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RESUMO - O Desterro dos Mortos

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O livro de contos “O desterro dos mortos” do escritor baiano e professor da 
UEFS, ALEILTON FONSECA (1959) é uma excelente opção de leitura que 
conduz a reflexão sobre a própria existência e as relações humanas diante de 
uma sociedade que se desumaniza gradativamente. Os doze contos que 
compõem a obra se entrelaçam a partir das decepções, dor, morte, rompimento 
e experiências vivenciadas pelo personagem- narrador, situações de perdas que 
servem para o próprio encontro e transformação de si mesmo. 
Não é um livro para deleite fantasioso no qual a leitura provoca suspiros 
apaixonados, divagações, mas as histórias são impactantes, tiram o leitor, de 
certa forma, de um local de conforto para refletir a própria experiência, 
talvez porque mesmo sendo ficcional, os contos trazem sentimentos 
verdadeiras que se manifestam diante das perdas. E a morte é a nossa grande 
perda, e de forma brilhante, Aleilton Fonseca a coloca como um momento 
transcendência, como uma linha de fuga para encontrar-se, seja com a morte 
de uma irmã, um pai, um avô, escritor, amigo ou até a morte da inocência e de 
um sonho. 
Cada narrativa convida o leitor a refletir sobre a importância dos afetos e das 
amizades e os laços firmados com as pessoas amadas. Pois a morte cada vez 
mais vem sendo tratada de forma diferente na sociedade em que vivemos. E os 
questionamentos são inevitáveis: Será que temos tempo para cuidar do velório 
de um ente querido como nossos avós tiveram ou é mais prático pagar uma 
empresa especializada para fazer todo o serviço funerário? Será que a sociedade 
atual dar-me condições de levar o meu morto para perto de mim? 
Não resta dúvida a pertinência do tema abordado pelo autor, e muitas vezes 
diante da ficção temos aquela sensação “ isso é verdade”. E passamos para a 
questão crucial: Será que cada vez mais os mortos não ficam no exílio, desterro 
por conta da vida atribulada nessa sociedade imediatista e 
intolerante? Vejamos como as experiências de perdas são constantes nos contos 
e de certa forma, elas proporcionam o amadurecimento do personagem-
narrador e conscientização da brevidade das coisas. Apresentarei alguns contos 
que chamaram a minha atenção, lembrando que a sequência dada aqui neste 
breve comentário não é a mesma do livro. 
 * 
No primeiro conto por exemplo, intitulado “ O sabor das nuvens” traz a 
história de homem que vai em busca do seu sonho de infância, que nada mais 
era que experimentar os biscoitos de uma fábrica e conhecer as suas 
engrenagens. Toda vez que ele quando criança tentava entrar e conhecer o 
funcionamento da fábrica, era impedido por um vigia. Adulto, 30 anos depois, 
ele foi até a fábrica, e só encontra os restos daquilo que fez parte da sua 
infância. Nada mais funcionando, o local abandonado. Uma “fábrica morta” aos 
olhos de uma criança que o acompanhou até o local e o leva para conhecer o seu 
avô, o antigo vigia da fábrica, ele também repete o mesmo pensamento do 
neto. Para avô e neto, a fábrica estava realmente morta, sem nada para ser 
apreciado ou comentado, mas para o homem que alimentou o sonho, a fábrica 
vive, e os biscoitos continuam exalando o sabor que vão até as nuvens. E a 
morte da fábrica faz o homem reativá-la em sua memória, pois ele não 
conseguia enxergar a destruição, mas apenas o alimento tão desejado que ela 
forneceu e continuava fornecendo. 
Mesmo passeado pelos escombros, ele via e ouvia o barulho dos motores e o 
cheiro de biscoito invadindo todos os espaços. Assim, a morte simbólica 
resultou na superação de si mesmo, a busca pela realização dos sonhos infantis e 
narrá-los anos depois. 
