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GEOPOLÍTICA AULA 1 Prof. André Francisco Matsuno da Frota 2 CONVERSA INICIAL O que é geopolítica? É o mesmo que geografia política? Essas e outras questões serão respondidas nesta primeira aula, com o auxílio de Teixeira Júnior (2017). Dessa forma, o primeiro tema inicia com uma reflexão quanto ao que seria a geografia, com base na geografia tradicional. Em seguida, o segundo tema busca apresentar a geopolítica com base nas relações entre espaço e poder, bem como por meio do estudo de autores como Friedrich Ratzel. O terceiro tema explora melhor as escolas possibilistas e deterministas da geopolítica, bem como expõe a distinção básica entre a geografia política e a geopolítica. O quarto tema demonstra as formas de instrumentalizar os conceitos base da disciplina. Por fim, o quinto tema procura fazer um balanço e comparar os objetos próprios da geografia, da geopolítica e da teoria de relações internacionais. TEMA 1 – O OBJETO DA GEOGRAFIA Há controvérsias e propostas de definição do que seria a Geografia. Uma dessas definições, de maior projeção acadêmica, considera a Geografia como o estudo da terra, ou seja, da superfície. Isso daria a ideia de que a geografia reuniria conhecimentos de todas as ciências. Isso levou autores como Kant a considerar a geografia como uma ciência descritiva, empírica e que sintetiza variados conhecimentos humanos. A perspectiva da geografia como um campo de estudos da paisagem, por sua vez, apresenta duas variações: uma morfológica, focada na forma e na descrição das paisagens; e uma fisiológica, mais focada no dinamismo dos elementos e seu funcionamento na paisagem, o que poderia incluir a ecologia (Moraes, 2007, p. 31). Uma terceira perspectiva tem por base os lugares e suas individualidades no espaço geográfico, propondo a compreensão e a descrição plena das particularidades de todas as regiões e os elementos nelas presentes, e manifesta-se, por exemplo, com a geografia regional (Moraes, 2007, p. 33). A perspectiva da geografia por meio da diferenciação de áreas explora, com uma análise comparativa e mais individualizada, dos espaços, focando em aspectos regulares dos elementos e fenômenos, bem como na lógica envolvida nesses aspectos. Já o campo que entende a geografia sob a perspectiva do estudo do espaço, ao propor abordagens mais específicas e dedutivas, tem 3 pouca inserção acadêmica e apresenta problemas em termos de vagueza e de definição precisa do que se considera "espaço" (Moraes, 2007, p. 35). Por fim, há aqueles que compreendem o estudo da geografia sob a ótica da relação entre sociedade e natureza, ou seja, entre o meio e os seres humanos. Nessa perspectiva, há três visões específicas: a que privilegia o papel da natureza como determinante para a evolução das sociedades, em detrimento da vontade humana; a que confere maior relevância ao papel da ação humana para modificar o espaço, com menor peso do meio; e a que entende a relação entre a sociedade e a natureza pela observação (sua preservação ou abalo) entre ambos, como ocorre com a Ecologia (Moraes, 2007, p. 37). Essas observações demonstraram a dificuldade e a falta de consenso para a definição do que é geografia. Isso mostra mais complexo pelo fato de que essas definições são decorrentes apenas da chamada geografia tradicional, ou seja, sem levar em conta a geografia renovada e sua menor preocupação conceitual e delimitadora em termos de definições Após essa explicação das perspectivas do estudo da geografia, o próximo tema tem por foco a geografia e seu papel enquanto berço da geopolítica. TEMA 2 – RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO E PODER Embora haja influências da história e da ciência política, o surgimento da geopolítica tem sua origem na geografia humana, com foco nas relações de poder em uma região, no uso e controle dos espaços e em aspectos como a manifestação cultural de sociedades. Dessa forma, a compreensão de expressões como território e fronteira mostra-se necessária para a compreensão do que é e o que propõe a geopolítica, bem como de sua inserção na evolução da geografia (física e humana) (Teixeira Júnior, 2017, p. 24-25). Alexander Von Humboldt e Karl Ritter foram algumas das primeiras referências para o estudo da geografia em suas dimensões física e humana, bem como para a correlação entre esses dois campos. Uma das principais preocupações resultantes dessa reflexão foi a indagação referente a quem determina quem, ou seja, se a ação humana determina e condiciona o meio ou se este último condiciona a ação humana no espaço geográfico. Enquanto Paul Vidal de La Blache, referência da escola possibilista, traz a noção de que a geografia é uma