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Esta obra tem como objetivo analisar os direitos edu- cacionais das crianças e dos adolescentes com a premissa de compreender suas necessidades. O estudo desses di- reitos é indispensável para realizar o trabalho adequado ao desenvolvimento escolar, essencial para garantir a pro- moção das capacidades e das liberdades dos indivíduos. Para tanto, é discutida a proteção estabelecida na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Ado- lescente (ECA) e são estudados os mecanismos de prote- ção assegurados pelo Conselho Tutelar e pelo Ministério Público, bem como o papel da justiça em relação ao direi- to à educação, além, é claro, da observação dos demais direitos fundamentais. Código Logístico 59551 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6677-3 9 7 8 8 5 3 8 7 6 6 7 7 3 D IR E ITO S E D U C A C IO N A IS D E C R IA N Ç A S E A D O LE SC E N TE S A N E LIZ E PA N TA LE à O P U C C IN I C A M IN H A Direitos educacionais de crianças e adolescentes Anelize Pantaleão Puccini Caminha IESDE BRASIL 2020 © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Envato Elements Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ C191d Caminha, Anelize Pantaleão Puccini Direitos educacionais de crianças e adolescentes / Anelize Pantaleão Puccini Caminha. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020. 98 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6677-3 1. Direito à educação. 2. Direito das crianças - Brasil. 3. Brasil. [Estatuto da criança e do adolescente (1990)]. I. Título. 20-65429 CDD: 379.26 CDU: 37.014.12 Anelize Pantaleão Puccini Caminha Doutoranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná́ (PUCPR). Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em Processo Civil pela mesma instituição. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Atua como professora no ensino superior há́ quatro anos. É docente em um centro universitário e em diversas especializações e cursos preparatórios. Autora de artigos científicos e livros na área, é também sócia- proprietária de um escritório de advocacia. SUMÁRIO Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! 1 Evolução histórico-sociológica da infância e da adolescência 9 1.1 Evolução dos conceitos de criança e de adolescente 10 1.2 A teoria da situação irregular 14 1.3 A teoria da proteção da criança e do adolescente 18 2 Direitos fundamentais da criança e do adolescente 26 2.1 Proteção constitucional da criança e do adolescente 26 2.2 Direitos fundamentais 31 2.3 Direito à educação 35 3 Relação entre criança, adolescente, escola e família 43 3.1 Condições peculiares de desenvolvimento escolar 44 3.2 Responsabilidade da instituição de ensino 48 3.3 Responsabilidade da família 54 4 Direito ao desenvolvimento escolar 61 4.1 Direito das crianças e dos adolescentes com deficiência 61 4.2 Acessibilidade e sistema educacional inclusivo 67 4.3 Bullying e cyberbullying 72 5 Proteção da criança e do adolescente 79 5.1 Direito à profissionalização e à proteção no trabalho 79 5.2 Política de atendimento 85 5.3 Atos infracionais 87 5.4 Medidas de proteção e medidas socioeducativas 91 Esta obra tem como objetivo analisar os direitos educacionais das crianças e dos adolescentes com a premissa de compreender suas necessidades. O estudo desses direitos é indispensável para realizar o trabalho adequado ao desenvolvimento escolar. Nesse sentido, no primeiro capítulo, analisa-se a evolução dos direitos das crianças e dos adolescentes. Para tanto, foi necessário abordar a já superada teoria da situação irregular e a compreensão da atual teoria, chamada de teoria da proteção integral. Esses esclarecimentos são essenciais para que se compreenda a importância da proteção e da atenção para o desenvolvimento escolar adequado. Os direitos fundamentais da criança e do adolescente presentes no ordenamento jurídico brasileiro são tema do segundo capítulo. Evidencia-se a importância de entender a proteção estabelecida na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para o direito à educação, além, é claro, da observação dos demais direitos fundamentais. No terceiro capítulo, propõe-se uma reflexão sobre a relação entre a criança, o adolescente, a escola e a família. A intenção é entender quais são as obrigações e atribuições da instituição de ensino e as responsabilidades da escola e da família. Destaca-se a necessidade da verificação das condições peculiares de desenvolvimento escolar. O direito ao desenvolvimento escolar é essencial para garantir a promoção das capacidades e das liberdades dos indivíduos, por isso é objeto de análise do quarto capítulo. São abordadas as questões que envolvem a educação inclusiva e os estudantes com deficiência, principalmente após as mudanças legislativas resultantes do Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD). As condições necessárias para o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes no ambiente escolar, bem como o papel da escola e da família nos casos de bullying e cyberbullying, também são assunto desse capítulo. Por fim, o quinto capítulo estuda a proteção da criança e do adolescente no trabalho e as formas como isso se efetua na legislação vigente. Os mecanismos de proteção assegurados pelo Conselho Tutelar, pelo Ministério Público e o papel da justiça são igualmente discutidos nesse capítulo. Bons estudos! APRESENTAÇÃO Evolução histórico-sociológica da infância e da adolescência 9 1 Evolução histórico-sociológica da infância e da adolescência Neste capítulo, iniciam-se os estudos sobre os direitos edu- cacionais da criança e do adolescente. Se discorrerá sobre como surgiram as garantias e proteções, e de que modo a escola e a so- ciedade devem trabalhar para protegerem a infância e a juventude. Para se atingir este objetivo, é necessário primeiramente co- nhecer os conceitos de criança e de adolescente. É importante verificar a evolução e a transformação da proteção jurídica para compreender suas garantias atuais. Será estudado efetivamente esta evolução ao longo da sociedade, iniciando com a Antiguidade, passando pela Idade Média e chegando até os dias atuais. Em seguida, será analisada a teoria da situação irregular, apli- cada no Brasil durante muitos anos até a promulgação da atual Constituição Federal (1988). Serão abordadas as quatro fases dos conceitos de criança e de adolescente e dos seus respectivos direi- tos e garantias, bem como serão debatidos os conceitos da teoria da proteção integral. Se conhecerá, por fim, a teoria aplicada atualmente, que sur- giu com a Constituição de 1988. O intuito principal é de proteção e de preservação dos direitos das crianças e dos adolescentes. Com base neste conceito,ainda, surgiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), importante instrumento de direitos e garantias fundamentais, que busca corroborar com os direitos fundamentais elencados na Constituição. 10 Direitos educacionais de crianças e adolescentes 1.1 Evolução dos conceitos de criança e de adolescente Vídeo Os conceitos de criança e de adolescente passaram por diversas transformações ao longo da história da humanidade. As crianças e os adolescentes nem sempre tiveram uma proteção jurídica efetiva e, em alguns momentos, nem proteção alguma. Neste contexto, é importan- te estudar a evolução do seu tratamento para melhor compreender o momento em que se vive atualmente. Na Grécia e na Roma antiga, a criança e o adolescente não possuíam qualquer proteção jurídica, pois eram considerados uma propriedade do Estado e da família e, entre os séculos XVI ao XIX, eram tratados como seres sem qualquer relevância; o alto índice de mortalidade dos jovens, por exemplo, não era encarado como uma tragédia. Do mesmo modo, a infância não era tratada com importância. Como mencionado, por muitos séculos a criança foi tratada como uma propriedade do chefe da família, devendo obedecer às suas von- tades. Não havia qualquer ilicitude em castigar de maneira imoderada que, porventura, resultasse na morte. Independentemente da idade, os filhos viviam sob a autoridade dos pais enquanto morassem na casa da família. O chefe da família era sempre o homem mais importante do clã, assim, na falta do pai, quem assumia era o avô. Como eram considerados propriedade e, não, sujei- to de direitos, os pais podiam decidir o destino dos seus filhos, inclusive sua vida e morte (AMIN; MACIEL, 2010). Durante a antiguidade, não havia qualquer distinção no tratamen- to de crianças e adolescentes. Para os gregos, só eram mantidas vivas as crianças saudáveis (AMIN; MACIEL, 2010). Na cidade de Esparta, por exemplo, as crianças eram consideradas patrimônio do Estado, por- tanto, estavam sob sua responsabilidade. Já no oriente era costume sacrificar algumas crianças por serem impuras. Na Idade Média, iniciou-se uma importante evolução no reconhe- cimento da dignidade das crianças e dos adolescentes. Embora ainda fossem considerados objeto de direito, desenvolveu-se um tratamento com respeito. Esse fato ocorreu em virtude da influência da religião cristã que cresceu durante esse período. Qual foi o papel da igreja na garantia de direitos das crianças e dos adolescentes? Atividade 1 Evolução histórico-sociológica da infância e da adolescência 11 A Igreja Católica exerceu um papel importante nesta evolução, pois foi pioneira no reconhecimento de direitos para as crianças, defendendo à dignidade e atenuando o tratamento severo dado pe- los pais aos filhos. Entretanto, também salientou o dever de respei- to, como leciona o quarto mandamento bíblico: “honrar pai e mãe” (AMIN; MACIEL, 2010). Foi justamente nesse momento que surgiu a concepção assisten- cialista. Com a influência da Igreja Católica, houve a criação de diversas entidades com o objetivo de prestar auxílio aos vulneráveis e, entre eles, às crianças que estavam em situação de marginalização. No que tange aos tratados internacionais, nota-se uma importante evolução. No século XX foram criados diversos diplomas com o obje- tivo de positivar uma especial proteção às pessoas em situações de vulnerabilidade. A Convenção para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças (1921) foi o primeiro diploma internacional que expressou a tutela de crianças e adolescentes. Em 1924, pela primeira vez, os direitos das crianças foram referen- ciados na Declaração de Genebra. Em 1948, a Declaração Universal dos Direito Humanos implementou, além de diversas garantias fundamen- tais, a proteção à maternidade e a assistência social às crianças, inde- pendentemente de suas origens biológicas. Com isso, implementou-se uma importante mudança na garantia dos direitos humanos. Em 1946, foi criado o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), agência das Nações Unidas que tem por objetivo promover a defesa dos direitos das crianças. O Unicef, vale ressaltar, é a única or- ganização destinada exclusivamente às crianças. Logo após, em 1959, foram fixados diversos princípios basilares, com a aprovação do Unicef, referentes à proteção dos direitos das crianças. No Brasil, levando em consideração a importante mudança no que tange aos direitos da criança e do adolescente na esfera mundial, po- demos verificar que a evolução do conceito e dos direitos transcorreu em quatro importantes fases: A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, no dia 10 de dezembro de 1948, estabeleceu, pela primeira vez na história, a proteção aos direitos humanos. Desde então, uma série de tratados internacionais buscam expandir a sua proteção e, inclusive, diversas constituições utilizam o seu escopo como inspiração. Recomendamos a leitura integral do documento que está disponível em: https:// www.ohchr.org/EN/UDHR/ Pages/Language.aspx?LangI- D=por. Acesso em: 9 jul. 2020. Leitura Você pode conhecer mais sobre a atuação do Unicef em: https:// www.unicef.org/brazil/o-que- -fazemos. Acesso em: 9 jul. 2020. Site 12 Direitos educacionais de crianças e adolescentes A primeira fase é conhecida como a fase da indiferença absoluta, em que não havia a tutela dos direitos das crianças e adolescentes e transcorreu até o início do século XVI. Na história da colonização do Brasil, as crianças tiveram um papel essencial na catequização dos índios pelos jesuítas. Como aprendiam de modo mais simples, os filhos educavam e catequizavam os pais. Por isso, as crianças receberam atenção especial dos colonizadores (AMIN; MACIEL, 2010). Neste momento, ainda se aplicavam as Ordenações do Reino, nas quais o pai era considerado autoridade máxima na família. Assim, ele tinha autoridade para castigar o filho da forma que entendesse melhor. Logo, se o filho falecesse ou sofresse alguma lesão em decorrência do castigo, era excluída a ilicitude da conduta (AMIN; MACIEL, 2010). A segunda fase é conhecida como a fase da mera imputação penal, momento que foram implementadas punições para as condutas praticadas por crianças e adolescentes, período ocorrido entre o século XVI até o Código de Menores, de 1979. Foi neste momento que surgiu a preocupação com os infratores menores de idade e uma política repressiva que se baseava no temor das penas. Nas Ordenações Filipinas – parte das Ordenações do Reino de Portugal, utilizada como legislação no Brasil até 1870 –, aos 7 anos de idade, era alcançada a imputabilidade penal; entre 7 e 17 anos, apli- cava-se um tratamento semelhante ao do adulto com atenuação na aplicação da pena; e, dos 17 aos 21 anos, considerava-se jovens adul- tos, os quais poderiam sofrer a pena de morte natural. O crime de falsificação era uma exceção e se aplicava a pena de morte a partir dos 14 anos de idade (AMIN; MACIEL, 2010). Séculos adiante, mais precisamente em 1830, o Código Penal do Im- pério foi alterado, incluindo o exame de capacidade de discernimento para a aplicação de penas. As pessoas com menos de 14 anos foram consideradas inimputáveis. Na primeira metade do século XX, as crianças e os adolescentes co- meçaram a receber tutela do Estado. Neste momento, entrou em vigor o Código Civil de 1916 e o Decreto n. 17.943-A de 1927, conhecido como As Ordenações do Reino eram normas, ordens e decisões portuguesas que, por muitos anos, foram utilizadas pelo Brasil como até a formulação de uma legislação própria. Saiba mais Pena de morte natural: pre- vista nas Ordenações Filipinas, era a morte após a sentença por enforcamento. Inimputável: que não se pode imputar, isto é, atribuir responsabilidade. Glossário Evolução histórico-sociológica da infância e da adolescência 13 o primeiro Código de Menores do Brasil. Ressalta-se que esse diploma legal resguardavaapenas aqueles que se encontravam em situação irregular (LIMA; POLI; JOSÉ, 2017). Os menores considerados abando- nados 1 ou delinquentes 2 eram distinguidos dos demais de maneira discriminatória. Em 1948, como já mencionado, a Declaração Universal dos Direitos Humanos reconheceu a dignidade a todos os membros da família, ga- rantindo direitos iguais e inalienáveis. Foi assegurada a igualdade de tratamento perante a lei, os cuidados necessários à infância e o trata- mento igualitário aos filhos independentemente da sua origem, dentre outras garantias previstas (LIMA; POLI; JOSÉ, 2017). A terceira fase é denominada como a fase da tutela. Este momento é caracterizado pela proteção por meio de assistencialismo e práticas segregatórias de crianças e adolescentes em situação irregular, essa situação se estendeu desde a edição do Código de Menores de 1979 até a Constituição de 1988. A proteção assistencialista tinha como prática rotineira a retirada do menor do seio familiar e a sua colocação na instituição. Essas crianças e adolescentes eram segregados das demais, que permaneciam no seio familiar. A partir do Código de Menores de 1979, instalou-se a teoria da situação irregular que ainda mantinha o conceito de marginalidade. Embora considerasse a criança e o adolescente como incapazes de responder por seus atos, considerava perigosos os menores que ti- nham propensão à delinquência e, em algumas situações, inclusive, os provenientes de famílias carentes. Os menores nessas circunstân- cias eram considerados como “menores em situação irregular” (LIMA; POLI; JOSÉ, 2017, p. 324). Livro A obra Capitães de areia – clássico do escritor baiano Jorge Amado (1912-2001), publicado pela primeira vez no ano de 1937 – retrata o dia a dia de meninos de rua abandonados e marginalizados na cidade de Salvador. Ao ler a obra, é interessante notar o cotidiano das crianças e adolescentes que viviam em situação de vulnerabilidade durante o período que vigorava a teoria da situação irregular. AMADO, J. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. O art. 26 considerava abandonado o menor: que não tinha habitação certa, nem meios de subsistência; com responsável impossibilitado ou incapaz de cumprir os seus deveres; responsáveis com prática de atos contrários à moral e aos bons costumes; aquele em estado de vadiagem, mendicidade ou libertinagem; que frequentava lugares de jogo ou de moralidade duvidosa, ou andasse em má companhia; que se encontrava em situação de crueldade, abuso, negligência, maus tratos ou exploração; empregado em ocupações proibidas ou contrarias à moral e aos bons costumes; excitado para a gatunice, mendicidade ou libertinagem; com responsável condenado por sentença irrecor- rível e encobridor ou receptador de crime cometido. 1 O art. 28 do considerava vadio o menor que: resistente a receber instrução ou entregar-se a trabalho sério e útil, vagando habitualmente pelas ruas; deixado sem causa legítima o domicilio do pai, mãe ou tutor, não tendo domicílio nem alguém por si. Os mendigos eram os que habitualmente pedem esmola para si ou para outrem. Por fim, os libertinos eram os que perseguiam ou convidavam para a prática de atos obscenos; entregam-se à prostituição em seu próprio domicílio, vivem em casa de prostituição, ou frequentam casa de tolerância; praticantes de atos obscenos ou que vivem da prostituição de outrem. 2 14 Direitos educacionais de crianças e adolescentes A quarta e atual fase é a da proteção integral, a qual considera as crianças e os adolescentes como sujeito de direitos e assegura, em conjunto com o Estado, sociedade e família, esses direitos como prioridade absoluta. Essa fase teve início com a Constituição de 1988 e perdura até os dias de hoje. A Figura 1 a seguir sintetiza a evolução dessas quatro fases. Figura 1 A evolução dos direitos da criança e do adolescente Indiferença absoluta (até o início do século XVI) Tutela (do Código de Menores de 1979 até a Constituição de 1988) Mera imputação penal (do século XVI até o Código de Menores de 1979) Proteção integral (a partir da Constituição de 1988) Fonte: Elaborada pela autora. A evolução dos direitos da criança e do adolescente é um proces- so que atravessou pelo menos quatro séculos. Após a Constituição (1988), como veremos nas seções a seguir, houve uma importante mudança com a aplicação do princípio da proteção integral. O objeti- vo é garantir a proteção plena da criança e do adolescente indepen- dentemente da situação. 1.2 A teoria da situação irregular Vídeo Para o adequado estudo da evolução histórico-sociológica dos di- reitos das crianças e dos adolescentes, é necessário primeiramente o estudo da teoria da situação irregular, a qual vigorou no Brasil durante anos e só foi superada com a atual Constituição e com a teoria da pro- teção integral. A primeira legislação sobre menores no Brasil é o Decreto n. 17.943-A, também conhecido por Código Mello Matos (BRASIL, 1927). Nessa legis- lação, foram implementadas algumas inovações no tratamento dado aos menores infratores, e as decisões passaram a ser centralizadas na figura do juiz de menores. Evolução histórico-sociológica da infância e da adolescência 15 Entretanto, ainda assim não se verificava o papel da família no de- senvolvimento da criança e do adolescente. Nesse momento, era mais importante proteger a sociedade dos infratores do que compreender o motivo pelo qual os menores seguiam o caminho da marginalidade. Este tipo de postura ficou conhecido como doutrina da situação irregular. A política de proteção era voltada para a sociedade e não para a recuperação dos menores, os quais eram retirados do seio de suas fa- mílias. Com a influência da Igreja Católica, aos poucos, esses jovens passaram a adquirir alguns direitos. Durante esse período, o objetivo principal era deter o menor, uti- lizando o regime de internações, com quebra dos vínculos familiares, para não acarretar maiores danos à sociedade. Na Constituição de 1937, houve a criação de programas de assistência social, o que ampliou a proteção às crianças e aos adolescentes infratores e desfavorecidos. Anos após, já durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), o pro- gresso foi interrompido e muitos dos institutos utilizados para a proteção da infância e da juventude serviram para restringir ameaças e pressões recebidas. Nesta época, a maioridade foi reduzida para 16 anos. No Direito brasileiro, a teoria da situação irregular surgiu apenas de ma- neira implícita no Código de Menores, influenciado pelo juiz Mello Mattos, e foi positivada anos depois no Código de Menores de 1979. Em razão da falta, ação ou omissão dos pais ou responsáveis, o menor poderia ser privado de condições essenciais à sua subsistência. Os jovens submetidos à situação irregular estavam descritos no artigo 2º como: privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e ins- trução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta im- possibilidade dos pais ou responsável para provê-las; II – vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III – em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV – priva- do de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V – Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI – autor de infração penal. (BRASIL, 1979) Com base nesse excerto, verifica-se que o Código de Menores prote- gia aqueles que eram vítimas de maus-tratos e que estavam sujeitos a 16 Direitos educacionais de crianças e adolescentes perigo moral por se encontrarem em ambientes ou atividades contrárias aos bons costumes. Ainda havia a hipótese que o menor autor de infração penal apresentasse “desvio de conduta, em virtudede grave inadaptação familiar ou comunitária” (BRASIL, 1979). Outra peculiaridade desse dispositivo foi a desig- nação de um juiz de menores, ou seja, um juiz espe- cializado para este tipo de processo. Entretanto, essa prática resultou em uma segregação entre os próprios menores, pois tanto aqueles que foram abandonados quanto os que foram detidos iam para a mesma institui- ção: a Fundação Estadual do Menor (Febem). Atualmente, a Febem não existe mais, ela foi substituída por fundações esta- duais que tem como objetivo o atendimento socioeducativo da crian- ça e do adolescente. O juiz de menores atuava apenas nos casos que envolviam menores em situação de delinquência ou abandono. Nas demais questões que envolvessem crianças e adolescentes, a competência era da Vara de Família 4 , que utilizava o Código Civil como fundamento legal. Havia uma clara distinção entre as crianças e os adolescentes que estavam sob os cuidados das suas famílias e aqueles abandonados e infratores. No modelo da teoria da situação irregular, é importante ressaltar, não havia nenhuma preocupação em manter os vínculos familiares. Entendia-se que se a criança ou o adolescente chegou ao ponto de pre- cisar do amparo do Código de Menores não eram necessários esforços para verificar e tentar manter os vínculos consanguíneos. Além disso, não havia uma garantia de direitos, mas, sim, uma atua- ção nas consequências das atitudes. Portanto, essa política não era voltada à educação do menor infrator ou à proteção do menor aban- donado, ela serviria apenas para estabelecer medidas restritivas. O ob- jetivo era a proteção da sociedade perante o menor, e não do menor perante a situação em que ele se encontrava. No ano de 1964, surgiu a Política Nacional do Bem-estar do Menor (Pnbem), a qual contava com uma gestão centralizadora e verticalizada para a atuação das Febem. Entretanto, era nítida a contradição entre a prática e a técnica. Em alguns casos, a única opção para a tutela de carentes e delinquentes era a internação, que gerava, na maior parte das vezes, a segregação (AMIN, 2010). ALFATEH PAL/Shutterstock A legislação não encarava efetivamente as causas que geravam a carência ou a delinquência, mas, sim, atia-se ao binômio carência-delinquência. A atuação do Estado se restringia à consequência dos atos praticados pelos menores ou contra eles. Na justiça estadual, geralmente existe uma vara especializada em processos envolvendo conflitos familiares. 