Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PENSANDO BEM O BÁSICO DO PENSAMENTO CRÍTICO Evelyn Lima e Vitor Lima 2 Mestre em Filosofia pela UFRRJ, é apaixonada por educação e desenvolvimento de pessoas. Trabalhou com formação de adultos de todo o país e, com essa experiência, aprendeu que uma boa comunicação e uma boa capacidade de argumentação nos tornam muito mais prontos para falar com qualquer pessoa em qualquer contexto. Licenciado em Filosofia pela UFRRJ, atua como Professor de Argumentação e Produção Textual há 4 anos no Ensino Básico. Escolheu os estudos filosóficos devido à paixão por compreender os aspectos mais essenciais da realidade. Decidiu ser professor de Redação graças à paixão por estruturar argumentos. AUTORES EVELYN LIMA VITOR LIMA O Isto Não É Filosofia (INÉF) objetiva usar o pensamento filosófico para auxiliar você a pensar por conta própria, inclusive, em situações não filosóficas. Acreditamos que pensar de modo mais claro, organizado e profundo torna você uma pessoa interessante e única. Nesse sentido, este livro traz a teoria básica para ajudar você a construir seu pensamento crítico. PENSANDO BEM O BÁSICO DO PENSAMENTO CRÍTICO SUMÁRIO 05 17 30 42 52 INTRODUÇÃO 01 6 Qual definição de pensamento crítico vem à sua mente quando alguém diz que você precisa pensar de modo crítico? É possível que seja algo negativo, que envolva falar mal de algo que leu, ouviu ou viu. Porém, a teoria e a prática estão bem distantes disso. À medida que avançarmos, você vai aprender que pensar criticamente não deve ser considerado sinônimo de criticar – no sentido de simplesmente falar mal. Aprender a pensar criticamente pode habilitar você a avaliar um argumento ou uma afirmação, mas seu pensamento será originado de uma consideração bem fundamentada, ao invés de um julgamento rápido e irrefletido. Vamos explicar o conceito e a atividade envolvidas no pensamento crítico. Vamos construir uma definição cotidiana de pensamento crítico e identificar o que não é pensamento crítico. Também mostraremos a você o propósito e o valor do pensamento crítico. 7 PENSAMENTO CRÍTICO é a aplicação cuidadosa da razão para decidir em que acreditar e, portanto, como agir. Destaque para as partes importantes da definição: 1. Pensamento cuidadoso (sensatez) 2. Uso da razão (lógica) 3. Julgamento sobre crenças (avaliação) 4. Aplicação a problemas reais (ação) Vamos analisá-las uma a uma. Pensamento crítico não é um processo rápido ou fácil. Mesmo que você saiba os fundamentos, para executar corretamente, é necessário que você amadureça suas habilidades na prática e no tempo. Agir com cuidado e prudência exige que você tenha propósito em sua avaliação – que ela não seja aleatória e simples fruto de sua reação emocional. Também requer que você aja com minúcia – atenção aos detalhes. Para pensar criticamente, você tem que focar no problema em questão, levando em consideração toda a sua complexidade, amplitude e profundidade. Pensamento crítico não é passivo. O objetivo não é simplesmente decidir entre aceitar ou rejeitar um argumento, como se fosse um simples registro de prós e contras. PENSAMENTO CUIDADOSO 9 Certamente, existem casos relativamente fáceis – ou é preto, ou é branco. Por exemplo, há centenas de anos, as pessoas disseram que os navios que velejassem para o leste da Europa cairiam no espaço porque a terra é plana. Não é preciso ser especialista em pensamento crítico para ver que se trata de uma opinião muito fácil de rejeitar – supondo que você saiba que a terra não é plana. Na prática, porém, precisamos pensar sobre alegações mais complexas, que contêm muito mais cinza que preto ou branco. Então, nesses casos, é muito mais difícil dizer que simplesmente concordamos ou discordamos. Além disso, mais que discordar, o importante é saber por quê. Do contrário, você não sabe se está pensando por você ou simplesmente adotou uma opinião sem refletir. P EN SA M EN TO C U ID A D O SO 10 Pensamento crítico é um processo ativo destinado a nos movimentar na aula, no trabalho ou em qualquer outra comunidade à que pertençamos, para uma maior compreensão dos problemas ali tratados. Para que isso aconteça de forma eficaz, pensamento crítico requer aplicação da razão. É preciso ter fitas métricas para avaliar se um argumento é produto de um bom raciocínio. É necessário comparar raciocínios com outras formas de julgar ou reagir a afirmações. Por exemplo, as pessoas muitas vezes tomam decisões baseadas em pura emoção, intuição ou fé. Utilizar a razão não