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1 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS- METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL III Prof. Me. João Vitor Bitencourt 2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS- METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL III PROF. ME. JOÃO VITOR BITENCOURT 3 Diretor Geral: Prof. Esp. Valdir Henrique Valério Diretor Executivo: Prof. Dr. William José Ferreira Ger. do Núcleo de Educação a Distância: Profa Esp. Cristiane Lelis dos Santos Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Profa. Esp. Imperatriz da Penha Matos Revisão Gramatical e Ortográfica: Profª. Esp. Imperatriz da Penha Matos Revisão técnica: Prof. Flaviana Mello Revisão/Diagramação/Estruturação: Clarice Virgilio Gomes Prof. Esp. Guilherme Prado Lorena Oliveira Silva Portugal Design: Bárbara Carla Amorim O. Silva Daniel Guadalupe Reis Élen Cristina Teixeira Oliveira Maria Eliza P. Campos Victor Lucas dos Reis Lopes © 2022, Faculdade Única. Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autoriza- ção escrita do Editor. Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920. 4 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS- METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL III 1° edição Ipatinga, MG Faculdade Única 2022 5 Graduado em Serviço Social pela Pontifí- cia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Experiências de estágios nas áreas das Políticas de Assistência Social e Saúde. Experi- ências como Pesquisador de Iniciação Científi- ca em estudos sobre trabalho e território, vio- lências e estratégias de enfrentamento. Mestre em Serviço Social pela pela Pontifícia Universi- dade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) na área de concentração Serviço Social, Políticas e Processos Sociais. Experiência nos estudos acerca do tráfico de drogas, violência estrutu- ral e política social. Doutorando em Serviço So- cial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) na área de concentração Serviço Social, Questão Social, Direitos Sociais. Estuda o tema dos deslocamentos forçados e a violência urbana e os conflitos armados no Rio de Janeiro através do Grupo de Pesquisa Esta- do, Sociedade, Políticas e Direitos Sociais (GES- PD). Desde 2019 (previsão de término 2022.2). Experiência como Coordenador Adjunto e As- sistente Social Voluntário no Pré-Vestibular Comunitário Bonsucesso (PVCB). Experiência como Assistente Social Voluntário no Grupo de Ação Social Comunitária (GASCO), Vidigal/RJ. Experiência como Professor Substituto tempo- rário do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Viçosa (UFV) JOÃO VITOR BITENCOURT Para saber mais sobre a autora desta obra e suas quali- ficações, acesse seu Curriculo Lattes pelo link : http://lattes.cnpq.br/0212480368110246 Ou aponte uma câmera para o QRCODE ao lado. 6 LEGENDA DE Ícones Trata-se dos conceitos, definições e informações importantes nas quais você precisa ficar atento. Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao lado dos textos. Eles são para chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada um com uma função específica, mostradas a seguir: São opções de links de vídeos, artigos, sites ou livros da biblioteca virtual, relacionados ao conteúdo apresentado no livro. Espaço para reflexão sobre questões citadas em cada unidade, associando-os a suas ações. Atividades de multipla escolha para ajudar na fixação dos conteúdos abordados no livro. Apresentação dos significados de um determinado termo ou palavras mostradas no decorrer do livro. FIQUE ATENTO BUSQUE POR MAIS VAMOS PENSAR? FIXANDO O CONTEÚDO GLOSSÁRIO 7 UNIDADE 1 UNIDADE 2 UNIDADE 3 UNIDADE 4 SUMÁRIO 1.1 A crise da autocracia burguesa e os “anos dourados” da profissão ............................................................................................................................................................10 1.2 O alcance da maturidade intelectual e os novos rumos da profissão no contexto da redemocratização brasileira ..............................................13 1.3 A influência dos pensadores marxistas no Serviço Social: Althusser, Gramsci e Lukacs .............................................................................................................16 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................................................................................................................................................................................................25 2.1 O debate sobre a divisão social e especialização do trabalho na reprodução das relações sociais ...................................................................................30 2.2 Assistente social como trabalhador/a assalariado/a e as contradições inerentes à condição de assalariamento ...................................................32 2.3 As dimensões político-organizativa, jurídico-normativa e a produção do conhecimento ......................................................................................................36 FIXANDO O CONTEÚDO ...............................................................................................................................................................................................................................................................40 3.1 O Processo democrático e lutas sociais no Brasil (pós ditadura): as políticas sociais e o Serviço Social .........................................................................44 3.2 A Crise do Capital e as Suas Principais Transformações Societárias na Contemporaneidade: O Cenário Brasileiro de Avanços e Recuos ...........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................47 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................................................................................................................................................................................................52 A CONSTRUÇÃO DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO PROFISSIONAL E A CONSOLIDAÇÃO DA RUPTURA COM O TRADICIONALISMO NO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO HEGEMÔNICO DO SERVIÇO SOCIAL E SEUS ASPECTOS CONSTITUTIVOS A REESTRUTURAÇÃO CAPITALISTA CONTEMPORÂNEA E AS CONSEQUENTES MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABA- LHO A PARTIR DA DÉCADA DE 1980 4.1 As metamorfoses do mundo do trabalho ..................................................................................................................................................................................................................56 4.2 O neoliberalismo .........................................................................................................................................................................................................................................................................58 4.3 Os “subprodutos”: pós-modernidade, (neo) conservadorismo e os rebatimentos no Serviço Social brasileiro .......................................................60 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................................................................................................................................................................................................64O DEBATE DO SERVIÇO SOCIAL NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO 5.1 Novas configurações do Estado e o redimensionamento das políticas sociais ...............................................................................................................................68 5.2 O cotidiano e o exercício profissional do Serviço Social brasileiro: relações de exploração/opressão de Gênero, Raça/Etnia, Geração e Sexualidades ..........................................................................................................................................................................................................................................................................................69 5.3 Aproximações acerca da caracterização do Serviço Social na América Latina e no mundo ..................................................................................................72 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................................................................................................................................................................................................76 AS RESPOSTAS À “QUESTÃO SOCIAL” NO BRASIL NEOLIBERAL UNIDADE 5 6.1 A produção de conhecimentos no interior do Serviço Social ........................................................................................................................................................................81 6.2 As instâncias político organizativas da profissão ..................................................................................................................................................................................................83 6.3 A dimensão jurídico política da profissão ..................................................................................................................................................................................................................85 FIXANDO O CONTEÚDO.................................................................................................................................................................................................................................................................87 RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO.........................................................................................................................................................................................................................91 