ah, mas eu já vinha grifando tudo...”. Grife de outra cor. Existe uma área no cérebro que controla, a cada momento, o tônus muscular dos vasos do corpo: é o centro vasomotor. Localizado no bulbo, este possui uma área sensorial que recebe informações de receptores localizados nos vasos e no coração. Podendo ser dividido em duas áreas: a área vasoconstritora e a área vasodilatadora. Os neurônios originários da área vasoconstritora enviam constantemente potenciais elétricos para os vasos sanguíneos de todo o corpo, mantendo assim o que é denominado de tônus vasomotor, pois existe uma constrição parcial contínua dos vasos. Caso ocorra um estímulo nessa área, resultará em uma maior liberação dos potenciais que promoverá uma resposta mais significativa, ou seja, vasoconstrição. Quanto à área vasodilatadora, as fibras originárias desta se projetam para a área vasoconstritora, inibindo a sua atividade, o que vai resultar na vasodilatação dos vasos, através da redução do tônus vasomotor. Em situações em que há uma isquemia (redução da irrigação de determinado tecido) cerebral importante, há uma resposta intensa de vasoconstrição na tentativa de levar mais sangue ao cérebro. Essa resposta só ocorre com pressões baixo de 60mmHg, vindo a atingir uma resposta máxima sob pressões de 15 a 20mmHg. Outra resposta a isquemia cerebral é a Reação de Cushing. Ela é causada pelo aumento da pressão do líquido cerebrospinal dentro da caixa craniana. Uma vez que a pressão intracraniana se iguale a pressão arterial, resultará na obstrução dos vasos cerebrais (lembra do mecanismo de aferição da pressão arterial? O líquor faz uma acção semelhante ao manguito). Em resposta, o centrovasomotor irá provocar o aumento da pressão arterial para que novamente supere a do líquido cerebrospinal, aumentando a pressão de dentro para fora, forçando a reabertura dos vasos e o restabelecimento do fluxo sanguíneo. Desta forma, protege os centros vitais do encéfalo da perda de nutrição. 1. BARORRECEPTORES E QUIMIORRECEPTORES Os barorreceptores são receptores de estiramento presentes na parede das grandes artérias sistêmicas. Sendo assim, o aumento da pressão arterial estira esses receptores, resultando na transmissão de sinais para ao centrovasomotor. Ou seja, funciona como um mecanismo de feedback negativo em que o receptor detecta o aumento da pressão pelo seu estiramento e envia um sinal através de uma fibra parassimpática como resposta ao centrovasomotor que, por sua vez, enviará uma resposta vagal com liberação de acetilcolina, o neurotransmissor parassimpático. A acetilcolina, em ação nos receptores muscarínicos, irá promover vasodilatação e redução da frequência cardíaca, diminuindo então a pressão arterial (18). Apesar de estarem presentes nas grandes artérias sistêmicas, são realmente abundantes em duas regiões: nos seios carotídeos localizados na parede das carótidas internas e na parede do seio aórtico (Figura 3.3). É este o racional de uma famosa, mas perigosa, manobra na cardiologia: a massagem do seio carotídeo consiste em ativar o nervo vago (parassimpático) a fim de interromper arritmias cardíacas através da inibição parassimpática (19). Um outro exemplo é o “mata-leão”, golpe amplamente aplicado em torneios de luta que consiste em estrangular o oponente com um dos braços. Este além de interromper de forma significante o fluxo sanguíneo cerebral,estimula os barorreceptores que entendem que a pressão está elevada e promovem vasodilatação. Consequentemente, reduzindo ainda mais a irrigação cerebral. Figura 3.3: Os barorreceptores (retirada do Guyton). Os quimiorreceptores também representam um mecanismo de feedback negativo. Eles reagem às concentrações de oxigênio, dióxido de carbono e hidrogênio. Se houver queda na pressão, ocorrerá a redução do fluxo sanguíneo, resultando na redução dos níveis de oxigênio e no aumento do dióxido de carbono e íons de hidrogênio. Desta forma, os quimiorreceptores, através da inibição parassimpática, irão estimular o centrovasomotor objetivando o aumento da pressão arterial. Entretanto a pressão precisa estar abaixo de 80mmHg para eles detectarem alguma variação. Os quimiorreceptores são muito mais importantes na fisiologia da respiração que na circulação. O efeito a longo prazo da regulação por barorreceptores é questionável. Parece que ocorre uma redefinição dos níveis considerados “normais” destes sensores – em outras palavras, os receptores se acostumam com aqueles níveis pressóricos. Se pressão arterial subir e se mantiver em um nível mais alto que o normal, inicialmente ocorrerá o envio de múltiplos estímulos a fim de reduzir os níveis pressóricos, porém no decorrer de um a dois dias, os centros passam a adaptar-se a essa nova pressão, se reajustam a esse novo nível, e param de enviar estímulos para reduzir a pressão. Ou seja: não confie nos barorreceptores a médio e longo prazo. 2. PAPEL DOS RINS NA REGULAÇÃO Entendemos por que a curto prazo o sistema nervoso autônomo é tão importante no controle da pressão arterial. A longo prazo quem comanda são os rins. Vamos entender como. O ser humano recebeu de presente da Evolução o controle de pressão arterial de acordo com o manejo das quantidades de água e sal no corpo. É fácil entender: se houver um aumento da pressão arterial, o ser humano irá urinar água e sal, propriedades que chamamos de diurese e natriurese de pressão, respectivamente, trazendo de volta a pressão arterial a níveis normais ou equilibrados. Quer saber como isso pode ser importante? Na fórmula que aprendemos no capítulo 2 (PA = DC x RVP), se eu aumentar o débito cardíaco (e, por conseguinte a PA), eu vou aumentar o débito renal, urinar mais e reduzir o débito cardíaco. Simples assim. Aliás, você já se perguntou como o sal eleva a pressão arterial? É fácil. Sal é uma substância osmolar e puxa água para si. Se não houver água para puxar, essa osmolalidade aumentada vai estimular o centro da sede para que o indivíduo beba mais água. Além disso, a maior osmolalidade vai estimular a secreção do hormônio antidiurético, que vai fazer com que o indivíduo urine menos e permaneça com a maior quantidade de água possível no corpo. Agora sim. Aumento de sal e água = aumento da PA. Quando a PA aumentar, o hormônio antidiurético cessará sua secreção, o débito renal aumentará, e o indivíduo voltará a urinar, reduzindo a PA. Lindo. Mas não permanece assim pela vida toda(20). Os hipertensos são hipertensos justamente porque perderam essa capacidade de autorregulação (Figura 3.4). Figura 3.4: Curvas de resposta natriurética de uma pessoa normal e um hipertenso em resposta à ingestão de água e sal. Perceba que o indivíduo normotenso consegue urinar quantidades enormes de sal e água sem que haja grandes diferenças em sua pressão arterial (curva íngreme). Já o hipertenso até consegue urinar, mas o faz aumentando a sua pressão arterial na curva da abscissa (curva menos angulada) (retirada do Guyton). Além da capacidade que os rins possuem de regular a pressão arterial por meio do manejo de volume e urina, eles possuem também papel endócrino. Esse papel se dá através de um dos sistemas enzimáticos mais bem conhecidos da Fisiologia Médica e, por conseguinte, mais cobrados em provas de fim de semestre, residência, concursos, etc.: é o Sistema Renina- Angiotensina-Aldosterona (SRAA). A liberação de renina é feita pelas células justaglomerulares quando ocorre queda da pressão arterial. Ela será liberada no sangue e terá o papel de clivar uma proteína plasmática, o angiotensinogênio. Vale ressaltar que ambas as substâncias, tanto a renina quanto o angiotensinogênio, não possuem papel vasoativo direto. Porém, essa clivagem do angiotensinogênio irá resultar na liberação da angiotensina I, que possui um papel vasoconstritor discreto. O efeito vasoconstritor considerável do sistema será feito pelo produto final do sistema, quando a angiotensina I é convertida em angiotensina II pela enzima conversora de angiotensina (ECA), presente principalmente no endotélio dos vasos pulmonares. Além de ser um potente vasoconstritor, a angiotensina II (suas propriedades já foram vistas na seção “controle humoral”) ainda influencia na outra variável: o volume do fluído. Esta irá agir diretamente pela retenção de sal e água que ela provoca nos rins, através da constrição das arteríolas renais e indiretamente pelo estímulo de secreção de aldosterona pelas glândulas adrenais. A aldosterona provoca a reabsorção de sódio, trocando-o por potássio ou hidrogênio, e agora sabemos que consequente à reabsorção de sódio, por pressão osmótica, mais água será retida também (Figura 3.5). Para completar, ainda estimula a sede. Resumidamente, além de reduzir a excreção de água, a angiotensina II irá estimular a sua ingestão. E devido ao fato de que o plasma é composto de aproximadamente 90% de água, isso tudo resultará no aumento da pressão arterial. Os rins também estimulam a liberação da vasopressina (ADH). Esse hormônio liberado pela neurohipófise também irá estimular a retenção de água nos rins. Portanto, promovendo o aumento da pressão arterial. O efeito diurético do álcool é devido a este suprimir a produção da vasopressina. Figura 3.5: Sistema renina-angiotensina-aldosterona. A renina produzida pelos rins em resposta a uma queda da pressão arterial interage com o angiotensinogênio para formação de angiotensina I. A angiotensina I será transformada em angiotensina II pela enzima conversora de angiotensina (ECA) em vários tecidos, mas principalmente nos pulmões. A angiotensina II tem efeitos vasoconstrictores humorais e anti-natriuréticos. O efeito final dessa cascata é o aumento da pressão arterial (retirada do Guyton). O QUE ACONTECE SE COLOCARMOS TODOS OS FATORES REGULATÓRIOS QUE APRENDEMOS EM UM GRÁFICO SÓ? Como vimos, a regulação mais aguda é a dos barorreceptores e quimiorreceptores. As respostas locais e humorais tendem a ocorrer mais a médio prazo e a resposta renal ocorre depois de horas, sustentando-se infinitamente – ou até que esse sistema também acostume-se com os novos níveis pressóricos, coisa que leva semanas a meses (Figura 3.6). Figura 3.6: Gráfico que resume toda a regulação que acontece no nosso corpo quando algum fator aumenta a pressão arterial. Perceba que a resposta mais aguda é a dos barorreceptores, seguida dos fatores humorais e, por fim, a resposta mais dramática e mais sustentada é o controle renal (retirada do Guyton). 4. CONFERÊNCIAS Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo! CAPÍTULO 4 O Coração 1. CASO CLÍNICO Terminado o estágio com Dr. Barros, você retorna de férias renovado e pronto para aprender muita Medicina. A procrastinação ficará de lado esse semestre, você prometeu a si mesmo. Logo na primeira aula, uma grata surpresa. O professor, Dr. Benito, 80 anos, jaleco amassado e encardido, entra na sala com um disquete e pede que os alunos ajudem a projetar os diapositivos na parede. Ele estava ali para dar uma aula de anatomia do coração. Após trinta minutos de aula, no entanto, o imprevisível aconteceu. Dr. Benito começou a se sentir mal na frente de todos os alunos. Ele sustentou seu corpo na parede para não cair, enquanto suava frio. As alunas da primeira fila rapidamente chegaram para socorrê-lo e perguntaram o que acontecia. Dr. Benito não conseguia falar, apenas balbuciava sons incompreensíveis.As alunas também perceberam que metade de seu rosto e do seu corpo não se movia. Os alunos nesse momento ainda não sabiam, mas Dr. Benito possui um defeito congênito no coração, ou seja, que o acompanha desde o seu nascimento, há 80 anos. E agora, justo no meio da aula, esse defeito lhe causou um acidente vascular encefálico... 1. POSSÍVEIS PALAVRAS DESCONHECIDAS Disquete: dispositivo removível usado como meio de armazenamento em computadores da idade média Diapositivo: modo como as pessoas chamavam “slide” na idade da pedra 2. PALAVRAS-CHAVES “anatomia”, “coração”, “valvas cardíacas” 3. OBJETIVOS Compreender a anatomia do coração e sua relação topográfica com órgãos circunvizinhos 2. INTRODUÇÃO Nos capítulos anteriores, abordamos tudo o que você precisa sobre as rotas do sistema cardiovascular: sua anatomia, histologia, e os detalhes mais importantes da sua dinâmica e regulação. Agora, iniciaremos o estudo da bomba mantenedora desse sistema, que é o coração. Este órgão se utiliza de contrações ritmadas que impulsionam o sangue entre seus compartimentos (as câmaras cardíacas) para as rotas que partem dele (as grandes artérias) para exercer essa sua função principal, que é manter o fluxo contínuo e necessário para suprir as demandas dos sistemas. O que move o médico é a curiosidade, então: “Eu lembro que são quatro compartimentos os do coração, mas eu sei realmente a anatomia de cada um deles? ”, “Como que o coração faz para direcionar corretamente o sangue para o local certo? ”, “O que inicia e o que controla o batimentos cardíacos?” Antes de iniciarmos, gostaríamos de chamar atenção para um detalhe didaticamente muito importante sobre este capítulo. Com o advento da tomografia computadorizada e da ressonância nuclear magnética se tornou possível o estudo da anatomia humana in vivo. Selecionamos algumas figuras tomográficas que julgamos mais didáticas para seu entendimento. Veja essas figuras com calma, entenda o plano anatômico que você está visualizando, ou seja, de onde você está vendo aquele órgão, leia as legendas com paciência, sem leitura dinâmica! E, ao fim do capítulo, você entenderá bem a anatomia desse majestoso órgão. 