significa necessariamente jogar fora a sensibilidade – emoção, intuição e fé. Não se trata de um processo frio e sem coração, mas o pensamento crítico requer colocar essas outras formas de pensar sob o microscópio da razão. Por exemplo, muitas pessoas decidem não tentar certas atividades porque dizem coisas como “Estou com muito medo de viajar de ônibus à noite”. O medo, como todas as emoções, pode ser justificado ou infundado. Quando expomos essa resposta emocional à razão, podemos avaliar a questão de modo mais seguro. USO DA RAZÃO 11 Existem boas razões para ter medo de viajar de ônibus à noite? • Trata-se de uma área com altos índices de criminalidade? • A estrada está em boas condições ou cheia de buracos? • Há notícias de acidentes frequentes no trecho da viagem? Ao fazer esses tipos de pergunta, podemos avaliar se nossa emoção – no caso, o medo – é produto de uma avaliação razoável ou completamente infundada. USO DA RAZÃO 12 Quando queremos aplicar pensamento crítico, o objetivo é determinar se a afirmação diante de nós é verdadeira ou não e, em seguida, usar essa avaliação para decidir que ação tomar. Em última análise, somos solicitados a tomar uma posição em relação à verdade ou aceitabilidade de algo que lemos, ouvimos ou assistimos. Mas por que precisamos tomar uma posição? Vamos considerar o seguinte cenário. Uma de suas aulas exige que os alunos concluam um projeto em grupo que valerá cinquenta por cento de sua nota final. Você é colocado num grupo com quatro outros alunos. Em seu primeiro encontro, um dos membros diz: “Eu já fiz todo o projeto. É um saco, e ninguém gosta de trabalhar em grupo. É muito difícil dividir as partes. Ninguém nunca fica feliz com a sua. Todos acabam brigando. Da última vez, decidimos que cada um faria o projeto inteiro, votaríamos no melhor, para só então entregarmos ao professor. Devemos fazer a mesma coisa agora.” JULGAMENTO E AÇÃO Esse é um bom argumento? Você concorda com todas as alegações que ele fez? Essas alegações conduzem necessariamente à conclusão sobre como lidar com o projeto? Existe uma maneira melhor de lidar com a situação? Lembre-se de que 50% de sua nota final está em jogo. Seu colega crê que projetos em grupo não funcionam. Se você simplesmente aceitar a crença dele sem questionar, pode vir a compartilhar uma opinião herdada. Uma opinião herdada é uma crença de que algo é o caso simplesmente porque alguém disse a você que era o caso. JULGAMENTO E AÇÃO 14 É verdade que aceitamos opiniões herdadas sobre muitos tópicos. Frequentemente nossas crenças morais e políticas foram transmitidas por nossas famílias ou culturas. Quantos de nós poderia realmente fornecer evidências ou razões para essas crenças? Frequentemente, porém, somos obrigados a fazer isso. Vivemos num mundo em que as pessoas têm pontos de vista muito diferentes sobre muitos tópicos. Indivíduos, comunidades, empresas e governos precisam decidir o que fazer em muitas questões que são objeto de fortes desacordos. Pensamento crítico nos ajuda a oferecer razões sobre quais ações deveriam ser tomadas e avaliar efetivamente as razões oferecidas por outros. JU LG A M EN TO E A Ç Ã O 15 Considere este cenário. Você trabalha como recepcionista de uma escola. Está nessa posição há alguns anos e procura chamar a atenção de sua supervisora. Sabe que há uma posição de gerentede marketing. Felizmente, uma oportunidade se apresenta. Sua supervisora pergunta a você e a seu colega de trabalho, que também é um recepcionista, em que vocês consideram que a empresa deve se concentrar para um próximo anúncio de campanha. Deve investir mais recursos em mídia tradicional, como anúncios impressos e TV, ou em mídias sociais voltadas para o público local? Querendo parecer que está atualizada, você responde rapidamente: “Com certeza em mídias tradicionais”. Seu colega de trabalho não responde imediatamente, mas no dia seguinte oferece uma avaliação: “Devemos continuar online nas redes sociais. Anexei um relatório detalhado mostrando tendências recentes e pesquisas de mercado com dados e demonstrações. Avaliei o aumento do retorno sobre o investimento de campanhas de mídia social em comparação com mídias tradicionais”. Quem você acha que vai chamar a atenção do supervisor? O funcionário que fez uma alegação sem embasamentos sobre o que fazer (você) ou o funcionário que ofereceu provas fundamentadas para sua alegação? JULGAMENTO E AÇÃO 16 Dedicar algum tempo a pensar criticamente fornece visão e compreensão que não teríamos desenvolvido sem esse