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................................................................................................................................................................92 PROJETO PROFISSIONAL E ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO AOS IMPACTOS DO CAPITAL E DO CONSERVADO- RISMO NAS CONDIÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA PRÁTICA PROFISSIONAL UNIDADE 6 8 O N FI R A N O L I C V R O UNIDADE 1 Na Unidade 1 se tem a finalidade tratar da construção do projeto ético-político profissional e a consolidação da ruptura com o tradicionalismo no Serviço Social brasileiro. Para isso, se estudam os seguinte temas: a crise da autocracia burguesa e os “anos dourados” da profissão; o alcance da maturidade intelectual e os novos rumos da profissão no contexto da redemocratização brasileira; e pôr fim a influência dos pensadores marxistas no Serviço Social: Althusser, Gramsci e Lukacs. UNIDADE 2 Na Unidade 2 se tem o objetivo de tratar do Projeto ético-político hegemônico do Serviço Social e seus aspectos constitutivos. Para isso, se debate sobre a divisão social e especialização do trabalho na reprodução das relações sociais; a questão do assalariamento e por fim as dimensões político-organizativa, jurídico-normativa e da formação acadêmico-profissional. UNIDADE 3 Na Unidade 3 se estuda a reestruturação capitalista contemporânea e as consequentes mudanças no mundo do trabalho a partir da década de 1980. Para dar conta do tema, se reflete sobre o Processo democrático e lutas sociais no Brasil (pós ditadura): as políticas sociais e o Serviço Social, tal como a crise do capital e as suas principais transformações societárias na contemporaneidade. UNIDADE 4 A unidade 4 traz o debate do Serviço Social no capitalismo contemporâneo, para isso se abordam as metamorfoses do mundo do trabalho, se resgata o tema do neoliberalismo e também os seus “subprodutos”: pós-modernidade, (neo) conservadorismo e os rebatimentos no Serviço Social brasileiro. UNIDADE 5 A unidade 5 trata das respostas à “questão social” no Brasil neoliberal, para isso se abordam as novas configurações do Estado e o redimensionamento das políticas sociais, se discorre sobre o cotidiano e o exercício profissional do Serviço Social brasileiro: relações de exploração/opressão de Gênero, Raça/Etnia, Geração e Sexualidades e as aproximações acerca da caracterização do Serviço Social na América Latina e no mundo. UNIDADE 6 A unidade 6 trata do projeto profissional e as estratégias de enfrentamento aos impactos do capital e do conservadorismo nas condições contemporâneas da prática profissional, para isso se resgatam os seguintes temas: a produção de conhecimentos no interior do Serviço Social; as instâncias político organizativas da profissão; e por fim a dimensão jurídico política da profissão. 9 A CONSTRUÇÃO DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO PROFISSIONAL E A CONSOLIDAÇÃO DA RUPTURA COM O TRADICIONALISMO NO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO 10 1.1 A CRISE DA AUTOCRACIA BURGUESA E OS “ANOS DOURADOS” DA PROFISSÃO Sabe-se que, para tratar da construção do Projeto Ético-Político Profissional (PEPP) do Serviço Social, é importante remeter a períodos, acontecimentos e questões relevantes acerca do processo histórico que a profissão vive imersa nas relações sociais de produção e reprodução no capitalismo brasileiro contemporâneo. Em nosso livro didático realizam-se avanços e recuos no que se refere aos “marcos temporais” que constituem esse processo sócio-histórico que o Serviço Social faz parte e se insere. As décadas de 1960 a 1980 são resgatadas, mas, contudo, o período posterior à autocracia burguesa expressa e materializada pelo regime ditatorial civil-militar - as décadas de 1980 e 1990 em diante. Usualmente, na disciplina de Fundamentos Históricos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I, estudam-se temas como a implantação do Serviço Social no Brasil e suas bases teórico-metodológicas à expansão do capitalismo monopolista, enquanto em Fundamentos Históricos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II debates como a crise do Serviço Social "tradicional" e as expressões do processo de renovação do Serviço Social no Brasil (as tendências da renovação do Serviço Social no Brasil em meio ao período de autocracia burguesa). Em Fundamentos Históricos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social III tem-se a preocupação de resgatar temas centrais já debatidos, no entanto prioriza-se o período histórico onde se percebe a crise da autocracia burguesa e a redemocratização brasileira e a construção do projeto ético-político, e contudo os debates da atualidade - a discussão na atualidade sobre a crise do capital e a hegemonia do projeto neoliberal, as bases de organização do trabalho e das relações Estado-Sociedade, as formas de expressão e enfrentamento da questão social no Brasil nos dias atuais, o redimensionamento da profissão ante as transformações societárias, entre outras questões. Inicia-se o conteúdo ao se tratar da crise da autocracia burguesa e os “anos dourados” da profissão. Sobre a crise da autocracia burguesa, remete-se brevemente aos anos da ditadura civil-militar. Grosso modo, sabe-se que em meados do final das décadas de 1950 e início de 1960, a América Latina vivia um cenário de grande contestação e oposição às ideias e expressões políticas e econômicas materializadas pelos setores dominantes capitalistas esuas instituições. De forma genérica, pode-se entender que a autocracia burguesa é uma expressão que se relaciona com o fato de um grupo/classe social chegar à maior influência/poder (eco- nômico, político, cultural etc.) na sociedade. Cientificamente, nas Ciências Sociais, foi cunhada pelo sociólogo Florestan Fernandes - que deu ênfase na questão da autocracia burguesa como o período de influência da burguesia sobre o poder e sobre o desenvolvi- mento do capitalismo brasileiro. Trata-se do poder das grandes burguesias brasileiras da época (aliadas a setores militares e da sociedade civil) expressos em um regime político que terá força para tomada de decisões, a partir muitas vezes de maior coerção por meio de aparelhos repressivos. GLOSSÁRIO 11 O avanço das ideias e políticas preconizadas pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) nos continentes Europeus e Asiático, assim como a Revolução Cubana na Ilha caribenha da América do Norte e também a maior socialização de obras e textos da tradição marxista e socialista, são alguns dos diversos exemplos de disputas de ideias e práticas sociopolíticas emergentes da época em oposição às relações de reprodução do capitalismo mundial defendido pelos Estados Unidos da América (EUA) e países ligados à ideologia liberal-capitalista. Essas influências dissolvem-se por todas as esferas da vida social, inclusive nas formações de dimensões profissionais. Nesse período, em meados das décadas de 1950 e 1960, vivia-se a “crise” do Serviço Social tradicional, um fenômeno expresso inicialmente em países da América Latina como Chile e Argentina, no qual fazia uma contestação de práticas profissionais, e isso deve-se à convergência de alguns vetores: a revisão crítica que se processa na fronteira das ciências sociais; o deslocamento sociopolítico de outras instituições: as Igrejas; e o movimento estudantil: contestação nas agências de formação (ROSA, 2015). Aquelas práticas desenvolvidas no surgimento da profissão no Brasil, em meados das décadas de 30 e 40 (aquele conservadorismo inicial marcado com base na ação social da igreja católica, ora por meio de caridade e ora por meio de valores de cunho liberal voltados à correção dos indivíduos para à dinâmica capitalista da época) agora são questionadas com maior ênfase. Pessoa (2011, p.16-23), em seu estudo sobre política e formação profissional, lembra que ao movimento de Renovação do Serviço Social brasileiro é situada a sua gênese na década de 1960: Nesse cenário, temos, em meados da metade para o final do período da ditadura militar, a crise desse regime político ditatorial civil-militar. Tem-se aí um “novo” período histórico no interior da sociedade brasileira - trata-se da crise do período de autocracia burguesa expressa no regime militar (de 1964 a 1985), pois entende-se que a (Movimento de Reconceituação): Trata-se da contestação ao tradicionalismo profissio- nal, do questionamento global (em especial na América Latina) da profissão: de seus fun- damentos ideo-teóricos, de suas raízes sociopolíticas, da direção social da prática profis- sional e de seu modus operandi (IAMAMOTO, 2010) GLOSSÁRIO (...) desenvolvendo-se ao longo das duas décadas se- guintes, no contexto da autocracia burguesa [ditadura militar]. Nesse processo, de acordo com Netto (2009), destacam-se três direções principais em que se deu a renovação da profissão e que concorrem, entre as dé- cadas de 1960 e 1980, pela hegemonia nos espaços de discussões e representações do Serviço Social. Tais dire- ções são a Perspectiva Modernizadora, a Reatualização do Conservadorismo e a Intenção de Ruptura[...] o cená- rio de crise da autocracia burguesa que se apresentou na década de 1970[...] perdeu gradualmente sua centra- lidade na (auto) representação dos assistentes sociais. 