4 Quais eram as principais falhas da teoria da situação irregular? Atividade 2 Evolução histórico-sociológica da infância e da adolescência 17 Deve-se ressaltar que a cultura da internação não distinguia infrato- res de abandonados, pelo contrário, mantinham todos internados no mesmo local. Não havia outra alternativa que não fosse a internação, eram raras as situações em que o menor conseguia a colocação em uma família substituta. Em outras palavras, não havia uma política de atendimento efetivo visando libertar a criança e o adolescente da condição em que se en- contravam. Logo, suas dificuldades e necessidades não eram levadas em consideração no sentido emancipador. Não era escopo do Estado elevá-los à condição de cidadãos emancipados (SAUT, 2007). É importante ressaltar que esse modelo se deu no Brasil mesmo após os diversos tratados internacionais sobre direitos humanos, como a pró- pria Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que garantiu diversos direitos, inclusive a proteção da criança e do adolescente. Entre o período da Declaração Universal dos Direitos do Humanos de 1948 e a Constituição Federal de 1988, houve uma intensa mobili- zação a fim de modificar o modelo de sistema jurídico restrito aos me- nores abandonados ou em estado de delinquência. No Brasil, diversas organizações populares nacionais e a pressão de organismos interna- cionais, como o Unicef, tornaram o legislador constituinte sensível à causa (AMIN, 2010). A Declaração dos Direitos Humanos destaca o con- ceito de família como um núcleo natural e fundamental da sociedade que tem direito à proteção da sociedade e do Estado (SAUT, 2007). Importante No cenário nacional, é possível verificar diversos diplomas que contemplam a prote- ção da criança e do adolescente, como a Declaração de Genebra (1924), que, como mencionado, foi o primeiro documento que trouxe a necessidade de proteção especial à criança e ao adolescente; a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (1969) e as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude – Regras Mínimas de Beijing (1985). Salienta-se que, em decorrência desses diplomas legais, a teoria da situação irregular foi superada pela teoria da pro- teção da criança e do adolescente (AMIN, 2010). Outros importantes diplomas internacionais que tratam sobre direitos da criança e do adolescente são: Direitos das Nações Unidas para a prevenção da delinquência juve- nil – Diretrizes de Riad (1990); Regras mínimas das Nações Unidas para proteção de jovens privados de liberdade (1990); e Convenção das Nações Unidas sobre os direitos das crianças – promulgada no Brasil pelo Decreto n. 99.710, de 21 de novembro de 1990 (BRASIL, 1990). 18 Direitos educacionais de crianças e adolescentes Em decorrência dessa mudança de paradigma, houve, no Brasil, uma importante mobilização nacional chamada Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), a qual realizou, no ano de 1984, o primeiro Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua. A intenção era debater sobre questões relativas a crianças e adolescentes rotulados como menores abandonados ou meninos de rua (AMIN, 2010). Logo após, em 1986, a Comissão Nacional da Criança Constituin- te surgiu com o objetivo de incluir direitos infanto-juvenis e reuniu 1 milhão e 200 mil assinaturas a fim de promover a sua emenda. Com isso, a Comissão garantiu um intenso lobby para a inclusão dos respec- tivos direitos na nova Constituição (AMIN, 2010, p. 8). Após esse intenso movimento, deu-se o fim da teoria da situação irregular no Brasil, e o início da teoria da proteção da criança e do adolescente. No artigo Entre a doutrina da situação irregular e a da proteção integral: o conceito de vulnerabilidade e a aplicação de medidas socioeducativas a partir da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, publicado na Revista Brasileira de Direito (2018), Ana Paula Motta Costa, Sofia de Souza Lima Safi e Roberta Silveira Pamplona desenvolvem uma importante análise da evolução da dou- trina da situação irregular para a teoria da proteção integral. É importante verificar que a análise se dá utilizando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Acesso em: 1 jul. 2020. https://seer.imed.edu.br/index.php/revistadedireito/article/view/1947/2017. Artigo 1.3 A teoria da proteção da criança e do adolescente Vídeo No Brasil, a doutrina da proteção integral da família teve, como mar- co definitivo, a Constituição Federal de 1988. No ordenamento, está referido no artigo 227: é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissiona- lização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convi- vência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, cruel- dade e opressão. (BRASIL, 1988) Evolução histórico-sociológica da infância e da adolescência 19 Desta maneira, foi rompido qualquer vestígio da teoria da situação irregular e, a partir de então, todo o ordenamento jurídico se estru- turou para garantir a proteção integral da criança e do adolescente. Pode-se verificar que os direitos previstos devem ser assegurados com absoluta prioridade e é necessário levar em consideração o desenvolvi- mento da criança e do adolescente. É importante ressaltar que a Constituição também garantiuimpor- tantes mudanças no que tange aos direitos humanos fundamentais. Houve a implementação dos direitos fundamentais individuais, coleti- vos e difusos. Esse movimento se deu, embora atrasado, em consonância com o cenário internacional. Em 20 de novembro de 1959, foi publicada a De- claração dos Direitos das Crianças pela Organização das Nações Unidas (ONU), documento que originou a doutrina da proteção integral no âm- bito internacional e do qual o Brasil é signatário. Na referida Convenção, a teoria da proteção integral apareceu pela primeira vez, fundada em três pilares importantes: I. reconhecimento da tutela da proteção integral, tendo em vista que a criança e o adolescente são pessoas em desenvolvimento; II. o direito à convivência familiar; e III. a obrigação das nações signatárias de assegurar os direitos da Convenção com prioridade absoluta. Em 1990, entrou em vigor o Decreto n. 99.710, que reconheceu a im- portância do documento internacional e garantiu que a Convenção so- bre os Direitos da Criança fosse executada e cumprida integralmente. Após esse importante movimento no Brasil, seguindo a imple- mentação da proteção jurídica da criança e do adolescente no cená- rio internacional, houve a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n. 8.069, em 13 de julho de 1990. O estatuto consolidou as importantes diretrizes da Constituição, com importante proteção aos direitos humanos. Assim, foram implementados alguns importantes conceitos, dentre estes, direitos e garantias fundamentais da proteção da criança e do adolescente. Ainda, é necessário destacar que a doutrina da proteção integral é ligada diretamente ao princípio do melhor interesse da crian- ça ou do adolescente (BARROS, 2019). A Organização das Nações Unidas é uma organização intergovernamental que busca promover a cooperação internacional. A ONU tem como objetivo promover a segurança e a paz mundial, ainda, busca expandir os direitos humanos, o desenvolvimento econômico, o progresso social, entre outros. Saiba mais 20 Direitos educacionais de crianças e adolescentes Essa importante postura adotada pela Constituição, pelo Estatu- to da Criança e do Adolescente e, posteriormente, pelo Código Civil (BRASIL, 1988; 1990; 2002) prioriza sempre o melhor interesse da criança. Isto se dá perante a sua família, o Estado e a sociedade em que se encontra. Os diversos instrumentos protetivos implementados buscam priorizar a situação da criança, ou do adolescente, para que ela seja protegida. O primeiro conceito positivado na Constituição e também no Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1988; 1990) foi o de criança. Com base na Convenção dos Direitos das Crianças (1990), considera-se criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade. No ECA (art. 2º), temos a divisão dos conceitos de criança e de adolescente: criança é a pessoa até 12 anos incompletos e adolescente pessoa entre 12 e 18 anos. Como disposto no artigo 3º do ECA, todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana devem ser gozados pelas crianças e ado- lescentes. É importante observar que a proteção integral não pode ser prejudicada e devem ser asseguradas todas as oportunidades e facili- dades para garantir seu pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social. Salienta-se que as garantias devem ser preservadas em condições de liberdade e de dignidade. Ainda nesse artigo, os direitos e garantias da criança e do adoles- cente serão implementados sem prejuízo da proteção integral, a qual não se esgota no estatuto. Em outras palavras, qualquer outro diploma legal deverá preservar o pleno desenvolvimento e garantir a dignidade da pessoa humana (BARROS, 2019). A mudança de paradigma ensejou um novo modelo jurídico que privilegia a dignidade da pessoa, decorrente da Constituição de 1988, que deverá ser observado em todo o ordenamento jurídico brasileiro. O tratamento adequado e digno das crianças e adolescentes deve ser realizado por meio de políticas públicas. Após anos de segregação dos menores infratores e abandonados, o modelo de internação da Fundação Nacional do Bem-estar do Menor (Funabem) já estava completamente desgastado e foi substituído pelo Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência (CBIA) em 1990 (AMIN, 2010). Ocorreu, ainda, uma mudança terminológica em consonância com a Constituição e os documentos internacionais: atualmente não se O filme Um sonho possível (2009) retrata a vida de um jovem que foi acolhi- do pela família de Leigh Anne Tuohy. A narrativa retrata os problemas que os jovens encontram para a adoção com idade avançada e a importância do acolhimento na vida de Michael Oher. Direção: John Lee Hancock. Estados Unidos: Alcon Entertainment; Fortis Films, 2009. Filme Evolução histórico-sociológica da infância e da adolescência 21 utiliza o termo menor (considerado estigmatizado), mas, sim, os termos criança e adolescente. Com base no ECA, surgiram diversas políticas públicas a fim de pri- vilegiar a proteção garantida na lei. Assim, imperou-se o princípio da municipalização, tendo em vista que os municípios estão mais próxi- mos da realidade das crianças e adolescentes. Com isso, há uma atua- ção ativa do Ministério Público, do Poder Judiciário e dos Conselhos Tutelares com o objetivo de proteção dos direitos das crianças e ado- lescentes. Há a preocupação, ainda, com os vínculos familiares, tentan- do restaurá-los sempre que possível. O surgimento do ECA rompeu com diversos paradigmas da teoria da situação irregular. Vale mencionar que o sistema atual busca cons- tantemente educar e proteger o jovem em situação de vulnerabilidade. As crianças que estão em situação de vulnerabilidade e necessitam de amparo se sujeitarão às medidas de proteção, já os adolescentes que praticarem atos infracionais estão sujeitos às medidas socioeducativas. A intervenção judicial acontecerá em determinadas hipóteses. O objetivo principal da teoria da proteção integral é assegurar os direitos fundamentais previstos na Constituição. Para tanto, deve ser levado em consideração que a infância e a juventude é um período de desenvolvimento do ser humano. Do mesmo modo, é dever da famí- lia preservar o desenvolvimento, entretanto, ressalta-se que a comu- nidade, a sociedade e o poder público possuem importante papel nessa proteção. Outra importante mudança decorrente da teo- ria da proteção integral é a atuação do Estado, pois gerou-se autorida- de estatal para garantir a proteção dos direitos, agindo como um dos protagonistas. Foram desenvol- vidas diversas políticas públicas fundamentais, sobretudo na cria- ção de órgãos e instâncias com atribuições definidas. Entretanto, é necessário enfatizar que é dever da família e do poder público priorizar a criança e o adolescente. “Qual a principal mudança que a teoria da proteção integral trouxe no tratamento da criança e do adolescente? Justifique sua resposta”. Atividade 3 Pr oS to ck St ud io /S hu tte rs to ck Todos que estiverem próximo da criança e do adolescente e verificarem alguma violação aos seus direitos fundamentais devem alertar a autoridade competente. 22 Direitos educacionais de crianças e adolescentes Conforme o artigo 4º do ECA, a garantia de prioridade absoluta compreende: a. primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b. precedência de atendimento nos serviços públicos ou de rele- vância pública; c. preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d. destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relaciona- das com a proteção à infância e à juventude. (BRASIL, 1990) A criança e o adolescente terão prioridade no atendimento em caso de proteção e socorro, bem como nas políticas sociais públicas. As po- líticas sociais deverão atuar de maneira prioritária no desenvolvimento infanto-juvenil e os recursos públicos terão destinação privilegiada à sua proteção efetiva. Como exemplode aplicação da garantia da prioridade absoluta, po- de-se constatar que, em situação de urgência, caso só haja um leito no hospital, entre atender um adulto ou uma criança, a criança será atendida antes. Evidentemente que, nesse caso, é necessário verificar a urgência do atendimento, se o adulto tiver um risco elevado de morte e a criança não, ele será atendido antes. O Quadro 1 elenca as principais mudanças decorrentes da evolução histórico-sociológica da infância e da adolescência: Quadro 1 Teoria da situação irregular e teoria da proteção integral: principais mudanças Código de Menores Doutrina Situação irregular Início 1927 e positivado em 1979 Atuação Agia nas consequências Família Não havia preocupação com os vínculos familiares Estatuto da Criança e do Adolescente Proteção integral Constituição Federal de 1988 Age nas causas Tentativa de manutenção dos vínculos familiares X Fonte: Elaborado pela autora. Evolução histórico-sociológica da infância e da adolescência 23 O processo de evolução dos direitos das crianças e adolescentes passou por constantes alterações ao longo dos séculos. A principal e mais importante mudança se deu com a teoria da proteção integral implementada pela Constituição. Atualmente, a proteção deve ser im- plementada sempre observando o pleno desenvolvimento e com prio- ridade absoluta. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, foi possível conhecer a evolução dos conceitos de criança e de adolescente. De objeto considerado propriedade dos pais, com absoluta indiferença, passou-se para a noção de mera imputação penal dos infratores, em seguida, para a ideia de tutela assistencial e, por fim, chegou-se ao conceito atual de sujeito de direitos. Foi possível verificar que os papéis do Estado, da sociedade e, inclusive, da família mudaram. No Brasil, tivemos alguns diplomas legais referentes aos direitos da in- fância e da juventude, entretanto, nem sempre em consonância com os diplomas internacionais. Com isso, surgiu o Código de Menores de 1927, o qual centrava forças no destino dos menores infratores. Já, no ano de 1979, o Código de Menores tinha como objeto de proteção as vítimas de maus tratos e positivou efetivamente a teoria da situação irregular. A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 trouxeram a noção de proteção integral. A teoria da proteção integral é baseada em dois importantes funda- mentos: a prioridade absoluta e o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente. Ela envolve todas as questões em que interesses e direitos estejam envolvidos, sempre observando com prioridade o melhor inte- resse da criança e do adolescente, inclusive perante a família, o Estado e a sociedade. REFERÊNCIAS AMIN, A. R.; MACIEL, K. R. F. L. A. (coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva: 2010. BARROS, G. F. de M. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei 8.069/90. 13. ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Editora JusPodivm. 2019. BRASIL, Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm. Acesso em: 22 jun. 2020. BRASIL. Convenção Americana de Direitos Humanos (1969). Disponível em: http://www. pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. Acesso em: 7 jul. 2020. 24 Direitos educacionais de crianças e adolescentes BRASIL. Declaração dos Direitos da Criança. Disponível em: https://www2.camara.leg. br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de- direitos-humanos-e-politica-externa/DeclDirCrian.html. Acesso em: 6 jul. 2020. BRASIL, Ministério da Justiça. Decreto n. 17.943-a de 12 de outubro de 1927. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 12 out. 1927. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/D17943Aimpressao.htm. Acesso em: 20 jun. 2020. BRASIL, Ministério da Justiça. Lei n. 6.697 de 10 de outubro de 1979. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 10 out. 1979. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/LEIS/1970-1979/L6697impressao.htm. Acesso em: 22 jun. 2020. BRASIL, Ministério da Justiça. Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 22 jun. 2020. BRASIL, Ministério da Justiça. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 6 jul. 2020. BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. Decreto n. 37.176- de 15 de Abril de 1955. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 15 abr. 1955. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Atos/decretos/1955/D37176.html. Acesso em: 6 jul. 2020. BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. Decreto n. 99.710, de 21 de novembro de 1990. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 22 nov. 1990. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm. Acesso em: 6 jul. 2020. COSTA, A. P. M. C.; SAFI, S. de S. L. S.; PAMPLONA, R. S. Entre a doutrina da situação irregular e a da proteção integral: o conceito de vulnerabilidade e a aplicação de medidas socioeducativas a partir da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Revista Brasileira de Direito, Passo Fundo, v. 14, n. 3, p. 55-75, set./dez. 2018. ISSN 2238-0604 LIMA, R. M. de; POLI, L. M.; JOSÉ, F. S. A Evolução Histórica dos Direitos da Criança e do Adolescente: da insignificância jurídica e social ao reconhecimento de direitos e garantias fundamentais. Rev. Bras. Polít. Públicas, (Online), Brasília, v. 7, n. 2, 2017. ONU – Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por. Acesso em: 6 jul. 2020. ONU – Organização das Nações Unidas. Direitos das Nações Unidas para a prevenção da delinquência juvenil – Diretrizes de Riad, 1990. Disponível em: https://www2.camara.leg. br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de- direitos-humanos-e-politica-externa/PrincNacUniPrevDeliqJuv.html. Acesso em: 6 jul. 2020. ONU – Organização das Nações Unidas. Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privados de Liberdade. In: Brasil. Ministério da Justiça. Normas e princípios das Nações Unidas sobre prevenção ao crime e justiça criminal. 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Disponível em: https://gorila. furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/441/400. Acesso em: 22 jun. 2020. Evolução histórico-sociológica da infância e da adolescência 25 GABARITO 1. A Igreja Católica tem um importante papel na evolução dos direitos das crianças e dos adolescentes, pois iniciou a garantia de proteção à família e à dignidade ao amparar aqueles que estavamem situação de vulnerabilidade e pregar proteção aos que estão com as famílias. Isso ocorreu inclusive por meio dos 10 mandamentos bíblicos, que salientou o dever de respeito entre os entes familiares. 2. Umas das principais falhas da teoria da situação irregular era a segregação das crian- ças e adolescentes que necessitavam de acolhimento institucional, e a discriminação entre crianças e adolescentes que estavam em situação de marginalidade. 3. A principal mudança que a teoria da proteção integral trouxe para o tratamento das crianças e dos adolescentes é a de que os direitos previstos devem ser assegurados com absoluta prioridade. Portanto, é necessário levar em consideração o seu pleno desenvolvimento. 26 Direitos educacionais de crianças e adolescentes 2 Direitos fundamentais da criança e do adolescente Neste capítulo, vamos desenvolver o estudo dos direitos funda- mentais da criança e do adolescente. A Constituição Federal esta- beleceu – pela primeira vez, no ordenamento jurídico brasileiro – a especial proteção. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) positivou essas garantias visando o pleno desenvolvimento. A evolução da proteção da criança e do adolescente se deu após o rompimento da doutrina da situação irregular do menor, que estava em vigor desde o Código de Menores de 1927. Com isso, verificamos o surgimento da responsabilidade em conjunto com o Estado, a sociedade e a família na proteção e na garantia do pleno desenvolvimento dos indivíduos em formação. Observamos, também, a necessidade de diálogo e de trabalho juntamente com todos os agentes envolvidos na educação da crian- ça e do adolescente, tendo em vista a sua importância para a forma- ção de novos indivíduos na sociedade. Portanto, é imprescindível a atenção plena e efetiva na sua proteção e no seu desenvolvimento. 2.1 Proteção constitucional da criança e do adolescente Vídeo A Constituição alterou significativamente o ordenamento jurídico brasileiro. Surgido após a ditadura militar, esse documento é um marco no que tange às garantias e aos direitos fundamentais no Brasil. Com ele, diversos princípios foram implementados e, entre eles, um dos mais importantes é o da dignidade da pessoa humana. Esse princípio deve ser aplicado a todos os indivíduos da sociedade, em todas esferas, e, inclusive, às crianças e aos adolescentes. Neste capítulo, toda a nossa dis- cussão é voltada ao documento constitucional atual, de 5 de outubro de 1988. Importante Direitos fundamentais da criança e do adolescente 27 O atual diploma constitucional tem um importante papel em relação aos direitos das crianças e dos adolescentes. Por meio da constituinte, em que foi determinada a forma de criação da Constituição, deu-se a positivação da teoria da proteção integral. Essa doutrina é uma im- portante conquista para o direito brasileiro, tendo em vista que já era garantida pelos diplomas internacionais. Com isso, determinou-se que é dever do Estado brasileiro, da sociedade e da família a proteção ple- na, com absoluta prioridade da criança e do adolescente, por meio da proteção constitucional. A doutrina da proteção integral substituiu a doutrina da situação irregular, a qual vigorava oficialmente desde o Código de Menores, de 1979, mas já estava subentendida no Código Mello Matos, de 1927. Além da alteração no documento, houve uma mudança de paradigma: a doutrina anterior era restrita aos menores infratores e àqueles em situação de perigo, já a Constituição de 1988 estabelece uma proteção plena a todos os indivíduos em desenvolvimento. O rompimento do antigo modelo de proteção do menor foi importante, pois absorveu os valores da Convenção dos Direitos das Crianças (UNICEF, 1990) e ampliou a atuação. De um direito restrito aos menores que neces- sitavam de atenção, tendo em vista as suas condições de vulnerabilidade e marginalidade, passou-se para a garantia de um direito da criança e do adolescente de maneira ampla, universal e exigível (AMIN, 2010). A família é considerada a base da sociedade e, portanto, há pro- teção especial do Estado, conforme disciplina o artigo 226 da Consti- tuição (BRASIL, 1988). Entretanto, por conta do superior interesse pela criança e a sua prioridade absoluta, em alguns momentos é necessária a intervenção do Estado no seio familiar. O Código Civil (2002) também determina o importante papel da família na formação do indivíduo. No artigo 227 da Constituição, podemos perceber que: é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissiona- lização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convi- vência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, cruel- dade e opressão. (BRASIL, 1988) Com a análise desse excerto, é possível compreender que tudo que é necessário para o pleno desenvolvimento do indivíduo deve ser assegura- Qual foi a principal mudança implementada pela atual Cons- tituição na proteção da criança e do adolescente? De quem é a responsabilidade sobre isso? Atividade 1 A Assembleia Nacional Consti- tuinte é o órgão colegiado que tem a função de redigir a nova constituição. No Brasil, a última constituinte foi a de 1987. Saiba mais Neste capítulo, toda a nossa discussão é voltada ao Código Civil atual, de 10 de janeiro de 2002. Importante 28 Direitos educacionais de crianças e adolescentes do. Assim, foram elencados, de maneira particular, os direitos fundamen- tais necessários à formação da criança e do adolescente – esses direitos ainda foram positivados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Além disso, a lei n. 8.069 põe a salvo que nenhuma criança ou ado- lescente será objeto de negligência, discriminação, exploração, violên- cia, crueldade e opressão, conforme estabelece o artigo 5º (BRASIL, 1990). Deverão ser observados os direitos e deveres individuais e cole- tivos, preservando a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, como determina o artigo 6º. Assim, pode-se verificar que a criança e o adolescente deverão ser protegidos em todos os sentidos. No parágrafo 4º, do artigo 227, da Constituição (BRASIL, 1988), verifi- ca-se a implicação de normas punitivas para qualquer forma de abuso, violência ou exploração sexual da criança e do adolescente. A lei infra- constitucional se encarrega de tipificar, especificamente, cada conduta que deverá ser punida. Essas tipificações estão dispostas no Código Penal, na Lei Maria da Penha (BRASIL, 1940; 2006) e em outros dispositivos legais. Na Constituição, é possível constatar diversos aspectos de proteção, como os dispostos no artigo 227, no seu parágrafo 3º: I – idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II – garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III – garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; IV – garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V – obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; VI – estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimen- to, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII – programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecen- tes e drogas afins. (BRASIL, 1988) Observa-se que, para fins de trabalho, há proteção constitucional e proibição do trabalho infantil, com exceção apenas dos casos de menor Quando mencionamos o Estatuto da Criança e do Adolescente,nos referimos à lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Importante lei infraconstitucional: qual- quer lei que não está incluída na Constituição Federal e que não possui status constitucional. Glossário Direitos fundamentais da criança e do adolescente 29 aprendiz, que deverão seguir regulamentação específica. Ainda, nas hi- póteses em que é possível o trabalho, após os 14 anos de idade, devem ser afirmados os direitos trabalhistas e previdenciários e a proteção do direito à educação, assegurando, portanto, o acesso à escola, indepen- dentemente da atividade laboral. Isso significa dizer que, nas hipóteses em que o adolescente tra- balha, deve-se garantir o acesso à educação no turno oposto, ainda que seja necessário o ensino noturno, como dispõe o artigo 208, VI, da Constituição 2 . Assim, nas situações em que o adolescente trabalha ao longo do dia e precisa frequentar a escola durante o período da noite, deve ser assegurado o acesso à educação. Nas hipóteses de ato infracional da criança e do adolescente, é possível verificar uma mudança de comportamento da legislação bra- sileira em decorrência da atual Constituição. Antes, nos casos de in- fração, o menor era submetido ao acolhimento institucional, de modo a retirá-lo da sociedade. Atualmente, devem ser assegurados o pleno conhecimento da atribuição do ato infracional, a igualdade na relação processual e a defesa técnica por profissional habilitado. Desse modo, mesmo nos casos em que é necessária a medida priva- tiva de liberdade, garante-se a obediência aos princípios da brevidade e, de suma importância, a observância e o respeito da condição pecu- liar de pessoa em desenvolvimento do infrator. No ECA, há previsão es- pecífica nesse sentido, pois dispõe de que maneira serão determinadas as medidas em relação aos atos infracionais praticados por crianças e adolescentes. Salienta-se que qualquer medida será tomada observan- do a dignidade da pessoa humana. Nas hipóteses em que é necessário o acolhimento da criança e do adolescente, o Poder Público deverá incentivar o seu cuidado sob a for- ma de guarda. O estímulo poderá ser realizado por meio de incentivos fiscais e subsídios, no formato da lei. Nos casos em que há uma dependência química de entorpecentes ou drogas, o jovem, a criança ou o adolescente receberão atendimento diferenciado em programas de prevenção. Portanto, sempre que hou- ver uma pessoa em formação nessa situação, é preciso lhe dar uma atenção especial, visando a sua proteção. A Constituição ainda estabelece, como forma de proteção da criança e do adolescente, as promoções de programas de assistência integral “Oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando” (BRASIL, 1988). 