3. ANATOMIA TOPOGRÁFICA – O MEDIASTINO E PERICÁRDIO O coração é localizado aproximadamente na região medial do seu tórax, com cerca de 1/3 no lado direito e os outros 2/3 do lado esquerdo, levemente inclinado para esquerda, em uma região denominada de mediastino. Como pode conferir na Figura 4.1, o mediastino é o compartimento da caixa torácica cercado pelas regiões ocupadas pelos pulmões. Essa região é dividida de forma arbitrária em superior e inferior, considerando uma linha do ângulo do esterno até a borda inferior da vértebra T4 como nível de transição crânio-caudal para essas regiões. Sendo assim, o mediastino superior é a região que se encontra entre o manúbrio do esterno e as quatro vértebras torácicas superiores, enquanto que o mediastino inferior se inicia do nível do ângulo, ou seja, do corpo do esterno e é delimitado inferiormente pelo diafragma. E se você perceber na imagem, o mediastino inferior ainda é dividido em anterior, em médio e em posterior – sendo que o médio é composto pelo pericárdio e seu conteúdo. Ou seja, o mediastino superior é uma região única, enquanto que o mediastino inferior é subdividido. Figura 4.1: Essa imagem esquemática te permite observar em uma visão frontal e, principalmente, na visão lateral as delimitações do mediastino. Aproveite a imagem para ter o registro visual de como apenas o mediastino inferior é dividido e a exata posição do coração: o mediastino médio. E o que é pericárdio? Um saco fibroseroso, composto de camadas, que reveste o coração e as raízes dos grandes vasos, fornecendo além de uma maior proteção e sustentação, uma maior mobilidade ao órgão em seus batimentos. Isto devido ao pericárdio possuir ligamentos que se fixam a estruturas vizinhas, porém há um espaço na sua estrutura de camadas preenchidas por 50 ml de um líquido lubrificante (líquido pericárdico) que permite as mudanças de formato no ciclo cardíaco. O pericárdio é formado por duas camadas principais, sendo que a mais interna ainda é subdividida em duas lâminas ou folhetos (vide Figura 4.2). A camada mais externa denominamos de pericárdio fibroso. Uma camada de tecido conjuntivo denso modelado e rica em colágeno que se adere tanto ao centro tendíneo do diafragma quanto ao esterno através dos ligamentos esternopericárdicos. São essas fixações que ajudam a manter o coração em seu local na parede torácica, oferecendo inclusive por isso, uma maior proteção. O pericárdio seroso é a camada mais interna e é composto da lâmina parietal e da lâmina visceral. A lâmina parietal, do latim “relativo a parede”, está mais próxima à parede torácica e por isso reveste internamente o pericárdio fibroso que é a camada mais externa. Já a lâmina visceral, relativo a víscera, se relaciona diretamente com o coração, sendo inclusive a sua camada mais externa, consequentemente, podendo ser chamada de epicárdio. Esta camada é contínua com a camada mais externa dos grandes vasos, a túnica adventícia. Figura 4.2: A estrutura de camadas do pericárdio e do coração. Se ainda restava dúvida para você na visualização das camadas, esta imagem esquemática deixa claro a sequência que descrevemos (retirada de http://www.attivazionibiologiche.info/PasadoFuturo/mesoder ma-antico.html.). O pericárdio não é uma estrutura anatômica fixa, como parece ao estudar um cadáver. Na verdade, como é formado por estruturas ocas com passagem de sangue (coração e vasos da base) e alimentos (esôfago), o mediastino precisa apenas de uma camada de tecido conectivo frouxo para manter todos os órgãos fixados no interior do seu tórax. As artérias que irrigam o pericárdio são derivadas das artérias torácica interna e musculofrênica, e da porção torácica descendente da aorta. Suas veias são tributárias do sistema ázigo. Ou seja, seu suprimento vascular não é composto das artérias coronárias que são as responsáveis pela irrigação do coração e serão abordadas adiante neste capítulo. O pericárdio é local de duas doenças bastante conhecidas na prática clínica: a pericardite, inflamação do saco pericárdico, que cursa com um quadro clínico e eletrocardiográfico semelhante ao do infarto agudo do miocárdio; e o tamponamento cardíaco, que ocorre quando algum líquido se acumula nesse saco, não permitindo o relaxamento e consequentemente o enchimento do coração, que passa a “bater vazio” (1). 4. ANATOMIA DESCRITIVA 1. CARACTERÍSTICAS GERAIS O coração é um órgão fibromuscular oco, internamente formado por quatro câmaras cardíacas: dois átrios e dois ventrículos. Ele se localiza no mediastino médio e assume uma posição oblíqua no tórax. A sua base está no nível da quinta à oitava vértebra torácica e sua porção mais inferior repousa sobre o diafragma. Quem colocou o coração no tórax dos humanos não estava muito preocupado com didática, mas com funcionalidade. Portanto, é importante saber que o coração está disposto de forma oblíqua no tórax e com sua ponta direcionada anteriormente, sendo que suas cavidades direitas são anteriores e suas cavidades esquerdas posteriores, em uma visão grosseira (e não cavidades direitas são direitas e esquerdas são esquerdas, como alguém poderia pensar). Como o ventrículo esquerdo é maior que o ventrículo direito, o ápice cardíaco, apesar de ser uma estrutura anterior no tórax, é proveniente do coração esquerdo. Veja a Figura 4.3 e leia sua legenda para entender (2). Figura 4.3: Essa é uma imagem de Ressonância Magnética. Para entender essa figura, perceba primeiro o ângulo de visão (de baixo para cima). Por isso o que é esquerdo está à direita na figura. Agora veja que o coração está oblíquo no tórax e com sua ponta direcionada anteriormente. Perceba também o que eu falei: o ventrículo direito é anterior ao ventrículo esquerdo, ou seja, está mais próximo da caixa torácica. Porém, como o ventrículo esquerdo é maior, ele acaba assumindo a posiçãoanterior à medida que o coração vai se lateralizando. AD = átrio direito; VD = ventrículo direito; VE = ventrículo esquerdo; AoD = aorta descendente. O ápice, geralmente, é encontrado na altura do quinto espaço intercostal esquerdo na linha hemiclavicular. Nesta região pode ser possível visualizar, em semiologia, o que chamamos de ictus cordis, que significa “choque da ponta”. É o local onde pode se visualizar e palpar os batimentos cardíacos devido à proximidade do órgão com a parede torácica. A base é relativamente quadrilátera e, também devido à inclinação do coração, está localizada posteriormente e à direita. Devido à rotação do coração, talvez seja difícil entender, mas as estruturas que a formam são o átrio direito e o átrio esquerdo. É nessa região por onde chegam as veias (Figura 4.4). Figura 4.4: Agora você está olhando um boneco deitado a partir da sua cabeça e ele está deitado com o nariz na cama. Perceba que a estrutura mais posterior do coração é o átrio esquerdo e sua base (oposta ao ápice) é formada pelos átrios direito e esquerdo. AoA = aorta ascendente; AoD = aorta descendente; AE = átrio esquerdo; APD = artéria pulmonar direita; APE = artéria pulmonar esquerda; VCS = veia cava superior; ACD = artéria coronária direita; TP = tronco pulmonar; VD = ventrículo direito e VE = ventrículo esquerdo. O peso médio do órgão em um adulto é de aproximadamente a 300 g nos homens e 250 g nas mulheres. Quanto às dimensões, o coração possui 12 cm aproximados da base até o ápice, 8-9 cm no seu diâmetro mais largo e por volta de 6 cm de medida anteroposterior. Costuma-se ilustrar o tamanho do coração pela vista anterior como, aproximadamente, o tamanho do seu punho fechado, devido à sua inclinação. Externamente, podemos visualizar os sulcos que são resultados da divisão das câmeras cardíacas. Sendo assim, o sulco interatrial é o sulco que separa os átrios. O sulco coronário separa os átrios dos ventrículos, e é por onde passa o seio coronário. E por fim os sulcos interventriculares anterior e posterior que separam os ventrículos. Nestes sulcos estão presentes duas artérias coronárias: a artéria descendente anterior e a artéria descendente posterior. Internamente, como já citado, temos as câmaras cardíacas, ou seja, os átrios direito e esquerdo e os ventrículos direito e esquerdo, como podemos ver na Figura 4.5 Figura 4.5: As câmaras cardíacas visualizadas após um corte longitudinal (retirada do Netter). 5. HISTOLOGIA DO CORAÇÃO O coração é um vaso sanguíneo altamente modificado. Durante o desenvolvimento embriológico, o coração se desenvolve a partir de um grande vaso, permanecendo conectado a eles e mantendo algumas características de uma grande artéria em suas camadas. Sendo assim, como um grande vaso sanguíneo, o coração também possui três camadas na sua composição: o endocárdio correspondendo a túnica íntima, o miocárdio que corresponde a túnica média e o epicárdio correspondente à túnica adventícia A porção mais externa do coração é o epicárdio, que corresponde à camada mais interna do pericárdio, a estrutura que protege o coração. O epicárdio é uma continuidade da túnica adventícia dos grandes vasos. É formada por um epitélio pavimentoso simples, o mesotélio, que se apoia em uma camada de tecido conjuntivo frouxo, chamada de subepicárdica, que contém acúmulos de gorduras, vasos e nervos. Entre o folheto epicárdico e o folheto visceral do endocárdio existe uma pequena quantidade de fluido que facilita o movimento do coração. O miocárdio é uma camada composta predominantemente de células musculares cardíacas. Apesar de serem também estriadas, não se pode confundir com as células musculares esqueléticas, presentes nos demais músculos. Isso porque as musculares estriadas cardíacas possuem especificidades, a saber: se unem em complexas junções chamadas discos intercalados, então formam redes de células. Essa característica confere à célula muscular cardíaca principal diferença sobre as musculares esqueléticas: essa rede de discos munidos de gap junctions permeáveis a íons dá ao coração a capacidade de transmissão de impulso nervoso e também de automaticidade, que é a capacidade que algumas células possuem de iniciar uma despolarização (em outras palavras, dar partida no motor). A parte elétrica cardíaca será vista com detalhes no capítulo 6 (3). A camada mais interna, o endocárdio, se assemelha à camada íntima de um vaso. É formada por um epitélio pavimentoso simples, um endotélio, que repousa em uma camada subendotelial de tecido conjuntivo frouxo fibroelátisco e termina em uma camada chamada de subendocárdica. Essa subcamada também é formada de tecido conjuntivo e apresenta vasos sanguíneos e células de Purkinje. Estas células fazem parte do sistema elétrico do coração (capítulo 06). O endocárdio então é formado de um endotélio, de uma camada subendotelial e de uma cada subendorcárdica. Ou seja, dos dois lados das paredes do coração começamos, do externo para o interno, com um epitélio pavimentoso simples, depois temos tecido conjuntivo, cada um com suas peculiaridades e entre elas temos a terceira camada restante, o miocárdio. 6. ANATOMIA CARDÍACA 1. O ESQUELETO DO CORAÇÃO Transverso à base do coração, na altura das valvas cardíacas (que logo serão apresentadas), temos o esqueleto do coração, uma estrutura fibrosa que é composta por tecido conjuntivo denso. É dividida em septo membranoso, trígono fibroso e o ânulo fibroso. Esse esqueleto serve de sustentação para as valvas e tem papel de isolante elétrico entre os átrios e os ventrículos (Imagem 4.6). Já adiantando: os átrios precisam contrair primeiro para encher os ventrículos de sangue. Não podemos esperar que os átrios e os ventrículos contraiam juntos em situação normal. Figura 4.6: O esqueleto cardíaco. Um tecido conjuntivo denso que possui a função de fixar o miocárdio atrial e ventricular, apoiar e reforça as aberturas das quatro válvulas do coração e separar eletronicamente o ventrículo dos átrios (retirada do Netter). 