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CAPÍTULO 1
 Introdução ao Sistema
Cardiovascular
1. CASO CLÍNICO
Sr. Jorge, 58 anos, aposentado, comparece ao
atendimento acompanhado da sua neta para avaliação de
rotina. Ele nega queixas importantes e deseja passar por
uma avaliação geral. Nega possuir doenças crônicas e uso
de medicações contínuas.
Após questionamentos, informou apresentar episódios
frequentes de cefaleia em situações de estresse, como,
quando perde partidas seguidas de baralho para sua
esposa Marizete. Hábito de lazer dos fi nais de semana.
Questionado, então, sobre a alimentação da família, Sr.
Jorge informa que sua esposa e fi lho possuem “pressão
alta”, e que por isso tentam regular a ingesta de sal. Porém,
não há outras restrições alimentares e, frequentemente nos
fi nais de semana, eles comem feijoada, lasanha, pizza,
cachorro quente e comida japonesa, além de três a cinco
latas de cerveja. Quanto à pratica de exercícios físicos,
alegou fazer uma ou duas caminhadas de
aproximadamente 30 minutos durante a semana. Sobre seu
histórico familiar, informou que sua mãe, falecida aos 60
anos, também era hipertensa.
Ao exame físico se obteve uma circunferência abdominal
de 108 cm e uma pressão arterial sistêmica de 138 x 84
mmHg. Sem outras alterações dignas de nota.
Dr. Barros esclarece que tudo indica para a possibilidade
de Sr. Jorge ser também portador de hipertensão arterial
sistêmica, explicando que seus hábitos e esta alteração do
exame físico podem estar prejudicando a circulação nas
artérias e, consequentemente, o risco de isso acometimento
futuro da sua visão, dos rins, cérebro e até do coração.
Entretanto, alega que precisaria avaliá-lo daqui a um mês
para confi rmar essa hipótese. Enquanto isso, acorda com
Sr Jorge que ele e sua família mudariam imediatamente de
hábitos alimentares e que iniciariam uma prática regular de
caminhadas de pelo menos 30 minutos cinco vezes na
semana até o novo encontro.
Enzo, o neta do Sr. Jorge, até então calado, inicia uma
série de questionamentos destinados ao Dr. Barros: “O que
são artérias?”, “O que elas têm a ver com o coração de meu
avô?”.
Dr. Barros, surpreso com a curiosidade da moça, resolve
utilizar isso duplamente ao seu favor – “As artérias são
como tubos por onde o sangue circula pelo corpo de seu
avô. Se você ajudar seu avô a seguir o que acordamos, na
próxima consulta, ele(a) (apontando para você, acadêmico
de Medicina que estava sentado no canto do consultório
durante todo esse tempo) irá te explicar como funciona a
circulação com detalhes e te apresentar os tipos de vasos
que possuímos em nosso corpo. O que acha?” – E assim,
ele conseguiu uma parceira para cuidar da saúde de seu
paciente e ainda deu ao seu acadêmico aquela motivação
para os estudos que andava em falta. O que você acha que
precisa estudar para não decepcionar a Polyanna e o Dr.
Barros?
1. Possíveis palavras desconhecidas
“doença crônica”: Uma doença crônica, geralmente, se difere
de uma doença aguda pelo tempo de instalação, sendo a crônica
caracterizada por uma doença já estabelecida e a aguda por um
acometimento recente. O tempo que delimita a classificação
depende da doença.
“hipertensão arterial sistêmica”: Hipertensão, popularmente
chamada de “pressão alta”, é ter medidas de pressão arterial,
sistematicamente, igual ou maior que 130 por 80 mmHg (1), de
acordo com a última diretriz americana sobre o assunto.
2. Palavras-chaves
“Doenças crônicas”, “dores de cabeça”, “pressão alta”,
“hábitos alimentares”, “exercícios físicos”,
“circunferência abdominal”, “pressão arterial
sistêmica”, “hipertensão”, “mãe falecida aos 60 anos”,
“circulação”, “artérias”, “vasos”, “coração”.
3. OBJETIVOS
Descrever o sistema circulatório e suas
funções • Caracterizar os tipos de vasos
sanguíneos
Caracterizar os tipos de vasos sanguíneos
2. INTRODUÇÃO AO SISTEMA
CIRCULATÓRIO
1. DEFINIÇÕES, COMPOSIÇÃO E FUNÇÕES
Desde o início dos estudos na biologia, aprende-se que
o corpo humano é composto por unidades denominadas
de células. Mais adiante, ao decorrer dos anos colegiais,
aprofundam-se os conhecimentos a respeito dos
processos metabólicos que ocorrem nestas unidades,
desde a produção de energia (ATP) até a sua utilização
nos mais diversos mecanismos celulares. Sendo assim,
passamos a visualizar as células como “microfábricas”
que necessitam de recursos para seu funcionamento: o
oxigênio que inspiramos em nossos pulmões e os
nutrientes extraídos da nossa alimentação através do
sistema digestório. Além disso, as células precisam
expulsar os resíduos dos processos metabólicos, como o
dióxido de carbono (CO2). Em resumo, assim como uma
fábrica, para as células se faz necessária uma extensa
rede de transporte para fornecer recursos e extrair
resíduos. Em outras palavras, existem estruturas que
carregam até as células o que lhes é necessário e trazem
delas o que se tornou inútil para a eliminação. Apresento-
lhe o sistema circulatório.
O sistema circulatório é uma grande rede de tubos (os
vasos) em que uma bomba (o coração) faz com que o
fluído do sistema (o sangue) circule por todo o corpo.
Entretanto, o sistema não se limita apenas à função de
transporte. Ele também tem a função de redistribuir e
dispersar o calor pelo corpo, algo que não é difícil de
compreender se você lembrar um pouco da física. O
sangue circulante absorve o calor produzido nos
processos metabólicos e durante o seu trajeto, redistribui
este calor que foi armazenado para as zonas mais frias.
Já a dissipação fica por conta dos vasos periféricos que
trocam calor com o ambiente. E é por isso que algumas
pessoas de pele muito clara ficam mais vermelhas em
locais quentes, pois o corpo está direcionando o sangue
para a superfície, objetivando dissipar o excesso de calor.
Por outro lado, pensando em um ambiente frio, são suas
extremidades que ficam mais frias e perdem mais a cor,
pois o corpo está direcionando o sangue para o interior do
corpo. Estratégia para preservar o calor que está
produzindo no metabolismo.
Para realizar tais funções, o sistema circulatório engloba
dois sistemas: o sistema cardiovascular e o sistema
linfático. O primeiro tem o papel principal na circulação, ao
passo que o sistema linfático possui uma participação
mais coadjuvante, como veremos nos dois próximos
parágrafos.
O sistema cardiovascular é composto pelo coração e
pelos vasos sanguíneos: as artérias, as veias e os capilares.
O coração, através de suas contrações, irá proporcionar o
movimento do sangue através das artérias, que são vasos
eferentes ou vasos de saída – isto é, as artérias têm, na
sua ponta proximal o coração ou outra artéria que saiu do
coração e seguem em direção a um leito capilar que já
abordaremos adiante.
O sangue apresentará fluxo unidirecional neste circuito
devido a basicamente dois mecanismos: o fechamento
das válvulas cardíacas (Capítulo 04) e o funcionamento
das válvulas venosas, que ainda abordaremos neste
capítulo. Por conseguinte, a partir do coração, o sangue,
ejetado pela artéria aorta, alcançará, através de seus
ramos, todo o corpo. Como um tronco de uma árvore, a
artéria aorta se ramifica e essas ramificações vão
aumentando em quantidade e diminuindo em diâmetro até
chegar aos leitos capilares, tão difundidos pelo corpo que
pode chegar a uma extensão de 96000 km. Esses
capilares possuem fenestrações (aberturas ou buracos)
que servirão para transbordar parte do seu conteúdo no
espaço intersticial (espaço entre células) onde ocorrerá
troca direta de oxigênio, nutrientes e excretas. Ainda nos
leitos capilares, a maior parte do conteúdo, agora pobre
em oxigênio e nutrientes, é reabsorvido e segue pelas
veias, ao mesmo tempo que o conteúdo restante é
absorvido pelos vasos linfáticos que desembocam
posteriormente em veias de maior calibre. O sangue então
seguirá pelas veias, vasos aferentes ou de chegada - isto
é, as veias sempre possuem na sua ponta distal uma
outra veia ou o coração e surgiram de um leito capilar. E
inversamente às artérias, as veias se convergem até se
tornarem cada vez maiores e, finalmente, retornarao
coração, fechando o circuito (Figura 1.1).
E quanto ao sistema linfático? Seus vasos,
estruturalmente muito simples, compostos apenas por
uma camada de endotélio e por uma lâmina basal
incompleta, formam uma rede de drenagem alternativa ao
líquido intersticial para que retorne ao sistema venoso
(Figura 1.2). Cerca de 10% do líquido intersticial segue
esta rota, em detrimento da rota venosa clássica – ainda
bem, porque esta rota constitui a única possível para
trazer de volta as proteínas que foram lançadas ao
interstício e, se não fosse por esse mecanismo, as
proteínas se acumulariam, trariam consigo água (pressão
oncótica que veremos no próximo capítulo) e todos
viveríamos com edema periférico (inchaço por líquido).
Neste caminho, a linfa (nome que se dá ao líquido
presente no sistema linfático), irá banhar linfonodos,
tonsilas, baço e convergir até dois grandes troncos: o
ducto torácico (à esquerda) e o ducto linfático direito, que
desembocarão na junção das veias jugular interna
esquerda com subclávia esquerda e na confluência das
veias jugular interna direita com veia subclávia direita,
respectivamente (Figura 1.3).
Figura 1.1: Visão geral do sistema circulatório. Do
coração, no centro da imagem, saem as artérias que se
dividem em artérias menores, arteríolas e capilares, onde
há extravasamento de sangue para o espaço intersticial e
troca nutrientes e excretas, retornando para a circulação
venosa (azul) em vênulas, depois veias menores que
convergem até formar as grandes veias que retornam ao
coração. Uma via alternativa pode ser tomada: a
circulação linfática (verde) coleta linfa do interstício, passa
por nodos linfáticos e retorna para a circulação venosa em
grandes veias próximas ao coração.
Figura 1.2: Circulação linfática torácica (retirada do
Netter).
Figura 1.3: Figura esquemática mostrando o espaço
intersticial rondado por capilares arteriais, venosos e
linfáticos.
Esse trajeto (coração -> leitos capilares sistêmicos ->
coração), parte inferior da Figura 1.1, é denominado
Circulação Sistêmica ou Grande Circulação. O sangue
que retorna ao coração será agora enviado aos pulmões
pela artéria pulmonar para uma nova oxigenação,
retornando pelas veias pulmonares ao coração, quando se
reinicia o ciclo. Este trajeto (coração -> leitos capilares
pulmonares -> coração), parte superior da Figura 1.1, é
denominado Circulação Pulmonar ou Pequena Circulação.
Portanto, se considerarmos a circulação pulmonar,
podemos verificar que as definições de artéria e veia, não
guardam relação com os níveis de oxigenação do sangue
presente em um ou outro vaso, e sim, se este vaso está
levando sangue do coração para os demais órgãos
(artérias) ou se está trazendo sangue dos órgãos de volta
ao coração (veias). Afinal os vasos que desembocarão o
sangue oxigenado ao coração são as veias pulmonares.
Você prestou atenção que escrevemos no parágrafo
anterior? Desliga esse celular, vamos repetir para você: o
que define se um vaso é artéria ou veia não é a
oxigenação do sangue nele presente, muito menos a cor
com que desenharam no livro de anatomia. O dado que
realmente importa nessa definição é: a artéria sai do
coração em direção aos órgãos, e a veia volta dos órgãos
em direção o coração.
Agora que você entendeu, sem querer dificultar, você
precisa saber que existe uma exceção a essa regra: a
circulação “porta”. Neste caso, o sangue flui de uma veia
para outro órgão, antes de retornar ao coração. Um
exemplo clássico disso é demonstrado na circulação do
fígado: 75% do sangue que entra neste órgão é
proveniente da veia porta hepática que coletou o sangue
do baço, estômago, vesícula, pâncreas e, principalmente,
o intestino (2). Calma, isso não precisa ser decorado. O
importante é entender a razão de existir essa exceção:
uma das grandes funções do fígado é desintoxicar o
corpo. Sendo assim, ele atua como um “porteiro” e
“lixeiro”, recebendo o sangue contaminado destas regiões
e eliminando as substâncias nocivas, antes que elas
cheguem ao coração e ganhem acesso irrestrito a todos
os órgãos do corpo (imagine a quantidade de lixo que
entrou na sua circulação após aquela feijoada pós-prova
no fim do semestre e imagine se não existisse o fígado
para te proteger disso).
Agora que os conceitos mais básicos foram
apresentados, você é capaz de entender como
dividiremos nosso estudo. Em um primeiro momento,
focaremos nas vias do sistema, os vasos sanguíneos,
quando abordaremos a tríade básica: anatomia, histologia
e fisiologia de uma forma integrada. Em um segundo
momento, passaremos para a bomba, o coração,
novamente utilizando a tríade na mesma metodologia.
Desta forma, ao final do livro, você terá sido apresentado
aos principais tópicos do sistema de uma forma gradual e
associada, facilitando a sua compreensão.
3. ARTÉRIAS, VEIAS E CAPILARES
Se a gente pudesse ligar todos os vasos sanguíneos de
nosso corpo em uma única linha, o comprimento desta linha
seria duas vezes a circunferência do nosso planeta terra. E
por que isso é importante? Essa informação, além de te
fazer perder a dimensão restrita que pode ter sido criada de
alguns poucos tubos ligando o coração aos demais órgãos,
instiga a curiosidade de saber como algo tão extenso ocupa
o interior de nosso corpo.
A resposta para esse possível enigma são as variadas
dimensões dos vasos. Assim como dividimos os vasos
sanguíneos a depender da direção de seu fluxo, podemos
dividi-los em subtipos a depender de suas dimensões e
características histológicas.
Quanto às dimensões, os diâmetros dos vasos variam
desde aproximadamente 40 mm (3 cm2 de área transversa)
de uma artéria aorta a capilares invisíveis a olho nu. Por
isso, outra forma de divisão possível do sistema
cardiovascular é em macrocirculação, que engloba os vasos
que possuem mais de 0,1mm em diâmetro, e
microcirculação que abrange os vasos menores que 0,1mm
em diâmetro.
Em relação às características histológicas, sabemos que
os capilares são formados por uma única camada
endotelial, enquanto as artérias e veias possuem três
camadas principais, como podemos ver na Figura 1.4.
Estas camadas possuem características gerais e alguns
detalhes específicos que diferenciam cada subtipo. Estas
camadas histológicas nos vasos sanguíneos são chamadas
de túnicas: a túnica íntima, a túnica média e a túnica
adventícia.
Figura 1.4: Corte demonstrando camadas das artérias e
veias.
1. AS CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS
TÚNICAS
Dentre as três camadas dos vasos, a mais interna é
denominada túnica íntima. Esta reveste o interior do vaso
sanguíneo e é constituída por uma única camada de
células endoteliais pavimentosas, o que chamamos nos
vasos sanguíneos de endotélio. Essas células se ancoram
em uma fina lâmina de transição para o tecido conjuntivo
que denominamos de lâmina basal. Posteriormente,
temos um tecido conjuntivo frouxo, que chamamos de
camada subendotelial, onde podem estar presentes
também células musculares lisas dispostas
longitudinalmente. Por fim, temos uma fina camada
limitante que chamamos de lâmina elástica interna que
separa a túnica íntima da túnica média.
O que a túnica íntima possui de simplicidade estrutural,
possui de complexidade funcional, e todas essas
fascinantes funções que você lerá nos tópicos abaixo só
foram descritas a partir do ano de 1980(3). As células
endoteliais, as grandes estrelas da histologia circulatória e
mais fascinantes também, desenvolvem papel crucial na
troca de substâncias
Secreção de colágeno dos tipos II, IV e V;
Secreção de substâncias pró-coagulantes,
como Fator de von Willebrand, PAI-1, fator V
ativado e também de substâncias anti-
coagulantes como prostaciclinas, tPA e
heparinas. Isso tem importância crucial na
manutenção da sua vida: quando a secreção
de substâncias pró-coagulantes é mais ativada,
corrige pequenos danos à sua circulação. Ao
passo que quando um homem sofre um infarto
agudo do miocárdio (oclusão total de uma
artéria que irriga o coração), as substâncias
anti-coagulantes teoricamente devem estar
mais ativadas, para reduzir o danocausado e
tentar “abrir” essa artéria(4);
Secreção de fatores vasoativos, ou seja, têm a
capacidade de diminuir ou aumentar o diâmetro
do vaso, aumentando a pressão em seu interior
e redirecionando seu fluxo. Essas substâncias
são responsáveis pelo controle da pressão
arterial e a disfunção delas está quase
invariavelmente presente nos choques
hemodinâmicos. São elas: (1) o óxido nítrico
(ON ou NO), com suas propriedades
endoteliais descobertas em 1980 e cuja
pesquisa rendeu ao seu autor o prêmio Nobel
da Fisiologia e Medicina em 1988. O ON possui
propriedades vasodilatadoras, anti-
inflamatórias e anti-coagulantes (5,6); (2) a
endotelina, descoberta em 1988(7), uma
substância vasoconstrictora potente, ou seja,
capaz de reduzir o diâmetro do vaso;
Possuem enzimas ligadas à membrana, como
a enzima conversora de angiotensina, que
converte angiotensina I em angiotensina II
(também um vasoconstrictor), que também terá
papel fundamental na regulação da pressão
arterial.;
Conversão de bradicinina, serotonina,
prostaglandinas, norepinefrina e trombina.
Todas essas substâncias com capacidade de
regular o fluxo sanguíneo por causar
vasoconstricção ou vasodilatação serão melhor
detalhadas no capítulo 3.
Realizam lipólise de lipoproteínas para
transformá-las em triglicerídios e colesterol.
Quanto à túnica média, esta é, geralmente, a camada
mais espessa dos vasos. Ela é composta por camadas
concêntricas de células musculares lisas organizadas
helicoidalmente, circundada por uma matriz extracelular
composta de fibras elásticas e reticulares, além de
proteoglicanos e glicoproteínas. Limitando a túnica média
podemos encontrar a lâmina elástica externa. Ela é
semelhante à lâmina elástica interna, porém mais delgada
e podemos encontra-la apenas nas artérias,
principalmente em um subtipo que são as artérias
musculares, como veremos adiante.
A túnica adventícia é a camada de revestimento dos
vasos e torna-se gradualmente contínua com o tecido
conjuntivo pelo qual o vaso está passando. Ela é
composta, principalmente, por fibroblastos, fibras de
colágeno tipo I e fibras elásticas dispostas
longitudinalmente. A túnica adventícia possui fenestrações
que permitem a nutrição da porção mais interna da túnica
média por difusão dos nutrientes do sangue circulante.
Afinal, as células dos vasos sanguíneos também
precisarão receber os recursos necessários para seu
metabolismo e, por isso, em grandes vasos, existe a
presença de vasa vasorum (“vasos dos vasos”). São
arteríolas e vênulas muito pequenas que penetram pela
túnica mais externa (adventícia) e nutrem esta camada e a
camada média. Porções em que a difusão dos nutrientes
do sangue circulante não alcança. (Figura 1.5)
Figura 1.5: Vasa Vasorum (retirada de Junqueira).
A maior parte dos vasos sanguíneos é provida por uma
rede de fibras não mielinizadas de inervação simpática,
através do neurotransmissor norepinefrina. Tendo em
mente que essas fibras não penetram na túnica média dos
vasos, a norepinefrina precisa se difundir por alguns
micrômetros até atingir esta camada, e faz isto através de
junções intercelulares. A inervação parassimpática
também existe, liberando acetilcolina e levando células
endoteliais a produzir ON. Em veias, as terminações
nervosas chegam a uma profundidade maior, alcançando
a túnica adventícia, mas com uma densidade menor. A
importância do sistema nervoso autônomo, este que é
dividido em simpático e parassimpático e que citamos
nesse parágrafo que você quase pulou, será mais
detalhada no capítulo 6.
Resumindo a ópera, nas artérias e nas veias sempre
teremos uma fina camada de revestimento interno, a
túnica íntima; seguida de uma camada
predominantemente muscular, a túnica média; terminando
em uma cada de tecido conjuntivo, a túnica adventícia.
Portanto, o que vai diferenciar os vasos serão a espessura
destas camadas e os diferenciais da composição, o que
refletirá diretamente na função de cada tipo de vaso como
veremos a partir de agora.
Releia este último parágrafo lentamente antes de passar
para a próxima sessão.
2. AS ARTÉRIAS
As artérias podem ser dividas nas grandes artérias
elásticas, nas artérias musculares médias e nas arteríolas.
Elas irão aparecer na circulação nessa exata ordem de
ramificações e uma vez que você entenda as suas
funções, mais facilmente lembrará das suas
características.
As grandes artérias elásticas são as primeiras a receber o
sangue impulsionado pelo coração e são denominadas de
artérias condutoras. Para o entendimento completo da sua
função, o conceito de energia potencial elástica da física
será importante.
O ventrículo esquerdo ejeta uma determinada
quantidade de sangue de aproximadamente 95 ml em
cada batimento. Essa contração impulsiona o sangue
adiante no circuito através da principal artéria elástica da
circulação sistêmica, que é a artéria aorta.
Hipoteticamente, se as artérias fossem um tubo rígido,
quando chegasse o momento do fim da impulsão
fornecida pela contração cardíaca, haveria uma redução
brusca no fluxo sanguíneo, inclusive com breves
momentos de estagnação. Porém, o que ocorre é que
parte dessa força de impulsão é armazenada como
energia elástica pelo estiramento das paredes artérias
elásticas: é o chamado Efeito Windkessel (8). Sendo
assim, quando ocorre a redução da impulsão no período
de relaxamento cardíaco, essa energia latente acumulada
novamente se transforma em uma força de impulsão para
o sangue, enquanto as paredes das artérias retornam
para as suas conformações originais. Ou seja, a função
das grandes artérias elásticas é a de estabilizar o fluxo
sanguíneo e garantir que o fluxo permaneça contínuo
(Figura 1.6).
Figura 1.6: Efeito Windkessel. A complacência do vaso faz
com que, na diástole, a artéria se contraia, gerando
pressão arterial diastólica e fluxo sanguíneo (retirada de
Berne e Levy).
São artérias elásticas a artéria aorta e seus principais
ramos: o tronco braquiocefálico, as carótidas comuns, as
subclávias e as ilíacas comuns. Também são elásticas a
artéria pulmonar e as artérias pulmonares.
São as grandes quantidades de fibras elásticas e
elastina em suas camadas que possibilitam essa maior
complacência desta categoria. A túnica média das artérias
elásticas possui por volta de 40 membranas elásticas no
recém-nascido e continua aumento ao longo da vida,
chegando a mais de 70 membranas em um indivíduo
adulto.
Em seguida, temos as artérias musculares ou médias.
Devido à sua função de regular o direcionamento do fluxo
sanguíneo, determinando onde chegará mais ou menos
sangue através da vasodilatação e da vasoconstrição,
respectivamente, possuem função de artérias
distribuidoras. Esta função é possível devido a possuírem
até 40 camadas de feixes musculares lisos que permitem
a redução do lúmen do vaso através da sua contração.
Desta forma, o nosso organismo realiza vasoconstrição
nas regiões onde não há necessidade de um maior aporte
sanguíneo, direcionando o sangue para as demais
regiões. O que é fundamental, por exemplo, para
situações de emergências, como uma hemorragia de
grande volume. Pois, o corpo consegue direcionar o
sangue restante para os órgãos mais importantes, como o
coração e o cérebro.
Uma característica que auxilia na diferenciação nos
cortes histológicos das artérias musculares das grandes
artérias elásticas, além da cada média espessa, é a
lâmina elástica interna proeminente como poderá ver em
seu atlas histológico. Além disso, a sua túnica intima é
mais delgada do que nas artérias elásticas, porém não é
uma característica que ressalta facilmente aos olhos.
Desta classificação fazem parte as demais artérias
nominadas que não fizeram parte da categoria das
artérias elásticas. Ou seja, com exceção das artérias
citadas anteriormente (os grandes ramos da artéria aorta,
artéria tronco pulmonar e as artérias pulmonares) que são
artérias elásticas, qualquer outra artéria que é identificada
por um nome, por ter calibre e/ou função de extrema
relevância, você pode ter certeza que é uma artéria
muscular: artérias braquiais, artérias renais,artérias
femorais, etc.
Por fim, temos a última categoria: as arteríolas. Como
estamos seguindo o caminho lógico da ramificação, é
dedutível que estas são as menores artérias. Por isso, só
podem ser vistas quando ampliadas. Elas possuem a
função de resistência e, consequentemente, reduzem a
velocidade do fluxo para que sejam possíveis as trocas
nos leitos capilares com maior eficiência através de uma
ou duas camadas de feixes musculares lisos. Inclusive, os
livros tradicionais de fisiologia trazem o conceito de meta-
arteríolas. Estas nada mais são que arteríolas pré-
capilares que, através da contração de sua musculatura
lisa, determinam uma resistância ao fluxo sanguíneo de
maneira semelhante às artérias musculares, auxiliando no
controle do fluxo para o leito capilar e determinando
quando chegará mais ou menos aporte sanguíneo na
microcirculação. Apesar de não estar citado nos livros de
fisiologia da graduação, hoje sabemos que este
mecanismo parece estar presente apenas na circulação
mesentérica (9) – vide detalhes no capítulo 3.
3. OS CAPILARES
Os capilares são vasos extremamente simples se
comparados às artérias e veias. Eles são formados
basicamente por um endotélio apoiado e envolto por uma
lâmina basal. Em alguns locais ao longo dos capilares, o
endotélio pode ser envolto por pericitos, células que
possuem uma lâmina basal própria que se funde com a
lâmina basal do endotélio.
Essa simplicidade é necessária para que ocorra o
extravasamento de substâncias do leito capilar para o
espaço intersticial. Por isso, a parede de um capilar é tão
fina que é formada apenas por uma a três camadas de
células, tendo, portanto, uma luz de apenas 4 a 8mm de
diâmetro. O lúmen é tão estreito que geralmente permite
apenas a passagem de células sanguíneas isoladas, por
vezes necessitando de considerável deformação, algo que
apenas é possível pela ausência de núcleo das hemácias.
Quanto aos pericitos, estas são células que envolvem os
capilares e também as vênulas pós-capilares com seus
longos prolongamentos, possuem duas funções
aparentes: a recuperação em caso de lesões, pois elas se
diferenciam para formar células endoteliais ou células
musculares lisas e talvez função contrátil, sugerida devido
a presença de miosina, actina e tropomiosina em
abundância em sua composição.
Os capilares, por sua vez, são divididos em três tipos
com características, funções e localizações distintas.
Vamos falar deles agora. O primeiro tipo são os capilares
contínuos ou somáticos. Eles são caracterizados pela
ausência de fenestras, ou seja, orifícios em sua parede.
Eles estão presentes nos tecidos musculares, nos tecidos
conjuntivos, nas glândulas exócrinas e no tecido nervoso.
Em alguns lugares desses tecidos, com exceção do tecido
nervoso, eles possuem vesículas pinocíticas que são
responsáveis pelo transporte de macromoléculas pela
parede já que não possuem fenestras.
O segundo tipo são os capilares fenestrados ou viscerais.
Estes são caracterizados por possuírem fenestras nas
paredes que podem ou não ser obstruídas por um
diafragma mais fino que uma membrana celular. Quando
possuem diafragma, são característicos de locais onde
ocorre um intercâmbio intenso entre o tecido e o sangue,
como é o caso dos rins, intestinos e glândulas endócrinas.
Quando são destituídos de diafragma, o sangue só é
separado dos tecidos pela lâmina basal. Este tipo está
presente apenas no glomérulo renal. Algumas referências
consideram este tipo específico (desprovido de diafragma)
como um quarto tipo de capilar.
A última categoria são os capilares sinusóides. Esta
categoria está presente no fígado e em órgãos
hemocitopoiéticos como a medula óssea e o baço. Eles
possuem um trajeto tortuoso e um diâmetro maior do que
os demais tipos de capilares, o que irá resultar na redução
da velocidade do fluxo sanguíneo (esta afirmação pode
não fazer sentido agora, mas fará quando você ler o
capítulo 2). Além disso, as células endoteliais são
descontínuas, assim como a lâmina basal. Tais
características permitem o contato direto do sangue com
os tecidos. Portanto, o sangue irá extravasar
massivamente ao passar pelos sinusoides, permitindo, por
exemplo, o metabolismo hepático de substâncias
presentes no sangue, assim como a hemocaterese
(destruição das hemácias) no baço.
4. AS VEIAS
Focando apenas na circulação sistêmica, o sangue sai
do coração rico em oxigênio, segue pelas artérias até os
capilares, onde realiza o primeiro objetivo: a entrega de
recursos para as células. Os próximos passos, então, são
a drenagem dos resíduos do processo metabólico e o
seguimento pela circulação venosa, onde grande parte
destes resíduos serão metabolizados no fígado, o CO2
será eliminado na circulação pulmonar e os demais
resíduos eliminados na urina e nas fezes. Este processo
de extravasamento e drenagem no leito capilar será
esmiuçado no Capítulo 02.
