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122 Unidade II Unidade II 5 MODELOS DE GESTÃO DE ESTOQUES Uma das afirmações mais ouvidas no mundo corporativo é que “estoque é um mal necessário”, a qual, apesar de batida, é absolutamente verdadeira. Não é possível uma operação produtiva sem a existência de estoques, necessários para a regularidade dos fluxos de materiais e consequentemente para alcançar e manter a eficiência e eficácia da produção. Por outro lado, o custo financeiro de se manter estoques pode prejudicar e até inviabilizar financeiramente uma atividade econômica. Atingir o equilíbrio entre esses dois fatores é, portanto, um importante objetivo da gestão, tanto das organizações como das cadeias de suprimentos. Duas dimensões aparecem imediatamente quando falamos de estoques: o correto dimensionamento deles e a preocupação com a entropia dos processos operacionais. Usamos o termo entropia não no sentido termodinâmico, mas no filosófico, ou seja, entropia é o termo usado para descrever a evolução de um sistema em ordem para um sistema em desordem. A tendência à alta entropia (sistema mais desordenado) é inevitável e tem que ser constantemente combatida. Os estoques tendem a ser “solução” para os mais diversos problemas do dia a dia organizacional e consequentemente podem aumentar até níveis financeiramente insuportáveis. Assim, não só deve-se dimensioná-los corretamente como manter esses níveis ao longo do tempo. 5.1 Funções dos estoques – análise dos custos envolvidos 5.1.1 Estoque como solucionador de conflitos Todo e qualquer processo produtivo, do mais elementar ao mais complexo, é formado por microprocessos ou atividades entre as quais inevitavelmente temos conflitos. Uma maneira de se resolver os conflitos entre as etapas da cadeia produtiva é a utilização de estoques. E isso pode se tornar um grande problema. Observação O fato de existir um conflito entre duas partes não é necessariamente algo negativo; pelo contrário, pode ser algo positivo, uma oportunidade de melhoria e aperfeiçoamento. A maneira como se resolve o conflito, isso sim, pode ser negativa ou positiva. 123 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Como visto anteriormente, numa cadeia produtiva a regularidade dos fluxos está ligada à eficiência e à eficácia da operação. Um fluxo regular indica um melhor funcionamento da cadeia, mas não é fácil de ser obtido. Muitos fatores contribuem para irregularidades no fluxo, tanto por motivos inevitáveis como evitáveis. Imagine a produção de um determinado produto, composto de certo número de etapas, na qual você é uma das etapas. Cada etapa depende das anteriores e provoca dependências nas posteriores. Você, por exemplo, depende dos elos que o precederam e influencia nos elos que o sucedem. Uma situação ideal, mas normalmente impossível de ser alcançada, seria a produção unitária do produto, ou seja, cada etapa faz uma unidade do produto, passa para a etapa seguinte, que executa outra atividade sobre essa única unidade, e passa para a próxima etapa. Uma situação dessas produziria estoques muito pequenos. Imagine uma rede produtiva com dez etapas. Teríamos uma unidade em cada etapa, num total de apenas dez unidades. Essa situação aparentemente interessante é, no entanto, raramente adequada, porque ao mesmo tempo que reduz os estoques aumenta muito o “pega e larga” e os transportes. Pense em você fazendo sua atividade, levantando-se do seu posto de trabalho e entregando o produto para a próxima etapa, que pode estar fisicamente distante, eventualmente até em outro local. O que você ganharia com a redução de estoques poderia perder muito mais com os transportes. Observação A expressão “pega e larga” é muito utilizada nas operações para simbolizar o ato de uma atividade ou um operador pegar o trabalho e depois de fazer sua atividade largá-lo na próxima etapa. Por exemplo, você pega dois competentes metálicos, solda-os e larga a peça soldada para a próxima etapa, o tratamento térmico. Dessa forma, para equilibrar os custos de estocagem e de transporte, melhorando a eficiência das operações, costuma-se trabalhar com lotes de produtos. Suponha que tenhamos estudado a sua cadeia produtiva e chegado à conclusão que devemos trabalhar com lotes de dez unidades. Agora você não vai pegar da etapa anterior e passar para a posterior uma unidade, mas sim um lote de dez unidades. Note que agora sua linha de produção tem cem unidades do produto em estoque. Dez unidades em cada uma das dez etapas. Aumentamos muito os estoques, mas reduzimos os transportes. Você terá que sair do seu posto de trabalho dez vezes menos que no modelo anterior. Visualize a situação agora: você recebe uma caixa com dez peças que deverão ser trabalhadas por você. Digamos que você tenha que fazer em cada peça dois furos. Você pega a caixa, faz os furos em todas as peças, leva a caixa para o posto de trabalho seguinte, retorna ao seu posto de trabalho e nota que não recebeu ainda uma nova caixa com as próximas peças. Você vai ter que ficar parado durante certo tempo, ocasionando ociosidade. 124 Unidade II Para evitar essa ociosidade podemos proteger a produção com algum aumento de estocagem. Veja a figura a seguir: Operação 1 Estoque Estoque Estoque Estoque Estoque Estoque Operação 2 Operação 3 (você) Operação 4 Operação 10 Figura 34 Observe que antes de cada operação temos um estoque (no nosso exemplo de dez unidades). Os operadores, por exemplo, trabalham num lote de dez unidades e têm outro lote de dez unidades à espera na sua esquerda. Agora temos na linha inteira um total de 210 unidades, sendo cem unidades trabalhadas e mais 110 unidades nos estoques de “espera”. Aumentamos bastante a estocagem, mas aparentemente melhoramos a eficiência total da operação. O raciocínio anterior pressupõe um funcionamento regular da rede produtiva, sem a ocorrência de eventualidades tais como falta de pessoal, de matéria-prima ou energia; problemas de qualidade e retrabalho; etc. Esses fatores aleatórios provocam os