procedimento. Pensamento crítico nos fornece justificativas para tomar ou não certas ações e nos dá propriedade sobre nossas crenças. Por meio do pensamento crítico, desenvolvemos as habilidades que nos permitem saber por que acreditamos no que acreditamos. Podemos oferecer evidências e razões para defender nossas crenças e essa fundamentação nos leva a ações coerentes com o que acreditamos. Em última análise, temos verdadeira liberdade de pensamento e opinião, que surge quando sabemos em que acreditamos e por que acreditamos. JU LG A M EN TO E A Ç Ã O IDENTIFICANDO ARGUMENTOS 02 18 Como você sabe, o pensamento crítico permite que você aplique a razão para avaliar algo que você lê, ouve ou vê. Ao pensar criticamente sobre um argumento, você pode analisá-lo e concluir se o considera certo ou errado, forte ou fraco. Mas, antes que você possa analisar algo que ouviu ou leu, deve primeiro saber se é mesmo um argumento ou não. Isso pode parecer óbvio à primeira vista, mas você verá que nem sempre é o caso. O que é um argumento? Primeiro, é importante reconhecer que um argumento é feito para responder a um problema específico, oferecendo uma posição e fornecendo razões que sustentam essa posição. Basicamente, um argumento consiste em duas partes: 1) uma ou mais premissas, e 2) uma conclusão. Essas duas partes devem trabalhar juntas a fim de oferecer uma determinada posição sobre um problema. Num argumento, as premissas objetivam fornecem as razões para se pensar que a conclusão é verdadeira. 19 Por exemplo, uma aluna diz a seu professor: "Minha avó morreu, e tive que faltar à aula para ir ao funeral”. O problema em questão é se a aluna deve ser dispensada ou não, que é sua conclusão. Ela acredita que a conclusão oferece uma razão - assistir ao funeral da avó - para defender essa conclusão. Essa razão é a premissa do argumento. O professor pode, então, avaliar se ela ofereceu um bom argumento ou não. 20 Avaliar significa fazer duas coisas: • Primeiro, decidir se as premissas são verdadeiras ou, ao menos, razoáveis. • Segundo, determinar se as premissas estão logicamente relacionadas à conclusão. Neste capítulo, vamos quebrar a definição de um argumento, concentrando-nos em quatro pontos: 1. Premissa 2. Conclusão 3. Aplicação da razão 4. Relação entre premissas e conclusões 21 Quando alguém oferece um argumento, oferece sua posição sobre algum assunto em questão. Imagine que um de seus colegas esteja fazendo um curso de internet no qual você estava pensando em se inscrever. Quando você pergunta sobre o curso, ele diz, “De jeito nenhum! Não pague R$ 799!“. Para convencer que isso é verdade, ele lhe fornece um ou mais motivos. Ele pode dizer que “O professor é entediante”, ou que “As leituras são muito difíceis”, ou que “Não há tempo suficiente para discussão”. Essas afirmações sobre o curso são as premissas do argumento. Elas fornecem a base sobre a qual a conclusão - que você não deve se inscrever no curso – se fundamenta. Para analisar um argumento, uma coisa que você deve fazer é identificar as premissas. Pergunte a si mesmo: • "Que razões ou evidências essa pessoa forneceu para sua conclusão?" • "Por que o autor acha que esta é a resposta?" PREMISSAS Às vezes, a pessoa que apresenta o argumento torna o trabalho mais fácil para você usando palavras-chave que servem como indicadores de premissas: "porque", "devido a", “isso porque", "dado que" e assim por diante. Esteja ciente de tais palavras, mas não dependa totalmente delas - nem sempre aparecem em um argumento real. Além disso, às vezes há premissas não declaradas ou implícitas. A pessoa que argumenta talvez omita um fato ou motivo, supondo que você já saiba desse fato ou que será dado como certo. Depois de identificar as premissas, você precisará avaliar sua verdade ou força. Vamos conversar mais sobre como fazer isso posteriormente. PREMISSAS 23 Agora vamos ter certeza de que a noção de conclusão do argumento está clara para você. Nesse contexto, o termo ‘conclusão’ está sendo usado de forma diferente do costumeiro. Quando falamos sobre a conclusão de um argumento, não queremos dizer um resumo do que foi dito (como pode ser encontrado neste livro inclusive, na parte final, quando fornecemos a síntese do que dissemos). Em vez disso, a conclusão de um argumento é o que se segue das afirmações feitas; é a declaração final da posição que alguém está tomando sobre um problema. Imagine que você está conversando com seu coordenador no trabalho. O coordenador diz: "Estou pensando que deveríamos