12 institucionalização da Ditadura Militar se deu no final da década de 1960 (a primeira fase, de suposto "disfarce legalista”), no decorrer da década de 70 se viveu inicialmente os anos de maior coerção e repressão (a segunda fase, os anos de “terror de Estado”) e por fim a partir do final dessa década e no decorrer dos anos de 1980 vive-use a conhecida “abertura política” (uma terceira fase, de transição a um regime de democracia representativa). Esse final que se entende como a transição do regime ditatorial civil-militar para o regime liberal-democrático atual, onde há importantes e ao mesmo tempo contraditórias transformações no sistema institucional dos aparelhos do Estado e a cena política brasileira. A crise do regime ditatorial é iniciada nos anos 1970 e concluída com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Na época, no cenário internacional, a crise do capitalismo já era sentida desde os anos 1970 com as conhecidas consequências desastrosas para amplos setores das sociedades antes tidas como “dominantes” (estagnação no crescimento econômico, grande aumento do desemprego etc.). Enquanto isso, no Brasil, o cenário era de resistência ao regime ditatorial e das lutas de diferentes setores (movimentos sociais, partidos políticos, sindicatos, profissões regulamentadas, comunidades educacionais e científicas etc.). É a partir daí que se tem os anos dourados do Serviço Social, como diz José Paulo Netto (2016, grifos nossos), no 9º Seminário Anual de Serviço Social, o Serviço Social avança ao mesmo tempo que se tem a crise da ditadura militar, segundo ele: “O Serviço Social começa a se mexer na crise da Ditadu- ra, nós temos um marco importante que foi comemo- rado a pouco tempo, que foi o Congresso da Virada [de 1979], e a partir daí a uma efervescência na Universida- de[...] a Ditadura institucionalizou a pós-graduação para ser a sua coutada de casa e terreno de controle ideoló- gico, e foi para aí que reflui a garotada formada de 64 e 68, que fez a resistência possível, que não abandonou seus ideais nem seus estudos, quem é essa gente? É quem vai fecundar a graduação em Serviço Social, que vai “tomar a ABESS [Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social] em 79, que vai se doutorar e em seguida fazer dos cursos[...] um espaço de elaboração crítica[...] é através daí que nos anos 80 o espírito da Reconceitu- ação [iniciado em meados de 60] cresce aqui, porque ele antes chegava capilarizado e por de baixo dos panos, pois não havia clima sócio político para seu desenvolvi- mento. Eu diria que os anos 80 e 90 foram nossos anos de ouro[...] se consolidou uma interlocução com a tradi- ção marxista que já vinha que já vinha subterraneamen- te nos anos 60 e 80. (Renovação do Serviço Social): Entendemos por renovação o conjunto de característi- cas novas, que no marco das constrições da autocracia burguesa, onde o Serviço Social articulou, à base do rearranjo de suas tradições, procurando investir-se como instituição de natureza profissional dotada de legitimação prática, através de respostas a demandas GLOSSÁRIO 13 Com essa explanação pode-se entender que as décadas de 1960 às finais desse século são recheadas de fatores de extrema importância para entender a renovação do Serviço Social brasileiro, o seu entendimento, agora consolidado, de ser uma categoria profissional onde seus atores se percebem como pertencentes a um segmento da classe trabalhadora, e, portanto, em um cenário onde se entende que a sociedade é dividida em classes sociais antagônicas. O período que compreende a crise da autocracia burguesa expressa no regime política da ditadura civil-militar (décadas de 1960 e 1970), e posteriormente os “anos dourados” da profissão (décadas de 80 e 90), tratam-se, primeiro, de um período “negativo” (de dificuldades e recuos) para a profissão e, segundo, de um momento “positivo” (de avanços qualitativos). No entanto, compreende-se esse “intervalo” como o período da renovação do Serviço Social, onde há o afastamento com o Serviço Social tradicional caracterizado nas décadas de 1930 e 1940. Mas esse período possui alguns acontecimentos e/ou dados importantesque determinam essa trajetória. Aqui, citam-se alguns: primeiro, o alcance da maturidade intelectual do Serviço Social; segundo, o contexto da redemocratização. Ambos estão articulados e devem ser pensados em uma conjuntura sócio histórica que evidencia avanços para a profissão. Encerramos o subcapítulo anterior lembrando que o Serviço Social avança qualitativamente (no sentido de apreensão crítica da sociedade e no entendimento de ser um segmento profissional pertencente à classe trabalhadora) em meio à crise da ditadura militar e enquanto a sociedade civil e política, no país, caminhava em prol da redemocratização da sociedade brasileira (da restauração da democracia e do estado de direito). É a partir daí, contudo nos anos oitenta, que as ideias críticas, progressistas etc., podem se colocar em cena, pois antes esse ideário estava submetido à censura e repressão. É nesse cenário que a renovação adquire força, que a profissão tem seu rearranjo, onde se entende “hegemonicamente” no interior da profissão que a sociedade sociais e da sua sistematização, e de valorização teórica, mediante a remissão às teorias e disciplinas sociais (NETTO, 2005). É no decorrer das décadas de 1980 e 1990 que diversos setores da profissão (estudantes, profissionais atuantes na ponta de políticas públicas, pesquisadores/as etc), em conso- nância ao avanço da sociedade civil e política brasileira contrária à ditadura militar e a repressão política e social, avançam em prol e na defesa de uma formação e um exercício profissional de maior qualidade, crítico e relacionado às demandas da classe trabalhado- ra brasileira. VAMOS PENSAR? 1.2 O ALCANCE DA MATURIDADE INTELECTUAL E OS NOVOS RUMOS DA PROFISSÃO NO CONTEXTO DA REDEMOCRATIZAÇÃO BRASILEIRA 14 se divide em classes sociais, e aí se tem uma valorização teórica à dimensão crítica e progressista. Como se apontou, algumas questões são fundamentais para esse processo, uma delas é o alcance da maturidade intelectual. Deve-se lembrar que, conforme apontam Oliveira e Chaves (2017, p.161, grifos nossos): Posterior ao período de crise da ditadura militar, e no decorrer dos “anos dourados” da profissão, se tem o amadurecimento do projeto profissional do Serviço Social, que se dá por diversas questões, em especial em função do alcance da maturidade intelectual (ou seja, quando se nega com maior rigor o tradicionalismo na profissão, e, contudo, se opõe ao conservadorismo presente nas décadas anteriores). Mas esse processo tem base, especialmente, em função da adoção do marxismo como referência analítica no Serviço Social, é este referencial, a partir dos anos 80 e avançando nos anos 90, que imprime direção ao pensamento e à ação do Serviço Social no país e vai permear as ações voltadas à formação de assistentes sociais na sociedade brasileira (YASBEK, 2009). A interlocução com o marxismo e a tradição marxista que traduz e interpreta a obra mariana, interlocução que esteve no "subterrâneo" no período da ditadura militar (à mercê de perseguição e violências a quem defende-se essa perspectiva teórica e prática), agora assume centralidade e se configura como pressuposto para o Serviço Social contemporâneo. Conforme Yasbek (2009, p.5-11): Vê-se aqui, portanto, que a teoria social de Marx contribui para entender e intervir no real (nas problemáticas e/ou objetos de estudo que a profissão se depara), mas contudo é esse referencial teórico-metodológico que possibilitará, agora com maior O amadurecimento do projeto profissional do Servi- ço Social, a partir do aprofundamento de estudos e pesquisas na perspectiva marxiana, compõe a histó- ria de afirmação intelectual da profissão e estrutura uma direção hegemônica no que concerne aos funda- mentos teórico-metodológicos, que orientam a forma- ção profissional, a prática profissional e a organização política do conjunto da categoria e dos estudantes, nas respectivas entidades representativas, desencadeando o processo de construção do Projeto Ético-Político pro- fissional. A teoria reproduz conceitualmente o real, é, portanto, construção intelectual que proporciona explicações aproximadas da realidade e, assim sendo, supõe uma forma de autoconstituição, um padrão de elaboração: o método. Neste sentido, cada teoria social é um método de abordar o real. O método é, pois, a trajetória teórica, o movimento teórico que se observa na explicação sobre o ser social[...] este processo de construção da hegemo- nia de novos referenciais teórico‐metodológicos e inter- ventivos, a partir da tradição marxista, para a profissão ocorre em um amplo debate em diferentes fóruns de natureza acadêmica e/ou organizativa, além de perme- ar a produção intelectual da área. 15 Como se discorre, desde o início deste subcapítulo algumas questões são fundamentais para esse processo de avanço da profissão, uma delas é o alcance da maturidade intelectual (refletida acima) e outra questão primordial é o contexto de redemocratização do país (que será brevemente trazida). Deve-se lembrar que, conforme aponta Serra (2007, p.188-89), que o a resistência contra a ditadura militar e as lutas sociais inseriram a redemocratização do país, e nessa história se teve a participação política dos assistentes sociais como sujeitos políticos engajados, ou como categoria organizada: Valorosos quadros profissionais e estudantes participa- ram[...] atuando na clandestinidade no duro enfrenta- mento com a ditadura militar, na perspectiva da cons- trução de um projeto emancipatório[...] partir dos anos 70, as(os) assistentes sociais, mesmo com o contexto di- tatorial, começam a adensar seu horizonte analítico-crí- tico e assumir a importância de sua participação políti- co-cívica[...] A categoria dos Assistentes Sociais, através força no interior da profissão a partir das décadas de 80 e 90, com que se percebe o Serviço Social como profissão inserida em uma sociedade de classes sociais, e portanto articulada e afirmada em meio às disputas entre os interesses das classes sociais existentes na sociedade capitalista - a burguesia e o proletariado (e/ou conceituações mais atualizadas, como a classe que vive do trabalho). (Classes Sociais, burguesia e proletariado): popularmente se entende a ideia de classe social como um determinado “grupo” dentro