conflitos principais mencionados, os quais frequentemente são enfrentados com aumento de estoques. A imagem mais frequente que se faz dos estoques é a da caixa d’água. Nas nossas residências as caixas d’água só fazem sentido porque existe uma diferença entre o fornecimento de água e o seu consumo, ou em termos mais rigorosos a diferença entre o fornecimento e a demanda. O fornecimento de água, de modo geral, é constante ao longo de todo o dia, mas o consumo não; em determinados momentos do dia a demanda por água numa residência é muito maior do que em outros momentos. A caixa d’água então ajusta esse desequilíbrio. Durante a maior parte do tempo ela é suprida com uma quantidade relativamente pequena de água que é consumida em grandes quantidades em curtos períodos. O dimensionamento da capacidade de uma caixa d’água poderia ser feito (e é feito) através destes dois valores, taxa de fornecimento e taxa de demanda, e provavelmente resultaria em caixas muito menores do que se as encontradas não fossem irregularidades imprevistas. Por exemplo, a interrupção de fornecimento por largo intervalo de tempo. Isso faz com que caixas d’água localizadas em regiões onde falte muita água sejam maiores que similares localizadas em locais com fornecimento mais constante. Da mesma forma ocorre com os estoques nas organizações. Podem (e devem) ser dimensionados de modo objetivo e matemático, mas estão sujeitos às variações de fornecimento e demanda aleatórios. Imagine que sua organização utilize como matéria-prima fundamental minérios que são extraídos de locais a mais de 3.000 quilômetros de sua planta. Perceba como existem possíveis problemas no fornecimento deste material. Caminhões podem quebrar; estradas podem ficar intransitáveis, greves podem ocorrer etc. Para sua organização se proteger desses conflitos inevitavelmente deverá aumentar os níveis de estocagem, além daqueles objetivamente calculados. 125 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Essa proteção muitas vezessupera largamente os níveis calculados e contribui para uma deterioração do sistema, ou seja, aumento de estoques tende a gerar ineficiências, que tornam a gerar aumentos, criando um círculo vicioso. Quando estudarmos os conceitos de just in time veremos como esse fator é especialmente perverso para a saúde financeira e operacional das organizações. Lembrete Um dos efeitos mais perversos dos estoques é o fator que podemos chamar de entrópico, ou seja, altos estoques geram mais estoques, que tornam a gerar maior estocagem em um círculo sem fim. 5.1.2 Inevitabilidade dos estoques e seu impacto na saúde financeira das empresas Slack, Chambers e Johnston (2002) definem estoque como “a acumulação armazenada de recursos materiais em um sistema de transformação”, mas ressaltam que essa ideia pode ser estendida para qualquer tipo de recursos, por exemplo, consumidores (quando utilizamos mais o termo “fila”) ou informações (os bancos de dados). Nesta disciplina nosso foco principal são os estoques de materiais, apesar de que muitos conceitos podem ser aplicados também nos outros insumos. A existência de estoques é inevitável para todo e qualquer tipo de operação na medida em que garantem eficiência e eficácia à operação, mas evidentemente eles têm importância e significado diferentes dependendo da operação. É evidente a importância dos materiais e dos estoques em uma manufatura, mas surpreende o grau dessa importância em outras operações. Sobral e Peci (2013) afirmam que mais de 50% dos gastos dos bancos são com materiais e serviços terceirizados. Informam também que o Bradesco gastava com esses serviços em 2001 algo em torno de 1,5 bilhão de reais por ano (cerca de 5 bilhões em valores atualizados para 2020), mesmo depois de ter feito um programa dedicado à redução destes custos três anos antes. Não bastasse a importância financeira para as empresas, temos aspectos estratégicos a considerar. Uma empresa cuja matéria-prima seja o cobre ou seus derivados terá sempre problemas de aquisição em um mercado internacional extremamente instável, deverá garantir suas operações com correta gestão de seus estoques. Além disso, um mesmo material tem importâncias diferentes dependendo da natureza da operação. Materiais de limpeza, por exemplo, têm importância bem menor numa fábrica de televisores do que numa empresa de limpeza industrial. E, portanto, serão gerenciados de modo adequado a cada operação. Como visto, o material flui ao longo da cadeia produtiva com eventuais acumulações (estoques) em cada um de seus elos ou etapas. Essas acumulações são inevitáveis em parte, mas em outra parte podem ser resultados de ineficiências e deterioração dos sistemas. Esses estoques, inevitáveis ou não, têm impacto intenso sobre a saúde financeira das empresas e esse impacto pode variar de acordo com o posicionamento do estoque na cadeia produtiva. 126 Unidade II A análise da localização dos estoques identifica três distintas naturezas: • Estoque de matéria-prima e componentes: correspondem aos materiais que estão estocados antes do início das operações. Por exemplo, tecido; linhas e tintas numa confecção de vestuários; vergalhões, cimento e areia na construção de uma edificação; frutas in natura, açúcares e conservantes em uma fábrica de geleias. Esses estoques são os mais baratos dentro da operação, porque não sofreram ainda nenhuma transformação. O valor deles é o preço de aquisição. Por outro lado, são insumos que não podem (via de regra) ser negociados. Uma fábrica de geleias não vai querer vender morangos frescos. • Estoque de produtos acabados: envolve o produto pronto para comercialização, como, por exemplo: o vestuário costurado e embalado; a edificação pronta; os potes de geleia já nas caixas para despacho. Os estoques de produtos prontos são os mais caros da empresa, visto que todas as despesas já foram incorridas (matéria-prima; mão de obra; energia; depreciação dos equipamentos; despesas gerais de fabricação etc.), mas em compensação são produtos que podem ser