As veias estão presentes em maior número em nosso
corpo, possuem paredes mais finas e, geralmente,
possuem maior diâmetro que as artérias correspondentes,
portanto, possuem a função potencial de reservatório de
sangue, chegando a conter mais de 70% do sangue
circulante. Além disso, devido ao fato de as veias
possuírem uma quantidade muito inferior de feixes
musculares e pressões menores do que as artérias,
usualmente, elas não possuem pulso. O que justifica a
diferença do comportamento de um sangramento arterial,
que ocorre em jatos intermitentes e concordantes com o
pulso, e de uma hemorragia venosa, que ocorre em com
um fluxo contínuo e lento, “babando”, como costumamos
falar.
Este fluxo lentificado, quando oriundo de estruturas
inferiores ao coração tende a um refluxo, por ocorrer
contra a força da gravidade. Porém, como foi adiantado no
início do capítulo, as válvulas venosas impedem o
movimento contrário e garantem, com o auxílio das
bombas venosas (exploradas adiante), um fluxo
unidirecional.
As válvulas venosas são dobras da túnica íntima,
compostas de tecido conjuntivo rico em fibras elásticas,
revestidas em ambos os lados por endotélio, em forma de
meia lua que se projetam para o interior da veia. Elas
estão mais presentes em veias em que o sangue precisa
enfrentar a força da gravidade para retornar ao coração,
como as veias dos membros inferiores. Essas válvulas se
abrem apenas para um lado, portanto, se houver tentativa
de refluxo elas se fecham e quando o sangue flui na
direção correta, elas se abrem.
As veias, seguindo o mesmo padrão, também serão
divididas em três categoriais com características e
funções próprias. Sendo assim, logo após o leito capilar,
teremos as vênulas que, irão confluir na formação das
veias médias que, por fim, irão convergir até formação das
grandes veias, como as veias cava superior e inferior.
As vênulas pós-capilares são também chamadas de
vênulas pericíticas. Elas são formadas apenas por uma
camada de células endoteliais, envoltas de pericitos como
já vimos. Porém, diferente dos capilares, existem vênulas
um pouco maiores que possuem algumas células
musculares lisas ao invés de pericitos em sua parede para
realizar a função contrátil.
As veias possuem uma íntima bem desenvolvida, porém
é a túnica adventícia a mais espessa e bem desenvolvida.
Esta que frequentemente possui feixes longitudinais de
músculo liso.
As veias, em grande parte, acompanham artérias em seu
trajeto. Por isso, os nomes das veias usualmente recebem
o mesmo nome da artéria que acompanham (exemplos:
veia femoral, veia subclávia...), porém existem exceções
como: as veias cavas (superior e inferior), a veia cefálica,
a veia basílica e as veias safenas magna e parva.
4. OUTROS CONCEITOS IMPORTANTES
1. ANASTOMOSES E CIRCULAÇÃO
COLATERAL
Uma anastomose é uma comunicação entre os vasos
sanguíneos que pode criar uma circulação colateral ou
uma rota alternativa para a circulação do sangue. Estas
podem ser classificadas em quatro tipos:
Anastomose término-terminal: quando duas
artérias se comunicam diretamente.
Anastomose por convergência: quando duas
artérias convergem e se fundem.
Anastomosetransversa: quando um pequeno
vaso arterial liga duas artérias
transversalmente.
Anastomose arteriovenosa: quando há uma
conexão direta entre as menores artérias e
veias. Estas são importantes para conservação
do calor corporal.
2. ARTERIOGÊNESE E ANGIOGÊNESE
A arteriogênese é definida como o desenvolvimento de
fluxo através de artérias colaterais derivadas de
anastomoses arterio-arteriais pré-existentes. Isto ocorre
em processos de obstrução parcial ou total que resultam
no aumento da pressão na região, forçando a ampliação
do diâmetro de vasos pré-existentes, permitindo, desta
forma, a passagem de sangue por uma rota alternativa.
A angiogênese é o processo de formação de pequenos
novos vasos como capilares, resultado de um estímulo
isquêmico. Ou seja, o organismo ao passar por momentos
em que os vasos existentes não são suficientes, estimula
a criação de uma circulação colateral. Porém, ambos os
processos necessitam de tempo para ocorrer com
eficiência (10).
A diferença entre ambos os mecanismos está disposta
na Figura 1.7
Figura 1.7: Arteriogênese (A) é a indução de fluxo através
de artérias colaterais previamente existentes através do
gradiente de pressão gerado pela ausência de fluxo em
uma das artérias. Angiogênese (B) é o crescimento de
capilares a partir de vasos existentes, processo
geralmente engatilhado por hipóxia (retirada da referência
6).
3. BOMBAS VENOSAS
Existem três bombas que irão auxiliar no retorno venoso:
a bomba arteriovenosa, a bomba musculovenosa e a
bomba respiratória.
A bomba arteriovenosa é possível devido a uma bainha
vascular relativamente rígida que circunda as veias
acompanhantes de uma determinada artéria. Sendo
assim, quando a artéria se expande com a chegada de um
pulso, ela comprime as veias nessa bainha, ordenhando
desta forma o sangue no interior das veias em direção ao
coração devido ao direcionamento das válvulas venosas.
A bomba musculovenosa vai possuir o mesmo objetivo
da bomba anterior, porém a ordenha das veias será
realizada a partir da contração muscular das
extremidades, principalmente dos membros inferiores. Por
isso, alguns autores se referem as panturrilhas como
corações secundários. Este é o motivo de se colocar um
paciente acamado para caminhar assim que possível. As
contrações musculares na caminhada irão auxiliar o
retorno venoso, além de evitar úlceras por pressão.
A bomba respiratória se utiliza da pressão negativa
criada durante a expansão torácica na inspiração. O
racional disso é que todo sistema de pressão desloca o
fluído de onde há mais pressão para as regiões com
menores pressões, logo a diminuição da pressão da caixa
torácica, auxilia a “sugar” o sangue para a região,
consequentemente, facilitando o deslocamento do sangue
em direção ao coração.
Quadro 1.1: Arteriosclerose e aterosclerose
A arteriosclerose é o processo de enrijecimento das
artérias resultado da perda de elastina com o
envelhecimento do indivíduo. Sendo assim, ocorre
uma progressiva perda da capacidade de se acumular
energia nas grandes artérias elásticas (perda do Efeito
Windkessel), assim como influencia diretamente no
aumento da pressão arterial sistólica e sua pressão de
pulso.
A aterosclerose é um processo complexo de formação
de um trombo, resultado de um processo inflamatório
iniciado pelo acúmulo de colesterol com posterior
agregação de componentes sanguíneos nas artérias.
Este processo pode vir a gerar uma obstrução parcial
ou total no vaso, suspendendo o suprimento de
recursos para os tecidos da região. Caso este
processo permaneça, o tecido pode vir a necrosar, ou
seja, morte tecidual.
5. CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os
assuntos abordados nesse capítulo!
 CAPÍTULO 1
 Introdução ao Sistema
Cardiovascular
1. CASO CLÍNICO
Sr. Jorge, 58 anos, aposentado, comparece ao
atendimento acompanhado da sua neta para avaliação de
rotina. Ele nega queixas importantes e deseja passar por
uma avaliação geral. Nega possuir doenças crônicas e uso
de medicações contínuas.
Após questionamentos, informou apresentar episódios
frequentes de cefaleia em situações de estresse, como,
quando perde partidas seguidas de baralho para sua
esposa Marizete. Hábito de lazer dos fi nais de semana.
Questionado, então, sobre a alimentação da família, Sr.
Jorge informa que sua esposa e fi lho possuem “pressão
alta”, e que por isso tentam regular a ingesta de sal. Porém,
não há outras restrições alimentares e, frequentemente nos
fi nais de semana, eles comem feijoada, lasanha, pizza,
cachorro quente e comida japonesa, além de três a cinco
latas de cerveja. Quanto à pratica de exercícios físicos,
alegou fazer uma ou duas caminhadas de
aproximadamente 30 minutos durante a semana. Sobre seu
histórico familiar, informou que sua mãe, falecida aos 60
anos, também era hipertensa.
Ao exame físico se obteve uma circunferência abdominal
de 108 cm e uma pressão arterial sistêmica de 138 x 84
mmHg. Sem outras alterações dignas de nota.
Dr. Barros esclarece que tudo indica para a possibilidade
de Sr. Jorge ser também portador de hipertensão arterial
sistêmica, explicando que seus hábitos e esta alteração do
exame físico podem estar prejudicando a circulação nas
artérias e, consequentemente, o risco de isso acometimento
futuro da sua visão, dos rins, cérebro e até do coração.
Entretanto, alega que precisaria avaliá-lo daqui a um mês
para confi rmar essa hipótese. Enquanto isso, acorda com
Sr Jorge que ele e sua família mudariam imediatamente de
hábitos alimentares e que iniciariam uma prática regular de
caminhadas de pelo menos 30 minutos cinco vezes na
semana até o novo encontro.
Enzo, o neta do Sr. Jorge, até então calado, inicia uma
série de questionamentos destinados ao Dr. Barros: “O que
são artérias?”, “O que elas têm a ver com o coração de meu
avô?”.
Dr. Barros, surpreso com a curiosidade da moça, resolve
utilizar isso duplamente ao seu favor – “As artérias são
como tubos por onde o sangue circula pelo corpo de seu
avô. Se você ajudar seu avô a seguir o que acordamos, na
próxima consulta, ele(a) (apontando para você, acadêmico
de Medicina que estava sentado no canto do consultório
durante todo esse tempo) irá te explicar como funciona a
circulação com detalhes e te apresentar os tipos de vasos
que possuímos em nosso corpo. O que acha?” – E assim,
ele conseguiu uma parceira para cuidar da saúde de seu
paciente e ainda deu ao seu acadêmico aquela motivação
para os estudos que andava em falta. O que você acha que
precisa estudar para não decepcionar a Polyanna e o Dr.
Barros?
1. Possíveis palavras desconhecidas
“doença crônica”: Uma doença crônica, geralmente, se difere
de uma doença aguda pelo tempo de instalação, sendo a crônica
caracterizada por uma doença já estabelecida e a aguda por um
acometimento recente. O tempo que delimita a classificação
depende da doença.
“hipertensão arterial sistêmica”: Hipertensão, popularmente
chamada de “pressão alta”, é ter medidas de pressão arterial,
sistematicamente, igual ou maior que 130 por 80 mmHg (1), de
acordo com a última diretriz americana sobre o assunto.
2. Palavras-chaves
“Doenças crônicas”, “dores de cabeça”, “pressão alta”,
“hábitos alimentares”, “exercícios físicos”,
“circunferência abdominal”, “pressão arterial
sistêmica”, “hipertensão”, “mãe falecida aos 60 anos”,
“circulação”, “artérias”, “vasos”, “coração”.
3. OBJETIVOS
Descrever o sistema circulatório e suas
funções • Caracterizar os tipos de vasos
sanguíneos
Caracterizar os tipos de vasos sanguíneos
2. INTRODUÇÃO AO SISTEMA
CIRCULATÓRIO
1. DEFINIÇÕES, COMPOSIÇÃO E FUNÇÕES
Desde o início dos estudos na biologia, aprende-se que
o corpo humano é composto por unidades denominadas
de células. Mais adiante, ao decorrer dos anos colegiais,
aprofundam-se os conhecimentos a respeito dos
processos metabólicos que ocorrem nestas unidades,
desde a produção de energia (ATP) até a sua utilização
nos mais diversos mecanismos celulares. Sendo assim,
passamos a visualizar as células como “microfábricas”
que necessitamde recursos para seu funcionamento: o
oxigênio que inspiramos em nossos pulmões e os
nutrientes extraídos da nossa alimentação através do
sistema digestório. Além disso, as células precisam
expulsar os resíduos dos processos metabólicos, como o
dióxido de carbono (CO2). Em resumo, assim como uma
fábrica, para as células se faz necessária uma extensa
rede de transporte para fornecer recursos e extrair
resíduos. Em outras palavras, existem estruturas que
carregam até as células o que lhes é necessário e trazem
delas o que se tornou inútil para a eliminação. Apresento-
lhe o sistema circulatório.
O sistema circulatório é uma grande rede de tubos (os
vasos) em que uma bomba (o coração) faz com que o
fluído do sistema (o sangue) circule por todo o corpo.
Entretanto, o sistema não se limita apenas à função de
transporte. Ele também tem a função de redistribuir e
dispersar o calor pelo corpo, algo que não é difícil de
compreender se você lembrar um pouco da física. O
sangue circulante absorve o calor produzido nos
processos metabólicos e durante o seu trajeto, redistribui
este calor que foi armazenado para as zonas mais frias.
Já a dissipação fica por conta dos vasos periféricos que
trocam calor com o ambiente. E é por isso que algumas
pessoas de pele muito clara ficam mais vermelhas em
locais quentes, pois o corpo está direcionando o sangue
para a superfície, objetivando dissipar o excesso de calor.
Por outro lado, pensando em um ambiente frio, são suas
extremidades que ficam mais frias e perdem mais a cor,
pois o corpo está direcionando o sangue para o interior do
corpo. Estratégia para preservar o calor que está
produzindo no metabolismo.
Para realizar tais funções, o sistema circulatório engloba
dois sistemas: o sistema cardiovascular e o sistema
linfático. O primeiro tem o papel principal na circulação, ao
passo que o sistema linfático possui uma participação
mais coadjuvante, como veremos nos dois próximos
parágrafos.
O sistema cardiovascular é composto pelo coração e
pelos vasos sanguíneos: as artérias, as veias e os capilares.
O coração, através de suas contrações, irá proporcionar o
movimento do sangue através das artérias, que são vasos
eferentes ou vasos de saída – isto é, as artérias têm, na
sua ponta proximal o coração ou outra artéria que saiu do
coração e seguem em direção a um leito capilar que já
abordaremos adiante.
O sangue apresentará fluxo unidirecional neste circuito
devido a basicamente dois mecanismos: o fechamento
das válvulas cardíacas (Capítulo 04) e o funcionamento
das válvulas venosas, que ainda abordaremos neste
capítulo. Por conseguinte, a partir do coração, o sangue,
ejetado pela artéria aorta, alcançará, através de seus
ramos, todo o corpo. Como um tronco de uma árvore, a
artéria aorta se ramifica e essas ramificações vão
aumentando em quantidade e diminuindo em diâmetro até
chegar aos leitos capilares, tão difundidos pelo corpo que
pode chegar a uma extensão de 96000 km. Esses
capilares possuem fenestrações (aberturas ou buracos)
que servirão para transbordar parte do seu conteúdo no
espaço intersticial (espaço entre células) onde ocorrerá
troca direta de oxigênio, nutrientes e excretas. Ainda nos
leitos capilares, a maior parte do conteúdo, agora pobre
em oxigênio e nutrientes, é reabsorvido e segue pelas
veias, ao mesmo tempo que o conteúdo restante é
absorvido pelos vasos linfáticos que desembocam
posteriormente em veias de maior calibre. O sangue então
seguirá pelas veias, vasos aferentes ou de chegada - isto
é, as veias sempre possuem na sua ponta distal uma
outra veia ou o coração e surgiram de um leito capilar. E
inversamente às artérias, as veias se convergem até se
tornarem cada vez maiores e, finalmente, retornar ao
coração, fechando o circuito (Figura 1.1).
E quanto ao sistema linfático? Seus vasos,
estruturalmente muito simples, compostos apenas por
uma camada de endotélio e por uma lâmina basal
incompleta, formam uma rede de drenagem alternativa ao
líquido intersticial para que retorne ao sistema venoso
(Figura 1.2). Cerca de 10% do líquido intersticial segue
esta rota, em detrimento da rota venosa clássica – ainda
bem, porque esta rota constitui a única possível para
trazer de volta as proteínas que foram lançadas ao
interstício e, se não fosse por esse mecanismo, as
proteínas se acumulariam, trariam consigo água (pressão
oncótica que veremos no próximo capítulo) e todos
viveríamos com edema periférico (inchaço por líquido).
Neste caminho, a linfa (nome que se dá ao líquido
presente no sistema linfático), irá banhar linfonodos,
tonsilas, baço e convergir até dois grandes troncos: o
ducto torácico (à esquerda) e o ducto linfático direito, que
desembocarão na junção das veias jugular interna
esquerda com subclávia esquerda e na confluência das
veias jugular interna direita com veia subclávia direita,
respectivamente (Figura 1.3).
Figura 1.1: Visão geral do sistema circulatório. Do
coração, no centro da imagem, saem as artérias que se
dividem em artérias menores, arteríolas e capilares, onde
há extravasamento de sangue para o espaço intersticial e
troca nutrientes e excretas, retornando para a circulação
venosa (azul) em vênulas, depois veias menores que
convergem até formar as grandes veias que retornam ao
coração. Uma via alternativa pode ser tomada: a
circulação linfática (verde) coleta linfa do interstício, passa
por nodos linfáticos e retorna para a circulação venosa em
grandes veias próximas ao coração.
Figura 1.2: Circulação linfática torácica (retirada do
Netter).
Figura 1.3: Figura esquemática mostrando o espaço
intersticial rondado por capilares arteriais, venosos e
linfáticos.
Esse trajeto (coração -> leitos capilares sistêmicos ->
coração), parte inferior da Figura 1.1, é denominado
Circulação Sistêmica ou Grande Circulação. O sangue
que retorna ao coração será agora enviado aos pulmões
pela artéria pulmonar para uma nova oxigenação,
retornando pelas veias pulmonares ao coração, quando se
reinicia o ciclo. Este trajeto (coração -> leitos capilares
pulmonares -> coração), parte superior da Figura 1.1, é
denominado Circulação Pulmonar ou Pequena Circulação.
Portanto, se considerarmos a circulação pulmonar,
podemos verificar que as definições de artéria e veia, não
guardam relação com os níveis de oxigenação do sangue
presente em um ou outro vaso, e sim, se este vaso está
levando sangue do coração para os demais órgãos
(artérias) ou se está trazendo sangue dos órgãos de volta
ao coração (veias). Afinal os vasos que desembocarão o
sangue oxigenado ao coração são as veias pulmonares.
Você prestou atenção que escrevemos no parágrafo
anterior? Desliga esse celular, vamos repetir para você: o
que define se um vaso é artéria ou veia não é a
oxigenação do sangue nele presente, muito menos a cor
com que desenharam no livro de anatomia. O dado que
realmente importa nessa definição é: a artéria sai do
coração em direção aos órgãos, e a veia volta dos órgãos
em direção o coração.
Agora que você entendeu, sem querer dificultar, você
precisa saber que existe uma exceção a essa regra: a
circulação “porta”. Neste caso, o sangue flui de uma veia
para outro órgão, antes de retornar ao coração. Um
exemplo clássico disso é demonstrado na circulação do
fígado: 75% do sangue que entra neste órgão é
proveniente da veia porta hepática que coletou o sangue
do baço, estômago, vesícula, pâncreas e, principalmente,
o intestino (2). Calma, isso não precisa ser decorado. O
importante é entender a razão de existir essa exceção:
uma das grandes funções do fígado é desintoxicar o
corpo. Sendo assim, ele atua como um “porteiro” e
“lixeiro”, recebendo o sangue contaminado destas regiões
e eliminando as substâncias nocivas, antes que elas
cheguem ao coração e ganhem acesso irrestrito a todos
os órgãos do corpo (imagine a quantidade de lixo que
entrou na sua circulação após aquela feijoada pós-prova
no fim do semestre e imagine se não existisse o fígado
para te proteger disso).
Agora que os conceitos mais básicos foram
apresentados, você é capaz deentender como
dividiremos nosso estudo. Em um primeiro momento,
focaremos nas vias do sistema, os vasos sanguíneos,
quando abordaremos a tríade básica: anatomia, histologia
e fisiologia de uma forma integrada. Em um segundo
momento, passaremos para a bomba, o coração,
novamente utilizando a tríade na mesma metodologia.
Desta forma, ao final do livro, você terá sido apresentado
aos principais tópicos do sistema de uma forma gradual e
associada, facilitando a sua compreensão.
3. ARTÉRIAS, VEIAS E CAPILARES
Se a gente pudesse ligar todos os vasos sanguíneos de
nosso corpo em uma única linha, o comprimento desta linha
seria duas vezes a circunferência do nosso planeta terra. E
por que isso é importante? Essa informação, além de te
fazer perder a dimensão restrita que pode ter sido criada de
alguns poucos tubos ligando o coração aos demais órgãos,
instiga a curiosidade de saber como algo tão extenso ocupa
o interior de nosso corpo.
A resposta para esse possível enigma são as variadas
dimensões dos vasos. Assim como dividimos os vasos
sanguíneos a depender da direção de seu fluxo, podemos
dividi-los em subtipos a depender de suas dimensões e
características histológicas.
Quanto às dimensões, os diâmetros dos vasos variam
desde aproximadamente 40 mm (3 cm2 de área transversa)
de uma artéria aorta a capilares invisíveis a olho nu. Por
isso, outra forma de divisão possível do sistema
cardiovascular é em macrocirculação, que engloba os vasos
que possuem mais de 0,1mm em diâmetro, e
microcirculação que abrange os vasos menores que 0,1mm
em diâmetro.
Em relação às características histológicas, sabemos que
os capilares são formados por uma única camada
endotelial, enquanto as artérias e veias possuem três
camadas principais, como podemos ver na Figura 1.4.
Estas camadas possuem características gerais e alguns
detalhes específicos que diferenciam cada subtipo. Estas
camadas histológicas nos vasos sanguíneos são chamadas
de túnicas: a túnica íntima, a túnica média e a túnica
adventícia.
Figura 1.4: Corte demonstrando camadas das artérias e
veias.
1. AS CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS
TÚNICAS
Dentre as três camadas dos vasos, a mais interna é
denominada túnica íntima. Esta reveste o interior do vaso
sanguíneo e é constituída por uma única camada de
células endoteliais pavimentosas, o que chamamos nos
vasos sanguíneos de endotélio. Essas células se ancoram
em uma fina lâmina de transição para o tecido conjuntivo
que denominamos de lâmina basal. Posteriormente,
temos um tecido conjuntivo frouxo, que chamamos de
camada subendotelial, onde podem estar presentes
também células musculares lisas dispostas
longitudinalmente. Por fim, temos uma fina camada
limitante que chamamos de lâmina elástica interna que
separa a túnica íntima da túnica média.
O que a túnica íntima possui de simplicidade estrutural,
possui de complexidade funcional, e todas essas
fascinantes funções que você lerá nos tópicos abaixo só
foram descritas a partir do ano de 1980(3). As células
endoteliais, as grandes estrelas da histologia circulatória e
mais fascinantes também, desenvolvem papel crucial na
troca de substâncias
Secreção de colágeno dos tipos II, IV e V;
Secreção de substâncias pró-coagulantes,
como Fator de von Willebrand, PAI-1, fator V
ativado e também de substâncias anti-
coagulantes como prostaciclinas, tPA e
heparinas. Isso tem importância crucial na
manutenção da sua vida: quando a secreção
de substâncias pró-coagulantes é mais ativada,
corrige pequenos danos à sua circulação. Ao
passo que quando um homem sofre um infarto
agudo do miocárdio (oclusão total de uma
artéria que irriga o coração), as substâncias
anti-coagulantes teoricamente devem estar
mais ativadas, para reduzir o dano causado e
tentar “abrir” essa artéria(4);
Secreção de fatores vasoativos, ou seja, têm a
capacidade de diminuir ou aumentar o diâmetro
do vaso, aumentando a pressão em seu interior
e redirecionando seu fluxo. Essas substâncias
são responsáveis pelo controle da pressão
arterial e a disfunção delas está quase
invariavelmente presente nos choques
hemodinâmicos. São elas: (1) o óxido nítrico
(ON ou NO), com suas propriedades
endoteliais descobertas em 1980 e cuja
pesquisa rendeu ao seu autor o prêmio Nobel
da Fisiologia e Medicina em 1988. O ON possui
propriedades vasodilatadoras, anti-
inflamatórias e anti-coagulantes (5,6); (2) a
endotelina, descoberta em 1988(7), uma
substância vasoconstrictora potente, ou seja,
capaz de reduzir o diâmetro do vaso;
Possuem enzimas ligadas à membrana, como
a enzima conversora de angiotensina, que
converte angiotensina I em angiotensina II
(também um vasoconstrictor), que também terá
papel fundamental na regulação da pressão
arterial.;
Conversão de bradicinina, serotonina,
prostaglandinas, norepinefrina e trombina.
Todas essas substâncias com capacidade de
regular o fluxo sanguíneo por causar
vasoconstricção ou vasodilatação serão melhor
detalhadas no capítulo 3.
Realizam lipólise de lipoproteínas para
transformá-las em triglicerídios e colesterol.
Quanto à túnica média, esta é, geralmente, a camada
mais espessa dos vasos. Ela é composta por camadas
concêntricas de células musculares lisas organizadas
helicoidalmente, circundada por uma matriz extracelular
composta de fibras elásticas e reticulares, além de
proteoglicanos e glicoproteínas. Limitando a túnica média
podemos encontrar a lâmina elástica externa. Ela é
semelhante à lâmina elástica interna, porém mais delgada
e podemos encontra-la apenas nas artérias,
principalmente em um subtipo que são as artérias
musculares, como veremos adiante.
A túnica adventícia é a camada de revestimento dos
vasos e torna-se gradualmente contínua com o tecido
conjuntivo pelo qual o vaso está passando. Ela é
composta, principalmente, por fibroblastos, fibras de
colágeno tipo I e fibras elásticas dispostas
longitudinalmente. A túnica adventícia possui fenestrações
que permitem a nutrição da porção mais interna da túnica
média por difusão dos nutrientes do sangue circulante.
Afinal, as células dos vasos sanguíneos também
precisarão receber os recursos necessários para seu
metabolismo e, por isso, em grandes vasos, existe a
presença de vasa vasorum (“vasos dos vasos”). São
arteríolas e vênulas muito pequenas que penetram pela
túnica mais externa (adventícia) e nutrem esta camada e a
camada média. Porções em que a difusão dos nutrientes
do sangue circulante não alcança. (Figura 1.5)
Figura 1.5: Vasa Vasorum (retirada de Junqueira).
A maior parte dos vasos sanguíneos é provida por uma
rede de fibras não mielinizadas de inervação simpática,
através do neurotransmissor norepinefrina. Tendo em
mente que essas fibras não penetram na túnica média dos
vasos, a norepinefrina precisa se difundir por alguns
micrômetros até atingir esta camada, e faz isto através de
junções intercelulares. A inervação parassimpática
também existe, liberando acetilcolina e levando células
endoteliais a produzir ON. Em veias, as terminações
nervosas chegam a uma profundidade maior, alcançando
a túnica adventícia, mas com uma densidade menor. A
importância do sistema nervoso autônomo, este que é
dividido em simpático e parassimpático e que citamos
nesse parágrafo que você quase pulou, será mais
detalhada no capítulo 6.
Resumindo a ópera, nas artérias e nas veias sempre
teremos uma fina camada de revestimento interno, a
túnica íntima; seguida de uma camada
predominantemente muscular, a túnica média; terminando
em uma cada de tecido conjuntivo, a túnica adventícia.
Portanto, o que vai diferenciar os vasos serão a espessura
destas camadas e os diferenciais da composição, o que
refletirá diretamente na função de cada tipo de vaso como
veremos a partir de agora.
Releia este último parágrafo lentamente antes de passar
para a próxima sessão.
2. AS ARTÉRIAS
As artérias podem ser dividas nas grandes artérias
elásticas, nas artérias musculares médias e nas arteríolas.
Elas irão aparecer na circulação nessa exata ordem de
ramificações e uma vez que você entenda as suas
funções, mais facilmente lembrarádas suas
características.
As grandes artérias elásticas são as primeiras a receber o
sangue impulsionado pelo coração e são denominadas de
artérias condutoras. Para o entendimento completo da sua
função, o conceito de energia potencial elástica da física
será importante.
O ventrículo esquerdo ejeta uma determinada
quantidade de sangue de aproximadamente 95 ml em
cada batimento. Essa contração impulsiona o sangue
adiante no circuito através da principal artéria elástica da
circulação sistêmica, que é a artéria aorta.
Hipoteticamente, se as artérias fossem um tubo rígido,
quando chegasse o momento do fim da impulsão
fornecida pela contração cardíaca, haveria uma redução
brusca no fluxo sanguíneo, inclusive com breves
momentos de estagnação. Porém, o que ocorre é que
parte dessa força de impulsão é armazenada como
energia elástica pelo estiramento das paredes artérias
elásticas: é o chamado Efeito Windkessel (8). Sendo
assim, quando ocorre a redução da impulsão no período
de relaxamento cardíaco, essa energia latente acumulada
novamente se transforma em uma força de impulsão para
o sangue, enquanto as paredes das artérias retornam
para as suas conformações originais. Ou seja, a função
das grandes artérias elásticas é a de estabilizar o fluxo
sanguíneo e garantir que o fluxo permaneça contínuo
(Figura 1.6).
Figura 1.6: Efeito Windkessel. A complacência do vaso faz
com que, na diástole, a artéria se contraia, gerando
pressão arterial diastólica e fluxo sanguíneo (retirada de
Berne e Levy).