2. AS CÂMARAS CARDÍACAS As câmaras cardíacas funcionam como compartimentos temporários para o fluxo sanguíneo. O sangue da circulação sistêmica chega pelo átrio direito, segue para o ventrículo direito, de onde será ejetado para a circulação pulmonar. O sangue então retorna oxigenado pelo átrio esquerdo, segue para o ventrículo esquerdo e é ejetado novamente para a circulação sistêmica. Esta comunicação entre as câmaras cardíacas é regulada por estruturas chamadas de valvas cardíacas. Estas funcionam como comportas que se abrem a depender do nível de pressão dos compartimentos. Essa pressão dos compartimentos possui relação direta com a ação da musculatura de que é composta e pela resistência que o fluxo precisa vencer para seguir. Para entender isto, basta reconhecer que o coração, por ser um órgão predominantemente muscular, irá hipertrofiar a depender da pressão (“força”) que precisará criar para vencer a resistência do próximo seguimento da circulação. Sendo assim, o lado esquerdo, que precisa de mais pressão para ejetar sangue para todo o corpo, ou seja, que se esforça mais o tempo inteiro, será hipertrofiado, enquanto as paredes do ventrículo direito, que apenas precisa enviar o sangue para seus vizinhos, os pulmões, será mais delgada. Também por isso os átrios possuem paredes bastante delgadas, pois o próximo seguimento são os ventrículos que são adjacentes e, como veremos no capítulo 05, apenas o acúmulo de sangue já é suficiente para a abertura das valvas atrioventriculares, sendo as suas contrações apenas um complemento ao enchimento ventricular. Entendidas as diferenças de espessura das paredes das câmaras cardíacas, vamos abordar as estruturas que compõem cada uma delas. O ventrículo direito possui duas valvas: a valva tricúspide (você pode encontrar livros chamando valva atrioventricular direita, mas na prática chamamos tricúspide) separando-o do átrio direito e a valva pulmonar (semilunar direita) que comunica o ventrículo direito com a artéria tronco pulmonar.Nos arredores do óstio desta valva temos uma área de superfície lisa denominada de cone arterial ou infundíbulo, mas na prática chamada de “via de saída do ventrículo direito”. Na região da via de entrada, isto é, próximo à valva tricúspide, existe uma abundância de trabéculas cárneas, presentes em menor quantidade também no ventrículo esquerdo. Essas trabéculas dão origem a músculos mais proeminentes que são os músculos papilares: o músculo papilar anterior, que é o maior e se encontra na parede anterolateral do ventrículo direito; o músculo papilar posterior que frequentemente é formado por duas ou três proeminências e, por fim, o músculo papilar septal que costuma ser tão pequeno que pode ser imperceptível. Na parede livre do ventrículo direito está a banda moderadora, uma ligação entre o septo e a parede livre contendo fibras componentes do ramo direito, essencial para a contração sincrônica das regiões mais distantes do ventrículo direito (Figura 4.7). Figura 4.7: Ventrículo direito. Vide texto (retirada do Netter). O ventrículo esquerdo também possui duas valvas: a valva mitral (bicúspide ou atrioventricular esquerda) que o separa do átrio esquerdo e a valva aórtica (semilunar esquerda) que comunica o ventrículo à artéria aorta. Assim como o ventrículo direito, o ventrículo esquerdo também possui as trabéculas cárneas, só que em menor proporção, e os músculos papilares, que aqui dão sustentação às cordas tendíneas. Esse aparato dá sustentação à valva e ainda evita seu prolapso. Os dois músculos papilares precisam ser citados com mais atenção: o anterior, um pouco mais largo, é onde se inserem as fibras distais da divisão ântero-superior do ramo esquerdo; e o posterior é onde se inserem as fibras mais distais da divisão póstero- inferior do ramo esquerdo (Imagem 4.8). Figura 4.8: Ventrículo direito. Vide texto (retirada do Netter). Os átrios possuem uma estrutura visível tanto internamente quanto externamente que são os apêndices atriais (ou aurículas, ou ainda auriculetas). Estas são bolsas musculares de formato triangular que se continuam com os átrios propriamente ditos. Enquanto que nos ventrículos existem as trabéculas cárneas, nos átrios temos os músculos pectíneos que são cristas musculares paralelas que adentram as aurículas. O átrio direito, possui na sua porção posterior, uma parede lisa. Separando essa parede lisa de uma região mais anterior contendo músculos pectinados (o apêndice atrial direito) está a crista terminal. A crista terminal é uma estrutura muscular que se inicia na junção da auriculeta direita com o átrio (próximo às células de Bachmann), corre pelo teto do átrio direito, depois pela parede livre descendo em direção à veia cava inferior, quando encontra novamente musculatura pectínea. O átrio direito possui quatro óstios: o óstio da veia cava superior, que não possui valva e é por onde retorna o sangue da cabeça, do pescoço, dos membros superiores e do tórax; o óstio da veia cava inferior por onde retorna o sangue de todas a estruturas abaixo do diafragma e inclusive dele, circundada por uma estrutura chamada valva de Eustáquio, que se continua até o corpo fibroso central através do tendão de Todaro; o óstio do seio coronário por onde retorna o sangue que circulou nas coronárias, também circundada por uma valva chamada valva de Tebésio; e o óstio da valva tricúspide (Imagem 4.9). Figura 4.9: Vide texto. Região demarcada em vermelho: triângulo de Koch. Região demarcada em azul: istmo cavotricuspídeo (retirada do Netter). O átrio direito possui ainda diversas estruturas de forte interesse eletrofisiológico (4): 1) nó sinusal anterior à veia cava superior e posterior à auriculeta direita – é o marca- passo dominante do coração, como veremos no capítulo 6; 2) região de Bachmann (muitas literaturas ainda chamam de “feixe de Bachmann”, mas não concordamos com essa nomenclatura), já citadas anteriormente e melhor definidas no capítulo 6; 3) nó atrioventricular (nó AV), presente no assoalho do átrio direito numa região chamada triângulo de Koch (triângulo vermelho na Figura 4.9) delimitado pelo tendão de Todaro posteriormente, óstio do seio coronário inferiormente e folheto septal da valva tricúspide anteriormente – é nessa região que o impulso elétrico apresenta uma pausa de condução antes de ativar os ventrículos, 4) o istmo cavotricuspídeo, uma região de condução elétrica lenta entre a veia cava inferior e a valva tricúspide – é lá que se perpetua uma arritmia chamada flutter atrial (5) (retângulo azul na Figura 4.9). Durante a circulação fetal há a presença de outro óstio que comunica os átrios: o forame oval. Porém, com o nascimento do indivíduo e consequentemente liberação da circulação pulmonar, a pressão do lado direito fica muito inferior ao lado esquerdo e esse forame se fecha naturalmente. Entretanto, no local, ainda permanece visível uma depressão oval denominada de fossa oval. Em até 27% dos indivíduos, no entanto, esse forame não se fecha por completo, uma situação chamada “forame oval patente”(6). Esse defeito congênito pode levar ao acidente vascular encefálico por “embolia paradoxal”. Lembra o que ocorreu com Dr. Benito? Quanto ao átrio esquerdo vale ressaltar os diferentes óstios: as veias pulmonares (quatro) chegam ao átrio esquerdo posteriormente: são duas esquerdas e duas direitas. Anteriormente, e lateralmente, se encontra a auriculeta esquerda, de parede pectinada. Conectando o átrio esquerdo com o ventrículo esquerdo, temos a já citada valva mitral. Sobre eletrofisiologia, é importante citar que a embriologia do átrio é compartilhada com a embriologia das veias pulmonares, de modo que gatilhos venosos elétricos são, atualmente, uma das etiologias de uma importante arritmia na prática clínica: a fibrilação atrial(7). 3. AS VALVAS E VÁLVULAS CARDÍACAS Já falamos das valvas, mas vamos repetir com outro enfoque, tamanha é a importância do tema na prática clínica. As valvas cardíacas são compostas por duas ou três válvulas (ou cúspides) e podem ser divididas em dois tipos: as valvas semilunares que comunicam os ventrículos com suas respectivas artérias de ejeção e as valvas atrioventriculares que permitem a comunicação entre os átrios e ventrículos de mesmo lado. Quanto às valvas atrioventriculares, no lado direito, regulando a comunicação entre o átrio direito e o ventrículo direito, temos a valva tricúspide (atrioventricular direita) que é formada por três válvulas (a válvula anterior, a válvula posterior e a válvula septal). Quanto ao lado esquerdo, temos a valva que regula a comunicação entre o átrio esquerdo e o ventrículo esquerdo que é a valva mitral (atrioventricular esquerda ou bicúspide). A origem de “mitral” se deve a mitra, um tipo de chapéu utilizado por determinados cargos da igreja que se assemelha com o formato desta valva. Ambas as valvas atrioventriculares possuem projeções que se ligam às paredes ventriculares. Essas projeções são chamadas de cordas tendíneas e se ligam especificamente aos músculos papilares dos ventrículos. A função dessas estruturas é impedir que as valvas se abram na direção inversa, o que acarretaria em um refluxo sanguíneo. A abertura para o lado indevido denomina-se prolapso. Algo semelhante ao que acontece com o guarda- chuva quando há ventos muito fortes. Portanto, os músculos papilares tracionam as cordas tendíneas para manter as valvas atrioventriculares fechadas enquanto a pressão está elevada, permitindo que o sangue siga pelo caminho desejado. Quanto as valvas que regulam a comunicação dos ventrículos com seus respectivos vasos de ejeção, estas recebem seu respectivo nome. Ou seja, no lado direito temos a valva do tronco pulmonar ou também chamada de valva pulmonar (semilunar direita) na interface do tronco pulmonar com o ventrículo direito e do lado esquerdo temos a valva aórtica (valva semilunar esquerda) na interface da artéria aorta com o ventrículo esquerdo. As valvas ventrículoarteriais são formadas por três válvulas cada em formato de um bolso como pode ver na Figura 4.10.Este formato é outro mecanismo antirrefluxo, pois possibilita que as valvas se fechem quando o sangue tenta retornar ao coração. Pois, quando o sangue está indo dos ventrículos para os vasos, estas válvulas estão sendo empurradas em direção a parede do vaso, fechando esses bolsos. Porém, com a queda da pressão de ejeção e com a consequente tentativa de retorno de uma parcela do sangue para o coração, isso faz com que esses bolsos se encham de sangue, ocupando o lúmen do vaso, ou seja, fecha-se a valva. Figura 4.10: Estrutura das valvas cardíacas (retirada do Moore). A valva do tronco pulmonar é formada pelas válvulas semilunar anterior, semilunar direita e semilunar esquerda. Enquanto que a valva da aorta é formada pelas válvulas semilunar posterior, semilunar direita e semilunar esquerda. Ou seja, ambas possuem as suas respectivas válvulas direita e esquerda, mas diferem na terceira. Isto deve-se ao fato da valva do tronco pulmonar possuir uma válvula que realmente é mais anterior ao coração, enquanto que a valva da aorta possui uma mais posterior ao órgão. Cada válvula semilunar é formada por uma borda dividida em uma região média espaçada denominada de nódulo e o restante da borda que é mais fina e se chama lúnula. Enquanto que os “bolsos” propriamente ditos formam os seios que é onde o sangue acumula na tentativa de retorno sanguíneo. Dentro destes seios sempre permanece uma pequena porção de sangue que é o que impede a aderência da válvula a parede do seu respectivo vaso quando ela é empurrada na ejeção. Uma característica peculiar da valva da aorta é que em suas válvulas direita e esquerda, há a presença dos óstios das artérias coronárias, as artérias que irrigam o coração. Sendo assim, na válvula semilunar esquerda existe o óstio do tronco da artéria coronária esquerda e na válvula semilunar direita, o óstio da artéria coronária direita. Desta forma, quando ocorre a tentativa de refluxo sanguíneo e consequentemente o enchimento dos seios das válvulas semilunares, esse sangue é direcionado para irrigar o próprio coração. Ou seja, o sangue oxigenado tanto é ejetado para o restante do corpo, assim como primariamente para o próprio coração. Resumindo brevemente o funcionamento das valvas agora que foram apresentadas, quando o sangue precisa ir para os ventrículos, as valvas atrioventriculares estão abertas e as semilunares estão fechadas. Inversamente, quando o ventrículo direito precisa ejetar o sangue para os pulmões e o esquerdo para o restante do corpo, as valvas atrioventriculares estão fechadas para evitar a regurgitação do sangue para os átrios e as valvas semilunares estão abertas para permitir o fluxo para os vasos, como desejado. 7. SUPRIMENTO E DRENAGEM DO CORAÇÃO O coração é um órgão nobre do corpo humano e quando acometido por alguma injúria pode vir a resultar consequências severas aos demais órgãos ou até a morte. Por isso, manter o suprimento adequado para as células cardíacas é vital. Uma máxima do intensivismo é que “músculo é vida” (referindo-se ao músculo cardíaco). Esta expressão é utilizada no manejo do infarto agudo do miocárdio (IAM), uma condição em que ocorre a suspensão do suprimento sanguíneo a uma determinada porção do miocárdio resultado da oclusão de uma artéria coronária ou um de seus ramos. A morte de músculo cardíaco prejudica o bombeamento de sangue e consequentemente o fornecimento dos demais órgãos. Portanto, o fato de o óstio das artérias coronárias estar localizado na imediata saída da artéria aorta permite que o coração seja o primeiro órgão a ser irrigado com o sangue oxigenado que retorna dos pulmões. Um provável mecanismo protetor. É importante também frisarmos que o fluxo coronariano se dá na diástole cardíaca. 