negociados imediatamente, redundando em lucro para a organização. • Estoque de material em processo: é todo material que recebeu alguma transformação, mas não a transformação completa. Por exemplo, tecidos cortados para serem costurados numa confecção; ferragem colocada para receber concretagem numa edificação; frutas fervidas e açucaradas numa fábrica de geleias. Esses são os estoques mais problemáticos, porque são mais caros que a simples matéria-prima e não são comercializáveis por estarem inacabados. Quanto mais a jusante da cadeia produtiva, mais caro estará o material em processo sem que possa ser comercializado. Os níveis de estocagem são provavelmente algumas das questões mais controversas dentro de uma organização, visto que a postura das gerências de produção, de marketing e de finanças é diametralmente oposta e em certa medida irreconciliável. Para o administrador financeiro, todo e qualquer centavo imobilizado em estoque é algo a ser combatido. É dinheiro que poderia estar sendo usado para algo produtivo, mas que está parado “sem função”. Dessa forma, os estoques têm que girar o mais rapidamente possível e manterem-se nos menores níveis possíveis. Segundo Gitmam (1997, p. 713), “a disposição do administrador financeiro é no sentido de manter os estoques em níveis baixos, assegurando-se de que o dinheiro da empresa não esteja investido inadequadamente em excesso de recursos”. Ele estima que para um empresário médio os estoques respondam por 42% dos ativos circulantes e aproximadamente 18% dos ativos totais. Já o administrador mercadológico defende altos níveis de estocagem de produtos acabados que permitam o atendimento imediato dos clientes, mas combate sem quartel o estoque em processo, que tira a flexibilidade de atendimento, na medida em que impede a mudança do perfil produtivo para se ajustar a novas necessidades de demanda. O administrador da produção defende os estoques de matéria-prima e componentes que permitem flexibilidade produtiva e atenua paralisações. Para a produção, não ter matéria-prima para produzir é algo dilacerante. Já os estoques de produtos acabados altos são, na visão dele, algo terrível, visto que não está sendo necessária a continuidade da produção. O material em processo, apesar de conceitualmente não ser interessante para ele, muitas vezes é utilizado para esconder deficiências produtivas. 127 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Desta forma, essas três funções, finanças, marketing e produção, jamais chegarão a um consenso, sendo necessária a atuação de uma atividade conciliatória, frequentemente chamada de administração dos materiais, para se estabelecer objetivamente níveis e políticas de estocagem. Recomenda-se que essa atividade não se reporte numa organização a nenhuma das funções mencionadas, para garantir isenção e objetividade. Os estoques se apresentam também em diferentes tipos, de acordo com sua função específica. Várias formas diferentes de classificação podem ser utilizadas, mas as mais comuns dividem os estoques nos seguintes tipos: • Estoque de segurança ou estoque isolador ou estoque de proteção: é usado para compensar as incertezas que envolvem o fornecimento e a demanda, isolando ou protegendo operações. É na verdade uma segurança da operação contra fatores que não podem ser controlados. É um valor que pode ser estatisticamente determinado em função do histórico de ocorrências. Esse estoque, apesar de muitas vezes vital, é de certa forma responsável por um custo sem benefício em longo prazo, isso porque em média é como se ele não fosse necessário, mas implicasse em custo. • Estoque de ciclo ou em processo: ocorre quando há descompasso entre os estágios de uma operação. Imagine, por exemplo, que a produção de uma peça usinada precise passar por um torno automático especial. Para montar esse torno e fazê-lo operar economicamente é necessário que se trabalhe com lotes grandes. Lotes pequenos são inviáveis porqueo tempo de preparação da máquina oneraria em muito o custo unitário de cada peça. Assim, quando o torno é preparado usinam-se grandes quantidades que depois ficam estocadas à espera de utilização. Gera-se então um estoque de ciclo. • Estoques de antecipação: conciliam fornecimento e demanda em casos especiais quando eles estão muito separados no tempo. O exemplo clássico deste tipo de estoque são os ovos de Páscoa, cuja demanda ocorre em curto período de tempo, mas em grande volume. Caso a empresa decidisse produzir todos os ovos pouco antes da Páscoa, teria que ter uma operação muito grande que a deixaria ociosa durante o resto do ano. Assim, ela antecipa partes da produção, como, por exemplo, a produção de chocolate, e finaliza o produto apenas pouco antes da ocorrência da demanda. Produtos com alta incidência de sazonalidade utilizam muito esse critério de antecipação. Observação Sazonalidade é o efeito produzido por um fator externo sobre uma ocorrência econômica, aumentando ou diminuindo o volume da grandeza estudada, normalmente a demanda. É frequentemente ligada às safras ou ao comportamento do mercado. Por exemplo, o aumento do consumo de cerveja nos meses de dezembro a março no Brasil, por conta das altas temperaturas nessa época do ano e da sucessão de festividades (Natal, Ano-Novo, Carnaval). 