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Parasitologia Letícia Iglesias Jejesky Med 106 1 Tripanosomíase americana: Doença de Chagas Zoonose com ciclo heteroxênico, envolvendo hospedeiros vertebrados e invertebrados. Típica das Américas, casos em outros continentes são importados das Américas. Classificação Taxonômica Reino: Protozoa Filo: Sarcomastigophora Sub-filo: Mastigophora – protozoários flagelados Classe: Zoomastigophorea – associados a animais Ordem: Kinetoplastida – complexo kinetoplastico, uma espécie de mitocôndria que oferece energia para o flagelo Família: Trypanosomatidae Gênero: Trypanosoma Espécie: Trypanosoma cruzi – corpo celular retorcido Não existem formas de resistência, somente trofozoítos. Trypanosoma cruzi Agente etiológico da Tripanosomíase Americana ou Doença de Chagas; Protozoário e doença descritos por Carlos Chagas, em 1909; Uma das principais causas de morte súbita de pessoas em fase produtiva; Grave problema médico-social – pois o tratamento da doença só é efetivo da fase aguda, na fase crônica o tratamento não funciona. O critério de cura é complexo, sendo o diagnóstico precoce essencial para não debilitar o organismo do paciente. Morfologia Hospedeiro vertebrado: homem e várias espécies de mamíferos Apresentam as formas infectantes Forma amastigota: intracelular – sem flagelo e está presente no interior das células; o protozoário invade as células e se torna amastigota, após isso, pratica divisão binária no meio intracelular. Forma tripomastigota sanguínea ou sanguícola: sangue circulante. Possuem flagelo – formas sanguícolas invadem diversas células do organismo do hospedeiro quando ele está infectado e, com isso, penetram as células ativamente e determinam a transformação da forma tripomastigota em amastigota. A forma amastigota se multiplica dentro das células que invade e tornam-se novamente formas tripomastigotas sanguíneas. Essas formas tripomastigotas sanguíneas rompem as células na qual elas se multiplicaram e caem na corrente circulatória novamente. Tripomastigotas sanguíneos – polimorfismo: cepas com formas delgadas e largas. Formas delgadas: mais frequentes no início da infecção e caracteristicamente na fase aguda; tropismo por células do SFM, do baço, fígado e medula óssea. Gradativamente vão sendo substituídas por formas largas. Formas largas: Tropismo por células musculares (lisas, cardíacas e esqueléticas) mais resistentes aos anticorpos. As formas delgadas características da fase aguda são detectadas e destruídas pelas células do sistema imunológico. Já as formas largas características da fase crônica são mais resistentes as células de defesa. Ou seja, o protozoário vai se adaptando ao organismo do hospedeiro. Colhendo sangue de paciente em fase aguda, há presença das duas formas com predominância de formas delgadas. Tendo predominância de formas largas e praticamente desaparecimento das formas delgadas, ele está em fase crônica. Parasitologia Letícia Iglesias Jejesky Med 106 2 Kinetoplastida Morfologia dos estágios evolutivos a. Promastigota – o flagelo emerge da parte anterior da célula. FORMA TÍPICA DO BARBEIRO. b. Epimastigota – o flagelo emerge ao lado do núcleo da célula. FORMA TÍPICA DO BARBEIRO. c. Tripomastigota – o flagelo emerge da parte posterior da célula. Membrana ondulante percorre todo o corpo celular. d. Amastigota – somento o cinetoplasto é visível. Não há flagelo. Forma intracelular que se multiplica e origina novamente formas tripomastigotas, que abandonam a célula e caem na corrente sanguínea. Na fase aguda há tipicamente formas estreitas (delgadas) que tendem a ser mais numerosas, esses protozoários se dispersam no sangue do hospedeiro. Na fase crônica há tipicamente formas largas, contudo, a presença de parasitos no sangue é mais baixa. Hospedeiro invertebrado: triatomíneos Triatomíneo se infecta com as formas