São artérias elásticas a artéria aorta e seus principais
ramos: o tronco braquiocefálico, as carótidas comuns, as
subclávias e as ilíacas comuns. Também são elásticas a
artéria pulmonar e as artérias pulmonares.
São as grandes quantidades de fibras elásticas e
elastina em suas camadas que possibilitam essa maior
complacência desta categoria. A túnica média das artérias
elásticas possui por volta de 40 membranas elásticas no
recém-nascido e continua aumento ao longo da vida,
chegando a mais de 70 membranas em um indivíduo
adulto.
Em seguida, temos as artérias musculares ou médias.
Devido à sua função de regular o direcionamento do fluxo
sanguíneo, determinando onde chegará mais ou menos
sangue através da vasodilatação e da vasoconstrição,
respectivamente, possuem função de artérias
distribuidoras. Esta função é possível devido a possuírem
até 40 camadas de feixes musculares lisos que permitem
a redução do lúmen do vaso através da sua contração.
Desta forma, o nosso organismo realiza vasoconstrição
nas regiões onde não há necessidade de um maior aporte
sanguíneo, direcionando o sangue para as demais
regiões. O que é fundamental, por exemplo, para
situações de emergências, como uma hemorragia de
grande volume. Pois, o corpo consegue direcionar o
sangue restante para os órgãos mais importantes, como o
coração e o cérebro.
Uma característica que auxilia na diferenciação nos
cortes histológicos das artérias musculares das grandes
artérias elásticas, além da cada média espessa, é a
lâmina elástica interna proeminente como poderá ver em
seu atlas histológico. Além disso, a sua túnica intima é
mais delgada do que nas artérias elásticas, porém não é
uma característica que ressalta facilmente aos olhos.
Desta classificação fazem parte as demais artérias
nominadas que não fizeram parte da categoria das
artérias elásticas. Ou seja, com exceção das artérias
citadas anteriormente (os grandes ramos da artéria aorta,
artéria tronco pulmonar e as artérias pulmonares) que são
artérias elásticas, qualquer outra artéria que é identificada
por um nome, por ter calibre e/ou função de extrema
relevância, você pode ter certeza que é uma artéria
muscular: artérias braquiais, artérias renais, artérias
femorais, etc.
Por fim, temos a última categoria: as arteríolas. Como
estamos seguindo o caminho lógico da ramificação, é
dedutível que estas são as menores artérias. Por isso, só
podem ser vistas quando ampliadas. Elas possuem a
função de resistência e, consequentemente, reduzem a
velocidade do fluxo para que sejam possíveis as trocas
nos leitos capilares com maior eficiência através de uma
ou duas camadas de feixes musculares lisos. Inclusive, os
livros tradicionais de fisiologia trazem o conceito de meta-
arteríolas. Estas nada mais são que arteríolas pré-
capilares que, através da contração de sua musculatura
lisa, determinam uma resistância ao fluxo sanguíneo de
maneira semelhante às artérias musculares, auxiliando no
controle do fluxo para o leito capilar e determinando
quando chegará mais ou menos aporte sanguíneo na
microcirculação. Apesar de não estar citado nos livros de
fisiologia da graduação, hoje sabemos que este
mecanismo parece estar presente apenas na circulação
mesentérica (9) – vide detalhes no capítulo 3.
3. OS CAPILARES
Os capilares são vasos extremamente simples se
comparados às artérias e veias. Eles são formados
basicamente por um endotélio apoiado e envolto por uma
lâmina basal. Em alguns locais ao longo dos capilares, o
endotélio pode ser envolto por pericitos, células que
possuem uma lâmina basal própria que se funde com a
lâmina basal do endotélio.
Essa simplicidade é necessária para que ocorra o
extravasamento de substâncias do leito capilar para o
espaço intersticial. Por isso, a parede de um capilar é tão
fina que é formada apenas por uma a três camadas de
células, tendo, portanto, uma luz de apenas 4 a 8mm de
diâmetro. O lúmen é tão estreito que geralmente permite
apenas a passagem de células sanguíneas isoladas, por
vezes necessitando de considerável deformação, algo que
apenas é possível pela ausência de núcleo das hemácias.
Quanto aos pericitos, estas são células que envolvem os
capilares e também as vênulas pós-capilares com seus
longos prolongamentos, possuem duas funções
aparentes: a recuperação em caso de lesões, pois elas se
diferenciam para formar células endoteliais ou células
musculares lisas e talvez função contrátil, sugerida devido
a presença de miosina, actina e tropomiosina em
abundância em sua composição.
Os capilares, por sua vez, são divididos em três tipos
com características, funções e localizações distintas.
Vamos falar deles agora. O primeiro tipo são os capilares
contínuos ou somáticos. Eles são caracterizados pela
ausência de fenestras, ou seja, orifícios em sua parede.
Eles estão presentes nos tecidos musculares, nos tecidos
conjuntivos, nas glândulas exócrinas e no tecido nervoso.
Em alguns lugares desses tecidos, com exceção do tecido
nervoso, eles possuem vesículas pinocíticas que são
responsáveis pelo transporte de macromoléculas pela
parede já que não possuem fenestras.
O segundo tipo são os capilares fenestrados ou viscerais.
Estes são caracterizados por possuírem fenestras nas
paredes que podem ou não ser obstruídas por um
diafragma mais fino que uma membrana celular. Quando
possuem diafragma, são característicos de locais onde
ocorre um intercâmbio intenso entre o tecido e o sangue,
como é o caso dos rins, intestinos e glândulas endócrinas.
Quando são destituídos de diafragma, o sangue só é
separado dos tecidos pela lâmina basal. Este tipo está
presente apenas no glomérulo renal. Algumas referências
consideram este tipo específico (desprovido de diafragma)
como um quarto tipo de capilar.
A última categoria são os capilares sinusóides. Esta
categoria está presente no fígado e em órgãos
hemocitopoiéticos como a medula óssea e o baço. Eles
possuem um trajeto tortuoso e um diâmetro maior do que
os demais tipos de capilares, o que irá resultar na redução
da velocidade do fluxo sanguíneo (esta afirmação pode
não fazer sentido agora, mas fará quando você ler o
capítulo 2). Além disso, as células endoteliais são
descontínuas, assim como a lâmina basal. Tais
características permitem o contato direto do sangue com
os tecidos. Portanto, o sangue irá extravasar
massivamente ao passar pelos sinusoides, permitindo, por
exemplo, o metabolismo hepático de substâncias
presentes no sangue, assim como a hemocaterese
(destruição das hemácias) no baço.
4. AS VEIAS
Focandoapenas na circulação sistêmica, o sangue sai
do coração rico em oxigênio, segue pelas artérias até os
capilares, onde realiza o primeiro objetivo: a entrega de
recursos para as células. Os próximos passos, então, são
a drenagem dos resíduos do processo metabólico e o
seguimento pela circulação venosa, onde grande parte
destes resíduos serão metabolizados no fígado, o CO2
será eliminado na circulação pulmonar e os demais
resíduos eliminados na urina e nas fezes. Este processo
de extravasamento e drenagem no leito capilar será
esmiuçado no Capítulo 02.
As veias estão presentes em maior número em nosso
corpo, possuem paredes mais finas e, geralmente,
possuem maior diâmetro que as artérias correspondentes,
portanto, possuem a função potencial de reservatório de
sangue, chegando a conter mais de 70% do sangue
circulante. Além disso, devido ao fato de as veias
possuírem uma quantidade muito inferior de feixes
musculares e pressões menores do que as artérias,
usualmente, elas não possuem pulso. O que justifica a
diferença do comportamento de um sangramento arterial,
que ocorre em jatos intermitentes e concordantes com o
pulso, e de uma hemorragia venosa, que ocorre em com
um fluxo contínuo e lento, “babando”, como costumamos
falar.
Este fluxo lentificado, quando oriundo de estruturas
inferiores ao coração tende a um refluxo, por ocorrer
contra a força da gravidade. Porém, como foi adiantado no
início do capítulo, as válvulas venosas impedem o
movimento contrário e garantem, com o auxílio das
bombas venosas (exploradas adiante), um fluxo
unidirecional.
As válvulas venosas são dobras da túnica íntima,
compostas de tecido conjuntivo rico em fibras elásticas,
revestidas em ambos os lados por endotélio, em forma de
meia lua que se projetam para o interior da veia. Elas
estão mais presentes em veias em que o sangue precisa
enfrentar a força da gravidade para retornar ao coração,
como as veias dos membros inferiores. Essas válvulas se
abrem apenas para um lado, portanto, se houver tentativa
de refluxo elas se fecham e quando o sangue flui na
direção correta, elas se abrem.
As veias, seguindo o mesmo padrão, também serão
divididas em três categoriais com características e
funções próprias. Sendo assim, logo após o leito capilar,
teremos as vênulas que, irão confluir na formação das
veias médias que, por fim, irão convergir até formação das
grandes veias, como as veias cava superior e inferior.
As vênulas pós-capilares são também chamadas de
vênulas pericíticas. Elas são formadas apenas por uma
camada de células endoteliais, envoltas de pericitos como
já vimos. Porém, diferente dos capilares, existem vênulas
um pouco maiores que possuem algumas células
musculares lisas ao invés de pericitos em sua parede para
realizar a função contrátil.
As veias possuem uma íntima bem desenvolvida, porém
é a túnica adventícia a mais espessa e bem desenvolvida.
Esta que frequentemente possui feixes longitudinais de
músculo liso.
As veias, em grande parte, acompanham artérias em seu
trajeto. Por isso, os nomes das veias usualmente recebem
o mesmo nome da artéria que acompanham (exemplos:
veia femoral, veia subclávia...), porém existem exceções
como: as veias cavas (superior e inferior), a veia cefálica,
a veia basílica e as veias safenas magna e parva.
4. OUTROS CONCEITOS IMPORTANTES
1. ANASTOMOSES E CIRCULAÇÃO
COLATERAL
Uma anastomose é uma comunicação entre os vasos
sanguíneos que pode criar uma circulação colateral ou
uma rota alternativa para a circulação do sangue. Estas
podem ser classificadas em quatro tipos:
Anastomose término-terminal: quando duas
artérias se comunicam diretamente.
Anastomose por convergência: quando duas
artérias convergem e se fundem.
Anastomose transversa: quando um pequeno
vaso arterial liga duas artérias
transversalmente.
Anastomose arteriovenosa: quando há uma
conexão direta entre as menores artérias e
veias. Estas são importantes para conservação
do calor corporal.
2. ARTERIOGÊNESE E ANGIOGÊNESE
A arteriogênese é definida como o desenvolvimento de
fluxo através de artérias colaterais derivadas de
anastomoses arterio-arteriais pré-existentes. Isto ocorre
em processos de obstrução parcial ou total que resultam
no aumento da pressão na região, forçando a ampliação
do diâmetro de vasos pré-existentes, permitindo, desta
forma, a passagem de sangue por uma rota alternativa.
A angiogênese é o processo de formação de pequenos
novos vasos como capilares, resultado de um estímulo
isquêmico. Ou seja, o organismo ao passar por momentos
em que os vasos existentes não são suficientes, estimula
a criação de uma circulação colateral. Porém, ambos os
processos necessitam de tempo para ocorrer com
eficiência (10).
A diferença entre ambos os mecanismos está disposta
na Figura 1.7
Figura 1.7: Arteriogênese (A) é a indução de fluxo através
de artérias colaterais previamente existentes através do
gradiente de pressão gerado pela ausência de fluxo em
uma das artérias. Angiogênese (B) é o crescimento de
capilares a partir de vasos existentes, processo
geralmente engatilhado por hipóxia (retirada da referência
6).
3. BOMBAS VENOSAS
Existem três bombas que irão auxiliar no retorno venoso:
a bomba arteriovenosa, a bomba musculovenosa e a
bomba respiratória.
A bomba arteriovenosa é possível devido a uma bainha
vascular relativamente rígida que circunda as veias
acompanhantes de uma determinada artéria. Sendo
assim, quando a artéria se expande com a chegada de um
pulso, ela comprime as veias nessa bainha, ordenhando
desta forma o sangue no interior das veias em direção ao
coração devido ao direcionamento das válvulas venosas.
A bomba musculovenosa vai possuir o mesmo objetivo
da bomba anterior, porém a ordenha das veias será
realizada a partir da contração muscular das
extremidades, principalmente dos membros inferiores. Por
isso, alguns autores se referem as panturrilhas como
corações secundários. Este é o motivo de se colocar um
paciente acamado para caminhar assim que possível. As
contrações musculares na caminhada irão auxiliar o
retorno venoso, além de evitar úlceras por pressão.
A bomba respiratória se utiliza da pressão negativa
criada durante a expansão torácica na inspiração. O
racional disso é que todo sistema de pressão desloca o
fluído de onde há mais pressão para as regiões com
menores pressões, logo a diminuição da pressão da caixa
torácica, auxilia a “sugar” o sangue para a região,
consequentemente, facilitando o deslocamento do sangue
em direção ao coração.
Quadro 1.1: Arteriosclerose e aterosclerose
A arteriosclerose é o processo de enrijecimento das
artérias resultado da perda de elastina com o
envelhecimento do indivíduo. Sendo assim, ocorre
uma progressiva perda da capacidade de se acumular
energia nas grandes artérias elásticas (perda do Efeito
Windkessel), assim como influencia diretamente no
aumento da pressão arterial sistólica e sua pressão de
pulso.
A aterosclerose é um processo complexo de formação
de um trombo, resultado de um processo inflamatório
iniciado pelo acúmulo de colesterol com posterior
agregação de componentes sanguíneos nas artérias.
Este processo pode vir a gerar uma obstrução parcial
ou total no vaso, suspendendo o suprimento de
recursos para os tecidos da região. Caso este
processo permaneça, o tecido pode vir a necrosar, ou
seja, morte tecidual.
5. CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os
assuntos abordados nesse capítulo!
 CAPÍTULO 2
 Dinâmica dos Fluídos
(hemodinâmica)
1. CASO CLÍNICO
Sr. Jorge (vide capítulo anterior), retorna à consulta
novamente acompanhado da sua neta Pollyana após um
mês com os resultados dos exames, como combinado.
Ele alega estar seguindo à risca todas recomendações
realizadas na última consulta com exceção dos finais de
semana, período em que ainda mantem seus hábitos
antigos – “ninguém é de ferro”. Ele informa que já se
sente mais disposto e que acreditava que os valores
elevados da sua pressão sanguínea registrados na última
consulta, provavelmente, se deviam à suaansiedade.
Dr. Barros esclarece que realmente existe essa
possibilidade e explica que existe um fenômeno
conhecido como “hipertensão do avental branco”. Esta é
definida pelo aumento da pressão dentro do consultório
médico provocada pela ansiedade do paciente, porém em
outras situações, os valores retornam à normalidade.
Sendo assim, após realizar uma nova aferição e verificar
uma pressão arterial de 144 x 92 mmHg, Dr. Barros dá
uma breve explicação sobre o risco cardiovascular do Sr.
Jorge, que não é alto, e que o paciente tem 3 a 6 meses
para reduzir a pressão arterial ao valor normal, de acordo
com as últimas diretrizes. Então, durante esse tempo, Sr.
Jorge terá que demonstrar mais esforço no controle não-
farmacológico da pressão arterial e também realizará uma
MAPA para excluir a tal “hipertensão do jaleco branco”.
Após esclarecer o procedimento, Pollyana tornou a se
mostrar curiosa: “o que é essa pressão arterial? Todo
mundo tem? O que você ouve nesse aparelho para saber
qual é a pressão arterial de meu avô?”. Novamente
intrigado com a curiosidade da garota, Dr. Barros cobra a
você, afortunado acadêmico, as explicações que ele havia
solicitado na última consulta, alegando que precisaria
destas informações para responder às novas perguntas.
Como você leu com atenção ao Capítulo 1, voou baixo
nas explicações.
Orgulhoso, Dr. Barros acrescentou que os vasos
possuem propriedades fisiológicas elementares, e como
seu paciente já tinha uma idade mais avançada, algumas
podiam estar mais prejudicadas, contribuindo para a
elevação da pressão arterial. Além disso, durante as suas
explicações, o preceptor informou que comprimir o braço
do Sr. Jorge e depois ir liberando aos poucos, provocava
colisões do sangue com as paredes dos vasos daquele
local e que essas colisões poderiam ser auscultadas.
Através destes sons e olhando no relógio (manômetro)
era possível determinar indiretamente a pressão arterial.
1. POSSÍVEIS PALAVRAS DESCONHECIDAS
“Pressão arterial”: Vide capítulo
“MAPA”: Monitorização Ambulatorial da Pressão
Arterial. Esta é realizada através de um aparelho que o
paciente carrega consigo por 24hs e de tempos em
tempos, registra a pressão arterial do paciente. Dessa
forma é possível avaliá-la em diversos cenários da
rotina.
2. PALAVRAS-CHAVES
“Pressão arterial”, “mudança de hábitos”, “MAPA”,
“aferir a pressão arterial “, “choques do sangue com
as paredes desse vaso que podiam ser auscultados”,
“propriedades dos vasos
3. OBJETIVOS
Compreender as propriedades dos vasos
sanguíneos
Compreender a pressão arterial e a técnica
de aferição indireta
2. DISTRIBUIÇÃO DO VOLUME
SANGUÍNEO
O volume de sangue que circula em um indivíduo é de
aproximadamente 7% de seu peso corpóreo. Este volume
em um estado fisiológico é constante. Ou seja, se houver
aumento do volume em uma região é porque houve a
redução em outra. Portanto, há um gerenciamento
baseado nas necessidades dos sistemas. Se o indivíduo
realiza uma alimentação volumosa, por exemplo, haverá
uma maior demanda do sistema digestório e mais sangue
será direcionado a este trato. Consequentemente,
considerando o volume absoluto constante, ocorrerá uma
pequena redução da quantidade de sangue em outros
sistemas. Esta redução quando ocorre no cérebro
proporciona o estado de sonolência pós-prandial.
Outro exemplo que aprofundaremos adiante é o estado
de luta ou fuga. Uma situação em que o indivíduo seja
exposto a um estressor (situação de risco de vida, falar
em público, etc.) e o corpo responde preparando o mesmo
para reagir a situação. Ou seja, prepara o indivíduo para o
enfrentamento ou para a fuga. Desta forma, os sistemas
nervoso, cardiovascular, respiratório e muscular são
priorizados. E dentre diversas respostas que a situação
promove está o aumento do fluxo sanguíneo para estes
sistemas.
Estes dois exemplos servem para ilustrar que há esse
gerenciamento por demanda que é resultado da regulação
neuroendócrina. E como vimos no capítulo anterior, essa
função de regular o fluxo sanguíneo na macrocirculação é
artérias musculares e na microcirculação das arteríolas.
Sendo estas as principais atuantes nesse gerenciamento.
Entretanto, apesar de estarmos analisando uma situação
estável, constantemente o nosso corpo precisa alterar
esse volume. Seja reduzindo-o através da urina e do suor,
assim como também o aumentando, pelo estímulo da
sede e da fome.
A distribuição do volume no sistema cardiovascular é de
aproximadamente 84% na circulação sistêmica, 9% na
circulação pulmonar e 7% no coração. Sendo que desses
84% presentes na sistêmica, 64% se encontra nas veias,
13% nas artérias e 7% nas arteríolas e capilares
sistêmicos.
3. PROPRIEDADES DOS VASOS
SANGUÍNEOS
Imagine um aparato de bombeamento de algum líquido
que consegue, de acordo com as próprias necessidades,
através de um software avançado, reduzir ou aumentar o
seu diâmetro, suas pressões internas, modificar o fluxo
em seu interior, deixar mais líquido no reservatório e
menos líquido corrente ou vice-versa, aumentar a força da
bomba – tudo sem a necessidade de um operador
manual. Pois bem, esta máquina perfeita existe e está
dentro de cada um de nós. Os vasos sanguíneos são
mais do que apenas tubos em um sistema de hidráulico
de pressão. Como vimos, são estruturas de lúmen
adaptável, e quem controla isso não é um software.
1. FLUXO SANGUÍNEO
O fluxo sanguíneo é o movimento contínuo do sangue
através do sistema cardiovascular, resultado dos
gradientes de pressão criados pela bomba do sistema, o
coração. Ou seja, se forcarmos nossa atenção em uma
porção do sangue, esta irá percorrer de forma contínua o
sistema de uma zona de maior pressão para uma zona
de menor pressão.
As paredes dos vasos promovem, contra o líquido
circulante, uma resistência na forma de atrito. Em
situações de normalidade, esta resistência será maior na
periferia do vaso, onde há contato direto com as
paredes, do que no centro, onde o sangue terá mais
liberdade de fluir. Ok até aqui? Este dado leva a duas
conclusões importantes no entendimento na dinâmica
dos fluidos: o primeiro é que quanto menor for o calibre
do vaso, maior será a proporção de sangue em contato
com sua parede e maior será a resistência à passagem
do fluxo sanguíneo; o segundo é que esta disposição da
passagem do sangue mais lento pela periferia resulta na
formação de lâminas, camadas concêntricas de sangue,
em que a velocidade do fluxo aumenta quanto mais se
aproxima do centro. Este é o conceito de fluxo laminar,
como podemos ver na Figura 2.1, painel B.
Figura 2.1: Fluxo laminar x Fluxo turbulento (retirada do
Guyton).
Entretanto, caso haja algum tipo de obstrução por
placas ateroscleróticas, se o sangue possuir uma
densidade elevada, ou ainda se as propriedades
elásticas das artérias forem perdidas, o fluxo perde essa
característica laminar, como podemos ver na Figura 2.1,
painel C e se torna turbulento, chocando-se contra as
paredes do vaso e contra o próprio sangue.
Apesar do fluxo turbulento geralmente estar associado
a situações patológicas, podemos utilizá-lo a nosso favor
para aferir indiretamente a pressão arterial de um
indivíduo, e isto se dá porque estes choques
desorganizados contra a parede do vaso são audíveis
ao estetoscópio. Sendo assim, o método de aferição da
pressão arterial se baseia, primeiramente, na obstrução
total do vaso que ocorre ao se insuflar o manguito do
esfigmomanômetro a uma pressão maior que a que é
realizada pelo sangue de dentro do vaso. Ao desinsuflar
lentamente o manguito, o examinador perceberá o
momento em que a pressão sanguínea é suficiente para
vencer a obstrução mecânica, iniciando um fluxo
turbulento audível através da obstrução parcial e pode-
se verificar no manômetro a pressão que foi necessária
para vencer a resistência (Figura 2.2). Essa será
considerada a pressão arterial sistólica. Você pode
conferir a descrição completa do método no quadro 2.1.
Quadro 2.1: A aferição da pressão arterial
Passos para obtenção da pressão arterial pelo método
indireto segundo a VI DiretrizesBrasileiras de
Hipertensão:
Preparo do paciente:
1. Explicar o procedimento ao paciente e
deixá-lo em repouso de 3 a 5 minutos em
ambiente calmo. Deve ser instruído a não
conversar durante a medição. Possíveis
dúvidas devem ser esclarecidas antes ou
depois do procedimento.
2. Certificar-se de que o paciente NÃO: - Está
com a bexiga cheia; - Praticou exercícios
físicos há pelo menos 60 minutos; - Ingeriu
bebidas alcoólicas, café ou alimentos; -
Fumou nos 30 minutos anteriores.
3. Posicionamento: - O paciente deve estar
sentado, com pernas descruzadas, pés
apoiados no chão, dorso recostado na
cadeira e relaxado; - O braço deve estar na
altura do coração, apoiado, com a palma
da mão voltada para cima e as roupas não
devem garrotear o membro.
4. Medir a PA na posição de pé, após 3
minutos, nos diabéticos, idosos e em outras
situações em que a hipotensão ortostática
possa ser frequente ou suspeitada.
Etapas para a realização da medição
1. Determinar a circunferência do braço no
ponto médio entre acrômio e olécrano;
2. Selecionar o manguito de tamanho
adequado ao braço (ver Quadro 3);
3. Colocar o manguito, sem deixar folgas, 2 a
3 cm acima da fossa cubital;
4. Centralizar o meio da parte compressiva do
manguito sobre a artéria braquial;
5. Estimar o nível da PAS pela palpação do
pulso radial*;
6. Palpar a artéria braquial na fossa cubital e
colocar a campânula ou o diafragma do
estetoscópio sem compressão excessiva*;
7. Inflar rapidamente até ultrapassar 20 a 30
mmHg o nível estimado da PAS obtido pela
palpação*;
8. Proceder à deflação lentamente (velocidade
de 2 mmHg por segundo) *;
9. Determinar a PAS pela ausculta do primeiro
som (fase I de Korotkoff) e, após aumentar
ligeiramente a velocidade de deflação*;
10. Determinar a PAD no desaparecimento dos
sons (fase V de Korotkoff) *;
11. Auscultar cerca de 20 a 30 mmHg abaixo
do último som para confirmar seu
desaparecimento e depois proceder à
deflação rápida e completa*;
12. Se os batimentos persistirem até o nível
zero, determinar a PAD no abafamento dos
sons (fase IV de Korotkoff) e anotar valores
da PAS/PAD/zero*;
13. Realizar pelo menos duas medições, com
intervalo em torno de um minuto. Medições
adicionais deverão ser realizadas se as
duas primeiras forem muito diferentes.
Caso julgue adequado, considere a média
das medidas;
14. Medir a pressão em ambos os braços na
primeira consulta e usar o valor do braço
onde foi obtida a maior pressão como
referência;
15. Informar o valor de PA obtido para o
paciente; e
16. Anotar os valores exatos sem
“arredondamentos” e o braço em que a PA
foi medida.
* Itens realizados exclusivamente na técnica
auscultatória.
Reforça-se a necessidade do uso de equipamento
validado e periodicamente calibrado.
Figura 2.2: Aferição da pressão arterial (retirada do
Berne e Levy).
A resistência vascular periférica, como vimos, é o nome
dado ao atrito entre o sangue e a parede dos vasos.
Essa resistência depende de três fatores: o diâmetro do
lúmen, o comprimento do vaso e a viscosidade
sanguínea. A viscosidade sanguínea é proporcional ao
hematócrito que vemos no hemograma de um indivíduo
(percentual de glóbulos vermelhos presentes no
sangue). Ou seja, se uma pessoa possui hematócrito de
40%, isto significa que 40% do seu volume sanguíneo é
constituído de hemácias e o restante de consiste em
plasma. A saber, 42% é o valor médio de um homem
adulto, enquanto que nas mulheres a média é 38%.
Portanto, quanto maior o hematócrito, maior a
viscosidade do sangue.
Outro conceito hemodinâmico que você precisa ter em
mente é o de “resistência em série” ou “resistência em
paralelo” (1). É importante porque é mais condizente
com o modelo de “canos” do nosso corpo. E como
acontece? Perceba: o fluxo sanguíneo vai da aorta para
artérias menores, arteríolas, capilares e depois retorna
ao sistema venoso e coração, não é? Esse caminho em
sequência (ou série) deve ser percorrido pelo sangue e
para isso é preciso vencer a resistência de cada um
desses locais (R total = R1 + R2 + R3...). Mas as
pequenas artérias e arteríolas representam um modelo
em que o sangue entra em uma OU em outra delas,
consistindo, então, em circulações paralelas. No caso de
resistências em paralelo, a pressão de fluxo de entrada
e de saída é a mesma para todas elas, então, em um
exemplo hipotético de vasos de mesmo diâmetro e
comprimento, o fluxo será o mesmo e a resistência
também (R total = R de cada vaso x número de vasos).
Parece complicado, mas a Figura 2.3 pode te ajudar
(não deixe de ver!).
Figura 2.3: Para vasos conectados em série (imagem de
cima, A), a resistência total é a soma de todas as
resistências do circuito (R1 + R2 + R3). Para vasos
conectados em paralelo (imagem abaixo, B), a
resistência de cada vaso é uma parte do total (R vaso =
R total/nº), modificando a fórmula temos: R total = R de
cada vaso x número de vasos (retirado de Faber).
Figura 2.4: Lei de Pouiseille determinando maior fluxo de
líquido quando maior o diâmetro do vaso a uma
progressão de quarta potência. 44 = 256 (retirada do
Guyton).
A condutância é o oposto da resistência, de modo que
a mensuração de um parâmetro, te dá também o outro.
Ou seja, é a medida do fluxo sanguíneo sob
determinada pressão. Como podemos ver na fórmula
2.3, ocorre uma relação direta da condutância e o raio
do vaso quando o fluxo é laminar. A condutância de um
vaso aumenta em proporção direta à quarta potência do
raio deste vaso. O que significa que se aumentarmos o
raio de 1 para 4, o fluxo aumentará 256 vezes. Esta é a
famosa lei de Poiseuille (lê-se pua-zôi) – você ainda
ouvirá sobre essa lei muitas vezes na vida acadêmica e
prática da Medicina (Figura 2.4).
Q = πΔPr4
8μl
Q: velocidade do fluxo sanguíneo
ΔP: diferença de pressão entre as extremidades do
vaso
r: é o raio do vaso
L: comprimento do vaso
μ: viscosidade do sangue
Quanto à velocidade do fluxo nos diferentes tipos de
vasos sanguíneos, intuitivamente costuma-se pensar
que assim como uma mangueira pressionada, quanto
menor o diâmetro de determinado tipo de vaso, maior
será a velocidade de fluxo por ali. Porém, a velocidade,
além de ser influenciada pela resistência vascular
periférica, é inversamente proporcional a um conceito
denominado secção transversal. Simplificando, a secção
transversal é a soma dos diâmetros de todos os vasos
de um mesmo tipo. Sendo assim, por mais que as
artérias elásticas possuam grandes lúmens, seu
diâmetro absoluto (a soma dos diâmetros de todas as
artérias elásticas) é inexpressivo se comparado ao
diâmetro de todos os capilares presentes no corpo.