de uma sociedade, que assume caracterís- ticas particulares e diferentes de outro segmento. No entanto, contudo na tradição mar- xista, as classes sociais na atualidade (no capitalismo) se configuram a partir da divisão social do trabalho e da dinâmica societária na sociedade capitalista, tem-se aí a célebre ideia de que classes antagônicas travam disputas econômicas, sociais, políticas etc., prin- cipalmente as classes capitalistas burguesas, e os proletários e/ou assalariados. Marx e Engels analisam dois grandes sujeitos históricos – burguesia e proletariado – a partir do movimento geral do capitalismo, a formação do proletariado em classe é abordada como possibilidade histórica e o Estado burguês tem papel fundamental na manutenção da ordem burguesa ao organizar os interesses gerais da burguesia (MACHADO, 2011, p.3-11). (Classe que vive do trabalho): há uma proposta teórica nos dias atuais de Ricardo Antu- nes (2005), onde ele situa alguns trabalhadores/as como a “classe que vive do trabalho”. A ideia de classe social “potencialmente revolucionária e/ou concebível de organização”, nesse sentido, não fica restrita ao segmento proletário (aquele sujeito que produz mais- -valia de forma direta por meio do trabalho útil-concreto que se torna mercadoria). “Ser proletário hoje é diferente de ser proletário na época de Marx, e com isso Antunes pro- põe uma outra denominação e configuração para a classe proletária” (AMARAL; BRITTES, 2012), a “classe que vive do trabalho” portanto compreende uma maior amplitude de sujeitos: aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de salário, como o enorme leque de trabalhadores precarizados, terceirizados,fabris e de serviços, parttime, que se caracterizam pelo vínculo de trabalho temporário, pelo trabalho precarizado, em expansão na totalidade do mundo produtivo[...] o proletariado rural, os trabalhadores de- sempregados (ANTUNES, 2005) GLOSSÁRIO 16 Sendo assim, é inconcebível pensar os avanços e os saltos qualitativos da profissão, em torno de um projeto profissional crítico e qualificado na atualidade, sem relacionar esse processo histórico à conjuntura brasileira que avança na perspectiva da participação político-cívica, na luta pela democratização e pela garantia de direitos no Brasil, onde os (as) assistentes sociais foram, também, protagonistas - aliados (as) à movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos etc. Encerra-se esse subcapítulo reforçando que é com a organização política dos(as) Assistentes Sociais junto às organizações sindicais, ao movimento estudantil, as mais variadas frentes que defendem o movimento de redemocratização nas décadas de 70 e 80, que se consolida a revisão e a construção de um novo arcabouço jurídico institucional para o exercício profissional, e em meio a essa organização da categoria, ao vivenciar a possibilidade de um processo participativo, com a representação de assistentes sociais de todos os cantos do Brasil, foi escrito o Código de Ética vigente (ibidem, p.197). Viu-se que, com a crise da autocracia burguesa chega-se ao período entendi como “os anos dourados” da profissão, trata-se de um momento que se inicia (e se alcança) o processo sócio histórico de maturidade intelectual da profissão, o que é possibilitado, pois nesse período se avança em um ambiente mais favorável em caminho à democratização da sociedade brasileira. Foram essas as questões elencadas nos subcapítulos acima. Agora, resgata-se a importância de pensar acerca da influência da tradição marxista no Serviço Social, o que decorre e se potencializa a partir desse contexto. A Teoria Social de Marx revela-se fundamental para a profissão, pois essa ótica de leitura e análise da realidade norteia um fazer profissional que apreende a concretude das relações sociais, e que ao mesmo tempo se afasta de padrões e posturas tradicionais e conservadores que foram marcadas no interior da profissão. Helena Fragoso de 1.3 A INFLUÊNCIA DOS PENSADORES MARXISTAS NO SERVIÇO SOCIAL: ALTHUSSER, GRAMSCI E LUKACS de suas formas associativas e organizativas, teve um pa- pel protagonista no movimento pela redemocratização, tanto na condição de protagonista político quanto na condição de categoria aliada aos movimentos sociais, na luta pela democratização, na luta pela garantia de direitos no Brasil. No mesmo movimento societário onde se enxerga como uma determinada conquista a Constituição Federal de 1988, a construção da seguridade social e a “volta” aos direitos constitucionais (no âmbito conjuntural), está o desenvolvimento e a consolidação do pro- jeto profissional do Serviço Social brasileiro na elaboração e defesa de discussões e docu- mentos estruturantes do Serviço Social como o Código de Ética de 1986 (reelaborado em 1993), a Lei de Regulamentação da profissão de 1993 e as Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social de 1996 (no âmbito do interior da profissão). VAMOS PENSAR? 17 A profissão se aproxima da tradição marxista, assimilan- do, num primeiro momento, os vieses do marxismo vulgar, do sincretismo e da instrumentalização, ha- vendo o início da superação deste processo com a apro- ximação das fontes marxianas e de intelectuais clássi- cos da tradição marxista[...] No período de 1960 e 1970, múltiplas determinações geraram vários equívocos teórico-políticos com influência marcante na busca da elaboração de uma ética marxista[...] O marxismo é reavaliado, em meados da década de 1970, quando do processo crítico do movimento de reconceituação. Mendonça Santiago (2015, p.5-51, grifos nossos), em seu estudo sobre a contribuição da teoria social de Marx para o Serviço Social brasileiro, remete que: Portanto, apesar de se entender a teoria social de Marx como questão fundamental para a profissão, principalmente a partir das décadas de 1970 e 1980, pois possibilita perceber que a realidade é constituída por uma totalidade de complexos contraditórios e em constante processo de transformação, estudiosos (as) demonstram que a “penetração” do marxismo junto à profissão foi permeada por contradições. Como aponta a autora citada acima, inicialmente se teve uma aproximação com ideias/textos/práticas etc, por meio de um marxismo vulgar (uma simplificação da teoria que supervaloriza de forma mecânica e usual à dimensão econômica), ou também a partir de um sincretismo (a simples fusão de diferentes doutrinas de forma incompreensiva e/ou antagônica, postura que reforçava um conservadorismo), ou tão somente por meio da instrumentalização (que intervém na realidade por meio de procedimentos e instrumentais que valorizam a racionalidade operativa e se afasta da exigência teórico-metodológica). Nesse processo, viveram-se avanços e recuos teóricos, equívocos teórico-políticos e saltos de qualidade com maior, em uma história marcante na busca da elaboração de uma ética marxista no interior do Serviço Social. Agora, estudam-se três importantes teóricos e ativistas políticos marxistas que tiveram as suas ideias apreendidas pela profissão, são eles: Louis Althusser (1918 a 1990); Antonio Gramsci (1981 a 1937) e György Lukács (1885 a 1971). • Louis Althusser (1918 a 1990): Louis Althusser foi um importante teórico, nasceu na cidade de Birmandrais, na Figura 1: Louis Althusser Fonte: Disponível em: https://bit.ly/3Wr74a3. Acesso em: 02 abr. 2022. 18 Argélia, então colônia francesa. Ao mesmo tempo polêmico pensador da teoria social crítica, ficou conhecido por produzir uma proposta de lógica sistemática no marxismo, onde suas ideias são tecidas de controvérsias e críticas, e por outro lado experienciou uma vida conturbada em torno das questões de saúde mental e psicológica. No entanto, o que nos importa é sintetizar brevemente as suas influências no Serviço Social. Para exemplificar a importância central desse autor no âmbito da tradição marxista, ou seja, o que ele traz de renovação em meio às ideias do Marxismo, de forma genérica, pode-se lembrar o seguinte: Portanto, esse autor traz em suas obras e defesas teóricas que a história no âmbito da estrutura (econômica), nas relações sociais, é mais importante que o protagonismo e as mediações entre acontecimentos vividos pelos sujeitos. Logo abaixo seguem algumas explanações de estudiosos que resgatam as influências das ideias de Althusser no Serviço Social brasileiro: As ideias de Althusser fazem parte da grande primeira leva de penetração do marxismo ocidental no interior das ideias profissionais, de estudantes e assistentes sociais ativistas que viviam as tensões da década de 1970. Como já lembrado, nesse período as ideias críticas chegavam aos leitores e opositores da ditadura militar de forma precarizada, por meio de traduções ainda débeis e materiais resumidos ou simplificados, o que se justifica em função da censura e repressão à materiais no período da Ditadura Militar. As teses clássicas sobre a luta de classes no materialis- mo dialético são postas em questionamento, principal- mente por Althusser, que, enquanto representante do estruturalismo francês inaugura nova tendência filosó- fica no interior do marxismo[...] , se percebe um afasta- mento da questão humanista, da qual Marx teria trata- do apenas nas obras de juventude[...] , a história passa a ser considerada uma ciência, onde a importância dos sujeitos é reduzida em relação à importância que ad- quire a análise estrutural da reprodução econômica (SILVA, 2018, p,1-2) As primeiras aproximações dos professores (as) do Ser- viço Social com a teoria social crítica ocorreram, so- bretudo, através de Louis Althusser, uma apropriação inadequada do pensamento de Marx,[...] é considera- do estruturalista,tornando-se um autor revisionista do pensamento de Marx (DUARTE, 2019, p.34-35). O estruturalismo de Althusser, tal influência muito con- tribuiu para a centralidade que a teoria assumiu – em detrimento da realidade – na profissão[...] produziu equívocos que se expressam na apreensão do marxis- mo como um modelo que se “aplica” na prática, respon- sável pela formulação da famosa afirmativa “na prática a teoria é outra”[...] atribuíram ao componente ídeo-po- lítico da profissão uma conotação messiânica e heroica, de transformação da realidade (PAULA, 2017, p.5). 