128 Unidade II • Estoques no canal de distribuição: imagine que você seja um varejista de roupas femininas. Em dado momento você efetua a compra de produtos de uma determinada confecção, mas não tem esse produto imediatamente. Tem que esperar por ele algum tempo porque o fornecedor deve alocar o estoque para você, que a partir daí fica indisponível para qualquer outro varejista, separar o produto em seu depósito de produtos, embalar, emitir nota fiscal, carregar o veículo de transporte e transportar o produto até sua loja. Todo esse caminho, desde o momento de alocação até a efetiva disponibilização do produto em sua loja, corresponde ao canal de distribuição. Normalmente é o que chamamos de material em trânsito. Perceba a complexidade do gerenciamento de estoques visando obter eficiência e eficácia adequadas. Não só temos vários tipos de estoque, como estoques de naturezas diferentes e ocorrendo em todos os pontos da cadeia produtiva, gerando custos notáveis e de difícil controle. Dessa forma, gerenciar estoques pode ser resumido e esquematizado em três grandes decisões: • Quanto pedir, ou seja, qual o volume de material que devemos adquirir em cada ressuprimento. • Quando pedir, em que momento ou em que nível de estoque nós devemos colocar o pedido de reabastecimento. • Como controlar o processo, como garantir que os procedimentos e rotinas permaneçam adequados ao longo do tempo, não permitindo deterioração do sistema e consequentemente sobre a estocagem. A seguir analisaremos cada uma dessas dimensões. 5.1.3 Estoque dentro das empresas e entre os elos da cadeia de suprimentos Como visto anteriormente, a administração de uma cadeia produtiva ou uma cadeia de suprimentos está muito ligada à análise e ao acompanhamento dos fluxos existentes, em especial ao fluxo de fornecimento. Um fluxo contínuo e regular indica um funcionamento adequado da cadeia. Pontos de irregularidades indicam problemas. Esses pontos irregulares normalmente estão relacionados aos estoques, seja o excesso ou a falta de material. Assim, a gestão e análise de uma cadeia produtiva ou de suprimentos estão diretamente ligadas à análise dos estoques ao longo de seus elos. Acumulações de materiais ou a sua falta indicam problemas operacionais nos elos envolvidos. Atuando nas distorções encontradas, estaremos gerenciando a cadeia de suprimentos. Como vimos anteriormente, dada cadeia produtiva, um elo ou determinado conjunto de elos são propriedade de determinada empresa, sendo os demais elos propriedades de outras empresas. A maneira como se considera os estoques dentro de uma empresa e entre empresas apresenta diferenças importantes. 129 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Os estoques dentro das empresas são dimensionados e controlados a partir de determinações hierárquicas de naturezas estratégicas, financeiras e operacionais. Já os estoques entre as empresas dependerão basicamente de negociação, na qual os poderes relativos de barganha entre elas serão decisivos. Observe a figura a seguir e imagine que os elos tecelagem e confecção pertençam à mesma empresa. Fiação Tecelagem Confecção Centros de distribuição Lojas de varejo Figura 35 - Sistema de estoque multiescalonado Adaptada de: Slack, Chambers e Johnston (2002). Os estoques internos aos elos tecelagem e confecção são dimensionados e controlados através de critérios que privilegiam a eficiência e eficácia do processo em si. Por exemplo, as quantidades estocadas de fios antes do processo de tecer e a quantidade de tecido produzido serão estabelecidas tendo em vista as máximas eficiência e eficácia e o menor custo. A mesma coisa ocorre com o tecido estocado antes do início da confecção e a quantidade de vestuários produzidos. Mas e os estoques existentes entre os dois processos na figura representados pelas setas de fluxo? Como estamos imaginando que ambos os processos pertencem ao mesmo “dono”, esses estoques serão definidos tendo em vista a maximização dos resultados da empresa toda e não de cada elo. Observe o raciocínio. A tecelagem deseja produzir tecidos na quantidade de sua capacidade máxima e com a menor variedade possível. Caso ela tenha que produzir tecidos de várias cores, ela produzirá menos do que se produzisse tecido de uma única cor. Isso porque precisará mudar a cor dos fios, perdendo tempo em “set-up”. Já a confecção deseja ter estoques relativamente pequenos, mas mais variados, por exemplo, tecidos de várias cores. Isso daria maior flexibilidade produtiva a ela. Perceba que existe aí um conflito, que será resolvido hierarquicamente tendo em vista o bem maior da organização e não de cada processo individualmente. Por exemplo, a empresa pode decidir reduzir o número de cores e padrões oferecidos em seus vestuários para melhorar a eficiência da tecelagem. 130 Unidade II Agora imagine o contrário, que a tecelagem pertença a um “dono” e a confecção a outro. Não será possível manter o raciocínio feito. Um elo não vai abrir mão de seus resultados para o outro elo para ser “bonzinho”. Os estoques terão que ser, portanto, negociados. Em princípio a empresa que tiver o maior poder de barganha vai impor seus desejos, mas se eles forem muito danosos para o outro lado “o tiro sairá pela culatra”. Toda empresa ou processo procura diminuir estoques passando para as etapas anterior e posterior o encargo de mantê-los. No exemplo trabalhado, a confecção deseja receber o tecido o mais próximo possível do momento de utilizá-lo na produção e liberar para os centros de distribuição os produtos assim que ficarem prontos. Evidentemente que os parceiros têm desejos opostos. A tecelagem deseja entregar o tecido assim que estiver pronto, e os centros de distribuição, receber os vestuários prontos só quando houver clientes para eles. Esses conflitos são inevitáveis e a maneira como serão resolvidos conferirá maior ou menor valor para a cadeia de suprimentos envolvida. Tradicionalmente esses conflitos geravam uma relação ganha-perde, ou seja, para o lado com maior poder de barganha ganhar o máximo, o outro lado deveria perder. Essa relação tende a evoluir para uma relação ganha-ganha, em que os ganhos dos dois lados são equilibrados visando atribuir maior valor à cadeia de suprimentos. Seja qual for a relação entre os elos da cadeia, os conflitos tendem a gerar estoques. Voltemos ao exemplo da tecelagem e confecção, de propriedades diferentes. A tecelagem produz continuamente um tecido com determinadas características. À medida que o tecido vai ficando pronto, ele vai sendo estocado à espera de pedidos. Em dado momento a confecção faz um pedido desse tecido. A quantidade pedida éseparada, a documentação fiscal é emitida, os meios de transporte são alocados e carregados e o tecido é enviado à