1. IRRIGAÇÃO – AS ARTÉRIAS CORONÁRIAS As artérias coronárias são inicialmente duas, a artérias coronárias direita e o tronco da artéria coronária esquerda que possuem seus óstios presentes no seio de Valsalva, próximo às válvulas da valva aórtica. A artéria coronária direita e seus ramos serão responsáveis por levar sangue para nutrir as câmeras direita, o septo interatrial e também os nós do sistema de condução elétrico. Eventualmente, alguns ramos irrigam um pouco das câmeras esquerdas também, principalmente a região basal do ventrículo esquerdo e um pouco do septo interventricular. Já a coronária esquerda é responsável pelas câmeras esquerdas, parte do septo interventricular e de uma grande parte do sistema de condução distal. O trajeto da artéria coronária direita se inicia no seu respectivo óstio, atravessa entre o tronco pulmonar e a aurícula direita, percorre através do sulco coronariano direito, seguindo pela margem pulmonar direita do coração e contorna para face diafragmática. Nesta face ela segue até um pouco depois do cruzamento dos sulcos interatrial e interventricular (cruz do coração). Durante este trajeto, a artéria coronária direita emite diversos ramos, sendo os principais (Imagem 4.11): Ramos atriais da coronária direita: suprem os átrios direito e esquerdo; Ramo do nó sinusal: ramo direto do ramo atrial da coronária direita, supre o nó sinoatrial do sistema elétrico. Para chegar ao nó, esse ramo se direciona posteriormente contornando a veia cava superior. Ramo da coronária direita em 60% dos casos e da artéria circunflexa em 40%. Ramo do cone arterial: supre a região do cone arterial. Ramo marginal direito: um ramo mais extenso que se direciona para o ápice do coração. Distalmente a artéria coronária direita trifurca-se em: Artéria descendente posterior: irriga as porções basais do ventrículo esquerdo – é ramo da coronária direita em 85% dos casos e da circunflexa em 15%. É ela que define a dominância da circulação: se direita (coronária direita) ou esquerda (circunflexa). Irriga a divisão póstero-inferior do ramo esquerdo. Ramo ventricular posterior Ramo do nó atrioventricular: supre o nó atrioventricular e o feixe de His proximal do sistema elétrico cardíaco. Ramo da coronária direita em 80% dos casos e da circunflexa em 20%. Figura 4.11: Imagem tomográfica da coronária direita (CD) enviando ramos marginais (RM) e ao fim trifurcando-se em artéria descendente posterior direita (ADPD), ramo ventricular posterior (RVP) e artéria do nó AV (pequena e não visualizada) (retirada de Faletra). Figura 4.12: Anatomia da circulação esquerda. TCE = tronco coronariano esquerdo, DA = descendente anterior, Cx = circunflexa. O asterisco aponta para um pequeno ramo intermédio (retirada de Faletra). O tronco da artéria coronária esquerda, ou apenas tronco da coronária esquerda, se origina no seio de Valsalva esquerdo, corre posteriormente a artéria tronco pulmonar, atravessa entre a tronco pulmonar e a aurícula esquerda, chegando ao sulco coronário esquerdo, onde já se ramifica, após apenas 5 mm nas suas duas artérias principais: a artéria descendente anterior (ou interventricular anterior) que desce em direção ao ápice e a artéria circunflexa que segue pelo sulco até a face diafragmática espelhando o trajeto da artéria coronária direita. Em 30% dos corações, o tronco da coronária esquerda ainda emite um terceiro ramo, o ramo intermédio (Imagem 4.12). Figura 4.13: Sistema venoso de drenagem cardíaca (retirada do Moore). Os ramos da artéria descendente anterior são: Diagonalis: cursa para a esquerda para suprir a parede antero-lateral do ventrículo esquerdo Septais: mergulham no septo para irriga-lo e também à porção mais distal do feixe de His, e ao ramo direito do feixe de His e à divisão ântero-superior do ramo esquerdo Da artéria circunflexa origina-se o ramo marginal esquerdo em direção ao ápice. Porém, diferente da artéria coronária direita, comumente a artéria circunflexa não chega à cruz do coração. 2. DRENAGEM Apesar do suprimento arterial ser mais importante, a drenagem venosa do coração também necessita de atenção. A estrutura principal da drenagem é o seio coronário. Este é o maior responsável por receber o sangue de suas tributárias e despejar no átrio direito pelo óstio do seio coronáriocitado neste capítulo anterior. O seio coronário tem de 2 a 3cm de comprimento e se localiza no sulco coronário, posteriormente, entre as câmeras esquerdas. São cinco tributárias principais que drenam para o seio coronário (Figura 4.13): Veia cardíaca magna: origina-se no ápice do coração e percorre o sulco interventricular anterior até o sulco coronário, onde corre junto com a artéria circunflexa. Aqui ocorre uma situação incomum: o sangue arterial e venoso corre na mesma direção lado-a-lado. Responsável por ambos os ventrículos e pelo átrio esquerdo através de suas tributárias. Desemboca no lado esquerdo no seio coronário. Veia cardíaca parva: responsável também pelo ventrículo direito, assim como do átrio direito. Veia oblíqua do átrio esquerdo (ou veia de Marshall): resquício embrionário da veia cava superior esquerda, presente na vida intra- uterina. Tem importância na vida adulta principalmente em eletrofisiologia. Veia cardíaca posterior ou veia posterior do ventrículo esquerdo: responsável pela porção posterior do ventrículo esquerdo. Veia cardíaca média ou interventricular posterior: origina-se no ápice, como a veia cardíaca magna, porém ascende pelo sulco interventricular posterior (8). 8. CONFERÊNCIAS Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo! CAPÍTULO 5 O Funcionamento Mecânico do Coração 1. CASO CLÍNICO Era uma quarta-feira cinzenta no Princeton-Plainsboro Teaching Hospital. Os residentes, que haviam chegado às 4:30 da manhã para “passar os casos” do Pronto Socorro, estavam agora tomando café na copinha do hospital enquanto aguardavam seu temido chefe para uma visita. Os internos, que chegaram às 7:50 permaneciam do lado de fora, bocejando de sono e comentando a cervejada da noite anterior. Em meio ao forte cheiro de café, Lisa, uma das residentes mais prodigiosas, parecia distante. Seu olhar parecia vagar pelo horizonte chuvoso. Estava com um mal pressentimento sobre a visita de hoje. Primeiro caso, tudo bem. O residente Alvarez passou todos os detalhes com excelência e o chefe fez uma revisão didática sobre o manejo atual da Síndrome Coronariana Aguda sem supradesnivelamento do Segmento ST. Os internos, aqueles que permaneciam acordados, anotaram em seus cadernos “nunca pedir troponina C”. Segundo caso, tudo bem também. Desta vez o chefe explicou ao seu residente Tom a origem das bulhas cardíacas e a razão do seu paciente, em específico, possuir uma terceira bulha, a B3. Lisa estava sentindo-se nauseada, sudoreica e pálida quando o chefe apontou: “Lisa, esse paciente foi visto por você, não é?”. Lisa passou o caso apavorada. Sabia que seu chefe não pegaria leve com ela. Este paciente parecia muito com o anterior, do Tom. Tinha até a mesma síndrome e já apresentava B3 desde a internação. Hoje ele estava completamente edemaciado. A estratégia que Lisa usara para aumentar o débito cardíaco desse paciente foi falha: ela decidiu hidrata-lo exageradamente, pois pensou “mais pré-carga, mais pós- carga”. O chefe realmente não pegou leve com ela. Esse era um erro crasso. Durante a discussão, por diversas vezes, foram citados dois nomes: “Frank” e “Starling”. 1. POSSÍVEIS PALAVRAS DESCONHECIDAS Síndrome Coronariana Aguda sem supradesnivelamento do Segmento ST: A síndrome coronária aguda (SCA) é resultado de isquemia do músculo cardíaco e pode ser dividida após avaliação clínica e de um eletrocardiograma (ECG) em: angina instável (AI), infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento de ST (IAMSS-ST) e o infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento de ST (IAMCS-ST). Iremos abordar o ECG no próximo capítulo, mas para simplificar a classificação, estas apresentações irão surgir a depender da severidade da isquemia e, consequentemente, do dano miocárdico. B3 / Pré-carga / Pós-carga: conceitos a serem abordados neste capítulo 2. PALAVRAS-CHAVES Síndrome Coronariana Aguda; Bulhas; Pré-carga; Pós-carga 3. OBJETIVOS Compreender o funcionamento mecânico do coração – o seu papel como bomba. 2. O PAPEL DO CORAÇÃO COMO BOMBA Como vimos no capítulo 1 deste livro, o sistema circulatório é nada menos que uma grande rede de comunicação e transporte de fluxo unidirecional contínuo por todo o corpo, tendo o coração, este órgão que agora você conhece tão bem, como órgão central e mantenedor deste fluxo. Basicamente, o sistema circulatório funciona como qualquer sistema de fluídos pressurizados, sendo que o sangue é o fluído, os vasos são os tubos e o coração é a bomba. Análogo a uma bomba hidráulica, o coração trabalha para criar diferenças de pressão no sistema. Dessa forma, o fluído se desloca de uma zona de maior pressão para uma zona de menor pressão e, por estar em um sistema fechado um sistema fechado, o fluido acaba sempre por retornar ao coração. O coração precisa, a cada batimento, criar uma força de impulsão para que o sangue possa seguir no sistema circulatório e chegar às diversas regiões do nosso corpo, vencendo a resistência existente contra esse movimento. O que acontece é um pouco semelhante a apertar uma garrafa cheia de água sem tampa. Você força o líquido a seguir pela boca da garrafa. Porém, se a mesma garrafa estiver com uma tampa, essa mesma ejeção só ocorrerá se a resistência da tampa for superada, fazendo com que ela se abra. O diferencial do coração em relação a esse exemplo, é que este incrível órgão “consegue se apertar sozinho” e a resistência do sistema se deve principalmente a três fatores estudados no capítulo 02: o diâmetro dos vasos, o comprimento dos vasos e a viscosidade sanguínea. Como estudado também no capítulo 01, didaticamente dividimos o sistema em dois territórios de circulação: 1) a circulação pulmonar, na qual o coração recebe o sangue pobre em oxigênio e rico em CO2 e o envia para os pulmões, onde ocorrerá trocas, captando oxigênio e eliminando CO2; 2) e a circulação sistêmica, em que o coração recebe esse sangue mais oxigenado e envia para todo o restante do corpo, onde o oxigênio será consumido e o CO2 produzido pelas células captado pelo sangue para sua posterior eliminação. Devido a essa divisão didática da circulação, podemos também dividir o coração como se fosse formado por duas bombas: uma bomba direita responsável pela circulação pulmonar e uma bomba esquerda, responsável pela circulação sistêmica. Portanto, o papel do coração como bomba é possível devido à sua capacidade de redução de volume através da contração, gerando diferenças de pressões que impulsionam o sangue adiante pelo sistema. Entretanto, para que isso ocorra de forma eficiente, o coração se utiliza tanto de mecanismos que garantem o fluxo unidirecional (valvas cardíacas), assim como de um ciclo contrações (sístoles) e relaxamentos (diástoles) bem definido que possibilita o enchimento adequado das câmaras cardíacas antes da ejeção. 