ciência dos lugares, sendo que Flint (2006, citado por Teixeira Júnior, 2017, p. 26) compreende o lugar como uma combinação de localização, 4 local e senso de lugar, autores como Jean Brunhes consideravam o papel determinante e condicionante do meio em relação aos seres humanos (Teixeira Júnior, 2017, p. 26-27). A perspectiva determinista teve forte influência para a escola geopolítica alemã, principalmente pelo processo de unificação da Alemanha no século XIX, com base na amalgamação e na expansão territoriais. Na Alemanha, Friedrich Ratzel surgiu como um dos principais nomes da escola determinista, defendendo não apenas a relevância do território e dos recursos nele presentes, bem como de sua exploração por meio da ação humana, mas incluindo o Estado e seu papel político no entendimento da relação entre espaço, povo e poder (Teixeira Júnior, 2017, p. 27-29). O conceito de território foi melhor entendido a partir do Tratado de Westphalia (1648), associado à noção de soberania. Em outras palavras, um território específico, controlado e administrado por uma autoridade política, seria considerado soberano internamente (legitimidade do poder de governar a população daquele território) e externamente, ou seja, o direito a exercer a autoridade naquele território sem ser coagido ou deslegitimado por Estados e autoridades externas. Além disso, a Geografia orientada ao estudo da ação humana também incorporou os conceitos de limites, ou seja, a delimitação do território estatal, e fronteiras, sendo estas últimas os pontos que, similares às fronteiras e com um perfil de expansão, dividem territórios e Estados sob autoridades distintas (Teixeira Júnior, 2017, p. 29-30). Retornando ao determinismo geográfico, é importante mencionar que autores como Ratzel conferem à cultura e sua relação com o espaço, o povo (nação) e o Estado um papel decisivo para este último, considerado um "organismo vivo" ou "Estado orgânico". Com base nisso, pode-se considerar uma nação como resultante de uma comunidade de pessoas que não apenas ocupam um dado território, mas também que compartilham valores e aspectos identitários entre si. Por sua vez, o Estado-nação é a combinação entre a autoridade política do território e da sua manifestação enquanto representante daquela nação, de modo que há Estados não enquadrados nesse perfil e nações sem um Estado próprio. Para visões como a de Ratzel, o Estado-nação é o modelo ideal, o organismo vivo que expressa a cultura nacional e a autoridade num espaço em particular. Além disso, o Estado precisa expandir-se e conquistar recursos 5 estratégicos, de modo a sobreviver e a projetar poder (Teixeira Júnior, 2017, p. 30-31). Com base nessas reflexões, pode-se passar para a diferenciação entre a geografia política e a geopolítica. Em síntese, a geografia política é uma ciência "estática", ou seja, fundamental e focada na descrição e na análise da realidade sem intenções pragmáticas. Por sua vez, a geopolítica pode ser compreendida como um conhecimento aplicado, mais focada nas dinâmicas de poder no espaço e, em certa medida, no papel da estratégiapara essas dinâmicas (Teixeira Júnior, 2017, p. 33-35). Podemos ver, no próximo tema, alguns dos principais fundamentos que consolidaram a geopolítica como campo de estudos, inclusive pela retomada de conceitos como os de possibilismo e determinismo. TEMA 3 – FUNDAMENTOS DA GEOPOLÍTICA Para a escola possibilista, manifestada por meio de autores como La Blache, a ação humana, os progressos tecnológicos e a política são aspectos que mediam e condicionam a correlação e a "reciprocidade" entre o espaço e os seres humanos, sem uma relação de determinação. Contudo, a escola determinista, oposta ao possibilismo, deu maiores impulsos na evolução da geopolítica como campo do conhecimento (Teixeira Júnior, p. 2017, p. 35-36). Conforme visto anteriormente, a escola determinista alemã apostou no fator geográfico físico como elemento-chave nas relações entre o espaço, as sociedades e o poder, principalmente aquele dos Estados. Essa concepção, pautada na ideia de Estado orgânico e de expansão como mecanismo de evolução e sobrevivência, pode ser vista no conceito de "espaço vital" (lebensraum), presente na teoria de Ratzel. Esse autor, além de analisar o processo de expansão territorial dos EUA e vivenciar a unificação de seu país, apresentou sete "leis" da expansão dos Estados, baseada na força de sua cultura e na incorporação de territórios de outros Estados (Teixeira Júnior, 2017, p. 36-39). Essa noção do Estado orgânico influenciou, também, Rudolf Kjéllen, que estabeleceu o termo geopolítica. Kjéllen entendeu a relevância do fator político na interação entre o espaço e as sociedades, bem como