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Psicologia Forense no Sistema Penal 02 1. Psicologia Forense 4 História da Psicologia Forense 5 Principais Áreas da Psicologia Forense 6 Carreiras na Psicologia Forense 8 Relação entre Direito e Psicologia 8 2. Indivíduos Psicopatas 12 3. Avaliação e Tratamento 19 Resolve: Capítulo I Realização da Perícia 22 Avaliação Psicológica 23 4. Práticas Restaurativas 28 Encontro entre Vítima e Infrator 32 Conferência de Família ou Grupo Comunitário 33 Tratado de Paz ou Círculos de Sentença 33 Metodologia da Comunicação Não Violenta 34 Reconciliação e Perdão 34 5. Referências Bibliográficas 37 03 4 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL 1. Psicologia Forense Fonte: ReMedia1 psicologia forense é o campo da psicologia que, somada a co- nhecimentos jurídicos, é usado no sistema judiciário e no campo da po- lícia para ajudar na resolução de ca- sos, além do conhecimento jurídico. A psicologia forense usa os conheci- mentos e as técnicas da psicologia para traçar perfis das partes envolvi- das no processo ou investigação, com o intuito de verificar seus moti- vos, intenções ou outros elementos que possam contribuir para o caso. Por se tratar de uma subdivisão da psicologia, os profissionais precisam 1 Retirado em https://remedia.es/ ter formação superior na área e pos- terior especialização, pois a psicolo- gia forense tem sua própria organi- zação, treinamento e pesquisa (HUSS, 2011). De acordo com Martins, Cruz e Beiras (2012), é importante levar em conta que, assim como todas as pro- fissões relacionadas ao Direito, suas atribuições, requisitos e característi- cas podem variar de acordo com o sistema jurídico de cada país. Por exemplo, no Brasil, ainda não é co- mum que os psicólogos sejam exclu- A 5 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL sivos da área, mas prestam esses ser- viços quando necessário. A psicolo- gia forense também pode ser chama- da de psicologia jurídica. A incom- preensão do público sobre a psicolo- gia forense se deve em parte à falta de compreensão da origem do termo “forense”. Enquanto algumas pes- soas pensam na ciência forense e na aplicação da lei quando se trata de psicologia forense, outras podem pensar em palestras e debates nas escolas. Focar na resolução de deba- tes ou nos tornarmos oponentes lin- guísticos em competições de debate realmente nos aproxima do verda- deiro significado da psicologia fo- rense. Conforme Brandão (2019), a palavra forense vem do latim foren- sis, que vem de fórum e é usada para descrever um lugar na Roma antiga. O fórum era o lugar onde as pessoas resolviam disputas, como nos tribu- nais modernos. Neste contexto, o significado da psicologia forense foi desenvolvido, e o papel dos psicólo- gos forenses é na verdade muito simples e claro, os psicólogos foren- ses auxiliam o sistema legal. Em consonância com os auto- res Fiorelli e Mangini (2019), é cor- reto afirmar que, não apenas o pú- blico fica confuso sobre a psicologia forense, mas os psicólogos também debatem a respeito da natureza da psicologia forense. Em um sentido mais amplo, a psicologia forense se refere à aplicação da psicologia no sistema jurídico. No entanto, muitas pessoas se referem a este amplo campo como psicologia e lei ou estu- dos psicolegais, e apontam que o foco da psicologia forense é a aplica- ção da psicologia clínica ao sistema jurídico. Esta definição mais redu- zida de psicologia forense se concen- tra apenas na psicologia clínica, e não inclui coisas como reconheci- mento de testemunhas oculares (psicologia cognitiva), polígrafo (psicologia fisiológica), comporta- mento do júri (psicologia social) e testemunho de crianças em tribunal (psicologia do desenvolvimento). História da Psicologia Fo- rense Segundo Antunes e Rocha (2018), a psicologia forense tem uma história profunda e extensa, e se desenvolveu muito antes que a cultura popular começasse a dar atenção a ela. Em seu livro On the Witness Stand (No banco das teste- munhas), no ano de 1908, Hugo Munsterberg foi reconhecido como um dos primeiros psicólogos a apli- car os princípios da psicologia ao di- reito. O psicólogo alemão William Stern também se dedicou a aplicar os princípios da psicologia ao sis- 6 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL tema legal, estudando a identifica- ção de testemunhas no início do sé- culo XX. No entanto, a prática clíni- ca relacionada à psicologia e ao sis- tema jurídico começou quase simul- taneamente. Quando a psicologia, especialmente a prática da psicolo- gia forense clínica, começou a se de- senvolver na América do Norte no século XX, os psicólogos foram cha- mados para aplicar seus conheci- mentos básicos ao sistema jurídico como testemunhas especializadas. A seguir temos um resumo da evolu- ção da psicologia forense: 1908 - publicação de On the witness stand, de Hugo Muns- terberg; 1908 - Lihtner Witmer minis- tra cursos sobre a psicologia do crime; 1909 - Fundação do Instituto Psicopático Juvenil de Chi- cago; 1921 - Psicólogo tem a permis- são de testemunhar como pe- rito em Estado vs. Motorista; 1962 - Psicólogos puderam testemunhar em casos de insa- nidade em Jenkins vs. Estados Unidos; 1969 - Criação da Sociedade Americana de Psicologia Jurí- dica; Década de 1970 - Fundação de periódicos especializados que publicam artigos exclusivos de psicologia forense nos Estados Unidos. Para Serafim e Saffi (2018), hoje em dia, os psicólogos são cada vez mais utilizados pelo sistema ju- rídico e existem outros sinais de de- senvolvimento neste campo. A Soci- edade Americana de Psicologia Jurí- dica é a maior e mais destacada or- ganização profissional no campo da psicologia forense, e foi fundada em 1969 e atualmente conta com mais de 3.000 membros. Além disso, di- versos periódicos de psicologia rela- cionados ao tema forense começa- ram a ser publicados na década de 1970, como Law and Human Beha- vior e Behavioral Science and the Law. Todos esses avanços mostram que uma profissão é dinâmica e em desenvolvimento. Principais Áreas da Psicologia Forense Geralmente, a psicologia fo- rense pode ser dividida em aspectos criminais e civis, e esta divisão de papéis e tarefas em psicologia fo- rense é baseada na separação legal entre direito civil e direito penal. O Direito Penal se concentra em com- portamentos que colocam a socie- dade em risco, e o governo é respon- sável por lidar com os casos crimi- nais por meio de policiais e promo- tores. O foco do direito penal é punir os criminosos, a fim de manter o senso de justiça social e prevenir o 7 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL crime. O homicídio ou o atentado que ocorreu na rua ontem à noite são considerados uma violação da lei penal, porque esse comportamento não é considerado adequado pela so- ciedade, que acredita que a violação da lei penal é um crime contra qual- quer cidadão. O estado, ou governo, atua como autor em nome da socie- dade e processa o réu quando acre- dita que alguém violou a lei criminal (PERES, 2018). De acordo com Huss (2011), muitas questões jurídicas peculiares ao direito penal geralmente desem- penham um papel importante na prática da psicologia forense. Por exemplo, o mens rea é um princípio de responsabilidade criminal relaci- onado ao estado psicológico de uma pessoa. Mens rea, ou mente culpada, significa que um indivíduo cometeu um ato ilegal intencionalmente ou propositalmente, e esse princípio sugere culpabilidade. Embora os psicólogos não sejam chamados a expressar suas opiniões em todos os casos criminais, para falar se o réu é culpado ou não, os psicólogos são solicitados a opinar em certas cir- cunstâncias.Essas situações geral- mente se concentram no tópico da inimputabilidade. Nos casos de inimputabilidade, os psicólogos fo- renses têm a responsabilidade de ajudar o tribunal a descobrir se o réu tem uma doença mental, se isso o impediu de desenvolver mens rea e, portanto, cometeu um crime