dar um recesso à equipe”. Pensando em como as coisas estão por lá, você responde: "Sim, parece que algumas pessoas não estão muito bem. E temos vários projetos importantes que não estão sendo realizados, porque ninguém está trabalhando como deveria". Você também acredita que os membros da equipe não estão se comunicando muito bem uns com os outros. Tendo considerado uma série de premissas relacionadas, você então chega à conclusão de que “Sim, deveríamos conceder um período de recesso a todos”. CONCLUSÃO 24 Observe que seu coordenador pode examinar criticamente seu argumento, avaliando as premissas e a conclusão. Ele pode concordar que suas premissas são verdadeiras, mas isso não significa que ele necessariamente precisa concordar com sua conclusão. Ele pode decidir que suas premissas não fornecem razão suficiente para o recesso (que pode acarretar perda de tempo na produtividade, tirando um dia das tarefas normais), ou que existe uma maneira melhor de resolver as tensões de escritório que você identificou. C O N C LU SÃ O 25 Ao argumentar, um indivíduo confia na razão para defender uma conclusão particular – ao invés de simplesmente descarregar emoção, intuição ou fé. Por exemplo, um funcionário que diz a seu chefe "Por favor, me dê um aumento. Eu realmente preciso ganhar mais dinheiro para comprar uma casa maior" está tentando apelar para as emoções de seu chefe, esperando que ele se sinta mal. Ainda que uma casa maior seja necessária, o funcionário não está realmente oferecendo um argumento. Ele simplesmente está tentando persuadir seu chefe a concordar com seu desejo. Para realmente apresentar um argumento, o funcionário poderia enumerar suas realizações no local de trabalho, projetos que conduziu, prazos que cumpriu e outras razões concretas que poderiam justificar um aumento. Considere outro exemplo. Um advogado de defesa aponta para a roupa chique e para a feição de seu cliente e pergunta ao júri: “Falem a verdade, meu cliente parece capaz de matar?" Isso é um argumento? O advogado ofereceu ao júri razões reais a partir das quais derivar a conclusão pretendida – a de que “Não, claro queele não é capaz disso”? APLICAÇÃO DA RAZÃO 26 Quando alguém propõe um argumento, acredita que as premissas que oferece justificam ou apoiam a conclusão. O objetivo de aplicar o pensamento crítico aos argumentos é avaliar se isso realmente ocorre. A premissa realmente leva à conclusão? Se o argumento for bom, a resposta será sim. Se for um argumento fraco, a resposta pode será não. Lembra quando você perguntou ao seu colega sobre realizar o curso? Imagine se, em vez de dizer a você como era o curso, ele dissesse, "Não faça o curso. Eu odeio esse curso. É tudo gravado, e eu não gosto de cursos gravados." A fim de apoiar sua conclusão de que você não deve assistir às aulas, as premissas são que • “O curso é gravado” e • “Ele não gosta cursos gravados”. R ELA Ç Ã O EN TR E P R EM ISSA E C O N C LU SÃ O 27 Agora, essas premissas realmente informam se você deve fazer essa aula? O que a antipatia do seu colega por cursos gravados tem a ver com você? Quando você analisa um argumento, não deve apenas avaliar as premissas e conclusões separadamente. Você precisa considerar a relação entre elas. Se as premissas não tratam diretamente da questão - nesse caso, “Devo fazer este curso” - então não oferecem suporte de verdade. Portanto, você está diante de um argumento fraco. RELAÇÃO ENTRE PREMISSAS E CONCLUSÃO 28 Às vezes, pode ser difícil dizer se alguém está apresentando um argumento - ou se o argumento é bom - porque as peças da máquina estão faltando. As pessoas nem sempre explicam seus argumentos de modo claro. Você já ouviu a frase "Isso nem é preciso dizer"? A palavra “isso” indica uma premissa não declarada - aquela que, por algum motivo, é simplesmente assumida em vez de explicitamente apresentada. Por exemplo, considere o seguinte argumento: "Não é preciso trabalhar. Se você prefere jogar vídeo game por diversão, então não trabalhe." A suposição não declarada aqui – a que "nem é preciso dizer" – é que “as pessoas só devem fazer o que querem”. “Você quer jogar vídeo game por diversão”, portanto “você deveria fazer isso ao invés de conseguir um trabalho”. No exemplo discutido anteriormente, quando o advogado perguntou ao júri se realmente acreditava que seu cliente era capaz de cometer um crime, a premissa não declarada é de que “Pessoas com aparência respeitável não cometem assassinato”. O problema com premissas não declaradas não é que são