3. O MECANISMO DE CONTRAÇÃO E RELAXAMENTO A propriedade contrátil do coração provém, antes de tudo, da sua capacidade de se contrair como um todo: a ativação de uma única célula miocárdica resulta na contração de todo o miocárdio ventricular. E isso é possível porque existe, no miocárdio atrial e ventricular, uma complexa rede de junções comunicantes constituídas por proteínas chamadas conexinas – mais especificamente três delas, a conexina 43, conexina 40 e conexina 45 (1). Essa incrível interligação e permissibilidade à passagem de íons e corrente elétrica é o que dá ao coração a propriedade de sincício (em outras palavras – funcionam como uma única estrutura, uma vez que uma célula miocárdica é estimulada, todas as demais serão “ativadas”). Nos próximos parágrafos aprenderemos como, após um estímulo elétrico de despolarização do potencial de membrana da célula miocárdica, esta célula irá manejar seus íons, proteínas e estruturas intracelulares para resultar na contração cardíaca. O estímulo elétrico que precede estes acontecimentos será visto no próximo capítulo, quando abordaremos a eletrofisiologia com mais detalhes. Atenção, os próximos parágrafosse referem ao que ocorre na célula miocárdica e o que faz ela se contrair. Não confunda! Recomendamos inclusive que após o estudo do próximo capítulo, revise este. Pois, a maior bagagem de conceitos irá expandir o seu entendimento. Após a geração do estímulo elétrico, geralmente pelo nó sinusal, a onda de excitação se espalha célula-a-célula através das conexinas. O cálcio entra na célula através da corrente através dos canais lentos de cálcio (ICaL), que agirá como gatilho para trazer ainda mais cálcio para o meio intracelular oriundo do depósito de cálcio que estava contido no retículo sarcoplasmático. Essa liberação se dá pela ação dos receptores de rianodine, canais de cálcio do retículo sarcoplasmático cuja abertura é cálcio- dependente: quanto mais cálcio, mais cálcio. Após a abrupta elevação na concentração de cálcio intracelular, este se ligará à troponina C. Este complexo cálcio-troponina interage com a molécula de tropomiosina para desbloquear sítios ativos entre os filamentos de actina e miosina. Esta interação inicia a ciclagem de pontes cruzadas e a consequente contração da célula. Como, através das conexinas, o estímulo elétrico está realizando estas mesmas mudanças em todas as outras células cardíacas, o músculo inteiro irá se contrair (propriedade de sincício). Há outros dois tipos de troponina: a troponina T, que se liga à tropomiosina para auxiliar no acoplamento da actina com miosina; e a tropinina I é o componente inibitório desse sistema proteico. A importância da troponina na prática clínica é ímpar. Atualmente, elas são as proteínas procuradas pelos kits de laboratório para detectar infartos agudos do miocárdio que foram incapazes de alterar o eletrocardiograma de um indivíduo (mas que, nem por isso são menos perigosos). Para este intuito, o médico que suspeita do infarto agudo sem supradesnivelamento do segmento ST (IAMSSST) deve solicitar amostra de sangue com medida de troponina I ou T. A isoforma C da troponina C é idêntica à da troponina do músculo liso, não sendo, portanto, útil sua solicitação para este fim (2). Durante a diástole, o influxo de cálcio cessa e o retículo sarcoplasmático passa a reabsorver o cálcio do intracelular através de uma importante enzima chamada SERCA, regulada positivamente pela fosfolambam, já citada no capítulo 2. O cálcio também retornará ao extracelular através da ação da bomba trocadora sódio-cálcio (Na-Ca) e da bomba de cálcio dependente do ATP. Dessa forma, retornamos ao ponto inicial e o músculo miocárdico fica pronto para um próximo estímulo para a contração. Portanto, devido a esses passos ocorrerem continuamente e à estrutura de condução/isolamento elétrico do coração, em uma visão macro, teremos um ciclo de acontecimentos que estudaremos a seguir. Ficou difícil? Reveja a imagem 5.1 para entender tudo que falamos. Não pule! É importante! Figura 5.1: Diagrama esquemático do movimento do cálcio no acomplamento excitação-contração no músculo cardíaco. O influxo de Ca2+ do flúido intesticial, durante a excitação, dispara a liberação de Ca++ pelo retículo sarcoplasmático (RS). O Ca2+ citosólico livre ativa a contração dos miofilamentos (sístole). O relaxamento (diástole) ocorre como resultado da captação de Ca2+ pelo RS pela extrusão do Ca2+ intracelular via trocador 3 Na+/1Ca2+. O + e, em escala mais limitada, pela bomba Ca2+-ATPase. BetaR, receptor Beta-adrenérgico; AMPc-PK, proteinocinase dependente de AMPc (retirada de Berne e Levy). Apenas para terminar, vamos passar um dado importante: até 90% da energia que o coração consome deriva do metabolismo oxidativo dos ácidos graxos, e o restante de lactato e glicose. 4. O CICLO CARDÍACO O sangue no sistema circulatório, em condições fisiológicas, segue sempre um mesmo trajeto. Isto significa que o sangue que chega aos capilares sistêmicos cheio de nutrientes e oxigênio, obrigatoriamente, passou pelos pulmões previamente e, portanto, possui uma maior concentração de oxigênio do que nesses tecidos, permitindo a difusão por gradiente de concentração. Caso essa passagem pela circulação pulmonar não ocorra, uma porção de sangue pode alcançar os capilares sem que os gradientes dos gases estivessem suficientemente altos a ponto de favorecer a troca nos tecidos, o que poderia levar a hipoxemia e até morte tecidual. Devido às valvas atrioventriculares apresentarem abertura direcionada aos ventrículos e as ventriculoarteriais (ou semilunares) se abrirem em direção às paredes da sua respectiva artéria (aorta ou tronco pulmonar), o sangue apenas seguirá, em condições normais, para o próximo compartimento quando a pressão no atual compartimento for maior do que no seguinte. Pare para pensar: se os átrios alcançarem uma pressão maior que a pressão no interior dos ventrículos, as valvas atrioventriculares se abrem, pois, os ventrículos não conseguem impedir a abertura da valva. Quando, ao contrário, os ventrículos apresentam maior pressão, é forçado o fechamento das valvas atrioventriculares. O mesmo raciocínio se aplica na abertura e fechamento das valvas semilunares. Caso o ventrículo obtenha uma pressão maior que seu respectivo vaso, as valvas irão se abrir e quando a pressão da artéria novamente superar o ventrículo, o sangue irá tentar regurgitar e forcará o fechamento das valvas ventriculoarteriais. Isto tudo é importante porque para o entendimento do ciclo cardíaco, precisamos fazer uma análise das pressões no interior dos compartimentos considerando o volume de cada recipiente e a força exercida pelas paredes e, assim, estimar a consequência que essas variações terão no fluxo sanguíneo. Antes, faz-se necessária a antecipação de um conteúdo que será explorado no próximo capítulo. O sistema de condução elétrico é o responsável pelo gatilho das contrações em cada câmara cardíaca. E ele promove, fisiologicamente, um atraso entre a contração atrial e a contração ventricular. Sendo assim, primeiro o sangue chega aos ventrículos através dos átrios, e posteriormente ocorre a contração dos ventrículos, quando, enfim, o sangue é ejetado pelo ventrículo direito para os pulmões e pelo ventrículo esquerdo para o restante do corpo humano. Desta forma, quando se estuda o ciclo cardíaco, divide-se o ciclo cardíaco didaticamente em três eventos principais, considerando o estado dos ventrículos: a contração ou sístole ventricular, o relaxamento ventricular e o enchimento ventricular – estas duas últimas ocorrendo durante a diástole ventricular. 1. A SÍSTOLE VENTRICULAR A análise do ciclo cardíaco pode se dar a partir de qualquer uma de suas fases, pois, se trata de um ciclo, assim como, podemos analisar a partir de qualquer um dos ventrículos, considerando que os mesmos princípios estarão ocorrendo também no outro. Sendo assim, para nossa explicação, vamos iniciar o ciclo voltando a atenção para o momento em que o ventrículo esquerdo já está preenchido pelo sangue originário da circulação pulmonar e o ventrículo direito pelo sangue da circulação sistêmica. Pensamos que montar o raciocínio dessa maneira fica mais didático para você nos entender. Acompanhe nosso raciocínio. Se o ventrículo já estava cheio de sangue, o próximo passo esperado é a contração, correto? O início da sístole ventricular promove o aumento da pressão da câmara, o que resulta no fechamento das valvas atrioventriculares, produzindo a primeira bulha cardíaca (TUM) - a primeira bulha marca, portanto, o início da sístole ventricular e o fim da diástole e é ocasionada pelo fechamento das valvas mitral e tricúpide. Esta contração é crescente, portanto, inicialmente, essa contração ainda não fornece pressão suficiente para vencer a resistência da aorta e abrir a valva aórtica. Dessa forma, por milésimos de segundos, o processo contrátil ocorre contra as duas valvas (mitral e aórtica) – lembre-se, estamos falando apenas do ventrículo esquerdo - fechadas, ou seja, sem alteração do volume. Portanto, esta primeira fase da sístole ventricular é chamada de contração isovolumétrica. Eletrocardiograficamente, esta fasese associa ao complexo QRS (assunto para o próximo capítulo). Contudo, este processo contrátil vai se intensificando e a pressão continua crescendo até que essa pressão no interior do ventrículo esquerdo supere a pressão da aorta e a do ventrículo direito supere a pressão na artéria pulmonar, forçando a abertura das valvas aórtica e pulmonar, resultando na ejeção brusca de sangue através destes vasos. O mesmo não ocorre nas valvas atrioventriculares porque elas são desenhadas anatomicamente para se abrirem apenas quando a pressão dos átrios vencer a dos ventrículos. Esta segunda fase da sístole ventricular, a que o sangue finalmente é ejetado pela aorta e artéria pulmonar, é chamada de ejeção rápida e nela ocorre a ejeção de 70% de todo sangue que será impulsionado pela circulação. 2. O RELAXAMENTO VENTRICULAR A contratilidade miocárdica cessa e se inicia o relaxamento ventricular. Porém, apesar do ventrículo entrar em diástole, dois fatores promovem a continuidade do fluxo: o gradiente de pressão que ainda é favorável ao ventrículo e há também um favorecimento inercial (“um corpo que está em movimento, tende a continuar em movimento”). Consequentemente, algum grau de fluxo sanguíneo permanece ocorrendo através das artérias ao passo em que, gradativamente, se reduz a sua intensidade devido à contínua queda da pressão intraventricular e conseguinte gradiente de pressão ventrículoarterial. Esse movimento inercial no período de ejeção é chamado de Efeito Windkessel e é nesse período que os 30% restantes do volume de ejeção são impulsionados. Portanto, devido ao fato desta fase ocorrer uma ejeção com menor intensidade que ela é denominada como ejeção lenta ou reduzida. É durante esta fase que o eletrocardiograma irá demonstrar ainda o segmento ST e a onda T, marcadores da repolarização elétrica ventricular. Seguindo nosso raciocínio, em algum momento do ciclo cardíaco, a pressão da aorta se torna novamente maior que a do ventrículo. O movimento inercial é então interrompido e, como a pressão do vaso está maior do que no interior do ventrículo, o fluxo tende a ser retrógrado, preenchendo os seios das válvulas da valva aórtica que, consequentemente, se fecha junto com a artéria pulmonar, produzindo a segunda bulha cardíaca (TÁ) - a segunda bulha então marca o fim da sístole e o início da diástole e é ocasionada pelo fechamento das valvas aórtica e pulmonar. Nos seios de Valsalva da valva aórtica estão contidas as emergências das artérias coronárias direita e esquerda. Sendo assim, chega-se ao contexto em que o ventrículo está se relaxando e as valvas atrioventriculares e ventriculoarteriais estão fechadas. Esta fase é chamada de relaxamento isovolumétrico. 3. O ENCHIMENTO VENTRICULAR Durante todo o período em que as valvas atrioventriculares estão fechadas, o sangue oxigenado continua a chegar da circulação pulmonar e sistêmica e se acumular nos átrios, resultando no aumento de pressão resultante dessa expansão de volume. Somado a isto, na etapa que estamos descrevendo agora, está ocorrendo o relaxamento do ventrículo esquerdo. A soma destes fatores resulta na superação da pressão dos átrios sobre os ventrículos, forçando a reabertura da valva atrioventricular e, consequentemente, o sangue que estava nos átrios é despejado rapidamente para adiante. Essa primeira das três fases do enchimento ventricular é denominada de enchimento rápido e é responsável pela maior parte do sangue que passará dos átrios para os ventrículos. Se o ventrículo não se contraiu com a eficácia esperada no batimento anterior, então uma porcentagem menor de sangue seguiu pela circulação pulmonar e uma porcentagem maior permaneceu no ventrículo, correto? E quando o enchimento rápido ocorre, se já há muito sangue no ventrículo, esse sangue que está entrando vai causar vibrações na parede do ventrículo, causando um som que é audível ao estetoscópio quando o paciente está deitado, a terceira bulha (B3). É, portanto, um marcador de sobrecarga volumétrica por baixo débito cardíaco e insuficiência cardíaca congestiva. Durante esta fase, o eletrocardiograma é silencioso, mostra apenas uma linha isoelétrica. O fluxo sanguíneo, como já citado diversas vezes, é contínuo. Sendo assim, mais sangue continua a chegar ao coração através das veias e, como as valvas atrioventriculares estão abertas, o sangue enche diretamente os ventrículos, porém, nesta etapa com uma velocidade menor do que a etapa anterior. Por isso, a segunda fase é conhecida como enchimento lento ou diástase. As duas primeiras fases do enchimento ventricular são responsáveis por 75-80% do volume diastólico final. Na última fase do enchimento ventricular ocorre a contração atrial, que impulsiona um pouco mais de sangue aos ventrículos, finalizando o enchimento com essa fase chamada de sístole atrial. Atenção: não confundir! A sístole atrial ocorre durante a diástole ventricular. Esta fase interfere apenas em 20% no volume diastólico final. Sendo assim, apesar de possuir em condições fisiológicas uma baixa contribuição, essa etapa ganha mais relevância em situações patológicas, como uma estenose de valva atrioventricular, em que o sangue tem dificuldade de passar para o ventrículo. Também digna de nota é a arritmia mais frequente na prática clínica, a fibrilação atrial, em que o átrio perde a capacidade de se contrair, reduzindo em 20% o débito atrial. Durante a sístole atrial, se o ventrículo não for complacente, ele não tolerará mais líquido em seu interior, havendo, no momento da passagem forçada de sangue, a vibração das paredes do ventrículo. Quando ocorre isso, ouve-se a quarta bulha cardíaca (B4). A quarta bulha é sinal de sobrecarga pressórica do ventrículo. Voltando, considerando o enchimento completo dos ventrículos, fecha-se o ciclo cardíaco, pois retorna-se para o estado em que iniciamos o estudo do mesmo: “ventrículo esquerdo já preenchido com o sangue originário da circulação pulmonar e o ventrículo direito preenchido com o sangue da circulação sistêmica”. Uma outra maneira de avaliar esse ciclo cardíaco é através do diagrama de volume-pressão, que você já é capaz de entender. Veja a Imagem 5.2 Figura 5.2: Entenda esse diagrama. Ele obviamente não tem o tempo em sua abcissa (pois não existe, até a confecção deste manuscrito, a viagem no tempo). Ao ler este gráfico, imagine apenas o ventrículo se enchendo, portanto aumentando de volume, e depois contraindo, portanto aumentando de pressão (retirada do Guyton). 