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SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA Aline Michele Nascimento Augustinho Novas sínteses teóricas da sociologia Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever a perspectiva integradora entre indivíduo e sociedade na obra A construção social da realidade, de Peter Berger e Thomas Luckmann. Explicar a abordagem configuracional da obra de Norbert Elias. Definir espaço social, campo, capital, trajetória e habitus do constru- tivismo estruturalista de Pierre Bourdieu. Introdução Neste capítulo, você aprenderá como se deram alguns dos desdobra- mentos da sociologia rumo à especialização, ou seja, o distanciamento das teorias clássicas sociológicas para novas abordagens, que podiam dialogar com as propostas anteriores, mas que expressavam novos olhares sobre os fenômenos sociais. Neste contexto, em meados do século XX, há um redirecionamento da ideia de composição e identificação das leis sociais que poderiam reger os comportamentos individuais para a ideia de relacionamento determinante e multicausal entre indivíduo e socie- dade. As abordagens da sociologia do conhecimento, configuracional e construtivista-estruturalista que você conhecerá a seguir são olhares teóricos preponderantes para os problemas e questões sociais do século XX. Ao longo deste texto, você conseguirá descrever a leitura Peter Berger e Thomas Luckman sobre a constituição da sociologia do conhecimento, que conecta as ações entre indivíduos e sociedade, poderá compreen- der e explicar a abordagem configuracional da obra de Norbert Elias, verificando o processo de redescoberta da obra eliasiana e aprenderá sobre os principais conceitos da revolucionária obra bourdieusiana e de sua teoria do construtivismo estruturalista, a partir da identificação dos conceitos de espaço social, campo, capital, trajetória e habitus. A sociologia do conhecimento e suas abordagens: Berger e Luckmann O texto A construção social da realidade, de Peter Berger e Thomas Luckmann, publicado pela primeira vez em 1966, trabalha a perspectiva da sociologia do conhecimento para explicar as relações entre sociedade e indivíduo, passando também por elementos da psicologia social. Os autores trabalham com as perspectivas objetivas e subjetivas da realidade a partir da signifi cação da sociedade pelo indivíduo e dos comportamentos do indivíduo em sociedade. A sociologia do conhecimento proposta por Berger e Luckman (2004) abre uma nova perspectiva para as análises da disciplina, uma vez que os autores se baseiam na dualidade da influência entre indivíduo e sociedade para a elaboração do conhecimento e, portanto, para a compreensão da realidade. Essa seria uma dinâmica de dupla causalidade, baseada na concepção mar- xista de infraestrutura e superestrutura. Entre as teorias clássicas, os autores consideram que tanto a concepção durkheiminiana, de que todas as coisas são fatos sociais, quanto a noção subjetiva de construção dos significados da ação, formulada por Weber, aparentemente antagônicas, contribuem para a sua proposta de definição da construção da realidade. De acordo com Berger e Luckmann (2004), a realidade seria construída socialmente, sendo função da sociologia do conhecimento explicar como esse processo ocorre. A realidade seria composta por eventos e fenômenos que aconteceriam independentemente da vontade humana, e os sujeitos “conhece- riam” esses fenômenos, por meio de seus efeitos e consequências, sabendo-se que são reais. A própria definição de conhecimento de realidade em termos sociológicos, para os autores, torna-se uma pauta problemática para a ciência, pois os conceitos poderiam ser distintos a partir da formação cultural dos indivíduos, bem como da intenção na realização de seus atos. Um aluno e um professor, em sala de aula, podem falar sobre um mesmo tópico, porém o conhecimento de ambos os sujeitos é diferente, bem como o emprego dado a ele. Dessa forma, para os autores, “[...] a necessidade da ‘sociologia do conhe- cimento’ está assim dada já nas diferenças observáveis entre as sociedades nos termos daquilo que é admitido como ‘conhecimento’ nelas [...]” (BERGER; LUCKMAN, 2004, p. 13). Ainda segundo os