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O serviço social e o processo histórico de garantia de direitos no Brasil APRESENTAÇÃO Seja bem-vindo! Para uma análise do processo de implantação e consolidação dos direitos sociais no Brasil, faz-s e necessário um resgate das forças que convergem em determinado momento histórico, possibili tando os avanços na conquista e manutenção desses direitos. O estabelecimento das políticas de trabalho, a instituição da política de previdência social e a promulgação da Constituição Federal de 1988 são alguns dos marcos de nossa história que puderam ser concretizados em meio a movi mentos de forças contraditórias e que até hoje seguem se moldando aos interesses do Estado e d o mercado. Nesta Unidade de Aprendizagem, você verá como se deu o processo de implementação das polít icas sociais no Brasil, bem como quais movimentos políticos e sociais permitiram esses avanços e os desafios para a manutenção dessas conquistas frente a um cenário de destruição do aparelho estatal. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer o processo de constituição de direitos no Brasil.• Relacionar o processo de desenvolvimento da profissão com os direitos socialmente conqu istados. • Descrever o papel do assistente social em um Estado Democrático e de Direitos.• DESAFIO Em 1931 foi criado o Departamento Nacional de Trabalho e, em 1932, é declarada a jornada de oito horas para o comércio e a indústria. O universo feminino também passa a ser atendido pelas legislações do trabalho, que começam a regulamentar a proibição do trabalho noturno e a iguald ade salarial entre homens e mulheres. O que se percebe, no entanto, é que, mesmo após 86 anos de aprovação dessas medidas, ainda se constata a desigualdade salarial entre homens e mulheres que exercem as mesmas funções como sendo uma realidade em nosso país. Suponhamos que você seja contratado(a) para atuar como Assistente Social em uma empresa on de ocorra essa discriminação entre os gêneros. Cite quais estratégias você poderá utilizar para tra balhar essa questão, promovendo uma mudança na cultura da instituição. INFOGRÁFICO A Assembleia Nacional Constituinte promulgou a Constituição Brasileira de 1934, em 16 de jul ho desse ano, durante o governo do presidente Getúlio Vargas. Foi a segunda Constituição do p eríodo republicano, redigida e promulgada num contexto de reivindicações, principalmente da cl asse média e da elite de São Paulo, logo após a Revolução Constitucionalista de 1932. Neste Infográfico, você verá algumas das principais características desse importante documento. CONTEÚDO DO LIVRO Leia o capítulo O serviço social e o processo histórico de garantia de direitos no Brasil, da obra Fundamentos teóricos e metodológicos do serviço social (III e IV), que mostra a instauração de uma estrutura de direitos sociais no Brasil desde o início do século XX até a contemporaneidad e. Nele você verá os desafios colocados ao trabalho dos profissionais que atuam no combate às d esigualdades sociais apresentadas em meio a um cenário de precarização das políticas e abandon o estatal. Boa leitura. O Serviço Social e o processo histórico de garantia de direitos no Brasil Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deverá apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer o processo de constituição de direitos no Brasil. Relacionar o processo de desenvolvimento da profissão com os direitos socialmente conquistados. Descrever o papel do assistente social em um Estado democrático e de direito. Introdução Neste capítulo, iremos apresentar um breve histórico sobre a temática de avanços e retrocessos que culminaram na instauração de uma estrutura de direitos sociais no Brasil desde a década de 1930 até os dias atuais. A consolidação das leis trabalhistas, a instituição da política de previdência social e a promulgação da Constituição Federal de 1988 são alguns dos marcos de nossa história que puderam ser concretizados em meio a movimentos de forças contraditórias e, que até hoje, seguem se moldando aos interesses do Estado e do mercado. Por fim, traremos algumas reflexões que consideramos importantes para o combate às desigualdades sociais apresentadas na contempora- neidade e o fortalecimento das políticas sociais que possam promover o acesso das classes sociais mais necessitadas como forma de suscitar a inclusão social e o enfrentamento das expressões da questão social. Os direitos sociais no Brasil, avanços, retrocessos e os desafios na contemporaneidade Os direitos sociais no Brasil, enquanto política de