inten- cionalmente. Conforme Martins, Cruz e Bei- ras (2012), em contraste, qualquer violação da lei civil é considerada um crime contra os indivíduos. A lei civil se refere a direitos privados e indenizações, não necessariamente ao interesse público. Os atos ilegais pertencem ao direito civil e incluem atos injustos que causam danos a um indivíduo. Além disso, fica a cri- tério da pessoa que foi prejudicada tomar ou não alguma atitude, não da sociedade. Os atos ilícitos são com- postos por quatro requisitos legais diferentes para violar o direito civil. Para que um ato ilícito tenha acon- tecido, é preciso que: O indivíduo deve ter responsa- bilidade; Essa responsabilidade deve ter sido violada; A violação daquela responsa- bilidade deve ser a causa pró- xima de um dano sofrido; Deve ocorrer um dano e ele tem que envolver um direito legalmente protegido. Em consonância com o autor Brandão (2019), é correto afirmar que, o direito civil, em geral, entende que deve haver dano, porque um dos objetivos do direito civil é indenizar o dano sofrido pela vítima e restau- rá-la ao estado anterior, seja física, 8 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL psicológica ou economicamente. No direito civil, uma das partes, o autor, deve impetrar uma ação contra o réu que violou seus direitos. Carreiras na Psicologia Fo- rense Segundo Fiorelli e Mangini (2019), quando o sistema legal co- meçou a reconhecer os benefícios da psicologia, as oportunidades de car- reira se expandiram. Os psicólogos forenses geralmente se envolvem em três atividades principais: avaliação, tratamento e consultoria. Um psicó- logo forense pode: Avaliar o réu para estabelecer a imputabilidade; Tentar determinar o melhor interesse da criança numa si- tuação de custódia; Tentar restaurar a capacidade de um acusado para que ele possa se submeter a julga- mento; Avaliar psicopatia em um indi- víduo que poderia ser liber- tado da prisão como parte de uma avaliação de risco para determinar o seu potencial para violência futura. Para Antunes e Rocha (2018), os psicólogos forenses podem ter que testemunhar sobre suas desco- bertas em uma audiência ou julga- mento. No entanto, a maioria das questões legais são resolvidas sem o testemunho de um psicólogo fo- rense. Com o advento da psicologia forense, surgiram mais opções de carreira. Os psicólogos forenses atuam em diversas situações, como prisões e presídios, hospitais estadu- ais, delegacias de polícia, órgãos do governo estadual e federal e até uni- versidades. Em qualquer uma des- sas situações, psicólogos forenses podem servir como administrado- res, terapeutas, pesquisadores ou avaliadores de políticas (GOMIDE e STAUT JÚNIOR, 2016). Relação entre Direito e Psico- logia De acordo com Peres (2018), a psicologia forense é considerada a interseção da psicologia clínica e o direito, tem ocorrido muitas tentati- vas de explicar as relações entre a psicologia e o direito. Uma conceitu- alização teórica da relação entre a psicologia e o direito é chamada de jurisprudência terapêutica. A juris- prudência terapêutica (JT) é defi- nida como: “O uso das ciências soci- ais para estudar até que ponto uma regra ou prática legal promove o bem-estar psicológico e físico das pessoas que ela afeta”. Conforme Huss (2011), a juris- prudência terapêutica inclui não apenas a influência da lei codificada 9 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL ou da jurisprudência, mas também procedimentos jurídicos menos for- mais que podem concentrar as ações de juízes ou advogados. À medida que JT ganhou popularidade, tam- bém foi usado mais amplamente para sugerir outras maneiras pelas quais a lei pode ser terapêutica, útil de alguma forma ou antiterapêutica (prejudicial de alguma forma). Além disso, a aplicação da JT não significa que ações específicas devam estar relacionadas à psicoterapia ou mesmo à psicologia clínica em geral. Isso significa que, em casos civis, a lei pode ter um impacto fora a rotina da culpa ou inocência do réu ou na negligência de um acusado em uma causa civil. A jurisprudência tera- pêutica acredita que a importância da lei está além das salas de audiên- cia e pode ter um impacto profundo na prática da psicologia forense. Em consonância com os auto- res Martins, Cruz e Beiras (2012), é correto afirmar que, o sistema legal pode ter uma influência favorável ou desfavorável sobre as pessoas que afeta de várias maneiras. Por exem- plo, se o juiz nunca força o perpetra- dor de violência doméstica na sua frente a ser tratado, isso pode ter um impacto negativo na probabilidade do réu de cometer um crime no fu- turo. Se o tribunal de apelação aceita que o psicólogo mantém o sigilo pa- ciente, o paciente pode estar mais disposto a compartilhar informa- ções com o terapeuta. A lei pode ser uma entidade viva que respira, e essa descoberta é muito importante para a psicologia forense. Quando psicólogos forenses auxiliam os tri- bunais, eles devem estar cientes das consequências da lei e do sistema le- gal. A jurisprudência terapêutica será usada como forma de enfatizar a influência da lei na prática da psi- cologia forense. A ideia da jurispru- dência terapêutica simplesmente enfatiza algumas maneiras impor- tantes pelas quais o direito pode produzir consequências positivas e negativas na prática da psicologia forense, e as maneiras como a psico- logia forense pode ajudar o sistema jurídico. Segundo Brandão (2019), psi- cologia e direito são duas disciplinas muito diferentes que resolvem pro- blemas de maneiras muito diferen- tes. Existem vários conflitos entre a psicologia e o direito. De um modo geral, o direito tende a ser dogmá- tico e a psicologia tende a se basear na experiência, essa dicotomia su- gere que o direito está baseado nos precedentes. O princípio de stare de- cisis, manter a decisão é o cerne da lei, que se baseia em decisões legais anteriores e é resistente a muda-las, pois, o sistema jurídico é organizado hierarquicamente de acordo com re- gras e procedimentos específicos. 10 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL Por outro lado, a psicologia se con- centra na coleta de grandes quanti- dades de informações e suas conclu- sões podem mudar com o tempo, porque a pesquisa examina uma questão específica de ângulos dife- rentes. A psicologia acredita que mudanças provavelmente ocorrerão na busca pela verdade. Para Fiorelli e Mangini (2019), os dois sistemas também diferem na maneira como entendem a verdade. O direito usa um sistema de adver- sários, em que duas partes opostas devem fazer o possível para obter a vitória, e espera-se que, por meio dos esforços de ambos os lados, a verdade possa ser revelada. Essa abordagem frequentemente contra- diz a psicologia, que usa experimen- tos por meio de pesquisas objetivas, mesmo que as vezes é introduzida a parcialidade no processo empírico, a intenção é revelar uma verdade ob- jetiva. O direito e a psicologia tam- bém são diferentes, porque embora a psicologia seja descritiva, o direito é prescritivo. A psicologia descreve o comportamento humano, e o direito estipula ou prescreve a forma do comportamento humano. Outra di- ferença fundamental entre os dois é que a psicologia é nomotética e o di- reito é ideográfico. A psicologia foca- liza o agregado ou as teorias amplas que podem ser generalizadas para inúmeros casos, já o direito focaliza umcaso individual ou um padrão es- pecífico de fatos. Enfim, a psicologia é probabilística e o direito é defini- tivo, a psicologia trata da possibili- dade de um evento específico, ou a ocorrência de um evento específico não é um erro aleatório. Em vez disso, a lei tenta ser certa e direta, o réu é culpado ou inocente, e todas as evidências são aceitáveis ou inacei- táveis (SANTANA, 2020). De acordo com Gomide e Staut Júnior (2016), certamente, todas es- sas diferenças são artificiais até cer- to ponto, porque são conceitualmen- te vistas como dicotomia, e não co- mo dimensões. Essas diferenças não se aplicam a todas as disciplinas em todos os casos, mas, em geral, são mais aplicáveis a uma disciplina do que a outra. Essas diferenças se tor- nam o cerne do conflito entre essas duas disciplinas e frequentemente causam conflitos para psicólogos que optam por trabalhar dentro do sistema jurídico. 