2 ato infracional: conduta des- crita como crime ou contravenção penal, isto é, todos os atos consi- derados crimes ou contravenção penal pela legislação, desde que praticados por menores de 18 anos (BRASIL, 1990). Glossário da saúde, principalmente nos percentuais de recursos públicos, que serão destinados à saúde materno-infantil e aos programas de atendi- mento às pessoas com deficiência. No que tange aos jovens, o diploma constitucional estabelece que se- rão determinados por lei o Estatuto da Juventude e o Plano Nacional da Ju- ventude (BRASIL, 2013; 2018), os quais deverão ser articulados por todas as esferas do Poder Público, como disposto no artigo 227 da Constituição. Ainda, verifica-se que a Constituição (1988) e, consequentemente, todas as normas infraconstitucionais que estão no ordenamento ju- rídico brasileiro devem preservar o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Desse modo, toda e qualquer decisão envol- vendo essa faixa etária sempre será determinada de modo a preservar os seus interesses da melhor forma possível. Isso se aplica, inclusive, no seio familiar e em detrimento aos interesses dos seus genitores. Esse princípio também está disposto no ECA, em seu artigo 4º: é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educa- ção, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à digni- dade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990) Como mencionado, a Constituição trouxe uma importante mudan- ça na proteção da criança e do adolescente. A doutrina da proteção integral e a inclusão de diversos direitos foram implementadas a fim de preservar a condição de pessoa em desenvolvimento. Com isso, houve a implementação de diversos direitos fundamentais da pessoa humana, incluindo-se os da criança e do adolescente, os quais serão discutidos na próxima seção. O vídeo 29 anos do ECA | Conexão, publicado pelo Canal Futura, discorre sobre os avanços e as conquistas obtidas com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nos últimos 29 anos. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=Fy5nkC638oA. Acesso em: 13 jul. 2020. Vídeo ESB Professional/Shutterstock Em todas as esferas, deve ser preservado o interesse com absoluta prioridade da criança e do adolescente. 30 Direitos educacionais de crianças e adolescentes Direitos fundamentais da criança e do adolescente 31 2.2 Direitos fundamentais Vídeo São considerados direitos fundamentais aqueles inerentes a todos os seres humanos. Atualmente, estão previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 2009) e afirmados na Constituição (BRASIL, 1988). Esses direitos são oponíveis ao Estado, com a sua atuação limitada e condicionada (AMIN, 2010). Os direitos fundamentais podem ser classificados em gerações ou dimensões. Os direitos de primeira geração são os individuais e coletivos, assegurados no artigo 5º da Constituição, por exemplo, o direito à liberdade. Os direitos de segunda geração se referem aos direitos so- ciais, elencados nos artigos 6º e 7º da Constituição, como o direito à educação. Por fim, os direitos de terceira geração são os direitos difu- sos, dispostos ao longo do documento, como é o caso do direito ao meio ambiente (BRASIL, 1988). No que tange à proteção da criança e do adolescente, os direitos so- ciais são de suma importância, pois são aqueles que o Estado deve asse- gurar, tais como: o direito à vida, à educação, ao lazer, à alimentação, à saúde, à cultura, ao respeito, à dignidade e à convivência familiar e comu- nitária. É importante salientar que os direitos funda- mentais são de aplicação imediata, como estabelece o artigo 227 da Constituição. Ainda, os direitos fundamentais, assegurados na Constituição e estabelecidos no ECA, são de respon- sabilidade do Estado, da família e da sociedade. Nes- se sentido, todos possuem o encargo de proteção de seus direitos. Nas situações de afronta, devem ser encaminhadas as medidas necessárias, levando sem- pre em consideração o melhor interesse da criança e do adolescente. Os direitos fundamentais também estão dispos- tos no ECA, mais especificamente entre os artigos 7º e 69º, livro I, título II (BRASIL, 1990). Nele, estão elen- cados detalhadamente o direito à vida e à saúde, à liberdade, ao respeito e à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à educação, à cultura, ao es- porte e ao lazer e à profissionalização e à proteção ao trabalho. Glossário oponível: “passível de se opor ou de funcionar em oposição” (HOUAISS, 2009). Livro Na obra A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, Ingo Sarlet realiza um estudo aprofundado dos direitos fundamentais na perspectiva da atual Constituição Federal. SARLET, I. 13. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018. 32 Direitos educacionais de crianças e adolescentes O direito à vida pode ser considerado como o mais fundamental e absoluto de todos, pois sem ele não é possível exercer todos os de- mais. Esse direito significa viver com dignidade e não, simplesmente,sobreviver. O direito à saúde não diz respeito apenas à ausência de doenças, mas, sim, ao bem-estar físico, mental e social (AMIN, 2010). É dever da família o cuidado com a saúde da criança e do adolescente, garantindo uma vida saudável. No ECA, o direito à vida e à saúde está disposto no artigo 7º e, por meio de políticas sociais públicas, deve garantir condi- ções dignas de existência, para que sejam permitidos o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso da criança e do adolescente. O Poder Público é obrigado a garantir a tutela daqueles que ainda não nasceram e que não têm amparo suficiente, como nos casos em que a família não possui condições financeiras ou não desejam manter o filho em sua companhia. Nesse contexto, verificamos que o ECA esta- belece, em seu artigo 8º, o apoio à mulher e à gestante. Foi por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) que o Brasil imple- mentou o acesso à política de saúde. Qualquer gestante tem acesso à nutrição adequada, à atenção humanizada à gravidez, ao atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal, ao parto e ao puerpério (NUCCI, 2018). Ainda, nos artigos 9º e 10º do ECA, verifica-se o amparo ao aleita- mento materno, inclusive nos casos de pena privativa de liberdade, e as obrigações inerentes aos hospitais e estabelecimentos de atenção à saúde da gestante (BRASIL, 1990). Toda a proteção à gestante é deter- minada no ECA, pois é uma garantia do direito à vida do nascituro 3 . A proteção à vida também é realizada nas hipóteses de interferên- cia do Estado no seio familiar, como nas situações de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos, conforme o artigo 13 do ECA (BRASIL, 1990). Esses casos deverão ser encaminhados ao Conselho Tutelar e poderão ser aplicadas outras providencias legais. Em relação ao direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, verifica- -se que, conforme define o artigo 15 do ECA, a criança e o adolescente devem ser tratados como pessoas humanas em processo de desenvol- vimento. Além disso, eles devem ser entendidos como sujeitos de direi- tos civis, humanos e sociais, os quais estão garantidos na Constituição Federal (1988) e nos demais dispositivos legais. O SUS é um sistema inovador, que abrange desde o atendimento mais simples até cirurgias mais complexas. O Brasil, no que tange à saúde, pode ser considerado uma referência mundial. Você pode conhecer mais sobre isso no site do Ministério da Saúde. Disponível em: http://www.saude. gov.br/sistema-unico-de-saude. Acesso em: 13 jul. 2020. Site O ser humano concebido, que ainda está em gestação, é chamado de nascituro. O nasci- turo ainda não é considerado uma pessoa natural; contudo, a legislação brasileira adota a teoria natalista para determinar o início da personalidade jurí- dica. Portanto, existem direitos preservados ao nascituro antes do seu nascimento com vida. 3 Direitos fundamentais da criança e do adolescente 33 O direito à liberdade pode ser compreendido, conforme o artigo 16 (BRASIL, 1990), como: I. ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II. opinião e expressão; III. crença e culto religioso; IV. brincar, praticar esportes e divertir-se; V. participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; VI. participar da vida política, na forma da lei; VII. buscar refúgio, auxílio e orientação. Em linhas gerais, o excerto ressalta que deve ser assegurada a li- berdade de se desenvolver de maneira plena, expandido as suas ca- pacidades individuais. O direito ao respeito, como estabelecido no ECA em seu artigo 17, é a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente. Para tanto, é necessário, ainda, preservar sua imagem, sua identidade, sua autonomia de valores, suas ideias e crenças, seus espaços e seus objetos pessoais. Esse direito não é reproduzido para os maiores de 18 anos e trata- -se de uma novidade em matéria de direitos individuais (NUCCI, 2018). Pode-se verificar que o direito ao respeito é considerado de maneira ampla, visando a garantia do seu desenvolvimento, com base em seus valores e suas vontades. A criança e o adolescente têm o direito de serem criados e educados no seio da sua família, assim como elenca o artigo 19 do ECA (BRASIL, 1990), que está em consonância com o dispositivo 229 da Constituição (1988). Ambos defendem que a convivência entre pais e filhos deve ser assegurada para garantir seu pleno desenvolvimento. Ressalta-se que, apenas de modo excepcional, é possível retirar os filhos da convivência com os pais para colocá-los em uma família substituta. Com base na Constituição, no artigo 227, parágrafo 6º, os filhos serão tratados da mesma forma, independentemente da sua origem. Nessa mesma direção, o ECA, em seu artigo 20, afirma que os filhos havidos ou não do casamento ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações – portanto, é proibido o tratamento discriminatório. Outra importante mudança que decorre da Constituição e foi imple- mentada pelo ECA, em seu artigo 20, é a condição de igualdade entre os sexos e, no caso da família, entre o pai e a mãe, definindo que ambos exercem, em condições de igualdade, o poder familiar (BRASIL, 1990). inviolabilidade: qualidade ou caráter do que é inviolável. Glossário Qual é o papel da família na garantia dos direitos da criança e do adolescente? É possível a intervenção do Estado no seio familiar? Atividade 2 A família substituta é aquela que ficará com a guarda, tutela ou adoção da criança ou do adolescente que não tem condições de ficar com seus pais e, tampouco, com a sua família extensa, biológica. Saiba mais 34 Direitos educacionais de crianças e adolescentes Ainda, qualquer divergência será solucionada pela autoridade judiciá- ria. Na falta de qualquer um deles, poderá ser determinado o seu cumprimento por determinações jurídicas. Igualmente, visto que a responsabilidade dos genitores sobre seus descenden- tes é compartilhada, inclusive o cuidado e a educação, ambos têm o direito de transmitir as suas crenças e culturas, como esta- belece o artigo 22, parágrafo único, do ECA (BRASIL, 1990). Portanto, não é possível a interferência externa no que se refere aos costumes de cada família – desde que, obviamente, esteja sendo resguardada a dignidade da pessoa humana, principalmente dos filhos. A legislação brasileira também prevê as hipóteses de perda ou suspensão do poder familiar, elencadas de maneira clara no Código Civil (2002), dispostas a seguir. Lei Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles ineren- tes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe con- denados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão. Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I. castigar imoderadamente o filho; II. deixar o filho em abandono; III. I praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV. incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. V. entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o poder familiar aquele que: I. praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar: b. homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou me- nosprezo ou discriminação à condição de mulher; c. estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão IV. praticar contra filho, filha ou outro descendente: a. homicídio, feminicídio ou lesão corporal de naturezagrave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou me- nosprezo ou discriminação à condição de mulher; b. estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão. Go od St ud io /S hu tte rs to ck Tendo em vista o importante papel da família no desenvolvimento da criança e do adolescente, é função dos genitores garantir o sustento, a guarda e a educação dos seus filhos menores. Direitos fundamentais da criança e do adolescente 35 Entretanto, é importante salientar que não constitui motivo para a perda ou suspensão do poder familiar a falta de recursos financeiros, conforme dispõe o artigo 23 do ECA, pois não ter condições de susten- tar não significa deixar em desamparo. Nessas situações, é possível o amparo do Estado e de seus programas de assistência. Os casos em que é possível retirar o filho do poder de seus genito- res envolvem situações de grave ameaça ou violação dos direitos fun- damentais. Como exemplo, podemos citar as ocorrências elencadas na Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006), em que há violência doméstica tanto em relação ao filho quanto em relação ao outro genitor. Diante das circunstâncias apresentadas, a retirada da criança ou do adolescente da sua família de origem será realizada apenas excep- cionalmente e em situações de extrema necessidade. O procedimento será realizado por via judicial, com a atuação do Ministério Público e garantindo o contraditório e a ampla defesa dos genitores. No que tange aos direitos fundamentais da criança e do adolescen- te, podemos verificar que o ECA estabelece a atuação do Estado no seio da família natural e na atuação da família extensa e da família substituta. Por fim, é direito fundamental da criança e do adolescente o acesso à profissionalização e à proteção no trabalho, sem- pre garantindo a condição de pessoa em desenvolvimento. Nas hipóteses de trabalho de menores de 18 anos, serão ob- servados os dispostos no ECA e na Constituição. contraditório: é o direito a contraditar a acusação no processo judicial. Consiste no direito à defesa de todos os pontos suscitados na ação. família extensa ou ampliada: “aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade” (BRASIL, 1990). Glossário Monkey Business Images/Shutterstock O direito à profissionalização da criança e do adolescente é garantido por lei. 2.3 Direito à educação Vídeo O direito à educação é considerado um direito fundamental social, conforme estabelece a Constituição, artigo 227, caput: é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissiona- lização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convi- vência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda 36 Direitos educacionais de crianças e adolescentes forma de negligência, discriminação, exploração, violência, cruel- dade e opressão. (BRASIL, 1988) Na leitura do excerto, verifica-se que o direito fundamental à educa- ção é um dever compartilhado entre família, sociedade e Estado. Isso se dá, como já mencionado, devido à condição de pessoa em desenvol- vimento, da criança e do adolescente, e à importância da educação na sua formação como indivíduo. No ECA, o artigo 53 estabelece que, tendo em vista a importância da educação para o exercício da cidadania e para a qualificação ao traba- lho, é necessário garantir: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – direito de ser respeitado por seus educadores; III – direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV – direito de organização e participação em entidades estudantis; V– acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência, garantindo-se vagas no mesmo estabelecimento a irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo de ensino da educação bá- sica. (BRASIL, 1990) O ECA estabelece relevantes proteções no que se refere ao direito à educação da criança e do adolescente. O acesso e a permanência na es- cola significam a obrigatoriedade do ensino gratuito em todos os níveis, incluindo o ensino fundamental. É importante, portanto, uma política pública efetiva, com foco na garantia do acesso à educação para todas as crianças e todos os adolescentes. Alguns governos utilizam a política educacional denominada pro- gressão continuada, constituída por ciclos de ensino, com o objetivo de manter o aluno na escola por meio de anos; no caso do insucesso do estudante, ele não irá reprovar, mas, sim, fazer a recuperação por meio de aulas extras (NUCCI, 2018). No que diz respeito aos educadores, o ECA afirma que o aluno não pode ser destratado pelo professor em hipótese alguma. O mesmo se aplica aos dirigentes da instituição de ensino, que devem tratar todos os alunos com dignidade e respeito. Entretanto, é importante ressaltar que o direito ao respeito é uma via de mão dupla e, por isso, os educa- dores também devem ser respeitados pelos alunos e famílias. Direitos fundamentais da criança e do adolescente 37 Na sequência, é observado o direito de contestar os critérios avaliati- vos. Esse dispositivo significa que não é permitida a discricionariedade abusiva nas avaliações escolares (NUCCI, 2018). Porém, salienta-se que isso não impede a liberdade de cátedra, assegurada aos profissionais do ensino na Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996), apenas compreen- de a aplicação de critérios claros e lógicos nos padrões avaliativos. Além disso, é assegurada a liberdade para organização e participa- ção em entidades estudantis, ou seja, grêmios, diretórios ou centros acadêmicos. Logo, desde que compatível com as regras de convivência impostas pela instituição de ensino, é livre o funcionamento de entida- des estudantis (NUCCI, 2018). Destaca-se que o direito ao acesso à escola está disposto no inciso I e V do ECA (BRASIL, 1990); a sua promoção deve ser pública e gratuita e próxima ao local de residência do aluno. Ainda, no caso do estudante possuir irmão(s), é necessário verificar se eles estão na mesma insti- tuição de ensino, devendo garantir vaga para ambos no mesmo local. Além disso, no que tange ao direito à educação, que o Estado deve assegurar, conforme o artigo 54 do ECA: I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao en- sino médio; III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade; V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador; VII – atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimen- tação e assistência à saúde. (BRASIL, 1990) Desse modo, pode-se compreender que o Estado tem o dever de garantir, efetivamente, todas as formas de educação, desde o ensino fundamental, passando pelo ensino médio e chegando aos níveis mais elevados de ensino. Entretanto, os atendimentos em creche e pré-esco- la também são de sua responsabilidade, bem como no ensino noturno regular, visando à adaptação aos horários de trabalho do adolescente. discricionariedade: agir de maneira livre, arbitrária. Glossário No que se refere ao direito à educação, o acesso deverá ser realizado de que modo? Atividade 3 38 Direitos educacionais de crianças e adolescentes Ressalva-se, ainda, que é de responsabilidade do Estado oapoio com material didático, transporte, alimentação e assistência à saúde, ou seja, ele deve suprir todas as necessidades do aluno, para que não haja empecilhos no acesso ao estudo. No estudo do direito à educação, é importante a leitura do ECA em conjunto com a Lei de Diretrizes e Bases. Na LDB, estão previstos os pro- cessos formativos, os princípios e os fins da educação nacional. Assim, deve-se seguir os princípios estabelecidos no seu artigo 3º para a edu- cação brasileira: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultu- ra, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância; V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII – valorização do profissional da educação escolar; VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX – garantia de padrão de qualidade; X – valorização da experiência extraescolar; XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. XII – consideração com a diversidade étnico-racial. XIII – garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida. (BRASIL, 1996) Os direitos fundamentais, assegurados às crianças e aos adolescen- tes no ECA, também estão previstos na seara da educação na LDB. Te- mos o direito ao respeito, à igualdade, à liberdade, ao ensino gratuito, entre outros, elencados em ambos diplomas legais. O direito ao respeito e o direito à liberdade consistem em poder expressar, livremente, sua cultura, seus hábitos e seus valores. Além disso, devem ser respeitados desde que condizentes com a dignidade da pessoa humana. São alguns critérios de educação, também estabe- lecidos na LDB (BRASIL, 1996): Educação básica: • obrigatória e gratuita; • entre 4 e 17 anos; • pré-escola, ensino fundamental e ensino médio. Direitos fundamentais da criança e do adolescente 39 É de responsabilidade da família a matrícula, conforme dispõe o arti- go 55 do ECA, e o acompanhamento do aluno. Nesse sentido, o parágra- fo 1º, do artigo 53, do ECA afirma que: “o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo” (BRASIL, 1990). O mesmo está dispos- to na Constituição, em seu artigo 208. Salienta-se, ainda, que a não matrícula do filho na escola pode in- cidir, inclusive, em delito de abandono intelectual, tipificado no artigo 246 do Código Penal. Nesse caso, reflete nas hipóteses de não promoção do ensino primário sem justa causa a seguinte pe- nalidade: “deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar: Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa” (BRASIL, 1940). Ainda, a falta de matrícula no ensino básico pode en- sejar a perda do poder familiar por abandono intelectual, como dispõe o Código Civil (2002), no seu artigo 1.638, inciso II. Portanto, a matrícula na escola é de suma impor- tância e essencial para todas as famílias. Diante desse cenário – e levando em consideração a res- ponsabilidade em conjunto com a sociedade sob as crianças e os adolescentes –, no ECA estão elencadas as responsabilidades dos di- rigentes de estabelecimento de ensino. O artigo 56 estabelece que se deve comunicar ao Conselho Tutelar casos de maus-tratos, situações de faltas reiteradas e injustificadas ou de evasão escolar, desde que esgotados os recursos escolares ou nas hipóteses de elevados níveis de repetência (BRASIL, 1990). Ressalta-se que a falta de comunicação ao Conselho Tutelar pode ensejar, inclusive, infração administrativa da instituição de ensino, conforme o artigo 245 do ECA. Não é necessário o esgotamento da busca pela solução por parte da escola para a comunicação ao Con- selho Tutelar. É inegável a importância da educação no desenvolvimento da crian- ça e do adolescente. Assim, o artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases de- termina a abrangência da educação da seguinte forma: “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pes- quisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (BRASIL, 1996). Daniel M Ernst/Shutterstock O Poder Público deve assegurar, com prioridade, o ensino básico obrigatório, que será realizado dos 4 aos 17 anos, isto é, durante a infância e a juventude. 