Estado, passam a ter um maior destaque no início da década de 1930, especialmente no contexto urbano do país. Desde os primórdios da chamada Era Vargas as pautas relacionadas às questões trabalhistas e sociais passam a receber atenção especial das li- deranças do país. Ocorre nesse período a elaboração de uma nova legislação que culminaria na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1934. Outras mudanças no ventre da legislação social ocorrem até o ano de 1945, porém, cabe salientar que esse processo se deu num cenário de pouca, ou quase nula, participação política. Em contraponto à ortodoxia liberal característica da Primeira República (1889-1930), o grupo que assumira o poder em 1930 propunha a adoção de ampla legislação social baseada nas correntes positivistas, inspiradas no pensamento de Augusto Comte (1798-1857), e ficaram conhecidos como positivistas brasileiros. No que se refere à questão social, Comte dizia que o principal objetivo da política moderna era incorporar o proletariado à sociedade por meio de me- didas de proteção ao trabalhador e a sua família. O positivismo afastava-se das correntes socialistas ao enfatizar a cooperação entre trabalhadores e patrões e ao buscar a solução pacífica dos conflitos. Ambos deviam agir de acordo com o interesse da sociedade, que era superior aos seus. Os operários deviam respeitar os patrões, os patrões deviam tratar bem os operários. Os positivistas ortodoxos brasileiros seguiram ao pé da letra essa orientação (CARVALHO, 2008, p. 111). Em 1931 foi criado o Departamento Nacional do Trabalho (DNT) e em 1932 é declarada a jornada de oito horas para o comércio e a indústria. O universo feminino também passa a ser atendido por meio das legislações do trabalho, que passam a regulamentar sobre a proibição do trabalho noturno e a igualdade salarial entre homens e mulheres. Em 1932 ocorre a regulação do trabalho de menores e criada a carteira de trabalho, que viria a se tornar um importante instrumento de registro para a garantia de direitos da classe trabalhadora. Alguns segmentos da classe trabalhadora obtiveram o direito de férias, que foi regulamentado entre os anos de 1933 e 1934. É promulgada a Constituição de 1934, que determina ao governo a competência de regular sobre as relações de trabalho efetivando, dentre outros benefícios, a criação do salário mínimo que deveria ser pago aos trabalhadores com a finalidade O Serviço Social e o processo histórico de garantia de direitos no Brasil2 de atender às necessidades básicas da vida de um trabalhador chefe de família (CARVALHO, 2008). O autor também trata da questão previdenciária e relata os grandes avanços na área da previdência, que ocorrem a partir do ano de 1933 com a criação do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos (IAPM), que viriam a gerir as antigas Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs). Nesta nova configuração, os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs), diferente das CAPs que eram vinculadas às empresas, eram subdivididos por categorias profissionais como: marítimos, comerciários, bancários e etc. Os IAPs continuam por ser criados por todo o país abarcando outras categorias como os bancários e comerciários em 1934, os industriários em 1936 e os empregados em transportes e cargas e da estiva em 1938. Os recursos dos institutos provinhamdo governo, dos trabalhadores e dos patrões. Dentre os diferentes IAPs haviam variações com relação aos benefícios concedidos. Todos concediam aposentadoria por invalidez e pensão para dependentes, no entanto, alguns mais ricos como o instituto dos bancários concediam muitos outros benefícios como aposentadoria por tempo de trabalho e auxílios relacionados à área da saúde. Outro destaque se dá para o instituto dos industriários, que em 1938 já possuía mais de um milhão de inscritos. Em meio a todo avanço trazido pelas legislações do período descrito, também cabe destaque alguns aspectos negativos que ficaram pendentes nesses documentos. Algumas categorias de trabalhadores acabaram por serem excluídas desse sistema como os autônomos, os domésticos e os rurais. Estes segmentos, por não serem sindicalizados, acabaram por ficar de fora da política de previdência recém-implantada pelo governo federal. Essa política de reformas implantadas pós 1930 tinha a política social como uma concepção de privilégio e não enquanto direito social. Como direito social, deveria ser concebida de maneira a beneficiar a todos igualitariamente, da forma que foi produzida, os beneficiários se restringiram apenas aos que o governo