12 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL 2. Indivíduos Psicopatas Fonte: Medium2 onforme Peres (2018), a psico- logia forense é um campo rela- tivamente novo nos últimos anos e ganhou destaque devido às possibi- lidades de atuação nos sistemas ju- diciais e clínicos, especialmente no tratamento de transtornos de perso- nalidade antissocial e psicopatias. A psicologia jurídica é uma das nome- ações para a área da psicologia en- volvendo questões relacionadas com o sistema judicial ou as práticas jurí- dicas. De acordo com a Resolução nº 14/00 de 20 de dezembro de 2000, por ser uma profissão recentemente reconhecida pela Conselho Federal de Psicologia, essa lei tem como ob- jeto de pesquisa as consequências de 2 Retirado em https://medium.com/ ações judiciais sobre os indivíduos. A história dos psicólogos jurídicos brasileiros começou com o reconhe- cimento da profissão na década de 1960. A inserção desses profissio- nais é feita de forma gradativa e len- ta, pois o trabalho geralmente tinha que ser voluntário para ser reali- zado. Em consonância com o autor Huss (2011), é correto afirmar que, inicialmente, a psicologia era uma prática destinada a realizar exames e avaliações, e buscava as identifica- ções por meio dos diagnósticos. Por- tanto, os psicólogos da época só eram reconhecidos por meio de tes- C 13 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL tes psicológicos aplicados. Na maio- ria das vezes, os testes e diagnósticos psicológicos eram usados para auxi- liar nos procedimentos de liberdade condicional, comutação de penas, perdão e até mesmo para avaliar se o detento pode ser libertado da pri- são e participar da vida social nova- mente, ou se deve continuar na pri- são por mais tempo. Porém, na úl- tima década, devido ao surgimento de novas pesquisas e novos campos de atuação, a demanda por psicólo- gos na área jurídica vem crescendo. Algumas das práticas desenvolvidas se referem a: Questões dos direitos da in- fância, juventude e família (adoção, separação, crianças, adolescentes e demais mem- bros familiares em situação de risco); Relativas ao direito civil (inde- nizações, danos psíquicos) e penal (perícia, crimes); Campos de atuação que envol- vam danos psíquicos, atendi- mento de indivíduos ligados à justiça e atendimento à juízes e promotores. Segundo Martins, Cruz e Bei- ras (2012), o psicólogo jurídico deve deixar o papel de perito ou técnico para buscar novas alternativas e, a partir daí, valorizar seu trabalho, au- mentando assim a possibilidade de atuação na área jurídica. O termo psicologia jurídica é considerado mais abrangente, cobrindo mais possibilidades teóricas e técnicas de- senvolvidas neste contexto. Os psi- cólogos jurídicos trabalham princi- palmente junto aos Juizados de Me- nores, às Varas Cíveis e Criminais e às Penitenciárias, enquanto que o termo psicologia refere-se às ativi- dades de especialistas, como o perfil psicológico de possíveis criminosos, a avaliação de testemunho e credibi- lidade, a verificação de danos psico- lógicos e outros. Para Brandão (2019), no Bra- sil, o termo jurídico e forense é fre- quentemente utilizado como um só conceito, este erro pode ter ocorrido devido à citada Resolução nº 14/00 de 20 de dezembro de 2000, ter re- conhecido apenas a especialidade de Psicologia Jurídica, como um todo. A psicologia forense pode ser vista como uma divisão ou um subcon- junto de procedimentos forenses. De acordo com Santana (2020), em relação às áreas de atua- ção próprias da Psicologia Forense, cabe ao profissional, de acordo com o direito criminal e civil: Práticas de avaliação de risco no momento da sentença; Inimputabilidade e responsa- bilidade criminal; Capacidade para alguém se submeter a julgamento; Tratamento de agressores se- xuais; Guarda dos filhos; 14 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL Responsabilidade civil; Danos pessoais; Indenização a trabalhadores; Capacidade para tomar deci- sões médicas. Conforme Gomide e Staut Jú- nior (2016), sendo assim, as ativida- des ligadas aos tribunais se resu- mem em: Exames psicológicos tanto dos autores do delito quanto das vítimas; Avaliações dos períodos de de- tenção, pós-detenção, da cre- dibilidade do testemunho e dos danos psíquicos e neu- ropsicológicos; Exames das famílias em con- flito e de menores, ou adultos, no caso de menores em risco; Assistência às vítimas; Aconselhamento; Perícias e contra perícias; Tratamento de delinquentes. Outra questão em psicologia forense envolve questões relaciona- das aos criminosos considerados psicopatas. Trabalhar com essas pessoas é complicado porque seu re- conhecimento e avaliação é um de- safio no campo da psicologia. Isso ocorre pelo caráter manipulador dos psicopatas, que pode alterar os re- sultados obtidos nas entrevistas, e pela falta de instrumentos para tais avaliações (ROVINSKI e CRUZ, 2017). Em consonância com os auto- res Peres (2018), é correto afirmar que, na psicopatia, como não há sin- tomas como alucinações, delírios ou psicose, as pessoas não são caracte- rizadas nem como doentes mentais, nem como psicóticos. Eles são co- nhecidos por seu desprezo pelas obrigações sociais e pela falta de consideração pelos sentimentos dos outros. Em outras palavras, o com- portamento do psicopata não é cau- sado por uma mente perturbada, mas por uma racionalidade fria e calculista, são incapazes de conside- rar os outros como seres humanos. Sendo assim, as principais caracte- rísticas desses indivíduos, são: Egocentrismo; Frieza; Insensibilidade; Manipulação; Transgressão de regras soci- ais; Apesar de saberem exata- mente o que estão fazendo não aprendem com as experiên- cias, por serem desprovidas de sentimento de empatia, culpa ou remorso. Segundo Huss (2011), de acor- do com o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), a classificação de Psicopa- tia se dá por Transtorno de Persona- lidade Antissocial em que a caracte- rística essencial é “um padrão global 15 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL de indiferença e violação dos direi- tos dos outros, o qual surge na infân- cia ou no início da adolescência e continua na idade adulta”. Em rela- ção aos critérios diagnósticos, algu- mas considerações referem-se à fal- ta de remorso, irritabilidade e agres- sividade psicopatas, em termos de comportamento legal apresentam fracasso em ajustar-se às normas so- ciais, tendência a falsidade, impulsi- vidade ou falha em fazer planos fu- turos. Em relação às causas do Transtorno de Personalidade Antis- social, fatores genéticos e ambien- tais são apontados pelo DSM-5. Para Martins, Cruz e Beiras (2012), o escritor Hervey Cleckley, foium dos primeiros investigadores a propor um conceito claro e abran- gente sobre a psicopatia, referindo que as características que definem o perfil clínico do psicopata são as se- guintes: Charme superficial e boa inte- ligência; Ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracio- nal; Ausência de nervosismo; Falsidade e falta de sinceri- dade; Ausência de remorso ou vergo- nha; Comportamento antissocial inadequadamente motivado; Julgamento deficitário e falha em aprender com a experiên- cia; Egocentrismo patológico; Deficiência geral nas reações afetivas principais; Vida sexual e interpessoal tri- vial e deficitariamente inte- grada; Fracasso em seguir um plano de vida. Essa série de características tornou-se a base para o prognóstico psicopatia em psicologia, por um longo período de tempo. Por meio desses conceitos, Robert Hare criou a primeira ferramenta para medir e diagnosticar psicopatia, o Psychopa- thy Checklist (PCL), que fornece in- formações