40 Direitos educacionais de crianças e adolescentes O artigo Vinte anos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de Jamil Cury, publicado no Jornal de Políticas Educacionais (2016), explicita os princí- pios, as finalidades e as diretrizes da educação no que diz respeito à criança e ao adolescente. Acesso em: 9 jul. 2020. https://revistas.ufpr.br/jpe/article/view/49964/32545. Artigo É possível verificar o papel da família e da sociedade na educação da criança e do adolescente. A educação não abrange apenas as intuições de ensino, sendo uma responsabilidade que deve ser trabalhada em conjunto com os demais setores da sociedade. Assim, conclui-se que o direito à educação é um direito essencial de todas as crianças e adolescentes e deve ser assegurado pelo Estado. A responsabilidade da família no que tange à matrícula na escola é es- sencial, tendo em vista a importância do ensino na formação do indiví- duo. Qualquer violação a esse direito deve ser reportada ao Conselho Tutelar, a fim de proteger a criança e o adolescente. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, estudamos a mudança da teoria da situação irregular do menor para a doutrina da proteção integral da criança e do adolescen- te, implementada na atual Constituição. O atual diploma constitucional realizou mudanças significativas, sempre levando em conta a plena prote- ção da criança e do adolescente e os considerando pessoas em desenvol- vimento. Com isso, vimos que é dever do Estado, da sociedade e da família a plena proteção dos indivíduos dessa faixa etária. Com isso, e no mesmo sentido do texto constitucional, houve a imple- mentação de importantes direitos fundamentais, como a proteção espe- cial à vida, saúde, alimentação e educação. Além disso, deve-se garantir que a criança e o adolescente estejam salvos de toda forma de negligên- cia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O direito à educação é de suma importância para o desenvolvimento dos indivíduos, tanto que a educação está protegida na Constituição Fede- ral, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Na legislação brasileira, há diversas proteções e garantias à educação da criança e do adolescente, como o ensino básico obrigatório e gratuito, a obrigatoriedade da matrícula – verifica-se, inclusive, que a falta desta pode gerar um delito penal, punível pelo Código Penal –, dentre outros. Direitos fundamentais da criança e do adolescente 41 REFERÊNCIAS AMIN, A. R. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010. BARROS, G. F. de M. Estatuto da Criança e do Adolescente. 13. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2019. BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm. Acesso em: 29 jun. 2020. BRASIL. Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Rio de Janeiro, 12 out. 1927. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto/1910-1929/d17943a.htm. Acesso em: 14 jul. 2020. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 29 jun. 2020. BRASIL.Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 11 out. 1979. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970- 1979/l6697.htm. Acesso em: 14 jul. 2020. BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069. htm. Acesso em: 29 jun. 2020. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394. htm. Acesso em: 29 jun. 2020. BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Poder Legislatio, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/ l10406.htm. Acesso em: 29 jun. 2020. BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 8 ago, 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 14 jul. 2020. BRASIL. Lei n. 12.852, de 5 de agosto de 2013. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 6 ago. 2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011- 2014/2013/Lei/L12852.htm. Acesso em: 14 jul. 2020. BRASIL. Secretaria de Governo. Secretaria Nacional de Juventude. Plano Nacional de Juventude: proposta de atualização da minuta do Projeto de Lei nº 4.530/2004. Brasília, DF: SNJ, 2018. Disponível em: https://bibliotecadigital.mdh.gov.br/jspui/bitstream/192/219/1/ SNJ_atualização_plano_nacional_juventude_2018.pdf. Acesso em: 7 jul. 2020. NUCCI, G. Estatuto da criança e do adolescente comentado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. ONU – Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. UNIC/ Rio/005, jan. 2009. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/ DUDH.pdf. Acesso em: 7 jul. 2020. UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância. Convenção para os direitos da criança. Brasília: 2020. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos- da-crianca. Acesso em: 14 jul. 2020. 42 Direitos educacionais de crianças e adolescentes GABARITO 1. A principal mudança da Constituição Federal (BRASIL, 1988) no que tange aos direitos da criança e do adolescente é a doutrina da proteção integral. É dever do Estado, da sociedade e da família a proteção dos direitos fundamentais da criança e do adoles- cente. 2. A família tem um importante papel na proteção dos direitos fundamentais da criança e do adolescente; entretanto, nas hipóteses de violação ou abuso é possível a interven- ção do Estado no seio familiar, sendo passível, inclusive, de perda do poder familiar. 3. O acesso à educação básica da criança e do adolescente é realizado de modo obri- gatório e gratuito. Trata-se de uma obrigação do Estado garantir o desenvolvimento escolar das crianças e dos adolescentes. Relação entre criança, adolescente, escola e família 43 3 Relação entre criança, adolescente, escola e família Neste capítulo, estudaremos o direito à proteção das condições peculiares de desenvolvimento escolar da criança e do adolescen- te. É necessário atenção especial a essa temática, tendo em vista a responsabilidade conjunta da família, do Estado e da sociedade. Analisaremos, também, a responsabilidade da instituição de ensino. Para tanto, é importante verificar a maneira como é ofe- recida a educação e como é dividida a responsabilidade do Poder Público. Vamos examinar, ainda, a responsabilidade civil na hipóte- se de prática de ato ilícito que gere dano a outra pessoa durante o período em que estiver na escola. Por fim, estudaremos a responsabilidade da família em relação à criança e ao adolescente. Sobre essa questão, conheceremos os fundamentos para a responsabilidade na reparação civil do genitor por ato ilícito praticado pelos filhos menores e, em adição, a res- ponsabilidade no que tange à matrícula e às consequências da não observância desta obrigação. Com isso, podemos verificar a importância da proteção do de- senvolvimento da criança e do adolescente para a garantia dos seus direitos e para o seu pleno desenvolvimento escolar. A escola possui um importante papel na garantia dos direitos analisados a seguir. 44 Direitos educacionais de crianças e adolescentes 3.1 Condições peculiares de desenvolvimento escolar Vídeo Os direitos e as garantias da criança e do adolescente – conquista- dos após a doutrina da proteção integral, implementada com a Consti- tuição e positivada no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei n. 8.069/1990) – estabelecem três premissas básicas: respeito aos direi- tos, proteção integral e efetivação dos direitos fundamentais. Com isso, todos os diplomas legais que protegem a criança e o ado- lescente estabelecem uma proteção especial. Isso significa dizer que de- vem ser assegurados os seus direitos com absoluta prioridade, além de o Estado, a família e a sociedade serem responsáveis por preservá-los. Nesse sentido, a Constituição, em seu artigo 227, estabelece as con- dições que devem ser observadas para o seu pleno desenvolvimento: “à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionali- zação, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (BRASIL, 1988). Qualquer ato prejudicial ao desenvolvimento ideal deve ser imuni- zado e, por isso, preconiza-se o princípio da proteção integral. Além dos direitos assegurados a todos os indivíduos, as crianças e os adolescen- tes terão proteção especial que será constante e inalterável. Tanto as crianças quanto os adolescentes possuem o que chamamos de hiper- dignificação de suas vidas, isto é, qualquer obstáculo que possa gerar uma afronta e limitar o gozo dos seus bens ou direitos deve ser impe- dido; a proteção à vida deve ser maximizada. As crianças e os adolescentes são compreendidos como pessoas em condições peculiares de desenvolvimento. Esse conceito está es- tabelecido de modo claro no artigo 6º do ECA: “Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condi- ção peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvi- mento” (BRASIL, 1990a). Portanto, sempre que houver um conflito entre direitos de um adul- to e de uma criança ou um adolescente, o último deverá prevalecer. Inclusive, aplica-se o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente estabelecido no texto constitucional. Neste capítulo, quando mencionamos a Constituição Federal, toda a nossa discussão é voltada ao documento atual, de 5 de outubro de 1988. Já quando mencionamos o Estatuto da Criança e do Adolescente, nos referimos à Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, que está em vigência. Importante No que consiste a condição peculiar de desenvolvimento? Atividade 1 Relação entre criança, adolescente, escola e família 45 Com a observância da condição peculiar, considera-se que cada in- divíduo necessita de condições adequadas para se desenvolver. Assim, rompeu-se o paradigma da incapacidade, pois é necessário respeitar as peculiaridades de cada indivíduo. Do mesmo modo, o artigo 3º estabelece que: a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamen- tais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção in- tegral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e so- cial, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL, 1990a) Esses dispositivos devem ser interpretados de maneira conjunta sem- pre que for necessário. O parágrafo único do artigo 3º ainda deixa cla- ro que os direitos elencados devem ser aplicados sem discriminação de sexo, raça, etnia ou cor, religião, idade, nascimentoou condição familiar. Considera-se que o Estado, a família e a sociedade devem proteger as crianças e os adolescentes, visto que são indivíduos que necessitam de amparo e, como já mencionado, estão em condições peculiares de desenvolvimento. Nesse sentido, a escola possui um papel essencial na sua proteção e no seu desenvolvimento. A Constituição (1988) estabelece a garantia do direito fundamental à educação como um dos principais instrumentos para o desenvolvimen- to da criança e do adolescente. A educação básica possui regulação própria e deve observar os dispositivos legais do ordenamento jurídico brasileiro. A regulamentação que estabelece a educação básica é a Lei de Dire- trizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei 9.394/1996. Nela, está disciplinada de que forma se dará a educação escolar e quais proces- sos formativos devem ser observados e desenvolvidos. A educação também é legislada no Plano Nacional de Educação – Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014, que estabeleceu o PNE, o qual está sendo desenvolvido com a vigência de 10 anos com vistas ao cumpri- mento de metas nacionais para a área da educação (BRASIL, 2014a). Quando mencionamos a LDB, toda a nossa discussão é voltada à lei atual, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996). Importante 46 Direitos educacionais de crianças e adolescentes A relevância da educação na formação do ser humano é indiscu- tível, pois é necessária à capacitação para o trabalho e para a forma- ção como cidadão. A educação é uma das únicas formas de reduzir a desigualdade social e fomentar o desenvolvimento econômico. Quando se trata de crianças e de adolescentes, é necessário levar em consideração que as etapas de formação se estabelecem de maneiras distintas. Assim, o ensino é assegurado nos diversos níveis e respeitan- do o desenvolvimento de cada aluno, e a Constituição prevê a universa- lização da educação básica para garanti-la a todos os indivíduos. Além disso, sempre que existir a necessidade de se interpretar o que está disposto no ECA, a forma mais adequada será em prol da criança e do adolescente. O Poder Judiciário sempre deverá observar o que é mais benéfico para as pessoas em desenvolvimento. Ainda nesse sentido, a criança e o adolescente possuem todos os direitos aplicáveis em relação aos adultos, mas devem ser observados fatores como idade e grau de desenvolvimento físico e mental. Por- tanto, a aplicação desses direitos será desenvolvida em conformidade com a sua capacidade de autonomia e de discernimento. Como estabelece o artigo 6º do ECA, o conceito de condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento deve ser utilizado como critério em todas as interpretações dos direitos e das demais normas. Um exemplo que retrata essa interpretação é caso de guarda entre os pais: a guarda nunca será estipulada de modo a bene- ficiar os genitores, mas sempre será levada em consideração a melhor forma para a criança ou o adolescente. Desse modo, a Constituição, no seu artigo 205, estabelece de ma- neira clara o papel da educação no desenvolvimento do indivíduo: “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promo- vida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). O ECA estabelece no seu artigo 53 que é objetivo da educação o ple- no desenvolvimento da pessoa. O artigo 2º da LDB também elenca os Relação entre criança, adolescente, escola e família 47 mesmos objetivos; ambos priorizam, em todas as situa- ções, o melhor interesse da criança ou do adolescente. No que diz respeito às condições peculiares, po- demos elencar as hipóteses em que é necessária a acessibilidade para a educação dos alunos com defi- ciência. Nesse caso, deverá ser assegurada a acessi- bilidade plena em todas as esferas de ensino. A LDB estabelece essa questão nos termos do artigo 4º; na mesma direção é elaborado o Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015). Ambos os ordenamentos afir- mam que o acesso pleno é responsabilidade da escola. Os princípios norteadores dos direitos das crianças e dos adolescentes – princípio da prioridade absoluta e da prote- ção integral – devem ser lidos e interpretados em conjunto com o princípio da condição peculiar de desenvolvimento. Assim, o desenvolvimento escolar necessariamente observará ple- no desenvolvimento do aluno, garantindo o seu acesso ao ensino e à profissionalização. Deve-se, neste sentido, ressalvar as diferentes fases de desenvolvimento físico, psicológico, moral e social. Se a todas as crianças e os adolescentes é assegurado o acesso ao ensino básico, independentemente da sua situação, é dever do Estado a manutenção desse ensino. Entretanto, a sociedade e a família pos- suem importante papel na garantia dos direitos e deverão ser respon- sabilizados em determinadas situações. Um exemplo de responsabilidade da sociedade são casos em que ocorre suspeita de violação aos direitos fundamentais. Nessa situação, qualquer pessoa tem o dever de denunciar ao Conselho Tutelar mais próximo ou à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente. Todos são responsáveis por denunciar e proteger a criança e o adolescente, e é dever do dirigente do estabelecimento de ensino denunciar suspeitas de maus tratos da família, como estabelece o artigo 56 do ECA. Já quanto à responsabilidade da família, um exemplo é a obrigação de matrícula, na rede de ensino regular, por parte de pais ou responsáveis, es- tabelecido no artigo 55 do ECA. A família não pode deixar de cumprir a obri- gação, pois o não cumprimento pode acarretar a perda do poder familiar. Os direitos devem ser assegurados tendo em vista as condições peculiares de desenvolvimento escolar da criança e do adolescente. Monkey Business Ima ge/Sh utter stoc k A Professora Anelize Caminha discorre, no vídeo a seguir, sobre a evolução dos direitos da pessoa com deficiência. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=sobI_ tCFLUw&t=3s. Acesso em: 6 ago. 2020. Vídeo Segundo o Estatuto da Pessoa com Deficiência, “a educação constitui direito da pessoa com deficiên- cia, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendi- zado ao longo de toda a vida” (BRASIL, 2015). Com base nessa premissa, leia os artigos 27 a 30 desse estatuto e reflita se os direitos são efetivados na comunidade em que você vive. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2015-2018/2015/lei/l13146. htm. Acesso em: 4 ago. 2020. Desafio 48 Direitos educacionais de crianças e adolescentes 3.2 Responsabilidade da instituição de ensino Vídeo Como visto anteriormente, a educação possui papel importante na formação do indivíduo. Devido a essa importância, a instituição de en- sino é responsável por garantir a efetividade da educação. A Constituição, além de estabelecer que a educação atua de manei- ra essencial no desenvolvimento da pessoa, estabelece os princípios básicos que serão observados no fornecimento do ensino, previstos no artigo 206: I. igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II. liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensa- mento, a arte e o saber; III. pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV. gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V. valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI. gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII. garantia de padrão de qualidade. VIII. piso salarial profissional nacional para os profissionais da edu- cação escolar pública, nos termos de lei federal. (BRASIL, 1988) A instituição de ensino é responsável pelo aluno e por garantir sua integridade físicaenquanto estiver com a guarda dele. Ao receber o aluno no estabelecimento, a escola se torna responsável por cumprir todos os objetivos educacionais estabelecidos na Constituição. Desse modo, segundo o artigo 208, é dever do Estado a garantia de: I. educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (de- zessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; II. progressiva universalização do ensino médio gratuito; III. atendimento educacional especializado aos portadores de defi- ciência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV. educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; V. acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da cria- ção artística, segundo a capacidade de cada um; VI. oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII. atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, A guarda da escola acontece no momento em que a escola está com a posse de fato do aluno. Ou seja, sob a vigilância da instituição de ensino. Atenção Relação entre criança, adolescente, escola e família 49 por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. ( BRASIL, 1988) O acesso ao ensino é um direito público subjetivo e, desta forma, deverá ser obrigatório e gratuito. Caso não tenha sido ofertado ou a oferta pelo Poder Público seja irregular, a autoridade competente será responsabilizada. Todas as crianças e os adolescentes devem ingressar no ensino básico e ter pleno acesso a ele. Dessa forma, o parágrafo terceiro do artigo 208 da Constituição es- tabelece que é responsabilidade do Poder Público recensear os alunos pela frequência escolar e fazer a sua chamada e zelo em conjunto com pais e responsáveis. As escolas privadas podem oferecer o ensino de maneira livre, des- de que cumpram as normas gerais da educação nacional e sua qualida- de seja avaliada e autorizada pelo Poder Público. Portanto, deverão ser respeitados os conteúdos mínimos fixados e assegurada a formação básica comum. É de responsabilidade da instituição de ensino o respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. Em relação a esse aspecto, determina-se, na Constituição, que o Ensino Religioso será de matrícula facultativa e oferecido nos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, como estabelece o artigo 210. É estabelecido, ain- da, que o ensino fundamental será ministrado em língua portuguesa; para as comunidades indígenas, no entanto, são assegurados a apren- dizagem em língua materna e projetos próprios. A ordem de colaboração do sistema de ensino entre União, estados, Distrito Federal e municípios é estabelecida no texto constitucional. A União possui a responsabilidade de organizar todo o sistema de ensi- no federal e dos territórios. Além disso, deve financiar as instituições de ensino públicas federais e possuir função redistributiva e supletiva em matéria educacional para garantir a equalização de oportunidades educacionais e o padrão mínimo de qualidade de ensino. Ressalta-se que a União deve, por meio de assistência técnica e fi- nanceira, assistir estados, Distrito Federal e municípios. É estabelecido, na Constituição, que os municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil; já os estados e o Distrito Federal, no ensino fundamental e médio. Entretanto, deve haver a colaboração recensear: relacionar, por em lista, arrolar. Glossário Recomenda-se a leitura do texto Educação: o que é responsabilidade do município?, do portal Po- litize!. A análise do texto é essencial, pois mostra a distinção da obrigação de oferta do ensino regular do Poder Público brasileiro. Disponível em: https://www. politize.com.br/educacao-no- municipio/. Acesso em: 6 ago. 2020. Leitura 50 Direitos educacionais de crianças e adolescentes de todos com o objetivo de garantir a universalização do ensino obriga- tório; o ensino regular terá atendimento prioritário na educação básica. Relativamente à esfera civil, a escola, ao se tornar responsável pela guarda e pela integridade física do aluno, também se torna responsá- vel por qualquer dano material ou moral enquanto o aluno estiver no seu estabelecimento. Nesta situação, podemos utilizar o Código Civil no que tange à responsabilidade civil. Seu artigo 927 estabelece que aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Assim, o seu parágrafo único estabele- ce que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (BRASIL, 2002) Portanto, toda pessoa que praticar algo que cause danos a outra e viole um direito deverá reparar o dano que causou. No caso das esco- las e em relação aos alunos, verifica-se que a instituição escolar tem o dever de guarda e de zelo, logo são responsáveis pela reparação civil sempre que acontecer algo na sua dependência. Neste sentido, o artigo 932 afirma que “são também responsáveis pela reparação civil: [...] os donos de hotéis, hospedarias, casas ou esta- belecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de edu- cação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos” (BRASIL, 2002). A reparação civil consiste na obrigação de reparar o dano pelo ato ilícito praticado e pode ser por dano material, moral ou estético. Com a leitura dos artigos elencados, pode-se perceber que as esco- las são responsáveis pela reparação civil mesmo que o ato seja prati- cado por um educando, isto é, um aluno. Qualquer acontecimento que ocorra dentro do estabelecimento educacional é responsabilidade da instituição, que também deverá reparar os danos. Nos julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é possível perce- ber que, mesmo em condutas omissivas, a responsabilidade da institui- ção de ensino é objetiva. Veja um exemplo na jurisprudência a seguir: Quando mencionamos o Código Civil, toda a nossa discussão é voltada à lei atual, de 10 de janeiro de 2002. Importante art. 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negli- gência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. art. 