decidiu por atender. Estes, não por acaso, eram as classes de tra- balhadores que se encontravam vinculadas à estrutura sindical corporativa organizada pelo próprio governo. Sobre essas práticas, o sociólogo brasileiro Wanderley Guilherme dos Santos caracteriza essa política social como sendo uma “cidadania regulada”, ou seja, uma cidadania limitada pelo governo e com determinadas restrições políticas. [...] por cidadania regulada entendo o conceito de cidadania cujas raízes encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação ocupacional, e que, ademais, tal sistema de estratificação 3O Serviço Social e o processo histórico de garantia de direitos no Brasil é definido por norma legal. Em outras palavras, são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer das ocupações reconhecidas e definidas em lei. A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamentação de novas profissões e/ou ocupações, em primeiro lugar, e mediante a ampliação do escopo dos direitos associados a estas pro- fissões, antes que por extensão aos valores inerentes ao conceito de membros da comunidade (SANTOS, 1979, p. 103). O primeiro decreto sobre sindicalização veio à tona no ano de 1931. Nele a relação dos sindicatos com o governo se estendia para além da função de órgãos consultivos e técnicos. O decreto determinava que o governo deveria manter delegados dentro dos sindicatos, estes deveriam assistir às reuniões e acompanhar as atividades desenvolvidas nessas agremiações enviando, de forma trimestral, relatórios ao governo. A proteção do Estado junto aos trabalhadores sindicalizados, apesar de não ser uma situação ideal, equilibrava em favor dos trabalhadores a situação de confronto existente entre patrões e trabalhadores. Não por acaso, a legislação de 1931 foi elaborada por uma equipe de advogados que tinham envolvimento ativo em defesa dos direitos trabalhistas e sociais. Esses profissionais entendiam que somente uma legis- lação protetora poderia trazer algum equilíbrio significativo nas relações de trabalho da época (CARVALHO, 2008). Apesar de todo o avanço vivido nesse período, uma categoria de traba- lhadores em especial ficou de fora dessas políticas: o trabalhador rural. A legislação trabalhista que envolvia esse segmento só chegaria ao campo du- rante os governos militares anos mais tarde. Essa lacuna encontrada em um momento de propagação de leis e direitos sociais e trabalhistas se deu em razão da enorme influência política e econômica que blindava os grandes proprietários rurais. Os trabalhadores domésticos também foram esquecidos muito em razão do receio dos governos em desagradar a classe média urbana (CARVALHO, 2008, p. 123). Vale destacar que com relação a esta categoria, somente no ano de 2015, por meio da Lei Complementar nº 150 de 01/06/2015 é que ocorreriam avanços significativos com relação aos direitos trabalhistas dessa classe. Os motivos pelos quais ocorreu tal morosidade na promulgação de legislação efetiva são os mesmos que vedaram quaisquer iniciativas em benefício dos trabalhadores domésticos ainda na década de 1930. Outro segmento em que ocorreram avanços significativos nesse período foi na área da educação, em especial o ensino superior. Conforme Rossato (2005), ocorre um expressivo processo de expansão do ensino superior no período que compreende os anos entre 1930 e 1945. O crescimento das Instituições de Ensino Superior (IES) se expressa nos números correspondentes à criação de O Serviço Social e o processo histórico de garantia de direitos no Brasil4 novas instituições, que em 1930 eram 86, chegando a 181 instituições em 1945. Isso representa um aumento de 95 IES que foram criadas nesse intervalo de tempo. Antes disso, no período relativo ao ano de 1808 até 1890, existiam no país apenas 14 estabelecimentos, entre 1890 a 1930 surgiram 72 novas escolas. Pode-se, portanto, visualizar o salto quantitativo vislumbrado na Era Vargas, no que se refere ao crescimento do ensino superior no Brasil, no período de 15 anos inauguraram-se mais IES do que toda a soma de instituições que foram criadas em 122 anos. Cunha (2000) trata da regulação do ensino superior, quando se estabele- ceram os padrões de organização dessas instituições em todo o Brasil. Desse processo surge o Estatuto das Universidades Brasileiras através da promul- gação do Decreto nº 19.851, em 11 de abril de 1931 e a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública. Dessa iniciativa, surgem as bases que iriam delimitar o perfil das universidades brasileiras vindouras e a regulação das já