Como era de se esperar, a física nunca erra! Então, da
mesma forma da mangueira, no nosso corpo, o fluxo é
mais rápido por locais mais apertados: se o fluxo tem
que se manter constante independente do diâmetro
transversal do vaso, e se o espaço é diminuto, o jeito é
aumentar a velocidade. Como já explicitamos, a soma
do diâmetro de todos os capilares do corpo é muito
maior que o diâmetro da aorta por exemplo.
Consequentemente a velocidade do fluxo na aorta é
muito maior, já que o diâmetro deste vaso é menor que
de todos os capilares juntos. Para se ter uma ideia,
enquanto o sangue percorre a artéria aorta com
aproximadamente 33 cm/s, essa velocidade nos
capilares é de apenas 0,3 mm/s. Posteriormente, obtém
novamente velocidade nas veias até alcançar
novamente o coração. Não deixe de ver a Figura 2.5.
Figura 2.5: No gráfico de cima (A), percebemos que a
maior área de secção transversal da circulação está na
soma de todos os capilares do nosso corpo. Sendo
assim, nessa região, a velocidade de fluxo será
reduzida. No gráfico de baixo (B), percebemos que a
pressão arterial é maior quanto mais próximo do coração
e reduz à medida que se afasta deste, já a resistência
relativa é maior nas arteríolas e capilares (retirada de
Faber).
2. DISTENSIBILIDADE X COMPLACÊNCIA
(CAPACITÂNCIA)
A distensibilidade vascular e a complacência vascular
são conceitos interligados. A distensibilidade é o
percentual do aumento do volume a partir deaplicada
uma determinada pressão. Enquanto que a complacência
ou capacitância é o aumento absoluto do volume a partir
de aplicada uma determinada pressão. Ou seja, quanto
um vaso pode acomodar de volume a depender do
aumento da pressão.
Tais conceitos podem ser melhor compreendidos com
um exemplo: se aplicarmos 1 mmHg em dois vasos (A e
B), em que A possui diâmetro maior do que B, ambos
podem aumentar em 10% o seu volume. Sendo assim,
eles possuem a mesma distensibilidade. Porém, devido
a possuírem diâmetros distintos, depois de aplicada
essa pressão, a quantidade absoluta que foi acomodada
em A foi maior do que de B. Logo, A é mais complacente
do que B.
As veias são cerca de 8 vezes mais distensíveis que as
artérias correspondentes por possuírem paredes mais
delgadas e menores quantidade de fibras musculares.
Somando-se o fato dos diâmetros das veias também
serem até três vezes maiores se comparadas às artérias
correspondentes, logo as veias possuem em média uma
complacência 24 vezes maior do que as artérias. Isso é
de suma importância na prática médica. Perceba: para
que haja um aumento de 3-5 mmHg na pressão venosa
de um indivíduo, são necessários litros de solução. Essa
é a razão pela qual podemos transfundir sangue em um
paciente sem deixa-lo edemaciado.
As veias são cerca de 8 vezes mais distensíveis que as
artérias correspondentes por possuírem paredes mais
delgadas e menores quantidade de fibras musculares.
Somando-se o fato dos diâmetros das veias também
serem até três vezes maiores se comparadas às artérias
correspondentes, logo as veias possuem em média uma
complacência 24 vezes maior do que as artérias.
Justificando a função das veias de reservatório de
sangue.
3. PRESSÃO SANGUÍNEA
A pressão arterial é um dado clínico de suma
importância na rotina de consultório. Por isso,
precisamos dedicar uma atenção especial em todos os
seus conceitos (todo médico precisa entender a pressão
arterial). A pressão sanguínea é definida como a força
exercida pelo sangue contra qualquer unidade de área
da parede vascular e a unidade utilizada é milímetros de
mercúrio (mmHg). Isso significa que, por exemplo, uma
pressão de 100 mmHg realizada pelo sangue contra a
parede de um vaso sanguíneo é suficiente para
suspender a coluna de mercúrio de um manômetro em
100 mm.
Parte dessa pressão é fornecida ao sangue através
das contrações cardíacas, alcançando,
aproximadamente, 120 mmHg de pressão contra as
paredes das artérias durante a sístole ventricular: esta é
a pressão arterial sistólica. Durante o relaxamento do
coração, o sangue nas grandes artérias segue fluindo
por conta da distensibilidade que as artérias elásticas
possuem, portanto, ainda exercendo pressão arterial
contra a artéria, só que em níveis menores: a pressão
adquire valores em torno de 80 mmHg, a famosa pressão
arterial diastólica. Tais conceitos (sístole e diástole) são
melhor explorados no capítulo 05 no estudo do ciclo
cardíaco. Já ouviu falar nesse valor 120 x 80? 12 por 8?
Agora você entende o porquê.
O sangue, à medida que avança na circulação
sistêmica e alcança vasos cada vez menores até a
microcirculação, se distanciando da bomba, perde
pressão. Nos capilares obtém valores médios de 17
mmHg, aproximando-se a valores de 0 mmHg ao atingir
a porção mais distal das veias cavas, quando o sangue
finalmente desemboca no átrio direito.
A pressão no átrio direito, cerca de 0 mmHg, é
denominada pressão venosa central (PVC). E ela é
regulada por dois fatores: a capacidade de o sangue do
lado direito do coração ser ejetado para circulação
pulmonar e o próprio retorno do sangue sistêmico para o
átrio direito. Sendo assim, se o coração tiver alguma
dificuldade nesses dois fatores, a pressão venosa
central é alterada. Um exemplo importante disso é no
manejo de pacientes graves que apresentam colapso
hemodinâmico (você ainda vai se deparar com isso um
dia): o paciente está com a pressão arterial baixíssima.
Como o médico não possui uma câmera microscópica
para avaliar cada local do sistema circulatório do
paciente, uma das medidas que ele pode utilizar para
definir a causa e selecionar um tratamento é através da
medida da PVC: caso ela esteja alta, o paciente já tem
muito líquido no corpo ou algo está obstruindo a
passagem desse líquido pelo coração direito até o
esquerdo – então fazer soro fisiológico para aumentar a
pressão arterial não é uma saída inteligente. Já se a
PVC desse paciente estiver normal, o paciente ainda
pode ser hidratado, afim de aumentar o retorno venoso e
o débito cardíaco (Lei de Frank Starling – capítulo 5.
Quanto à pressão sanguínea na circulação pulmonar,
esta possui valores muito menores. Sendo que a
pressão sistólica média na artéria pulmonar é de apenas
25 mmHg, e a diastólica 8 mmHg. Os valores menores
justificam-se por um percurso menor e mais próximo ao
coração.
A medida direta da pressão arterial pulmonar também
é importante no manejo de pacientes criticamente
enfermos. O cateter de Swan-Ganz traz valiosas
informações sobre esse sistema e pode ajudar (e muito!)
o médico a tomar suas decisões.
4. FATORES DETERMINANTES DA PRESSÃO
SANGUÍNEA
Os fatores reguladores mais importantes da pressão
arterial são a resistência periférica e o débito cardíaco.
A resistência vascular periférica (RVP) depende, como
visto anteriormente, do diâmetro do lúmen do vaso, do
comprimento total desse vaso e da viscosidade
sanguínea. Sendo assim, se ocorrer alguma alteração
destes fatores, como por exemplo uma vasoconstricção,
maior será o atrito, maior será a resistência ao fluxo, e
consequentemente, maior será a pressão.
O débito cardíaco (DC) (Capítulo 05) é a quantidade de
sangue que o coração irá ejetar na sístole, ou seja,
volume sistólico (VS) após um número de batimentos
que o coração teve em um determinado período de
tempo. Logo, quanto mais sangue é ejetado, também
maior será a pressão.
Já que os dois fatores citados possuem relação direta
com a pressão arterial, é possível criar uma fórmula, na
qual a PA pode ser calculada através da multiplicação
dos seus fatores fisiológicos, com a clássica fórmula 2.4
PA = DC x RVP
Como vimos, o débito cardíaco = frequência cardíaca
(FC) x volume sistólico (VS). Trocando em miúdos, se
um coração bate 70 vezes por minuto e ejeta 70 ml de
sangue por batimento, o débito cardíaco é 4900 ml/min.
Jogando os valores na fórmula 2.4, criamos a fórmula
2.5, que é mais completa:
PA = FC x VS x RVP
Legal. Mas para saber a pressão arterial de um
indivíduo, basta eu ir lá e medir com meu
esfigmomanômetro. Não preciso de fórmula para isso.
Sim, está certo. As fórmulas 2.4 e 2.5 são didáticas.
Importante mesmo, na prática clínica, é saber como está
o débito cardíaco do seu paciente. E isso pode se dar de
duas maneiras: (1) multiplicar FC x VS, tendo o volume
sistólico avaliado através de um ecocardiograma; ou (2)
através do princípio de Fick, uma das fórmulas mais
elegantes da Medicina. Antes de mostrar a fórmula,
entenda: o débito cardíaco pode ser estimado através de
um raciocínio simples. Se eu consumo determinada
quantidade de oxigênio por minuto (ml/min), significa que
meu coração foi capaz de mandar aquele oxigênio
através de uma artéria para meus órgãos e recebê-lo
pela veia. Se meu coração tem menor capacidade de
bombeamento, portanto, menor débito cardíaco, meu
consumo será menor porque eu não posso tirar O2 do
nada. Ok até aqui? Então, o VO2 (consumo de O2 em
um minuto) é igual ao produto do débito cardíaco vezes
o gradiente de oxigenação entre o sangue arterial, mais
oxigenado, e venoso, menos oxigenado. Passando um
dado da fórmula pra lá e um pra cá, temos que:
Já que a VO2 tem um valor constante de acordo com o
sexo e a idade do paciente e o médico pode descobrir a
oxigenação do sangue arterial e do sangue venoso
através de acessos vasculares profundos, agora sim,
mesmo sem um ecocardiograma, sabemos o débito
cardíaco do paciente.
“Voei”. Ok. É compreensível. Fórmulas não são legais.
Mas sugiro que guarde as fórmulas 2.4 e 2.6 para a vida.
Em unidades de terapiaintensiva, onde o paciente sofre
rotineiramente com baixo débito cardíaco, essas duas
fórmulas salvam vidas.
Um conceito importante que temos que ter antes de
seguir adiante é o de pressão de pulso, que é a subtração
entre os valores da pressão arterial sistólica (PAS) e da
pressão arterial diastólica (PAD). Entenda: a pressão
arterial sistólica é muito influenciada pela contração
ventricular, e a pressão arterial diastólica sofre forte
influência da complacência e da elasticidade do vaso,
além do escoamento do sangue pela circulação, pois
durante essa fase não há força mecânica empurrando o
sangue, então o que se espera dele é que ele se
mantenha fazendo força contra o vaso e criando
pressão. Então, se o sangue não permanece nas
artérias durante a diástole, a pressão diastólica reduz e
a subtração PAS – PAD aumenta de valor. E por que
isso é importante? Porque isso significa doença! Para se
ter ideia, o estudo Framingham demonstrou que um
aumento de 10 mmHg na pressão de pulso é associado
a um risco 23% maior de desenvolvimento de doença
arterial coronariana (2). Um outro uso importante é no
doente enfermo calcular a variação da pressão de pulso,
visto que os doentes em colapso hemodinâmico e
gravemente enfermos têm pouca variação e valores
absolutos baixos de pressão de pulso.
5. O PULSO
O pulso é o reflexo do estiramento das artérias ao
receber a energia propagada pela contração cardíaca.
Podemos senti-lo em algumas artérias superficiais, como
a artéria radial, e por isso, é uma das formas de
avaliação indireta do sistema circulatório no exame
clínico.
4. FISIOLOGIA DA MICROCIRCULAÇÃO
Vimos no capítulo anterior que a microcirculação
corresponde aos capilares e as menores vênulas e
arteríolas, e é onde ocorre o extravasamento para o
espaço intersticial, onde se darão as trocas necessárias
para os tecidos. Se ocorre extravasamento em excesso,
este líquido pode vir a se acumular, resultando em edema
(“inchaço“). Portanto, para que ocorra o processo de
forma adequada, se faz necessário um equilíbrio de
fatores, sendo os principais: a pressão hidrostática, a
pressão coloidosmótica e a permeabilidade capilar.
A pressão hidrostática é a pressão sanguínea nos
capilares. Essa força aplicada contra o endotélio dos
capilares, que são relativamente permeáveis, irá promover
o extravasamento do líquido para o interstício. Contudo,
as paredes dos capilares funcionam como uma barreira
seletiva mecânica em que apenas pequenas estruturas
atravessarão, logo, ocorre uma filtração do conteúdo
plasmático em que grandes moléculas e células não
atravessam os poros.
Enquanto a pressão hidrostática auxilia no
extravasamento, a pressão coloidosmótica, também
chamada de pressão oncótica, irá promover a reabsorção
de fluídos para os capilares. Esta corresponde a pressão
promovida pelas proteínas do plasma, principalmente, a
albumina, seguindo o mesmo conceito do movimento de
solvente na membrana plasmática. O fluído irá sempre se
difundir para o local com a maior concentração de
solvente na tentativa de equilibrar os meios. Ou seja, a
perda de fluídos inicial promovida pela pressão
hidrostática, resulta no aumento da concentração de
solutos nos capilares que em algum momento irá superar
a pressão hidrostática e promover a reabsorção.
Consequentemente, entender a fisiologia na
microcirculação é visualizar um embate de forças
contrárias (pressão hidrostática x pressão coloidosmótica)
em que o resultado a cada momento define a direção do
movimento dos fluídos e pequenas moléculas (Figura 2.6).
Portanto, como ocorre passo a passo as trocas nos
leitos capilares? Primeiramente o sangue chega com uma
grande pressão hidrostática nos capilares e promove o
extravasamento de líquido e nutrientes pelos poros para o
espaço intersticial que irão nutrir as células. O sangue
continua a circular no leito capilar, perdendo pressão
hidrostática e ganhando pressão coloidosmótica, devido
ao acumulo de proteínas. Nesse tempo as células já
absorveram os nutrientes e oxigênio extravasados e
liberaram seus resíduos como dióxido de carbono para o
espaço intersticial. A pressão coloidosmótica supera a
pressão hidrostática e o que ocorre é a absorção de fluído
do espaço intersticial juntamente com esses resíduos
celulares. (Quadro 2.2)
Figura 2.6: R As forças da pressão do líquido e pressão
coloidosmótica atuam sobre a membrana capilar e tendem
a mover o líquido para fora ou para dentro dos poros da
membrana (retirada do Guyton).
Quadro 2.2 – Resumo das forças que operam na
extremidade capilar (retirado do Guyton).
 mmHg mmHg
Forças que tendem a mover o líquido para fora: 
Pressão capilar (extremidade arterial do capilar) 30
Pressão negativa do líquido livre intersticial 3
Pressão coloidosmótica do líquido intersticial 8
FORÇA TOTAL PARA FORA 41
Forças que tendem a mover o líquido para dentro: 
Pressão coloidosmótica do plasma 28
FORÇA TOTAL PARA DENTRO 28
Resultante das forças: 
Para fora 41
Para dentro 28
FORÇA EFETIVA PARA FORA (NA EXTREMIDADE ARTERIAL) 13
Todavia, a reabsorção promovida pela pressão
coloidosmótica não é suficiente. Ou seja, se apenas
houvesse esse mecanismo de reabsorção, ocorreria um
acúmulo de líquido no espaço intersticial. Desta forma,
retomando as funções básicas do sistema circulatório, o
sistema linfático, através de vasos de fundo cego, irá
drenar os excessos do extravasamento e despejar
posteriormente no sistema venoso. Mantendo assim a
volemia do sistema e evitando perdas. Entretanto, até o
sistema linfático possui um limite. Sendo assim, em
situações patológicas em que algum dos fatores se altere,
como por exemplos, aumento demasiado da volemia,
congestão no sistema circulatório, queda na produção de
albumina e/ou aumento da permeabilidade capilar (ex:
processo inflamatório), resultará em um extravasamento
que pode vir a superar o limite de absorção do sistema
linfático.
Além deste processo específico de troca no leito capilar,
há a participação dos outros vasos da microcirculação. As
pequenas arteríolas irão controlar o fluxo para cada tecido
a depender da demanda do mesmo. Esse controle será
ainda mais refinado pelas metarteríolas, que podem abrir
ou fechar a entrada dos capilares, gerando um fluxo
intermitente. Sendo que a esse fenômeno chamamos de
vasomotilidade.
5. CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os
assuntos abordados nesse capítulo!
 CAPÍTULO 3
 Regulação da Circulação e da
Pressão Arterial
1. CASO CLÍNICO
Sr. Jorge (vide capítulo anteriores), retorna para mais
uma consulta, agora com o resultado da MAPA, como
combinado. Ele reforça que está com hábitos alimentares
mais saudáveis e vem realizando caminhadas pelo menos
quatro vezes na semana. Desta vez, informa que não
houve excessos nos finais de semana, porém não pode
garantir que eles não ocorram esporadicamente.
A MAPA demonstrou alguns picos de pressão arterial
sistólica e diastólica ao longo do dia e o Dr. Barros
aproveitou para esclarecer o Sr. Jorge quanto aos
resultados. Desta forma, segundo ele, estava excluída a
possibilidade de da hipertensão do avental branco e ele
optaria por iniciar com uma dosagem baixa de uma droga
anti-hipertensiva. O médico acrescentou também que não
há cura para a hipertensão arterial e que o principal
objetivo do tratamento é evitar eventos adversos no
futuro. A medicação irá auxiliar no processo, mantendo os
valores pressóricos dentro dos valores aceitáveis, e
também reduzindo chances do Sr. Jorge sofrer um
acidente vascular cerebral, infarto agudo do miocárdio ou
evolução para insuficiência cardíaca.
Após sobre as consequências de não controlar a
pressão e como uma doença silenciosa poderia vir a
trazer grandes complicações para a saúde do Sr. Jorge, O
Dr. Barros decidiu lhe passar a primeira função do dia:
ensinar ao neto do Sr. Jorge como aferir pressão arterial.
Dr. Barros optou pelo uso de um fármaco específico para
o Sr. Jorge: um inibidor da enzima conversora da
angiotensina (iECA) e explicou que a atuação desse
fármaco se dá,predominantemente, nos rins. Ao perceber
que não só a neta do Sr. Jorge, mas também você, jovem
aprendiz, estavam agora sem entender nada – por que
um remédio com ação nos rins vai atuar no sistema
circulatório? – o seu preceptor decidiu por explicar um
pouco sobre os mecanismos regulatório da pressão
arterial e da circulação sanguínea.
Avô e neta saíram satisfeitos da consulta com a missão
de controlar a “tal” pressão arterial. E você saiu pensando:
preciso estudar.
1. POSSÍVEIS PALAVRAS DESCONHECIDAS
- acidente vascular encefálico (AVE): também
conhecido como acidente vascular cerebral (AVC) ou
popularmente como derrame cerebral, é caracterizado
pela interrupção súbita da irrigação sanguínea em um
determinado território cerebral. Seja devido a oclusão
arterial, denominando-se de AVE isquêmico ou ruptura
de alguma artéria, o AVE hemorrágico. As manifestações
dependem do território acometido, porém o quadro típico
acompanha uma hemiparesia corpórea contralateral ao
território.
- infarto agudo do miocárdio (IAM): possui uma
fisiopatologia semelhante ao AVE: interrupção do fluxo
sanguíneo a uma determinada região, neste caso, uma
região cardíaca. A principal causa é a oclusão parcial ou
total das artérias coronárias que estudaremos no
próximo capítulo, devido a formação de placas
ateroscleróticas (já abordadas no capítulo 1 – vale a
pena reler o quadro).
- insuficiência cardíaca (IC): esta se caracteriza pela
incapacidade do coração de realizar a sua principal
função: bombear sangue suficiente para suprir às
demandas do corpo. Sendo assim, podemos ter o
aumento excessivo de demanda ou, a etiopatogenia
mais predominante: a falência do coração em seu papel
de bomba, seja por sobrecarga volêmica (insuficiência
cardíaca congestiva) e/ou por morte de tecido cardíaco
após um IAM. Você entenderá muito melhor após
estudar os capítulos seguintes, mas desde já entenda
que coração é um órgão muscular e assim como você
fadiga se exagerar nos exercícios, nosso coração
também. Entretanto, diferente dos músculos
esqueléticos, ele não tem a possibilidade de dar uma
pausa para se recompor.
2. PALAVRAS-CHAVES
“Pressão arterial”, “regulação do sistema circulatório”,
“regulação local”, “regulação humoral”, “regulação
nervosa”
3. OBJETIVOS
Compreender os mecanismos de regulação do
sistema circulatório
2. REGULAÇÃO DO SISTEMA
CIRCULATÓRIO (VASOS
SANGUÍNEOS)
O nosso corpo possui dois grandes sistemas de
regulação: o sistema endócrino e o sistema nervoso.
Ambos interagem visando manter todo o funcionamento
equilibrado e dentro dos padrões, o que chamamos de
homeostase.
Quando nos referimos ao sistema circulatório, não é
diferente. Por isso, podemos dividir didaticamente
regulação em três categorias: a regulação local
(orquestrada pelo próprio órgão), regulação humoral
(endócrina) e a regulação nervosa. Estes sistemas irão
interagir entre si promovendo respostas a curto e a longo
prazo. O legal é que as respostas a curto prazo possuem
uma ação rápida e de breve duração (segundos a
minutos), para situações de emergência, enquanto que as
respostas a longo prazo possuem uma ação mais lenta,
porém com efeito mais duradouro (horas a dias).
Vamos conhecer esses mecanismos! Vai ser importante
para a sua vida de médico.
1. REGULAÇÃO LOCAL
A demanda tecidual é o principal fator determinante da
regulação local. Será em resposta a essa demanda que
ocorrerá um maior ou menor aporte sanguíneo para uma
determinada região. Entende-se como demanda, além
da necessidade de suprimento de oxigênio e outros
nutrientes (glicose, aminoácidos e ácidos graxos), as
outras funções do sistema: remoção de dióxido de
carbono e íons de hidrogênio do tecido, manutenção de
concentrações apropriadas de outros íons necessários
para o metabolismo e também o transporte de
hormônios e outras substâncias para o local.
Existe uma controvérsia sobre esse controle que
vamos discutir agora. Os clássicos livros texto de
fisiologia definem como responsabilidade das
metarteríolas e esfíncteres pré-capilares esse controle
local da circulação. No entanto, a existência de
estruturas anatômicas do tipo metarteríolas e esfíncteres
pré-capilares só está comprovadamente presente na
circulação mesentérica. Deste modo, recomendamos
aqui o termo “resistência pré-capilar”(1,2). Prosseguindo:
na circulação, uma maior demanda irá promover o uma
menor resistência pré-capilar, consequentemente, irá
permitir uma maior chegada de sangue ao local. Assim
como, uma menor demanda irá promover uma maior
resistência. Desta forma, é permitido o direcionamento
do fluxo para áreas que necessitam de maior demanda.
Esse redirecionamento permite poupar o trabalho
cardíaco de manter um fluxo intenso em todos os tecidos
(o que levaria a uma insuficiência cardíaca, como vimos
em sua definição nas possíveis palavras desconhecidas
deste capítulo).
O controle local agudo se baseia nessa vasoconstricção
e vasodilatação rápida de arteríolas ou pelo aumento ou
diminuição da resistência pré-capilar por alguns
segundos ou minutos. Existem duas teorias que tentam
explicar o mecanismo: a teoria da vasodilatação e a
teoria da falta de oxigênio. É importante saber que a
palavra “teorias” vem do fato de que o mecanismo geral
ainda não está completamente elucidado – ainda faltam
peças no quebra-cabeças. No entanto, cada uma dessas
teorias que veremos agora já está bem encaixada no
quadro geral (Figura 3.1).
Figura 3.1: Controle local agudo do fluxo sanguíneo
através de arteríolas e metarteríolas. Teorias da
vasodilatação e da demanda de oxigênio (retirada do
Guyton).
A teoria da vasodilatação defende que quando há uma
deficiência de oxigênio ou de nutrientes, as células
teciduais produzem substâncias vasodilatadoras como a
adenosina (principalmente), histamina, íons de potássio
que se difundem até as arteríolas e meta-arteríolas
mesentéricas, causando a vasodilatação e,
consequentemente, aumentando o fluxo no local.
A teoria da falta de oxigênio, também chamada de
teoria da falta de nutrientes, defende que a deficiência
de nutrientes e oxigênio seria percebida no sangue do
lúmen pelas próprias arteríolas, promovendo a
vasodilatação, assim como, em teoria, a abertura dos
esfíncteres pré-capilares. E o racional disso é mais
simples do que você imagina: simplesmente não haveria
oxigênio para nutrir a arteríola e ela não seria capaz de
se contrair. Caso ocorra o inverso a resposta é contrária,
ou seja, o excesso de recursos provoca vasoconstricção,
desviando de lá o fluxo. Isso é tão importante na prática
clínica que você nem imagina! Já vai aprendendo desde
agora: se um paciente grave, como um que sofre um
infarto agudo do miocárdio, chegar ao seu pronto
socorro com boa oxigenação sanguínea, você não irá
suplementar oxigênio para ele – isso causaria
vasoconstricção dos tecidos que é tudo que ele não
precisa agora – ele está se recuperando de um infarto!
(3,4)
Outro fator que regula o fluxo para determinadas
regiões é a pressão arterial, pois seu aumento também
irá implicar no aumento do fluxo sanguíneo. Porém esse
efeito será breve, pois o fluxo tende a se normalizar. O
modo como a pressão arterial age no controle do fluxo é
explicado por duas outras teorias que vamos conhecer
agora: a teoria metabólica e a teoria miogênica.
A teoria metabólica do controle de fluxo pela pressão
arterial segue a linha dos nutrientes, ou seja, o aumento
da pressão sanguínea e, consequentemente, o aumento
do fluxo sanguíneo, promove uma maior disponibilidade
de oxigênio e nutrientes, levando a uma
vasoconstricção. O resultado é a normalização do fluxo
mesmo com a pressão elevada. Que bom que isso
existe – se não qualquer pico hipertensivo seria passível
de nos levar ao AVC agudo ou a hipertensão
intracraniana.
A teoria miogênica do controle de fluxo pela pressão
arterial realiza uma defesa baseada na contração
muscular e o papel do cálcio no mecanismo. Segundo
esta teoria, o estiramento dos vasos, promove a abertura
dos canais de cálcio que irá resultar na vasoconstricção
que regulariza o fluxo.Ok, aprendi que existem várias maneiras de o corpo se
autorregular para aumentar o fluxo em uma determinada
região. Mas quais as consequências disso? À situação
de maior recepção de fluxo damos o nome de
“hiperemia” e ela pode ser ativa ou reativa, como
veremos nos dois próximos parágrafos.
A hiperemia ativa é o aumento do fluxo sanguíneo, em
até vinte vezes, resultado do aumento da demanda
tecidual como vimos até aqui. Por exemplo, durante a
atividade física em que os músculos demandam mais
recursos, consequentemente aumentando o fluxo
sanguíneo para eles.
A hiperemia reativa é uma resposta à falta temporária
de fluxo no local, ou seja, é uma reação. Em um local
que, por acaso, fique desprovido de recursos por um
tempo, quando o fluxo for restituído, este será
amplificado em quatro a sete vezes acima do normal
para compensar a sua ausência temporária. Este efeito
pode ser demonstrado ocluindo-se temporariamente as
artérias radial e ulnar, liberando-as posteriormente. A
palma da mão irá apresentar uma vermelhidão
brevemente que é resultado do aumento do fluxo
sanguíneo.
2. CONTROLE A LONGO PRAZO
O oxigênio tem papel no controle do fluxo sanguíneo
também a longo prazo. A neovascularização a partir da
angiogênese, que é a formação de novos vasos a partir
de um pré-existente para suprir a baixa oferta de O2 e o
estresse oxidativo de uma determinada região, nada
mais é do que um mecanismo de longo prazo de regular
um fluxo para uma região, concorda? Vimos isso no
Capítulo 1. O que não vimos no Capítulo 1 e deixamos
para falar agora é que a angiogênese pode, também, ser
patológica: por exemplo, promover o crescimento de um
tumor que já ficou muito grande para receber apenas
demanda local por difusão (5).
Um exemplo digno de nota do papel do oxigênio na
angiogênese é a curiosa e triste epidemia de cegueira
em neonatos prematuros que houve na década de 40,
no período pós-guerra. O excesso de oxigênio ofertado a
esses bebês causava uma vasoconstricção local com
hipóxia tecidual retiniana, sendo esse o primeiro estágio
da doença. Depois, a hipóxia iria levar a níveis altos de
fator de crescimento derivado do endotélio e fator de
crescimento insulina-like, duas substâncias que
promovem uma violenta angiogênese, fazendo com que
a retina do bebê ficasse super-vascularizada,
predispondo a hemorragias e cicatrizações que
finalmente levariam o bebê à cegueira. A epidemia da
década de 40 passou, mas os avanços da Medicina
permitiram com que bebê cada vez mais prematuros
fossem viáveis, dando início a uma nova onda de
retinopatia da prematuridade (6).