19 As cartas constituem uma preciosa chave para a leitura dos Cadernos, oferecida por Gramsci sem intenciona- lidade, ferramenta metodológica fundamental à com- preensão do caminho percorrido ao longo das reflexões carcerárias. Num diálogo mais consigo mesmo do que com seus interlocutores diretos, o pensador vai, dialeti- camente, descrevendo a sua trajetória e traçando a sua autobiografia política, intelectual e moral[...] Pensador comunista, o autor dos Cadernos espalhou por todos os continentes a ideia de revolução contra o status quo, não pautada em sonhos e ideais, mas na construção pa- ciente, ação tenaz e combativa, processo contínuo que necessariamente se renova e se transforma. Grosso modo, essa primeira aproximação com a teoria crítica de tradição marxista é, portanto, aos moldes do “estruturalismo marxista”, ou seja, as ideias que procuraram revisar a teoria marxiana. Nesse caso, Althusser, partir do pressuposto que a análise estrutural da reprodução econômica é a centralidade e que a dimensão do “sujeito na história” é sem relevância tem-se uma apreensão do marxismo com muita contradição, pois a obra marxiana e a tradição marxista historicamente valoriza a dimensão da experiência e do protagonismo dos sujeitos como determinantes, também, das relações sociais e das transformações da sociedade. • Antônio Gramsci (1981 a 1937): Antônio Sebastiano Francesco Gramsci (1891 a 1937) foi um importante e conhecido ativista marxista, grande referência socialista no início do século XX. Tem a sua história marcada pela luta política e por uma experiência de vida desafiadora, tendo em vista que seus opositores, na época grupos fascistas organizados por Benito Mussolini, o perseguiram e o prenderam. Gramsci é reconhecido por contribuir para a teoria marxista a partir de ensaios sobre literatura, política, socialismo etc., mas, contudo, são as suas célebres cartas do cárcere e os cadernos do cárcere que são vistas como o maior avanço de suas elaborações teóricas. Como destaca Ivete Simionatto (2002, p.215): As suas ideias e contribuições são vistas por meio de uma elaboração teórica que possibilitou a "ampliação" de alguns debates cunhados por Karl Marx décadas antes. Questões como a hegemonia, a concepção de Estado, as classes subalternas, Figura 2: Antônio Gramsci Fonte: Disponível em: https://bit.ly/3Wlc9Ay. Acesso em: 02 abr. 2022. 20 os intelectuais orgânicos, entre outras, são somente algumas de suas “categorias” que foram refletidas pelo pensador italiano. Nos interessa aqui lembrar brevemente sobre as influências das suas ideias para o Serviço Social brasileiro. A sua influência na profissão foi debatida por vários pensadores (as) brasileiros (as) a partir, em especial, das décadas de 79 e 80. Contribuiu imensamente para enriquecer a análise de realidade dos (as) Assistentes Sociais e com isso, também, para dimensões como a práxis profissional e as mediações que são elaboradas para intervir nas expressões da questão social. Logo abaixo citam-se reflexões que apontam de forma sintetizada sobre debates/ conceituações que podem ser extraídas das teses desse autor: Sobre a concepção de hegemonia, Grasmci, conforme Alves (2010, p.85-94): Sobre a concepção de Estado, Grasmci, conforme Jacomini (2020, p.3): Entre os principais intérpretes referenciados em teses da área do Serviço Social, desta- cam-se as interlocuções gramscianas de: Carlos Nelson Coutinho, Álvaro Bianchi, Ed- mundo Fernandes Dias, , Marco Aurélio Nogueira, Joseph Buttigieg, Jorge Luís Acanda, Giorgio Baratta, Alberto Aggio, Luiz Werneck Vianna, Christinne Buci-Glucksmann, , Be- nedetto Fontana, Guido Liguori, Hugues Portelli, Luciano Gruppi, Maria Lucia Duriguet- to, Martin Carnoy, Ivete Simionatto, Massimo Mondonesi, Norberto Bobbio, Ana Elizabete Mota Ângela Santana do Amaral, Marina Maciel Abreu Perry Anderson, Ruy Braga e Rita Ciotta Neves (SILVA, 2017). FIQUE ATENTO Sobre a concepção de hegemonia de Gramsci: [...] am- plia o terreno atribuído à recomposição política e à he- gemonia para além da aliança de classes, afirmando a necessidade de uma liderança intelectual e moral que permita aos grupos sociais se distanciarem de uma pos- tura corporativista e se unirem aos interesses de outros grupos. [...] no caso de Gramsci, a prática articulatória remete a uma classe social fundamental. A ideologia as- sume um papel central em ambas as perspectivas, con- cebida como constitutiva do social. Além disso, os ele- mentos ideológicos articulados pela classe hegemônica não têm uma pertinência de classe necessária[...] em Gramsci a hegemonia remete à unidade de todo bloco histórico (ALVES, 2010, p.85-94). Gramsci dialogou com a concepção de Estado na tra- dição marxista e analisou uma realidade que não podia ser compreendida em sua complexidade, se o Estado fosse entendido apenas como um aparelho governa- mental (executivo, legislativo, judiciário, exército), à me- dida que nas sociedades ocidentais há um conjunto de organizações que concorre para dar forma à atuação do Estado e que cumpre papel importante na construção e 21 Os trechos acima foram extraídos de artigos onde autores (as) refletem sobre Gramsci e categorias/”ideias” elaboradas pelo autor e que chegam à profissão e influenciam e condicionam novas formas de direcionar as práticas profissionais ao se estar inserido em empresas capitalistas e/ou no Estado atuando por meio de políticas, programas e serviços. Em cada uma das explanações acima se resgata alguma questão importante evocada por Gramsci na tradução e reflexão de pensadores que optam por seguir essa tradição marxista. Debates como a concepção de hegemonia, o Estado, o poder e a dimensão ético-política, são de extrema importância para inovar, propor e criar intervenções frente às expressões da questão social na atualidade. Sobre a concepção de poder, Grasmci, conforme Neves (2017, p.4-5): manutenção da hegemonia da classe dominante (esco- la, imprensa, igreja, partido, sindicato, associações etc.) [...] o Estado como a conjunção da sociedade política (coerção) com a sociedade civil (espaço de disputa pela hegemonia), ao qual dá o nome de Estado Integral (JA- COMINI, 2020, p.3). Na concepção de Gramsci, poder não era uma coisa a ser tomada, mas um conjunto de relações sociais, um processo longo e gradual de uma reforma moral e inte- lectual das classes subalternas[...] A dimensão política, que se diferencia de uma lógica partidarizada, faz com que a dimensão política, pedagógica, educativa e ideo- lógica de Gramsci ganhe força na construção do Serviço Social crítico [...] Além disso, a dimensão ético-política revela a importância de fortalecer interesses públicos coletivos e universais em detrimento de interesses indi- viduais, o que fortalece o projeto profissional crítico do Serviço Social no século 21 (NEVES, 2017, p.405). Acesse o documento Breve cronologia de Antônio Gramsci (1891-1937): os anos de cárcere e saiba melhor a respeito de acontecimentos da vida de Gramsci, em especial no período de sua militância política e o período que esteve no cárcere como vítima da violência do regime fascista da época. Disponível em: https://bit. ly/3Wuqz1l. Acesso em: 08 abr. 2022. Acesse e assista o filme a seguir, a fim de se ter melhor entendimento a respeito das ideias que Antônio Gramsci produziu e defendeu durante o período carcerá- rio. Filme “AntônioGramsci – Os Dias do Cárcere” (Lino Del Fran, 1977) Disponível em: https://bit.ly/3HWYmMi. Acesso em: 05 abr. 2022. BUSQUE POR MAIS 22 Figura 3: Georg Lukács Fonte: Disponível em: https://bit.ly/3GjMAu8. Acesso em: 02 abr. 2022. Georg Lukács (1885 a 1971) foi um importante filósofo marxista que manteve, ao longo de sua história, um potente vínculo com as ideias socialistas e a teoria crítica. A sua vida está imersa em um cenário muito complexo do século 20, pois os lugares por onde viveu (Budapeste na Hungria) e onde estudou e foi professor (Berlim na Alemanha) foram palco do desenvolvimento de ideias e regimes políticos que disputaram o ideário ideológico e sócio histórico, são exemplos o liberalismo econômico, o socialismo e comunismo soviético e regimes como o nazismo e o socialismo. Sendo assim, os seus escritos também são balizados por essa realidade tão complexa da época. Para Lukács, era necessário “repensar" a obra Marxiana, a partir de uma análise ontológica (ou seja, “real”, “à raiz”, portanto, na totalidade para entender o que está “oculto” em meio a natureza das relações sociais dos sujeitos na história). Para entender o ser social, portanto, e com isso as relações sociais no capitalismo atual, deve-se apreender a produção da subjetividade do ser social (que é, contudo, o que possibilita desvendar a produção social). Conforme se destaca no site Psicanálise Clínica (2020, Online), segundo Lukács, o salto ontológico da humanidade (salto qualitativo do devir homem do homem) implica na gênese de formas de subjetividade e consciência. A complexificação das relações sociais são tratadas em profundidade por Lukács por meio de debates centrais: são eles o trabalho, a linguagem e a ideologia. Desses, o trabalho é essência ontológica, e essa categoria, à luz das ideias desse autor, que vai penetrar nos debates do Serviço Social. Lukács toma por central em sua obra o trabalho como complexo por excelência que historicamente inaugura um novo tipo de existência na natureza: o ser social. As- sim, o ser social seria o terceiro tipo de ser perceptível na natureza, de maior complexidade que os demais: ser inorgânico, e ser orgânico, mas destes vitalmente