ricas e detalhadas para esse transtorno de personalidade. No entanto, o autor da escala alertou que se trata de um instrumento complexo e que requer pesquisas ex- tensas, acredita também que para fazer um diagnóstico é necessário um treinamento, pois a psicopatia é um grupo de sintomas relacionados e não deve ser estudada separada- mente. Portanto, a escala PCL enu- mera vinte características relaciona- das aos psicopatas, e utiliza uma pontuação para cada sintoma listado para determinar um escore mínimo, que quando é atingido configura a psicopatia do indivíduo. Mais tarde, o próprio Hare aprimorou esse mé- 16 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL todo e o tornou o PCL-R (Psychopa- thy Checklist Revised), o método mais utilizado para diagnosticar psi- copatias em todo o mundo (CAL- ÇADA e MARQUES, 2019). De acordo com Rovinski e Cruz (2017), a avaliação dos trans- tornos de personalidade sempre foi um desafio na psicologia forense, pela falta de ferramentas para tal avaliação, e também pela tendência à rejeição ou manipulação como uma das características do Trans- torno de Personalidade Antissocial e dos traços psicopatas. Portanto, o foco está na relevância do uso de fer- ramentas de avaliação psicológica para tratar pacientes com psicopa- tias. Conforme Santana (2020), para alguns profissionais que se de- dicam à investigação em psicologia forense, a psicopatia não é um trans- torno psiquiátrico, mas um conjunto de padrões de comportamento, cu- jos indicadores são chamados de psicopatia, originalmente defendido por profissionais da área como um termo exclusivo do campo da perí- cia. Portanto, é um conjunto de com- portamentos que quando presentes é denominado psicopatia, mas não é uma síndrome, não é um transtorno psiquiátrico, mas um padrão de comportamento. Para fechar o diag- nóstico de Personalidade Antissocial ou psicopatia, todas as condições de- vem ser atendidas, e pode haver al- guns indivíduos que têm Personali- dade Antissocial e não são psicopa- tas, portanto a escala Hare será usada para fazer esta distinção. Em consonância com os auto- res Gomide e Staut Júnior (2016), é correto afirmar que, no que se refere ao processo de avaliação ou reco- nhecimento de indivíduos com ca- racterísticas de psicopatia, é neces- sária a realização de extensas pes- quisas do psiquismo, utilizando tes- tes validados e reconhecidos pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), incluindo testes objetivos e projetivos, além de técnicas de en- trevista, com questões envolvendo todo o aspecto do exame psíquico, afirmando ainda que essa técnica é de fundamental importância para qualquer área da Psicologia. O pro- cesso de avaliação, não pode come- çar apenas com a avaliação direta de um indivíduo e a obtenção de dados, é um trabalho amplo, de pesquisa e de trabalho, onde é necessário en- contrar outras fontes que convive- ram ou convivem com a pessoa, e re- alizar a análise de documentos. Por- tanto, é uma responsabilidade que os padrões sejam usados exata- mente como as pesquisas que cons- truiu esses padrões relatam. Sempre tomando cuidado para não rotular 17 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL indivíduos porque esse não é o obje- tivo. Segundo Peres (2018), além de pesquisas mais abrangentes, como trabalhar com pessoas que convi- vem com essas pessoas, também é necessário ter um amplo conheci- mento das ferramentas utilizadas. O psicólogo forense também deve ter muita responsabilidade e cautela, para que não haja julgamento sobre o comportamento dessas pessoas, e a subjetividade dos profissionais não prejudique todo o desenvolvi- mento da avaliação. Para trabalhar com essas pessoas, além de dominar o conhecimento das ferramentas de avaliação, é necessário realizar pes- quisas extensas e aprender as habili- dades dos profissionais da área. Es- ses profissionais devem deixar claro que essas pessoas não podem ter apenas uma categoria e não devem ser rotuladas, mas é preciso priori- zar aqueles que são avaliados como psicopatas e tratá-los com respeito. 19 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL 3. Avaliação e Tratamento Fonte: Psiqueasy3 ara Huss (2011), a prática fo- rense pode ser dividida em três áreas específicas: avaliação, trata- mento e consultoria. Os primeiros dois campos não são exclusivos da psicologia forense, mas são centrais da prática da psicologia clínica. A avaliação forense envolve a avalia- ção de indivíduos para auxiliar o tri- bunal na solução de questões jurídi- cas. É baseado em métodos e meios semelhantes à avaliação terapêutica geral, mas também usa alguns méto- dos forenses específicos. A terceira área, de consultoria, tem mais pro- 3 Retirado em https://blog.psiqueasy.com.br babilidade de ocorrer na prática fo- rense do que na prática clínica regu- lar, portanto, pode não ser familiar. A consultoria desempenha um papel importante para psicólogos foren- ses. Os psicólogos forenses geral- mente auxiliam advogados ou tribu- nais na compreensão de aspectos do comportamento humano e da saúde mental, que não estão diretamente relacionados à avaliação ou trata- mento do indivíduo. Na avaliação forense, além de coletar dados para considerar a saú- de mental do indivíduo, como na P 20 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL avaliação clínica, o foco também está em atender aos requisitos da autoridade solicitante. O método de avaliação forense tem perspectivas clínicas, na perspectiva da saúde mental, por meio de entrevistas, es- truturadas, semiestruturadas e não estruturadas, observação, testagem, coleta de informações e outras técni- cas. A diferença é que, no contexto forense, esses métodos são de maior importância porque seu significado está além do escopo de um diagnós- tico preciso e pode até definir a liber- dade humana e o bem-estar social (HARE, 2013). De acordo com Calçada e Mar- ques (2019), o tratamento forense visa tratar e recuperar criminosos, com ou sem transtornos mentais. Geralmente consiste em procedi- mentos concebidos para tratar, manter e monitorar pacientes exter- nos ou para tratar de questões espe- cíficas relacionadas aos infratores. Conforme Rovinski e Cruz (2017), a prática da psicologia foren- se faz com que os psicólogos foren- ses desempenhem o papel de peri- tos. Como peritos, os psicólogos po- dem ajudar diretamente o tribunal a relatar os resultados das investiga- ções psicológicas e sua aplicação a questões jurídicas específicas. Mas é importante lembrar que os psicólo- gos forenses prestam assessoria ao sistema legal, portanto, eles não vão substituir a autoridade no processo de tomadade decisão, mas sim auxi- liá-los, atuando como se fossem con- sultores técnicos em psicologia. Em consonância com o autor Santana (2020), é correto afirmar que, a Resolução CFP nº 008/2010 estipula as responsabilidades do psi- cólogo como especialista e assistente técnico no Poder Judiciário. É im- portante que o psicólogo forense siga essas disposições da Resolução na íntegra, portanto a seguir, tem-se o texto na Integra da Resolução. “O CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, no uso de suas atri- buições legais e regimentais, que lhe são conferidas pela Lei no 5.766, de 20 de dezembro de 1971; pelo Có- digo de Ética Profissional e pela Re- solução CFP nº 07/2003: Considerando a necessidade de estabelecimento de parâ- metros e diretrizes que delimi- tem o trabalho cooperativo pa- ra exercício profissional de qualidade, especificamente no que diz respeito à interação profissional entre os psicólo- gos que atuam como peritos e assistentes técnicos em pro- cessos que tratam de conflitos e que geram uma lide; Considerando o número cres- cente de representações refe- rentes ao trabalho realizado pelo psicólogo no contexto do Poder Judiciário, especial- mente na atuação enquanto 21 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL perito e assistente técnico frente a demandas advindas