autores, esse segmento da so- ciologia deveria se ocupar de todas as formas de conhecimento estabelecidas, já que o conhecimento seria construído e transmitido em meios e situações sociais. Por isso, a sociologia do conhecimento não poderia ter outra apre- sentação senão a observação e a análise da construção social da realidade – o conhecimento, aprendido e ensinado em práticas e grupos sociais, seria Novas sínteses teóricas da sociologia2 a ferramenta de construção da realidade social em um determinado grupo (BERGER; LUCKMAN, 2004). Conhecimentos diferentes poderiam, assim, fomentar realidades diferentes. O fundamento da realidade, definido como o conhecimento, tem por seu campo de exercício a vida cotidiana, ou seja, as práticas derivadas do co- nhecimento que dirige a vida diária. A vida cotidiana é composta por tudo aquilo de mais próximo do indivíduo, como seu corpo, seu tempo presente, a composição dos elementos do “aqui e agora”. Este é o contexto manipulável pelo indivíduo, o contexto que lhe é acessível, pois, como destacam Berger e Luckman (2004, p. 40), “[...] a realidade da vida cotidiana [...] apresenta-se a mim como um mundo intersubjetivo [...]”. De acordo com essas proposições, a dimensão espacial teria pouca influência sobre a vida cotidiana e sobre a construção da realidade, porém o tempo seria o fator estruturante para a concepção de cotidiano, uma vez que a consciência que dirige as ações diárias é, para os autores, definida temporalmente (BERGER; LUCKMAN, 2004). A estrutura temporal da consciência, que é definida a partir das funções fisiológicas, como, por exemplo, quanto tempo é possível trabalhar até se cansar e ter sono, quanto tempo de vida um ser humano tem, a finitude imposta pela morte, é formada por elaborações intersubjetivas, que têm significados específicos para cada indivíduo, mas que existem inevitavelmente em todo sujeito social. Por outro lado, a estrutura temporal é também coercitiva, mesmo na vida cotidiana. Não é o sujeito quem determina o horário do transporte público que utiliza, nem o horário em que deve chegar à escola ou ao local de trabalho. Portanto, suas práticas cotidianas subjetivas estão condicionadas às segmentações temporais de dispositivos da vida social dos quais não tem nenhum controle, mas aos quais precisa se ajustar. Tipificações sociais também são elementos determinantes para a construção do conhecimento e da realidade social. As experiências dos outros, daqueles que mantêm relações sociais com um indivíduo, podem ter diferentes intensi- dades de influência sobre suas próprias decisões, como exemplo e elemento de comparação. No entanto, quanto mais as estruturas das experiências do outro se assemelham às estruturas do “aqui e agora” do indivíduo, mais próximo ou conectado a elas ele tende a se sentir. Por isso, a proximidade das estru- turas da vida cotidiana tipifica aquilo que se pode relacionar como próximo, semelhante, distante ou diferente. A linguagem humana é um dos processos que contribuem para a cons- trução da realidade, tratando-se de um processo de objetivações sociais dos processos subjetivos em que se estabelece a reciprocidade como fundamento. Por meio de símbolos, fonéticos e gestuais, o sujeito expressa e exterioriza 3Novas sínteses teóricas da sociologia seus pensamentos, ou seja, elementos subjetivos que são interpretados pelo ouvinte, que responde à comunicação. Em conjunto, os homens instituem as categorias simbólicas que estruturam a linguagem, e a linguagem também passa a formar o conhecimento e indicar comportamentos em seu exercício de formulação ou interpretação. Assim, Os homens em conjunto produzem um ambiente humano, com a totalidade de suas formações sócio-culturais e psicológicas.