3. DERIVADOS DO ENDOTÉLIO
O endotélio, camada interna de revestimento dos
vasos sanguíneos tem a capacidade de autorregulação
através da liberação de fatores vasoativos como o óxido
nítrico e a endotelina.
O óxido nítrico (ON) é um vasodilatador importante que
está relacionado à integridade do endotélio. O atrito do
sangue no endotélio vascular causa um estresse ao
tecido, chamado de estresse de cisalhamento, ou shear
stress, como alguns livros podem trazer. Este atrito
depende basicamente do fluxo e da viscosidade
sanguínea. Ou seja, quando o estresse cisalhamento
aumenta, promove a liberação de ON, visando evitar
danos ao endotélio através da vasodilatação. Por
possuir ação sistêmica, o óxido nítrico é capaz de
relaxar artérias proximais ao local de alto fluxo,
possuindo um papel mais amplo nessa regulação que os
vistos até então. A via de sinalização do óxido nítrico é a
seguinte (atenção, não se perca agora): óxido nítrico se
liga à guanilato ciclase, ativando-a. A guanilato ciclase
ativada retira dois grupamentos fosfato da molécula do
guanosina trifosfato, fazendo ela se transformar na
guanosina monofosfato cíclica (GMPc). Essa molécula
vai diminuir a entrada de cálcio na célula e sua liberação
pelo retículo sarcoplasmático. Sem cálcio não há
contração efetiva da musculatura lisa (7). Ufa, acabou.
Só comentamos porque é importante. Não desista. Por
que isso é importante? Porque em 1863 um senhor
chamado Sir Thomas Lauder Brunton usou os nitratos
pela primeira vez para promover vasodilatação e
melhora da isquemia em pacientes com angina do peito
(8). Tem mais: uma outra via de sinalização do GMPc
que você vai conhecer (como médico ou como usuário,
sabe-se lá...) é a fosfodiesterase que degrada a
molécula. Os inibidores da fosfodiesterase, portanto,
elevam os níveis de GMPc e causam vasodilatação.
Estamos falando do famoso “Viagra” (9).
A endotelina possui uma ação inversa à do ON. Ele é
dos mais poderosos vasoconstritores e a sua liberação
está relacionada ao dano endotelial (ex: trauma). Sua
ação se dá por outra via, a da fosfolipase C, que no fim
das contas aumenta o cálcio intracelular e a capacidade
de contração das células musculares lisas vasculares. A
sua liberação da endotelina visa, principalmente, evitar
perdas sanguíneas. Sendo assim, se ocorrer uma
ruptura de um vaso sanguíneo, essa vasoconstrição irá
tentar obstruí-lo e conter a hemorragia. Entretanto,
elevadas medidas pressóricas podem lesar o endotélio e
promover uma maior elevação da pressão. Formando
assim uma cascata de degradação do endotélio.
Fármacos antagonistas da endotelina têm sido usados
no tratamento da hipertensão pulmonar (10).
4. REGULAÇÃO HUMORAL OU ENDÓCRINA
A regulação humoral é o controle da circulação feito
por substâncias que atuam basicamente no diâmetro
dos vasos. Logo, podemos dividir essas substâncias em
agentes vasoconstritores e agentes vasodilatadores.
5. EPINEFRINA (ADRENALINA) X
NOREPINEFRINA (NORADRENALINA)
Em situações de exercício e de estresse (luta ou fuga)
o sistema nervoso autônomo simpático responde com
liberação de norepinefrina. Além de ter sua própria ação
vasoconstritora potente, a norepinefrina aumenta a
frequência e a força dos batimentos cardíacos e estimula
a medula das glândulas suprarrenais a produzir e liberar
ainda mais norepinefrina e epinefrina. A ação destas
suas substâncias se dá através do agonismo de canais
alfa e beta adrenérgicos, ativando, através das proteínas
Gs, a adenil ciclase que irá retirar dois grupamentos
fosfato da adenosina trifosfato (ATP) para formação da
adenosina monofosfato cíclica (AMPc) que por sua vez
irá promover a ação da proteína kinase A (PKA) que tem
como efeito principal a liberação e sensibilização de
moléculas de cálcio. Mais cálcio: maior contração de
musculatura lisa (Figura 3.2). Ufa, terminamos a parte
chata. Pode acordar agora. Consequentemente a tudo
isso que você não leu, ocorre vasoconstrição periférica
(direciona mais sangue para as vísceras e músculos
estratégicos), quebra de reservas de glicose no fígado,
disponibilizando mais energia, ou seja, fornece ao corpo
todos os instrumentos necessários.
Figura 3.2: Óxido nítrico x adrenalina ou noradrenalina
(imagem original).
Esta ação vasoconstritora da epinefrina ocorre de
forma sistemática com exceção das artérias que irrigam
o coração, as artérias coronárias. Nelas a epinefrina
provoca a vasodilatação. Fato importante, pois o
coração está sendo altamente exigido, logo há demanda
aumenta.
A importância prática disso é que tanto a norepinefrina
como a epinefrina são drogas usadas em pacientes
gravemente enfermos, na tentativa de aumentar sua
pressão arterial e manter fluxo sanguíneo adequado
para os órgãos nobres.
6. ANGIOTENSINA II
A angiotensina II é o produto final da cadeia do sistema
renina-angiotensina-aldosterona e é um vasoconstritor
potente. Sua ação se dá principalmente em um receptor
conhecido como AT1, bem distribuído por todos os
órgãos do corpo. O receptor AT1 age em proteínas Gs
da membrana plasmática que estimularão fosfolipases C
a produzir inositol 3-fosfato que se ligará ao seu receptor
no retículo sarcoplasmático e abrirá um canal para
efluxo de cálcio. Mais cálcio na célula: mais contração.
Age também no metabolismo do ácido aracdônico, que
através de prostaglandinas, tromboxano A2 e
leucotrienos também irá induzir a vasoconstricção (11).
(Ver “Papel dos rins na regulação ao final do capítulo”)
Comonem tudo é perfeito, essa via de sinalização
também pode ser patológica e tem papel central na
patogênese da insuficiência cardíaca congestiva. Ao
mediar estresse oxidativo, níveis altos de angiotensina II
levam à inflamação e fibrose. Este sistema é tão
importante que diferentes medicações anti-hipertensivas
e para controle de insuficiência cardíaca agem em
diferentes etapas do seu metabolismo: existem drogas
para inibir a liberação de renina, por exemplo, outras
para inibir a conversão de angiotensina I em
angiotensina II (inibidores da ECA), e também drogas
inibidoras do receptor AT1 (bloqueadores dos receptores
da angiotensina II).
7. VASOPRESSINA (ADH – HORMÔNIO ANTI-
DIURÉTICO)
A vasopressina é um peptídeo sintetizado pelo
hipotálamo em resposta a situações de hipovolemia ou
hipotenso. Além de promover a retenção de líquido,
aumentando o volume sanguíneo, a vasopressina
também tem efeito vasoconstritor. Seu efeito se dá por
ação nos receptores V1 que ativam a via do
fosfotidilinositol, inibição de vias colinérgicas e do óxido
nítrico e potencialização de outros agentes
vasoconstrictores. Seu efeito é mais duradouro que o da
norepinefrina (12). (Ver “Papel dos rins na regulação ao
final do capítulo”)
8. BRADICININA
Descoberta por três fisiologistas brasileiros em 1949 no
campus de Ribeirão Preto da USP a partir de testes com
veneno de jararaca, a bradicinina provoca tanto a
dilatação arteriolar, quanto o aumento da permeabilidade
capilar, ou seja, o aumento dos poros capilares. O efeito
da bradicinina é mais lento que o da substância que, na
verdade, os cientistas estavam estudando na época, a
histamina. Por ser mais lento, foi nomeada bradicinina
(13).
9. HISTAMINA
Ação semelhante à bradicinina e é liberada por
mastócitos e basófilos (células sanguíneas) nos
processos inflamatórios, principalmente, nas reações
alérgicas e tem ação predominantemente vasodilatadora
por ação na proteína G, nesse caso liberando ON (14).
Seus efeitos vasodilatadores são tão potentes que, em
reações alérgicas, levam o indivíduo ao choque
distributivo, um tipo específico de colapso hemodinâmico
(15).
10. ADENOSINA
Nucleosídeo simples presente em abundância no
corpo, é a molécula básica do ATP e do AMPc, que tanto
comentamos aqui. Quando na forma pura, a adenosina
sofre rápido catabolismo de uma enzima chamada
adenosina deaminase, e é transformada em inosina. Age
em quatro canais, o A1, A2A, A2B e A3 com ações
variáveis na proteína Gs, tendo como efeito final a
vasodilatação (16,17).
11. ÍONS CÁLCIO, POTÁSSIO E MAGNÉSIO
Os íons cálcio que provocam vasoconstrição, enquanto
que os íons potássio e magnésio promovem a
vasodilatação.
3. REGULAÇÃO NERVOSA
A regulação nervosa é a mais rápida resposta do corpo
a situações externas, podendo duplicar a pressão arterial
em questão de segundos. É regulada basicamente pelo
sistema nervoso autônomo (SNA), que pode ser dividido
em SNA simpático e no SNA parassimpático. Quanto a
esta divisão, os dois componentes terão focos diferentes
na regulação do sistema circulatório. O SNA simpático irá
regular a circulação através de alterações nos vasos, e é
dele que vamos falar a partir de agora. Enquanto que o
SNA parassimpático se utiliza de alterações na função
cardíaca, objetivo do capítulo 06.
A maioria dos vasos nos tecidos são inervados por fibras
simpáticas, com exceção do leito capilar. Estas fibras
simpáticas estimuladas irão promover aumento da força
de contração cardíaca e vasoconstrição, principalmente,
pela liberação de norepinefrina. Nós já falamos da
norepinefrina e da epinefrina neste mesmo capítulo,
quando discutíamos “regulação humoral”. Pois é. Essas
são substâncias endócrinas (agem a distância do órgão
em que foram produzidas) com liberação regulada pelo
sistema nervoso.
A redução do diâmetro do vaso provocada pela
norepinefrina e pela epinefrina vai provocar dois principais
efeitos, a depender do local de atuação. Em se tratando
das arteríolas, haverá aumento da resistência periférica, o
que resultará na redução da velocidade do fluxo e no
aumento da pressão arterial. Em grandes veias, o sangue
acumulado nestes vasos será repelido para frente,
levando-o com mais intensidade ao coração, portanto,
aumentando o retorno venoso.
A partir desse aumento do retorno venoso, ocorrerão
dois reflexos: Frank-Starling e Bainbridge, abordados no
capítulo 05. Ocorre aumento da frequência cardíaca e
força de contração, consequentemente, aumentando o
débito cardíaco e a pressão arterial. Vamos repetir porque
é importante: o aumento do retorno venoso aumenta o
débito cardíaco sistólico e também a pressão arterial.
Grife essa parte. “Ah, mas eu já vinha grifando tudo...”.
Grife de outra cor.
Existe uma área no cérebro que controla, a cada
momento, o tônus muscular dos vasos do corpo: é o
centro vasomotor. Localizado no bulbo, este possui uma
área sensorial que recebe informações de receptores
localizados nos vasos e no coração. Podendo ser dividido
em duas áreas: a área vasoconstritora e a área
vasodilatadora. Os neurônios originários da área
vasoconstritora enviam constantemente potenciais
elétricos para os vasos sanguíneos de todo o corpo,
mantendo assim o que é denominado de tônus vasomotor,
pois existe uma constrição parcial contínua dos vasos.
Caso ocorra um estímulo nessa área, resultará em uma
maior liberação dos potenciais que promoverá uma
resposta mais significativa, ou seja, vasoconstrição.
Quanto à área vasodilatadora, as fibras originárias desta
se projetam para a área vasoconstritora, inibindo a sua
atividade, o que vai resultar na vasodilatação dos vasos,
através da redução do tônus vasomotor.
Em situações em que há uma isquemia (redução da
irrigação de determinado tecido) cerebral importante, há
uma resposta intensa de vasoconstrição na tentativa de
levar mais sangue ao cérebro. Essa resposta só ocorre
com pressões baixo de 60mmHg, vindo a atingir uma
resposta máxima sob pressões de 15 a 20mmHg.
Outra resposta a isquemia cerebral é a Reação de
Cushing. Ela é causada pelo aumento da pressão do
líquido cerebrospinal dentro da caixa craniana. Uma vez
que a pressão intracraniana se iguale a pressão arterial,
resultará na obstrução dos vasos cerebrais (lembra do
mecanismo de aferição da pressão arterial? O líquor faz
uma acção semelhante ao manguito). Em resposta, o
centrovasomotor irá provocar o aumento da pressão
arterial para que novamente supere a do líquido
cerebrospinal, aumentando a pressão de dentro para fora,
forçando a reabertura dos vasos e o restabelecimento do
fluxo sanguíneo. Desta forma, protege os centros vitais do
encéfalo da perda de nutrição.
1. BARORRECEPTORES E
QUIMIORRECEPTORES
Os barorreceptores são receptores de estiramento
presentes na parede das grandes artérias sistêmicas.
Sendo assim, o aumento da pressão arterial estira esses
receptores, resultando na transmissão de sinais para ao
centrovasomotor. Ou seja, funciona como um
mecanismo de feedback negativo em que o receptor
detecta o aumento da pressão pelo seu estiramento e
envia um sinal através de uma fibra parassimpática
como resposta ao centrovasomotor que, por sua vez,
enviará uma resposta vagal com liberação de
acetilcolina, o neurotransmissor parassimpático. A
acetilcolina, em ação nos receptores muscarínicos, irá
promover vasodilatação e redução da frequência
cardíaca, diminuindo então a pressão arterial (18).
Apesar de estarem presentes nas grandes artérias
sistêmicas, são realmente abundantes em duas regiões:
nos seios carotídeos localizados na parede das
carótidas internas e na parede do seio aórtico (Figura
3.3). É este o racional de uma famosa, mas perigosa,
manobra na cardiologia: a massagem do seio carotídeo
consiste em ativar o nervo vago (parassimpático) a fim
de interromper arritmias cardíacas através da inibição
parassimpática (19). Um outro exemplo é o “mata-leão”,
golpe amplamente aplicado em torneios de luta que
consiste em estrangular o oponente com um dos braços.
Este além de interromper de forma significante o fluxo
sanguíneo cerebral,estimula os barorreceptores que
entendem que a pressão está elevada e promovem
vasodilatação. Consequentemente, reduzindo ainda
mais a irrigação cerebral.
Figura 3.3: Os barorreceptores (retirada do Guyton).
Os quimiorreceptores também representam um
mecanismo de feedback negativo. Eles reagem às
concentrações de oxigênio, dióxido de carbono e
hidrogênio. Se houver queda na pressão, ocorrerá a
redução do fluxo sanguíneo, resultando na redução dos
níveis de oxigênio e no aumento do dióxido de carbono e
íons de hidrogênio. Desta forma, os quimiorreceptores,
através da inibição parassimpática, irão estimular o
centrovasomotor objetivando o aumento da pressão
arterial. Entretanto a pressão precisa estar abaixo de
80mmHg para eles detectarem alguma variação. Os
quimiorreceptores são muito mais importantes na
fisiologia da respiração que na circulação.
O efeito a longo prazo da regulação por
barorreceptores é questionável. Parece que ocorre uma
redefinição dos níveis considerados “normais” destes
sensores – em outras palavras, os receptores se
acostumam com aqueles níveis pressóricos. Se pressão
arterial subir e se mantiver em um nível mais alto que o
normal, inicialmente ocorrerá o envio de múltiplos
estímulos a fim de reduzir os níveis pressóricos, porém
no decorrer de um a dois dias, os centros passam a
adaptar-se a essa nova pressão, se reajustam a esse
novo nível, e param de enviar estímulos para reduzir a
pressão. Ou seja: não confie nos barorreceptores a
médio e longo prazo.
2. PAPEL DOS RINS NA REGULAÇÃO
Entendemos por que a curto prazo o sistema nervoso
autônomo é tão importante no controle da pressão
arterial. A longo prazo quem comanda são os rins.
Vamos entender como.
O ser humano recebeu de presente da Evolução o
controle de pressão arterial de acordo com o manejo das
quantidades de água e sal no corpo. É fácil entender: se
houver um aumento da pressão arterial, o ser humano
irá urinar água e sal, propriedades que chamamos de
diurese e natriurese de pressão, respectivamente,
trazendo de volta a pressão arterial a níveis normais ou
equilibrados.
Quer saber como isso pode ser importante? Na fórmula
que aprendemos no capítulo 2 (PA = DC x RVP), se eu
aumentar o débito cardíaco (e, por conseguinte a PA), eu
vou aumentar o débito renal, urinar mais e reduzir o
débito cardíaco. Simples assim.
Aliás, você já se perguntou como o sal eleva a pressão
arterial? É fácil. Sal é uma substância osmolar e puxa
água para si. Se não houver água para puxar, essa
osmolalidade aumentada vai estimular o centro da sede
para que o indivíduo beba mais água. Além disso, a
maior osmolalidade vai estimular a secreção do
hormônio antidiurético, que vai fazer com que o indivíduo
urine menos e permaneça com a maior quantidade de
água possível no corpo. Agora sim. Aumento de sal e
água = aumento da PA. Quando a PA aumentar, o
hormônio antidiurético cessará sua secreção, o débito
renal aumentará, e o indivíduo voltará a urinar, reduzindo
a PA. Lindo. Mas não permanece assim pela vida
toda(20). Os hipertensos são hipertensos justamente
porque perderam essa capacidade de autorregulação
(Figura 3.4).
Figura 3.4: Curvas de resposta natriurética de uma
pessoa normal e um hipertenso em resposta à ingestão
de água e sal. Perceba que o indivíduo normotenso
consegue urinar quantidades enormes de sal e água
sem que haja grandes diferenças em sua pressão
arterial (curva íngreme). Já o hipertenso até consegue
urinar, mas o faz aumentando a sua pressão arterial na
curva da abscissa (curva menos angulada) (retirada do
Guyton).
Além da capacidade que os rins possuem de regular a
pressão arterial por meio do manejo de volume e urina,
eles possuem também papel endócrino. Esse papel se
dá através de um dos sistemas enzimáticos mais bem
conhecidos da Fisiologia Médica e, por conseguinte,
mais cobrados em provas de fim de semestre,
residência, concursos, etc.: é o Sistema Renina-
Angiotensina-Aldosterona (SRAA).
A liberação de renina é feita pelas células
justaglomerulares quando ocorre queda da pressão
arterial. Ela será liberada no sangue e terá o papel de
clivar uma proteína plasmática, o angiotensinogênio.
Vale ressaltar que ambas as substâncias, tanto a renina
quanto o angiotensinogênio, não possuem papel
vasoativo direto. Porém, essa clivagem do
angiotensinogênio irá resultar na liberação da
angiotensina I, que possui um papel vasoconstritor
discreto. O efeito vasoconstritor considerável do sistema
será feito pelo produto final do sistema, quando a
angiotensina I é convertida em angiotensina II pela
enzima conversora de angiotensina (ECA), presente
principalmente no endotélio dos vasos pulmonares.
Além de ser um potente vasoconstritor, a angiotensina
II (suas propriedades já foram vistas na seção “controle
humoral”) ainda influencia na outra variável: o volume do
fluído. Esta irá agir diretamente pela retenção de sal e
água que ela provoca nos rins, através da constrição das
arteríolas renais e indiretamente pelo estímulo de
secreção de aldosterona pelas glândulas adrenais. A
aldosterona provoca a reabsorção de sódio, trocando-o
por potássio ou hidrogênio, e agora sabemos que
consequente à reabsorção de sódio, por pressão
osmótica, mais água será retida também (Figura 3.5).
Para completar, ainda estimula a sede. Resumidamente,
além de reduzir a excreção de água, a angiotensina II irá
estimular a sua ingestão. E devido ao fato de que o
plasma é composto de aproximadamente 90% de água,
isso tudo resultará no aumento da pressão arterial.
Os rins também estimulam a liberação da vasopressina
(ADH). Esse hormônio liberado pela neurohipófise
também irá estimular a retenção de água nos rins.
Portanto, promovendo o aumento da pressão arterial. O
efeito diurético do álcool é devido a este suprimir a
produção da vasopressina.
Figura 3.5: Sistema renina-angiotensina-aldosterona. A
renina produzida pelos rins em resposta a uma queda da
pressão arterial interage com o angiotensinogênio para
formação de angiotensina I. A angiotensina I será
transformada em angiotensina II pela enzima conversora
de angiotensina (ECA) em vários tecidos, mas
principalmente nos pulmões. A angiotensina II tem
efeitos vasoconstrictores humorais e anti-natriuréticos. O
efeito final dessa cascata é o aumento da pressão
arterial (retirada do Guyton).
O QUE ACONTECE SE COLOCARMOS TODOS OS
FATORES REGULATÓRIOS QUE APRENDEMOS EM
UM GRÁFICO SÓ?
Como vimos, a regulação mais aguda é a dos
barorreceptores e quimiorreceptores. As respostas locais
e humorais tendem a ocorrer mais a médio prazo e a
resposta renal ocorre depois de horas, sustentando-se
infinitamente – ou até que esse sistema também
acostume-se com os novos níveis pressóricos, coisa que
leva semanas a meses (Figura 3.6).
Figura 3.6: Gráfico que resume toda a regulação que
acontece no nosso corpo quando algum fator aumenta a
pressão arterial. Perceba que a resposta mais aguda é a
dos barorreceptores, seguida dos fatores humorais e,
por fim, a resposta mais dramática e mais sustentada é
o controle renal (retirada do Guyton).
4. CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os
assuntos abordados nesse capítulo!
 CAPÍTULO 4
 O Coração
1. CASO CLÍNICO
Terminado o estágio com Dr. Barros, você retorna de férias
renovado e pronto para aprender muita Medicina. A
procrastinação ficará de lado esse semestre, você prometeu
a si mesmo.
Logo na primeira aula, uma grata surpresa. O professor,
Dr. Benito, 80 anos, jaleco amassado e encardido, entra na
sala com um disquete e pede que os alunos ajudem a
projetar os diapositivos na parede. Ele estava ali para dar
uma aula de anatomia do coração.
Após trinta minutos de aula, no entanto, o imprevisível
aconteceu. Dr. Benito começou a se sentir mal na frente de
todos os alunos. Ele sustentou seu corpo na parede para
não cair, enquanto suava frio. As alunas da primeira fila
rapidamente chegaram para socorrê-lo e perguntaram o que
acontecia. Dr. Benito não conseguia falar, apenas balbuciava
sons incompreensíveis.As alunas também perceberam que
metade de seu rosto e do seu corpo não se movia.
Os alunos nesse momento ainda não sabiam, mas Dr.
Benito possui um defeito congênito no coração, ou seja, que
o acompanha desde o seu nascimento, há 80 anos. E agora,
justo no meio da aula, esse defeito lhe causou um acidente
vascular encefálico...
1. POSSÍVEIS PALAVRAS DESCONHECIDAS
Disquete: dispositivo removível usado como
meio de armazenamento em computadores da
idade média
Diapositivo: modo como as pessoas chamavam
“slide” na idade da pedra
2. PALAVRAS-CHAVES
“anatomia”, “coração”, “valvas cardíacas”
3. OBJETIVOS
Compreender a anatomia do coração e sua relação
topográfica com órgãos circunvizinhos
2. INTRODUÇÃO
Nos capítulos anteriores, abordamos tudo o que você
precisa sobre as rotas do sistema cardiovascular: sua
anatomia, histologia, e os detalhes mais importantes da sua
dinâmica e regulação. Agora, iniciaremos o estudo da
bomba mantenedora desse sistema, que é o coração. Este
órgão se utiliza de contrações ritmadas que impulsionam o
sangue entre seus compartimentos (as câmaras cardíacas)
para as rotas que partem dele (as grandes artérias) para
exercer essa sua função principal, que é manter o fluxo
contínuo e necessário para suprir as demandas dos
sistemas.
O que move o médico é a curiosidade, então: “Eu lembro
que são quatro compartimentos os do coração, mas eu sei
realmente a anatomia de cada um deles? ”, “Como que o
coração faz para direcionar corretamente o sangue para o
local certo? ”, “O que inicia e o que controla o batimentos
cardíacos?”
Antes de iniciarmos, gostaríamos de chamar atenção para
um detalhe didaticamente muito importante sobre este
capítulo. Com o advento da tomografia computadorizada e
da ressonância nuclear magnética se tornou possível o
estudo da anatomia humana in vivo. Selecionamos algumas
figuras tomográficas que julgamos mais didáticas para seu
entendimento. Veja essas figuras com calma, entenda o
plano anatômico que você está visualizando, ou seja, de
onde você está vendo aquele órgão, leia as legendas com
paciência, sem leitura dinâmica! E, ao fim do capítulo, você
entenderá bem a anatomia desse majestoso órgão.
3. ANATOMIA TOPOGRÁFICA – O
MEDIASTINO E PERICÁRDIO
O coração é localizado aproximadamente na região medial
do seu tórax, com cerca de 1/3 no lado direito e os outros
2/3 do lado esquerdo, levemente inclinado para esquerda,
em uma região denominada de mediastino.
Como pode conferir na Figura 4.1, o mediastino é o
compartimento da caixa torácica cercado pelas regiões
ocupadas pelos pulmões. Essa região é dividida de forma
arbitrária em superior e inferior, considerando uma linha do
ângulo do esterno até a borda inferior da vértebra T4 como
nível de transição crânio-caudal para essas regiões. Sendo
assim, o mediastino superior é a região que se encontra
entre o manúbrio do esterno e as quatro vértebras torácicas
superiores, enquanto que o mediastino inferior se inicia do
nível do ângulo, ou seja, do corpo do esterno e é delimitado
inferiormente pelo diafragma. E se você perceber na
imagem, o mediastino inferior ainda é dividido em anterior,
em médio e em posterior – sendo que o médio é composto
pelo pericárdio e seu conteúdo. Ou seja, o mediastino
superior é uma região única, enquanto que o mediastino
inferior é subdividido.
Figura 4.1: Essa imagem esquemática te permite observar
em uma visão frontal e, principalmente, na visão lateral as
delimitações do mediastino. Aproveite a imagem para ter o
registro visual de como apenas o mediastino inferior é
dividido e a exata posição do coração: o mediastino médio.
E o que é pericárdio? Um saco fibroseroso, composto de
camadas, que reveste o coração e as raízes dos grandes
vasos, fornecendo além de uma maior proteção e
sustentação, uma maior mobilidade ao órgão em seus
batimentos. Isto devido ao pericárdio possuir ligamentos que
se fixam a estruturas vizinhas, porém há um espaço na sua
estrutura de camadas preenchidas por 50 ml de um líquido
lubrificante (líquido pericárdico) que permite as mudanças de
formato no ciclo cardíaco. O pericárdio é formado por duas
camadas principais, sendo que a mais interna ainda é
subdividida em duas lâminas ou folhetos (vide Figura 4.2). A
camada mais externa denominamos de pericárdio fibroso.
Uma camada de tecido conjuntivo denso modelado e rica em
colágeno que se adere tanto ao centro tendíneo do
diafragma quanto ao esterno através dos ligamentos
esternopericárdicos. São essas fixações que ajudam a
manter o coração em seu local na parede torácica,
oferecendo inclusive por isso, uma maior proteção. O
pericárdio seroso é a camada mais interna e é composto da
lâmina parietal e da lâmina visceral. A lâmina parietal, do
latim “relativo a parede”, está mais próxima à parede
torácica e por isso reveste internamente o pericárdio fibroso
que é a camada mais externa. Já a lâmina visceral, relativo a
víscera, se relaciona diretamente com o coração, sendo
inclusive a sua camada mais externa, consequentemente,
podendo ser chamada de epicárdio. Esta camada é contínua
com a camada mais externa dos grandes vasos, a túnica
adventícia.
Figura 4.2: A estrutura de camadas do pericárdio e do
coração. Se ainda restava dúvida para você na visualização
das camadas, esta imagem esquemática deixa claro a
sequência que descrevemos (retirada de
http://www.attivazionibiologiche.info/PasadoFuturo/mesoder
ma-antico.html.).
O pericárdio não é uma estrutura anatômica fixa, como
parece ao estudar um cadáver. Na verdade, como é formado
por estruturas ocas com passagem de sangue (coração e
vasos da base) e alimentos (esôfago), o mediastino precisa
apenas de uma camada de tecido conectivo frouxo para
manter todos os órgãos fixados no interior do seu tórax.
As artérias que irrigam o pericárdio são derivadas das
artérias torácica interna e musculofrênica, e da porção
torácica descendente da aorta. Suas veias são tributárias do
sistema ázigo. Ou seja, seu suprimento vascular não é
composto das artérias coronárias que são as responsáveis
pela irrigação do coração e serão abordadas adiante neste
capítulo.
O pericárdio é local de duas doenças bastante conhecidas
na prática clínica: a pericardite, inflamação do saco
pericárdico, que cursa com um quadro clínico e
eletrocardiográfico semelhante ao do infarto agudo do
miocárdio; e o tamponamento cardíaco, que ocorre quando
algum líquido se acumula nesse saco, não permitindo o
relaxamento e consequentemente o enchimento do coração,
que passa a “bater vazio” (1).