das questões atinentes à famí- lia; Considerando que, quando a prova do fato depender de co- nhecimento técnico ou cientí- fico, o juiz será assistido por perito, por ele nomeado; Considerando que o psicólogo perito é profissional designado para assessorar a Justiça no li- mite de suas atribuições e, portanto, deve exercer tal fun- ção com isenção em relação às partes envolvidas e compro- metimento ético para emitir posicionamento de sua com- petência teórico-técnica, a qual subsidiará a decisão judi- cial; Considerando que os assisten- tes técnicos são de confiança da parte para assessorá-la e garantir o direito ao contradi- tório, não sujeitos a impedi- mento ou suspeição legais; Considerando que o psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e his- toricamente a realidade polí- tica, econômica, social e cultu- ral, conforme disposto no princípio fundamental III, do Código de Ética Profissional; Considerando que o psicólogo considerará as relações de po- der nos contextos em que atua e os impactos dessas relações sobre suas atividades profissi- onais, posicionando-se de for- ma crítica e em consonância com os demais princípios do Código de Ética Profissional, conforme disposto no princí- pio fundamental VII, do Có- digo de Ética Profissional; Considerando que é dever fun- damental do psicólogo ter, para com o trabalho dos psicó- logos e de outros profissionais, respeito, consideração e soli- dariedade, colaborando, quan- do solicitado por aqueles, sal- vo impedimento por motivo relevante; Considerando que o psicólogo, no relacionamento com profis- sionais não psicólogos com- partilhará somente informa- ções relevantes para qualificar o serviço prestado, resguar- dando o caráter confidencial das comunicações, assina- lando a responsabilidade, de quem as receber, de preservar o sigilo; CONSIDERANDO que a utilização de quaisquer meios de registro e observação da prática psicológica obede- cerá às normas do Código de Ética do psicólogo e à legisla- ção profissional vigente, de- vendo o periciando ou benefi- ciário, desde o início, ser infor- mado; Considerando que os psicólo- gos peritos e assistentes técni- cos deverão fundamentar sua intervenção em referencial teórico, técnico e metodológi- co respaldados na ciência Psi- cológica, na ética e na legisla- ção profissional, garantindo 22 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL como princípio fundamental o bem-estar de todos os sujeitos envolvidos; Considerando que é vedado ao psicólogo estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou terceiro que tenha vínculo com o atendido, relação que possa interferir negativamente nos objetivos do serviço prestado; Considerando que é vedado ao psicólogo ser perito, avaliador ou parecerista em situações nas quais seus vínculos pesso- ais ou profissionais, atuais ou anteriores, possam afetar a qualidade do trabalho a ser re- alizado ou a fidelidade aos re- sultados da avaliação; Considerando que o psicólogo poderá intervir na prestação de serviços psicológicos que estejam sendo efetuados por outro profissional, a pedido deste último; Considerando decisão deste Plenário em reunião realizada no dia 18 de junho de 2010. Resolve: Capítulo I Realiza- ção da Perícia Art. 1º - O Psicólogo Perito e o psicólogo assistente técnico devem evitar qualquer tipo de interferência durante a avaliação que possa preju- dicar o princípio da autonomia teó- rico-técnica e ético-profissional, e que possa constranger o periciando durante o atendimento. Art. 2º - O psicólogo assistente técnico não deve estar presente du- rante a realização dos procedimen- tos metodológicos que norteiam o atendimento do psicólogo perito e vice-versa, para que não haja inter- ferência na dinâmica e qualidade do serviço realizado. Parágrafo Único - A relação entre os profissionais deve se pautar no respeito e colaboração, cada qual exercendo suas competên- cias, podendo o assistente técnico formular quesitos ao psicólogo pe- rito. Art. 3º - Conforme a especifi- cidade de cada situação, o trabalho pericial poderá contemplar observa- ções, entrevistas, visitas domicilia- res e institucionais, aplicação de tes- tes psicológicos, utilização de recur- sos lúdicos e outros instrumentos, métodos e técnicas reconhecidas pelo Conselho Federal de Psicologia. Art. 4º - A realização da perícia exige espaço físico apropriado que zele pela privacidade do atendido, bem como pela qualidade dos recur- sos técnicos utilizados. Art. 5º - O psicólogo perito po- derá atuar em equipe multiprofissi- onal desde que preserve sua especi- ficidade e limite de intervenção, não se subordinando técnica e profissio- nalmente a outras áreas. O psicólogo perito é aquele no- meado pelo juiz para atuar no caso. 23 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL O psicólogo assistente técnico é con- tratado pelas partes (contratação não obrigatória) para direcionar o trabalho do perito (elaborando os quesitos, que são “perguntas” im- portantes para o processo) e para contestar (se houver necessidade) o laudo do perito.” Avaliação Psicológica Segundo Gomide e Staut Jú- nior (2016), os desafios da avaliação psicológica forense começam com a disposição do indivíduo em fazê-la, pois normalmente, ele é forçado ju- dicialmente a realizá-la. Os pericia- dos distorcem e questionam delibe- radamente a avaliação, o que coloca em dúvida a validade psicológica dos resultados obtidos. Portanto, outras fontes de informações são relevantes e que a avaliação não deve ficar res- trita ao discurso do avaliado. Para Peres (2018), encontrar a singularidade do periciado é, sem dúvida, um grande desafio. A singu- laridade de cada pessoa deve ser avaliada, buscando a pesquisa idio- gráfica, um estudo aprofundado do ser humano com o objetivo de en- tender mais as pessoas. Uma suges- tão é aplicar a mesma escala para to- dos, mas comparar os resultados desta escala com os resultados do próprio indivíduo em outras escalas. A este respeito, a avaliação idiográ- fica, em oposição à comparativa, le- vará à ênfase nas características in- ternas de uma pessoa e no padrão e organização de seu comportamento em comparação com outras (PAU- LINO e ALHO, 2018). De acordo com Hare (2013), o psicólogo Eysenck, no ano de 1976, apresenta uma visão que contradiz essa ideia da avaliação idiográfica, ele acredita que a personalidade não é única como indicam psicólogos ideográficos e, como outros autores já disseram, também nãoé univer- sal. Ele propõe que a personalidade estaria em dimensões nas quais as pessoas estariam ordenadas como numa escala. Portanto, em termos de certos atributos relacionados e relativamente constantes, é possível dividir a população em grupos rela- tivamente homogêneos. Para ele, é impossível ter generalizações uni- versais, e a atenção à personalidade como uma variável intermediária pode não apenas prever o comporta- mento com mais precisão, mas tam- bém reduzir muito a faixa de erro permitida. Para o autor, há evidên- cias confiáveis de que existem certas características constantes no com- portamento humano, que podem então ser medidas. Mesmo assim, mostra claramente que a singulari- dade da personalidade é inegável. 