confecção. Chegando à confecção o veículo é descarregado e o tecido disposto para inspeção de qualidade. Aprovada a qualidade, o tecido é enviado ao almoxarifado, onde fica aguardando o momento de ser utilizado. Perceba que temos três momentos de estocagem: • Estoque de produtos acabados na tecelagem: é um estoque que diz respeito exclusivamente à organização proprietária da tecelagem em todos os seus aspectos: níveis de estocagem, localização, armazenagens, custos etc. • Estoque de matéria-prima na confecção: é responsabilidade da confecção. Assim como o anterior, não afeta nem é afetado diretamente pelo elo relacionado. • Estoque no canal de distribuição: acaba por ser responsabilidade dos dois lados, visto ser decorrência das políticas individuais de cada empresa. Além disso, é um estoque sujeito a diversas intercorrências aleatórias, tais como muitos pedidos para separar antes do nosso, demora na emissão da nota fiscal, atraso na chegada do transporte rodoviário, muito trânsito, acidentes nas estradas, demora no controle de qualidade etc. Esses fatores fazem com que a tendência desse estoque e mesmo dos outros dois aumente de quantidade para proteger as operações dessas incertezas. 131 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Perceba, portanto, como os estoques podem se tornar um problema sério e como podem esconder outros problemas ainda mais graves. Mal administrados, os estoques acabam escondendo deficiências e consequentemente diminuindo a qualidade global dos processos. A boa administração dos estoques inicia-se no correto dimensionamento, e para tanto precisamos identificar os custos envolvidos em qualquer estocagem. 5.1.4 Custo de manter estoques e custo de repor estoques Cada vez que uma organização decide ou necessita colocar uma unidade de um material qualquer em estoque ela estará incorrendo em custos. Aparentemente, se temos um custo de R$ 100,00 para manter dez unidades de um material em estoque, teríamos que ter um custo de R$ 200,00 para manter vinte unidades do mesmo material. Apesar de parecer lógico, não é isso que ocorre. O custo de estocagem é composto de parcelas divergentes, ou seja, algumas parcelas dele aumentam de valor à medida que os estoques aumentam enquanto outras diminuem. A determinação do ponto ótimo é feita através do conceito de trade-off. Saiba mais Trade-off é um termo utilizado comumente para definir uma situação na qual há um conflito de escolha, ou seja, qualquer decisão implica em vantagens e desvantagens que podem se anular ou compensar. Trade-off é o ponto em que esse mecanismo de compensação é mais vantajoso. Leia: FRANCISCO, L. Trade-off, uma decisão entre custos e benefícios. Administradores, 25 abr. 2011. Disponível em: https://bit.ly/3vajXGX. Acesso em: 8 jun. 2021. Os estoques têm que ser periodicamente repostos à medida que são consumidos. Essa reposição é feita normalmente em lotes proporcionais às quantidades consumidas. Podemos fazer essa reposição mais ou menos vezes, gerando maior ou menor custo. Imagine um exemplo de nosso dia a dia. Na sua casa você consome diariamente um litro de leite. Você tem que repor o leite consumido. Pode fazer isso comprando na padaria todos os dias um litro de leite, mas você pode também ir ao supermercado e comprar 30 litros de leite, que atenderão a todo o seu consumo mensal. Ambas as opções têm vantagens e desvantagens. Caso você compre um litro de leite por dia, provavelmente pagará mais caro e terá mais deslocamentos; já se comprar o consumo do mês todo, terá que imobilizar o valor total do leite de uma vez no começo do mês. O que é mais vantagem? Depende de cada situação particular. A análise trade-off é feita observando que o custo (total) de estocagem (Ce) é o resultado da soma de diversos custos que podem ser agrupados em duas grandes categorias: custos de repor os estoques e custos de manter os estoques. Identifiquemos cada um deles a seguir. 132 Unidade II O custo de reposição de estoque (Cp) diz respeito aos custos que diminuem com o aumento dos níveis de estocagem, ou seja, se a empresa estoca quantidades maiores, esses custos serão menores. É formado por: • Custos de colocação de pedidos: cada vez que um pedido de reposição é feito algumas transações são necessárias e apresentam custos. A compra de um material de terceiros necessita de uma série de operações burocráticas, tais como emissão de ordens de compra, tramitação dessas ordens pela empresa, operações de compras como cotações e negociações, emissão e recepção de documentos etc. A produção de um item de estoque internamente pode trazer custos de “set-up” devido à preparação de equipamentos e máquinas. Esses custos ocorrem cada vez que se coloca um pedido; portanto, se os pedidos forem maiores, serão ao longo do tempo em menor número, como quando você vai ao supermercado comprar leite uma única vez por mês, economizando muitos deslocamentos. • Custos de descontos de preços: frequentemente a aquisição de uma maior quantidade de um determinado produto significa uma redução do preço unitário desse produto por interesse do vendedor, ou então, ao se preparar uma máquina para produzir um item de estoque, a produção de um lote maior reduz o custo unitário. Dessa forma, pedidos em lotes maiores tendem a apresentar custos unitários menores. É o caso de comprar todo o leite necessário para um mês de uma única vez em um atacadista, por exemplo. • Custos de falta de estoque: ficar sem estoque de um determinado SKU é um dos piores pesadelos dentro de uma organização, seja qual for a natureza do SKU. A falta de material acarreta de alguma forma diretamente nos nossos clientes, seja porque não podemos atendê-los no momento, seja porque não podemos produzir algo necessário para um atendimento futuro. Afeta diretamente tanto a eficiência como a eficácia da operação e mesmo os resultados financeiros e estratégicos das organizações. Lotes menores de aquisição acarretam um maior risco que isso ocorra e, portanto, deste ponto de vista lotes maiores correspondem