dependentes[...] é por isso que julgamos correto ver no trabalho o modelo de toda práxis sociais, de qualquer conduta social ativa. (Lukács, 2013, p.62) [...] O trabalho é então tomado como “protoforma” deste ser social, por ser o complexo que contém já em suas primeiras for- mas de existência, todas as determinações de caráter irrevogável. E, que, como pressupostos deste tipo de ser, o diferenciam dos seres orgânicos e inorgânicos[...] em 23 Apesar de não resgatarmos, em nosso estudo, com maior rigor o tema do trabalho para Lukács, já se está evidenciado que a ideia principal é que o trabalho é essência ontológica (nessa inter-relação entre homem - sociedade - e natureza), sendo assim trabalho é também um conceito próprio, o que permite a existência e também a transformação da natureza e a transformação dos próprios sujeitos, logo, o desenvolvimento das relações sociais - constitui-se aí o ser social. Logo abaixo, citam-se algumas passagens do estudo A influência do pensamento marxiano-lukacsiano na instrumentalidade do Serviço Social, de Aline Aparecida Justino (2012), resgate que possibilita entender a influência do pensamento de Lukács para o Serviço Social: sua forma mais basilar, o trabalho já contém diversas determinações que irão, em níveis de desenvolvimento social de maior complexidade (PSICANÁLISE CLÍNICA, 2020, online). • Para Lukács o trabalho é o modelo objetivamente ontológico de toda práxis humana. Todos os pro- dutos sociais são criados teleologicamente por um criador onisciente que possui conhecimento con- creto de determinadas finalidades e meios para produzi-los[...] Lukács acredita que é no interior das posições teleológicas que se desenvolvem também outros complexos como, por exemplo, o da ideologia e da alienação.[...] com a ontologia histórico-mate- rialista é recente e pode ser datada, a partir da metade dos anos de 1980[...] período o Serviço So- cial brasileiro na busca por bases teóricas funda- mentais que contribuíssem para uma perspectiva de análise totalizante da realidade, se aproxima da teoria social de Marx e da obra lukacsiana como um todo (JUSTINO, 2012, p.35-37). • A principal crítica de Lukács se dirigia às deturpa- ções e interpretações reducionistas apresentadas pelas ciências sociais a respeito da teoria social de Marx[...] Pensando nessa perspectiva de supera- ção da sociabilidade burguesa, pudemos ver que a vinculação do projeto ético-político do Serviço Social com a teoria de Marx e Lukács, não acon- teceu de forma ocasional, pois esteve diretamente ligada ao enfrentamento e à denúncia do conserva- dorismo profissional (JUSTINO, 2012, p.53). • A partir disso, baseando-se no referencial teórico- -metodológico marxiano e nas interpretações lukacsianas[...] há a dimensão instrumental da in- tervenção profissional, evidenciando que, mais do que um arsenal de instrumentos a serem “aplicados” à realidade, a profissão carece de uma racionalidade 24 que ilumine o caminho da prática profissional para uma práxis transformadora (JUSTINO, 2012, p.38). Com isso, conclui-se que a influência lukacsiana: favorece uma postura teórico- metodológica marxiana com maior rigor, pois vai “à raiz", e propõe essa forma de apreensão do real, de uma categoria chave e fundante, não só para a teoria marxista, mas para o desenvolvimento do ser social. A abordagem do marxismo buscada em Lukács é apresentada ao Serviço Social e revela-se fundamental para enriquecer a tradição intelectual da profissão. 25 FIXANDO O CONTEÚDO 1. (...) é uma expressão que se relaciona com o fato de um grupo/classe social chegar à maior influência/poder (econômico, político, cultural etc.) na sociedade (Trecho extraído do material do livro didático) Na Unidade 1 do nosso livro didático se estudou a construção do projeto ético-político profissional e a consolidação da ruptura com o tradicionalismo no Serviço Social brasileiro. Para isso, se reflete sobre a crise de um determinado período que se trata: a) do período do Estado novo b) do período do arranjo teórico doutrinário c) do período da autocracia burguesa d) do período do neodesenvolvimentismo e) do período do governo temer 2. (...) sabe-se que em meados do final das décadas de 1950 e início de 1960, a América Latina vivia um cenário de grande contestação e oposição às ideias e expressões políticas e econômicas materializadas pelos setores dominantes[...]. (Trecho extraído do material do livro didático) Na Unidade 1 do nosso livro didático se estudou a construção do projeto ético-político profissional e a consolidação da ruptura com o tradicionalismo no Serviço Social brasileiro. Para isso, se reflete sobre a crise a luta de classes em meados da metade do século passado, período que se vivia grande resistência e oposição às hegemonias da época, que são dos seguintes setores: a) burguesias capitalistas b) ao proletariado c)ao exército industrial de reserva d) a burguesia do renascimento comercial e) dos burgos 3. (...) Trata-se da contestação ao tradicionalismo profissional, do questionamento global (em especial na América Latina) da profissão: de seus fundamentos ideo-teóricos, de suas raízes sociopolíticas, da direção social da prática profissional e de seu modus operandi (IAMAMOTO, 2010). Na Unidade 1 do nosso livro didático se estudou a construção do projeto ético-político profissional e a consolidação da ruptura com o tradicionalismo no Serviço Social brasileiro. Para isso, se resgatou que há um momento/movimento que questiona e critica aquelas práticas desenvolvidas no surgimento da profissão no Brasil, em meados das décadas de 30 e 40 (aquele conservadorismo inicial marcado com base na ação social da igreja católica. Trata-se: 26 a) do arranjo teórico doutrinário b) do desenvolvimentode comunidade c) do movimento de reconceituação d) do neoconservadorismo e) da modernização conservadora 4. Na Unidade 1 do nosso livro didático se estudou a construção do projeto ético-político profissional e a consolidação da ruptura com o tradicionalismo no Serviço Social brasileiro. Para isso, se resgatou o debate sobre a autocracia burguesa e o movimento de renovação do Serviço Social no período da Ditadura Militar. Assinale a alternativa abaixo que preenche corretamente a lacuna que completa a frase da autora citada em nosso livro didático: (...) Nesse processo, de acordo com Netto (2009), destacam-se três direções principais em que se deu a renovação da profissão e que concorrem, entre as décadas de 1960 e 1980, pela hegemonia nos espaços de discussões e representações do Serviço Social. Tais direções são: _____________________ : a) o movimento de reconceituação e a intenção de ruptura b) a intenção de ruptura e o trabajo social c) a Perspectiva Modernizadora, a Reatualização do Conservadorismo e a Intenção de Ruptura d) a Perspectiva Modernizadora, a Reatualização do marxismo e a Intenção de Ruptura e) a Perspectiva Modernizadora e a Reatualização do Conservadorismo 5. (...) sabe-se que, para tratar da construção do Projeto Ético-Político Profissional (PEPP) do Serviço Social, é importante remeter a períodos, acontecimentos e questões relevantes acerca do processo histórico que a profissão vive imersa nas relações sociais de produção e reprodução no capitalismo brasileiro contemporâneo. Em nosso livro didático realizam-se avanços e recuos no que se refere aos “marcos temporais” que constituem esse processo sócio-histórico que o Serviço Social faz parte e se insere (Trecho extraído do material do Livro didático). Na Unidade 1 do nosso livro didático se estudou a construção do projeto ético-político profissional e a consolidação da ruptura com o tradicionalismo no Serviço Social brasileiro. Para isso, se refletiu sobre o tema dos “anos dourados da profissão” (que gira em torno das décadas de 80 e 90, em especial dessa primeira). Assinale abaixo alguns temas e debates que assinalam isso: a) renovação e a intenção de ruptura do serviço social b) reatualização do conservadorismo e intenção de ruptura c) arranjo teórico doutrinário e industrialização d) neodesenvolvimentismo e neoliberalismo e) pós-modernidade e o neodesenvolvimentismo 6. Na Unidade 1 do nosso livro didático se estudou a construção do projeto ético-político 27 profissional e a consolidação da ruptura com o tradicionalismo no Serviço Social brasileiro. Para isso, se refletiu sobre o tema da maturidade intelectual e os novos rumos do Serviço Social. É nesse cenário, em meados da década de 80 e com a crise da autocracia burguesa, que a renovação adquire força, e que a profissão tem seu rearranjo, onde se entende “hegemonicamente” no interior da profissão que a sociedade divide-se em classes sociais, e aí se tem uma valorização teórica à dimensão crítica e progressista. Essa “maioridade intelectual” e o amadurecimento do projeto profissional do Serviço Social, a partir do aprofundamento de estudos e pesquisas na perspectiva: a) positivista b) estrutural funcionalista c) fenomenológica d) keynesiana e) marxiana 7. Na Unidade 1 do nosso livro didático se estudou a construção do projeto ético-político profissional e a consolidação da ruptura com o tradicionalismo no Serviço Social brasileiro. Para isso, se refletiu sobre o tema da influência dos pensadores marxistas no Serviço Social. Apesar do avanço e da importância de novas aproximações para a época, viu-se que a profissão se aproxima da tradição marxista, assimilando, num primeiro momento, os vieses do marxismo vulgar, do sincretismo e da instrumentalização. Nesse quesito, se lembrou de: a) Karl Marx, com as obras da juventude do autor b) Karl Marx, com a análise estrutural da reprodução econômica c) Louis Althusser, com a análise fenomenológica d) Louis Althusser, com a análise estrutural da reprodução econômica e) Antonio Gramsci, com a análise da hegemonia e da ideologia 8. Na Unidade 1 do nosso livro didático se estudou a construção do