tripomastigotas sanguíneas ao sugar o sangue dos vertebrados infectados. Formas esferomastigotas (alguns autores chamam promastigota): estômago e início do intestino do triatomíneo; Formas epimastigotas: todo o intestino. Forma tripomastigota metacíclica: reto. Forma infectante para o hospedeiro vertebrado; é eliminada junto com as fezes. Quando o percevejo se alimenta de sangue ele defeca de forma contínua. Ao defecar ele elimina as formas infectantes do protozoário. A presença das fezes e a picada do barbeiro produzem prurido e, ao se coçar, o indivíduo leva as fezes para o orifício da picada. Inicialmente, a tripomastigota metacíclica invade as células do SFM e se tornam amastigotas. As formas amastigotas se multiplicam dentro dessas células e, posteriormente, se transformam em tripomastigotas sanguíneas. As tripomastigotas abandonam as células do SFM e se tornam tripomastigotas sanguíneas, se dispersando para vários tipos celulares, produzindo os fenômenos patológicos. Ciclo – é heteroxênico Hospedeiro vertebrado: Somente tripomastigotas e amastigotas se desenvolvem e multiplicam. Mecanismo natural de infecção: penetração das formas tripomastigotas metacíclicas no local da picada do vetor nas células do SFM da pele e mucosas; Transformação de tripomastigota em amastigotas; Multiplicação intracelular: Divisão binária – amastigotas. Transformação de amastigotas em tripomastigotas liberados da célula para a circulação sanguínea Tripomastigotas sanguíneas ou sanguícolas. O hospedeiro inicialmente recebe o tripomastigota metacíclico que invade macrófagos onde se transforma em amastigotas. Os amastigotas fazem divisão binária e se transformam em tripomastigotas sanguíneos, que são móveis (esse movimento causa a lise dos macrófagos). Com a lise, os tripomastigotas sanguíneos caem na corrente sanguínea. Parasitologia Letícia Iglesias Jejesky Med 106 3 Hospedeiro Invertebrado: Barbeiro macho e fêmea adultos e as ninfas (prole) são hematófagos. Infecção: ingestão de tripomastigotas sanguíneos – hematofagismo; No estômago: se transformam em epimastigotas No intestino médio se multiplicam por divisão binária; No reto se diferenciam em tripomastigotas metacíclicas: formas infectantes para os vertebrados; Hospedeiro invertebrado O percevejo (conhecido como barbeiro) é um inseto grande e hematófago. Para se infectar, seja em qualquer fase de sua vida, o percevejo precisa sugar o sangue de um indivíduo que tenha a Doença de Chagas. Triatoma infestans é a principal espécie transmissora da Doença de Chagas no Brasil por viver dentro das casas. A espécie de percevejo que transmite Chagas tem aparelho bucal com 3 segmentos, se estende até primeiro par de pernas e é reto abaixo da cabeça. Apesar do seu tamanho, a picada deles costuma ser indolor, pois a saliva dele é reforçada com anestésico. Os aparelhos bucais e comprimento da cabeça ajudam a diferenciar percevejos fitófagos ou hematófagos. F – fitófago P – predador – picada dolorosa mas não transmite doença H – hematófago – cabeça longa e quase reta, olhos grandes, aparelho bucal com três segmentos. Triatoma infestans Cabeça alongada, aparelho bucal reto abaixo da cabeça com três segmentos. Placas no abdômen com manchas amarelas e pretas alternadas. É o mais antropofílico entre todos que existem no Brasil, sendo normalmente domiciliado. Principal transmissor da Doença de Chagas no Brasil. Panstrongylus megistus Possui coloração em tons de vermelho e preto, não só nas asas. Parasitologia Letícia Iglesias Jejesky Med 106 4 Rhodnius Coloração parda, antenas longe dos olhos. É o menor dos percevejos. Casas de pau-a-pique são os principais reservatórios para esses insetos, assim como anexos (chiqueiros, galinheiros, etc). São insetos de hábitosnoturnos. Além disso, outra forma de dispersão da doença é a presença de fezes de barbeiro ou barbeiros inteiros misturados ao açaí (já foram citados casos de Doenças de Chagas por barbeiros triturados com cana-de-açúcar) – essas formas de contaminação costumam determinar uma forma hiperaguda da doença por conta da alta carga parasitária. Transmissão Vetor: grande importância epidemiológica; Transfusão sanguínea; Transmissão congênita; Acidentes laboratoriais – contaminação com sangue. Transmissão oral: amamentação, ingestão de triatomíneos infectados, canibalismo, ingestão de ingestão de alimentos contaminados com fezes de triatomíneos; Transplante de órgãos; Caçadores com mãos feridas – contato com sangue de animais nas feridas, esse contato pode determinar a transmissão da Doença de Chagas Relação sexual (infectados) – microsangramentos Patogenia e sintomas Período de incubação: 5 a 60 dias Fase aguda: Geralmente assintomática ou inaparente – por isso paciente não busca tratamento, tendo alto potencial da doença se tornar crônica. Infecção local (sintomas: Chagoma/Sinal de Romaña – é um sinal patognomônico) – região edemaciada, hiperemiada; relacionada com picada do barbeiro. A transferência dos protozoários para a conjuntiva deixa o sinal, que é um inchaço bipalpebral unilateral indolor. Infecção disseminada, alvos preferenciais: células de Kupffer, macrófagos do baço e células do miocárdio (sintomas: febre, astenia, cefaleia, mialgia, adenite, morte em 10% dos casos por meningoencefalite ou miocardite aguda). Fase Crônica Assintomática ou Indeterminada: forma latente – 50 a 69% dos casos crônicos. Longo período assintomático (10 a 30 anos) Positividade dos exames; Ausência de sintomas da doença; ECG normal; Radiografia normal de esôfago, coração e cólon; Miocardite discreta, já apresentando denervação do Sistema Nervoso Autônomo Parassimpático – protozoários invadem células lise necrose fibrose. A partir disso há denervação. Parasitologia Letícia Iglesias Jejesky Med 106 5 Fase Crônica Sintomática: sintomatologia cardiocirculatória e/ou digestiva – mudança anatomo-fisiológica do miocárdio e tubo digestivo. Invasão das células musculares e gânglios nervosos pelos trimastigotas sanguíneos = processos inflamatórios, necrose e fibrose. Forma cardíaca: cardiopatia chagásica crônica - 13% Denervação do sistema nervoso autônomo parassimpático Congestão e espessamento do epicárdio e ao longo das coronárias Hipertrofia das paredes ventriculares e atriais Dilatação dos anéis e válvulas tricúspide e mitral Cardiomegalia: aumento do volume/peso cardíaco = 2X Quadro clínico primário: Insuficiência Cardíaca Congestiva – dispneia de esforço, congestão visceral e edema dos membros inferiores; cardiomegalia; Quadro clínico secundário: tromboembolia cardíaca e nas veias dos membros inferiores – infarto e morte; Ninho de amastigotas Forma digestiva: Síndrome dos megas – megaesôfago e megacólon (10%) – denervação parassimpática Alteração morfológica e funcional do tubo digestivo – a perda de funcionalidade leva à constipação intestinal que pode determinar a formação de fecalomas. O paciente fica semanas ou mais sem defecar, muitas vezes a correção é cirúrgica. Dilatação permanente e alongamento dos órgãos afetados, espessamento da musculatura, alterações da mucosa e do reflexo peristáltico. Megaesôfago/Principais sintomas: disfagia, dor retroesternal, regurgitação e disgeusia (perda de paladar), soluço, tosse, sialose (normalmente paciente com megaesôfago produz muita saliva, potencializando engasgos) e pirose (azia); Megacólon: obstrução intestinais e perfuração – formação de fecalomas. Forma Nervosa: manifestações neurológicas – alterações psicológicas e comportamentais; DC Transfusional: ausência dos sinais de porta de entrada – sem chagoma de inoculação ou sinal de Romaña. Febre Linfadenopatia e esplenomegalia Palidez Edema periorbital e dos membros Exantema DC Congênita: abortamento, partos prematuros, natimortos, alterações na placenta (muito comum mulheres com DC serem desaconselhadas a engravidar por conta das complicações – os protozoários podem atravessar a barreira placentária, provocando deformações na placenta). Bebês assintomáticos ou com peso reduzido, hepatoesplenomegalia, abdome distendido e sinais Insuficiência Cardíaca Congestiva. DC em Imunossuprimidos: reativação – indivíduo tem Chagas na forma crônica assintomática e tem condição que leva à imunossupressão, o que gera reativação do ciclo. Envolvimento do SNC com encefalite multifocal necrotizante e parasitos em abundância. Alguns pacientes desenvolvem a forma tumoral da doença; Diagnóstico diferencial com Toxoplasmose. Parasitologia Letícia Iglesias Jejesky Med 106 6 Diagnóstico Clínico Laboratorial: Fase aguda – pesquisa direta (exame de sangue à fresco, em gota espessa ou esfregaço sanguíneo corado) ou indireta (hemocultura, inoculação em animais de laboratório e xenodiagnóstico) do parasito e PCR. Fase crônica – xenodiagnóstico, pesquisa indireta do parasito ou métodos sorológicos de diagnóstico (PCR, RIFI, ELISA, Reação de Hemaglutinação Indireta); Diagnóstico da infecção Várias técnicas permitem o diagnóstico da infecção: Na fase aguda, o exame de sangue a fresco (onde se vê o parasito em movimento), em gota espessa ou estirada, coradas pelo método de Giemsa (ou de Leishman) permitem visualizar os tripanossomos circulantes, que são então abundantes. Uma gota de sangue é depositada sobre uma lâmina de microscopia e estendida, para fixação e coloração posterior. Uma gota espessa pode ser desemoglobinizada, fixada e depois corada, para melhor visualização dos parasitos. Outras técnicas possíveis são a hemocultura e a PCR, se bem que esta última não tenha entrado ainda na rotina diagnóstica. Xenodiagnóstico Coloca um barbeiro criado em laboratório (não infectado) dentro de um frasco de plástico e aplica sobre a pele do indivíduo com suspeita de DC. O barbeiro suga o sangue do paciente por aproximadamente 30 minutos e cerca de 10 até 15 dias depois, analisa as fezes do percevejo. Encontrando-se as formas tripomastigotas metacíclicas do protozoário confirma-se o diagnóstico de Doença de Chagas. É um método muito usado em fase crônica, pois se colhe sangue do paciente encontra poucas formas do protozoário, sendo o xenodiagnóstico mais viável. Epidemiologia Zoonose; Transmissão por fezes de triatomíneos: maior importância epidemiológica; Transmissão para o homem pela modificação ou destruição do ciclo silvestre natural; De zoonose rural para periurbana e urbana; Ciclo silvestre: tatu, gambá, ratos e triatomíneos silvestres; Ciclo domiciliar: mamíferos domésticos, homem e triatomíneos domiciliados; Áreas preservadas: ciclo silvestre; Áreas alteradas por projetos agropecuários e vilas: surtos de doença de Chagas; Prevalência: depende dos hábitos da população, tipo de moradia e espécie de triatomíneos presentes; Brasil: Sul, São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Nordeste; Triatomíneos domésticos: Panstrongylus megistus e Triatoma infestans Triatomíneo silvestre: Panstrongylus geniculatus Controle Melhoria das habitações rurais; Extensão das informações aos moradores rurais; Melhoria dos anexos: chiqueiros, galinheiros, paióis, currais; Combate ao barbeiro (vetor); Controle do doador de sangue; Controle da transmissão congênita; Tratamento da tripanossomíase Só existe tratamento medicamentoso para a fase aguda, quando se utiliza o benznidazol (ou o nifurtimox), com resultados variáveis segundo as linhagens de Trypanosoma cruzi.O controle de cura é difícil, sendo feito pela sorologia, pela hemocultura ou pelo xenodiagnóstico. Na fase crônica, o tratamento é sintomático, sendo a cardiopatia chagásica medicada como as de outras etiologias. Tanto o megaesôfago como o megacólon são tratados cirurgicamente.
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