a custos menores (ou riscos menores). Caso você compre um litro de leite por dia, existe um risco razoável de você não ter leite para beber quente no final da noite. Comprando em lotes maiores, esse risco praticamente inexiste. Observação SKU é a sigla para stock keeping unit (unidade de manutenção em estoque), que designa os diferentes itens em estoque. Com frequência um determinado produto pode ter vários SKUs. Por exemplo, camisetas numa confecção terão estoques para cada tamanho e cada cor. Cada tamanho particular numa determinada cor é um SKU e será, normalmente, administrado isoladamente dos demais SKUs. 133 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA O custo de manutenção em estoque (Cm) diz respeito aos custos que aumentam com o aumento dos níveis de estocagem, ou seja, se a empresa estoca quantidades maiores, esses custos serão maiores. É formado por: • Custos de capital de giro: é provavelmente o custo que ocorre mais frequentemente e o mais facilmente calculável. Corresponde ao custo de manter um capital estocado e, portanto, indisponível. Imagine que mantenha em estoque ao longo de determinado tempo um SKU no valor de R$ 100,00. Esse valor fica imobilizado, não pode ser usado para nenhuma outra finalidade, o que representa um custo financeiro, visto que é possível ter que pagar juros ao banco se não tivermos o dinheiro ou então, se tivermos, perder a oportunidade de investir em outros lugares. Além disso, temos que ter em mente o chamado ciclo operacional, que é a diferença de tempo entre pagarmos nossos fornecedores e recebermos de nosso cliente. É um período no qual também temos que ter capital de giro e que está muito relacionado com as políticas de estocagem. • Custos de armazenagem: são custos associados à armazenagem física dos estoques. Podem representar custos mais ou menos importantesdependendo da natureza dos produtos estocados. Armazenagem de produtos deterioráveis, como carne, por exemplo, pode representar importante custo com energia elétrica. Iluminação e a própria depreciação dos equipamentos. Armazenagem de itens de alto valor monetário (metais preciosos, por exemplo) também pode ser muito custosa. • Custos de obsolescência: quantidades muito grandes estocadas estão sujeitas à obsolescência, ou seja, a perder a utilidade depois de certo tempo. Isso acontece com produtos de moda (tecidos com a cor “da moda” numa confecção, por exemplo) ou com produtos que se deterioram, como todos os alimentos, certos tipos de produtos químicos (tintas, corantes) etc. • Custos de ineficiências de produção: como vimos anteriormente, estoques funcionam como proteção para a produção, mas como consequência muitas vezes escondem problemas e ineficiências que vão se avolumando continuamente. Estoques muito elevados muitas vezes escondem e provocam custos desnecessários. Retomaremos essa discussão quando falarmos da filosofia just in time. Os custos de reposição de estoques e os custos de manutenção em estoque são divergentes, aumentam e diminuem de modo oposto com o aumento e a diminuição dos volumes estocados. Dimensionar o nível correto de estocagem consiste em encontrar o ponto de equilíbrio entre esses dois grupos de estoque. 5.2 Dimensionamento dos estoques O comportamento dinâmico do estoque de um item ao longo do tempo gera um gráfico conhecido como “dente de serra”, mostrado na figura a seguir: 134 Unidade II Intervalo entre entregas Momentos de entrada em estoque (entradas instantâneas) Demanda (inclinação da reta) Quantidade em estoque Estoque médio Tempo Q Figura 36 Esse modelo é teórico e serve para equacionarmos matematicamente os níveis de estocagem. Considera-se que Q é a quantidade de material que entra em estoque a cada pedido recebido do item considerado. Q pode assumir qualquer valor, mas, como veremos a seguir, existe um valor para o qual os custos serão mínimos. Encontrar esse valor é, portanto, nossa tarefa. Nesse modelo teórico, aplicado para um determinado SKU, imagina-se que num instante zero entre em estoque uma quantidade Q de material, que imediatamente passa a ser consumida com uma demanda (D) constante e previsível, graficamente caracterizada pela reta inclinada. Dependendo da taxa de demanda, a reta seria mais ou menos inclinada, mas, seja qual for a inclinação, após um determinado tempo o estoque estaria zerado. Esse tempo (tR) é dado pela razão Q/D. No momento que o estoque chega a zero uma nova entrega chega e o estoque total volta à quantidade Q original e um novo ciclo se inicia. O nível de estocagem varia, dessa forma, entre um máximo de Q e um mínimo de zero, apresentando um estoque médio igual a Q/2. Esse modelo tem como variável a quantidade de material que entra em estoque a cada reposição, simbolizada pela letra Q. Como vimos anteriormente, essa quantidade pode assumir em tese qualquer valor. Você pode ir uma única vez ao supermercado e comprar o leite necessário para todo o mês ou pode comprar apenas a quantidade necessária para aquele determinado dia. Claro que as duas opções apresentam características diferentes e principalmente custos diferentes. Imagina-se que exista uma determinada quantidade que apresenta o mínimo custo total possível. É o chamado lote econômico de compra (LEC). Observação Utilizamos o termo compra no sentido de aquisição. Não é necessário que seja efetivamente uma compra, ou seja, a aquisição por parte de um cliente de um fornecedor externo; pode ser uma produção interna, uma aquisição terceirizada ou apenas a passagem de uma etapa para outra da cadeia produtiva. 