projeto ético-político profissional e a consolidação da ruptura com o tradicionalismo no Serviço Social brasileiro. Para isso, se refletiu sobre o tema da influência dos pensadores marxistas no Serviço Social. Aquele autor e importante teórico e ativista marxista, analisou uma realidade que não podia ser compreendida em sua complexidade, se o Estado fosse entendido apenas como um aparelho governamental, e que pensou o Estado como a conjunção da sociedade política (coerção) com a sociedade civil (espaço de disputa pela hegemonia), ao qual dá o nome de Estado Integral, trata-se de: 28 a) Antônio Gramsci b) Louis Althusser c) Friedrich Engels d) Rosa Luxemburgo e) José Paulo Netto 29 O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO HEGEMÔNICO DO SERVIÇO SOCIAL E SEUS ASPECTOS CONSTITUTIVOS 30 2.1 O DEBATE SOBRE A DIVISÃO SOCIAL E ESPECIALIZAÇÃO DO TRABALHO NA REPRODUÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS Na Unidade anterior do nosso Livro Didático estudou-se a construção do projeto ético-político profissional e a consolidação da ruptura com o tradicionalismo no Serviço Social brasileiro. Para dar conta desse debate e apreender o conteúdo, optou-se por discorrer acerca de questões/temas que abarcam um período histórico determinado (das décadas de 1970 a 1990), e assim estudou-se: a crise da autocracia burguesa e os “anos dourados” da profissão; o alcance da maturidade intelectual e o contexto da redemocratização brasileira; e por fim a influência dos pensadores marxistas no Serviço Social. Tratam-se, portanto, de questões e temas que dão o “pontapé inicial” para se entender como se desenvolveu, formatou e se fortaleceu o que se conhece como o projeto ético-político hegemônico do Serviço Social. Ao se entender que é no período de crise da autocracia burguesa, com a chegada dos “anos dourados” da profissão (década de 1980) que se alcança a maturidade intelectual, possibilidade em meio ao processo de redemocratização da sociedade brasileira, e, por fim, também, com a penetração da influência dos pensadores marxistas, que o Serviço Social brasileiro amadurece o seu projeto ético-político contemporâneo. Ao mesmo tempo, esse projeto profissional se “formata” com (e por meio) de aspectos constitutivos que serão discorridos neste capítulo. Nesses subcapítulos se resgatam as discussões sobre o Serviço Social na divisão social e especialização do trabalho na reprodução das relações sociais, o Serviço Social no âmbito do assalariamento e por fim as componentes que dão materialidade ao projeto ético-político. Tratam-se de questões que se apresentam como, características essenciais e formadoras do que constrói enquanto projeto ético-político profissional do Serviço Social na atualidade. O primeiro debate (o Serviço Social na divisão social e especialização do trabalho na reprodução das relações sociais) advém da década de 80, da publicação do livro “Relações Sociais e Serviço Social” de Marilda Iamamoto e Raul de Carvalho (em 1982). Em meados da crise da ditadura militar e quando a sociedade civil e política brasileira organizava-se em prol da redemocratização, há a possibilidade de um ambiente favorável para se discutir com maior rigor e propriedade teorias e dimensões conceituais (para pensar o papel do Serviço Social na história). Figura 4: Livro Marilda Villela Iamamoto e Raul de Carvalho Fonte: Disponível em: https://bit.ly/3I3od5k. Acesso em: 02 abr. 2022. 31 Esse livro inaugura uma percepção atualizada da profissão, que nega e se distancia das ideias que pensavam o Serviço Social como um “avanço da doutrina social da igreja católica" (Serviço Social Tradicional) e/ou tão somente “à mercê da necessidade de promover o desenvolvimento capitalista e uma suposta harmonia à ordem social” (Serviço Social Conservador). Essa obra demarca o estabelecimento da interlocução da profissãocom a teoria social de Marx, promovendo a “inauguração” de um atualizado entendimento sobre a profissão. O esforço analítico defende a apreensão do Serviço Social como especialização do trabalho coletivo e partícipe do processo de produção e reprodução das relações sociais. Os autores Iamamoto e Carvalho (2007, p. 77) sintetizam que: É interessantíssimo o resgate que sobre a divisão sociotécnica do trabalho, que leva em conta que o Serviço Social está inserido, desde a década de 1930, e regulamentado como profissão desde a década de 1950 no Brasil, na divisão social do trabalho, da mesma forma é importante pensar como se deu o desenvolvimento do Serviço Social no Brasil, que desde a sua criação foi feminina por excelência – de e para mulheres. Considera-se que é na divisão social do trabalho, sexualizada pelo sistema capitalista que as mulheres estão inseridas, e a formação acadêmica e profissional é pautada pelas demandas próprias do sistema capitalista (CINTRA, 2017). O Serviço Social se gesta e se desenvolve como profis- são na divisão social do trabalho, tendo por pano de fun- do o desenvolvimento capitalista industrial e a expan- são urbana, processo esse aqui apreendido sob o ângulo das novas classes sociais emergentes – a constituição do proletariado e a burguesia industrial – e das modifica- ções verificadas na composição dos grupos e frações de classes que compartilham o poder de Estado em con- junturas históricas específicas. A partir daí, defende-se a ideia que o Serviço Social se desenvolve na fase do capitalismo monopolista. Partindo das premissas da tradição marxista (onde o trabalho é dimensão fundante para a constituição do ser humano e no capitalismo adquire uma forma própria e particular - de valor de troca/exploração), percebe-se que a sociedade moderna capita- lista se forma por meio de atividades produtivas (ou ramos de atividades necessárias para a reprodução da vida), pois as relações sociais nesse modo de produção são com base nas relações de produção de mercadorias. VAMOS PENSAR? Popularmente, de forma genérica, se entende que o modo de produção capitalista, por meio da formação da sociedade burguesa-mercantil, tem as seguintes “fases”: a fase de capitalismo Comercial (de meados do século XV a XVIII): a “fase” de Capitalismo Industrial (Século de meados do século XVIII a XIX); a “fase” do capitalismo monopolista- -financeiro (meados do século XX). GLOSSÁRIO 32 Portanto, apesar do Serviço Social ter uma história pautada em características como a caridade, a filantropia, tal como pelo envolvimento da mulher e a suposta tradição pela vocação, a profissão se gesta e se desenvolve como profissão na divisão social do trabalho, e é por meio desse processo de definição do Serviço Social como trabalho, que se desenvolve a identidade profissional. À medida que ideias como a de Iamamoto e Raul são elaboradas, se parte do entendimento que a presença da(o) assistente social, no contexto da totalidade concreta, está vinculada às necessidades do desenvolvimento de uma sociedade capitalista, que se funda por meio da propriedade privada, da exploração (por meio da apropriação da mais-valia), dos interesses na luta de classes etc. O processo de institucionalização e legitimação do Serviço Social tem, em diferentes períodos, distintos atores e instituições que se relacionam (a igreja, o Estado, as empresas, entre outros), no entanto significado social da profissão é entendido, a partir de então, percebendo a profissão vinculada às emergência das demandas da sociedade capitalista e das suas as estratégias de regulação social e reprodução da ideologia dominante - ou seja, a profissão é requisitada pelas instituições capitalistas para se inserir, enquanto especialização do trabalho coletivo (uma das variadas profissões na divisão social do trabalho), para responder à interesses do Estado e das empresas capitalistas. Ao mesmo tempo, de forma contraditória, responde também aos interesses das classes trabalhadoras subalternas. Para iniciar o debate sobre a condição do/a Assistente Social como profissional assalariado, observe a seguinte charge abaixo: 2.2 O/A ASSISTENTE SOCIAL COMO TRABALHADOR/A ASSALARIADO/A E AS CONTRADIÇÕES INERENTES À CONDIÇÃO DE ASSALARIAMENTO O projeto do Serviço Social brasileiro é historicamente datado, fruto e expressão de um amplo movimento de lutas pela democratização da sociedade e do Estado no país, foi no contexto de ascensão do movimento das classes sociais, das lutas em torno da elabo- ração e aprovação da Carta Constitucional de 1988 e pela defesa do Estado de Direitos, que a categoria dos Assistentes Sociais foi sendo socialmente questionada pela prática política de diferentes segmentos da sociedade civil (IAMAMOTO, 2011). FIQUE ATENTO Figura 5 Fonte: Disponível em: https://bit.ly/3C1mCZQ. Acesso em: 02 abr. 2022. 