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede mani- festamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (BRASIL, 2002). Lei Em qual situação a instituição de ensino poderá ser responsabi- lizada por ato praticado pelo aluno? Atividade 2 dano material: ocorre quando o ato ilícito acarreta prejuízo ou perda patrimonial a alguém. dano moral: ocorre quando o ato ilícito ofende bens de ordem moral de uma pessoa que gerem abalo à imagem, à honra, à imagem etc. dano estético: ocorre quando o ato ilícito causa deformação humana externa ou interna. Glossário Relação entre criança, adolescente, escola e família 51 Jurisprudência ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. AFOGAMENTO DE ADOLESCENTE. ALUNA DE COLÉGIO ESTADUAL EM EX- CURSÃO ESCOLAR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CONDUTAS COMISSIVAS E OMISSIVAS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REVISÃO. POSSIBILIDADE IN CASU. PRECEDENTES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ADEQUAÇÃO EM RAZÃO DA REDUÇÃO DA VERBA INDENIZATÓRIA. JULGAMENTO ULTRA PETITA NÃO CONFIGURADO. I. Na origem, trata-se de ação de reparação por danos morais e mate- riais em decorrência de falecimento de filha, menor de idade, dos au- tores da demanda, enquanto sob a tutela de profissionais de escola estadual. II. Decisão de 1º Grau de procedência da ação, posteriormente modificada em sede recursal, com a redução do valor fixado a título de indenização por da- nos morais, com a consequente minoração da condenação doente estatal em verba honorária. III. A pretensão de revisão da verba indenizatória fixada na origem só tem per- tinência no âmbito do recurso especial, nos moldes dos precedentes do STJ, em situações excepcionais: quando irrisória ou exorbitante, sob pena de malferimento à Súmula 7/STJ. IV. A redução da verba indenizatória por danos morais efetuada pelo Tribunal a quo em grau recursal, de fato se mostra destoante do que vem sendo fixada ou mantida por esta Corte em casos análogos, diante da situação específica dos autos. Precedentes jurisprudenciais que permitem a preten- dida revisão. V. Acolhida a pretensão, no sentido de majorar a verba indenizatória por da- nos morais, adequando-a aos valores estabelecidos pela jurisprudência do STJ. Dissídio jurisprudencial configurado. VI. No que diz respeito à alegação de julgamento ultra petita relativamente à redução da verba honorária determinada pelo acórdão recorrido, o recurso não merece acolhida, considerando que o decisum apenas procedeu ao ajustamento da verba diante da factível redução da indenização por danos morais na ocasião. VII. Agravo conhecido para dar parcial provimento ao recurso especial, somen- te no que diz respeito à majoração da verba indenizatória por danos morais. Fonte: Brasil, 2020, grifos nossos. Nesse caso, verifica-se que a escola foi responsabilizada pelo fale- cimento de uma aluna que estava sob a sua tutela. Na situação julga- da, a aluna estava em uma excursão escolar, portanto, não aconteceu nas dependências da escola. Entretanto, da mesma forma, levando em consideração que o passeio estava sob a tutela dos profissionais da 52 Direitos educacionais de crianças e adolescentes instituição de ensino, a escola foi condenada sob o fundamento da res- ponsabilidade objetiva. Em um outro caso, mas no mesmo sentido, o STJ decidiu: Jurisprudência ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE FILHO MENOR. CHOQUE ELÉTRICO EM EQUIPAMENTO DE ESCOLA PÚBLICA. FUNDA- MENTO CONSTITUCIONAL NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 126/STJ. REVISÃO DO VALOR DA CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS. INEXISTÊNCIA DE EXORBITÂN- CIA. SÚMULA 7/STJ. 1. Cuida-se, na origem, de demanda reparatória de danos morais e ma- teriais ajuizada pelos pais de criança que veio a óbito causado por choque elétrico em bebedouro instalado nas dependências da Escola Básica Estadual Marina Vieira Leal. 2. O Tribunal a quo manteve a sentença de parcial procedência e, no que concerne ao reconhecimento da responsabilidade civil do Estado, adotou fundamentação constitucional não impugnada pelo Recurso Ex- traordinário cabível, o que atrai o óbice da Súmula 126/STJ: “É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário”. 3. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, ressalvadas as hipóte- ses de irrisoriedade ou de exorbitância, não se pode revisar, em Recurso Especial, o valor da condenação por danos morais (Súmula 7/STJ). 4. In casu, não há como reconhecer, de plano, que houve exorbitância na condenação em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), em favor de cada um dos pais, pela morte de filho menor. 5. Agravo Regimental não provido. Fonte: Brasil, 2014b, grifos nossos. Nesse segundo caso, o aluno estava nas dependências da institui- ção de ensino e tomou um choque elétrico ao utilizar o bebedouro, fato que o levou a óbito. Tendo em vista a responsabilidade objetiva da escola, a instituição foi condenada ao pagamento de danos mo- rais e materiais. Na responsabilidade civil, temos o modelo dualista, que se trata de duas formas de imputar a responsabilidade ao agente causador do dano: as formas subjetiva e objetiva. A forma subjetiva demanda ave- riguar a culpa do agente, isto é, verifica-se a vontade de praticar o ato ilício que gerou o dano. Já a forma objetiva consiste em hipóteses inde- pendentemente da culpa, ou seja, da vontade do agente. Nessa última Relação entre criança, adolescente, escola e família 53 forma, o Código Civil estabelece quem possui a obrigação de reparação no caso de dano a outrem. Ressalta-se que não é verificada a culpabili- dade do agente. No mesmo sentido, o Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990b) estabelece que, no fornecimento de serviços ou produtos, a res- ponsabilidade pelo dano decorrente da sua atividade é objetiva. Tanto no Código de Defesa do Consumidor quanto no Código Civil, as institui- ções de ensino são responsáveis por qualquer dano causado dentro do seu estabelecimento ou durante a sua vigilância. O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor ainda estabelece que o fornecedor de serviços responde, independentemente da exis- tência de culpa, pela reparação dos danos causados aos con- sumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos (BRASIL, 1990b). A lei compreende que, nessas situações, o risco da atividade econô- mica é assumido e responde-se objetivamente por todos os danos cau- sados decorrentes dela. Podemos classificar como responsabilidade civil objetiva atos de terceiros, que, pela doutrina, também é denomina- da responsabilidade civil indireta. Neste contexto, é adotada a teoria do risco, pois, como visto ante- riormente, independe da culpa. Ainda que não seja culpa da escola, ela deverá responder pelos atos ali praticados. Entretanto, destaca-se que é necessária a prova da culpa dos res- ponsáveis pelo ato ilícito, ou seja, do aluno que praticou o ato. Assim, qualquer dano ocorrido sob a res- ponsabilidade da escola deverá ser reparado por ela. São exemplos ca- sos de agressão física, acidentes so- fridos nas dependências etc. A responsabilidade da escola se limita ao período em que está com a guarda e o zelo do aluno. Nas de- mais hipóteses, a responsabilidade cabe aos genitores – como vamos atestar na próxima seção. Da ni el M E rn st /S hu tte rs to ck Durante o período em que a criança ou o adolescente estiver na escola, não será de responsabilidade dos genitores os atos praticados por seus filhos, pois, para eles, não é possível exercer efetivamente a guarda. 54 Direitos educacionais de crianças e adolescentes 3.3 Responsabilidade da família Vídeo A responsabilidade da família, assim como a responsabilidade da escola, também é objetiva; aplica-se, igualmente, a responsabilidade objetiva indireta. Assim, é necessário provar a culpa do filho para efeti- vamente responsabilizar seus genitores. Quando se trata de tutores, é aplicável a mesma regra da responsa- bilidade objetiva, como lecionado no artigo 932 do Código Civil: são também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua com- panhia; II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições (BRASIL, 2002). Sempre que os filhos ou pupilos praticarem um ato ilícito, a respon- sabilidade será objetiva dos pais ou tutores, como leciona o artigo 933: “as pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos” (BRASIL, 2002). Em outras palavras, haverá a res- ponsabilidade civil por fato de terceiro. Os representantes deverão responder com o seu patrimônio, pois a sua responsabilidade é subsidiária. O incapaz só responderá pelo pre- juízo causado se os seus responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não possuírem recursos suficientes, como disposto no artigo 928. A indenização, vale ressaltar, será arbitrada de maneira equitati- va, ou seja, em um valor que não prive a subsistência do incapaz e de quem depender dele economicamente, como estabelece o artigo 928 no seu parágrafo único: “a indenização prevista neste artigo, que de- verá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessárioo incapaz ou as pessoas que dele dependem” (BRASIL, 2002). Desse modo, pode-se concluir que o incapaz só será responsável pela indenização se os seus responsáveis não tiverem a obrigação, como no caso de responsabili- dade da instituição de ensino ou de terceiro que estava em vigilância. Nesse mesmo sentido, estabelece o Enunciado 40 da I Jornada de Direito Civil, artigo 928: o incapaz responde pelos prejuízos que causar de maneira sub- sidiária ou excepcionalmente, como devedor principal, na hipó- tese do ressarcimento devido pelos adolescentes que praticarem subsidiária: acontece quando o primeiro devedor não consegue cumprir a obrigação. Nesses casos, o responsável subsidiário responde. Glossário Art 928: “o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes” (BRASIL, 2002). Lei Relação entre criança, adolescente, escola e família 55 atos infracionais, nos termos do art. 116 do Estatuto da Criança e do Adolescente, no âmbito das medidas socioeducativas ali pre- vistas. (CJF, 2002a) Se o ato ilícito for considerado um ato infracional – aqueles elencados na legislação penal –, o próprio adolescente deverá responder pelos pre- juízos que causar. Fala-se em adolescente, pois a responsabilidade, nesse caso, recai sobre aqueles que possuem entre 12 e 18 anos de idade. Outra exceção encontra-se na hipótese de emancipação – como es- tabelece o artigo 5, parágrafo único, I, do Código Civil –, única em que é possível a responsabilidade solidária entre os pais e o menor de 18 anos, como afirma o Enunciado n. 41, I Jornada de Direito Civil (CJF, 2002b). Essa situação se estabelece para que a emancipação não seja utilizada para eximir os pais ou responsáveis do dever de zelo e de guarda. Em relação à responsabilização dos genitores, o Enunciado 590 da VII Jornada de Direito Civil (CJF, 2015) afirma que a responsabilidade dos pais pelos atos dos filhos menores – prevista no artigo 932, inciso I, do Código Civil –, embora objetiva, pressupõe a demonstração de que a conduta imputada ao menor, caso fosse ao agente imputável, seria hábil para a sua responsabilização. Em outras palavras, a responsabi- lidade dos pais ocorre apenas caso a conduta praticada pelo filho seja passível de responsabilização, portanto é necessário que se prove o nexo causal entre o ato ilícito e o dano. A regra geral, conforme o Código Civil, artigo 932, II, é que, quando a criança ou o adolescente pratica um ato ilícito que cause danos a outrem, a responsabilidade de indenizar é dos genitores. Em um jul- gado REsp 1.436.401 (BRASIL, 2017), por exemplo, foi decidido que o responsável pelo incapaz deverá reparar os anos causados pelos seus atos ilícitos. Nesse mesmo julgado, foi decidido que a reparação será de modo substitutivo, exclusivo e não solidário, inexistindo litisconsórcio ne- cessário entre eles. Em outras palavras, apenas o responsável deverá responder pela indenização, e o patrimônio do incapaz não será afeta- do – salvo nas hipóteses em que o responsável não tem condições de arcar com a indenização. Ainda, o litisconsórcio não é necessário, pois a vítima não é obrigada – nem por lei e nem pela relação jurídica – a ingressar com o pedido de Todos os anos, o Conselho da Justiça Federal (CJF) realiza as Jornadas de Direito Civil, nas quais os participantes propõem e aprovam enunciados que servem como referência para julgados e para a doutrina do direito brasileiro. Curiosidade Em quais hipóteses os pais são responsáveis pelos atos ilícitos praticados pelos filhos menores de 18 anos? Atividade 3 REsp: sigla para Recurso Especial. litisconsórcio: ocorre quando duas ou mais pessoas estão no mesmo polo da demanda, ou seja, no processo judicial existem dois ou mais autores e dois ou mais réus. Glossário 56 Direitos educacionais de crianças e adolescentes reparação civil contra o incapaz e o responsável. Isso só poderá acon- tecer por faculdade, formando, assim, um litisconsórcio facultativo e não necessário. Desse modo, vale dizer que a responsabilidade do incapaz é subsi- diária, apenas na impossibilidade de seu responsável. Além de “condi- cional, mitigada e equitativa”, pois a indenização não pode ultrapassar o limite humanitário de seu patrimônio, nem privá-lo do mínimo neces- sário para a sobrevivência digna (BRASIL, 2017). Esse entendimento se aplica mesmo que o incapaz não esteja sob a sua companhia, pois decorre do poder familiar. Logo, não é possível afas- tar a sua responsabilidade, ainda que não esteja com a guarda do filho. Entretanto, a doutrina se divide quanto a esse posicionamento, pois, como explica Tartuce (2019), o pai que não tem a guarda do filho não pode ser responsabilizado, uma vez que, para isso, é necessário tê-lo em sua guarda e companhia. O Superior Tribunal de Justiça também decidiu dessa forma no REsp 1.232.011 (BRASIL, 2016). Nesse caso, a mãe não residia no mesmo local que o filho, apenas o pai possuía de fato autoridade. Portanto, embora ainda tenha o poder familiar sobre o filho, não foi responsabilizada pela reparação civil advinda do ato ilícito. Sobre este tipo de situação, foi aprovado, na V Jornada de Direito Civil, o enunciado 450: Considerando que a responsabilidade dos pais pelos atos dano- sos praticados pelos filhos menores é objetiva, e não por culpa presumida, ambos os genitores, no exercício do poder familiar, são, em regra, solidariamente responsáveis por tais atos, ainda que estejam separados; ressalvado o direito de regresso em caso de culpa exclusiva de um dos genitores. (CJF, 2011) Como dito anteriormente, no entanto, os tribunais se posicionam de maneira diversa. Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça adotou o posição contrária ao seu próprio posicionamento em outro julgamen- to, como podemos observar a seguir: poder familiar: autoridade pa- rental que os genitores possuem em relação ao seus filhos. Glossário A obra Direito Civil: Direito das Obrigações e Respon- sabilidade Civil, de Flávio Tartuce, desenvolve o estudo sobre a responsa- bilidade dos pais que não estão com a guarda de fato do filho no momento da prática do ato infra- cional. Recomenda-se a leitura. TARTUCE, F. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. v. 2. Livro Relação entre criança, adolescente, escola e família 57 Jurisprudência DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO ENVOL- VENDO MENOR. INDENIZAÇÃO AOS PAIS DO MENOR FALECIDO. ENTENDIMEN- TO JURISPRUDENCIAL. REVISÃO. ART. 932, I, DO CÓDIGO CIVIL. 1. A responsabilidade dos pais por filho menor – responsabilidade por ato ou fato de terceiro –, a partir do advento do Código Civil de 2002, passou a embasar-se na teoria do risco para efeitos de indenização, de forma que as pessoas elencadas no art. 932 do Código Civil respondem objetivamen- te, devendo-se comprovar apenas a culpa na prática do ato ilícito daquele pelo qual são os pais responsáveis legalmente. Contudo, há uma exce- ção: a de que os pais respondem pelo filho incapaz que esteja sob sua autoridade e em sua companhia; assim, os pais, ou responsável, que não exercem autoridade de fato sobre o filho, embora ainda dete- nham o poder familiar, não respondem por ele, nos termos do inciso I do art. 932 do Código Civil. 2. Na hipótese de atropelamento seguido de morte por culpa do condutor do veículo, sendo a vítima menor e de família de baixa renda, é devida indenização por danos materiais consistente em pensionamento mensal aos genitores do menor falecido, ainda que este não exercesse atividade remunerada, visto que se presume haver ajuda mútua entre os integran- tes dessas famílias. 3. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa parte, provido também parcialmente. Fonte: Brasil, 2016, grifos nossos. Nesse caso, entendeu-se que o genitor não possuía a autoridade de fato sobre o filho no momento do ato ilícito, por isso não poderia ser responsabilizadopelo dano causado. O genitor não seria capaz de impedir o ato ilícito, visto que não estava em sua companhia. Assim, podemos concluir que os tribunais adotam posicionamen- tos contrários no que diz respeito à responsabilidade dos genitores que não estão com a guarda do filho no momento da prática do ato ilícito. O que se pode verificar é que, em regra, quando ambos os ge- nitores possuem condições de impedir a prática do ato ilícito, os dois são responsabilizados. Só não se responsabiliza nos casos em que é efetivamente comprovado que o genitor não tinha condições de im- pedir a sua prática. No que se refere à responsabilidade dos pais em relação à educa- ção dos seus filhos, observa-se que é obrigatória a matrícula durante a idade escolar. Desta forma, estabelece o artigo 55 do ECA que “os pais 58 Direitos educacionais de crianças e adolescentes ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino” (BRASIL, 1990a). A falta dessa obrigação pode ensejar, inclusive, em abandono inte- lectual, que tem como consequência a perda do poder familiar, confor- me estabelece o artigo 1.638 do Código Civil: “perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: [...] II – deixar o filho em abandono” (BRASIL, 2002). A perda ocorre apenas após processo judicial, no qual será assegurado o contraditório e a ampla defesa dos genitores, bem como será ouvido o Ministério Público. Nesta situação, verifica-se a interferência do Poder Público no seio familiar, de modo a, em situações de total abandono e desamparo da família, retirar a criança e o adolescente dos seus genitores. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, verificou-se que todas as crianças e adolescentes de- vem ter preservadas suas condições peculiares de desenvolvimento. No que tange ao desenvolvimento escolar, observa-se que também são apli- cáveis as condições peculiares, carecendo da proteção integral e da prio- ridade absoluta. Analisou-se, ainda, a responsabilidade das instituições de ensino. Pri- meiramente, conferiu-se a responsabilidade do Poder Público e da rede particular no oferecimento do ensino básico. Com isso, concluiu-se que ambos devem ofertar um ensino de qualidade e necessitam fazê-lo de maneira acessível a todos os alunos. Depois, tratou-se da responsabilidade civil por atos ilícitos praticados durante o período de guarda e zelo da escola. A instituição de ensino, como regra geral, deverá ser responsabilizada pelos atos praticados pelos alunos durante o momento em que estiver sob seus cuidados. Por fim, conferiu-se a responsabilidade da família em relação à criança e ao adolescente. Os genitores ou os tutores respondem objetivamente por qualquer ato ilícito praticado pelo menor. Entretanto, a doutrina se divide quanto à responsabilidade do genitor ou guardião que não estava com a guarda de fato no momento da prática do ato ilícito. Relação entre criança, adolescente, escola e família 59 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm. Acesso em: 7. ago. 2020. BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 16 jul. 1990a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069. htm. Acesso em: 7 ago. 2020. BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 12 set. 1990b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l8078compilado.htm. Acesso em: 7 ago. 2020. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394. htm. Acesso em: 7 ago. 2020. BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/ l10406.htm. Acesso em: 7 ago. 2020. BRASIL. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014a. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 26 jun. 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em: 7 ago. 2020. BRASIL. Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 7 jul. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 13 jul. 2020. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp n. 388.401 SC 2013/0287457- 9. Diário da Justiça, 6 mar. 2014b. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1280898&num_ registro=201302874579&data=20140306&formato=PDF. Acesso em: 7 ago. 2020. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. ReEsp. n. 1.232.011 SC 2011/0008175- 0. Diário da Justiça, 4 fev. 2016. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=56827636&num_ registro=201100081750&data=20160204&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 7 ago. 2020. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.436.401 MG 2013/0351714-7. Diário da Justiça, 16 mar. 2017. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=70252695&num_ registro=201303517147&data=20170316&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 7 ago. 2020. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AREsp. n. 1.635.896 PR 2019/0367350- 2. Diário da Justiça, 9 jun. 2020. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=109396946&num_ registro=201903673502&data=20200609&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 7 ago. 2020. CJF – Conselho da Justiça Federal. Enunciado 40. In: I Jornada de Direito Civil, 2002a. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/702. Acesso em: 7 ago. 2020 CJF – Conselho da Justiça Federal. Enunciado 41. In: I Jornada de Direito Civil, 2002b. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/710. Acesso em: 7 ago. 2020. CJF – Conselho da Justiça Federal. Enunciado 450. In: V Jornada de Direito Civil, 2011. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/381#:~:text=Considerando%20que%20 a%20responsabilidade%20dos,de%20regresso%20em%20caso%20de. Acesso em: 7 ago. 2020. CJF – Conselho da Justiça Federal. Enunciado 590. In: VII Jornada de Direito Civil, 2015. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/840. Acesso em: 7 ago. 2020. TARTUCE, F. Direito Civil: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. v. 2. 60 Direitos educacionais de crianças e adolescentes GABARITO 1. A condição peculiar de desenvolvimento significa compreender que a criança e o ado- lescente terão todas as suas fases de desenvolvimento físico, psíquico, moral e social observadas, garantindo-se a proteção integral e a prioridade absoluta dos seus direi- tos. 2. A instituição de ensino poderá ser responsabilizada nas hipóteses em que ela estiver com a guarda e o zelo da criança ou do adolescente, ainda que não esteja nas suas dependências, mas sob a sua responsabilidade. 3. Os genitores serão responsabilizados de maneira objetiva pelos atos ilícitos pratica- dos pelos filhos menores de 18 anos. Entretanto, a doutrina é divergente quanto à responsabilidade de quem está com a guarda de fato do filho ou dos genitores. Direito ao desenvolvimento escolar 61 4 Direito ao desenvolvimento escolar Neste capítulo, serão analisadas questões importantes do âm- bito escolar. Nos últimos anos, houve diversas mudanças no que tange ao direito das crianças e dos adolescentes com deficiência, desde a modificação do conceito de pessoa com deficiência até uma mudança de paradigma. Desse modo, será estudada a evolução dos direitos das pes- soas com deficiência e os conceitos mais importantes para a sua proteção e participação plena e efetiva na sociedade.Para tanto, é necessária a atuação de todos e a implementação das regras de acessibilidade. Também serão analisados a acessibilidade e o sistema educa- cional inclusivo. A educação é uma das principais formas de incluir a pessoa com deficiência na sociedade, portanto é necessária atenção específica. O ordenamento jurídico brasileiro estabelece diversas regras para a inclusão plena da criança e do adolescente com deficiência no ambiente escolar. Por fim, serão estudados o bullying e o cyberbullying. É preciso compreender esses conceitos e como é atribuída a responsabili- dade por suas consequências. Os pais e a instituição de ensino de- vem atuar em conjunto a fim de impedir condutas violentas. Assim, será apresentada a legislação brasileira sobre esse tema. 4.1 Direito das crianças e dos adolescentes com deficiênciaVídeo Os direitos das pessoas com deficiência evoluíram de maneira signi- ficativa nos últimos anos. Consequentemente, os direitos das crianças e dos adolescentes com deficiência também evoluíram. 62 Direitos educacionais de crianças e adolescentes As pessoas com deficiência foram tratadas de quatro formas distin- tas ao longo da história. Em um primeiro momento, foram vistas com intolerância; em algumas culturas, os bebês que nasciam com deficiên- cia eram inclusive sacrificados. Em um segundo momento, passaram a ser tratadas de maneira invisí- vel, isto é, não tinham qualquer assistência, mas também não eram mais sacrificadas. No terceiro momento, iniciou-se uma fase assistencialista, de- corrente principalmente do contexto pós-guerras mundiais, em que a defi- ciência passou a ser considerada uma doença, um modelo médico. Atualmente, a humanidade está pautada na quarta fase, a da valo- rização dos direitos humanos, na qual a sociedade precisa trabalhar em conjunto a fim de eliminar as barreiras existentes e promover o seu pleno exercício de direitos. Contudo, se existir a necessidade de alterar alguns paradigmas no cenário internacional, para efetivar a garantia do seu pleno desenvolvimento, podem ser realizadas modificações. A Figura 1 sintetiza a evolução dessas quatro fases. Figura 1 Evolução dos direitos das pessoas com deficiência Intolerância Assistencialista Invisível Valorização dos direitos humanos Fonte: Elaborada pela autora. A alteração de paradigmas e o início da fase de valorização dos di- reitos humanos teve início com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2009) – promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) – e seu protocolo facultativo, as- sinado em Nova Iorque no ano de 2007. Alguns anos após, em virtude de uma grande pressão internacional da ONU, o Brasil implementou, no ano de 2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD). No Brasil, os direitos das pessoas com deficiência já eram garanti- dos na Constituição. Entretanto, houve uma importante mudança no ordenamento jurídico brasileiro após a Convenção, pois ela foi com- preendida com status de emenda constitucional, conforme o artigo 5º, parágrafo 3º da Constituição. Em outras palavras, a Convenção Interna- cional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência tem no Brasil for- Qual é a principal mudança nos direitos das pessoas com deficiência no que tange ao modelo atual? Atividade 1 O Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD), também chamado de Lei Brasileira de Inclusão, é instituído por meio da Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015. Lei Neste capítulo, quando mencio- namos a Constituição Federal, toda a nossa discussão é voltada ao documento atual, de 5 de outubro de 1988. Importante Direito ao desenvolvimento escolar 63 ça normativa de Constituição Federal e, dessa forma, deve prevalecer no conflito com todas as demais normas. O regime de tutela das pessoas com deficiência migrou do refe- rencial dignidade-vulnerabilidade para o da dignidade-igualdade ou dignidade-inclusão (TARTUCE, 2016). Assim, adotou-se o critério socioló- gico, em que a deficiência é considerada conforme a sociedade em que está inserida. Com isso, abandonou-se o antigo modelo assistencialista, que considerava a pessoa com deficiência vulnerável ao observar a sua inclusão social. O número de pessoas com deficiência no mundo é expressivo. O re- latório apresentado pelas Nações Unidas aponta que em 2018 existiam mais de 1 milhão de pessoas com deficiência (ONU, 2018). No Brasil, segundo o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Es- tatística (IBGE) de 2010, pelo menos 24% da população brasileira possui alguma deficiência. Nesse último percentual, o IBGE dividiu da seguinte maneira: pes- soas que em razão da deficiência não conseguem realizar nenhuma atividade; pessoas que possuem grande dificuldade; e pessoas com al- guma dificuldade. É possível verificar esses dados no Gráfico 1. Gráfico 1 Dados sobre pessoa com deficiência (IBGE, 2010) 50.000.00 45.000.00 40.000.00 35.000.00 30.000.00 25.000.00 20.000.00 15.000.00 10.000.00 5.000.00 0 4.196.539 10.963.109 45.617.878 45.606.048 Pessoas com deficiência não consegue de modo algum Pessoas com deficiência grande dificuldade Pessoas com deficiência alguma dificuldade Pessoas com deficiência total 35.000.00 30.000.00 25.000.00 20.000.00 15.000.00 10.000.00 5.000.00 0 50 6. 