135 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA 5.2.1 Lote econômico de compras Como vimos, o custo total de estocagem é composto de duas parcelas de comportamento oposto: o custo de reposição de estoque e o custo de manutenção em estoque. Aumentando o valor de Q, iremos reduzir o primeiro e aumentar o segundo e, claro, reduzindo o valor de Q, teremos comportamento oposto. Então é lógico imaginar que exista um valor no qual o somatório das duas parcelas assume um valor mínimo. Esse valor é o LEC. Imagine que uma gráfica usa continuamente tinta preta em suas atividades. A demanda histórica dessa tinta é de 10 mil litros por ano. Cada vez que a empresa precisa repor o estoque, incorre em custos de reposição da ordem de R$ 50,00 por reposição. E para manter esse estoque ao longo de um ano a gráfica gasta R$ 4,00 para cada litro de tinta estocado. Devemos lembrar que o custo de reposição de estoques é a parcela formada pela soma dos: • Custos de colocação de pedido. • Custos de descontos de preços. • Custos de falta de estoque. Portanto, no caso: Cp = R$ 50,00 por reposição feita. Já o custo de manutenção de estoques é formado por: • Custos de capital de giro. • Custos de armazenagem. • Custos de obsolescência. • Custos de ineficiência da produção. Portanto, no caso: Cm = R$ 4,00 por ano e por litro. Evidentemente o custo total é a soma das duas parcelas, ou seja, CT = Cp + Cm, e queremos que seja o menor possível. Imagine que o setor de administração de materiais tenha dois planos em mente. No primeiro plano a empresa adquire essa tinta preta em lotes de 100 litros e no segundo plano em lote de mil litros: o que seria melhor economicamente? A questão é quanto custaria cada plano. Primeiro vamos analisar os custos de reposição de estoques. No primeiro plano será necessário fazer ao longo do ano cem reposições: 136 Unidade II R R D 10.000 f 100, onde f é a frequência de reposições Q 100 = = = onde fR é a frequência de reposições Cada uma das reposições custará R$ 50,00, portanto anualmente iremos gastar 100 x 500 = R$ 5.000,00 em reposições. No segundo plano o custo seria bem menor: R D 10.000 f 10 Custo com reposições 10 50 $500,00 Q 1.000 = = = → = × =custo com reposições = 10 x 50 = R$ 500,00 Evidentemente o custo com reposição de estoque cai violentamente com a redução do número de reposições. Quanto menos reposições, menos custo. Mas, por outro lado, iremos gastar mais com a manutenção da tinta em estoque se fizermos compras muito grandes. Veja como fica: No primeiro plano, como compramos de 100 em 100 litros, o estoque variará de 0 a 100 litros, portanto um estoque médio de 50 litros. Como cada litro estocado nos custa R$ 4,00 por ano, o gasto anual seria de R$ 200. No segundo plano o estoque médio seria de 500 litros e, portanto, o custo total com manutenção em estoque seria de R$ 2.000,00. Como previsto, o custo aumenta com o aumento das quantidades estocadas. Assim o custo total para o primeiro plano seria de R$ 5.000 + R$ 200 = R$ 5.200,00 e para o segundo plano seria de R$ 500,00 + R$ 2.000,00 = R$ 2.500,00. Portanto, o segundo plano é muito mais conveniente. Mas seria o mais conveniente? Ou existirá um mais interessante? A tabela a seguir refaz os cálculos descritos para os dois planos e para mais outros oito. Vamos ver o que acontece. Tabela 6 Quantidade em litros de cada pedido Custos com reposição em estoque Custos com manutenção em estoque Custo total Q p D C Q × m Q C 2 × T p m D Q C C C Q 2 = × + × 100 10.000 50 5.000 100 × = 100 4 200 2 × = CT = 5.000 + 200 = 5.200 200 10.000 50 2.500 200 × = 200 4 400 2 × = CT = 2.500 + 400 = 2.900 300 10.000 50 1.667 300 × = 300 4 600 2 × = CT = 1.667 + 200 = 1.867 400 10.000 50 1.250 400 × = 400 4 800 2 × = CT = 1.250 + 800 = 2.050 137 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Quantidade em litros de cada pedido Custos com reposição em estoque Custos com manutenção em estoque Custo total 500 10.000 50 1.000 500 × = 500 4 1.000 2 × = CT = 1.000 + 1.000 = 2.000 600 10.000 50 833 600 × = 600 4 1.200 2 × = CT = 833 + 1.200 = 2.033 700 10.000 50 714 700 × = 700 4 1.400 2 × = CT = 714 + 1.400 = 2.114 800 10.000 50 625 800 × = 800 4 1.600 2 × = CT = 625 + 1.600= 2.225 900 10.000 50 556 900 × = 900 4 1.800 2 × = CT = 556 + 1.800 = 2.356 1.000 10.000 50 500 1.000 × = 1.000 4 2.000 2 × = CT = 500 + 2.000 = 2.500 Perceba o comportamento do custo total. Ele inicialmente vai se reduzindo, chega a um mínimo e depois torna a aumentar. Esse ponto mínimo corresponde ao ponto de menor custo, portanto o que tende a ser escolhido. No nosso exemplo, o LEC seria de 500 litros a cada compra, apresentando um custo total de R$ 2.000 ao ano. Esse comportamento fica mais claro com uma visão gráfica: R$ 6.000,00 Custos R$ 5.000,00 R$ 4.000,00 R$ 3.000,00 R$ 2.000,00 R$ 1.000,00 R$ - 1000 Custos totais Custos de manutenção Custos de manutenção em estoqueem estoque Custos de reposição Custos de reposição dos estoquesdos estoques Tamanho dos pedidos Lote econômico de compra 300 500 700 900200 400 600 800 1.000 Figura 37 A maneira como calculamos o LEC não é a mais adequada. Seria um processo muito trabalhoso para ser aplicado a uma grande quantidade de itens. Um tratamento matemático (chamado derivação) da função custo total permite determinar fórmulas mais elegantes de cálculo, como se vê a seguir: 138 Unidade II A função custo total é dada por: custo total = custo de reposição em estoque + custo de manutenção em estoque Ou seja: p m T C D C Q C Q 2 = + Através de um processo matemático (primeira derivada da função custo em relação à Q) determinamos o ponto mínimo da função dado por: p m 2 C D Q C × × = Esse valor de Q corresponde ao LEC, e no caso em que se adota esse modelo teremos também: Tempo decorrido entre dois pedidos (tempo de reposição): r Q t D = Quantidade de pedidos ou frequência de pedidos: r D f Q = Exemplo de aplicação O almoxarifado de uma construtora trabalha com o conceito de lote econômico de compras para determinados itens de seu estoque, entre eles ferros de construção. A demanda mensal desse material é de 22 toneladas e cada pedido dele custa para a empresa R$ 250,00. O custo anual para manter esse material em estoque é de 15% do custo de aquisição, que é R$ 8.000,00 por tonelada. Quanto desse ferro de construção a empresa deve pedir em cada reposição? Temos as seguintes informações: Demanda anual: D = 22 x 12 = 264 toneladas. Custo de reposição em estoque: Cp = 250,00. Custo de manutenção em estoque: Cm = 0,15 x 8.000,00 = 1.200,00. 