verdadeiras ou falsas. O problema é elas permanecerem ocultas, e sua análise ficar comprometida. RELAÇÃO ENTRE PREMISSAS E CONCLUSÃO Nem todas as premissas não declaradas serão verdadeiras ou razoáveis. Se você não as descobrir e expor o furo no argumento, isso pode prejudicar sua avaliação. Se você é quem está propondo o argumento, caso deixe alguma premissa não declarada, outra pessoa pode preencher a lacuna para você. O problema é que ela pode preencher com conteúdo diferente do que você teria usado. Nesse caso, você está permitindo que outra pessoa construa o seu argumento. Isso é motivo suficiente para estar sempre alerta ao que não está sendo dito. RELAÇÃO ENTRE PREMISSAS E CONCLUSÃO AVALIANDO ARGUMENTOS 03 31 Lembre-se: argumentar é marcar uma posição sobre um problema específico. Pense em alguns tipos de problemas que alguém poderia enfrentar. Existem problemas cotidianos: “Onde devemos almoçar?”, “Qual casa devemos alugar?”, “Qual escola é melhor para meus filhos?”. Existem problemas estudantis: “Quantos cursos devo fazer no próximo semestre?”, “Em que devo me formar?”, “Devo fazer um estágio ou me dedicar completamente aos estudos?”. Existem problemas nos negócios: “Precisamos contratar outro funcionário?”, “Como montar essa planilha de orçamento anual?”, “Como projetar esta campanha de marketing?”. Existem problemas políticos: “Qual é a melhor estrutura de imposto de renda?”, “Qual deve ser a nossa política energética?”, “Em que candidato votar para prefeito nas próximas eleições?”. À medida que as pessoas respondem a problemas, podem relacionar de modos diferentes premissas conclusão. Nesse sentido, há dois tipos básicos de argumentos: dedutivos e indutivos. 32 Para começar, considere os dois exemplos a seguir. Primeiro problema: onde você e seus amigos irão comer: no Bar do Marcelo ou no Bar da Rita? Existem duas premissas: 1. O Bar do Marcelo está aberto até as 22h, e o Bar da Rita está aberto até as 21h. 2. O Bar doMarcelo tem o melhor hamburguer da área. Segundo problema: quantas disciplinas você deve fazer no próximo semestre? Novamente, existem duas premissas: 1. A mensalidade para 12 horas de crédito custará R$ 2.100; por 15 horas de crédito, R$ 2.700. 2. É melhor ter mais aulas a cada semestre para que você possa fazer mais rápido. 33 Considere agora os exemplos a seguir: Digamos que é 21h05 quando seu amigo pergunta: "Devemos comer no Bar do Marcelo ou no Bar da Rita?“. Você responde: "O Bar da Rita fechou às 21h, mas o Bar do Marcelo está aberto até as 22h, então precisamos ir ao Bar do Marcelo“. Se você estiver correto – pela própria forma da argumentação –, então sua conclusão tem que ser verdadeira. Sua única opção é o Bar do Marcelo. Um argumento em que, pela forma apresentada, a conclusão necessariamente se segue das premissas é um argumento dedutivo. Por outro lado, e se forem apenas 20h? Ambos os restaurantes ainda estão abertos e disponíveis. Quando seu amigo pergunta qual você deve escolher, você responde: "Bem, o Bar do Marcelo tem o melhor hamburguer da área. O Bar da Rita é bom, mas não é ótimo. Deveríamos ir ao Bar do Marcelo.“ Neste caso, a decisão de ir ao Bar do Marcelo não pode ser considerada a mais “verdadeira”. A conclusão não decorre logicamente da premissa. Só porque você acha que o Bar do Marcelo tem um sanduba melhor, não significa que você - ou seu amigo - deve escolhê-lo. Um argumento em que a aceitação da conclusão depende da força das premissas - em que as premissas não garantem mas apenas apoiam a conclusão - é um argumento indutivo. 35 Um argumento dedutivo é aquele em que, apenas pela forma em que é apresentado, a conclusão se segue necessariamente das premissas - se as premissas são verdadeiras, então é impossível a conclusão ser falsa. E se você não gostar da conclusão - se disser que você realmente queria ir ao Bar da Rita? Bem, é uma pena que a forma do argumento não apoie essa conclusão. Em nosso exemplo, se o restaurante está realmente fechado, você está sem sorte. A conclusão de que você deve ir ao Bar do Marcelo, de certa forma, afirma o óbvio - se você tiver apenas duas opções e uma dessas opções for impossível (as premissas do argumento), então realmente nem é preciso dizer o que você deve fazer. Não importa se você não gosta da conclusão – a menos que você possa refutar uma das premissas do argumento –, você não tem escolha a não ser aceitá-la. Sempre que estiver lidando com argumentos dedutivos – se você está avaliando um argumento que outra pessoa fez ou construindo o seu