Enquanto no primeiro conto analisado a morte é simbólica, no segundo conto 
ela se faz presente de forma física na vida de uma criança e capaz de transformá-
la para sempre. Trata-se do conto “ O sorriso da estrela”, na verdade, o 
primeiro conto do livro em discussão, traz como protagonista a garotinha 
especial, Estela, que tenta de todas as formas se aproximar do seu irmão Pedro, 
3 anos mais novo que ela, mas não conseguia. Estela, carinhosamente o 
chamava de “Dindinho”, irritando-o mais ainda. Todas as tentativas de diálogo 
entre Estela(13 anos) e Pedro(10 anos) eram frustradas. Pedro a tratava como 
“doida” e não gostava da aproximação de Estela, para ele, a irmã era a 
representação da vergonha pública, pois ela brincava e conversava com pedras, 
paus, animais… E num dos raros momentos de tentativa de diálogo, Estela diz 
que se ele desse um sorriso para ela, daria uma estrela do céu, a mais bonita 
seria dele, e nem assim ele quis sorrir. No entanto, Estela morre sem ganhar 
nenhum afeto do seu irmão. Só aí Pedro sente a dor da perda, e desaba diante 
do corpo da sua irmã. E tudo ele faria se uma chance fosse dada novamente. Ele 
https://toquepoetico.files.wordpress.com/2017/03/crianc3a7a-morta-port.jpg
vive com aquela culpa de não ter tornado a vida dela mais bela, e mesmo na 
velhice, Pedro não se livrou do seu drama pessoal, observando as estrelas 
piscando, como se tivessem sorrindo, ele conscientiza que nenhuma 
daquelas ele possuía, a não ser que ele voltasse a ser o “Dindinho” 
Como não fazer referência com a Macabéia de “A hora da estrela”, escrita por 
Clarice Lispector? Macabéia e Estela trazem a morte como momento da 
epifania, enquanto nordestina Macabéia morre atropelada com o sonho de ser 
estrela, Estela é uma estrela que morre sem o brilho, mas com o sorriso nos 
lábios. Ambas são as “doidas” inadequadas numa sociedade que se alia com os 
“iguais”, “normais” seguidores de padrões. Quantas “Macabéias” são 
atropeladas diariamente sem serem notadas? Quantas “Estelas” estão nos 
cativeiros, encarceradas pelas suas diferenças e não ganham nenhum sorriso de 
seus irmãos? E quando pensamos nesses pontos citados, percebemos como a 
ficção se aproxima da realidade. 
“O voo dos anjos” traz a perda da inocência, quando uma mãe( Dalva) devido 
as suas desventuras nos períodos de gravidez interrompida, promete na sua 
terceira gestação que se aquele filho nascesse e crescesse saudável durante 13 
anos ele acompanharia a procissão vestido de anjo. E assim ocorreu, mas à 
medida que o menino crescia mais envergonhado ele ficava devido a roupa 
usada. E justamente no último ano de desfile, ele convence a mãe convidar 
alguma outra criança para lhe fazer companhia, e assim livrar-se das gozações 
dos colegas. E nesse dia ele conhece a anja “Ângela”, que após a procissão e eles 
correm para os becos para se conhecerem melhor. 
E os ”anjos” voam alto para descobrirem os prazeres carnais. Muito cedo eles 
perdem a infância, e rumam apressados para o mundo dos adultos. E com esse 
novo cenário descortinado faz com que a pureza e a inocência morram para o 
surgimento de outros sentimentos. Finalmente, a promessa feita por Dona 
Dalva após cumprida, estava morta, para que novos desejos, fossem aflorados. 
Bem, o último conto a ser comentado aqui é justamente o que origina o título do 
livro “ O desterro dos mortos”, é o conto de número dez e de certo modo é 
o mais intrigante. E de uma forma bem elaborada, puxa o tapete, colocando-
nos no chão no trato com os nossos mortos nessa sociedade consumista e 
árida, permeada de “vidas secas”. E o primeiro dado a ser lembrado diz 
respeito a palavra “ desterro” que significa a “expulsão”, “exílio”, 
“deportação”… Então desterrar os mortos nada mais é que expulsar da 
pátria, deportar. E vem a pergunta que não se cala: Como a sociedade moderna 
nos condiciona a tratar os mortos? Será que estamos mais próximos ou mais 
distantes? 
O contista Aleilton Fonseca em “ O desterro dos mortos” se supera, através de 
um personagem-narrador relata como foi o lidar com a morte do pai que 
estava algum tempo na UTI, como seria levar para o apartamento no qual ele 
morava? Convencer a esposa a aceitá-lo para um velório num espaço pequeno… 
E diante da perda do pai ele se conscientiza como as relações humanas estão 
cada vezmais fragmentadas, pois cada um vive em seu mundo e não deseja 
alterar a rotina para cumprir trâmites de um enterro. 
E mais uma vez o narrador leva o leitor a fazer essa viagem com ele no período 
em que ele perdera o avô. E percebe o quanto ele, como neto, foi atuante na 
vida e na morte do avô. E chega a essa dolorosa conclusão, as pessoas estão 
mais distantes uns dos outros. Isso porque o mundo atual faz com que nos 
comportemos como robôs não programados para as relações sociais. Com isso 
é bem mais cômodo pagar uma empresa funerária para todos os serviços, e 
apenas aparecer no velório no momento da despedida, isso se não tivermos 
outros compromissos mais importantes. E desse modo, nós despachamos 
rapidamente dos nossos mortos, não mais nos preocupemos com as flores, nem 
com velas, cafezinhos, banho no defunto… nada mais resta a fazer, a não ser 
chorar pelo desterro dos mortos. 
Como disse, não é um livro para pensar no príncipe encantado que chegará a 
qualquer momento para acordar a bela adormecida, mas um livro para talvez, 
expulsar os “sapos” que insistem em habitar em cada um. Um livro que nos diz 
como estamos caminhando, continuar a ignorar as nossas falhas como seres 
humanos é opção que desumaniza-nos, consequentemente, seremos as 
próximas vítimas exiladas. 
 Toque Poético

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