existentes. O perfil centralizador do Estado, característica do governo da época, contribuiu para o surgimento de novas IES através da regulação, porém, isto viria permeado por um processo de fiscalização e nomeação, por parte do governo, dos mais altos cargos integrantes do corpo universitário. Exemplificando, Fávero (2006, p. 27) discorre: Ao instituir a Universidade do Brasil, a Lei n° 452/37, que a criou, não faz re- ferência ao princípio de autonomia em suas disposições gerais. Essa inferência procede quando se analisa o art. 27, o qual dispõe que tanto o reitor como os diretores dos estabelecimentos de ensino, seriam escolhidos pelo presidente da República, dentre os respectivos catedráticos e nomeados em comissão. Por outro lado, torna-se expressamente proibida, aos professores e alunos da universidade, qualquer atitude de caráter político-partidário ou comparecer a atividades universitárias com uniforme ou emblema de partidos políticos. Essas determinações não seriam de estranhar, considerando o contexto em que elas são elaboradas. O Ministério da Educação foi criado em 1930, logo após a chegada de Getúlio Vargas ao poder. Com o nome de Ministério da Educação e Saúde Pública, a instituição desenvolvia atividades pertinentes a vários ministérios, como saúde, esporte, educação e meio ambiente. Até então, os assuntos ligados à educação eram tratados pelo Departamento Nacional do Ensino, ligado ao Ministério da Justiça. 5O Serviço Social e o processo histórico de garantia de direitos no Brasil É visto que o governo Vargas trouxe novos ares à educação no país em todos os níveis. Foram conferências, assembleias, simpósios e reuniões que culminaram na redação final em que se fundamentou o capítulo II, Da Educação e da cultura, da Constituição de 16 de julho de 1934. Conforme Azevedo (1963), a Carta de 1934 assegura medidas para a regulação de uma política nacional sobre a educação, atribuindo competências privativas à União e aos estados. Outro fator determinante é a criação dos Conselhos Nacional e Estaduais de Educação que determinam a aplicação de no mínimo 10%das receitas dos municípios nessa área e nunca menos que 20% de aplicação por parte dos estados para a manutenção e desenvolvimento dos sistemas educativos. É nesse período que surgem as primeiras iniciativas de busca pela democratização do acesso ao ensino reconhecendo a educação como “um direito de todos” (art. 149) e instituindo a liberdade de ensino e a gratuidade em todos os seus graus, a fim de promover o acesso a todas as camadas da população. Determina-se a criação de fundos especiais de educação, os quais se aplicariam na forma de assistência sob bolsas de estudo para alunos necessitados. Essa seria uma das primeiras iniciativas institucionalizadas pelo Estado com o objetivo de promover a inclusão de pessoas de todas as classes sociais nos diversos níveis de ensino no país. Esse fenômeno pode ser visualizado de forma mais acentuada no ensino secundário, em que uma maior abrangência populacional com a diversidade social passa a frequentar as escolas da época. Azevedo (1963, p. 684-685) cita o crescimento visualizado no número de alunos matriculados à época sendo de 40 mil em 1930 para 160 mil em 1936, um aumento de quatro vezes, num período de seis anos em um país cuja população passou nesse mesmo período de 34 para 38 milhões. Em 1932, um grupo de intelectuais preocupado em elaborar um programa de política educacional amplo e integrado lança o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo e assinado por outros conceituados educadores, como Anísio Teixeira. O manifesto propunha que o Estado organizasse um plano geral de educação e definisse a bandeira de uma escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita. Nessa época, a igreja era concorrente do Estado na área da educação. Foi em 1934, com a nova Constituição Federal, que a educação passa a ser vista como um direito de todos, devendo ser ministrada pela família e pelos poderes públicos. De 1934 a 1945, o então ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema Filho, promove uma gestão marcada pela reforma dos ensinos secundário e univer- sitário. Nessa época, o Brasil já implantava as bases da educação nacional. Até 1953, foi Ministério da Educação e Saúde. Com a autonomia dada à área da saúde, surge o Ministério da Educação e Cultura, com a sigla MEC. Fonte: Brasil (2018). O Serviço Social e o processo histórico de garantia de direitos no Brasil6 Desenvolvimento da profissão e sua relação com direitos socialmente conquistados e o papel do assistente