37 7 5. 46 5. 21 9 29 .2 11 .4 82 34 4. 20 5 73 4. 42 0 1. 79 8. 96 4 3. 69 8. 92 6 7. 57 4. 14 9 8. 83 2. 24 7 2. 61 1. 53 7 Não consegue de modo algum Grande dificuldade Alguma dificuldade Visual Auditiva Física Intelectual Pessoas com deficiência no Brasil por grau de dificuldades – IBGE 2010 Deficiência por modalidade e graus de dificuldade – BRASIL Fonte: Brasil, 2019. 64 Direitos educacionais de crianças e adolescentes Ainda no Censo de 2010, além da divisão por grau de dificuldade, houve a divisão por modalidade de deficiência. Com base no levanta- mento, pode-se verificar o número de pessoas com deficiência visual, auditiva, física e intelectual. Assim, é possível direcionar de maneira mais assertiva as políticas inclusivas. A principal mudança em relação aos direitos – com base na Con- venção e no EPD – é a do conceito de pessoa com deficiência. O EPD, em seu artigo 2º, afirma que: considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedi- mento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igual- dade de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2015a). Com base na definição do EPD, podemos verificar que se deixou de lado o modelo médico de deficiência, no qual a pessoa era classificada como tal por meio de um laudo médico com a CID (Classificação Inter- nacional de Doenças) correspondente. Atualmente, a pessoa com de- ficiência é aquela que não consegue viver em sociedade em condições de igualdade, tendo em vista as diversas barreiras existentes. Nesse sentido, é importante refletir sobre a readaptação da sociedade para eliminar essas barreiras. O EPD implementou a garantia de direitos fundamentais às pes- soas com deficiência de maneira objetiva. Os direitos sociais garanti- dos no artigo 6º da Constituição – como educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança e previdência social – precisam de efetiva implementação; o EPD tem como objetivo efetivar essa proteção. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), embora anterior à Convenção e ao EPD, estabelece que não haverá qualquer discrimina- ção ao gozo dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes com deficiência, como dispõe o seu artigo 3º, parágrafo único. Em seu artigo 11, também está previsto o acesso integral ao Sistema Único de Saúde (SUS), respeitando suas necessidades. No que tange à proteção da criança e do adolescente, verificamos que as pessoas até os 16 anos são consideradas absolutamente incapa- zes; já aqueles entre16 e 18 anos são relativamente incapazes. Quando se trata de maiores de 18 anos, nos casos de falta de discernimento A série Special, dispo- nível na plataforma de streaming Netflix, retrata a vida de um jovem gay com paralisia cerebral. A narrativa é interessante, pois demonstra as dificul- dades cotidianas desse jovem e como a socieda- de lida com as diferentes barreiras encontradas ao longo da vida dele. Criação: Ryan O’Connell. Estados Unidos: Netflix, 2019. Série Quando mencionamos o Estatu- to da Criança e do Adolescente, referimo-nos à Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, a qual está em vigência. Importante Direito ao desenvolvimento escolar 65 ou discernimento reduzido, é possível recorrer à proteção jurídica da curatela ou da tomada de decisão apoiada. No que se refere à representação da criança ou do adolescente com ou sem deficiência para os atos da vida civil, não há diferença. Todas as pessoas, independentemente de terem deficiência, são representadas até os 16 anos e assistidas entre os 16 e 18 anos de idade. Outra importante mudança decorrente do EPD é a avaliação reali- zada na criança ou no adolescente com deficiência. No novo paradig- ma, não se utiliza apenas a avaliação médica, mas sim uma avaliação biopsicossocial, como estabelece o artigo 2º, § 1º do EPD. Na avaliação, são elencados os seguintes fatores: “I. os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II. os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III. a limitação no desempenho de atividades; e IV. a restrição de participação” (BRASIL, 2015a). O tratamento dispensado em relação à pessoa com deficiência deve ser realizado de maneira personalizada, buscando diminuir as barrei- ras existentes na sociedade em que essa pessoa vive. Para tanto, a legislação estabeleceu conceitos importantes para ga- rantir que os direitos das crianças e dos adolescentes sejam atendidos, os quais são elencados no Quadro 1. Quadro 1 Elementos fundamentais para a garantia dos direitos das pessoas com deficiência “Possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida.” ACESSIBILIDADE “Concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específico, incluindo os recursos de tecnologia assistiva.” (Continua) DESENHO UNIVERSAL 4L UC K/ Sh ut te rs to ck M ac ro ve ct or /S hu tte rs to ck curatela: instrumento jurídico em que uma pessoa é nomeada curador de outra que não conse- gue exprimir a sua vontade por causa transitória ou permanente, ébrios habituais e viciados em tóxicos ou pródigos. Os limites da curatela serão avaliados pelo juiz competente conforme o Código Civil. tomada de decisão apoiada: a pessoa com deficiência elege duas ou mais pessoas da sua confiança para apoiá-la em atos da vida civil. Glossário 66 Direitos educacionais de crianças e adolescentes “Produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social.” TECNOLOGIA ASSISTIVA OU AJUDA TÉCNICA “Qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros.” BARREIRAS M ac ro ve ct or /S hu tte rs to ck Sc ho tti U/ Sh ut te rs to ck Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 2015a. Esses elementos são essenciais para a compreensão dos instru- mentos necessários para eliminar os obstáculos existentes entre as pessoas com deficiência e a sociedade. Desse modo, a legislação es- tabelece algumas normas específicas quanto à acessibilidade e à eli- minação de barreiras. O desenho universal e a tecnologia assistiva são utilizados para promover a inclusão por meio de produtos e equipamentos que visem garantir que as barreiras existentes em determinadas circunstâncias sejam eliminadas. São exemplos a utilização de próteses e o uso de tecnologias para auxiliar na movimentação motora da pessoa, sempre com o objetivo de garantir a sua independência. Um importante ponto é a alteração da nomenclatura. Antes, as pessoas com deficiência eram chamadas de portadoras de deficiên- cia, porém esse termo remete a uma doença, o que não corresponde ao conceito de deficiência, pois, como visto anteriormente, a deficiência é um impedimento, e não uma enfermidade. Assim, o EPD trouxe o termo pessoa com deficiência, considerado mais adequado para a reali- dade, embora a Constituição ainda utilize o termo anterior. Igualmente, o termo deficiente não deve ser utilizado, pois remete a uma incapacidade em relação à sociedade. A pessoa não é incapaz; ela apenas possui uma barreira que deverá ser, na medida do possível, superada. Também não devem ser utilizados os termos necessidades especiais e, tampouco, apenas especial. Direito ao desenvolvimento escolar 67 Nesse contexto, a educação também teve modificações. O sistema educacional inclusivo sofreu uma importante mudança, decorrente do EPD, a qual será analisada na seção a seguir. 4.2 Acessibilidade e sistema educacional inclusivoVídeo A educação, e sua promoção – disposta na Constituição de 1988, em seu artigo 205 –, está prevista como um direito de todos e dever do Estado e da família. Com o objetivo do pleno desenvolvimento da pessoa, a educação é extremamente importante para as pessoas com deficiência. O artigo 206, I, da Constituição estabelece que o ensino será realiza- do em condições de igualdade de acesso e permanência. Desse modo, a pessoa com deficiência tem direito constitucional de participar do ensino regular; uma vez que o princípio da educação em igualdade de condições é positivado na Constituição. O direito à educação também está estabelecido na Convenção Inter- nacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, no seu artigo 24 (BRASIL, 2009). A Convenção determina aos estados signatários orien- tações obrigatórias para as políticas públicas, efetivando, nesse senti- do, a educação inclusiva. A primeira questão que deve ser compreendida é a diferença entre educação inclusiva e educa- ção especial. A principal distinção é que a primeira tem como objetivo a inclusão das demais pessoas da sociedade; já a segunda tem o escopo de garantir o atendimento especial. Desse modo, podemos definir educação especial como uma modalidade específica para pessoas com deficiência que tem o objetivo de provocar suas potencialidades. Já a educação inclusiva tem como objetivo promover, na medida do possível, o mesmo ensino para todos, independentemente da deficiência. O texto O que é educação inclusiva? Um passo a pas- so para inclusão escolar, do Instituto Itard, discorre de maneira clara sobre como deve ser realizada a inclusão, analisando os conceitos inseridos pelo EPD. Ainda, apresenta o que é educação inclusiva no Brasil e de que manei- ra deve ser realizado o Projeto Político Pedagógi- co nessa perspectiva. Disponível em: https://institutoitard. com.br/o-que-e-educacao- inclusiva-um-passo-a-passo-para- a-inclusao-escolar/. Acesso em: 30 jul. 2020. Leitura https://institutoitard.com.br/o-que-e-educacao-inclusiva-um-passo-a-passo-para-a-inclusao-escolar https://institutoitard.com.br/o-que-e-educacao-inclusiva-um-passo-a-passo-para-a-inclusao-escolarhttps://institutoitard.com.br/o-que-e-educacao-inclusiva-um-passo-a-passo-para-a-inclusao-escolar https://institutoitard.com.br/o-que-e-educacao-inclusiva-um-passo-a-passo-para-a-inclusao-escolar 68 Direitos educacionais de crianças e adolescentes Na educação especial, não há estudantes sem deficiência e, igual- mente, não há a promoção da inclusão em condições de igualdade na sociedade. Assim, o EPD optou por estabelecer como regra a educação inclusiva para promover a diversidade no ensino regular. As escolas especiais são mantidas no Brasil, pois algumas situações demandam atenção especializada. Para tanto, temos o Atendimento Educacional Especializado (AEE), que pode acontecer concomitan- temente ao ensino escolar, em outro turno. Ambas escolas deverão trabalhar em conjunto de maneira complementar e com o apoio ne- cessário. O Ministério da Educação (MEC) estabelece essa parceria na Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 2008). O objetivo da inclusão no ensino regular é de que toda a socieda- de se adapte e trabalhe em conjunto para a promoção da acessibili- dade. A convivência com pessoas com deficiência auxilia na inclusão efetiva, entretanto, é necessário que dentro do sistema de ensino todas as pessoas convivam igualmente, independentemente dos impedimentos. A educação inclusiva estabelecida no EPD compreende diversos cri- térios que serão desenvolvidos ao longo do estudo. Os primeiros con- ceitos importantes de diferenciar são: atendente pessoal, profissional de apoio e acompanhante. Atendente pessoal é a “pessoa, membro ou não da família, que, com ou sem remuneração, assiste ou presta cuidados básicos e essen- ciais à pessoa com deficiência no exercício de suas atividades diárias, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas” (BRASIL, 2015a). Em linhas gerais, o atenden- te pessoal é qualquer pessoa que esteja encarregada de acompanhar a pessoa com deficiência, ainda que seja da família. O profissional de apoio escolar é quem irá acompanhar o aluno com deficiência durante suas atividades. O EPD o define como o pro- fissional que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estu- dante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técni- cas ou os procedimentos identificados com profissões legalmen- te estabelecidas. (BRASIL, 2015a) Direito ao desenvolvimento escolar 69 Por fim, o acompanhante é “aquele que acom- panha a pessoa com deficiência, podendo ou não desempenhar as funções de atendente pessoal” (BRASIL, 2015a). O acompanhante pode auxiliar nas funções e cuidados básicos da pessoa com deficiência, contudo sua principal atribuição é a de lhe fazer companhia. O direito à educação é assegurado na Consti- tuição como direito social no artigo 6º, entretanto, quando se trata de criança ou adolescente com deficiência, é necessária a atenção para garantir a acessibilidade na educação. O Estatuto da Pessoa com Deficiência estabelece mecanismos que devem ser assegurados para garantir o desenvolvimento escolar da criança e do adolescente com deficiência. Dessa forma, o artigo 27 estabelece que a educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegu- rados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e apren- dizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, in- teresses e necessidades de aprendizagem. (BRASIL, 2015a) Com base no excerto, visualiza-se que deve ser garantido que a edu- cação será ofertada conforme a individualidade de cada aluno. Com isso, é assegurada a educação de qualidade. Nesse sentido, é de responsabilidade do Poder Público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar o “sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida” (BRASIL, 2015a). Um dos principais objetivos, portanto, é assegurar o acesso e a permanência do aluno, por isso devem ser ofertados recursos de acessibilidade e serviços. Porém, verifica-se que, na prática, embora a legislação já tenha um certo período, as escolas ainda não conseguem garantir integralmente a permanência e a inclusão plena. É necessário aprimorar o projeto pedagógico de atendimento edu- cacional especializado e todos os demais serviços oferecidos na insti- tuição de ensino. Para tanto, o EPD estabeleceu que a educação deverá Quando se trata de sistema educacional inclusivo e acessibilidade na educação, é necessário observar quais profissionais irão atuar em cada momento. Er m ol ae v A le xa nd er /S hu tte rs to ck 70 Direitos educacionais de crianças e adolescentes ser bilíngue, ofertando Libras como primeira língua e Língua Portugue- sa, na modalidade escrita, como segunda. Em relação aos tradutores e intérpretes de Libras, o artigo 27, pará- grafo segundo, estabelece que esses profissionais: I. [...] atuantes na educação básica devem, no mínimo, possuir ensi- no médio completo e certificado de proficiência na Libras; II. [...] quando direcionados à tarefa de interpretar nas salas de aula dos cursos de graduação e pós-graduação, devem possuir nível superior, com habilitação, prioritariamente, em Tradução e Inter- pretação em Libras. (BRASIL, 2015a) Sempre que necessário, devem ser adotadas medidas individualiza- das e coletivas com o escopo de maximizar o desenvolvimento escolar dos estudantes com deficiência. Portanto, pesquisas para o desenvolvi- mento de técnicas de aprendizado, metodologias e recursos de tecno- logia assistiva devem ser incentivadas. O sistema educacional inclusivo deve garantir que os estudantes com deficiência participem das aulas e do convívio escolar em condi- ções de igualdade com os demais. Com isso, as pessoas com deficiência serão efetivamente incluídas na sociedade; é importante lembrar que a educação é uma das principais formas de inclusão. Nesse sentido, o EPD estabelece que todas as instituições de ensino devem obrigatoriamente implementar: VIII. participação dos estudantes com deficiência e de suas famílias nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar; IX. adoção de medidas de apoio que favoreçam o desenvolvimento dos aspectos linguísticos, culturais, vocacionais e profissionais, levando-se em conta o talento, a criatividade, as habilidades e os interesses do estudante com deficiência; X. adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas de formação inicial e continuada de professores e oferta de forma- ção continuada para o atendimento educacional especializado; XI. formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio; XII. oferta de ensino da Libras, do Sistema Braille e de uso de re- cursos de tecnologia assistiva, de forma a ampliar habilidades funcionais dos estudantes, promovendo sua autonomia e parti- cipação. (BRASIL, 2015a) Direito ao desenvolvimento escolar 71 A educação superior e a profissional e tecnóloga devem seguir as mesmas normas de acessibilidade e igualdade de oportunidades para que, após concluir a educação básica, o aluno com deficiência possa continuar os estudos e ser inserido no mercado de trabalho. A acessibilidade é um ponto de absoluta importância que deve ser observado em todos os seus níveis, desde o acesso a jogos e atividades recreativas, esportivas e de lazer dentro do sistema escolar em condi- ções de igualdade até a acessibilidade às edificações, aos ambientes e às demais atividades em todas etapas e níveis de ensino. Desse modo, em todos os níveis escolares devem estar disponíveis profissionais de apoio escolar, visando auxiliar na superação das bar- reiras. Esses profissionaissão de suma importância no desenvolvimen- to escolar da criança e do adolescente com deficiência. Todas as normas referenciadas no EPD também são aplicáveis às instituições privadas obrigatoriamente, e é vedada a cobrança de va- lores adicionais de qualquer natureza. Sobre essa questão, inclusive, houve um importante julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), conforme disposto a seguir: Notícia A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.357 (ADI 5357) com o escopo de questionar a constitucionalidade do artigo 28 e do caput do ar- tigo 30 do EPD. O objetivo da ação era justamente impugnar a vedação à cobrança de valores diferenciados e a obrigatoriedade de fornecer todos os mecanismos de acessibilidade. O Plenário do Supremo Tribunal Federal votou, por maioria, pela impro- cedência da ação, alegando que as escolas particulares também devem construir uma sociedade inclusiva e que a oferta do ensino a todos é um mecanismo importante para essa construção. Apenas o Ministro Marco Aurélio votou pela parcial procedência, afirmando que o Estado deveria arcar com esse dever. Dessa forma, todos os dispositivos impugnados são considerados consti- tucionais e devem ser observados pelo ensino particular. Tanto o ensino público quanto o particular devem ofertar todas as formas necessárias de aprendizagem e promover a inclusão dos estudantes com deficiência em todos os níveis, assegurando, assim, a sua permanência em condi- ções de igualdade e observando as normas estabelecidas no EPD e na Política de Educação Inclusiva. Fonte: STF, 2016. É possível haver cobrança de valores diferenciados dos alunos com deficiência nas instituições de ensino privado? Justifique sua resposta. Atividade 2 O Supremo Tribunal Federal (STF) é o órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, o qual tem como função a proteção da Constituição Federal. Assim, qualquer afronta à norma consti- tucional, em última instância, deve ser julgada pelo STF. Saiba mais 72 Direitos educacionais de crianças e adolescentes A notícia corrobora com o que estabelece o artigo 28, item XVIII, do EPD: “articulação intersetorial na implementação de políticas públi- cas” (BRASIL, 2015a). Assim, todos devem auxiliar na implementação das políticas públicas inclusivas. No Brasil, embora a educação plenamente inclusiva ainda não seja uma realidade, tanto por falta de políticas públicas efetivas quanto por falta de capacitação adequada, o caminho está sendo trilhado. O primeiro passo já foi realizado, que é a obrigatoriedade; assim, res- ta implementá-la da melhor forma possível, sempre com o objetivo da inclusão plena. 4.3 Bullying e cyberbullying Vídeo O bullying é um grande problema nas instituições de ensino; com o avanço da tecnologia, o cyberbullying também se tornou um pro- blema grave. O bullying é conceituado como um conjunto de atos vio- lentos praticados durante um determinado período. Nas escolas, são geralmente atos entre alunos com o objetivo de agredir verbal, fisica e/ou psicologicamente. O cyberbullying é originário do bullying e tem o mesmo objetivo, entretanto acontece no meio virtual, por meio de e-mails, redes sociais, smartphones etc. Uma das principais características é a exposição pú- blica da violência. Ambos podem acontecer em diversos locais, entretanto a escola é o ambiente mais comum. Durante a juventude, ela é o local onde crian- ças e adolescentes passam mais tempo; o que de certa forma propicia para que essas situações acontecem. Desse modo, a instituição de en- sino possui um importante papel no combate dessas atitudes. Em geral, um grupo dominante cria padrões de comportamento, beleza e atitude dentro do ambiente escolar e exclui todos que não se enquadram nesses padrões. Como esse grupo dominante tende a ser o mais popular e todos os alunos desejam participar dele, aqueles que não conseguem se enquadrar sofrem, por parte dos integrantes desse grupo, intimidação, perseguição e, em alguns casos, violência física e psicológica. Assim, os profissionais que trabalham na instituição de ensino de- vem atuar ativamente com o objetivo de impedir essas atitudes no am- biente da escola e, nos casos em que é possível a identificação fora do O filme Cyberbullying: garota fora do jogo (2005) retrata a situação ocorrida em uma escola, na qual algumas alunas criam uma página na internet para ofender uma rival. O filme retrata de que modo o cyberbullying pode ocorrer no ambien- te escolar, um compor- tamento muitas vezes comum entre os jovens. Direção: Tom McLoughlin. Estados Unidos: Lifetime, 2005. Filme Direito ao desenvolvimento escolar 73 ambiente escolar, alertar os responsáveis. No Brasil, levando em consi- deração esse tipo de comportamento e as suas graves consequências, foi implementada a Lei n. 13.185, de 6 de novembro de 2015, que criou o Programa de Combate à Intimidação Sistemática. Nessa norma, considera-se intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas. (BRASIL, 2015b, grifo do original) Em relação ao cyberbullying, a norma estabelece que ele ocorre quando há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial”(BRASIL, 2015b, grifo do original). O objetivo da legislação é prevenir e combater essas práticas com a capacitação dos docentes e das equipes pedagógicas. Assim, devem ser estabelecidas formas para implementar campanhas de combate, orientar as famílias e dar assistência às vítimas e aos agressores. O alvo é efetivamente barrar qualquer tipo de violência no ambiente escolar, inclusive as cometidas pelos professores e demais profissio- nais da instituição de ensino. Para tanto, devem ser produzidos e publi- cados relatórios bimestrais das ocorrências de bullying nos estados e municípios, visando ao planejamento de ações para o seu combate, como estabelece o artigo 6º da legislação (BRASIL, 2015b). Poderão, também, ser firmados convênios e parcerias para a implementação e execução das diretrizes. Para a vítima, as consequências do bullying e do cyberbullying podem ser devastadoras. Além do isolamento social, é possível que ela desenvol- va transtornos psicológicos, os quais podem, in- clusive, acompanhá-la na vida adulta. Em alguns casos, as vítimas dessa violência apresentam Os alvos dos agressores geralmente são alunos novos, tímidos e que não se enquadram no padrão físico estabelecido ou que se destacam com excelentes notas. Lo po lo /S hu tte rs to ck 74 Direitos educacionais de crianças e adolescentes tamanha dificuldade que seus casos podem ter consequências drásticas, como o suicídio. O uso da internet para ataques se torna cada dia mais comum e causa um grave dano na vida do agredido. O ato de bullying ou cyberbullying é considerado juridicamente um ato ilícito, podendo gerar dano moral, patrimonial e/ou extrapatrimo- nial. Os direitos abalados são considerados direitos personalíssimos, pois são abalados os direitos de personalidade. Nesses casos, deverão ser responsabilizados o agressor e o seu res- ponsável no momento da prática, isto é, os genitores ou a própria esco- la. Para que seja efetivamente considerado um ato ilícito – conforme o artigo 186 do Código Civil (2002) –, são necessárias a conduta dolosa ou culposa, o nexo causal e o dano, conforme mostra a Figura 2. Figura 2 Responsabilidade civil Fonte: Elaborada pela autora. Ato ilícito Nexo causal Dano Culposo ou doloso A vítima precisa comprovarque o dano causado efetivamente foi gerado pela conduta dolosa ou culposa do agente, confirmando o nexo causal. Se não houver todos os elementos supracitados, não consistirá no dever de indenizar, pois não haverá ato ilícito. É possível caracterizar a conduta ilícita também com fundamento no artigo 187 do Código Civil, afirmando que há efetivamente um abu- so do direito no caso de bullying ou cyberbullying. Portanto, não há a necessidade do elemento culpa para a responsabilidade do agressor. O simples uso da violência e da agressividade de modo habitual já cor- responde à conduta abusiva. Nos casos de crianças e adolescentes, a legislação civil estabelece de que forma será realizada a responsabilidade dos pais e do próprio agressor no artigo 927 do Código Civil. A escola também poderá ser responsabilizada se não resguardar a integridade física e psíquica do agredido durante o período em que estiver com a sua guarda. direitos de personalidade: direitos inerentes a pessoas, portanto irrenunciáveis e intransmissíveis, como: direito ao nome, direito à imagem, direito ao corpo etc. Glossário Quando mencionamos o Código Civil, toda a nossa discussão é voltada à Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a qual está em vigência. Importante É possível a instituição de ensino ter responsabilidade em casos de bullying e cyberbullying? Atividade 3 Direito ao desenvolvimento escolar 75 Portanto, se o aluno sofrer um dano em ambiente escolar, a esco- la será responsabilizada pela falha. No caso das escolas particulares, é aplicável o Código do Consumidor (BRASIL, 1990b), pois, uma vez que se paga por esse serviço, caracteriza-se uma relação de consumo. O ar- tigo 14 estabelece que o fornecedor deverá responder pelos prejuízos causados ao consumidor, independentemente da culpa. Os genitores são responsáveis civilmente de maneira objetiva pelos atos causados por seus filhos menores, conforme afirma o artigo 933 do Código Civil. Nesse caso, basta comprovar que houve nexo causal entre a conduta do agressor e o dano do agredido. A responsabilidade decorre do poder familiar e já foi determinada em diversos julgados. Entretanto, há uma corrente doutrinária que defende que a respon- sabilidade é apenas de quem estava com a guarda do filho no momen- to do ato, isto é, de quem falhou com o dever de vigilância. Porém, ressalta-se que o bullying decorre também da educação atribuída ao agressor; nesse sentido, não será facilmente excluído da responsabili- dade o genitor que não estava com a guarda no momento. Da mesma forma, a escola pode ser responsabilizada, tendo em vis- ta sua responsabilidade objetiva como fornecedora, mas, no mesmo sentido, tendo em vista a obrigação de educar dos genitores, essa res- ponsabilidade poderá ser solidária. Em outras palavras, tanto os geni- tores quanto a escola respondem pelos danos causados ao agredido. A responsabilidade solidária ocorre uma vez que a conduta agres- siva do aluno que pratica a violência escolar é contribuída pelas con- dutas praticadas no ambiente familiar. O modelo educativo familiar é refletido na vida de cada indivíduo, ainda que de maneira omissa. Assim, entende-se que não é possível excluir a responsabilidade dos pais nas condutas de bullying ou cyberbullying praticadas no ambiente escolar. Ainda que a guarda do filho menor tenha sido transferida no momento para a escola, a omissão ou ação dos pais na educação deve ser considerada. A responsabilidade, nessas situações, não será decorrente da guar- da ou da vigilância, mas do dever de educar. A escola será responsabili- zada pela falha no dever de vigilância e os pais serão responsabilizados pela falha na educação. Ressalta-se que essa análise será realizada caso por caso e poderá variar conforme as circunstâncias apresentadas. 