33 A charge acima nos possibilita questionar, de inúmeras formas, o trabalho na atualidade. Partindo de uma visão crítica e mais “totalizante” das relações sociais de produção, é interessante se questionar se trabalho é tão somente se ter um emprego e uma renda, ou estar vinculado a uma atividade que se realiza por meio de uma ocupação profissional. Como se viu acima, o projeto profissional se “formata” com (e por meio) de aspectos constitutivos que são centro de análise nesses subcapítulos (a divisão social e especialização do trabalho o assalariamento e por fim os componentes). Agora se discorre acerca do trabalho assalariado (da condição de assalariamento). Grosso modo, o sujeito assalariado é, em tese, aquele que trabalha mediante salário, ou seja, uma remuneração mensal paga pelos serviços prestados. Ao pensar o Serviço Social enquanto profissão de nível superior regulamentada, trata-se de um sujeito trabalhador assalariado - que tem a relação de trabalho caracterizada pela troca da força de trabalho por salário. No entanto, a condição de assalariamento é caracterizada por uma relação mais complexa que será discorrida a seguir, e, assim como o primeiro tema abordado acima (a divisão social e especialização do trabalho), se parte do pressuposto que essa condição é intrínseca às relações sociais capitalistas de produção. Teixeira e Souza (1985, p.65-66, grifos nossos) resumem de forma sintetizada que: O trabalho assalariado é, portanto, condição fundamental para o capitalismo, tal como o funcionamento da propriedade privada, a existência da mais-valia e a exploração pelo trabalho, o poder do Estado Burguês de classes etc. Na sociedade moderna, no capitalismo burguês mercantil, vende-se e se defende a ideia que se chegou a um nível de relação no mundo do trabalho diferente de outras relações sociais - nesse sistema social e econômica o trabalhador é livre, o trabalho é livre, pois su- postamente ninguém é obrigado, por nenhum constrangimento legal, a servir a um em- pregador determinado, e a economia de livre mercado provoca a “liberdade de trabalho”. Porém, como se percebe na charge, essa condição é mais complexa se for colocada em uma análise mais crítica e reflexiva. VAMOS PENSAR? (...) o regime capitalista de produção pressupõe a ge- neralização da produção para a troca. Com a expansão desta - entendida como expressão da diferenciação da divisão social do trabalho - ocorre também a separação definitiva dos produtores diretos de mercadorias dos seus meios de produção. Expropriados, passam a ser possuidores de uma única mercadoria - sua força de trabalho. Proletarizados, são convertidos em traba- lhadores assalariados. Simples operadores dos instru- mentos de produção que não mais lhes pertencem[...] o capital comercial comanda a expulsão dos homens do campo, expropriando-os de suas terras, e fazendo com que se encaminhem para as cidades, - onde serão obri- gados a se submeter ao trabalho assalariado[...] 34 Nas palavras de Marx: “A propriedade privada deriva-se assim da análise do conceito de trabalho alienado, ou seja, dohomem alienado, do trabalho alienado, da vida alienada do homem estranho”título e/ou poder” de um determinado bem “móvel ou imóvel”, pois se refere de uma relação social complementar entre instrumentos de poder que se determi- nam (terra, máquinas, indústrias, instalações, trabalho humano, etc). A mais-valia trata-se da disparidade entre o salário pago e o valor produzido pelo trabalho (refere-se ao processo da exploração da mão de obra assalariada). Não se confunde com lucro, pois está associada à exploração da mão de obra assalariada. GLOSSÁRIO Vê-se que o assalariamento não é tão somente o ato ou efeito de assalariar (trabalhar e receber uma remuneração mensal mediante uma determinação legal e jurídica), pois se estabelece como uma das várias condições estratégias de desenvolvimento capitalista e de manutenção ideológica dessa ordem societária. A explicação de Silvana Chalcoski (2018, p.545, grifos nossos) é relevante e resume o debate: Nesse sentido, entender o Serviço Social o Serviço Social como uma profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho como uma especialização do trabalho coletivo (conforme discorrido no subcapítulo acima), é entendê-lo, também, na condição de profissional assalariado. Essa condição, por um lado, se apresenta como forma de se “dispor livremente de uma força de trabalho” (assim é ideologicamente apresentado no capitalismo - o sujeito é “supostamente” livre para trabalhar, escolher seu trabalho, vender seu trabalho, colocar sua metodologia de trabalho da forma que preferir etc). No entanto, por outro lado, ao se desvendar as relações sociais capitalistas de produção, se entende que dispõe de sua força de trabalho como sua mercadoria é se inserir em uma relação complexa e contraditória - que fundamentalmente se relaciona com a exploração, a alienação, às lutas de classes, e contudo às barreiras e os limites de colocar a prática profissional na realidade, pois o sujeito “livre” e assalariado não dispõe e nem comanda essas relações, seus meios e instrumentos de trabalho - que estão à mercê das instituições empregadoras e do Estado. Logo abaixo se pontuam algumas considerações de estudiosos que publicaram a respeito da condição de assalariamento do profissional Assistente Social, onde se mostra que há uma dualidade nessa relação de assalariamento - “tem-se uma vinculação fundada (...) o trabalho assalariado teve sua transformação com o advento do capitalismo industrial, o qual se ca- racteriza também a conversão da força de trabalho em mercadoria. Afinal, o trabalho assalariado pode-se assim ser definido como uma troca e/ou venda da força de trabalho na perspectiva de obtenção de uma remu- neração (salário) para seu sustento e de sua família. Va- lor o qual, é pago de maneira desigual ao valor real de seu trabalho exercido. Haja vista que, a mais valia, alienação e exploração estão presentes nessas fun- ções executadas. 35 • “[...] o Serviço Social regulamentado como uma pro- fissão liberal e dispondo o assistente social de “re- lativa autonomia” na condução do exercício pro- fissional, tornam-se necessários estatutos legais e éticos que regulamentam socialmente a profissão. Entretanto, essa autonomia é tensionada pela com- pra e venda dessa força de trabalho especializada a diferentes empregadores: o Estado (e suas distintas esferas de poder), o empresariado, as organizações de trabalhadores e de outros segmentos organiza- dos da sociedade civil. O significado social do tra- balho profissional do assistente social depende das relações que estabelece com os sujeitos sociais que o contratam, os quais personificam funções diferen- ciadas na sociedade (IAMAMOTO, 2015, p. 214-215, apud SILVA;TRINDADE, 2020). • A condição de “trabalhador livre” enquadra o assis- tente social na relação de compra e venda da sua força de trabalho especializada, em troca de um sa- lário e o molda à sua inserção sócio institucional, nos segmentos públicos ou privados. Isto exige o debate sobre as condições nas quais se desenvolve esse tra- balho especializado, por isso, a exigência em anali- sarmos a intervenção profissional no âmbito de pro- cessos e relações de trabalho (SILVA, 2017). a um estatuto de liberdade na condução profissional, no entanto essa autonomia é relativa e limitada”: Estar na condição de profissional assalariado é, portanto, entender que, - apesar de se ter avançado no âmbito da regulamentação da profissão (ser o Serviço Social um corpo profissional regulamentado juridicamente, com uma Lei de regulamentação, um código de ética profissional, uma diretriz curricular no âmbito da formação profissional graduada, conhecimentos particulares etc) - a profissão dispõe de uma “relativa autonomia”, pois se perceber como “profissão liberal” é entender que a compra e venda da força de trabalho na sociedade capitalista é intrinsecamente contraditória - envolve-se pela luta de classes, pelas relações de poder, pelos ensinamentos em meio aos interesses das instituições estatais e empresas capitalistas etc. Acesse e assista o vídeo referenciado a seguir a fim de obter mais reflexões sobre o tema do trabalho em Marx: CRÍTICA MARXISTA. O que é trabalho para Marx? (Fragmento do curso "O método em Marx", ministrado pelo prof. José Paulo Net- to). S.ano (Online). Disponível em: https://bit.ly/3GiwqRP. Acesso em: 08 abr. 2022. Acesse e leia o artigo referenciado a seguir a fim de obter mais reflexões so- bre a questão do trabalho assalariado e o Serviço Social: LOPES; M. L. SANTOS, M. E. O Assistente Social enquanto trabalhador assalariado: desafios presentes BUSQUE POR MAIS 36 no cotidiano. RELACult - Revista Latino-Americana De Estudos Em Cultura E Sociedade, 4(2).2018. Disponível em: https://bit.ly/3WwcLDK. Acesso em: 08 abr. 2022. O estatuto legal e ético que regulamenta a profissão do Serviço Social é defendido, ao mesmo tempo que o trabalho assalariado faz com que haja uma perda do controle do trabalhador sobre o seu próprio trabalho, o que pode (dependendo da situação) prejudicar o controle sobre o processo de trabalho que o profissional se insere. Como se viu acima, o projeto ético-político profissional do Serviço Social se “formata” com (e por meio) de “aspectos constitutivos” que são centro de análise nesses subcapítulos. Ou seja, alguns debates principais que ganham destaque na agenda da profissão no cenário contemporâneo, a partir da renovação e da intenção de ruptura com o tradicionalismo e o conservadorismo profissional que até então tinham centralidade no interior do Serviço Social. Os temas da divisão social e especialização do trabalho e o assalariamento foram assunto até aqui - apreensões teóricas que, contudo, a partir da década de 80, penetram na retórica profissional e possibilitam entender o Serviço Social inserido no processo sócio histórico da sociedade capitalista. Neste subcapítulo se resgatam os componentes que dão materialidade ao projeto ético político profissional. Ao ter entendimento acerca do Serviço Social enquanto profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho como uma especialização do trabalho coletivo (subcapítulo 2.1), em uma condição de trabalhador assalariado (subcapítulo 2.2), é possível debater com qualidade o projeto ético-político hegemônico que atualmente está no horizonte do exercício profissional. No entanto, para adentrar esse debate é importante levar em consideração algumas reflexões: 2.3 COMPONENTES QUE DÃO MATERIALIDADE AO PEPP: INSTÂNCIAS POLÍTICO-ORGANIZATIVAS, DIMENSÃO JURÍDICO-NORMATIVA E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO • Fala-se de um projeto profissional, sendo que este “apresenta a auto-imagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam os seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, institucionais e práticos) para o seu exercício, prescrevem normas para o comporta- mento dos profissionais e estabelecem as balizas da sua relação com os usuários
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