próprio argumento –, você NÃO deve começar com a conclusão. Quando você avalia o argumento de outra pessoa, deve evitar "pular“ para a conclusão imediatamente e decidir sem considerar o argumento como um todo, quer você concorde com ele ou não. ARGUMENTOS DEDUTIVOS 36 Da mesma forma, quando você faz seu próprio argumento, deve evitar escolher sua conclusão antes do tempo e encontrar maneiras de justificá-la. Em vez disso, você precisa começar examinando ou descobrindo as premissas (razões e evidências) e seguir para onde essas premissas levam – que conclusões lógicas você pode tirar das evidências? Então, quando você avalia um argumento dedutivo, precisa fazer estas perguntas: 1. As premissas são verdadeiras? 2. A forma do argumento é válida? Se a resposta a ambas as perguntas for SIM, então você tem um argumento sólido. A R G U M EN TO S D ED U TIV O S 37 A primeira pergunta é bastante simples, emboranem sempre seja fácil. As premissas em argumentos dedutivos podem, pelo menos em teoria, ser provadas verdadeiras ou falsas. Referem-se a condições ou estados de coisas: o restaurante fechado, por exemplo. Nesse caso é muito fácil descobrir se essa premissa é realmente verdadeira - você poderia se dirigir até o restaurante e descobrir. A segunda pergunta - se o argumento é válido - refere-se à estrutura lógica. Um argumento é válido se não for possível que a premissa seja verdadeira e a conclusão falsa. Em nosso exemplo, a premissa nos diz que existem dois restaurantes para escolher, e um deles está fechado. A conclusão, então, é que devemos ir ao que está aberto. Se essa premissa for verdadeira, então não é possível que a conclusão seja falsa. A R G U M EN TO S D ED U TI V O S 38 Como você viu, um argumento indutivo é aquele em que a conclusão é suportada (mas não garantida), em maior ou menor grau, pelas premissas. A conclusão vai além das premissas - a conclusão de que você deve ir ao Bar do Marcelo não está logicamente implicada na declaração que diz ter ele o melhor hamburguer da área. Talvez seu amigo não queira realmente comer hamburguer. Nesse caso, ele poderia oferecer um contra-argumento com razões pelas quais vocês devem ir ao Bar da Rita. No caso de argumentos indutivos, o processo de avaliação deve ser diferente. Não é possível dizer se, com certeza, as premissas levam à conclusão. Em vez disso, você deve fazer as seguintes perguntas: 1) as premissas são verdadeiras ou ao menos razoáveis? 2) são relevantes para o problema em questão? 3) são suficientes para justificar a conclusão? Suas respostas a essas três perguntas o ajudarão a avaliar o quão forte ou fraco é o argumento. Vamos examinar mais de perto essas questões. ARGUMENTOS INDUTIVOS 39 Considere esta premissa: “O Bar do Marcelo tem o melhor hamburguer”. Primeiro, você precisa considerar se é razoável. Nesse caso, pode ler as indicações dos melhores bares da cidade em sites especializados e perguntar a seus amigos para ver quantas pessoas concordam com essa opinião. Segundo, você precisa decidir se é relevante, isto é, se a premissa está relacionada ao problema em questão. Aqui, parece importante considerar a reputação de um restaurante ao decidir onde comer. Seria diferente se outra premissa estivesse em questão: “O Bar do Marcelo tem o melhor estacionamento”. Afinal, é essencial para você – que talvez não vá de carro próprio – haver ou não estacionamento? ARGUMENTOS INDUTIVOS Terceiro, você precisa considerar se a premissa é suficiente. Avalie se há outros elementos a considerar. Por exemplo: “Quanto tempo demora a espera por uma mesa?”, “Quão bom é o serviço?”. Se a premissa é aceitável, relevante e suficiente, então o argumento é forte. Se a premissa é aceitável, relevante, mas não é suficiente, então o argumento é “mediano" - não fraco, mas não forte o suficiente. Você pode fortalecê-lo, oferecendo mais premissas. "Sim, disseram que o serviço é bom também. Além disso, acabei de ligar e eles garantiram que poderíamos conseguir uma mesa em 10 minutos.