24 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL Conforme Calçada e Marques (2019), em relação a esta avaliação pessoal e a busca da verdade psico- lógica, um questionamento rele- vante é o papel das ferramentas psi- cométricas no uso forense. Por um lado, é fácil para o avaliado falsificar os inventários, por outro lado, a va- lidade dos Testes Projetivos de Per- sonalidade é questionada. O uso de ferramentas é uma diferença posi- tiva entre a psicologia e a avaliação psiquiátrica. A perícia psiquiátrica, constituída essencialmente por en- trevistas no modelo clássico, pode deixar escapar informações necessá- rias para uma compreensão mais ampla do caso, o que muitas vezes altera o resultado dos laudos perici- ais. Em consonância com o autor Rovinski e Cruz (2017), é correto afirmar que, os Testes Projetivos ba- seiam-se basicamente na teoria psi- canalítica e no conceito de projeção, não apenas no sentido estrito de me- canismo de defesa, mas também no sentido mais amplo, expressando o próprio comportamento por meio de determinadas tarefas sugeridas. Portanto, é necessário verificar cien- tificamente as inferências derivadas dos resultados nessas tarefas, o que mostra que os métodos de projeção envolvem informações sobre o con- junto dinâmico das funções mentais, embora seu contexto tenha avan- çado em cientificidade, isso não pro- va sua baixa confiabilidade. Os tes- tes projetivos não exploram uma única variável, mas descreve um in- divíduo com base em um esquema dinâmico de variáveis inter-relacio- nadas. Sua validação, portanto, se refere mais a um processo científico de validação de hipóteses. Sendo as- sim. O uso das técnicas de projeção é baseado nos dados obtidos em pes- quisas, não apenas na impressão cri- ada pela resposta do entrevistado ao teste. Segundo Santana (2020), du- rante a fase de investigação policial, são realizadas diversas avaliações psicológicas forenses, principalmen- te na avaliação de crianças e adoles- centes, com o objetivo de verificar abusos físicos, psicológicos ou sexu- ais. No campo do direito penal, o exame médico-legal são delimitados no contexto da determinação da res- ponsabilidade penal. Por decisão do juiz, o psicólogo pode utilizar seu trabalho como avaliação comple- mentar, principalmente nas Casas de Custódia e Tratamento. Na legis- lação do Brasil, a presença de um pe- rito é adequada para as situações em que os fatos demonstraram depen- der do conhecimento técnico-cientí- fico de profissionais de nível supe- rior e integram o conselho de classe, 25 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL portanto, o exercício profissional do psicólogo está legalizado. Para autores como Gomide e Staut Júnior (2016), a questão ini- cial da interface entre o direito e a ci- ência será como interpretar os fatos e reconstruir a verdade. Porém, se o profissional não conseguir se distan- ciar do sujeito periciado e de seu contexto, tenderá a estabelecer uma tendência para suas próprias verda- des, e seguirá o processo para buscar a confirmação de suas crenças. Por- tanto, o chamado viés confirmató- rio, surge devido a uma tendência dos entrevistadores de apenas bus- car e estimar informações que sejam consistentes com suas hipóteses, ao invés de investigar todos os fatos ob- jetivamente. O viés confirmatório existe em quase todas as situações em que se busca informações e, na maioria dos casos, a hipótese apre- sentada é suficiente. O problema é quando esse viés é baseado em cren- ças ou suposições, porque tendem a sugerir informações falsas. O viés confirmatório opera automatica- mente e o indivíduo não se dá conta do que aconteceu. A maioria das pessoas não está acostumada a descrever em detalhes as situações que vivenciam. Portan- to, o uso indevido de técnicas na co- leta de informações, contidas na me- mória de testemunhas pode causar problemas com a qualidade do de- poimento. Há evidências científicas de que a postura do entrevistador, e suas crenças e suposições sobre o evento sob investigação, afetaram muito o comportamento da teste- munha, o que pode levar a distor- ções no depoimento. Na maioria dos casos, crianças que testemunham estão envolvidas em situações de vi- olência, e seus relatos versaram so- bre situações traumáticas. Na au- sência de outras evidências, o relato de uma criança geralmente se torna a única evidência em um processo criminal. O impacto do estresse nas crianças vítimas de abuso sexual nem sempre é perceptível na infân- cia, e só pode ser observado na idade adulta. Sendo assim, embora certos sintomas tenham sido encontrados em crianças, embora isso possa indi- car uma relação com uma condição traumática, ainda é insuficiente para fornecer evidências de uma situação específica de emergência em relação a uma situação de violência estabe- lecida (SERAFIM e SAFFI, 2018). De acordo com Paulino e Alho (2018), infelizmente, outro fenôme- no muito comum que ocorre nas va- ras de família, são os Laudos Psico- lógicos que indicam que existe abuso sexual de crianças e adolescentes. Normalmente, eles aparecem repen- tinamente no contexto de separação 26 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL do casamento, onde há disputas ou mudanças na guarda, regulamenta- ção de visitas e até mesmo no caso de revisão de pensão alimentícia. Geralmente, são emitidos documen- tos sem qualquer cientificidade, com base na fala de uma das partes, sem que o outro lado da história seja ou- vido e avaliado. Em muitos casos, ju- ízes ou o Ministério Público se pro- nunciam pelo afastamento liminar do suposto agressor, há relatos de pais que ficam sem ver os seus filhos por anos, isso quando não tramita em julgado a perda do Poder Fami- liar sem qualquer prova técnica vá- lida. Conforme Hare (2013), por muito tempo, a avaliação psicológica tem sido fonte de críticas ao seu pro- cedimento e resultados. Em qual- quer caso, haverá consequências para os envolvidos, direta ou indire- tamente, na avaliação propriamente dita, sendo assim, é importante ob- servar que não há hierarquia entre os diferentes propósitos de avalia- ção. Seja qual for o contexto, a res- ponsabilidade é grande, e certa- mente tem sido subestimada por quem avalia. Embora muitos cursos de psicologia estejam investindo cada vez mais na formação dos alu- nos, ainda há formação insuficiente de professores para avaliação psico- lógica na área forense. Em consonância com os auto- res Calçada e Marques (2019), é cor- reto afirmar que, a memória não é um produto cognitivo puro, inde- pendentemente do contexto em que a pessoa é chamada a lembrar de al- gum evento. Além do ambiente físi- co, a maneira como a criança é ques- tionada e a forma como a entrevista é conduzida, também podem ser de- terminantes para a qualidade da me- mória seu relato. Pesquisas sobre denúncias de abuso sexual e violên- cia podem indicar uma boa memória para esses eventos, mas com o tem- po, as informações relacionadas às entrevistas investigativas podem fi- car comprometidas.Pois, crianças pequenas são muito sugestionáveis, e essas sugestões podem ser provo- cadas pelo entrevistador, intencio- nalmente ou não. Daí decorre Lau- dos Psicológicos que poderão gerar as falsas acusações e consequências desastrosas. Segundo Rovinski e Cruz (2017), muitas vezes, as avaliações psicológicas no contexto da Perícia Psicológica são repletas de conteúdo moral e com duvidosas doses de ci- entificidade. Posto isto, parece que ainda há um bom caminho a percor- rer para sensibilizar os profissionais envolvidos no processo de avaliação psicológica, incluindo alunos e pro- fessores. 