4. ANATOMIA DESCRITIVA
1. CARACTERÍSTICAS GERAIS
O coração é um órgão fibromuscular oco, internamente
formado por quatro câmaras cardíacas: dois átrios e dois
ventrículos. Ele se localiza no mediastino médio e assume
uma posição oblíqua no tórax. A sua base está no nível da
quinta à oitava vértebra torácica e sua porção mais inferior
repousa sobre o diafragma. Quem colocou o coração no
tórax dos humanos não estava muito preocupado com
didática, mas com funcionalidade. Portanto, é importante
saber que o coração está disposto de forma oblíqua no
tórax e com sua ponta direcionada anteriormente, sendo
que suas cavidades direitas são anteriores e suas
cavidades esquerdas posteriores, em uma visão grosseira
(e não cavidades direitas são direitas e esquerdas são
esquerdas, como alguém poderia pensar). Como o
ventrículo esquerdo é maior que o ventrículo direito, o
ápice cardíaco, apesar de ser uma estrutura anterior no
tórax, é proveniente do coração esquerdo. Veja a Figura
4.3 e leia sua legenda para entender (2).
Figura 4.3: Essa é uma imagem de Ressonância
Magnética. Para entender essa figura, perceba primeiro o
ângulo de visão (de baixo para cima). Por isso o que é
esquerdo está à direita na figura. Agora veja que o coração
está oblíquo no tórax e com sua ponta direcionada
anteriormente. Perceba também o que eu falei: o ventrículo
direito é anterior ao ventrículo esquerdo, ou seja, está mais
próximo da caixa torácica. Porém, como o ventrículo
esquerdo é maior, ele acaba assumindo a posiçãoanterior
à medida que o coração vai se lateralizando. AD = átrio
direito; VD = ventrículo direito; VE = ventrículo esquerdo;
AoD = aorta descendente.
O ápice, geralmente, é encontrado na altura do quinto
espaço intercostal esquerdo na linha hemiclavicular. Nesta
região pode ser possível visualizar, em semiologia, o que
chamamos de ictus cordis, que significa “choque da ponta”.
É o local onde pode se visualizar e palpar os batimentos
cardíacos devido à proximidade do órgão com a parede
torácica.
A base é relativamente quadrilátera e, também devido à
inclinação do coração, está localizada posteriormente e à
direita. Devido à rotação do coração, talvez seja difícil
entender, mas as estruturas que a formam são o átrio
direito e o átrio esquerdo. É nessa região por onde chegam
as veias (Figura 4.4).
Figura 4.4: Agora você está olhando um boneco deitado a
partir da sua cabeça e ele está deitado com o nariz na
cama. Perceba que a estrutura mais posterior do coração é
o átrio esquerdo e sua base (oposta ao ápice) é formada
pelos átrios direito e esquerdo. AoA = aorta ascendente;
AoD = aorta descendente; AE = átrio esquerdo; APD =
artéria pulmonar direita; APE = artéria pulmonar esquerda;
VCS = veia cava superior; ACD = artéria coronária direita;
TP = tronco pulmonar; VD = ventrículo direito e VE =
ventrículo esquerdo.
O peso médio do órgão em um adulto é de
aproximadamente a 300 g nos homens e 250 g nas
mulheres. Quanto às dimensões, o coração possui 12 cm
aproximados da base até o ápice, 8-9 cm no seu diâmetro
mais largo e por volta de 6 cm de medida anteroposterior.
Costuma-se ilustrar o tamanho do coração pela vista
anterior como, aproximadamente, o tamanho do seu punho
fechado, devido à sua inclinação.
Externamente, podemos visualizar os sulcos que são
resultados da divisão das câmeras cardíacas. Sendo
assim, o sulco interatrial é o sulco que separa os átrios. O
sulco coronário separa os átrios dos ventrículos, e é por
onde passa o seio coronário. E por fim os sulcos
interventriculares anterior e posterior que separam os
ventrículos. Nestes sulcos estão presentes duas artérias
coronárias: a artéria descendente anterior e a artéria
descendente posterior.
Internamente, como já citado, temos as câmaras
cardíacas, ou seja, os átrios direito e esquerdo e os
ventrículos direito e esquerdo, como podemos ver na
Figura 4.5
Figura 4.5: As câmaras cardíacas visualizadas após um
corte longitudinal (retirada do Netter).
5. HISTOLOGIA DO CORAÇÃO
O coração é um vaso sanguíneo altamente modificado.
Durante o desenvolvimento embriológico, o coração se
desenvolve a partir de um grande vaso, permanecendo
conectado a eles e mantendo algumas características de
uma grande artéria em suas camadas. Sendo assim, como
um grande vaso sanguíneo, o coração também possui três
camadas na sua composição: o endocárdio correspondendo
a túnica íntima, o miocárdio que corresponde a túnica média
e o epicárdio correspondente à túnica adventícia
A porção mais externa do coração é o epicárdio, que
corresponde à camada mais interna do pericárdio, a
estrutura que protege o coração. O epicárdio é uma
continuidade da túnica adventícia dos grandes vasos. É
formada por um epitélio pavimentoso simples, o mesotélio,
que se apoia em uma camada de tecido conjuntivo frouxo,
chamada de subepicárdica, que contém acúmulos de
gorduras, vasos e nervos. Entre o folheto epicárdico e o
folheto visceral do endocárdio existe uma pequena
quantidade de fluido que facilita o movimento do coração.
O miocárdio é uma camada composta predominantemente
de células musculares cardíacas. Apesar de serem também
estriadas, não se pode confundir com as células musculares
esqueléticas, presentes nos demais músculos. Isso porque
as musculares estriadas cardíacas possuem especificidades,
a saber: se unem em complexas junções chamadas discos
intercalados, então formam redes de células. Essa
característica confere à célula muscular cardíaca principal
diferença sobre as musculares esqueléticas: essa rede de
discos munidos de gap junctions permeáveis a íons dá ao
coração a capacidade de transmissão de impulso nervoso e
também de automaticidade, que é a capacidade que
algumas células possuem de iniciar uma despolarização (em
outras palavras, dar partida no motor). A parte elétrica
cardíaca será vista com detalhes no capítulo 6 (3).
A camada mais interna, o endocárdio, se assemelha à
camada íntima de um vaso. É formada por um epitélio
pavimentoso simples, um endotélio, que repousa em uma
camada subendotelial de tecido conjuntivo frouxo
fibroelátisco e termina em uma camada chamada de
subendocárdica. Essa subcamada também é formada de
tecido conjuntivo e apresenta vasos sanguíneos e células de
Purkinje. Estas células fazem parte do sistema elétrico do
coração (capítulo 06). O endocárdio então é formado de um
endotélio, de uma camada subendotelial e de uma cada
subendorcárdica. Ou seja, dos dois lados das paredes do
coração começamos, do externo para o interno, com um
epitélio pavimentoso simples, depois temos tecido
conjuntivo, cada um com suas peculiaridades e entre elas
temos a terceira camada restante, o miocárdio.
6. ANATOMIA CARDÍACA
1. O ESQUELETO DO CORAÇÃO
Transverso à base do coração, na altura das valvas
cardíacas (que logo serão apresentadas), temos o
esqueleto do coração, uma estrutura fibrosa que é
composta por tecido conjuntivo denso. É dividida em septo
membranoso, trígono fibroso e o ânulo fibroso. Esse
esqueleto serve de sustentação para as valvas e tem papel
de isolante elétrico entre os átrios e os ventrículos (Imagem
4.6). Já adiantando: os átrios precisam contrair primeiro
para encher os ventrículos de sangue. Não podemos
esperar que os átrios e os ventrículos contraiam juntos em
situação normal.
Figura 4.6: O esqueleto cardíaco. Um tecido conjuntivo
denso que possui a função de fixar o miocárdio atrial e
ventricular, apoiar e reforça as aberturas das quatro
válvulas do coração e separar eletronicamente o ventrículo
dos átrios (retirada do Netter).
2. AS CÂMARAS CARDÍACAS
As câmaras cardíacas funcionam como compartimentos
temporários para o fluxo sanguíneo. O sangue da
circulação sistêmica chega pelo átrio direito, segue para o
ventrículo direito, de onde será ejetado para a circulação
pulmonar. O sangue então retorna oxigenado pelo átrio
esquerdo, segue para o ventrículo esquerdo e é ejetado
novamente para a circulação sistêmica. Esta comunicação
entre as câmaras cardíacas é regulada por estruturas
chamadas de valvas cardíacas. Estas funcionam como
comportas que se abrem a depender do nível de pressão
dos compartimentos.
Essa pressão dos compartimentos possui relação direta
com a ação da musculatura de que é composta e pela
resistência que o fluxo precisa vencer para seguir. Para
entender isto, basta reconhecer que o coração, por ser um
órgão predominantemente muscular, irá hipertrofiar a
depender da pressão (“força”) que precisará criar para
vencer a resistência do próximo seguimento da circulação.
Sendo assim, o lado esquerdo, que precisa de mais
pressão para ejetar sangue para todo o corpo, ou seja, que
se esforça mais o tempo inteiro, será hipertrofiado,
enquanto as paredes do ventrículo direito, que apenas
precisa enviar o sangue para seus vizinhos, os pulmões,
será mais delgada. Também por isso os átrios possuem
paredes bastante delgadas, pois o próximo seguimento são
os ventrículos que são adjacentes e, como veremos no
capítulo 05, apenas o acúmulo de sangue já é suficiente
para a abertura das valvas atrioventriculares, sendo as
suas contrações apenas um complemento ao enchimento
ventricular.
Entendidas as diferenças de espessura das paredes das
câmaras cardíacas, vamos abordar as estruturas que
compõem cada uma delas.
O ventrículo direito possui duas valvas: a valva tricúspide
(você pode encontrar livros chamando valva atrioventricular
direita, mas na prática chamamos tricúspide) separando-o
do átrio direito e a valva pulmonar (semilunar direita) que
comunica o ventrículo direito com a artéria tronco
pulmonar.Nos arredores do óstio desta valva temos uma
área de superfície lisa denominada de cone arterial ou
infundíbulo, mas na prática chamada de “via de saída do
ventrículo direito”. Na região da via de entrada, isto é,
próximo à valva tricúspide, existe uma abundância de
trabéculas cárneas, presentes em menor quantidade
também no ventrículo esquerdo. Essas trabéculas dão
origem a músculos mais proeminentes que são os
músculos papilares: o músculo papilar anterior, que é o
maior e se encontra na parede anterolateral do ventrículo
direito; o músculo papilar posterior que frequentemente é
formado por duas ou três proeminências e, por fim, o
músculo papilar septal que costuma ser tão pequeno que
pode ser imperceptível. Na parede livre do ventrículo direito
está a banda moderadora, uma ligação entre o septo e a
parede livre contendo fibras componentes do ramo direito,
essencial para a contração sincrônica das regiões mais
distantes do ventrículo direito (Figura 4.7).
Figura 4.7: Ventrículo direito. Vide texto (retirada do Netter).
O ventrículo esquerdo também possui duas valvas: a
valva mitral (bicúspide ou atrioventricular esquerda) que o
separa do átrio esquerdo e a valva aórtica (semilunar
esquerda) que comunica o ventrículo à artéria aorta. Assim
como o ventrículo direito, o ventrículo esquerdo também
possui as trabéculas cárneas, só que em menor proporção,
e os músculos papilares, que aqui dão sustentação às
cordas tendíneas. Esse aparato dá sustentação à valva e
ainda evita seu prolapso. Os dois músculos papilares
precisam ser citados com mais atenção: o anterior, um
pouco mais largo, é onde se inserem as fibras distais da
divisão ântero-superior do ramo esquerdo; e o posterior é
onde se inserem as fibras mais distais da divisão póstero-
inferior do ramo esquerdo (Imagem 4.8).
Figura 4.8: Ventrículo direito. Vide texto (retirada do Netter).
Os átrios possuem uma estrutura visível tanto
internamente quanto externamente que são os apêndices
atriais (ou aurículas, ou ainda auriculetas). Estas são
bolsas musculares de formato triangular que se continuam
com os átrios propriamente ditos. Enquanto que nos
ventrículos existem as trabéculas cárneas, nos átrios
temos os músculos pectíneos que são cristas musculares
paralelas que adentram as aurículas.
O átrio direito, possui na sua porção posterior, uma
parede lisa. Separando essa parede lisa de uma região
mais anterior contendo músculos pectinados (o apêndice
atrial direito) está a crista terminal. A crista terminal é uma
estrutura muscular que se inicia na junção da auriculeta
direita com o átrio (próximo às células de Bachmann), corre
pelo teto do átrio direito, depois pela parede livre descendo
em direção à veia cava inferior, quando encontra
novamente musculatura pectínea. O átrio direito possui
quatro óstios: o óstio da veia cava superior, que não possui
valva e é por onde retorna o sangue da cabeça, do
pescoço, dos membros superiores e do tórax; o óstio da
veia cava inferior por onde retorna o sangue de todas a
estruturas abaixo do diafragma e inclusive dele, circundada
por uma estrutura chamada valva de Eustáquio, que se
continua até o corpo fibroso central através do tendão de
Todaro; o óstio do seio coronário por onde retorna o
sangue que circulou nas coronárias, também circundada
por uma valva chamada valva de Tebésio; e o óstio da
valva tricúspide (Imagem 4.9).
Figura 4.9: Vide texto. Região demarcada em vermelho:
triângulo de Koch. Região demarcada em azul: istmo
cavotricuspídeo (retirada do Netter).
O átrio direito possui ainda diversas estruturas de forte
interesse eletrofisiológico (4): 1) nó sinusal anterior à veia
cava superior e posterior à auriculeta direita – é o marca-
passo dominante do coração, como veremos no capítulo 6;
2) região de Bachmann (muitas literaturas ainda chamam
de “feixe de Bachmann”, mas não concordamos com essa
nomenclatura), já citadas anteriormente e melhor definidas
no capítulo 6; 3) nó atrioventricular (nó AV), presente no
assoalho do átrio direito numa região chamada triângulo de
Koch (triângulo vermelho na Figura 4.9) delimitado pelo
tendão de Todaro posteriormente, óstio do seio coronário
inferiormente e folheto septal da valva tricúspide
anteriormente – é nessa região que o impulso elétrico
apresenta uma pausa de condução antes de ativar os
ventrículos, 4) o istmo cavotricuspídeo, uma região de
condução elétrica lenta entre a veia cava inferior e a valva
tricúspide – é lá que se perpetua uma arritmia chamada
flutter atrial (5) (retângulo azul na Figura 4.9).
Durante a circulação fetal há a presença de outro óstio
que comunica os átrios: o forame oval. Porém, com o
nascimento do indivíduo e consequentemente liberação da
circulação pulmonar, a pressão do lado direito fica muito
inferior ao lado esquerdo e esse forame se fecha
naturalmente. Entretanto, no local, ainda permanece visível
uma depressão oval denominada de fossa oval. Em até
27% dos indivíduos, no entanto, esse forame não se fecha
por completo, uma situação chamada “forame oval
patente”(6). Esse defeito congênito pode levar ao acidente
vascular encefálico por “embolia paradoxal”. Lembra o que
ocorreu com Dr. Benito?
Quanto ao átrio esquerdo vale ressaltar os diferentes
óstios: as veias pulmonares (quatro) chegam ao átrio
esquerdo posteriormente: são duas esquerdas e duas
direitas. Anteriormente, e lateralmente, se encontra a
auriculeta esquerda, de parede pectinada. Conectando o
átrio esquerdo com o ventrículo esquerdo, temos a já
citada valva mitral. Sobre eletrofisiologia, é importante citar
que a embriologia do átrio é compartilhada com a
embriologia das veias pulmonares, de modo que gatilhos
venosos elétricos são, atualmente, uma das etiologias de
uma importante arritmia na prática clínica: a fibrilação
atrial(7).
3. AS VALVAS E VÁLVULAS CARDÍACAS
Já falamos das valvas, mas vamos repetir com outro
enfoque, tamanha é a importância do tema na prática
clínica. As valvas cardíacas são compostas por duas ou
três válvulas (ou cúspides) e podem ser divididas em dois
tipos: as valvas semilunares que comunicam os ventrículos
com suas respectivas artérias de ejeção e as valvas
atrioventriculares que permitem a comunicação entre os
átrios e ventrículos de mesmo lado.
Quanto às valvas atrioventriculares, no lado direito,
regulando a comunicação entre o átrio direito e o ventrículo
direito, temos a valva tricúspide (atrioventricular direita) que
é formada por três válvulas (a válvula anterior, a válvula
posterior e a válvula septal). Quanto ao lado esquerdo,
temos a valva que regula a comunicação entre o átrio
esquerdo e o ventrículo esquerdo que é a valva mitral
(atrioventricular esquerda ou bicúspide). A origem de
“mitral” se deve a mitra, um tipo de chapéu utilizado por
determinados cargos da igreja que se assemelha com o
formato desta valva.
Ambas as valvas atrioventriculares possuem projeções
que se ligam às paredes ventriculares. Essas projeções
são chamadas de cordas tendíneas e se ligam
especificamente aos músculos papilares dos ventrículos. A
função dessas estruturas é impedir que as valvas se abram
na direção inversa, o que acarretaria em um refluxo
sanguíneo. A abertura para o lado indevido denomina-se
prolapso. Algo semelhante ao que acontece com o guarda-
chuva quando há ventos muito fortes. Portanto, os
músculos papilares tracionam as cordas tendíneas para
manter as valvas atrioventriculares fechadas enquanto a
pressão está elevada, permitindo que o sangue siga pelo
caminho desejado.
Quanto as valvas que regulam a comunicação dos
ventrículos com seus respectivos vasos de ejeção, estas
recebem seu respectivo nome. Ou seja, no lado direito
temos a valva do tronco pulmonar ou também chamada de
valva pulmonar (semilunar direita) na interface do tronco
pulmonar com o ventrículo direito e do lado esquerdo
temos a valva aórtica (valva semilunar esquerda) na
interface da artéria aorta com o ventrículo esquerdo.
As valvas ventrículoarteriais são formadas por três
válvulas cada em formato de um bolso como pode ver na
Figura 4.10.Este formato é outro mecanismo antirrefluxo,
pois possibilita que as valvas se fechem quando o sangue
tenta retornar ao coração. Pois, quando o sangue está indo
dos ventrículos para os vasos, estas válvulas estão sendo
empurradas em direção a parede do vaso, fechando esses
bolsos. Porém, com a queda da pressão de ejeção e com a
consequente tentativa de retorno de uma parcela do
sangue para o coração, isso faz com que esses bolsos se
encham de sangue, ocupando o lúmen do vaso, ou seja,
fecha-se a valva.
Figura 4.10: Estrutura das valvas cardíacas (retirada do
Moore).
A valva do tronco pulmonar é formada pelas válvulas
semilunar anterior, semilunar direita e semilunar esquerda.
Enquanto que a valva da aorta é formada pelas válvulas
semilunar posterior, semilunar direita e semilunar
esquerda. Ou seja, ambas possuem as suas respectivas
válvulas direita e esquerda, mas diferem na terceira. Isto
deve-se ao fato da valva do tronco pulmonar possuir uma
válvula que realmente é mais anterior ao coração,
enquanto que a valva da aorta possui uma mais posterior
ao órgão.
Cada válvula semilunar é formada por uma borda dividida
em uma região média espaçada denominada de nódulo e o
restante da borda que é mais fina e se chama lúnula.
Enquanto que os “bolsos” propriamente ditos formam os
seios que é onde o sangue acumula na tentativa de retorno
sanguíneo. Dentro destes seios sempre permanece uma
pequena porção de sangue que é o que impede a
aderência da válvula a parede do seu respectivo vaso
quando ela é empurrada na ejeção.
Uma característica peculiar da valva da aorta é que em
suas válvulas direita e esquerda, há a presença dos óstios
das artérias coronárias, as artérias que irrigam o coração.
Sendo assim, na válvula semilunar esquerda existe o óstio
do tronco da artéria coronária esquerda e na válvula
semilunar direita, o óstio da artéria coronária direita. Desta
forma, quando ocorre a tentativa de refluxo sanguíneo e
consequentemente o enchimento dos seios das válvulas
semilunares, esse sangue é direcionado para irrigar o
próprio coração. Ou seja, o sangue oxigenado tanto é
ejetado para o restante do corpo, assim como
primariamente para o próprio coração.
Resumindo brevemente o funcionamento das valvas
agora que foram apresentadas, quando o sangue precisa ir
para os ventrículos, as valvas atrioventriculares estão
abertas e as semilunares estão fechadas. Inversamente,
quando o ventrículo direito precisa ejetar o sangue para os
pulmões e o esquerdo para o restante do corpo, as valvas
atrioventriculares estão fechadas para evitar a regurgitação
do sangue para os átrios e as valvas semilunares estão
abertas para permitir o fluxo para os vasos, como
desejado.
7. SUPRIMENTO E DRENAGEM DO
CORAÇÃO
O coração é um órgão nobre do corpo humano e quando
acometido por alguma injúria pode vir a resultar
consequências severas aos demais órgãos ou até a morte.
Por isso, manter o suprimento adequado para as células
cardíacas é vital. Uma máxima do intensivismo é que
“músculo é vida” (referindo-se ao músculo cardíaco). Esta
expressão é utilizada no manejo do infarto agudo do
miocárdio (IAM), uma condição em que ocorre a suspensão
do suprimento sanguíneo a uma determinada porção do
miocárdio resultado da oclusão de uma artéria coronária ou
um de seus ramos. A morte de músculo cardíaco prejudica o
bombeamento de sangue e consequentemente o
fornecimento dos demais órgãos. Portanto, o fato de o óstio
das artérias coronárias estar localizado na imediata saída da
artéria aorta permite que o coração seja o primeiro órgão a
ser irrigado com o sangue oxigenado que retorna dos
pulmões. Um provável mecanismo protetor. É importante
também frisarmos que o fluxo coronariano se dá na diástole
cardíaca.
1. IRRIGAÇÃO – AS ARTÉRIAS CORONÁRIAS
As artérias coronárias são inicialmente duas, a artérias
coronárias direita e o tronco da artéria coronária esquerda
que possuem seus óstios presentes no seio de Valsalva,
próximo às válvulas da valva aórtica.
A artéria coronária direita e seus ramos serão
responsáveis por levar sangue para nutrir as câmeras
direita, o septo interatrial e também os nós do sistema de
condução elétrico. Eventualmente, alguns ramos irrigam
um pouco das câmeras esquerdas também, principalmente
a região basal do ventrículo esquerdo e um pouco do septo
interventricular. Já a coronária esquerda é responsável
pelas câmeras esquerdas, parte do septo interventricular e
de uma grande parte do sistema de condução distal.
O trajeto da artéria coronária direita se inicia no seu
respectivo óstio, atravessa entre o tronco pulmonar e a
aurícula direita, percorre através do sulco coronariano
direito, seguindo pela margem pulmonar direita do coração
e contorna para face diafragmática. Nesta face ela segue
até um pouco depois do cruzamento dos sulcos interatrial e
interventricular (cruz do coração). Durante este trajeto, a
artéria coronária direita emite diversos ramos, sendo os
principais (Imagem 4.11):
Ramos atriais da coronária direita: suprem os
átrios direito e esquerdo;
Ramo do nó sinusal: ramo direto do ramo atrial
da coronária direita, supre o nó sinoatrial do
sistema elétrico. Para chegar ao nó, esse ramo
se direciona posteriormente contornando a veia
cava superior. Ramo da coronária direita em
60% dos casos e da artéria circunflexa em 40%.
Ramo do cone arterial: supre a região do cone
arterial.
Ramo marginal direito: um ramo mais extenso
que se direciona para o ápice do coração.
Distalmente a artéria coronária direita trifurca-se
em:
Artéria descendente posterior: irriga as porções
basais do ventrículo esquerdo – é ramo da
coronária direita em 85% dos casos e da
circunflexa em 15%. É ela que define a
dominância da circulação: se direita (coronária
direita) ou esquerda (circunflexa). Irriga a
divisão póstero-inferior do ramo esquerdo.
Ramo ventricular posterior
Ramo do nó atrioventricular: supre o nó
atrioventricular e o feixe de His proximal do
sistema elétrico cardíaco. Ramo da coronária
direita em 80% dos casos e da circunflexa em
20%.
Figura 4.11: Imagem tomográfica da coronária direita (CD)
enviando ramos marginais (RM) e ao fim trifurcando-se em
artéria descendente posterior direita (ADPD), ramo
ventricular posterior (RVP) e artéria do nó AV (pequena e
não visualizada) (retirada de Faletra).
Figura 4.12: Anatomia da circulação esquerda. TCE =
tronco coronariano esquerdo, DA = descendente anterior,
Cx = circunflexa. O asterisco aponta para um pequeno
ramo intermédio (retirada de Faletra).
O tronco da artéria coronária esquerda, ou apenas tronco
da coronária esquerda, se origina no seio de Valsalva
esquerdo, corre posteriormente a artéria tronco pulmonar,
atravessa entre a tronco pulmonar e a aurícula esquerda,
chegando ao sulco coronário esquerdo, onde já se
ramifica, após apenas 5 mm nas suas duas artérias
principais: a artéria descendente anterior (ou interventricular
anterior) que desce em direção ao ápice e a artéria
circunflexa que segue pelo sulco até a face diafragmática
espelhando o trajeto da artéria coronária direita. Em 30%
dos corações, o tronco da coronária esquerda ainda emite
um terceiro ramo, o ramo intermédio (Imagem 4.12).
Figura 4.13: Sistema venoso de drenagem cardíaca
(retirada do Moore).
Os ramos da artéria descendente anterior são:
Diagonalis: cursa para a esquerda para suprir a
parede antero-lateral do ventrículo esquerdo
Septais: mergulham no septo para irriga-lo e
também à porção mais distal do feixe de His, e
ao ramo direito do feixe de His e à divisão
ântero-superior do ramo esquerdo
Da artéria circunflexa origina-se o ramo marginal
esquerdo em direção ao ápice. Porém, diferente da artéria
coronária direita, comumente a artéria circunflexa não
chega à cruz do coração.
2. DRENAGEM
Apesar do suprimento arterial ser mais importante, a
drenagem venosa do coração também necessita de
atenção. A estrutura principal da drenagem é o seio
coronário. Este é o maior responsável por receber o
sangue de suas tributárias e despejar no átrio direito pelo
óstio do seio coronáriocitado neste capítulo anterior. O
seio coronário tem de 2 a 3cm de comprimento e se
localiza no sulco coronário, posteriormente, entre as
câmeras esquerdas.
São cinco tributárias principais que drenam para o seio
coronário (Figura 4.13):
Veia cardíaca magna: origina-se no ápice do
coração e percorre o sulco interventricular
anterior até o sulco coronário, onde corre junto
com a artéria circunflexa. Aqui ocorre uma
situação incomum: o sangue arterial e venoso
corre na mesma direção lado-a-lado.
Responsável por ambos os ventrículos e pelo
átrio esquerdo através de suas tributárias.
Desemboca no lado esquerdo no seio coronário.
Veia cardíaca parva: responsável também pelo
ventrículo direito, assim como do átrio direito.
Veia oblíqua do átrio esquerdo (ou veia de
Marshall): resquício embrionário da veia cava
superior esquerda, presente na vida intra-
uterina. Tem importância na vida adulta
principalmente em eletrofisiologia.
Veia cardíaca posterior ou veia posterior do
ventrículo esquerdo: responsável pela porção
posterior do ventrículo esquerdo.
Veia cardíaca média ou interventricular
posterior: origina-se no ápice, como a veia
cardíaca magna, porém ascende pelo sulco
interventricular posterior (8).
8. CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os
assuntos abordados nesse capítulo!
 CAPÍTULO 5
 O Funcionamento Mecânico do
Coração
1. CASO CLÍNICO
Era uma quarta-feira cinzenta no Princeton-Plainsboro
Teaching Hospital. Os residentes, que haviam chegado às
4:30 da manhã para “passar os casos” do Pronto Socorro,
estavam agora tomando café na copinha do hospital
enquanto aguardavam seu temido chefe para uma visita.
Os internos, que chegaram às 7:50 permaneciam do lado
de fora, bocejando de sono e comentando a cervejada da
noite anterior.
Em meio ao forte cheiro de café, Lisa, uma das
residentes mais prodigiosas, parecia distante. Seu olhar
parecia vagar pelo horizonte chuvoso. Estava com um mal
pressentimento sobre a visita de hoje.
Primeiro caso, tudo bem. O residente Alvarez passou
todos os detalhes com excelência e o chefe fez uma
revisão didática sobre o manejo atual da Síndrome
Coronariana Aguda sem supradesnivelamento do
Segmento ST. Os internos, aqueles que permaneciam
acordados, anotaram em seus cadernos “nunca pedir
troponina C”.
Segundo caso, tudo bem também. Desta vez o chefe
explicou ao seu residente Tom a origem das bulhas
cardíacas e a razão do seu paciente, em específico,
possuir uma terceira bulha, a B3.
Lisa estava sentindo-se nauseada, sudoreica e pálida
quando o chefe apontou: “Lisa, esse paciente foi visto por
você, não é?”. Lisa passou o caso apavorada. Sabia que
seu chefe não pegaria leve com ela.
Este paciente parecia muito com o anterior, do Tom.