“ Alternativamente, você pode oferecer um contra-argumento: "Claro, a comida é boa, mas o serviço é péssimo, e a espera é sempre muito longa." ARGUMENTOS INDUTIVOS 41 Como você deve ter percebido, o argumento indutivo pode assumir muitas formas. Entre as mais comuns estão as generalizações e as analogias. As generalizações – que nem sempre são falaciosas – acontecem quando os argumentos envolvem fazer uma afirmação geral com base em evidências limitadas ou específicas. Por exemplo, dizer que a opinião do país como um todo é x, com base em pesquisas de opinião pública de um número menor de pessoas. As analogias são semelhantes às generalizações e envolvem propostas semelhantes. Ao fazer uma analogia, você deriva conclusões sobre uma situação com base no que você sabe sobre outra – supostamente semelhante. Por exemplo, dizer que a economia de um país, em alguns casos, funciona como a economia de uma casa, por isso devemos poupar e não gastar mais que o orçamento definido. A R G U M EN TO S IN D U TIV O S LINGUAGEM OBSCURA E CARREGADA 04 43 O ideal seria se todos sempre dissessem exatamente o que acreditam ser verdade em termos claros e organizados. Seria perfeito se evitassem qualquer tentativa de usar a linguagem para influenciar você de modo não racional. Infelizmente, tal situação simplesmente não existe. Na verdade, pode ser muito raro ouvir ou ler um argumento nesses moldes. Na maioria das vezes, não são claros: são vagos ou mesmo enganosos. É frequente que as pessoas simplesmente tenham dificuldade em expressar o que querem. Não pretendem enganar os outros, mas a maneira como apresentam suas ideias torna difícil avaliá-las. Em outras ocasiões, as pessoas usam deliberadamente várias técnicas a fim de que seu argumento pareça mais convincente. Neste capítulo, você aprenderá sobre a importância da clareza nos argumentos, bem como algumas formas comuns que as pessoas usam para moldá-los. 44 É muito importante tentar alcançar a maior precisão possível, porque linguagem vaga e ambígua torna muito difícil avaliar um argumento. Se você não consegue descobrir o que a outra pessoa quer dizer, como pode avaliar sua verdade, aceitabilidade ou validade? Por exemplo, um policial pergunta a você: “Alguém colocou algo em sua bolsa sem o seu conhecimento?”. Como você pode responder com precisão a essa pergunta? Se alguém de fato colocou algo lá sem o seu conhecimento, por definição, você não saberia o quê, nem teria certeza de que alguém fez algo do tipo. LINGUAGEM OBSCURA Uma pergunta mais precisa poderia ser: “Em algum momento, sua bolsa ficou fora de sua vista?”. Se a resposta for “Sim”, então sabemos que houve oportunidade para alguém colocar algo em sua bolsa sem o seu conhecimento. Um modo de a linguagem não ser clara é quando é vaga, isto é, abrangente demais. Por exemplo, há locais que não estabelecem um limite de velocidade específico em rodovias. Em vez disso, a lei exige que os motoristas dirijam a uma velocidade “segura e prudente”. O que isso quer dizer exatamente varia, dependendo do tipo de carro, do período do dia, das condições da estrada, do tempo etc. O quão difícil é dirigir um ônibus em uma estrada esburacada sob chuva forte? Quem decide – você, o motorista, ou o policial, que fez você encostar o veículo para multá-lo? LINGUAGEM OBSCURA VAGA 46 Outra forma de a linguagem não ser clara é quando é ambígua, ou seja, quando a palavra ou frase usada pode ter mais de um significado que não foi explicitado. Pense na palavra “direito”. Ela pode significar um lado específico como em “direito versus esquerdo”. Pode significar “correto” como em “Você não está fazendo isso direito”. Pode também significar um posicionamento ideológicos específico. Para ficar num exemplo simples, imagine se alguém lhe dissesse isto: “O Deputado Federal Chico está sempre do lado direito”. O que exatamente isso significa? O congressista sempre se senta nos assentos para destros onde quer que vá? Está sempre do lado correto das questões políticas? Posiciona-se à direita no espectro político? Mesmo que você associe o uso da palavra a “certo versus errado”, trata-se de uma questão de perspectiva. Deputados do partido político aposto a Chico teriam visão diferente do que é certo e errado, por exemplo. Quando você avalia outros argumentos ou quando você elabora o seu próprio, deve estar alerta para a linguagem vaga ou ambígua. LINGUAGEM OBSCURA AMBÍGUA 47 Às vezes, a linguagem pouco clara é simplesmente o resultado de uma falta de atenção aos detalhes. Se alguém dissesse algo como “Eu viajei à noite com sono e dormi quebrado até chegar em São Paulo, por isso me acidentei na rodovia com o carro.” Você provavelmente tem um vislumbre do que aconteceu, mas há duas interpretações para essa descrição.Primeiro, a pessoa viajou à noite, mas, antes da viagem, dormiu mal (“dormi quebrado”), por isso ainda estava com sono, cochilou e acidentou-se com o carro na rodovia. Segundo, a pessoa viajou à noite e, durante a viagem, cochilou sem perceber (“dormi quebrado”), por isso acidentou-se