27 28 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL 4. Práticas Restaurativas Fonte: Medium4 ara Santana (2020), há um no- vo movimento jurídico deno- minado justiça restaurativa, que co- meçou na década de 1970, e ocupa uma posição vital no monopólio es- tatal da justiça criminal, no qual o poder de decisão está concentrado nos operadores legais, juízes, pro- motor e ministério público e/ou re- presentantes do Estado. Em 1977, o pesquisador e psicólogo americano Albert Eglash usou o termo “justiça restaurativa” pela primeira vez em 4 Retirado em https://medium.com/ seu livro intitulado Beyond Return: Creative Return. Embora “Justiça Restaurativa” seja predominante, outros títulos também são usados: “Justiça Transformadora “ou “Transformativa”, “Justiça Relacio- nal”, “Justiça Restaurativa Comu- nal”, “Justiça Restauradora”, “Justi- ça Recuperativa” ou “Justiça Partici- pativa”. Em um contexto mais apro- fundado, no que diz respeito às raí- zes das práticas restaurativas, al- P 29 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL guns estudos têm apontado que elas se tornaram atuações sociais nos povos coloniais da África, Nova Zelândia, Áustria, América do Norte e do Sul e sociedades pré-estatais na Europa. A justiça restaurativa tem suas raízes nas tribos indígenas norte-americanas, que originalmen- te imigraram das regiões do norte no século XVI e mais tarde se tornaram pastores e caçadores. Os membros Navajo explicavam que algumas pessoas não percebiam um grau de parentesco nos seus semelhantes, o que causava danos a outros, isso por estarem desengajadas socialmente como uma desumanização do outro. Para corrigir esta situação devasta- dora e ajudar as pessoas afetadas a encontrar uma maneira de se curar e se recuperar, o povo Navajo chama- va os parentes responsáveis pelo cri- minoso, para ajudá-lo a se conectar com sua comunidade pela primeira vez. Portanto, esses procedimentos permitiam que os responsáveis pelo dano, trabalharem seus pensamen- tos confusos ou fazer “fuzzy thin- king”, uma expressão usada pelo ex- chefe de Justiça da corte da Navajo Nation, para reconhecer os danos à comunidade e às pessoas afetadas, e os meios de repará-los levando em conta as necessidades da vítima da forma mais ampla possível. O pro- cesso de apaziguamento do povo Navajo é uma conquista notável da justiça restaurativa porque envolve a comunidade na restauração do bem- estar e no atendimento das necessi- dades de todas as pessoas e grupos (ANTUNES e ROCHA, 2018). De acordo com Serafim e Saffi (2018), em muitas comunidades, punir os culpados é uma verdadeira obsessão social, e para isso, a justiça deve se basear na intimidação de culpados ou candidatos em poten- cial, saciando assim o desejo de vin- gança. Embora a aplicação das san- ções seja muito rígida, a realidade mostra que a taxa de reincidência de crimes ainda é elevada, mesmo quando são impostas punições seve- ras, o que permite que as pessoas entendam que esta não é a forma mais eficaz de evitar novos crimes. Os modelos punitivos da justiça tradicional apenas cumprem com o controle, e tem se mostrado uma prática ultrapassada, pois hoje a punição deve ser adaptada aos no- vos tempos. Há um grande descré- dito na esperança depositada em cumprir pena na prisão, como a úni- ca forma de controle social formal, e o sistema punitivo atual está falido em termos de medidas retributivas e preventivas. Conforme Paulino e Alho (2018), o sistema de penalidades atual não ajuda a eliminar atos cri- minosos ou reincidentes. Na prática, apenas a lei pode ser usada como 30 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL forma de prevenção geral, pois a pena representa apenas a atuação do poder do Estado, comportamento que não só causa dor e sofrimento físico e mental aos presidiários, mas também prejudica a socialização e a afetividade. Hoje, a punição não po- de ser vista como uma resposta pura e simples ao comportamento crimi- noso. Da mesma forma, não se pode ignorar que os presos voltarão à comunidade um dia, e talvez estejam piores do que antes. Em consonância com o autor Hare (2013), é correto afirmar que, quando as pessoas são excluídas da comunidade, elas não têm motivo para se preocupar sobre como suas ações afetarão a si mesmas e aos outros. A sentença penal condenató- ria tem o direito de produzir efeitos sobre terceiros, que entendem que a revisão e o julgamento de casos específicos são normativos. Ainda assim, nem sempre é uma sentença justa, e apesar de cumprir a sua efe- tividade promovendo inclusive uma sensação de controle da impunida- de, o que é utópico. Segundo Calçada e Marques (2019), a justiça restaurativa enfati- za as relações sociais e a reposição da vida em comunidade, e levanta algumas questões sobre a eficácia de tais intervenções que são focadas apenas no indivíduo. Críticas ao sis- tema tradicional de Justiça Penal não faltam, pois é um sistema que dificilmente estimula o ofensor a compreender as consequências de seus atos ou desenvolver empatia em relação à vítima. Além disso, nesse mesmo sistema tradicional, o réu não está disposto a assumir suas responsabilidades, o que o faz se sentir mais alienado da sociedade ao passar por todo o processo penal e experiência prisional. Para Rovinski e Cruz (2017), a diferença está na abordagem entre a Justiça Restaurativa e a tradicional, pois esta última centraliza-se na punição e nas consideradas questões legais. Já para a Justiça Restaurativa a preocupação se estende às ques- tões psicológicas e comportamen- tais. Portanto, pode-se perceber que a justiça restaurativa se destaca por ser um sistema de reintegração que se preocupa com os envolvidos e os relacionamentos. Portanto, a res- ponsabilidade reside na análise das violações, de forma a inspirar o cri- minoso a compreender o impacto de seu comportamento e os danos cau- sados, ajudando-o a estabelecer um mecanismo para que ele tome me- didas para corrigir o comportamen- to criminoso, no que for possível. De acordo com a Resolução 12/2002 do Conselho Social e Eco- nômico da Organização das Nações Unidas, a justiça restaurativa busca reintegrar o agressor à sociedade, ao 31 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL invés de simplesmente impor penas punitivas. De acordo com este do- cumento, processos restaurativos devem ser entendidos como quais- quer procedimentos que envolvam a vítima, o agressor ou membros da comunidade afetados pelo crime, para decidir ativamente e resolver questões que o conflito causou, é com a ajuda de um facilitador (FIO- RELLI e MANGINI, 2019). De acordo com Antunes e Rocha (2018), a Justiça Restaurativa pode ser definida a partir de três referenciais distintos: A definição funcional que des- creve o processo restaurativo em si; Conjunto de crenças e valores sobre a resolução de situações de conflito e violência e, conse- quentemente, a reparação de danos decorrentes do conflito; A base no caráter transforma- tivo que se desenvolve tanto em nível pessoal como insti- tucional.Conforme Serafim e Saffi (2018), a justiça restaurativa reco- menda o fortalecimento do papel da comunidade na promoção da segu- rança, políticas de compensação e aumento do senso coletivo de força, e recomenda o estabelecimento da paz por meio de ações específicas de compensação pelas consequências do crime. Com base nesta realidade, a aplicação da justiça restaurativa foi ajustada como forma alternativa de resolução de conflitos, fortalecen- do a cultura de paz e buscando a igualdade nos chamados atos ilícitos envolvendo a participação de todas as partes e comunidades. Em consonância com os auto- res Paulino e Alho (2018), é correto afirmar que, as orientações da justi- ça restaurativa têm a justiça como o maior valor e apontam as dimensões que podem criar ações de reequilí- brio social nas quais as necessidades de todos os envolvidos sejam atendi- das. Os princípios básicos que regem a justiça restaurativa alcançam os seguintes objetivos: suprimir dispu- tas conflitantes, promover o diálogo, respeito, empatia, tolerância, inclu- são, integração, responsabilidade coletiva e restaurar os laços. Segundo Hare (2013), a volun- tariedade é um dos princípios que regem a justiça restaurativa e depen- de da comunidade e se as partes envolvidas no conflito estão dispos- tas a participar na resolução do conflito. A verdade, a justiça e a reparação são os pré-requisitos bási- cos para a justiça restaurativa, des- tacando a necessidade de tratar a vítima como protagonista do crime. Para Calçada e Marques (2019), a justiça criminal deve se tornar humanitária, mediadora, re- paradora e compensatória, para 32 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL conseguir um diálogo de reconcilia- ção entre o agressor e a vítima. A justiça restaurativa é um processo que busca reunir os envolvidos em um crime, vítimas, criminosos e ou- tras pessoas ou membros da comu- nidade para participarem ativamen- te do processo de mitigação de conflitos. Existem várias práticas restau- rativas, como mediação, reuniões familiares, círculos restaurativos