compreendeu a fronteira como relevante para a compreensão dos limites territoriais sob a autoridade do Estado como indicadores da irradiação e do expansionismo 6 estatais para outros territórios. Além disso, em sintonia com Ratzel, essa perspectiva inclui o elemento cultural e, também, uma associação entre culturas (Estados-nação) mais "avançadas" e expansionismo, o qual não conferiria relevância às culturas "inferiores" presentes nos territórios a serem conquistados (Teixeira Júnior, 2017, p. 40-42). Desse modo, na década de 1890 e, especialmente, no século XX, a geopolítica consolidou-se enquanto campo do saber e prática, cujo perfil científico e cuja relevância para a geografia e para as relações internacionais têm, ao mesmo tempo, gerado desconfianças e perspectivas pouco amistosas, particularmente pela forte associação da geopolítica ao poder (Teixeira Júnior, 2017, p. 42). Apesar disso, conforme será visto posteriormente, a geopolítica evoluiu e ampliou sua relevância acadêmica. TEMA 4 – CONCEITOS INSTRUMENTAIS A geografia e a geopolítica evoluíram tomando como base um conjunto de conceitos-chave, que organizam a leitura e a instrumentalização do espaço. Os conceitos de território, de lugar, de região, de paisagem, e, sobretudo, de espaço configuram termos técnicos para os quais ambas disciplinas elaboraram significados próprios. De forma resumida, podemos apresentar esses conceitos vinculados a dimensões da realidade, como o campo político e o campo cultural, assim como a escalas de representação. O conceito de território, termo central para o desenvolvimento da geopolítica, indica o controle sobre uma dada porção do espaço. Indica, sobretudo, uma dimensão política de relação entre o homem e o espaço. O conceito de lugar, menos utilizado na geopolítica e mais presente na geografia, designa uma relação afetiva entre o homem e o espaço. Trata-se de um conceito vinculado a uma dimensão humana e, de forma geral, instrumentalizado por abordagens culturais da geografia. Os conceitos de paisagem, de região e de espaço, de modo geral, são usados para designar um agregado de características. Os três conceitos, foram usualmente empregados em escalas próprias, partindo de porções reduzidas e, portanto, locais a porções vastas ou intercontinentais. Em síntese, a geografia e a geopolítica instrumentalizaram conceitos- chave vinculados à forma como a relação entre o espaço e o homem podem ser operacionalizadas. Essas foram organizadas em conceitos-chave: o território, o lugar, a paisagem, a região e o espaço. A geopolítica, em termos históricos, 7 vinculou-se ao conceito de território, dada seu objeto e preocupações de investigação. Nesse sentido, é tarefa do estudante reconhecer os diversos termos e formas de expressar a relação entre o espaço e o homem. TEMA 5 – GEOPOLÍTICA, GEOGRAFIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS O último tema procura estabelecer um diálogo entre três disciplinas: a geopolítica, a geografia e as relações internacionais. O eixo dessa reflexão deriva da necessidade de diferenciar e estabelecer os objetos próprios de cada disciplina, bem como seus pontos de contato. Como três ciências que se preocuparam em estudar o fenômeno da guerra, as disciplinas elaboraram modelos interpretativos próprios para responder e entender este objeto comum. O estudante deve estar atento às diferenças conceituais e instrumentais de cada uma dessas disciplinas, uma vez que elas compõem o instrumental de estudo de cientistas sociais, geógrafos, internacionalistas e, mesmo, formuladores de políticas públicas. NA PRÁTICA Existe um conjunto de instrumentos e formas de operacionalizar o estudo da geopolítica. Entre essas formas, destacamos as geotecnologias e os respectivos softwares de mapeamento, tanto livres quanto comerciais. Ao contrário da fase clássica de formação dessa disciplina, caracterizada por uma escassez de instrumentos de mediação, coleta e análise de dados espaciais. Os recursos disponíveis no século XXI permitem o aprofundamento e a elaboração de mapas e pesquisas de natureza espacial, disponíveis ao estudante e interessado na geopolítica. FINALIZANDO Nesta aula, procuramos apresentar a formação da geopolítica enquanto campo de estudo. Buscamos demarcar a fronteira entre essa disciplina e a Geografia. Esperamos que essa introdução auxilie na formação das bases para o estudo aprofundado que será desenvolvido nas demais aulas. 8 REFERÊNCIAS MORAES, A. C. R. Geografia: pequena história crítica. 21. ed. São Paulo: Annablume, 2007. TEIXEIRA JÚNIOR, A. W. M. Geopolítica: do pensamento clássico aos conflitos contemporâneos. Curitiba: InterSaberes, 2017. p. 22-43.
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