[...] Assim como é impossível que homem se desenvolva como homem no isolamento, igualmente é impos- sível que o homem isolado desenvolva um ambiente humano. O ser humano solitário é um ser no nível animal. [...] Logo que observamos os fenômenos especificamente humanos entramos no reino animal. A humanidade específica do homem e sua socialidade estão inextricavelmente entrelaçadas (BERGER; LUCKMANN, 2004, p. 75). Em conjunto, as ações humanas se tornam sociais, de modo que se es- tabelecem categorias simbólicas que organizam fenômenos, como o tempo, que é organizado entre passado, presente e futuro, a partir da vivência e da interpretação dos sujeitos, visto que, fora do contexto interpretativo humano, o tempo não possui categorizações. O tempo se torna segmentado a partir das categorias simbólicas que o definem mais próximo ou mais distante do “aqui e agora”, formado por uma lembrança (passado) ou uma projeção (futuro). A preocupação de Berger e Luckman (2004) era de formular uma ex- posição do papel do conhecimento para as sociedades em sua formação, estruturação e manutenção, salientando que o conhecimento não é intangí- vel pelas subjetividades, mas formado também por elas. O conhecimento moldaria também as práticas sociais e, por isso, teria uma relação de dupla causalidade entre indivíduos e sociedade – é formado por elementos objetivos, estruturalmente externos, e elementos subjetivos, estruturados internamente pelos indivíduos. Ao fazê-lo, mostraram ainda como as teorias clássicas podem ser estudadas e utilizadas a partir de outros olhares, fomentando novas abordagens para a disciplina. Berger e Luckman (2004) fazem parte do contexto em que a sociologia francesa, derivada dos estudos de Durkheim e Weber, era preponderante nas abordagens dos fenômenos sociais. Berger e Luckman (2004) mostram que a perspectiva francesa pode ser associada às leituras marxistas e até ao positivismo (na medida em que eles também destacam um conjunto de práticas para a interpretação dos fenômenos sociais, como o fizeram os positivistas). A sociologia do conhecimento proposta pelos autores expõe uma relação dialética entre indivíduo e sociedade, expressa na múltipla influência entre Novas sínteses teóricas da sociologia4 pensamentos e comportamentos subjetivos individuais e as estruturas sociais. Com isso, salientam, ainda, que a especialização da sociologia enquanto ciência necessita da exploração de esferas sociais de maneira sistematizada, como a sociologia da religião, por exemplo, uma vez que há áreas ou esferas sociais com estruturas particulares em que os conheci- mentos explicitados são construídos e interpretados de maneira diferente quando comparados a outras estruturas sociais. Estudante, preste muita atenção à definição teórica dos autores, que pode ser confun- dida com outras abordagens, se baseada no senso comum. A sociologia do conhe- cimento proposta por Berger e Luckmann (2004) trata da interação entre indivíduo e sociedade em diferentes estruturas sociais, fatores que levam a diferentes possibilidades de construção do conhecimento; a nomenclatura pode levar a confundir seus preceitos com a análise do conhecimento científico enquanto produção intelectual. A abordagem configuracional da obra de Norbert Elias A década de 1960 ofereceu diferentes possibilidades empíricas com as novas sínteses sociológicas, ou seja, com o aprimoramento dos profi ssionais da sociologia, a geração de cientistas que se formou academicamente na área, e desenvolveu novas teorias e olhares a partir da referência das teorias socio- lógicas clássicas. A chamada “Escola de Frankfurt”, corrente de teorias sociológicas de pesquisadores alemães, tomou proporção entre as décadas de 1940 e 1960, embora tenha se iniciado ainda no início do século XX. A Escola de Frank- furt não refutava a sociologia francesa de Weber e Durkheim, mas elabora perspectivas de análises que iam além da estruturação do comportamento social pela sociedade ou da significação subjetiva das ações sociais. Uma das vertentes dessa escola de conhecimento é retomada a partir da produção resgatada de Norbert Elias, sociólogo alemão que elaborou parte da leitura identificada como “a abordagem configuracional”, que eliminava a antítese entre indivíduo e sociedade na determinação dos comportamentos e fenômenos sociais, pautada na leitura conjunta das influências e nas possibilidades do exercício do poder ao longo dos processos civilizatórios. 