social Os dados demonstram a importância de ações que tenham como norte a demo- cratização do acesso, a bens, a serviços e às políticas, até então, e ainda hoje, muitas vezes formuladas e executadas sob interesse das classes dominantes em detrimento das maiorias quantitativas da população. Avançando até os governos militares pós 1964, podemos dizer que à medida que se cerceavam os direitos civis e políticos constataram-se alguns avanços com relação aos direitos sociais. Em 1966 foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Este viria com a finalidade de extinguir as IAPs, unificando o sistema previdenciário com exceção do funcionalismo público, civil e militar que ainda mantivera seus próprios institutos. As contribuições foram estabelecidas em 8% do salário do trabalhador, que seriam descontados mensalmente pela empresa da folha de pagamento de cada trabalhador. Os benefícios de pensão, aposentadoria e assistência médica também foram uni- formizados. Em 1971 foi criado o Fundo de Assistência Rural (FUNRURAL), que passou a incluir os até então afastados trabalhadores rurais da política de previdência social. O FUNRURAL obtinha recursos em separado do INPS, estes, eram obtidos por meio de um imposto colocado sobre a comercialização de produtos rurais pago pelos consumidores e por meio de um imposto também colocado sobre as folhas de pagamentos de empresas urbanas. Todos esses custos, é claro, acabavam sendo repassados aos consumidores. A distribuição desses benefícios foi colocada a cargo dos sindicatos rurais ocasionando uma sobrecarga dessas organizações que, com isto, vieram a perder combatividade política para com os governos militares. Com a ampliação das políticas de assistência ao meio rural, esse eleitorado passou servir como palanque de campanha para todos os governos militares que viriam dali para diante. Sem a oneração dos proprietários rurais com a previdência rural e com a pauta da reforma agrária colocada na gaveta do governo, não poderia de ser diferente tal apoio ao governo em exercício (CARVALHO, 2008, p. 171-172). Ainda foi criado em 1966 o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que viria a funcionar como uma espécie de seguro desemprego da- queles que por motivos de desligamento de determinada empresa poderiam sacar tal benefício que havia sido arrecadado durante o período de contrato ativo. Com o objetivo de facilitar a compra de habitação pela população de menor renda, foi criado o Banco Nacional de Habitação (BNH) e instituído o Ministério da Previdência e Assistência Social, em 1974. 7O Serviço Social e o processo histórico de garantia de direitos no Brasil Em 1988 ocorre o grande marco dos direitos sociais no Brasil, a promulga- ção da Constituição de 1988. Dentre os direitos sociais alcançados pela carta magna podemos citar: a fixação em um salário mínimo como sendo o limite inferior a ser pago pelas pensões e aposentadorias; pagamento de pensão de um salário mínimo para pessoas com deficiência e todos os maiores de 65 anos independente de terem contribuído para a previdência e; a introdução da licença-paternidade que concede aos pais licença de cinco dias do trabalho por ocasião de nascimento dos filhos, dentre outros. Frente às medidas concebidas pela Constituição de 1988 percebe-se a melhoria de alguns indicadores básicos de qualidade de vida. A mortalidade infantil caiu de 73 mortes para mil crianças nascidas vivas em 1980 para 39,4 em 1999. A expectativa de vida subiu de 60 para 67 anos no mesmo período. Carvalho (2008) ressalta que o progresso mais importante nesse período se deu na educação fundamental, setor este decisivo para o alcance da cidadania. O analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais caiu de 25,4% em 1980 para 14,7% da população em 1996. Ocorreram índices de crescimento também relacionados à escolarização de crianças de 7 a 14 anos que eram de 80% em 1980 chegando a 97% em 2000. Nos debates que antecederam a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, várias associações da sociedade civil estiveram presentes. De um lado, estavam aquelas que se identificavam com os interesses da educação pública, que se opunham aos grupos privatistas. Sua luta procurava assegurar verbas públicas, exclusivamente, para as instituições públicas governamentais. Esse grupo posicionava-se a favor do ensino público laico e gratuito em todos os níveis. De outro lado, os grupos ligados ao setor privado, interessados em obter acesso às verbas públicas e diminuir a interferência do Estado nos negócios educacionais. A Constituição