5. OUTROS CONCEITOS IMPORTANTES 1. VOLUMES CARDÍACOS Volume Diastólico Final: volume de sangue contido no ventrículo exatamente antes da sua contração. Volume de Ejeção: volume ejetado na fase de sístole ventricular. Volume Sistólico Final: volume restante no ventrículo após a fase de sístole ventricular. Resultado do volume diastólico final - volume de ejeção. Fração de Ejeção: é relação entre o volume de ejeção e o volume diastólico final, ou seja, o percentual do sangue total que foi ejetado. Este é um índice da função cardíaca que ajuda a avaliar a contratilidade miocárdica na clínica. 2. MECANISMO DE FRANK-STARLING OU LEI DO CORAÇÃO DE STARLING O retorno venoso, volume de sangue que retorna ao coração a cada batimento, é variável e o coração possui a capacidade se adaptar a esse volume que chega. Ou seja, quanto mais sangue retornar, mais as fibras musculares irão se distender. Além disso, a resposta será proporcional. Quanto maior o retorno venoso, então, maior o débito cardíaco. O que o “mecanismo de Frank- Starling” define é: “Dentro de limites fisiológicos, o coração bombeia todo o sangue que a ele retorna pelas veias.”. O mecanismo se assemelha ao funcionamento de uma mola. Um pequeno estiramento, seguido da liberação, faz com que a mola volte a sua conformação original. Isso pode ser feito até um limite e o retorno será mais rápido quanto maior for o estiramento. Porém, se o limite de estiramento for ultrapassado, a mola se deforma e não retorna a sua conformação original. Na física, isso tem o nome de “resiliência”,enquanto que o nome dado a essa força que no exemplo estira a mola e acumula uma energia potencial na mesma até que se solte, se chama quando referimos ao estiramento do músculo cardíaco de pré-carga, que, em termos de volume sangue, é nada menos que o volume diastólico final, já citado. A pré- carga refere-se à força que estira as fibras musculares ainda relaxadas. Já a pós-carga se refere à pressão da aorta e da artéria pulmonar que os ventrículos precisam superar para iniciar a ejeção de sangue. O mecanismo de Frank Starling não é perfeito justamente pela mesma razão de que quando a mola se estira demais, acaba deformando. O coração não consegue responder com aumento de débito cardíaco caso os limites de volume tenham sido ultrapassados. Um exemplo clássico disso está presente no tratamento empírico de situações de colapso hemodinâmico ou choque. Se o médico lança mão de uma substância isosmolar para tentar dar mais pressão ao sistema e assim consegue aumentar o retorno venoso, ocorrerá um aumento do débito cardíaco, melhora das pressões de enchimento, aumento da pressão arterial e, consequentemente, o médico irá se sentir estimulado a fazer outro soro fisiológico. Aí é que está: chega um momento em que o coração não consegue mais aumentar o seu débito cardíaco e, ao contrário, até o diminui, pela congestão sistêmica e aumento da pós- carga. Lembra-se do que ocorreu com o paciente da residente Lisa? Para ficar fácil entender, veja a imagem 5.3. Um outro mecanismo intrínseco do coração que altera a função cardíaca em resposta a alterações fisiológicas é o reflexo de Bainbridge, que aumenta a frequência cardíaca em resposta ao aumento do retorno venoso, a partir de sinais recebidos por baroceptores presentes nos átrios (3). Figura 5.3: Atenção a quantas informações interessantes essa imagem nos mostra. Cada curva representada no gráfico pertence a pacientes diferentes. Perceba que o paciente com insuficiência cardíaca consegue manejar menos volume que o paciente sem comorbidades de acordo com o aumento da pré-carga ou volume diastólico final. Perceba também, que em certo ponto, a curva tem um ponto de deflexão e, caso o volume diastólico final siga crescendo, o débito sistólico diminuirá ainda mais. 6. CONFERÊNCIAS Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo! CAPÍTULO 6 O Funcionamento Elétrico do Coração 1. CASO CLÍNICO Na cantina da Universidade, um dos seus colegas, Walter, se gaba porque finalmente aprendeu eletrocardiograma. Ele explicava para Patrícia e para Whindersson os conceitos da onda P, do complexo QRS e seu eixo elétrico e a onda T. O trio WPW, como era costumeiramente chamado, comia tapioca com ovo e ketchup. Durante sua apresentação informal, no entanto, Walter é informado pelo seu smart watch que a sua frequência cardíaca ultrapassou os 180 batimentos por minuto mesmo estando ele em repouso. Preocupado, ele pediu licença aos colegas e chamou você para ajudá-lo. Na palpação de pulso, você percebe que o ritmo está muito rápido, em torno de 180 por minuto, regular. Em uma rápida anamnese, Walter te fala que está se sentindo perfeito, que sequer percebeu que estava tão taquicárdico. Em meio aos seus intentos de levá-lo ao hospital, Walter, que permanecia assintomático, decidiu ingerir mais um pedaço de tapioca. E foi nesse momento que um milagre aconteceu: apesar de quase morrer engasgado, o pedaço de tapioca engolido sem boa mastigação conseguiu terminar subitamente com a arritmia. Os colegas que estavam assistindo a aula de Imunologia perderam a chance de presenciar um incrível momento de atuação do sistema nervoso autônomo na regulação dos batimentos cardíacos. 1. POSSÍVEIS PALAVRAS DESCONHECIDAS Imunologia: cadeira da faculdade onde se aprende que existem interleucinas. Arritmia: é o nome dado as alterações da frequência e/ou o ritmo dos batimentos cardíacos. Sendo assim, Esta pode ser caracterizada por ritmos acelerados (taquicardia), lentos (bradicardia) ou irregulares. 2. PALAVRAS-CHAVES “Arritmia” “Eletrocardiograma” “sistema nervoso autônomo” “regulação” 3. OBJETIVOS Compreender os mecanismos de regulação do sistema circulatório 2. O SISTEMA ELÉTRICO DO CORAÇÃO 1. INTRODUÇÃO E FUNÇÃO O ciclo cardíaco, abordado no capítulo anterior é mantido pelo próprio coração, porém a frequência com que este impulso é gerado é influenciado pelo sistema nervoso e por outros fatores. Por isso, é possível manter um coração extracorpóreo, em condições ideais, enquanto receber sangue oxigenado por uma máquina. Sendo assim, como o coração se “auto-estimula”? O coração possui um grupo especializado de células cardíacas que forma o sistema de geração e condução elétrico. O processo de geração do impulso elétrico é realizado, na maior parte das vezes, pelo nó sinusal (ou sinoatrial). A nível celular ocorrem mudanças nas concentrações iônicas que resultam na despolarização da membrana celular das suas células e essa perturbação iônica é propagada para as células adjacentes musculares, provocando a contração destas, e para o restante do sistema elétrico que irá transmitir esse estímulo para as demais regiões cardíacas. Como vimos, o coração funciona eletricamente como um sincício, ou seja, como uma única célula, uma vez que estimular uma célula muscular cardíaca irá resultar no estímulo das demais. Esta característica é fundamental, pois a propagação do estímulo elétrico, não pode ocorrer de forma aleatória. O coração precisa que as células das câmaras atuem sinergicamente para que sua função de contração seja executada. Por outro lado, como já abordado, é necessário que os átrios se contraiam antes dos ventrículos para que haja uma maior eficiência do ciclo cardíaco, logo a função isolante do esqueleto fibroso é importante. No entanto, é necessário que haja uma “brecha” comunicante para que o impulso alcance as câmeras inferiores e isto é realizado por um segmento específico do sistema elétrico que veremos adiante. Sendo assim, podemos afirmar que o sistema elétrico do coração é o responsável por organizar e manter a rotina de batimentos das câmaras cardíacas de maneira eficaz. 2. AS ESTRUTURAS E O TRAJETO DO IMPULSO ELÉTRICO O sistema elétrico é composto de células musculares cardíacas especializadas que formam nós (ou nodos) e feixes que possuem a capacidade de gerar o impulso (potencial de ação) e de conduzir o mesmo com uma maior velocidade. (vide Figura 6.1) Figura 6.1: Sistema de condução cardíaca (retirada do Berne). Todo o sistema elétrico cardíaco possui a capacidade de geração do impulso, porém cada estrutura imprime velocidades diferentes para executar o processo de geração de despolarização de membrana que detalharemos mais à frente. Deste modo, a estrutura que mais rápido conseguir executar todo o passo-a-passo necessário para que sua membrana tenha um salto em voltagem interrompe o mesmo processo que vinha ocorrendo nas demais células elétricas que estavam ainda tentando despolarizar-se, e estas passarão apenas a conduzir o impulso gerado. Por este motivo, em condições fisiológicas, o nó sinusal, que é localizado no teto do átrio direito, em sua parede posterolateral, é considerado o maestro do coração. Uma vez que o potencial de ação é gerado, este é transmitido pelo átrio direito por células miocárdicas atriais dispostas paralelamente e erroneamente chamadas de feixes internodais (espere até o fim deste parágrafo para compreender a razão do erro) em direção a outro nó na fronteira entre os átrios e os ventrículos que é o nó atrioventricular (carinhosamente chamado de nó AV). Concomitantemente a isso, o estímulo elétrico também atravessa o septo direito a partir do seu teto até o átrio esquerdo. Isso também se dá através de células miocárdicas atriais não especializadas e não insuladas, portanto, erroneamente chamadas de feixe de Bachmann - o melhor seria chamar esse local de “região” de Bachmann, por exemplo (1,2). Apesar de termos apontado o erro histórico, esse termo (“feixes”)é usado em qualquer livro texto de fisiologia e cardiologia e, por isso, trazemos para vocês. Porém, tenham em mente que não há diferenciação nestes trechos e por isso abordar como “região” seria mais apropriado. Nesta fase do ciclo cardíaco, a despolarização ocorre apenas nas células atriais. Como vimos no Capítulo 04, o esqueleto fibroso cardíaco é o responsável por isolar eletricamente as câmeras superiores das inferiores. Desta forma, a propagação do impulso atinge células transicionais (células que não possuem características histológicas de condução nem de contração), onde há reduzidas junções comunicantes, havendo, então, fisiologicamente, um atraso na condução do impulso nervoso, até chegar ao nó atrioventricular compacto, uma incrível estrutura localizada no triângulo de Koch (3), como vimos no capítulo 4. O nó AV compacto mergulha no esqueleto fibroso do coração e, na região do corpo fibroso central, as fibras do feixe de His nascem (esse sim um “feixe” de fato). Este feixe é importante na prática clínica porque, marca o início do território elétrico ventricular. Em um bloqueio de condução atrioventricular que não chegou a despolarizar o feixe de His, por exemplo, sabemos que o defeito está no tecido atrial ou no nó atrioventricular. Quando o bloqueio ocorreu depois do feixe de His, denominado “bloqueio infra- hissiano”, o problema não é mais o nó AV, e sim o tecido de condução ventricular, denotando maior gravidade. Além disso, neste ponto do sistema condutor, não há mais inervação autonômica, como veremos na última sessão deste capítulo. Ao adentrar no esqueleto fibroso rumo ao septo interventricular, o feixe de His se bifurca em sua porção bifurcante em ramo direito, mais fino e frágil, e ramo esquerdo, que chega a possuir 5-7 mm de diâmetro, pelo ventrículo direito e ventrículo