5Novas sínteses teóricas da sociologia Elias é, no contexto contemporâneo, um dos sociólogos mais prestigiados, devido à sua contribuição ao arcabouço teórico da disciplina, no entanto, foi reconhecido tardiamente em sua vida. Sua principal obra, O processo civilizatório, teve grande influência entre sociólogos ingleses e franceses na década de 1970, mas sua primeira publicação, em alemão, ocorreu ainda na década de 1930. Entre os sociólogos brasileiros, Elias se torna vastamente conhecido apenas na década de 1990, ou seja, há um hiato de 30 anos entre a primeira e a segunda publicação da obra e o reconhecimento de seu trabalho. Para Elias (1996), conflito e consenso seriam dois polos interdependentes, isto é, precisariam um do outro para existir, e o conflito estaria ligado a ca- racterísticas emocionais e subjetivas dos sujeitos. O conflito estaria presente na natureza humana quando em contato com outras subjetividades, ou seja, o conflito emerge quando os indivíduos estão em sociedade. Já o consenso, a necessidade de manter o equilíbrio das relações entre interpretação e expressão – desde que não estivessem em jogo as temáticas ligadas ao poder – emergiria na mesma proporção. As estruturas sociais impedem, por seus dispositivos de regulação, que o conflito seja expresso descontroladamente. Quando isso, por ventura, ocorresse, se daria na forma de violência. Por isso, em sociedade, os sujeitos definiriam maneiras de expressar o conflito de forma ordenada e controlada. As “mímesis” – imitação de dinâmicas e sentimentos da vida real, em dinâmicas controladas – seriam construídas com a intenção de reproduzir situações que permitam a emergência de emoções e o conflito controlado, como acontece, segundo Eias, nos esportes (SOUZA; STAREPRAVO; MARCHI JUNIOR, 2014). O esporte proporcionaria uma dinâmica social de lazer em que seria possível equilibrar as emoções expostas como tensão ou conflito em busca do consenso: há disputa, tensão na busca do resultado, conflitos entre competidores, mas consenso quanto às regras, à duração do jogo. Para Elias (1996) e para os leitores de seus trabalhos, os chamados eliasianos, o equilíbrio emocional entre conflito e consenso observado no esporte é uma metáfora para o que acontece em outros campos da vida social, em que as subjetividades, voluntária e coercitivamente, equilibram a expressão das emoções na busca do consenso, mas não as sufocam ou eliminam. A abordagem configuracional da obra de Elias (1996) se baseia nas leituras de como elementos como o poder, as emoções, o conhecimento e a história imprimem marcas no comportamento social, pautado constan- temente como movimento entre conflito e consenso. Elias (1996) chega a essa configuração teórica ao analisar a civilização europeia e a trajetória dos comportamentos e interações sociais das etnias e sociedades europeias Novas sínteses teóricas da sociologia6 a partir da Idade Média. Em O processo civilizatório, Elias (1996) avalia os costumes, as dinâmicas políticas e a construção de poder, mas, mais atentamente, descreve os comportamentos cotidianos e como as emoções imprimem significado e direção aos comportamentos diários, bem como às estruturas rituais cotidianas, como as regras de etiqueta, por exemplo, que controlavam a forma de os sujeitos sentirem as emoções, ou ao menos a maneira como as expressavam. Os anos de domínio da sociologia francesa às práticas sociológicas fizeram a obra de Elias (1996), focada na abordagem da açãoindividual (especialmente pelas emoções), ser ignorada e criticada. Houve ainda críticas à interpretação de que o controle de emoções e comportamentos de desagrado à pessoa ou que desagradavam outros elementos da sociedade era uma espécie de “evolução”, e sua produção foi, por algumas décadas, associada de forma pejorativa à ideia de darwinismo social, ou seja, de melhoramento de grupos sociais por meio da adaptação de hábitos, comportamentos e culturas, que levariam algumas sociedades a estados mais “avançados”. Essa ideia foi descartada da década de 1970, quando o foco no comportamento individual e a identificação da sociedade civil como ator social emergem. Nesse contexto, Elias foi considerado um sociólogo à frente de seu tempo, que conseguiu se desvencilhar das abor- dagens materialistas-deterministas e funcionalistas, oferecendo perspectivas interessantes aos sociólogos que trabalhavam com a ideia de organização de redes e ação coletiva no fim do