Federal estabeleceu um mínimo de 18% da receita anual, resultante de impostos da União, para a manutenção e o desenvolvimento do ensino; assegurou, também, a gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais em todos os níveis e criou o Regime Jurídico Único, estabelecendo pagamento igual para as mesmas funções e aposentadoria integral para funcionários federais. Em seu artigo 207, reafirmou a indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão em nível universitário, bem como a autonomia das universidades. Fonte: Oliven (2002, p. 36). O Serviço Social e o processo histórico de garantia de direitos no Brasil8 Ainda sobre a Constituição de 1988, com relação à previdência social, destacamos enquanto ação positiva a elevação da aposentadoria dos traba- lhadores rurais para o piso de um salário mínimo. Também cabe destaque a implantação do Benefício dePrestação Continuada (BPC) para idosos e pessoas com deficiência. Quanto às problemáticas encontradas, a principal está relacionada aos benefícios previdenciários. Carvalho (2000, p. 207) apresenta da seguinte forma: [...] A necessidade de reduzir o déficit nessa área (aposentadorias) foi usada para justificar reformas no sistema que atingem negativamente sobretudo o funcionalismo público. Foi revogado o critério de tempo de serviço, que permitia aposentadorias muito precoces, substituindo por uma combinação de tempo de contribuição com idade mínima. Foram também eliminados os regimes especiais que permitiam aposentadorias com menor tempo de contribuição. O problema do déficit anda persiste, e, diante das pressões no sentido de reduzir o custo do Estado, pode-se esperar que propostas mais radicais como a da privatização do sistema previdenciário voltem ao debate. Em meio a isso, ocorre em 1979 o III Congresso Brasileiro de Assisten- tes Sociais (CBAS). Este determina que o posicionamento ético-político da categoria profissional deverá pautar-se no compromisso para com os setores populares e as classes sociais mais necessitadas. A partir disso, em um cenário de reorganização política da sociedade civil, que lutava em defesa da demo- cratização e da ampliação dos direitos civis e sociopolíticos, um novo projeto profissional de ruptura se materializa, por meio da organização dos valores ético-políticos da profissão, que rompe em definitivo com o tradicionalismo do serviço social e busca referencial nas bases marxistas (BARROCO, 2006). O processo de redemocratização da década de 1980 proporciona a emer- gência de uma nova postura profissional. Esta atua por vias da militância político-profissional, articulada pelos movimentos nacionais de sindicalização profissional que se alia aos movimentos de luta dos trabalhadores daquele período. Esses eventos nacionais de reivindicação de direitos sociais e de luta em prol do estado democrático revelam uma categoria pautada nos princípios críticos da sociedade e que toma parte em meio a estas lutas. O assistente social insere-se na divisão sociotécnica do trabalho enquanto parte da classe trabalhadora e cidadão demandante de direitos e de políticas. Isso faz com que a formação profissional receba novos direcionamentos passando a contar com um novo currículo, que se baseia em uma formação crítica e que passa a orientar o trabalho profissional voltado para as classes subalternas. 9O Serviço Social e o processo histórico de garantia de direitos no Brasil Sobre isto, Barroco (2006, p. 170-171) afirma que foi sob a influência de Gramsci que ocorreram processos de reinterpretação das possibilidades de ruptura, o que influenciaria na criação do novo Currículo de Serviço Social, em 1982, e na elaboração do Código de Ética de 1986. Esses dois documentos são considerados marcos de um projeto ético-político de compromisso com as classes subalternas e que direcionam a formação e a prática profissional comprometidas com essas classes. Ao colocar-se nas funções do intelectual orgânico, o assistente social encontra sua identidade profissional atuando como educador e organizador da população no processo de construção de uma nova hegemonia pautada na luta pelos direitos da população, em especial daqueles mais precarizados. Nesse momento, ao invés de seguir contribuindo na reprodução da ideologia dominante, o serviço social busca difundir a ideologia das classes trabalhadoras para a construção de uma nova hegemonia. Nos anos 1990, com a ampliação do processo de globalização neoliberal, ocorre a crescente destruição da estrutura de responsabilidade social do Estado. Privatizam-se serviços públicos e empresas