Tinha até a mesma síndrome e já apresentava B3 desde a
internação. Hoje ele estava completamente edemaciado. A
estratégia que Lisa usara para aumentar o débito cardíaco
desse paciente foi falha: ela decidiu hidrata-lo
exageradamente, pois pensou “mais pré-carga, mais pós-
carga”.
O chefe realmente não pegou leve com ela. Esse era um
erro crasso. Durante a discussão, por diversas vezes,
foram citados dois nomes: “Frank” e “Starling”.
1. POSSÍVEIS PALAVRAS DESCONHECIDAS
Síndrome Coronariana Aguda sem
supradesnivelamento do Segmento ST: A
síndrome coronária aguda (SCA) é resultado
de isquemia do músculo cardíaco e pode ser
dividida após avaliação clínica e de um
eletrocardiograma (ECG) em: angina instável
(AI), infarto agudo do miocárdio sem
supradesnivelamento de ST (IAMSS-ST) e o
infarto agudo do miocárdio com
supradesnivelamento de ST (IAMCS-ST).
Iremos abordar o ECG no próximo capítulo,
mas para simplificar a classificação, estas
apresentações irão surgir a depender da
severidade da isquemia e, consequentemente,
do dano miocárdico.
B3 / Pré-carga / Pós-carga: conceitos a serem
abordados neste capítulo
2. PALAVRAS-CHAVES
Síndrome Coronariana Aguda; Bulhas; Pré-carga;
Pós-carga
3. OBJETIVOS
Compreender o funcionamento mecânico do coração –
o seu papel como bomba.
2. O PAPEL DO CORAÇÃO COMO
BOMBA
Como vimos no capítulo 1 deste livro, o sistema
circulatório é nada menos que uma grande rede de
comunicação e transporte de fluxo unidirecional contínuo
por todo o corpo, tendo o coração, este órgão que agora
você conhece tão bem, como órgão central e mantenedor
deste fluxo. Basicamente, o sistema circulatório funciona
como qualquer sistema de fluídos pressurizados, sendo
que o sangue é o fluído, os vasos são os tubos e o
coração é a bomba.
Análogo a uma bomba hidráulica, o coração trabalha
para criar diferenças de pressão no sistema. Dessa forma,
o fluído se desloca de uma zona de maior pressão para
uma zona de menor pressão e, por estar em um sistema
fechado um sistema fechado, o fluido acaba sempre por
retornar ao coração.
O coração precisa, a cada batimento, criar uma força de
impulsão para que o sangue possa seguir no sistema
circulatório e chegar às diversas regiões do nosso corpo,
vencendo a resistência existente contra esse movimento.
O que acontece é um pouco semelhante a apertar uma
garrafa cheia de água sem tampa. Você força o líquido a
seguir pela boca da garrafa. Porém, se a mesma garrafa
estiver com uma tampa, essa mesma ejeção só ocorrerá
se a resistência da tampa for superada, fazendo com que
ela se abra. O diferencial do coração em relação a esse
exemplo, é que este incrível órgão “consegue se apertar
sozinho” e a resistência do sistema se deve principalmente
a três fatores estudados no capítulo 02: o diâmetro dos
vasos, o comprimento dos vasos e a viscosidade
sanguínea.
Como estudado também no capítulo 01, didaticamente
dividimos o sistema em dois territórios de circulação: 1) a
circulação pulmonar, na qual o coração recebe o sangue
pobre em oxigênio e rico em CO2 e o envia para os
pulmões, onde ocorrerá trocas, captando oxigênio e
eliminando CO2; 2) e a circulação sistêmica, em que o
coração recebe esse sangue mais oxigenado e envia para
todo o restante do corpo, onde o oxigênio será consumido
e o CO2 produzido pelas células captado pelo sangue para
sua posterior eliminação. Devido a essa divisão didática da
circulação, podemos também dividir o coração como se
fosse formado por duas bombas: uma bomba direita
responsável pela circulação pulmonar e uma bomba
esquerda, responsável pela circulação sistêmica.
Portanto, o papel do coração como bomba é possível
devido à sua capacidade de redução de volume através da
contração, gerando diferenças de pressões que
impulsionam o sangue adiante pelo sistema. Entretanto,
para que isso ocorra de forma eficiente, o coração se
utiliza tanto de mecanismos que garantem o fluxo
unidirecional (valvas cardíacas), assim como de um ciclo
contrações (sístoles) e relaxamentos (diástoles) bem
definido que possibilita o enchimento adequado das
câmaras cardíacas antes da ejeção.
3. O MECANISMO DE CONTRAÇÃO E
RELAXAMENTO
A propriedade contrátil do coração provém, antes de
tudo, da sua capacidade de se contrair como um todo: a
ativação de uma única célula miocárdica resulta na
contração de todo o miocárdio ventricular. E isso é
possível porque existe, no miocárdio atrial e ventricular,
uma complexa rede de junções comunicantes constituídas
por proteínas chamadas conexinas – mais especificamente
três delas, a conexina 43, conexina 40 e conexina 45 (1).
Essa incrível interligação e permissibilidade à passagem
de íons e corrente elétrica é o que dá ao coração a
propriedade de sincício (em outras palavras – funcionam
como uma única estrutura, uma vez que uma célula
miocárdica é estimulada, todas as demais serão
“ativadas”).
Nos próximos parágrafos aprenderemos como, após um
estímulo elétrico de despolarização do potencial de
membrana da célula miocárdica, esta célula irá manejar
seus íons, proteínas e estruturas intracelulares para
resultar na contração cardíaca. O estímulo elétrico que
precede estes acontecimentos será visto no próximo
capítulo, quando abordaremos a eletrofisiologia com mais
detalhes. Atenção, os próximos parágrafosse referem ao
que ocorre na célula miocárdica e o que faz ela se contrair.
Não confunda! Recomendamos inclusive que após o
estudo do próximo capítulo, revise este. Pois, a maior
bagagem de conceitos irá expandir o seu entendimento.
Após a geração do estímulo elétrico, geralmente pelo nó
sinusal, a onda de excitação se espalha célula-a-célula
através das conexinas. O cálcio entra na célula através da
corrente através dos canais lentos de cálcio (ICaL), que
agirá como gatilho para trazer ainda mais cálcio para o
meio intracelular oriundo do depósito de cálcio que estava
contido no retículo sarcoplasmático. Essa liberação se dá
pela ação dos receptores de rianodine, canais de cálcio do
retículo sarcoplasmático cuja abertura é cálcio-
dependente: quanto mais cálcio, mais cálcio.
Após a abrupta elevação na concentração de cálcio
intracelular, este se ligará à troponina C. Este complexo
cálcio-troponina interage com a molécula de tropomiosina
para desbloquear sítios ativos entre os filamentos de
actina e miosina. Esta interação inicia a ciclagem de
pontes cruzadas e a consequente contração da célula.
Como, através das conexinas, o estímulo elétrico está
realizando estas mesmas mudanças em todas as outras
células cardíacas, o músculo inteiro irá se contrair
(propriedade de sincício).
Há outros dois tipos de troponina: a troponina T, que se
liga à tropomiosina para auxiliar no acoplamento da actina
com miosina; e a tropinina I é o componente inibitório
desse sistema proteico. A importância da troponina na
prática clínica é ímpar. Atualmente, elas são as proteínas
procuradas pelos kits de laboratório para detectar infartos
agudos do miocárdio que foram incapazes de alterar o
eletrocardiograma de um indivíduo (mas que, nem por isso
são menos perigosos). Para este intuito, o médico que
suspeita do infarto agudo sem supradesnivelamento do
segmento ST (IAMSSST) deve solicitar amostra de sangue
com medida de troponina I ou T. A isoforma C da troponina
C é idêntica à da troponina do músculo liso, não sendo,
portanto, útil sua solicitação para este fim (2).
Durante a diástole, o influxo de cálcio cessa e o retículo
sarcoplasmático passa a reabsorver o cálcio do intracelular
através de uma importante enzima chamada SERCA,
regulada positivamente pela fosfolambam, já citada no
capítulo 2. O cálcio também retornará ao extracelular
através da ação da bomba trocadora sódio-cálcio (Na-Ca)
e da bomba de cálcio dependente do ATP. Dessa forma,
retornamos ao ponto inicial e o músculo miocárdico fica
pronto para um próximo estímulo para a contração.
Portanto, devido a esses passos ocorrerem continuamente
e à estrutura de condução/isolamento elétrico do coração,
em uma visão macro, teremos um ciclo de acontecimentos
que estudaremos a seguir.
Ficou difícil? Reveja a imagem 5.1 para entender tudo
que falamos. Não pule! É importante!
Figura 5.1: Diagrama esquemático do movimento do cálcio
no acomplamento excitação-contração no músculo
cardíaco. O influxo de Ca2+ do flúido intesticial, durante a
excitação, dispara a liberação de Ca++ pelo retículo
sarcoplasmático (RS). O Ca2+ citosólico livre ativa a
contração dos miofilamentos (sístole). O relaxamento
(diástole) ocorre como resultado da captação de Ca2+ pelo
RS pela extrusão do Ca2+ intracelular via trocador 3
Na+/1Ca2+. O + e, em escala mais limitada, pela bomba
Ca2+-ATPase. BetaR, receptor Beta-adrenérgico; AMPc-PK,
proteinocinase dependente de AMPc (retirada de Berne e
Levy).
Apenas para terminar, vamos passar um dado
importante: até 90% da energia que o coração consome
deriva do metabolismo oxidativo dos ácidos graxos, e o
restante de lactato e glicose.
4. O CICLO CARDÍACO
O sangue no sistema circulatório, em condições
fisiológicas, segue sempre um mesmo trajeto. Isto significa
que o sangue que chega aos capilares sistêmicos cheio de
nutrientes e oxigênio, obrigatoriamente, passou pelos
pulmões previamente e, portanto, possui uma maior
concentração de oxigênio do que nesses tecidos,
permitindo a difusão por gradiente de concentração. Caso
essa passagem pela circulação pulmonar não ocorra, uma
porção de sangue pode alcançar os capilares sem que os
gradientes dos gases estivessem suficientemente altos a
ponto de favorecer a troca nos tecidos, o que poderia levar
a hipoxemia e até morte tecidual.
Devido às valvas atrioventriculares apresentarem
abertura direcionada aos ventrículos e as
ventriculoarteriais (ou semilunares) se abrirem em direção
às paredes da sua respectiva artéria (aorta ou tronco
pulmonar), o sangue apenas seguirá, em condições
normais, para o próximo compartimento quando a pressão
no atual compartimento for maior do que no seguinte. Pare
para pensar: se os átrios alcançarem uma pressão maior
que a pressão no interior dos ventrículos, as valvas
atrioventriculares se abrem, pois, os ventrículos não
conseguem impedir a abertura da valva. Quando, ao
contrário, os ventrículos apresentam maior pressão, é
forçado o fechamento das valvas atrioventriculares. O
mesmo raciocínio se aplica na abertura e fechamento das
valvas semilunares. Caso o ventrículo obtenha uma
pressão maior que seu respectivo vaso, as valvas irão se
abrir e quando a pressão da artéria novamente superar o
ventrículo, o sangue irá tentar regurgitar e forcará o
fechamento das valvas ventriculoarteriais. Isto tudo é
importante porque para o entendimento do ciclo cardíaco,
precisamos fazer uma análise das pressões no interior dos
compartimentos considerando o volume de cada recipiente
e a força exercida pelas paredes e, assim, estimar a
consequência que essas variações terão no fluxo
sanguíneo.
Antes, faz-se necessária a antecipação de um conteúdo
que será explorado no próximo capítulo. O sistema de
condução elétrico é o responsável pelo gatilho das
contrações em cada câmara cardíaca. E ele promove,
fisiologicamente, um atraso entre a contração atrial e a
contração ventricular. Sendo assim, primeiro o sangue
chega aos ventrículos através dos átrios, e posteriormente
ocorre a contração dos ventrículos, quando, enfim, o
sangue é ejetado pelo ventrículo direito para os pulmões e
pelo ventrículo esquerdo para o restante do corpo humano.
Desta forma, quando se estuda o ciclo cardíaco, divide-se
o ciclo cardíaco didaticamente em três eventos principais,
considerando o estado dos ventrículos: a contração ou
sístole ventricular, o relaxamento ventricular e o
enchimento ventricular – estas duas últimas ocorrendo
durante a diástole ventricular.
1. A SÍSTOLE VENTRICULAR
A análise do ciclo cardíaco pode se dar a partir de
qualquer uma de suas fases, pois, se trata de um ciclo,
assim como, podemos analisar a partir de qualquer um
dos ventrículos, considerando que os mesmos princípios
estarão ocorrendo também no outro. Sendo assim, para
nossa explicação, vamos iniciar o ciclo voltando a
atenção para o momento em que o ventrículo esquerdo
já está preenchido pelo sangue originário da circulação
pulmonar e o ventrículo direito pelo sangue da circulação
sistêmica. Pensamos que montar o raciocínio dessa
maneira fica mais didático para você nos entender.
Acompanhe nosso raciocínio.
Se o ventrículo já estava cheio de sangue, o próximo
passo esperado é a contração, correto? O início da
sístole ventricular promove o aumento da pressão da
câmara, o que resulta no fechamento das valvas
atrioventriculares, produzindo a primeira bulha cardíaca
(TUM) - a primeira bulha marca, portanto, o início da
sístole ventricular e o fim da diástole e é ocasionada pelo
fechamento das valvas mitral e tricúpide. Esta contração
é crescente, portanto, inicialmente, essa contração ainda
não fornece pressão suficiente para vencer a resistência
da aorta e abrir a valva aórtica. Dessa forma, por
milésimos de segundos, o processo contrátil ocorre
contra as duas valvas (mitral e aórtica) – lembre-se,
estamos falando apenas do ventrículo esquerdo -
fechadas, ou seja, sem alteração do volume. Portanto,
esta primeira fase da sístole ventricular é chamada de
contração isovolumétrica. Eletrocardiograficamente, esta
fasese associa ao complexo QRS (assunto para o
próximo capítulo).
Contudo, este processo contrátil vai se intensificando e
a pressão continua crescendo até que essa pressão no
interior do ventrículo esquerdo supere a pressão da aorta
e a do ventrículo direito supere a pressão na artéria
pulmonar, forçando a abertura das valvas aórtica e
pulmonar, resultando na ejeção brusca de sangue
através destes vasos. O mesmo não ocorre nas valvas
atrioventriculares porque elas são desenhadas
anatomicamente para se abrirem apenas quando a
pressão dos átrios vencer a dos ventrículos. Esta
segunda fase da sístole ventricular, a que o sangue
finalmente é ejetado pela aorta e artéria pulmonar, é
chamada de ejeção rápida e nela ocorre a ejeção de 70%
de todo sangue que será impulsionado pela circulação.
2. O RELAXAMENTO VENTRICULAR
A contratilidade miocárdica cessa e se inicia o
relaxamento ventricular. Porém, apesar do ventrículo
entrar em diástole, dois fatores promovem a continuidade
do fluxo: o gradiente de pressão que ainda é favorável ao
ventrículo e há também um favorecimento inercial (“um
corpo que está em movimento, tende a continuar em
movimento”). Consequentemente, algum grau de fluxo
sanguíneo permanece ocorrendo através das artérias ao
passo em que, gradativamente, se reduz a sua
intensidade devido à contínua queda da pressão
intraventricular e conseguinte gradiente de pressão
ventrículoarterial. Esse movimento inercial no período de
ejeção é chamado de Efeito Windkessel e é nesse
período que os 30% restantes do volume de ejeção são
impulsionados. Portanto, devido ao fato desta fase
ocorrer uma ejeção com menor intensidade que ela é
denominada como ejeção lenta ou reduzida. É durante
esta fase que o eletrocardiograma irá demonstrar ainda o
segmento ST e a onda T, marcadores da repolarização
elétrica ventricular.
Seguindo nosso raciocínio, em algum momento do ciclo
cardíaco, a pressão da aorta se torna novamente maior
que a do ventrículo. O movimento inercial é então
interrompido e, como a pressão do vaso está maior do
que no interior do ventrículo, o fluxo tende a ser
retrógrado, preenchendo os seios das válvulas da valva
aórtica que, consequentemente, se fecha junto com a
artéria pulmonar, produzindo a segunda bulha cardíaca
(TÁ) - a segunda bulha então marca o fim da sístole e o
início da diástole e é ocasionada pelo fechamento das
valvas aórtica e pulmonar. Nos seios de Valsalva da
valva aórtica estão contidas as emergências das artérias
coronárias direita e esquerda. Sendo assim, chega-se ao
contexto em que o ventrículo está se relaxando e as
valvas atrioventriculares e ventriculoarteriais estão
fechadas. Esta fase é chamada de relaxamento
isovolumétrico.
3. O ENCHIMENTO VENTRICULAR
Durante todo o período em que as valvas
atrioventriculares estão fechadas, o sangue oxigenado
continua a chegar da circulação pulmonar e sistêmica e
se acumular nos átrios, resultando no aumento de
pressão resultante dessa expansão de volume. Somado
a isto, na etapa que estamos descrevendo agora, está
ocorrendo o relaxamento do ventrículo esquerdo. A soma
destes fatores resulta na superação da pressão dos
átrios sobre os ventrículos, forçando a reabertura da
valva atrioventricular e, consequentemente, o sangue
que estava nos átrios é despejado rapidamente para
adiante. Essa primeira das três fases do enchimento
ventricular é denominada de enchimento rápido e é
responsável pela maior parte do sangue que passará dos
átrios para os ventrículos. Se o ventrículo não se contraiu
com a eficácia esperada no batimento anterior, então
uma porcentagem menor de sangue seguiu pela
circulação pulmonar e uma porcentagem maior
permaneceu no ventrículo, correto? E quando o
enchimento rápido ocorre, se já há muito sangue no
ventrículo, esse sangue que está entrando vai causar
vibrações na parede do ventrículo, causando um som
que é audível ao estetoscópio quando o paciente está
deitado, a terceira bulha (B3). É, portanto, um marcador
de sobrecarga volumétrica por baixo débito cardíaco e
insuficiência cardíaca congestiva.
Durante esta fase, o eletrocardiograma é silencioso,
mostra apenas uma linha isoelétrica.
O fluxo sanguíneo, como já citado diversas vezes, é
contínuo. Sendo assim, mais sangue continua a chegar
ao coração através das veias e, como as valvas
atrioventriculares estão abertas, o sangue enche
diretamente os ventrículos, porém, nesta etapa com uma
velocidade menor do que a etapa anterior. Por isso, a
segunda fase é conhecida como enchimento lento ou
diástase. As duas primeiras fases do enchimento
ventricular são responsáveis por 75-80% do volume
diastólico final.
Na última fase do enchimento ventricular ocorre a
contração atrial, que impulsiona um pouco mais de
sangue aos ventrículos, finalizando o enchimento com
essa fase chamada de sístole atrial. Atenção: não
confundir! A sístole atrial ocorre durante a diástole
ventricular. Esta fase interfere apenas em 20% no volume
diastólico final. Sendo assim, apesar de possuir em
condições fisiológicas uma baixa contribuição, essa
etapa ganha mais relevância em situações patológicas,
como uma estenose de valva atrioventricular, em que o
sangue tem dificuldade de passar para o ventrículo.
Também digna de nota é a arritmia mais frequente na
prática clínica, a fibrilação atrial, em que o átrio perde a
capacidade de se contrair, reduzindo em 20% o débito
atrial.
Durante a sístole atrial, se o ventrículo não for
complacente, ele não tolerará mais líquido em seu
interior, havendo, no momento da passagem forçada de
sangue, a vibração das paredes do ventrículo. Quando
ocorre isso, ouve-se a quarta bulha cardíaca (B4). A
quarta bulha é sinal de sobrecarga pressórica do
ventrículo.
Voltando, considerando o enchimento completo dos
ventrículos, fecha-se o ciclo cardíaco, pois retorna-se
para o estado em que iniciamos o estudo do mesmo:
“ventrículo esquerdo já preenchido com o sangue
originário da circulação pulmonar e o ventrículo direito
preenchido com o sangue da circulação sistêmica”.
Uma outra maneira de avaliar esse ciclo cardíaco é
através do diagrama de volume-pressão, que você já é
capaz de entender. Veja a Imagem 5.2
Figura 5.2: Entenda esse diagrama. Ele obviamente não
tem o tempo em sua abcissa (pois não existe, até a
confecção deste manuscrito, a viagem no tempo). Ao ler
este gráfico, imagine apenas o ventrículo se enchendo,
portanto aumentando de volume, e depois contraindo,
portanto aumentando de pressão (retirada do Guyton).
5. OUTROS CONCEITOS IMPORTANTES
1. VOLUMES CARDÍACOS
Volume Diastólico Final: volume de sangue contido no
ventrículo exatamente antes da sua contração.
Volume de Ejeção: volume ejetado na fase de sístole
ventricular.
Volume Sistólico Final: volume restante no ventrículo
após a fase de sístole ventricular. Resultado do volume
diastólico final - volume de ejeção.
Fração de Ejeção: é relação entre o volume de ejeção e
o volume diastólico final, ou seja, o percentual do sangue
total que foi ejetado. Este é um índice da função cardíaca
que ajuda a avaliar a contratilidade miocárdica na clínica.
2. MECANISMO DE FRANK-STARLING OU LEI
DO CORAÇÃO DE STARLING
O retorno venoso, volume de sangue que retorna ao
coração a cada batimento, é variável e o coração possui
a capacidade se adaptar a esse volume que chega. Ou
seja, quanto mais sangue retornar, mais as fibras
musculares irão se distender. Além disso, a resposta será
proporcional. Quanto maior o retorno venoso, então,
maior o débito cardíaco. O que o “mecanismo de Frank-
Starling” define é: “Dentro de limites fisiológicos, o
coração bombeia todo o sangue que a ele retorna pelas
veias.”.
O mecanismo se assemelha ao funcionamento de uma
mola. Um pequeno estiramento, seguido da liberação, faz
com que a mola volte a sua conformação original. Isso
pode ser feito até um limite e o retorno será mais rápido
quanto maior for o estiramento. Porém, se o limite de
estiramento for ultrapassado, a mola se deforma e não
retorna a sua conformação original. Na física, isso tem o
nome de “resiliência”,enquanto que o nome dado a essa
força que no exemplo estira a mola e acumula uma
energia potencial na mesma até que se solte, se chama
quando referimos ao estiramento do músculo cardíaco de
pré-carga, que, em termos de volume sangue, é nada
menos que o volume diastólico final, já citado. A pré-
carga refere-se à força que estira as fibras musculares
ainda relaxadas. Já a pós-carga se refere à pressão da
aorta e da artéria pulmonar que os ventrículos precisam
superar para iniciar a ejeção de sangue.
O mecanismo de Frank Starling não é perfeito
justamente pela mesma razão de que quando a mola se
estira demais, acaba deformando. O coração não
consegue responder com aumento de débito cardíaco
caso os limites de volume tenham sido ultrapassados.
Um exemplo clássico disso está presente no tratamento
empírico de situações de colapso hemodinâmico ou
choque. Se o médico lança mão de uma substância
isosmolar para tentar dar mais pressão ao sistema e
assim consegue aumentar o retorno venoso, ocorrerá um
aumento do débito cardíaco, melhora das pressões de
enchimento, aumento da pressão arterial e,
consequentemente, o médico irá se sentir estimulado a
fazer outro soro fisiológico. Aí é que está: chega um
momento em que o coração não consegue mais
aumentar o seu débito cardíaco e, ao contrário, até o
diminui, pela congestão sistêmica e aumento da pós-
carga. Lembra-se do que ocorreu com o paciente da
residente Lisa? Para ficar fácil entender, veja a imagem
5.3.
Um outro mecanismo intrínseco do coração que altera a
função cardíaca em resposta a alterações fisiológicas é o
reflexo de Bainbridge, que aumenta a frequência
cardíaca em resposta ao aumento do retorno venoso, a
partir de sinais recebidos por baroceptores presentes nos
átrios (3).
Figura 5.3: Atenção a quantas informações interessantes
essa imagem nos mostra. Cada curva representada no
gráfico pertence a pacientes diferentes. Perceba que o
paciente com insuficiência cardíaca consegue manejar
menos volume que o paciente sem comorbidades de
acordo com o aumento da pré-carga ou volume diastólico
final. Perceba também, que em certo ponto, a curva tem
um ponto de deflexão e, caso o volume diastólico final
siga crescendo, o débito sistólico diminuirá ainda mais.
6. CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os
assuntos abordados nesse capítulo!
 CAPÍTULO 6
 O Funcionamento Elétrico do
Coração
1. CASO CLÍNICO
Na cantina da Universidade, um dos seus colegas, Walter, se
gaba porque finalmente aprendeu eletrocardiograma. Ele
explicava para Patrícia e para Whindersson os conceitos da
onda P, do complexo QRS e seu eixo elétrico e a onda T. O trio
WPW, como era costumeiramente chamado, comia tapioca com
ovo e ketchup.
Durante sua apresentação informal, no entanto, Walter é
informado pelo seu smart watch que a sua frequência cardíaca
ultrapassou os 180 batimentos por minuto mesmo estando ele
em repouso. Preocupado, ele pediu licença aos colegas e
chamou você para ajudá-lo.
Na palpação de pulso, você percebe que o ritmo está muito
rápido, em torno de 180 por minuto, regular. Em uma rápida
anamnese, Walter te fala que está se sentindo perfeito, que
sequer percebeu que estava tão taquicárdico.
Em meio aos seus intentos de levá-lo ao hospital, Walter, que
permanecia assintomático, decidiu ingerir mais um pedaço de
tapioca. E foi nesse momento que um milagre aconteceu:
apesar de quase morrer engasgado, o pedaço de tapioca
engolido sem boa mastigação conseguiu terminar subitamente
com a arritmia.
Os colegas que estavam assistindo a aula de Imunologia
perderam a chance de presenciar um incrível momento de
atuação do sistema nervoso autônomo na regulação dos
batimentos cardíacos.
1. POSSÍVEIS PALAVRAS DESCONHECIDAS
Imunologia: cadeira da faculdade onde se aprende
que existem interleucinas.
Arritmia: é o nome dado as alterações da frequência
e/ou o ritmo dos batimentos cardíacos. Sendo
assim, Esta pode ser caracterizada por ritmos
acelerados (taquicardia), lentos (bradicardia) ou
irregulares.
2. PALAVRAS-CHAVES
“Arritmia” “Eletrocardiograma” “sistema nervoso
autônomo” “regulação”
3. OBJETIVOS
Compreender os mecanismos de regulação do sistema
circulatório
2. O SISTEMA ELÉTRICO DO CORAÇÃO
1. INTRODUÇÃO E FUNÇÃO
O ciclo cardíaco, abordado no capítulo anterior é mantido
pelo próprio coração, porém a frequência com que este
impulso é gerado é influenciado pelo sistema nervoso e por
outros fatores. Por isso, é possível manter um coração
extracorpóreo, em condições ideais, enquanto receber sangue
oxigenado por uma máquina.
Sendo assim, como o coração se “auto-estimula”? O coração
possui um grupo especializado de células cardíacas que forma
o sistema de geração e condução elétrico. O processo de
geração do impulso elétrico é realizado, na maior parte das
vezes, pelo nó sinusal (ou sinoatrial). A nível celular ocorrem
mudanças nas concentrações iônicas que resultam na
despolarização da membrana celular das suas células e essa
perturbação iônica é propagada para as células adjacentes
musculares, provocando a contração destas, e para o restante
do sistema elétrico que irá transmitir esse estímulo para as
demais regiões cardíacas.
Como vimos, o coração funciona eletricamente como um
sincício, ou seja, como uma única célula, uma vez que
estimular uma célula muscular cardíaca irá resultar no estímulo
das demais.
Esta característica é fundamental, pois a propagação do
estímulo elétrico, não pode ocorrer de forma aleatória. O
coração precisa que as células das câmaras atuem
sinergicamente para que sua função de contração seja
executada.
Por outro lado, como já abordado, é necessário que os átrios
se contraiam antes dos ventrículos para que haja uma maior
eficiência do ciclo cardíaco, logo a função isolante do
esqueleto fibroso é importante. No entanto, é necessário que
haja uma “brecha” comunicante para que o impulso alcance as
câmeras inferiores e isto é realizado por um segmento
específico do sistema elétrico que veremos adiante.
Sendo assim, podemos afirmar que o sistema elétrico do
coração é o responsável por organizar e manter a rotina de
batimentos das câmaras cardíacas de maneira eficaz.
2. AS ESTRUTURAS E O TRAJETO DO IMPULSO
ELÉTRICO
O sistema elétrico é composto de células musculares
cardíacas especializadas que formam nós (ou nodos) e feixes
que possuem a capacidade de gerar o impulso (potencial de
ação) e de conduzir o mesmo com uma maior velocidade. (vide
Figura 6.1)
Figura 6.1: Sistema de condução cardíaca (retirada do Berne).
Todo o sistema elétrico cardíaco possui a capacidade de
geração do impulso, porém cada estrutura imprime
velocidades diferentes para executar o processo de geração
de despolarização de membrana que detalharemos mais à
frente. Deste modo, a estrutura que mais rápido conseguir
executar todo o passo-a-passo necessário para que sua
membrana tenha um salto em voltagem interrompe o mesmo
processo que vinha ocorrendo nas demais células elétricas
que estavam ainda tentando despolarizar-se, e estas passarão
apenas a conduzir o impulso gerado. Por este motivo, em
condições fisiológicas, o nó sinusal, que é localizado no teto do
átrio direito, em sua parede posterolateral, é considerado o
maestro do coração.