76 Direitos educacionais de crianças e adolescentes A escola será responsabilizada pelos danos sofridos em decorrência das agressões e violências no seu dever de guarda e vigilância. Caso a escola seja pública, será objetiva a responsabilidade do Poder Público, conforme o parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição. Caso a escola seja particular, também será objetiva a responsabilidade, mas em de- corrência da relação de consumo, conforme o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor e os artigos 932, IV, e 933 do Código Civil (BRA- SIL, 1990a; 2002). Dessa forma, não se discute a culpa da escola; basta a prova do dano sofrido. Em algumas situações, é possível incluir, ainda, a criança ou o ado- lescente que praticou o ato como responsável de maneira mitigada e subsidiária. Os incapazes serão responsáveis pelos próprios atos nas hipóteses em que os seus responsáveis não tiverem a obrigação ou os meios suficientes para responder. Nesse caso, a criança ou o adoles- cente agressor só será responsabilizado de maneira subsidiária, após a verificação da responsabilidade pela escola ou pelos genitores, como estabelece o artigo 928 do Código Civil. No que tange à vítima, é possível a aplicação de medidas específicas de proteção que estão previstas no artigo 100 do Estatuto da Criança e do Adolescente sempre que houver a ameaça ou violação aos direitos reconhecidos no referido estatuto. Todas essas medidas são importantes para a proteção do agredido, para que ele não sofra consequências graves decorrentes do ato ilícito. Isso deve ocorrer, inclusive, em situações em que é necessário também o amparo da família das crianças e adolescentes vítimas do bullying e do cyberbullying. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, foi analisado primeiramente a evolução dos direitos das pessoas com deficiência. Verificou-se que recentemente houve mu- danças significativas no que tange ao conceito, ao modelo e aos direitos das pessoas com deficiência. Após a promoção da Convenção Interna- cional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e do Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD), entrou-se em uma nova fase dos direitos da pessoa com deficiência. Atualmente, a pessoa só é considerada com deficiência se após a ava- liação biopsicossocial forem confirmadas as barreiras existentes em con- dições de igualdade com as demais pessoas da sociedade. Direito ao desenvolvimento escolar 77 Nesse contexto, foi desenvolvido o estudo sobre as mudanças no siste- ma educacional inclusivo. A acessibilidade na educação tem um importan- te papel no desenvolvimento das crianças e adolescentes com deficiência. O sistema educacional inclusivo, embora esteja previsto na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente, sofreu importantes mudan- ças com o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Os alunos com deficiência devem ser incluídos em condições de igualdade no ensino regular; essa inserção é essencial para a inclusão efetiva na sociedade. Por fim, foram analisados o bullying e o cyberbullying. Estudou-se as responsabilidades decorrentes dos atos violentos entre alunos. Quando o ato acontece na instituição de ensino, esta poderá responder de maneira solidária com os genitores do agressor. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm. Acesso em: 26 jul. 2020. BRASIL. Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 26 ago. 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2009/decreto/d6949.htm. Acesso em: 19 ago. 2020. BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 16 jul. 1990a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069. htm. Acesso em: 30 jul. 2020. BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 12 set. 1990b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l8078compilado.htm. Acesso em: 30 jul. 2020. BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002.Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/ L10406compilada.htm. Acesso em: 26 jul. 2020. BRASIL. Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 7 jul. 2015a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 26 jul. 2020. BRASIL. Lei n. 13.185, de 6 de novembro de 2015. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 9 nov. 2015b. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13185.htm. Acesso em: 30 jul. 2020. BRASIL. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, DF: MEC, 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso em: 5 ago. 2020. BRASIL. Ministério da Saúde. Censo Demográfico de 2020 e o mapeamento das pessoas com deficiência no Brasil. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2019. Disponível em: https://www2. camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cpd/documentos/ cinthia-ministerio-da-saude. Acesso em: 24 ago. 2020. ONU – Organização das Nações Unidas. Realization of Sustainable Development Goals by, for and with persons with disabilities. 2018. Disponível em: https://www.un.org/ development/desa/disabilities/wp-content/uploads/sites/15/2018/12/UN-Flagship- Report-Disability.pdf. Acesso em: 27 jun. 2020. STF – SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL. ADI 5357. 2015. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/ processos/detalhe.asp?incidente=4818214. Acesso em: 5 ago. 2020. 78 Direitos educacionais de crianças e adolescentes STF – SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL. Escolas particulares devem cumprir obrigações do Estatuto da Pessoa com Deficiência, decide STF. 2016. Disponível em: http://www.stf.jus. br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=318570. Acesso em: 24 ago. 2018. TARTUCE, F. O Estatuto da Pessoa com Deficiência e a capacidade testamentária ativa. Revista Pensamento Jurídico, São Paulo, v. 10, n. 2, jul./dez. 2016. Disponível em: https:// fadisp.com.br/revista/ojs/index.php/pensamentojuridico/article/view/63/65. Acesso em: 19 ago. 2020. GABARITO 1. Atualmente, é utilizado o modelo social, no qual a deficiência é considerada uma bar- reira que a pessoa tem em relação à sociedade, e não mais o modelo médico. Cada indivíduo deve ser observado na sua individualidade; dessa forma, devem ser desen- volvidos os mecanismos de acessibilidade. 2. É vedada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD) a cobrança de valores diferenciados dos alunos com deficiência. Inclusive, a vedação foi objeto de discussão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstituciona- lidade n. 5357. 3. Se o bullying ou cyberbullying ocorrer sob a guarda da instituição de ensino, ela pode- rá ser responsabilizada. Portanto, nos casos em que a violência ocorre no ambiente escolar, a escola deve ser responsabilizada, mas isso não retira a responsabilidade dos genitores, pois essa violência decorre de uma falha na educação. Proteção da criança e do adolescente 79 5 Proteção da criança e do adolescente Neste capítulo, vamos analisar os mecanismos encontrados na legislação brasileira para proteção da criança e do adolescente. Desse modo, é importante lembrar que, por serem considerados pessoas em desenvolvimento, tanto as crianças quanto os adoles- centes necessitam de atenção especial. Assim, vamos discutir as formas de proteção no trabalho e o di- reito à profissionalização. A proteção decorre desde a Constituição e se desenvolve no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Na sequência, serão observadas as políticas de atendimento, que têm um importante papel na garantia dos direitos fundamen- tais, sendo o Estado fundamental no desenvolvimento e na garan- tia desses direitos. Em seguida, vamos estudar os atos infracionais e as medidas de proteção. É necessário observar que a prática de ato ilícito por uma criança ou um adolescente terá um tratamento diferente do conferido à do adulto. Importante Neste capítulo, quando mencionamos a Constitui- ção Federal, toda a nossa discussão é voltada ao documento atual, de 5 de outubro de 1988. 5.1 Direito à profissionalização e à proteção no trabalho Vídeo A Constituição, no seu artigo 6º, estabelece o direito ao trabalho como um direito social funda- mental e, desse modo, tem especial proteção asse- gurada. O artigo 7º desenvolve os direitos que devem ser observados a fim de melhorar a condição social. 80 Direitos educacionais de crianças e adolescentes Esse artigo, no inciso XXXIII, estabelece a “proibição de trabalho no- turno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer tra- balho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos” (BRASIL, 1988). Esta redação ocorreu após a reforma realizada por meio da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998. No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) esta- belece, no artigo 60, que “é proibido qualquer trabalho a menores de qua- torze anos de idade, salvo na condição de aprendiz” (BRASIL, 1990). Assim, verifica-se que deve ser realizada a leitura dos dispositivos em conjunto. O menor de 14 anos de idade, levando em consideração o disposto nos artigos referidos, não pode trabalhar em nenhuma hipótese, nem em condição de aprendiz. Isso acontece porque a Constituição deve prevalecer e, embora o ECA permita o trabalho dos menores de 14 anos, a Constituição, por meio da Emenda Constitucional n. 20, proíbe. Com a leitura dos dispositivos, ainda podemos compreender que o adolescente entre 14 e 16 anos de idade pode ser aprendiz. A partir dos 16 anos, ele pode trabalhar desde que em atividade não perigosa, insalubre ou noturna. Nesse sentido, é necessário observar a atividade laborativa que será desenvolvida pelo adolescente. O quadro a seguir traz a síntese dessa questão. Quadro 1 Trabalho da criança e do adolescente Bo yk o. Pi ct ur es /S hu tte rs to ck Não pode exercer atividade laborativa. Pode exercer atividade laborativa apenas como aprendiz. Pode exercer atividade laborativa não perigosa, insalubre ou noturna. Menor de 14 anos de idade 14 a 16 anos de idade A partir dos 16 anos de idade Fonte: Elaborada pela autora com base em Brasil, 1988; 1990. Quando mencionamos o Estatu- to da Criança e do Adolescente, nos referimos à Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, que está em vigência. Importante Proteção da criança e do adolescente 81 O trabalho doméstico não é considerado prestação de serviços a terceiros, portanto é classificado como colaboração entre os familiares – ressalvados, evidentemente, casos de abuso, em que é necessária a intervenção estatal. O artigo 61 do ECA estabelece que a proteção ao trabalho dos ado- lescentes terá regulamentação por meio de lei especial. No direito bra- sileiro, a legislação que protege o trabalhador é a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que estabelece os deveres dos responsáveis legais de menores e dos empregadores da aprendizagem (BRASIL, 1943). Em relação à regulamentação do trabalho do menor aprendiz, ainda temos as importantes alterações no dispositivo da CLT realizadas pela Lei n. 10.097, de 19 de dezembro de 2000. Nessa lei, foram estabeleci- dos critérios que precisam ser observados na contratação e no desen- volvimento das atividades do aprendiz. A aprendizagem é considerada pelo artigo 62 do ECA “[a] formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legis- lação de educação em vigor” (BRASIL, 1990). A formação profissional é aquela que tem como objetivo o mercado de trabalho, proporcionando ao adolescente o seu desenvolvimento para apreender uma profissão. Já a formação técnica envolve o processo educacional. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira(LDB) estabelece, no artigo 39: A educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos ob- jetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciên- cia e da tecnologia. § 1º Os cursos de educação profissional e tecnológica poderão ser organizados por eixos tecnológicos, possibilitando a constru- ção de diferentes itinerários formativos, observadas as normas do respectivo sistema e nível de ensino. § 2º A educação profissional e tecnológica abrangerá os seguin- tes cursos: I. de formação inicial e continuada ou qualificação profissional; II. de educação profissional técnica de nível médio; III. de educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação. § 3º Os cursos de educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação organizar-se-ão, no que concerne a objetivos, Quando mencionamos a LDB, toda a nossa discussão é voltada à Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Importante 82 Direitos educacionais de crianças e adolescentes características e duração, de acordo com as diretrizes curricula- res nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação. (BRASIL, 1996) O trabalho do adolescente, quando se trata de educação profissio- nal, precisa observar todos os elementos desse artigo para garantir o cumprimento de sua formação técnico-profissional. E deve, ainda, se- guir a LDB em vigor, como aponta o artigo 62. Dessa forma, toda a formação técnico-profissional precisa observar os princípios reguladores do ensino profissionalizante previstos no ar- tigo 63: “I – garantia de acesso e frequência obrigatória ao ensino regu- lar; II – atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente; III – horário especial para o exercício das atividades” (BRASIL, 1996). A menção à frequência obrigatória e ao acesso ao ensino regular significa que o trabalho não pode, de maneira alguma, atrapalhar o en- sino; assim, há essa obrigatoriedade porque ambos devem se complementar. Além disso, o desenvolvimento do adoles- cente deve ser observado na ativida- de que será executada – portanto, como mencionado, não pode ser perigosa, insalubre ou noturna. Precisa ainda, ser em horário compatível com o ensino regular; em nenhuma hipótese poderá ser inconciliável. O disposto no artigo 64 do ECA, que afirma que é assegurada bolsa de aprendizagem ao adolescente até 14 anos de idade, não se aplica, pois, como exposto anteriormente, confor- me o artigo 7, inciso XXXIII, da Constituição, o menor de 14 anos não pode trabalhar. O artigo 66 do ECA prevê o trabalho protegido ao adolescente com deficiência e deve ser lido em consonância com a Constituição, como dispõe o artigo 227: § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a O filme Ausência retrata a vida de Serginho, um me- nino de 14 anos de idade que precisa trabalhar na feira em São Paulo para auxiliar em casa após o abandono do seu pai. A sugestão é válida para demonstrar que, embora o trabalho infantil seja crime, ainda é a realidade de diversas crianças no Brasil. Direção: Chico Teixeira. Brasil: Imovision, 2015. Filme ma ngo sto ck /S hu tte rs to ck O trabalho não pode, em hipótese nenhuma, atrapalhar o estudo do adolescente, uma vez que deve ser respeitada a condição de pessoa em desenvolvimento. Devem ser assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários. Proteção da criança e do adolescente 83 participação de entidades não governamentais, mediante políti- cas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: [...] II – criação de programas de prevenção e atendimento especia- lizado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e ser- viços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. [...] (BRASIL, 1990) O trabalho tem um importante papel na integração da pessoa com deficiência na sociedade, sendo necessário que se observem e se de- senvolvam programas de atendimento especializado, sempre visando eliminar as barreiras existentes na sociedade. Levando em consideração a especial proteção do adolescente no trabalho, é vedado trabalho, conforme o artigo 67 do ECA: I. noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte; II. perigoso, insalubre ou penoso; III. realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desen- volvimento físico, psíquico, moral e social; IV. realizado em horários e locais que não permitam a frequência à escola. (BRASIL, 1990) O trabalho noturno, conforme a CLT, no seu artigo 73, § 2º, é “o trabalho executado entre as 22 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte” (BRASIL, 1943). Quanto ao trabalho perigoso, concebe-se aquele que apresenta riscos de danos à integridade física ou à vida. Já o trabalho insalubre é aquele com riscos para os direitos à saúde do trabalhador. Por fim, o trabalho penoso é aquele excessivamente desgastante e incompatível com a idade do adolescente. No que diz respeito aos lugares prejudiciais ao desenvolvimento do adolescente, pode-se realizar a leitura em conjunto com o Código Penal, que no seu artigo 247 estabelece: Permitir alguém que menor de dezoito anos, sujeito a seu poder ou confiado à sua guarda ou vigilância: I. frequente casa de jogo ou mal afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de má vida; 84 Direitos educacionais de crianças e adolescentes II. frequente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe de representação de igual natureza; III. resida ou trabalhe em casa de prostituição; IV. mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública: Pena – detenção, de um a três meses, ou multa. (BRASIL, 1940) Todos os lugares listados no artigo são inadequados para adoles- centes e crianças. Embora esteja em vigência, a lei em questão é antiga – e, por isso, carrega a linguagem da época –, sendo importante expli- car alguns termos. Casa de jogo ou mal afamada podem ser as casas em que são pra- ticados jogos ilegais, como jogo do bicho, ou aquelas que, como o próprio nome sugere, carregam má fama, como os locais para uso de drogas ilícitas. Do mesmo modo, o inciso I menciona a convivência com pessoas viciosas ou de má vida, que são aquelas com vícios em tóxicos e entorpecentes ou que vivam uma vida inapropriada para as crianças e os adolescentes. Quando a legislação se refere a espetáculo capaz de pervertê-lo, como dispõe o inciso II, um exemplo são casas de prostituição. Isso ocorre também no inciso seguinte, que dispõe sobre residir ou trabalhar em casa de prostituição. Por fim, utilizar a comiseração pública da criança e do adolescente significa usá-los para causar comoção pública. Isto acontece nos casos em que famílias utilizam seus filhos para pedir esmolas de modo que as pessoas se comovam com seu sofrimento. Nesse sentido, a vedação ao trabalho em lugares e horários incompatíveis à escola é necessária para que se mantenha o desenvolvimento escolar. Como mencionado, as leis levam em consideração que deve ser res- peitada a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e a capaci- tação profissional adequada ao mercado de trabalho do adolescente. Esse é o principal objetivo da proteção ao direito à profissionalização e ao trabalho previsto no ECA. O que deve ser observado no em relação ao trabalho da criança e do adolescente? Atividade 1 Proteção da criança e do adolescente 85 5.2 Política de atendimento Vídeo A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente deve observar uma série de ações realizadas com o objetivo de propi- ciar proteção e atendimento especializado. Essas ações estão elenca- das na parte especial do ECA. Nesse sentido, o artigo 86 estabeleceque “a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios” (BRASIL, 1990). A política de atendimento pode ser observada nas seguintes ações: I. políticas sociais básicas; II. serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social de garantia de proteção social e de prevenção e redução de vio- lações de direitos, seus agravamentos ou reincidências; III. serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicos- social às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; IV. serviço de identificação e localização de pais, responsável, crian- ças e adolescentes desaparecidos; V. proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente; VI. políticas e programas destinados a prevenir ou abreviar o perío- do de afastamento do convívio familiar e a garantir o efetivo exer- cício do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes; VII. campanhas de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e à adoção, especificamente inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com de- ficiências e de grupos de irmãos. (BRASIL, 1990) As políticas sociais básicas referem-se a observar o que está dis- posto no artigo 227 da Constituição, ou seja, o mínimo existencial para a sobrevivência. Além disso, o Estado deve proporcionar a assistência social para garantir a proteção social da criança e do adolescente, que deve ser realizada por meio de serviços, programas, projetos e benefí- cios de assistência social. Quando se trata de proteção à criança e ao adolescente, observa-se o papel fundamental do município, pois trata-se do ente que está mais 86 Direitos educacionais de crianças e adolescentes próximo do seu dia a dia – contudo, isso não isenta os demais entes de garantirem a sua proteção. Vale ainda ressaltar que deve haver, nas ações da política de atendimento, o amparo especial às vítimas de vio- lência, com serviços especiais de prevenção e atendimento médico. Para a criança e o adolescente, é essencial que se tente manter o con- vívio familiar. Portanto, sempre que pais, responsáveis e crianças e ado- lescentes estejam desaparecidos ou não estiverem encontrando a sua família, será realizado o serviço de busca. Desse modo, devem ser imple- mentados programas visando garantir o exercício do convívio familiar. Um dos principais pontos da política de atendimento é o estímulo, por meio de campanhas, ao acolhimento familiar e à adoção de crian- ças e adolescentes que não estão sob o convívio familiar. Isso acontece devido a diversos fatores, como abandono, agressão, maus-tratos, ex- ploração sexual, entre outros. Nesses casos, há duas formas de realizar o acolhimento: por meio de abrigo institucional em entidades governa- mentais ou não governamentais e por meio de famílias acolhedoras. A política de atendimento possui diretrizes específicas que estão elencadas no artigo 88 do ECA. A primeira delas é a municipalização do atendimento, o que ocorre, como dito anteriormente, pela proximida- de do município. Há, ainda, a criação de conselhos em todas as esferas, assegurando a participação popular por meio de organizações representativas. Le- vando em consideração essa disposição, foi promulgada a Lei n. 8.242, de 12 de outubro de 1991, que criou o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) para estabelecer uma políti- ca nacional de atendimento (BRASIL, 1991). Por meio dos conselhos, também é possível a criação de programas específicos para atender os menores de 18 anos que serão vinculados a esses. Além disso, podem ser criados fundos para a manutenção desses programas. Quando se trata de crianças e de adolescentes, é necessária absolu- ta celeridade, e a isso se deve a integração operacional realizada entre Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Segurança Pú- blica e Assistência Social. Já em situações de vulnerabilidade, a integração acontece de ma- neira diversa entre Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pú- blica, Conselho Tutelar e outros entes. O objetivo dessa integração é assegurar a agilidade na reestruturação da criança na família ou no seu família acolhedora: são as famílias que recebem crianças e adolescentes afastados da família de origem. Glossário celeridade: agilidade, rapidez, velocidade. Glossário Proteção da criança e do adolescente 87 encaminhamento para a adoção. Infelizmente, a realidade brasileira atual não é essa, pois ainda é possível verificar lentidão extrema nos atendimentos. A formação profissional em geral também é uma das metas da po- lítica de atendimento, bem como a mobilização da opinião pública. Por isso, é necessária a capacitação adequada dos profissionais que aten- dam a criança e o adolescente, além da realização e da divulgação de pesquisas sobre desenvolvimento e prevenção de violência. De que forma serão implementadas as políticas de atendimento para crianças e adolescentes? Atividade 2 5.3 Atos infracionais Vídeo Os atos infracionais são considerados atos ilícitos para o direito penal, portanto a tipificação adequada está estabelecida no Código Penal (1940). Em outros termos, ato infracional é toda conduta descrita como crime ou contravenção penal, conforme estabelece o artigo 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Os atos infracionais são previstos em lei penal, inclusive na legislação extravagante, e praticado por criança ou adolescente. A Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012, instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que tem como objetivo ordenar princípios, regras e critérios que são utilizados na execução de medidas socioeducati- vas aos adolescentes. O Sinase propõe a criação de uma rede de aten- dimento à criança e ao adolescente em conflito com a lei com base no sistema de garantia de direitos e seus princípios primordiais (Figura 1). Saiba mais A legislação extravagante engloba as chamadas leis especiais, que são aquelas que não estão inclusas no Código Penal. Um exemplo é a Lei Maria da Penha, que é uma legislação penal, mas que, por ser posterior ao Código Penal, é considerada extravagante. 