estatais, destruindo as legislações de proteção social e do trabalho. O desemprego, o subemprego, o empobreci- mento da população, além da repressão aos movimentos sociais são algumas das consequências desse modelo político-econômico. Com índices de miséria similares aos países mais pobres do mundo e por meio de ações promovidas por uma elite conservadora e reacionária, o país retoma práticas ultrapassa- das de “combate” à questão social. Propostas e programas governamentais pautados em apelos ético-morais buscam envolver a sociedade em nome da “solidariedade” e da “responsabilidade social” para promover o combate às expressões da questão social. Isto promove uma modernização às práticas filantrópicas que desresponsabilizam ainda mais o Estado, possibilitando o crescimento do terceiro setor (BARROCO, 2006, p. 179). Naquele período e, ainda hoje, os maiores desafios concentram-se nas questões que se relacionam com a desigualdade social que assola o país. Faz-se necessário compreendermos as problemáticas relacionadas às expressões da questão social na contemporaneidade para que, a partir dessa compreensão, o profissional de serviço social possa formular, implementar e viabilizar direitos sociais por meio das políticas sociais que se apresentam disponíveis. A questão social na contemporaneidade se reproduz por meio da globalização econômica e das regulações impostas pelo mercado neoliberal altamente controlado pelos oligopólios e as grandes nações detentoras do poderio econômico. No Brasil, essa situação apresenta-se de forma ainda mais grave atingindo a todos os O Serviço Social e o processo histórico de garantia de direitos no Brasil10 setores e classes sociais. O que temos no país hoje é um sistema de desmonte das políticas de proteção social e a destruição das normas trabalhistas em favor do capital e das leis de mercado (PIANA, 2009). De acordo com Iamamoto (2001, p. 28 apud PIANA, 2009, p. 52) “[...] o Serviço Social tem como tarefa decifrar as formas e expressões da questão social na contemporaneidade e atribuir transparência às iniciativas voltadas à sua reversão ou enfrentamento imediato”. Sendo assim, o cenário que se apresenta diante de nós profissionais de serviço social é um cenário de pre- carização das instituições, em especial do Estado, no que tange à temática de garantia e avanços dos direitos sociais já adquiridos. Faz-se necessário a defesa do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e das políticas sociais que trabalham em benefício das classes sociais mais necessitadas. Somente por meio de processos que promovam a inclusão social desses indivíduos é que poderemos promover uma possível emancipação política, econômica e social, trazendo o resgate da dignidade humana e promovendo as transfor- mações societárias que são necessárias para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A construção do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) está expresso no princípio constitucional do direito socioassistencial como proteção de seguridade social, regulado pelo Estado como seu dever e direito de todo cidadão, exigindo que se tenha como ponto de partida, unidade de concepção quanto ao âmbito e conteúdo da política social sobre o paradigma do direito e da cidadania. O avanço é que essa perspectiva exige a necessária ruptura com o paradigma conservador que organiza a assistência social por projetos sociais focalistas e seletivos; pela fragmentação de serviços por segmentos sociais; pela privatização da concepção da política de assistência social repassando a responsabilidade para organizações não governamentais; prevalência do princípio de subsidiaridade, benemerência e filantropia e a operacionalização das ações de assistência social através de agentes isolados da sociedade civil sem desenvolver articulação em rede. O Sistema Único de Assistência Social é o elemento fundamental para implementação da Política Nacional de Assistência Social, pois estabelece procedimentos técnicos e políticos em termos de organização e prestação das medidas socioassistenciais, além da nova processualidade em relação à gestão e ao financiamento das ações organizadas no âmbito dessa política pública. Fonte: Sousa et al. (2013). 11O Serviço Social e o processo históricode garantia de direitos no Brasil AZEVEDO, F. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil: 4. ed. Brasília, DF: UnB, 1963. BARROCO, M. L. S. Ética e serviço social: fundamentos ontológicos. 