e outras práticas destinadas a se adap- tar ao tipo de realidade e às neces- sidades do local de aplicação. A apli- cação da justiça restaurativa deve ser formalmente reconhecida no sis- tema judicial nacional e ter normas e regras aplicáveis a ela. A Resolução 12/2002 do Conselho Social e Eco- nômico da ONU aponta a mediação, conciliação, a celebração de conver- sas (conferencing) e as reuniões pa- ra decidir a sanção (sentencing cir- cles), como procedimentos restaura- tivos (BRANDÃO, 2019). De acordo com Fiorelli e Man- gini (2019), a característica essencial da prática da justiça restaurativa é que o infrator deve admitir que é o responsável pelo crime, além disso, esses métodos são limitados às par- tes que participam voluntariamente do processo restaurativo. O método que envolve a vítima e o agressor, permite ao agressor compreender o impacto do crime para a vítima, e responsabilizá-lo pelos danos causa- dos pela situação. Esse encontro dá a vítima e ao agressor a oportuni- dade de desenvolver um plano para lidar com os conflitos e os danos. Encontro entre Vítima e Infrator Conforme Antunes e Rocha (2018), antes do encontro entre a "vítima e o agressor", as duas partes são trabalhadas separadamente e, havendo consentimento, depois se prossegue para o processo restau- rativo. Depois disso, a vítima e o agressor são colocados cara a cara, para participar de uma reunião ou diálogo promovido por um facilita- dor treinado que pode orientar o momento de forma equilibrada. As pessoas envolvidas são incentivadas a explorar fatos, sentimentos e solu- ções, e a contar suas histórias, fazer perguntas, expressar seus sentimen- tos e se esforçar para chegar a uma decisão consensual. Em consonância com os auto- res Serafim e Saffi (2018), é correto afirmar que, em todos os modelos e métodos, a participação da vítima deve ser totalmente voluntária. No entanto, nesta reunião, é necessário que o infrator reconheça a sua res- ponsabilidade em certa medida para que seja possível chegar finalmente a um acordo para a devolução dos 33 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL bens. Além de compensação e res- posta, as vítimas também precisam da oportunidade de expressar e vali- dar suas emoções, como raiva, medo e sofrimento. O sofrimento da víti- ma faz parte do delito, porque é uma resposta natural do ser humano ao crime, a vítima precisa ter a oportu- nidade de falar sobre os seus senti- mentos para permitir que o ofensor confirme e reconheça esses senti- mentos. Conferência de Família ou Grupo Comunitário Segundo Paulino e Alho (2018), a forma de diálogo desse processo envolve diretamente a pre- sença de um coordenador, do agres- sor, da família do agressor, da víti- ma, de seus apoiadores e de mem- bros da comunidade, e geralmente envolve também o sistema de justiça juvenil. O objetivo da conferência é dar à vítima a chance de ter uma resposta, falando sobre o impacto do dano que sofreu, de modo que o agressor esteja ciente do impacto de suas ações como uma oportunidade de assumir a responsabilidade. Por- tanto, espera-se que o agressor se comprometa com o sistema de apoio da conferência de família ou do grupo comunitário. A conferência é uma adaptação do costume tradicio- nal da comunidade Maori na Nova Zelândia, ou seja, reuniões de gru- pos familiares, que fazem parte do sistema oficial de justiça juvenil. Tratado de Paz ou Círculos de Sentença Para Hare (2013), nos círculos da construção da paz e da justiça restaurativa, as pessoas tendem a compartilhar suas histórias de dor e erro, com o intuito de deixar para trás a camada protetora e se expor como seres humanos frágeis. Os mandamentos básicos que gover- nam a justiça restaurativa alcançam o objetivo de resolver litígios confli- tuosos promovendo o diálogo, res- peito, empatia, tolerância, inclusão, integração, um senso de responsa- bilidade para com todos e restaura- ção dos laços. Os círculos restaura- tivos podem atingir esse objetivo e permitir um maior grau de intera- ção, pois pode revelar a identidade dos participantes por meio de dis- cursos que revelam suas identidades pessoais e únicas. O círculo restaurativo é defini- do como um método diferenciado de resolução de situações divergentes, que prioriza a autonomia das partes em conflito. O processo restaurativo consiste em reuniões interconecta- das e organizadas, na perspectiva do aprendizado e da convivência futu- ra, para ajudar os envolvidos a tro- 34 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL car experiências negativas de confli- to por uma experiência com possibi- lidade de transformação, com pers- pectiva de aprendizado e convivên- cia futura (MARTINS, CRUZ e BEI- RAS, 2012). De acordo com Brandão (2019), as metas de círculos restau- rativos incluem: Promover a cura de todas as partes afetadas; Dar a oportunidade para o ofensor de assumir o impacto do seu ato; Dar às vítimas, aos infratores, aos familiares e às comunida- des uma voz e responsabili- dade compartilhada na busca de resoluções construtivas, abordando causas do compor- tamento criminoso e cons- truindo um senso de comuni- dade em torno de valores co- munitários compartilhados. Metodologia da Comunicação Não Violenta Conforme Fiorelli e Mangini (2019), em princípio, a abordagem da justiça restaurativa da comuni- cação não violenta deve ser baseada na escuta empática, na ausência de julgamento para legitimar, e promo- ver a autonomia dos envolvidos. Seu principal objetivo é levar todos os envolvidos na transição da violência para a paz, ou seja, chegar a uma solução possível e desejada por to- dos. Para a aplicaçãodesse método, em primeiro lugar, os círculos res- taurativos são definidos como uma forma diferenciada de resolver si- tuações divergentes, que prioriza a autonomia das partes em conflito. Na prática, os círculos restaurativos promovem a união de todos com o foco se chegar a um consenso, repa- rando perdas, atendendo às necessi- dades identificadas e responsabili- zação coletiva. Em consonância com os autores Antunes e Rocha (2018), é correto afirmar que, é importante ressaltar que todos os participantes são convidados a participar e sem- pre enfatizar que o ato é facultativo e voluntário. O processo visa a mudança, geralmente a resposta inicial dos envolvidos é a descon- fiança e resistência às mudanças de paradigma, pois o sistema judiciá- rio, as escolas e as redes de apoio ainda estão enraizadas no sistema que julga, culpa e segrega. Reconciliação e Perdão Segundo Serafim e Saffi (2018), o perdão não envolve neces- sariamente a reconciliação, pois está intimamente relacionado com emo- ções de raiva e ressentimento. O per- dão é mais do que apenas aceitar ou tolerar a injustiça, porque ele exige cessar a raiva e a insatisfação dire- 35 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL cionada para o ofensor, para o bem de si mesmo e dos outros. Perdoar não é um ato fácil, pois esse senti- mento está relacionado à saúde do indivíduo, pois as emoções negati- vas associadas ao alívio positivo da raiva e da vingança irão se alternar. Para Paulino e Alho (2018), a prática da justiça restaurativa não tem como objetivo principal o per- dão ou a reconciliação. Algumas víti- mas e seus defensores reagem nega- tivamente à justiça restaurativa por- que acreditam que o propósito dessa técnica é inspirar ou mesmo forçar a vítima a perdoar ou se reconciliar com o agressor. Embora perdão e reconciliação não sejam os objetivos principais da justiça restaurativa, no contexto desta técnica, um ou ambos podem ocorrer. No entanto, a per- sonalidade de todos deve ser respei- tada e o perdão ou a reconciliação não devem ser forçados ou pressio- nados. 36 36 37 PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA PENAL 37 5. Referências Bibliográficas ANTUNES, M. C; ROCHA, G. V. M. Psico- logia Forense na Contemporaneidade. Cu- ritiba, PR. Juruá Editora, 2018. 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