88 Direitos educacionais de crianças e adolescentes Figura 1 Sistema de garantia de direitos Sistema Educacional SUS – Sistema Único de Saúde SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo Sistema de Justiça e Segurança Pública SUAS – Sistema Único da Assistência Social Fonte: Mato Grosso, 2020. Neste contexto, com o Sinase, também se busca garantir a natureza pedagógica da medida socioeducativa. Assim, as medidas aplicadas aos atos infracionais são diversas daquelas aplicadas aos adultos. O quadro a seguir elenca os principais atos praticados e suas respectivas medidas. Quadro 2 Legislação, ato praticado e medida aplicada Pessoa Legislação aplicável Ato praticado Medida Criança (até 12 anos) Adolescente (12 a 18 anos) Maior capaz (18 anos completos) ECA ECA Código Penal; Código de Processo Penal; Leis Penais extravagantes Ato Infracional Ato Infracional Crime ou contravenção Medida de proteção Medida de proteção e medida socioeducativa Pena privativa de liberdade, restritiva de direitos e multa Fonte: Elaborado pela autora. São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, e somen- te eles estão sujeitos às medidas previstas no ECA; em nenhuma hipótese o ECA pode ser aplicado a maiores de 21 anos. Só podem ser aplicadas medidas socioeducativas aos maiores de 18 anos se o ato Proteção da criança e do adolescente 89 tiver sido praticado antes de o menor completar a maioridade – isso está elencado no artigo 2º, parágrafo único do ECA. O adolescente, na execução da medida socioeducativa,não poderá receber tratamento mais gravoso que o adulto que pratica a mesma conduta ilícita. A medida de privação de liberdade só pode ser adotada se for ve- rificada em flagrante a prática do ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada do juiz, como estabelece o artigo 106 do ECA. Em fla- grante significa, de modo análogo ao Código de Processo Penal, em seu artigo 302: I. está cometendo a infração penal; II. acaba de cometê-la; III. é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV. é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. (BRASIL, 1941) A ordem escrita e fundamentada se refere ao disposto no artigo 5º, LXI, da Constituição. Assim, o menor não pode ser apreendido sem que a autoridade judicial competente o determine de maneira clara. Ainda em relação à apreensão do adolescente, será informada ime- diatamente à autoridade judicial e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada. Desse modo, será examinada a possibilidade de libe- ração imediata, como estabelece o artigo 107 do ECA. Essa possibilida- de não deve prosperar se o ato infracional for de natureza grave ou se o adolescente tiver antecedentes. O adolescente está sujeito a internação provisória – isto é, antes da sentença – de no prazo máximo de 45 dias, como afirma o artigo 108 do ECA. Essa decisão deve ser fundamentada e garantir os requisitos do artigo 174 do ECA, equivalentes à garantia da ordem pública do artigo 312 do Código de Processo Penal. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já estabeleceu a improrrogabili- dade, ou seja, impossibilidade de prorrogação, do prazo da internação provisória. Assim, o período de 45 dias da internação provisória não pode, em hipótese alguma, ser prorrogado. Ainda no que tange ao flagrante, se o ato infracional for cometido sob grave ameaça ou violência, o artigo 173 do ECA dispõe que a auto- 90 Direitos educacionais de crianças e adolescentes ridade policial deverá, sem prejuízo do disposto nos artigos 106 e 107 do ECA: I. lavrar auto de apreensão, ouvidos as testemunhas e o adolescente; II. apreender o produto e os instrumentos da infração; III. requisitar os exames ou perícias necessários à comprovação da materialidade e autoria da infração. Parágrafo único. Nas demais hipóteses de flagrante, a lavratu- ra do auto poderá ser substituída por boletim de ocorrência cir- cunstanciada. (BRASIL, 1990) A formalização do auto de apreensão ocorrerá apenas na hipótese de violência ou grave ameaça. Dessa maneira, será realizado somente nas hipóteses de violência pessoal. Os atos infracionais devem respeitar as garantias processuais. Logo, será observado o devido processo legal, disposto no artigo 5º, LIV, da Constituição. Em outras palavras, ninguém será privado da liberdade ou dos seus bens sem o processo adequado, conforme estabelecido na legislação processual. Também se deve assegurar o contraditório (direito de resposta) e a ampla defesa, elencados na Constituição no seu artigo 5º, LV. É impor- tante garantir o direito à defesa em todas as suas formas asseguradas legalmente, bem como à resposta de todos os atos em todos os meios de defesa admitidos em direito. Ao adolescente ainda é assegurado, como dispõe o artigo 111 do ECA, as seguintes garantias: I. pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente; II. igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com ví- timas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa; III. defesa técnica por advogado; IV. assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei; V. direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente; VI. direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento. (BRASIL, 1990) Dessa forma, o autor do ato infracional deve ter conhecimento do que lhe foi imputado. Ele também terá direito a igualdade processual e garan- tia de produção de provas. A defesa técnica será realizada pelo advogado e é assegurada a assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados. Art. 106. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. Art. 107. A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido serão incontinenti comunicados à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada. Lei Proteção da criança e do adolescente 91 A prática do ato infracional terá medidas socioeducativas – como estabelece o artigo 112 do ECA –, que poderão ser advertência, obriga- ção de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, regime de semiliberdade e internação. A Súmula n. 342 do Superior Tribunal de Justiça (STJ, 2007a) estabe- lece que é nula a desistência de outras provas diante da confissão do adolescente, exceto a remissão e a advertência. Em outras palavras, mesmo que o adolescente confesse a prática do ato infracional, serão realizadas as demais provas. As medidas podem ser cumuladas ou aplicadas isoladamente. As- sim, a Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012, ressalta que o objetivo da medida é, conforme o artigo 1º, parágrafo 2º: I. a responsabilização do adolescente quanto às consequências le- sivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; II. a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano in- dividual de atendimento; e III. a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei. (BRASIL, 2012) Assim, deverá ser incentivada a reparação da consequência do ato infracional. Isso acontece de maneira educacional, visando à compreen- são da consequência do ato que foi praticado pelo adolescente. É sem- pre necessário observar o objetivo pedagógico da medida imputada. 5.4 Medidas de proteção e medidas socioeducativas Vídeo As medidas de proteção têm um importante papel no resguardo da criança e do adolescente. Ela será aplicada sempre que os seus direitos forem ameaçados ou violados, como estabelece o artigo 98 do ECA: “I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II – por falta, omis- são ou abuso dos pais ou responsável; III – em razão de sua conduta” (BRASIL, 1990). 92 Direitos educacionais de crianças e adolescentes Estas medidas têm como objetivo tutelar aqueles que estão em si- tuação de vulnerabilidade. Nesses casos, o artigo 101 do ECA estabele- ce quais medidas devem ser realizadas: I. encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II. orientação, apoio e acompanhamento temporários; III. matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV. inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de pro- teção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente; V. requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI. inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orienta- ção e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII. acolhimento institucional; VIII. inclusão em programa de acolhimento familiar IX. colocação em família substituta. (BRASIL, 1990) As medidas elencadas no artigo 101 se aplicam tanto aos que praticaram ato infracional quanto aos que estão em situação de vul- nerabilidade. Desse modo, são aplicadas tanto àqueles que foram abandonados material e intelectualmente pela família quanto àqueles que praticaram atos ilícitos. Essas medidas são necessárias para a proteção e a reeducação da criança e do adolescente, sendo de competência da Vara da Infânciae Juventude. Já os casos que envolvem guarda, tutela, alimentos, visita e demais conflitos familiares são de competência da Vara da Família. Nesse sentido, sempre que houver ameaça ou violação a direito ou garantia da criança e do adolescente, é necessária a intervenção do Es- tado e, assim, proteção estatal. O Ministério Público possui um impor- tante papel ao intervir nas ações em que há interesse de incapaz. Dessa forma, o Ministério Público atua como fiscal da lei tanto nos processos que tramitam na Vara da Infância e Juventude quanto nos processos que tramitam na Vara da Família envolvendo incapaz. Nos casos em que é necessária a aplicação de medidas socioeduca- tivas, elas podem ser aplicadas de modo isolado, isto é, somente uma delas, ou de maneira cumulativa, bem como instituídas a qualquer tempo. Além disso, quando necessário, é possível sua substituição. Proteção da criança e do adolescente 93 As autoridades competentes para determinar as medidas são o Conselho Tutelar e o Poder Judiciário – este, inclusive, pode rever a de- cisão do primeiro caso algum legitimado (elencado no artigo 137 ECA) requeira. A colocação em acolhimento institucional ou familiar e em família substituta é de competência exclusiva do juiz. Como regra, as medidas protetivas podem ser aplicadas de ofício pela autoridade competente, sem requerimento. Já as medidas que en- volvam terceiro, como pais ou responsáveis, devem assegurar o contra- ditório e a ampla defesa realizados por procedimento próprio. Caso a criança ou o adolescente esteja em situação de vulnerabilida- de, será encaminhado aos pais ou responsáveis um termo de respon- sabilidade elencando, de maneira clara, a situação de risco e o alerta adequado com as propostas de solução. Os pais assumem a respon- sabilidade pelos atos dos filhos e, caso estes retornem à situação an- terior, é cabível a instauração de processo de perda ou suspensão do poder familiar. Essa é uma forma de alertar os pais e responsáveis e, também, de responsabilizá-los pelos atos dos seus filhos e tutelados. É possível, ain- da, realizar uma medida de advertência e devem ser feitos, por uma equipe interprofissional, a orientação, o apoio e o acompanhamento temporário. Sempre que necessário, deve-se realizar o tratamento mé- dico, psicológico ou psiquiátrico adequado. Ressalta-se que também é cabível a medida de proteção nos casos em que não foi realizada a matrícula no ensino fundamental. Se não houver vaga em escolas municipais ou estaduais, os pais devem procu- rar a autoridade competente – Conselho Tutelar ou Ministério Público – para ter o seu pedido atendido. O acolhimento institucional é conhecido como abrigo de crianças e adolescentes. Essa deve ser sempre a última opção e ocorrer de ma- neira breve. Trata-se de um lugar seguro de acolhimento, mas que não pode ser de vivência permanente. É necessário que haja locais seguros para o abrigo dos jovens em perigo. Já o acolhimento familiar é um misto entre acolhimento institucio- nal e família substituta. Nesse caso, as famílias, que são previamente cadastradas no Programa Família Acolhedora, recebem crianças e ado- lescentes em caráter temporário. Esse programa deve ser analisado A família acolhedora também é chamada de guarda subsidiada. No programa Família Acolhedo- ra, como o próprio nome sugere, famílias acolhem crianças e adolescentes que não estão no seio da sua família de origem. O programa prevê período de acolhimento é de seis meses, podendo ser prorrogado por até dois anos (caso exceda deve haver justificativa do juiz); a fa- mília recebe um salário mínimo por mês do governo para ajuda de custo. Incorporado na Lei de Adoção (Lei n. 13.509/17), o Programa Família Acolhedora é organizado por municípios. Em Curitiba, é possível obter mais informações por meio do site da Fundação de Ação Social (FAS): http://www.fas.curitiba. pr.gov.br/conteudo.aspx?idf=79. Acesso em 24 set. 2020. Saiba mais http://www.fas.curitiba.pr.gov.br/conteudo.aspx?idf=79 http://www.fas.curitiba.pr.gov.br/conteudo.aspx?idf=79 94 Direitos educacionais de crianças e adolescentes pelo juiz da Vara da Infância e Juventude e, assim, a família se torna guardiã da criança ou do adolescente. A família substituta, como o próprio nome sugere, é aquela que substitui a natural ou biológica. Na falta dos pais, se houver parentes interessados em assumir a sua responsabilidade, confere-se a eles a tutela. Portanto, a família substituta advém da tutela ou, nos casos em que há efetivamente a perda do poder familiar, da adoção. É importante salientar que a adoção rompe de modo definitivo o vínculo com a família de origem e, assim sendo, só ocorre em casos excepcionais e após a perda do poder familiar, em hipóteses nas quais não é possível restabelecer o vínculo com a família de origem. O proce- dimento é realizado de maneira cuidadosa e apenas nos casos em que foram esgotadas as tentativas de reaproximação. A diferença entre guarda, tutela e adoção estão elencadas no qua- dro a seguir. Quadro 3 Guarda, tutela e adoção: principais características. • Obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou ao adolescente. • Posse de fato. • Acolhimento temporário de crianças e adolescentes. • A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público. • É um múnus público. • Deferido pelo juiz. • Tutor nomeado em testamento ou qualquer outro documento autêntico tem até 30 dias após a abertura da sucessão. • Só será deferida a tutela se restar comprovado que a medida é vantajosa e que não existe outra pessoa em melhores condições de assumir. • Também pode ser nomeado pelo juiz. • Medida excepcional e irrevogável, quando esgotados os recursos para a manutenção na família natural ou extensa. • Prevalecem os interesses do adotando. • Adotado com no máximo 18 anos, salvo se já estiver sob guarda ou tutela dos adotantes. • Atribui condições de filho, com mesmos direitos e deveres, desligando qualquer vínculo com os pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. Guarda Tutela Adoção Fonte: Elaborado pela autora. múnus público: originário do latim, significa a obrigação, dever imposto por lei. Portanto, beneficia a coletividade e deve ser observado o seu cumprimen- to pelo poder público. Glossário Proteção da criança e do adolescente 95 O ECA estabelece um tratamento diferente aqueles que estão em situação de vulnerabilidade e aqueles que praticam atos infracionais, diferentemente do que ocorria durante a teoria da situação irregular. Nesse sentido, nas situações em que o adolescente pratica um ato in- fracional, são implementadas medidas socioeducativas. As medidas são implementadas conforme a necessidade e a gravidade do ato, e estão dispostas no artigo 112: I. advertência; II. obrigação de reparar o dano; III. prestação de serviços à comunidade; IV. liberdade assistida; V. inserção em regime de semi-liberdade; VI. internação em estabelecimento educacional; VII. qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. Também será considerada a capacidade do adolescente em cum- prir a medida. A medida socioeducativa, quando for de prestação de serviços à comunidade, será de no máximo seis meses, e a liberdade assistida será de no mínimo seis meses. Já a medida de internação apenas será aplicada conforme o artigo 122 do ECA, quando: “I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta” (BRASIL 1990). Assim, poderá ser agravada a medida nas referidas hipóteses. En- tretanto, a Súmula n. 265 (STJ, 2002) estabelece que é necessária a oiti- va do menor infrator. Em outras palavras, deve-se ouvir o depoimento do adolescente a fim de que se preserve o seu direito de relatar o fato. A seguir, faz-seum comparativo entre as medidas de semiliberdade e internação. 96 Direitos educacionais de crianças e adolescentes Figura 2 Semiliberdade x internação O adolescente trabalha e estuda de dia e fica recolhido de noite. Precisa de autorização judicial para atividades externas. Semiliberdade Internação Fonte: Elaborado pela autora. Tanto a semiliberdade quanto a internação serão realizadas por prazo indeterminado com reavaliações periódicas em intervalos de, no máximo, seis meses. A medida de internação é a mais gravosa, pois o adolescente não pode realizar atividades externas sem a devida autorização. É possível, ainda, a concessão da remissão, que se trata de uma es- pécie de perdão. Ela será concedida, quando realizada antes do pro- cesso, pelo Ministério Público e, com isso, será excluído o processo. Se realizada durante o processo, deverá ser feita por autoridade judi- ciária, e o processo será suspenso ou extinto. Essa remissão não im- plica reconhecimento da responsabilidade, nem prevalecem efeitos de antecedentes, e o juiz poderá discordar da remissão concedida pelo Ministério Público. Ela pode, também, ser cumulada com uma medida socioeducativa, desde que não de semiliberdade ou internação. Na medida socioeducativa, também se aplica a prescrição, que significa a perda da pretensão. Portanto, não poderá ser imputada a medida socioeducativa correspondente – como estabelece a Súmula n. 338 (STJ, 2007b); aplica-se a mesma do direito penal. Assim, o adoles- cente não irá cumprir a medida socioeducativa se já tiver transcorrido o tempo de cumprimento da medida no ECA. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, foi analisado o direito ao trabalho e à profissionalização da criança e do adolescente. Para tanto, é necessário observar as proteções impostas na legislação e compatibilizá-lo com a obrigatoriedade do ensino. Em seguida, foram estudadas as políticas de atendimento necessárias para a garantia dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Nesse sentido, o Estado tem papel essencial no seu desenvolvimento. Em quais hipóteses serão aplica- das as medidas de proteção da criança e do adolescente? Atividade 3 Proteção da criança e do adolescente 97 Foram analisados, ainda, os atos infracionais que são os atos ilícitos praticados pelos menores de 18 anos de idade. Considerando-se que se trata de pessoas em desenvolvimento, as medidas adotadas devem ser observadas com atenção e aplicadas de maneira adequada, sempre com o caráter educativo. Por fim, discorreu-se sobre medidas adotadas nas práticas dos atos infracionais. Para tanto, existem as medidas de proteção, que também são adotadas para os adolescentes em situação de vulnerabilidade, e as medidas socioeducativas. O objetivo dessas medida é sempre a educação do adolescente e a sua socialização. Ressalva-se que sempre deve ser in- centivado o estudo e a participação na sociedade. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm. Acesso em 14 set. 2020. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 dezembro de 1940. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 14 set. 2020. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 13 out. 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 14 set. 2020. BRASIL. Decreto-Lei n. 5.452, de 1º maio de 1943. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 9 ago. 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/ del5452.htm. Acesso em: 14 set. 2020. BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069. htm. Acesso em: 14 set. 2020. BRASIL. Lei n. 18.242, de 12 de outubro de 1991. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 16 out. 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8242. htm. Acesso em: 14 set. 2020. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394. htm. Acesso em: 14 set. 2020. BRASIL. Lei n. 10.097, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 dez. 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l10097. htm. Acesso em: 14 set. 2020. BRASIL. Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 19 jan. 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011- 2014/2012/Lei/L12594.htm. Acesso em: 14 set. 2020. STJ – Superior Tribunal de Justiça. Súmula 265. Diário da Justica, 29 maio 2002. Diponível em: https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2011_20_ capSumula265.pdf. Acesso em: 23 set. 2020. STJ – Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 338. Diário da Justiça, 16 maio 2007b. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2012_29_ capSumula338.pdf. Acesso em 1 set. 2020. STJ – Superior Tribunal de Justiça. Súmula 342. Diário da Justiça, 27 jun. 2007b. Disponível 98 Direitos educacionais de crianças e adolescentes em: https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2012_29_ capSumula342.pdf. Acesso em: 23 set. 2020. MATO GROSSO. Secretaria do Estado de Segurança Pública. Entendendo o SIPIA/SINASE. 2020. Disponível em: http://www.sesp.mt.gov.br/sipia-/-sinase. Acesso em: 14 set. 2020. GABARITO 1. No que tange ao trabalho da criança e do adolescente, levando em consideração a sua condição de pessoa em desenvolvimento, é necessário observar a matrícula e a frequência no ensino regular e a vedação ao trabalho noturno e insalubre. 2. Segundo o artigo 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), as políticas de atendimento serão implementadas por um “conjunto articulado de ações governa- mentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos muni- cípios” (BRASIL, 1990). O objetivo principal da política de atendimento é concretizar os princípios norteadores do ECA e garantir a sua execução. 3. Segundo o artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), as medidas de pro- teção da criança e do adolescente serão aplicadas por “ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; e em razão de sua conduta” (BRASIL, 1990). Em outras palavras, sempre que houver omissão ou abuso em relação à criança e ao adolescente, será necessária uma medida adequada de pro- teção com o objetivo de garantir que seus direitos sejam efetivamente preservados. Código Logístico 59551 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6677-3 9 7 8 8 5 3 8 7 6 6 7 7 3 D IR E ITO S E D U C A C IO N A IS D E C R IA N Ç A S E A D O LE SC E N TE S A N E LIZ E PA N TA LE à O P U C C IN I C A M IN H A Página em branco Página em branco