com o carro na rodovia. Qual é a correta? LIN G U A G EM O B SC U R A P O R D ESATEN Ç Ã O 48 Outras vezes, a linguagem é pouco clara devido a uma intenção de enganar os outros. Suponha que seu consultor de investimentos diz “Você não precisa se preocupar com o lucratividade das empresas em que está considerando investir, porque todas são lucrativas”. Pode haver uma ampla gama de lucratividade para essas empresas, logo a premissa é vaga o suficiente para ser enganosa. Para identificar linguagem vaga em um argumento, escolha as palavras e as frases mais importantes e se pergunte se poderia haver mais de um significado. Se puder, certifique-se qual significado foi pretendido. LI N G U A G EM O B SC U R A E N G A N O SA 49 Uma linguagem carregada traz consigo muita emoção e exagero. Trata-se daquele tipo de linguagem que objetiva influenciar a audiência, apelando à emoção e à caricatura. Assim como a linguagem não clara, a linguagem carregada pode ser usada acidentalmente e deliberadamente. Linguagem não carregada, ao contrário, é a que busca não ser enviesada e, na medida do possível, livre de preconceitos. Utilizar uma linguagem tendenciosa tende a não ser honesto e não contribuir para um genuíno pensamento crítico. Por isso, tal conduta deve ser evitada. Frequentemente usamos linguagem carregada, mesmo sem perceber. Na tentativa de descrever um evento, podemos usar termos preconceituosos ou que impliquem responsabilidade ou culpa em alguém. Pense sobre como as notícias políticas são frequentemente apresentadas. Não é incomum ouvir algo como “Continua a batalha entre Congresso e presidente”. A palavra “batalha” é claramente carregada com conotações de “violência”, de “guerra” e de que “um lado deve ganhar”. Normalmente não é intencional, mas usar o termo “batalha”, “luta”, “guerra” evoca uma carga particular. LINGUAGEM CARREGADA 50 Muitos termos e frases podem despertar conotações positivas ou negativas. Às vezes as pessoas usam isso a seu favor, selecionando um determinado termo com a intenção de obter uma reação particular. Indivíduos, políticos, empresas, todos podem escolher cuidadosamente e deliberadamente suas palavras, a fim de enquadrar uma questão de maneira particular. Para exemplificar, considere estes dois modos de descrever a mesma situação: 1. “O professor Renato, especialista em Farmácia, ofereceu suas opiniões sobre o projeto de lei que regulamenta a liberação do remédio em debate na Câmara dos Deputados.” 2. “Renato, um acadêmico elitista, deu uma palestra sobre o projeto de lei que regulamenta a liberação do remédio em debate na Câmara dos Deputados.” LINGUAGEM CARREGADA A primeira declaração em que Renato é referido como um especialista em Farmácia deve ter uma avaliação positiva ou, pelo menos, não carregada negativamente sobre o professor. De modo contrário, a referência a Renato como algum acadêmico elitista pretende desenhar uma imagem negativa. A maioria das pessoas não vê com bons olhos as pessoas que consideram elitistas. LINGUAGEM CARREGADA SÍNTESE 05 53 Ao chegar ao fim deste livro, quero me certificar de que você entendeu pontos essenciais. Pensamento crítico é utilizar a razão de modo sensato e lógico para avaliar crenças e tomar decisões. A lógica é utilizada para avaliar como os argumentos são construídos e se são ou não válidos. A sensatez é algo que transcende as meras habilidades cognitivas e requer cultivo de disposições de comportamento: honestidade intelectual e orientação à verdade, não simplesmente à humilhação de ideias e rivais. Para por o pensamento crítico em marcha, é preciso saber identificar e avaliar argumentos. É preciso diferenciar premissas de conclusão e também saber se a relação entre as duas se dá de modo válido. Conta saber diferenciar argumentos dedutivos de indutivos, porque cada um é avaliado de modo diverso. Por último, é preciso atenção à linguagem. Na prática, as pessoas – inclusive nós mesmos – tendemos a utilizá-la de modo obscuro e carregado, dando vasão a nossos preconceitos e confusões mentais. Não é possível, porém, pensar criticamente quando a comunicação não é clara. Se esse livro foi útil, convido você a continuar conosco, seja em nosso canal no YouTube, seja em nosso Instagram. Sempre preparamos conteúdo voltado a ajudar você a pensar cada vez melhor. 54 youtube.com/c/IstonãoéFilosofia instagram.com/istonaoefilosofia/ NOSSAS REDES: Isto não é Filosofia Você é o que pensa https://youtube.com/c/IstonãoéFilosofia https://www.instagram.com/istonaoefilosofia/
Compartilhar