esquerdo, respectivamente. O ramo esquerdo ainda se bifurca uma vez mais em fascículo ântero- superior, que terá suas fibras mais distais localizadas no músculo papilar anterior e o fascículo póstero-inferior, que terá suas fibras distais localizadas no músculo papilar posterior (4). Por fim, o impulso irá prosseguir pelas fibras de Purkinje, continuações desse sistema elétrico, até atingir as células que irão contrair os ventrículos. (Imagem 6.1) Na maioria das pessoas, o nó AV somente possui capacidade de condução anterógrada e retrógrada, seguindo do átrio para o ventrículo ou, se por desventura o ventrículo despolarizar-se primeiro, do ventrículo para o átrio – é o que chamamos de condução retrógrada. Em até 35% das pessoas, existe ainda o que chamamos de “dupla fisiologia nodal”, onde ocorre uma espécie de bifurcação do tecido nodal a nível de nó AV compacto, e estes dois circuitos convivendo lado-a-lado durante toda a vida podem levar a arritmias reentrantes: o estímulo elétrico sobe para o átrio por uma via, desce para o ventrículo pela outra. É a chamada taquicardia por reentrada pelo nó atrioventricular (5). Outra situação digna de nota é a presença de “atalhos” através do esqueleto fibroso, contendo fibras capazes de condução elétrica, “pulando” o atraso de condução fisiológico pelo nó AV. Se o impulso elétrico chega aos ventrículos antes do habitual atraso no nó AV, irá haver o que chamamos de pré- excitação ventricular, e o que três cardiologistas, Wolff, Parkinson e White descreveram em 1930 como a síndrome que leva seus nomes (6): a síndrome arritmogênica de Wolff- Parkinson-White, ou WPW. O trajeto nos ventrículos aumenta a eficiência da sístole ventricular. Isso porque, o estímulo contrátil chega primeiro às células do ápice cardíaco e, posteriormente, ascende pelas paredes. Desta forma, o ápice se contrai em direção a base do coração, onde se encontram as artérias que são os destinos do sangue acumulado nas câmaras inferiores. 3. O ELETROCARDIOGRAMA (ECG) A condução do estímulo elétrico pode ser registrada por um exame chamado eletrocardiograma (ECG). Um exame simples e barato, obrigatório em emergências. O exame registra traçados que, ao serem analisados, possibilitam identificar e intervir precocemente em patologias potencialmente fatais como o infarto agudo do miocárdio e arritmias. O funcionamento do aparelho é simples, vamos ver. O profissional responsável, algumas vezes o próprio médico, posiciona eletrodos que irão registrar as alterações elétricas a partir de um “ponto de vista” específico e tomado como convenção, portanto, já tenham em mente desde já que é importante posicionar sempre corretamente os eletrodos. O ECG funciona como se câmeras fossem posicionadas em volta do coração, como disse, em locais específicos e pré- determinados, e estas registram o trajeto do impulso elétrico, considerando se vetor desse impulso se aproximou ou se afastou de cada eletrodo. Neste momento você deve estar pensando: “ih, ele falou em vetor. Vou pular para a próxima sessão, não fiz Medicina para isso”. Calma, fica com a gente. Você vai entender. A atividade elétrica cardíaca gera uma diferença de potencial (voltagem) capaz de ser capturada pelo aparelho de eletrocardiograma. Para que haja uma diferença de potencial, é necessário, primeiro, que haja dois pontos. Então, uma derivação é uma câmera que registra a atividade em dois pontos. Se esse potencial está se despolarizando no sentido da câmera, então a seta do vetor apontará para ela, se está despolarizando no sentido contrário da seta, a câmera verá a cauda do vetor. Simples assim. O que complica um pouco é que você precisa somar os vetores vistos por todas as derivações e fazer uma média deles, mas somos legais e vamos te mostrar como fazer isso em instantes. Estas “câmeras” são denominadas derivações no ECG e são compostas sempre por dois polos (bipolares, portanto). As derivações dos membros, que chamamos de periféricas, registram a diferença de potencial dos próprios polos entre si e as derivações do precórdio, chamadas de derivações horizontais, registram a diferença de potencial do eletrodo no tórax até um ponto virtual localizado no centro do tórax criado matematicamente por três dos eletrodos periféricos. Como no caso das derivações dos membros, um vetor parte de um polo para outro, e no caso das derivações precordiais, o vetor parte deste polo virtual para o eletrodo no tórax, os livros didáticos erroneamente chamam os eletrodos periféricos como bipolares, e os precordiais como unipolares (7). Vamos repetir para que o leitor do Medicina Resumida nunca erre: todas as derivações do ECG são bipolares, só que as derivações horizontais usam um ponto virtual no centro do tórax como um dos polos. Willem Einthoven, nas duas primeiras décadas do século passado, desenvolveu um galvanômetro capaz de gravar potenciais elétricos cardíacos – o eletrocardiografo (isso lhe rendeu um prêmio Nobel em 1924). O triângulo de Einthoven foi, então, criado a partir dos eletrodos que ele posicionava nos membros: a derivação DI, por exemplo, grava o potencial de ação entre o braço direito e o braço esquerdo, DII entre o braço direito e a perna esquerda e DIII entre o braço esquerdo e a perna esquerda (8). Em 1934, Wilson, em uma genial jogada matemática, introduziu este tal ponto virtual no centro do tórax do qual já falamos, o “terminal central de Wilson”, mas ele foi inicialmente criado com o intuito de calcular a diferença de potencial do braço direito, por exemplo, até o centro do triângulo de Einthoven, o que foi chamado na época de VR (9). Por fim, em 1942, Goldberger, introduziu um aumento na sensibilidade destas últimas derivações, que agora teriam um “a” em frente a seus nomes, surgindo, então, aVR, aVF e aVL (10). Para entender a razão de eu ter falado isso tudo, introduzo agora o famoso “Círculo de Cabrera”, na imagem 6.2. Não deixe de ler a legenda. Figura 6.2: Em A, visualizamos o triângulo de Einthoven formado pela diferença de potencial entre braço direito e braço esquerdo (I), do braço direito até a perna esquerda (II) e do braço esquerdo até a perna esquerda (III). Em B, visualizamos a modificação realizada por Wilsona fim de criar mais três derivações: do braço direito até o terminal central (VR), do braço esquerdo até o terminal central (VL) e da perna esquerda até o terminal central (VF). Em C, o Círculo de Cabrera, em que estão contidas seis derivações juntas em suas porções positivas e negativas (adaptada de MacFarlane e José de Alencar). O ECG padrão conta com 12 derivações, sendo seis periféricas (DI, DII, DIII, aVR, aVF e AVL) e seis precordiais (V1, V2, V3, V4, V5 e V6). Cada uma delas vê o coração por um ponto de vista diferente: as derivações periféricas, por exemplo, enxergam se o estímulo elétrico vai para cima ou para baixo e para a esquerda ou para direita, mas não se anterior ou posteriormente; já as derivações precordiais enxergam se o estímulo vai para frente e para trás, para a esquerda e para a direita, mas não se superior ou inferiormente. Por isso, para avaliar um eletrocardiograma, o profissional experiente avalia as 12 derivações em conjunto. E em algumas situações clínicas, usamos até 24 derivações, ou até inventa-se alguma, como as derivações de Lewis ou Fontaine (11). 4. O REGISTRO ELÉTRICO DOS POTENCIAIS CARDÍACOS Se você revisar o círculo de Cabrera (Imagem 6.2, painel C) e visualizar o vetor cardíaco nesse círculo, observará que DII é uma derivação muito próxima ao eixo elétrico cardíaco normal. Por conta disto, esta é uma derivação de muita didática e será utilizada nos próximos parágrafos. As diferenças de potencial decorrentes da despolarização do átrio, do ventrículo e também pela repolarização ventricular serão capturadas pelas derivações que vimos anteriormente e formarão “ondas” no traçado do eletrocardiograma. Tenha em mente que tudo que se afasta da câmera será gravado como negativo, e tudo que vai de encontro à câmera será positivo no ECG. Vamos avaliar onda por onda. O impulso gerado pelo nó sinusal segue em direção ao nó AV despolarizando os átrios, ou seja, se aproximando da câmera de DII. Sendo assim, esta registra uma onda positiva (porque se aproxima de DII) e de pequena amplitude e duração (porque o átrio tem pouca força e massa, comparada ao ventrículo), que é a onda P. O nó AV atrasa o impulso e, como não há maiores áreas sendo despolarizadas, registra-se apenas uma linha reta que denominado de segmento PR. Após isto, o ventrículo iniciará sua despolarização. O que você vai ver nos próximos parágrafos também pode ser traduzido em vetores. A despolarização inicial do septo promove a despolarização em diversos sentidos, entretanto a resultante de todas as direções se afasta da filmadora em DII e este é o motivo da formação de uma onda negativa, chamada onda Q. Por definição: onda Q é uma onda negativa que se inscreve antes da onda R. Se a onda é negativa, então, o vetor se afasta de DII. As mudanças iônicas geradas pelo potencial de ação seguem, então, em direção ao ápice cardíaco pelos ramos direito e esquerdo, se aproximando intensamente da nossa câmera DII. O resultado é a grande onda R, por definição a onda positiva. Se é assim, esse vetor, o maior de todos, vai em direção a DII. Posteriormente, a ascensão pelas paredes livres dos ventrículos, se afastando novamente da câmera, forma a onda S, por definição, a onda negativa que vem depois da onda R, afastando-se de DII. Acabando assim de despolarizar os ventrículos. A soma dos vetores de Q + R + S é o vetor elétrico cardíaco, e deverá ser posicionado no Círculo de Cabrera para análise. Veremos no próximo bloco. Por fim, após a despolarização, as células retornam ao seu estado original, ou seja, se repolarizam. O resultado é o registro da onda T. Em resumo, a onda P é a despolarização dos átrios, ou seja, é quando eles recebem o estímulo da contração; o complexo QRS é a despolarização dos ventrículos e a onda T a repolarização dos ventrículos. A repolarização dos átrios ocorre concomitante à despolarização ventricular, que é um fenômeno mais intenso e, por isso, não é possível de identificar no ECG. É importante ter em mente que essas ondas possuem essa conformação descrita em DII e algumas outras derivações, mas não todas. Por exemplo, em aVR, que é praticamente oposta a DII (vide Círculo de Cabrera), o normal é termos uma P negativa, uma onda Q apenas (não sucedida de R ou S) e uma T negativa. 5. CÁLCULO DO EIXO ELÉTRICO CARDÍACO Agora que entendemos que o septo interventricular gera um vetor, as paredes livres outro vetor, e as porções basais dos ventrículos geram um terceiro vetor, e que o vetor final é a soma ou subtração deles, já conseguimos calcular o eixo elétrico cardíaco. O eixo elétrico cardíaco normal vai de -30º a + 90º (ou seja, de aVL a aVF). Se houver desvio desse eixo para um espaço entre - 30º e - 90º, chamamos de desvio superior do eixo. Se houver um desvio entre + 90º e + 180º, chamamos de desvio para a direita. Se o eixo for oposto ao normal, ou seja, entre - 90º e + 180º, então esse é um desvio do eixo para o quarto quadrante, ou “terra de ninguém”, como alguns livros trazem – por denotar graves cardiopatias. Veja o círculo de Cabrera adaptado na Imagem 6.3. Figura 6.3: Círculo de Cabrera mais uma vez representado, desta vez demonstrando os desvios de eixo e a ângulação normal do eixo elétrico cardíaco (adaptada de José Alencar). Para o cálculo do eixo cardíaco, um passo-a-passo será proposto: 1. Procure a derivação do plano horizontal em que a aparência global do complexo QRS esteja isodifásica (ou seja, os potenciais positivos são iguais aos negativos) – se encontrar algum, o QRS estará perpendicular a esta derivação. Ótimo, mas por se tratar de um círculo, perpendicular ainda pode significar dois ângulos diferentes. Por exemplo: perpendicular a 0º pode ser + 90º ou - 90º. Como vencer esse obstáculo. Vamos ao passo 2. 2. Veja qual derivação possui QRS de maior amplitude global. O vetor estará em cima desta derivação se o QRS for positivo ou a 180 graus dela (ou seja, oposta), caso o QRS seja negativo. 3. Se houver duas derivações empatando em primeiro lugar de amplitude, o eixo elétrico estará entre elas duas. Agora você sabe se o eixo elétrico está indo para baixo ou para cima, para direita ou para esquerda. À título de curiosidade, existe um exame chamado “vetorcardiograma” em que o médico experiente avalia o eixo elétrico cardíaco tridimensionalmente. Está em relativo desuso na prática clínica, mas os autores do capítulo são declarados entusiastas desse método. 6. GERAÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO Uma célula se encontra polarizada quando a carga iônica do meio intracelular difere da carga do meio extracelular (a essa diferença se dá o nome de potencial transmembrana). Essa diferença de cargas é mantida fisiologicamente por bombas e canais iônicos. As bombas iônicas, no contexto das células musculares cardíacas, são responsáveis por manter as concentrações de alguns íons mesmo contra o gradiente de concentração. Os canais iônicos presentes nas membranas das células cardíacas, em grande parte, são voltagem dependentes, ou seja, permanecem fechados até que seu potencial elétrico de abertura seja alcançado. A despolarização, que se inicia no nó sinoatrial e viaja pelo sincício das células elétricas até cada célula miocárdica, ocorre devido a mudanças nas concentrações iônicas a favor do gradiente de concentração que resulta na perda dessa diferença de potencial. A membrana de uma célula do nó sinusal possui canais de sódio, potássio e cálcio. Inicialmente, estas células se encontram com uma carga negativa em relação a concentração extracelular, ou seja, polarizada, com uma maior concentração de potássio no seu interior e uma maior concentração de sódio e cálcio externamente. Esta diferença de concentração se mantém pela impermeabilidade da membrana e pelo trabalho da bomba de Na+/K+ dependente de ATP. Entretanto, a automaticidade das células do nó sinusal se deve aos canais lentos de sódio que permitem uma entrada constante de sódio independente do potencial. A corrente gerada por esse canal é denominada IF, porque os cientistas que a descobriramacharam “funny” que um canal de sódio pudesse ser lento (12). Nerds. Pronto. Agora você já pode responder para o seu primo curioso por quê o coração tem o potencial de “bater” sozinho. Os canais funny são os responsáveis pela automaticidade do nó sinusal. Como veremos a seguir, o potencial de ação da célula muscular cardíaca não apresenta essa peculiaridade. Uma célula do nó sinusal em repouso possui um potencial de membrana de - 60 mV (por isso diz-se polarizada), devido a uma maior concentração de potássio no meio intracelular e uma maior concentração de sódio e de cálcio no meio extracelular (Imagem 6.4). Figura 6.4: O papel de correntes locais na propagação de onda de excitação ao longo da fibra cardíaca. Entra sódio lentamente (carga positiva), e o potencial de ação vai subindo até atingir – 40 mV. Quando o potencial alcança esse valor, os canais de cálcio dependentes de voltagem (ICaL) se abrem, permitindo assim um grande influxo de cálcio que eleva o potencial para valores positivos em torno de + 10 mV, ou seja, leva à despolarização da membrana (se você está atento, perceberá que o potencial de ação passou de polarizado negativo para polarizado positivo, mas convencionou-se chamar essa transformação em carga positiva de “despolarização” - não temos nada a ver com isso). Porém, ao se obter um potencial positivo, abrem-se os canais rápidos de potássio, que promovem a repolarização da membrana (ou seja, retornar para negativo). Por fim, as bombas de Na+/K+ e as bombas de Na+/Ca2+, ativamente, retomam às concentrações originais, expulsando o sódio e o cálcio, e recaptando o potássio. Devido à retomada das concentrações iniciais pelas bombas iônicas e pela entrada constante de sódio, esse será um ciclo que vai se repetir periodicamente. Aproximadamente, uma vez por segundo. Portanto, como é esse potencial de ação que irá se propagar e provocar as contrações musculares, o coração bate nessa frequência: uma vez por segundo, 60 batimentos por minuto. O potencial de ação em células automáticas é chamado de resposta lenta (Imagem 6.5-A) e a condução desse potencial nas demais células cardíacas é denominado de resposta rápida (Imagem 6.5-B). É sobre ela que vamos falar agora. Figura 6.5: Potenciais de ação em fibras cardíacas de resposta lenta (A) e rápida (B). PRR = periodo refratário relativo; PRE = período refratário efetivo (retirada do Berne). 7. CONDUÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO O estudo do mecanismo de condução das células musculares cardíacas utiliza dos mesmos íons da geração do impulso elétrico, porém, com diferentes ações e concentrações de canais iônicos. Além disso, a presença de estruturas que permitem a comunicação entre as células musculares cardíacas é fundamental: as junções comunicantes ou gap junctions formadas pelas conexinas. São elas as responsáveis pelas células musculares cardíacas agirem como um sincício. Outra estrutura que desempenha um papel importante no processo é o retículo sarcoplasmático. Nele existe canais de cálcio dependentes de voltagem que se abrem ao se alcançar determinada voltagem, liberando o cálcio armazenado em seu interior. Íon fundamental para o processo de contração muscular. Já falamos dele, lembra? Canais rianodine. A condução célula-a-célula do potencial de ação se inicia desde a mudança de potencial transmembrana. Uma parte dos íons de sódio e cálcio que entram na célula na fase de despolarização vão para as células adjacentes através das junções comunicantes e desencadeiam um novo processo. Lindo, não? O potencial de membrana das células musculares cardíacas é aproximadamente – 90 mV (mais negativo que das células automáticas). Ao ocorrer este influxo de íons pelas junções comunicantes, este potencial irá ser levemente positivado, o suficiente para abrir os canais de sódio rápido e desencadear um grande influxo de sódio. Consequentemente, a membrana irá se despolarizar bruscamente. Essa despolarização irá resultar na abertura dos outros dois canais (K+ e Ca2+). Porém, os canais de cálcio se abrem mais lentamente, resultando em uma ação mais gradual. Logo, a saída de potássio inicia a repolarização da célula, contudo, devido a entrada lenta de cálcio, irá se formar um breve equilíbrio na movimentação das cargas. Algo que é representado como um platô no gráfico 6.2. Essa entrada de cálcio também dispara a liberação do cálcio armazenado no retículo sarcoplasmático. Dessa forma, uma grande quantidade de cálcio se concentra no meio intracelular e irá participar do processo de contração muscular. Entretanto, não demora para os canais de cálcio se fecharem novamente, pois, com a leve queda do potencial durante o platô, a voltagem deixa de ser suficiente para mantê-los abertos. Consequentemente, a repolarização ocorre, pois apenas o potássio está saindo da célula. E aí, com todo esse cálcio no interior da célula, o que acontece? Ele se liga à troponina C, que por sua vez irá se ligar à tropomiosina e facilitar o acoplamento das moléculas de actina e miosina, levando à contração da célula. Concomitantemente a isso, uma parte dos íons sódio e cálcio já foram para as células adjacentes através das conexinas e estarão se contraindo logo em seguida. Deste modo, as milhões de células miocárdicas ventriculares despolarizam-se quase que instantaneamente. Nomeie um órgão mais bonito que esse e falhe miseravelmente. Por fim, as bombas dependentes de ATP irão restabelecer ativamente as concentrações basais, inclusive dentro do retículo sarcoplasmático (através da SERCA, lembra?). Cada fase da resposta rápida é nomeada: Fase 0: despolarização pelo sódio Fase 1: repolarização inicial causada pela saída exclusiva de potássio; Fase 2: o platô resultado do equilíbrio da movimentação do potássio e do cálcio; Fase 3: repolarização final pela saída majoritária de potássio; Fase 4: restauração das concentrações iônicas. 8. PERÍODO REFRATÁRIO (EFETIVO X RELATIVO) O período refratário é o período em que a célula ou está inviabilizada de sofrer nova despolarização ou necessita de um estímulo mais intenso para que esta ocorra. Considerando essas duas fases, o período refratário é dividido em período refratário efetivo (independente do potencial de membrana que seja estabelecido, os canais de sódio que já foram ativados não serão novamente disparados) e em período refratário relativo (os canais iônicos apenas serão reativados se ocorrer um potencial maior do que o exigido inicialmente). Estes períodos protegem a célula miocárdica de entrar em tetania, ou seja, que se mantenha contraída por mais tempo que o desejado, prejudicando a sua função. Então apenas ao alcançar a fase 4, os canais de sódio poderão ser novamente reativados pelos valores padrões. 3. REGULAÇÃO DA FORÇA E DA VELOCIDADE DE CONTRAÇÃO DO CORAÇÃO Além da automaticidade, como exposto anteriormente, o coração possui mecanismos de regulação. Estes podem ser classificados em intrínsecos e extrínsecos. 1. MECANISMOS INTRÍNSECOS Existem três mecanismos intrínsecos principais: o próprio sistema de condução do coração; o mecanismo de Frank- Starling estudado no capítulo 05 (“Dentro de limites fisiológicos, o coração bombeia todo o sangue que a ele retorna pelas veias”) e o terceiro mecanismo é o polipeptídeo natriurético atrial (BNP, sua sigla em inglês, pelo qual é mais conhecido). O BNP é sintetizado e secretado pelo miocárdio atrial com o estiramento das paredes atriais decorrente do aumento do retorno venoso. Como resposta a esse aumento do retorno venoso, o PNA estimula a diurese e a natriurese, ou seja, estimula a eliminação de água e sódio pela urina, com o intuito de reduzir a pressão arterial e o retorno venoso. 2. MECANISMOS EXTRÍNSECOS A regulação extrínseca é feita principalmente pelo sistema nervoso autônomo (SNA). O SNA simpático é originado no gânglio estrelado, onde estão localizados seus corpos celulares, e seus axônios chegam ao coração muito próximo da região onde correm os vasos epicárdicos (13). Já as fibras parassimpáticas se originam na medula espinhal emnervo vago direito e esquerdo. Estes se ramificam e se distribuem de maneira heterogênea, mas com intensa densidade nas regiões do nó sinusal e do nó atrioventricular, com pouca densidade nos ventrículos (14). É digno de nota que o feixe de His não recebe inervação autonômica, portanto, um bloqueio nesta região não será por efeito disautonômico. O principal neurotransmissor do SNA simpático é a norepinefrina. Essa substância tem ação nos receptores alfa e beta adrenérgicos, como já foi visto anteriormente. A norepinefrina e também a epinefrina agem através do agonismo de desses canais, ativando as proteínas Gs (G estimuladoras), fazendo com que uma molécula chamada adenil ciclase retire dois grupamentos fosfato da adenosina trifosfato (ATP) para formação da adenosina monofosfato cíclica (AMPc), o segundo mensageiro do SNA simpático (o primeiro era norepinefrina ou epinefrina), que por sua vez irá promover a ação da proteína kinase A (PKA), terceiro mensageiro, que tem como efeito principal a liberação e sensibilização de moléculas de cálcio. Mais cálcio: maior contração de musculatura lisa (Imagem 3.2). A saber, moléculas importantes que atuam nessa sensibilização são 1) fosfolambam, que aumenta a receptação do cálcio pelo retículo sarcoplasmático e, consequentemente, seu melhor relaxamento e velocidade de contração; 2) troponina I e canais de cálcio da membrana (15). Parece um Deja Vu, mas não é. Já falamos dessa cascata no capítulo 3, mas, naquele momento, falando sobre sua ação nos vasos. A cascata é a mesma. O produto final também: contração cardíaca e de vasos. O parágrafo anterior parece despropositado, mas é de suma importância no entendimento da contração cardíaca. Para se ter ideia, hoje sabemos que existe uma molécula chamada “beta-arrestina”, que é capaz de inibir a ação da proteína Gs, que é o primeiro passo da cascata, deixando o indivíduo irresponsivo ao sistema nervoso autônomo. Esse é um dos mecanismos fisiopatológicos da insuficiência cardíaca congestiva (16). O neurotransmissor do SNA parassimpático é a acetilcolina, que ativa receptores muscarínicos e nicotínicos pré- ganglionares, reduzindo os níveis de AMP cíclico, mantendo os canais de potássio abertos, deixando a célula hiperpolarizada e, portanto, de mais difícil despolarização, e resultando em um cronotropismo negativo, dromotropismo negativo e inotropismo negativo (17). Existem manobras vagais, ou seja, maneiras de se induzir uma resposta parassimpática em um indivíduo e, por exemplo, terminar sua arritmia. Uma das manobras vagais mais difundidas é a manobra de Valsalva, em que a expiração contra a glote fechada ou contra uma barreira qualquer acaba por causar o reflexo vagal(18). Lembra do caso do Wilson? A atuação desses dois sistemas é mútua, uma espécie de Yin-Yang. Além do sistema nervoso, o coração sofre influência de diversas substâncias, principalmente hormônios (vide Capítulo 03). 4. CONFERÊNCIAS Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo! Table of Contents Capa 1. Introdução ao Sistema Cardiovascular 2. Dinâmica dos Fluídos (hemodinâmica) 3. Regulação da Circulação e da Pressão Arterial 4. O Coração 5. O Funcionamento Mecânico do Coração 6. O Funcionamento Elétrico do Coração Capa 1. Introdução ao Sistema Cardiovascular 2. Dinâmica dos Fluídos (hemodinâmica) 3. Regulação da Circulação e da Pressão Arterial 4. O Coração 5. O Funcionamento Mecânico do Coração 6. O Funcionamento Elétrico do Coração