4. ed. São Paulo. Cortez, 2006. CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 10. ed. Rio de Janeiro: Civili- zação Brasileira, 2008. CUNHA, L. A. Ensino Superior e Universidade no Brasil. In: LOPES, E. M. T.; FARIA FI- LHO, L. M.; VEIGA, C. G. (Org.). 500 anos de educação no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 151-204. FÁVERO, M. L. A. A universidade no Brasil: das origens à Reforma Universitária de 1968. Educar, n. 28, p. 17-36, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/er/n28/ a03n28.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2018. PIANA, M. C. A construção do perfil do assistente social no cenário educacional. São Paulo: UNESP, 2009. ROSSATO, R. Universidade: nove séculos de história. Passo Fundo: UPF, 2005. SANTOS, W. G. Cidadania e Justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1979. Leituras recomendadas BRASIL. Ministério da Educação. Apresentação. 2018. Disponível em: <http://portal. mec.gov.br/institucional/historia>. Acesso em: 15 jul. 2018. BRASIL. Norma Operacional Básica NOB/SUAS: construindo as bases para a implanta- ção do Sistema Único de Assistência Social. Brasília, DF: SUAS, 2005. Disponível em: <http://www.assistenciasocial.al.gov.br/sala-de-imprensa/arquivos/NOB-SUAS.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2018. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. 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Acesso em: 15 jul. 2018. 13O Serviço Social e o processo histórico de garantia de direitos no Brasil Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo: DICA DO PROFESSOR A Assistência Social, como política de Seguridade Social, é uma conquista que sempre se renov a, e é assim que deve ser. E mais, é uma conquista que se projeta para o futuro a cada passo que dá. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) representa uma nova forma de organizar e g erir a Assistência Social brasileira. Planejado e executado pelos governos federal, estaduais, do Distrito Federal (DF) e municipais, em estreita parceria com a sociedade civil, garante a Assistê ncia Social devida a milhões de brasileiros, em todas as faixas etárias. Acompanhe, nesta Dica do Professor, uma breve descrição de como surgiu e como se efetiva o S UAS. Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. NA PRÁTICA Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 2013 o Brasil superou 7 milhões de matrículas no Ensino Superior. Um crescimento de 81% entr e os anos de 2013 a 2012. A ampliação das matrículas, porém, não significa a democratização d o acesso ao Ensino Superior. O processo de ampliação ocorre primeiramente para as populações que possuem melhores condições financeiras e sociais e assim conseguem destaque nos process os de seleção das Instituições de Ensino Superior (IES). Para atender uma maior parcela da população, principalmente aquelas de baixa renda e que resid em no interior dos estados, foi criado, em 2005, o Programa Universidade para Todos (ProUni), com o objetivo de proporcionar o acesso ao Ensino Superior por meio da concessão de bolsas de estudo parciais e integrais em instituições de Ensino Superior privadas e comunitárias. O progra ma obteve avanços significativos nos últimos 10 anos, pois milhares de jovens e adultos podem vislumbrar a oportunidade de ingressar em uma instituição de Ensino Superior, o que antes da cr iação do programa era algo extremamente difícil para essas populações, que eram excluídas dess e universo. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/cc40ef25f43bbe083d9528afb476dc51 Veja a seguir quais são os critérios para concessão da Bolsa ProUni. SAIBA + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professo r: SUAS Para saber mais sobre o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), veja o documento a segui r, publicado em 2009 pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. Direitos sociais na Constituição cidadã: um balanço de 21 anos O artigo a seguir apresenta um balanço dos direitos sociais previstos na Constituição de 1988, de stacando seus avanços e limitações ao longo dos últimos 21 anos. Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. O ProUni e a conclusão do Ensino Superior: novas trajetórias pessoais e profissionais dos e gressos Para saber mais sobre o Programa Universidade para Todos (ProUni) enquanto política pública de acesso à educação, leia o artigo a seguir. Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/Consolidacao_Suas.pdf http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-66282011000100002 http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v19n73/08.pdf
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