Uma vez que o potencial de ação é gerado, este é
transmitido pelo átrio direito por células miocárdicas atriais
dispostas paralelamente e erroneamente chamadas de feixes
internodais (espere até o fim deste parágrafo para
compreender a razão do erro) em direção a outro nó na
fronteira entre os átrios e os ventrículos que é o nó
atrioventricular (carinhosamente chamado de nó AV).
Concomitantemente a isso, o estímulo elétrico também
atravessa o septo direito a partir do seu teto até o átrio
esquerdo. Isso também se dá através de células miocárdicas
atriais não especializadas e não insuladas, portanto,
erroneamente chamadas de feixe de Bachmann - o melhor seria
chamar esse local de “região” de Bachmann, por exemplo
(1,2). Apesar de termos apontado o erro histórico, esse termo
(“feixes”)é usado em qualquer livro texto de fisiologia e
cardiologia e, por isso, trazemos para vocês. Porém, tenham
em mente que não há diferenciação nestes trechos e por isso
abordar como “região” seria mais apropriado.
Nesta fase do ciclo cardíaco, a despolarização ocorre apenas
nas células atriais. Como vimos no Capítulo 04, o esqueleto
fibroso cardíaco é o responsável por isolar eletricamente as
câmeras superiores das inferiores. Desta forma, a propagação
do impulso atinge células transicionais (células que não
possuem características histológicas de condução nem de
contração), onde há reduzidas junções comunicantes,
havendo, então, fisiologicamente, um atraso na condução do
impulso nervoso, até chegar ao nó atrioventricular compacto,
uma incrível estrutura localizada no triângulo de Koch (3),
como vimos no capítulo 4. O nó AV compacto mergulha no
esqueleto fibroso do coração e, na região do corpo fibroso
central, as fibras do feixe de His nascem (esse sim um “feixe”
de fato). Este feixe é importante na prática clínica porque,
marca o início do território elétrico ventricular. Em um bloqueio
de condução atrioventricular que não chegou a despolarizar o
feixe de His, por exemplo, sabemos que o defeito está no
tecido atrial ou no nó atrioventricular. Quando o bloqueio
ocorreu depois do feixe de His, denominado “bloqueio infra-
hissiano”, o problema não é mais o nó AV, e sim o tecido de
condução ventricular, denotando maior gravidade. Além disso,
neste ponto do sistema condutor, não há mais inervação
autonômica, como veremos na última sessão deste capítulo.
Ao adentrar no esqueleto fibroso rumo ao septo
interventricular, o feixe de His se bifurca em sua porção
bifurcante em ramo direito, mais fino e frágil, e ramo esquerdo,
que chega a possuir 5-7 mm de diâmetro, pelo ventrículo
direito e ventrículo esquerdo, respectivamente. O ramo
esquerdo ainda se bifurca uma vez mais em fascículo ântero-
superior, que terá suas fibras mais distais localizadas no
músculo papilar anterior e o fascículo póstero-inferior, que terá
suas fibras distais localizadas no músculo papilar posterior (4).
Por fim, o impulso irá prosseguir pelas fibras de Purkinje,
continuações desse sistema elétrico, até atingir as células que
irão contrair os ventrículos. (Imagem 6.1)
Na maioria das pessoas, o nó AV somente possui
capacidade de condução anterógrada e retrógrada, seguindo
do átrio para o ventrículo ou, se por desventura o ventrículo
despolarizar-se primeiro, do ventrículo para o átrio – é o que
chamamos de condução retrógrada. Em até 35% das pessoas,
existe ainda o que chamamos de “dupla fisiologia nodal”, onde
ocorre uma espécie de bifurcação do tecido nodal a nível de nó
AV compacto, e estes dois circuitos convivendo lado-a-lado
durante toda a vida podem levar a arritmias reentrantes: o
estímulo elétrico sobe para o átrio por uma via, desce para o
ventrículo pela outra. É a chamada taquicardia por reentrada
pelo nó atrioventricular (5).
Outra situação digna de nota é a presença de “atalhos”
através do esqueleto fibroso, contendo fibras capazes de
condução elétrica, “pulando” o atraso de condução fisiológico
pelo nó AV. Se o impulso elétrico chega aos ventrículos antes
do habitual atraso no nó AV, irá haver o que chamamos de pré-
excitação ventricular, e o que três cardiologistas, Wolff,
Parkinson e White descreveram em 1930 como a síndrome
que leva seus nomes (6): a síndrome arritmogênica de Wolff-
Parkinson-White, ou WPW.
O trajeto nos ventrículos aumenta a eficiência da sístole
ventricular. Isso porque, o estímulo contrátil chega primeiro às
células do ápice cardíaco e, posteriormente, ascende pelas
paredes. Desta forma, o ápice se contrai em direção a base do
coração, onde se encontram as artérias que são os destinos
do sangue acumulado nas câmaras inferiores.
3. O ELETROCARDIOGRAMA (ECG)
A condução do estímulo elétrico pode ser registrada por um
exame chamado eletrocardiograma (ECG). Um exame simples
e barato, obrigatório em emergências. O exame registra
traçados que, ao serem analisados, possibilitam identificar e
intervir precocemente em patologias potencialmente fatais
como o infarto agudo do miocárdio e arritmias.
O funcionamento do aparelho é simples, vamos ver. O
profissional responsável, algumas vezes o próprio médico,
posiciona eletrodos que irão registrar as alterações elétricas a
partir de um “ponto de vista” específico e tomado como
convenção, portanto, já tenham em mente desde já que é
importante posicionar sempre corretamente os eletrodos. O
ECG funciona como se câmeras fossem posicionadas em volta
do coração, como disse, em locais específicos e pré-
determinados, e estas registram o trajeto do impulso elétrico,
considerando se vetor desse impulso se aproximou ou se
afastou de cada eletrodo. Neste momento você deve estar
pensando: “ih, ele falou em vetor. Vou pular para a próxima
sessão, não fiz Medicina para isso”. Calma, fica com a gente.
Você vai entender.
A atividade elétrica cardíaca gera uma diferença de potencial
(voltagem) capaz de ser capturada pelo aparelho de
eletrocardiograma. Para que haja uma diferença de potencial,
é necessário, primeiro, que haja dois pontos. Então, uma
derivação é uma câmera que registra a atividade em dois
pontos. Se esse potencial está se despolarizando no sentido
da câmera, então a seta do vetor apontará para ela, se está
despolarizando no sentido contrário da seta, a câmera verá a
cauda do vetor. Simples assim. O que complica um pouco é
que você precisa somar os vetores vistos por todas as
derivações e fazer uma média deles, mas somos legais e
vamos te mostrar como fazer isso em instantes.
Estas “câmeras” são denominadas derivações no ECG e são
compostas sempre por dois polos (bipolares, portanto). As
derivações dos membros, que chamamos de periféricas,
registram a diferença de potencial dos próprios polos entre si e
as derivações do precórdio, chamadas de derivações
horizontais, registram a diferença de potencial do eletrodo no
tórax até um ponto virtual localizado no centro do tórax criado
matematicamente por três dos eletrodos periféricos. Como no
caso das derivações dos membros, um vetor parte de um polo
para outro, e no caso das derivações precordiais, o vetor parte
deste polo virtual para o eletrodo no tórax, os livros didáticos
erroneamente chamam os eletrodos periféricos como
bipolares, e os precordiais como unipolares (7). Vamos repetir
para que o leitor do Medicina Resumida nunca erre: todas as
derivações do ECG são bipolares, só que as derivações
horizontais usam um ponto virtual no centro do tórax como um
dos polos.
Willem Einthoven, nas duas primeiras décadas do século
passado, desenvolveu um galvanômetro capaz de gravar
potenciais elétricos cardíacos – o eletrocardiografo (isso lhe
rendeu um prêmio Nobel em 1924). O triângulo de Einthoven
foi, então, criado a partir dos eletrodos que ele posicionava nos
membros: a derivação DI, por exemplo, grava o potencial de
ação entre o braço direito e o braço esquerdo, DII entre o
braço direito e a perna esquerda e DIII entre o braço esquerdo
e a perna esquerda (8). Em 1934, Wilson, em uma genial
jogada matemática, introduziu este tal ponto virtual no centro
do tórax do qual já falamos, o “terminal central de Wilson”, mas
ele foi inicialmente criado com o intuito de calcular a diferença
de potencial do braço direito, por exemplo, até o centro do
triângulo de Einthoven, o que foi chamado na época de VR (9).
Por fim, em 1942, Goldberger, introduziu um aumento na
sensibilidade destas últimas derivações, que agora teriam um
“a” em frente a seus nomes, surgindo, então, aVR, aVF e aVL
(10). Para entender a razão de eu ter falado isso tudo,
introduzo agora o famoso “Círculo de Cabrera”, na imagem 6.2.
Não deixe de ler a legenda.
Figura 6.2: Em A, visualizamos o triângulo de Einthoven
formado pela diferença de potencial entre braço direito e braço
esquerdo (I), do braço direito até a perna esquerda (II) e do
braço esquerdo até a perna esquerda (III). Em B, visualizamos
a modificação realizada por Wilsona fim de criar mais três
derivações: do braço direito até o terminal central (VR), do
braço esquerdo até o terminal central (VL) e da perna
esquerda até o terminal central (VF). Em C, o Círculo de
Cabrera, em que estão contidas seis derivações juntas em
suas porções positivas e negativas (adaptada de MacFarlane e
José de Alencar).
O ECG padrão conta com 12 derivações, sendo seis
periféricas (DI, DII, DIII, aVR, aVF e AVL) e seis precordiais
(V1, V2, V3, V4, V5 e V6). Cada uma delas vê o coração por
um ponto de vista diferente: as derivações periféricas, por
exemplo, enxergam se o estímulo elétrico vai para cima ou
para baixo e para a esquerda ou para direita, mas não se
anterior ou posteriormente; já as derivações precordiais
enxergam se o estímulo vai para frente e para trás, para a
esquerda e para a direita, mas não se superior ou
inferiormente. Por isso, para avaliar um eletrocardiograma, o
profissional experiente avalia as 12 derivações em conjunto. E
em algumas situações clínicas, usamos até 24 derivações, ou
até inventa-se alguma, como as derivações de Lewis ou
Fontaine (11).
4. O REGISTRO ELÉTRICO DOS POTENCIAIS
CARDÍACOS
Se você revisar o círculo de Cabrera (Imagem 6.2, painel C)
e visualizar o vetor cardíaco nesse círculo, observará que DII é
uma derivação muito próxima ao eixo elétrico cardíaco normal.
Por conta disto, esta é uma derivação de muita didática e será
utilizada nos próximos parágrafos.
As diferenças de potencial decorrentes da despolarização do
átrio, do ventrículo e também pela repolarização ventricular
serão capturadas pelas derivações que vimos anteriormente e
formarão “ondas” no traçado do eletrocardiograma. Tenha em
mente que tudo que se afasta da câmera será gravado como
negativo, e tudo que vai de encontro à câmera será positivo no
ECG. Vamos avaliar onda por onda.
O impulso gerado pelo nó sinusal segue em direção ao nó AV
despolarizando os átrios, ou seja, se aproximando da câmera
de DII. Sendo assim, esta registra uma onda positiva (porque
se aproxima de DII) e de pequena amplitude e duração
(porque o átrio tem pouca força e massa, comparada ao
ventrículo), que é a onda P.
O nó AV atrasa o impulso e, como não há maiores áreas
sendo despolarizadas, registra-se apenas uma linha reta que
denominado de segmento PR.
Após isto, o ventrículo iniciará sua despolarização. O que
você vai ver nos próximos parágrafos também pode ser
traduzido em vetores.
A despolarização inicial do septo promove a despolarização
em diversos sentidos, entretanto a resultante de todas as
direções se afasta da filmadora em DII e este é o motivo da
formação de uma onda negativa, chamada onda Q. Por
definição: onda Q é uma onda negativa que se inscreve antes
da onda R. Se a onda é negativa, então, o vetor se afasta de
DII.
As mudanças iônicas geradas pelo potencial de ação
seguem, então, em direção ao ápice cardíaco pelos ramos
direito e esquerdo, se aproximando intensamente da nossa
câmera DII. O resultado é a grande onda R, por definição a
onda positiva. Se é assim, esse vetor, o maior de todos, vai em
direção a DII.
Posteriormente, a ascensão pelas paredes livres dos
ventrículos, se afastando novamente da câmera, forma a onda
S, por definição, a onda negativa que vem depois da onda R,
afastando-se de DII. Acabando assim de despolarizar os
ventrículos. A soma dos vetores de Q + R + S é o vetor elétrico
cardíaco, e deverá ser posicionado no Círculo de Cabrera para
análise. Veremos no próximo bloco.
Por fim, após a despolarização, as células retornam ao seu
estado original, ou seja, se repolarizam. O resultado é o
registro da onda T.
Em resumo, a onda P é a despolarização dos átrios, ou seja,
é quando eles recebem o estímulo da contração; o complexo
QRS é a despolarização dos ventrículos e a onda T a
repolarização dos ventrículos. A repolarização dos átrios
ocorre concomitante à despolarização ventricular, que é um
fenômeno mais intenso e, por isso, não é possível de
identificar no ECG. É importante ter em mente que essas
ondas possuem essa conformação descrita em DII e algumas
outras derivações, mas não todas. Por exemplo, em aVR, que
é praticamente oposta a DII (vide Círculo de Cabrera), o
normal é termos uma P negativa, uma onda Q apenas (não
sucedida de R ou S) e uma T negativa.
5. CÁLCULO DO EIXO ELÉTRICO CARDÍACO
Agora que entendemos que o septo interventricular gera um
vetor, as paredes livres outro vetor, e as porções basais dos
ventrículos geram um terceiro vetor, e que o vetor final é a
soma ou subtração deles, já conseguimos calcular o eixo
elétrico cardíaco.
O eixo elétrico cardíaco normal vai de -30º a + 90º (ou seja,
de aVL a aVF). Se houver desvio desse eixo para um espaço
entre - 30º e - 90º, chamamos de desvio superior do eixo. Se
houver um desvio entre + 90º e + 180º, chamamos de desvio
para a direita. Se o eixo for oposto ao normal, ou seja, entre -
90º e + 180º, então esse é um desvio do eixo para o quarto
quadrante, ou “terra de ninguém”, como alguns livros trazem –
por denotar graves cardiopatias. Veja o círculo de Cabrera
adaptado na Imagem 6.3.
Figura 6.3: Círculo de Cabrera mais uma vez representado,
desta vez demonstrando os desvios de eixo e a ângulação
normal do eixo elétrico cardíaco (adaptada de José Alencar).
Para o cálculo do eixo cardíaco, um passo-a-passo será
proposto:
1. Procure a derivação do plano horizontal em que a
aparência global do complexo QRS esteja
isodifásica (ou seja, os potenciais positivos são
iguais aos negativos) – se encontrar algum, o QRS
estará perpendicular a esta derivação. Ótimo, mas
por se tratar de um círculo, perpendicular ainda
pode significar dois ângulos diferentes. Por
exemplo: perpendicular a 0º pode ser + 90º ou -
90º. Como vencer esse obstáculo. Vamos ao passo
2.
2. Veja qual derivação possui QRS de maior amplitude
global. O vetor estará em cima desta derivação se o
QRS for positivo ou a 180 graus dela (ou seja,
oposta), caso o QRS seja negativo.
3. Se houver duas derivações empatando em primeiro
lugar de amplitude, o eixo elétrico estará entre elas
duas.
Agora você sabe se o eixo elétrico está indo para baixo ou
para cima, para direita ou para esquerda. À título de
curiosidade, existe um exame chamado “vetorcardiograma” em
que o médico experiente avalia o eixo elétrico cardíaco
tridimensionalmente. Está em relativo desuso na prática
clínica, mas os autores do capítulo são declarados entusiastas
desse método.
6. GERAÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO
Uma célula se encontra polarizada quando a carga iônica do
meio intracelular difere da carga do meio extracelular (a essa
diferença se dá o nome de potencial transmembrana). Essa
diferença de cargas é mantida fisiologicamente por bombas e
canais iônicos. As bombas iônicas, no contexto das células
musculares cardíacas, são responsáveis por manter as
concentrações de alguns íons mesmo contra o gradiente de
concentração.
Os canais iônicos presentes nas membranas das células
cardíacas, em grande parte, são voltagem dependentes, ou
seja, permanecem fechados até que seu potencial elétrico de
abertura seja alcançado.
A despolarização, que se inicia no nó sinoatrial e viaja pelo
sincício das células elétricas até cada célula miocárdica, ocorre
devido a mudanças nas concentrações iônicas a favor do
gradiente de concentração que resulta na perda dessa
diferença de potencial.
A membrana de uma célula do nó sinusal possui canais de
sódio, potássio e cálcio. Inicialmente, estas células se
encontram com uma carga negativa em relação a
concentração extracelular, ou seja, polarizada, com uma maior
concentração de potássio no seu interior e uma maior
concentração de sódio e cálcio externamente.
Esta diferença de concentração se mantém pela
impermeabilidade da membrana e pelo trabalho da bomba de
Na+/K+ dependente de ATP. Entretanto, a automaticidade das
células do nó sinusal se deve aos canais lentos de sódio que
permitem uma entrada constante de sódio independente do
potencial. A corrente gerada por esse canal é denominada IF,
porque os cientistas que a descobriramacharam “funny” que
um canal de sódio pudesse ser lento (12). Nerds.
Pronto. Agora você já pode responder para o seu primo
curioso por quê o coração tem o potencial de “bater” sozinho.
Os canais funny são os responsáveis pela automaticidade do
nó sinusal. Como veremos a seguir, o potencial de ação da
célula muscular cardíaca não apresenta essa peculiaridade.
Uma célula do nó sinusal em repouso possui um potencial de
membrana de - 60 mV (por isso diz-se polarizada), devido a
uma maior concentração de potássio no meio intracelular e
uma maior concentração de sódio e de cálcio no meio
extracelular (Imagem 6.4).
Figura 6.4: O papel de correntes locais na propagação de onda
de excitação ao longo da fibra cardíaca.
Entra sódio lentamente (carga positiva), e o potencial de
ação vai subindo até atingir – 40 mV. Quando o potencial
alcança esse valor, os canais de cálcio dependentes de voltagem
(ICaL) se abrem, permitindo assim um grande influxo de cálcio
que eleva o potencial para valores positivos em torno de + 10
mV, ou seja, leva à despolarização da membrana (se você está
atento, perceberá que o potencial de ação passou de
polarizado negativo para polarizado positivo, mas
convencionou-se chamar essa transformação em carga
positiva de “despolarização” - não temos nada a ver com isso).
Porém, ao se obter um potencial positivo, abrem-se os canais
rápidos de potássio, que promovem a repolarização da
membrana (ou seja, retornar para negativo).
Por fim, as bombas de Na+/K+ e as bombas de Na+/Ca2+,
ativamente, retomam às concentrações originais, expulsando o
sódio e o cálcio, e recaptando o potássio.
Devido à retomada das concentrações iniciais pelas bombas
iônicas e pela entrada constante de sódio, esse será um ciclo
que vai se repetir periodicamente. Aproximadamente, uma vez
por segundo. Portanto, como é esse potencial de ação que irá
se propagar e provocar as contrações musculares, o coração
bate nessa frequência: uma vez por segundo, 60 batimentos
por minuto.
O potencial de ação em células automáticas é chamado de
resposta lenta (Imagem 6.5-A) e a condução desse potencial
nas demais células cardíacas é denominado de resposta
rápida (Imagem 6.5-B). É sobre ela que vamos falar agora.
Figura 6.5: Potenciais de ação em fibras cardíacas de resposta
lenta (A) e rápida (B). PRR = periodo refratário relativo; PRE =
período refratário efetivo (retirada do Berne).
7. CONDUÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO
O estudo do mecanismo de condução das células
musculares cardíacas utiliza dos mesmos íons da geração do
impulso elétrico, porém, com diferentes ações e concentrações
de canais iônicos.
Além disso, a presença de estruturas que permitem a
comunicação entre as células musculares cardíacas é
fundamental: as junções comunicantes ou gap junctions
formadas pelas conexinas. São elas as responsáveis pelas
células musculares cardíacas agirem como um sincício.
Outra estrutura que desempenha um papel importante no
processo é o retículo sarcoplasmático. Nele existe canais de
cálcio dependentes de voltagem que se abrem ao se alcançar
determinada voltagem, liberando o cálcio armazenado em seu
interior. Íon fundamental para o processo de contração
muscular. Já falamos dele, lembra? Canais rianodine.
A condução célula-a-célula do potencial de ação se inicia
desde a mudança de potencial transmembrana. Uma parte dos
íons de sódio e cálcio que entram na célula na fase de
despolarização vão para as células adjacentes através das
junções comunicantes e desencadeiam um novo processo.
Lindo, não?
O potencial de membrana das células musculares cardíacas
é aproximadamente – 90 mV (mais negativo que das células
automáticas). Ao ocorrer este influxo de íons pelas junções
comunicantes, este potencial irá ser levemente positivado, o
suficiente para abrir os canais de sódio rápido e desencadear
um grande influxo de sódio. Consequentemente, a membrana
irá se despolarizar bruscamente.
Essa despolarização irá resultar na abertura dos outros dois
canais (K+ e Ca2+). Porém, os canais de cálcio se abrem mais
lentamente, resultando em uma ação mais gradual. Logo, a
saída de potássio inicia a repolarização da célula, contudo,
devido a entrada lenta de cálcio, irá se formar um breve
equilíbrio na movimentação das cargas. Algo que é
representado como um platô no gráfico 6.2.
Essa entrada de cálcio também dispara a liberação do cálcio
armazenado no retículo sarcoplasmático. Dessa forma, uma
grande quantidade de cálcio se concentra no meio intracelular
e irá participar do processo de contração muscular.
Entretanto, não demora para os canais de cálcio se fecharem
novamente, pois, com a leve queda do potencial durante o
platô, a voltagem deixa de ser suficiente para mantê-los
abertos. Consequentemente, a repolarização ocorre, pois
apenas o potássio está saindo da célula.
E aí, com todo esse cálcio no interior da célula, o que
acontece? Ele se liga à troponina C, que por sua vez irá se
ligar à tropomiosina e facilitar o acoplamento das moléculas de
actina e miosina, levando à contração da célula.
Concomitantemente a isso, uma parte dos íons sódio e cálcio
já foram para as células adjacentes através das conexinas e
estarão se contraindo logo em seguida. Deste modo, as
milhões de células miocárdicas ventriculares despolarizam-se
quase que instantaneamente. Nomeie um órgão mais bonito
que esse e falhe miseravelmente.
Por fim, as bombas dependentes de ATP irão restabelecer
ativamente as concentrações basais, inclusive dentro do
retículo sarcoplasmático (através da SERCA, lembra?).
Cada fase da resposta rápida é nomeada:
Fase 0: despolarização pelo sódio
Fase 1: repolarização inicial causada pela saída
exclusiva de potássio;
Fase 2: o platô resultado do equilíbrio da
movimentação do potássio e do cálcio;
Fase 3: repolarização final pela saída majoritária de
potássio;
Fase 4: restauração das concentrações iônicas.
8. PERÍODO REFRATÁRIO (EFETIVO X RELATIVO)
O período refratário é o período em que a célula ou está
inviabilizada de sofrer nova despolarização ou necessita de um
estímulo mais intenso para que esta ocorra.
Considerando essas duas fases, o período refratário é
dividido em período refratário efetivo (independente do
potencial de membrana que seja estabelecido, os canais de
sódio que já foram ativados não serão novamente disparados)
e em período refratário relativo (os canais iônicos apenas
serão reativados se ocorrer um potencial maior do que o
exigido inicialmente).
Estes períodos protegem a célula miocárdica de entrar em
tetania, ou seja, que se mantenha contraída por mais tempo
que o desejado, prejudicando a sua função. Então apenas ao
alcançar a fase 4, os canais de sódio poderão ser novamente
reativados pelos valores padrões.
3. REGULAÇÃO DA FORÇA E DA
VELOCIDADE DE CONTRAÇÃO DO
CORAÇÃO
Além da automaticidade, como exposto anteriormente, o
coração possui mecanismos de regulação. Estes podem ser
classificados em intrínsecos e extrínsecos.
1. MECANISMOS INTRÍNSECOS
Existem três mecanismos intrínsecos principais: o próprio
sistema de condução do coração; o mecanismo de Frank-
Starling estudado no capítulo 05 (“Dentro de limites
fisiológicos, o coração bombeia todo o sangue que a ele
retorna pelas veias”) e o terceiro mecanismo é o polipeptídeo
natriurético atrial (BNP, sua sigla em inglês, pelo qual é mais
conhecido).
O BNP é sintetizado e secretado pelo miocárdio atrial com o
estiramento das paredes atriais decorrente do aumento do
retorno venoso. Como resposta a esse aumento do retorno
venoso, o PNA estimula a diurese e a natriurese, ou seja,
estimula a eliminação de água e sódio pela urina, com o intuito
de reduzir a pressão arterial e o retorno venoso.
2. MECANISMOS EXTRÍNSECOS
A regulação extrínseca é feita principalmente pelo sistema
nervoso autônomo (SNA).
O SNA simpático é originado no gânglio estrelado, onde
estão localizados seus corpos celulares, e seus axônios
chegam ao coração muito próximo da região onde correm os
vasos epicárdicos (13). Já as fibras parassimpáticas se
originam na medula espinhal emnervo vago direito e
esquerdo. Estes se ramificam e se distribuem de maneira
heterogênea, mas com intensa densidade nas regiões do nó
sinusal e do nó atrioventricular, com pouca densidade nos
ventrículos (14). É digno de nota que o feixe de His não recebe
inervação autonômica, portanto, um bloqueio nesta região não
será por efeito disautonômico.
O principal neurotransmissor do SNA simpático é a
norepinefrina. Essa substância tem ação nos receptores alfa e
beta adrenérgicos, como já foi visto anteriormente. A
norepinefrina e também a epinefrina agem através do
agonismo de desses canais, ativando as proteínas Gs (G
estimuladoras), fazendo com que uma molécula chamada
adenil ciclase retire dois grupamentos fosfato da adenosina
trifosfato (ATP) para formação da adenosina monofosfato
cíclica (AMPc), o segundo mensageiro do SNA simpático (o
primeiro era norepinefrina ou epinefrina), que por sua vez irá
promover a ação da proteína kinase A (PKA), terceiro
mensageiro, que tem como efeito principal a liberação e
sensibilização de moléculas de cálcio. Mais cálcio: maior
contração de musculatura lisa (Imagem 3.2). A saber,
moléculas importantes que atuam nessa sensibilização são 1)
fosfolambam, que aumenta a receptação do cálcio pelo retículo
sarcoplasmático e, consequentemente, seu melhor
relaxamento e velocidade de contração; 2) troponina I e canais
de cálcio da membrana (15). Parece um Deja Vu, mas não é.
Já falamos dessa cascata no capítulo 3, mas, naquele
momento, falando sobre sua ação nos vasos. A cascata é a
mesma. O produto final também: contração cardíaca e de
vasos.
O parágrafo anterior parece despropositado, mas é de suma
importância no entendimento da contração cardíaca. Para se
ter ideia, hoje sabemos que existe uma molécula chamada
“beta-arrestina”, que é capaz de inibir a ação da proteína Gs,
que é o primeiro passo da cascata, deixando o indivíduo
irresponsivo ao sistema nervoso autônomo. Esse é um dos
mecanismos fisiopatológicos da insuficiência cardíaca
congestiva (16).
O neurotransmissor do SNA parassimpático é a acetilcolina,
que ativa receptores muscarínicos e nicotínicos pré-
ganglionares, reduzindo os níveis de AMP cíclico, mantendo os
canais de potássio abertos, deixando a célula hiperpolarizada
e, portanto, de mais difícil despolarização, e resultando em um
cronotropismo negativo, dromotropismo negativo e inotropismo
negativo (17). Existem manobras vagais, ou seja, maneiras de
se induzir uma resposta parassimpática em um indivíduo e, por
exemplo, terminar sua arritmia. Uma das manobras vagais
mais difundidas é a manobra de Valsalva, em que a expiração
contra a glote fechada ou contra uma barreira qualquer acaba
por causar o reflexo vagal(18). Lembra do caso do Wilson?
A atuação desses dois sistemas é mútua, uma espécie de
Yin-Yang.
Além do sistema nervoso, o coração sofre influência de
diversas substâncias, principalmente hormônios (vide Capítulo
03).
4. CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos
abordados nesse capítulo!
Table of Contents
Capa
1. Introdução ao Sistema Cardiovascular
2. Dinâmica dos Fluídos (hemodinâmica)
3. Regulação da Circulação e da Pressão Arterial
4. O Coração
5. O Funcionamento Mecânico do Coração
6. O Funcionamento Elétrico do Coração
	Capa
	1. Introdução ao Sistema Cardiovascular
	2. Dinâmica dos Fluídos (hemodinâmica)
	3. Regulação da Circulação e da Pressão Arterial
	4. O Coração
	5. O Funcionamento Mecânico do Coração
	6. O Funcionamento Elétrico do Coração

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