século. Aprofunde o seu conhecimento sobre a abordagem configuracional eliasiana por meio de uma leitura sobre as particularidades das sociedades do século XXI “A abordagem configuracional: uma estratégia de pesquisa para enfrentar os múltiplos desafios das sociedades da informação e do conhecimento” (SPENILLO, 2007). O construtivismo estruturalista de Pierre Bourdieu A abordagem sociológica do francês Pierre Bourdieu emerge na década de 1960, dialogando com abordagens fi losófi cas, teóricos frankfurtianos e componentes da escola de sociologia francesa. Refl etindo sobre as leituras propostas pelas te- 7Novas sínteses teóricas da sociologia orias sociológicas clássicas, Bourdieu não acredita no determinismo coercitivo das estruturas sociais presentes nas leituras funcionalistas, nem na completa composição subjetiva das ações sociais. Para ele, a sociologia contemporânea deveria se pautar em uma leitura que não colocasse o indivíduo e as estruturas como polos separados e opostos, nem como elementos preponderantes sobre os outros, mas sim como elementos cujas ações podem, ao mesmo tempo, ser estruturadas e estruturantes, ou seja, ser moldadas e moldar outras ações, confi gurando o estruturalismo construtivista, ou o construtivismo estrutura- lista: sim, existem dinâmicas que moldam os comportamentos individuais, promovidas pelas estruturas sociais, mas existem movimentos subjetivos que alteram as estruturas, especialmente quando derivados das lutas sociais. Dessa forma, não haveria a liberdade absoluta pautada nas subjetividades individuais, nem a determinação completa do comportamento pelas estru- turas, mas sim uma complexa rede onde as ações são socializadas por meio do movimento e do trânsito de corpos sociais, os indivíduos, que adquirem, reproduzem ou alteram o significado das ações a partir do contexto de poder que os cerca. O poder é o elemento principal na análise da ação individual bourdieusiana, e, por meio dele, pode-se compreender as formas de dominação de elementos, indivíduos e classes sociais. A constituição de relações entre indivíduo e sociedade a partir do poder, que permite dominar ou ser dominado, passa pela significação dos espaços e dos modos em que indivíduo aprende, expressa, valoriza ou relembra suas ações. A leitura desse processo na so- ciologia bourdieusiana passa ela definição dos conceitos de campo, habitus, capital, poder e violência simbólica e trajetórias de vida. O campo, para Bourdieu (2011), é o espaço simbólico onde se empreendem e se significam as ações humanas, a partir de um código de valores, inclusive as lutas sociais e o exercício da dominação e da violência simbólica. É onde elementos constituintes dos agentes sociais, como biografias, trajetórias e habitus, expressam o alcance de seus capitais simbólicos e onde se exerce o poder. Aqui, estão alocadas as regras sociais existentes na sociedade em questão. No campo, existem os “locus”, espaços específicos onde se desen- volvem lutas e disputas sociais. O habitus (BOURDIEU, 2004, 2011) um conjunto de sistemas que direciona a ação, definido a partir das influências de estruturas e da subjetividade do agente social. É um comportamento que, ao mesmo tempo, expressa as in- fluências da sociedade e da subjetividade individual, e seu exercício também interioriza no agente as referências sociais externas. O habitus não é uma ação social determinada, como uma lei, que obriga ou coíbe algo, mas sim uma consciência sobre qual tipo de ação pode ou deve ser tomada em situações Novas sínteses teóricas da sociologia8 sociais específicas. Por exemplo, o conhecido “jeitinho brasileiro”, a ideia de que, apesar de regras e leis, é possível suplantá-las, dar a volta, encontrar uma maneira de realizar algo mesmo que não esteja absolutamente dentro das regras ou do prazo. Esse é um comportamento cultural local que não costuma acontecer em outras nações. É um elemento não visível, intangível, mas que norteia comportamentos. Se alguém estaciona o carro na porta da garagem de alguém, é possível que pense “é rapidinho!”; “eu só vou ali e já volto”. Se é repreendido pela ação, pensa em como contorná-la: “vou explicar que fiquei aqui apenas 15 minutos e tudo ficará bem”. O capital (BOURDIEU, 2011, 2004) composto por elementos que podem ser adquiridos e que configuram a quantidade e a intensidade do poder do indivíduo em uma sociedade estratificada, ou seja, dividida em classes sociais. Bourdieu divide o capital entre capital econômico, capital social e capital cultural. O exercício de poder fundamentado em qualquer um desses três tipos de capitais é chamado de capital simbólico. O capital econômico é aquele promovido pelas possibilidades sociais geradas pelo acúmulo financeiro de dinheiro. Lembre-se de que apenas acumular riqueza não se configura como capital econômico, mas sim o exercício de privilégios, poder e domínio sobre outros indivíduos a partir das possibilidades ofertadas pelo capital econômico. O capital cultural é aquele adquirido pela educação formal e pela educação erudita, ou seja, formado pelo conhecimento adquirido em instituições de ensino, podendo ser utilizado para trânsitos sociais. O capital cultural pode, ao mesmo tempo, ser instrumento de libertação e de dominação e exercício de poder. O controle do acesso ao capital cultural mantém poucos agentes circulando nos espaços privilegiados, ao passo que seu amplo acesso promove um movimento na direção do equilíbrio social em um contexto de estratificação. O que Bourdieu explica é que pessoas sem o capital cultural são mais facilmente dominadas nos campos sociais, e que a aquisição de capital cultural pelas classes mais baixas permite mais trânsito social, diminuindo a violência simbólica daqueles que ocupam os espaços mais altos entre as classes sociais. O capital social é aquele exercido por meio de privilégios adquiridos pelo status social, como acessos e trânsitos sociais adquiridos pelo sobrenome de uma família, por exemplo. Para Bourdieu (2004) as trajetórias sociais são os movimentos, os tra- jetos, empreendidos por indivíduos, possibilitados por seu capital simbólico ou coibidos pela violência simbólica advinda da luta de classes na sociedade estratificada. São compostas por biografias, histórias de vida individuais. Segundo a óptica do sociólogo francês, as trajetórias sociais são conjuntos de feixes biográficos que se movimentam em um mesmo sentido por possuírem 9Novas sínteses teóricas da sociologia capitais simbólicos e sofrerem violências simbólicas semelhantes. Por isso, a sociologia de Bourdieu não trata de trajetórias individuais, mas sim de como as biografias individuais se apresentam no conjunto de trajetórias. As trajetórias sociais indicam, ainda, os movimentos empreendidos pelas classes sociais como produto das lutas sociais. A contribuição bourdieusiana para a sociologia contemporânea ainda é preponderante, e seus conceitos são constantemente retomados por sociólogos em todas assegmentações da disciplina. Saiba mais sobre a definição e as conexões entre o capital simbólico e a manutenção da estratificação das classes sociais por meio da violência simbólica por meio do texto de Bourdieu (2003) “Capital simbólico e classes sociais”. BERGER, P.; LUCKMAN, T. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 24. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. BOURDIEU, P. O poder simbólico. Lisboa: Edições 70, 2011. BOURDIEU, P. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004. ELIAS, N. O processo civilizador: uma história de costumes. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. v. 1. SOUZA, J.; STAREPRAVO, F. A.; MARCHI JUNIOR, W. A sociologia configuracional de Norbert Elias: potencialidas e contribuições para o estudo dos esportes. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 429-445, abr./jun. 2014. Leituras recomendadas BOURDIEU, P. Capital simbólico e classes sociais. Novos Estudos CEBRAP, v. 96, p. 105-115, jul. 2003. SPENILLO, G. M. D. A abordagem configuracional: uma estratégia de pesquisa para enfrentar os múltiplos desafios das sociedades da informação e do conhecimento. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 13., 2007, Recife. Anais... Recife: [s.n.], 2007. VARAJÃO, J. Espaço social: reflexão, representação, transformação. Porto: Faculdade de Arquitetura do Porto, [2010?]. Novas sínteses teóricas da sociologia10 Conteúdo:
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