139 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Desta forma, a quantidade do LEC seria dada por: p m 2 C D 2 250,00 264 Q 10,4881 toneladas C 1.200,00 × × × ×= = = Provavelmente a empresa não irá fazer pedidos com essa quantidade exata, e sim com um valor arredondado, possivelmente 10 toneladas por pedido. Caso faça isso, qual será o custo que terá com esse estoque? p m T C D C Q 250 264 1.200 10 C 6.600 6.000 12.600,00 Q 2 10 2 × ×= + = + = + = Perceba que as duas parcelas da soma anterior não são iguais. Isso só aconteceria se a quantidade adquirida fosse exatamente 10,4881 toneladas. Como usou-se 10 toneladas como tamanho do lote, iremos fazer um pouco mais de pedidos e manteremos um pouco menos de estoque, ou seja, não seguiremos exatamente o recomendado pelos cálculos, e sim um valor mais prático. Observe que o custo no caso em que o lote fosse exatamente o calculado (com todas as casas decimais) seria: p m T C D C Q 250 264 1.200 10,4881 C 6.293 6.293 12.586,00 Q 2 10,4881 2 × ×= + = + = + = Considerando a aquisição em lotes de 10 toneladas, a frequência de pedidos seria de: r D 264 26,4 f 26,4 pedidos por ano, ou seja, 2,2 pedidos por mês Q 10 12 = = = = Portanto, a empresa deveria fazer um pedido a cada: r Q 10 t 0,03788 ano ou 0,45 mes ou1 4 dias aproximadamente D 264 = = = ano ou 0,45 mês ou 14 dias aproximadamente Observe que o modelo do LEC faz algumas pressuposições simplificadoras que atendem à maioria dos casos, mas que podem não ocorrer efetivamente: • O modelo considera que a entrada no material em estoque ocorre instantaneamente. Frequentemente essa entrada é gradual e muitas vezes contínua. 140 Unidade II • O modelo também considera que o estoque nunca cai abaixo de zero. Quando ele chega a zero, imediatamente ele é reposto. Muitas vezes falta material e o cliente tem que esperar algum tempo para ser atendido. • O modelo não prevê situações nas quais os consumidores não querem ou podem esperar. Nesses casos excepcionais algumas correções devem ser feitas para que o modelo permaneça aplicável. Caso de reabastecimento gradual O gráfico “dente de serra” fica alterado nessa situação, como mostra a figura a seguir: Nível de estoque Rampa = P - D Rampa = D M Tempo Q/P Q Figura 38 Observe que aparece uma segunda rampa característica da reposição gradual. A declividade dela é dada pela diferença entre a produção do item e sua demanda. Além disso, aparece o conceito de estoque máximo, dependente da diferença de ritmo entre a demanda e a produção. Aplicando-se a esse modelo o raciocínio que aplicamos ao modelo básico, determinamos a fórmula de cálculo do lote econômico, que para se diferenciar do anterior passa a ser nomeado como lote econômico de produção (LEP): p m 2 C D LEP Q D C 1 P × × = = − 141 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Exemplo de aplicação Uma empresa de produtos de limpeza tem uma linha de produção dedicada a seus diversos tipos de detergentes e tem como problema definir o tamanho dos lotes de produção. A demanda de cada tipo de detergente é relativamente constante em 50 mil unidades por mês de 200 horas produtivas. A linha de engarrafamento envasa 2.500 unidades de detergente por hora e leva duas horas para trocar de um tipo de detergente para outro. O custo de set-up (troca de tipo de detergente, incluindo perda de produção) é R$ 250,00 por hora. O custo de manter em estoque um frasco de detergente é estimado em R$ 0,10. Qual seria o tamanho do lote de produção adequado? Temos que: 50.000 D 50.000 unidades por mês 250 unidades por hora 200 = = = CP = 2 x 250 = 500; CM = 0,1; P = 2.500 Assim sendo, o lote econômico seria: p m 2 C D 2 500 250 LEP Q 1.667 unidades D 250 C 1 0,1 1 P 2.500 × × × ×= = = = − − Caso em que ocorre falta de estoque No modelo básico do LEC imaginamos que exatamente no instante em que o estoque chega a zero imediatamente ele é reposto, mas nem sempre isso ocorre realmente. É possível que a demanda continue a ocorrer após o estoque estar zerado, como mostra a figura a seguir: Faltas Tempo Nível de estoque Figura 39 142 Unidade II Caso o cliente esteja disposto a esperar pelo atendimento, então essa demanda não saciada produzirá um “estoque negativo” que será atendido assim que o estoque for reposto. O novo nível de estoque é considerado após o atendimento das pendências. Evidentemente essa falta de material trará algum tipo de consequência em termos de custo. Esse custo pode ser, por exemplo, as perdas pela parada de produção subsequente, ou multas por atraso, ou bonificações por atraso. Chamamos esses valores de custo por unidade de falta por período de tempo (CF). Usando o mesmo raciocínio dos cálculos anteriores, o lote econômico passaria a ser calculado da seguinte forma: p p m m F 2 D C C C Q C C × × + = × Exemplo de aplicação Uma empresa produz diversos tipos de produtos alimentícios semelhantes que são normalmente comercializados no mesmo dia. O custo de manter em estoque é alto: R$ 0,50 por unidade e por dia, enquanto que a mudança no processo de produção para passar de um tipo para outro é de R$ 60,00. A demanda desses produtos é razoavelmente constante e na ordem de 900 unidades por dia. Como nem sempre a empresa consegue entregar os produtos no mesmo dia, ela oferece ao cliente que esperar o dia seguinte uma bonificação de R$ 2,00 por unidade. Nessas condições pede-se: A) Qual o tamanho do lote econômico desprezando o efeito das faltas de estoque? B) Qual o tamanho do lote econômico considerando o efeito das faltasde estoque? Do enunciado da situação-problema temos: D = 900 unidades por dia; CM = 0,50; CP = 60,00 Dessa forma, se não considerarmos o efeito das faltas, teremos: p m 2 C D 2 60,00 900 Q 465 unidades Resposta item a C 0,50 × × × ×= = = 465 unidades (resposta item A) Ao considerarmos as faltas, iremos incorrer num custo de: CF = 2,00 devido à bonificação que deve ser paga, e o lote econômico fica sendo: p p m m F 2 D C C C 2 60 900 60 0,50 Q 1.800 unidades Resposta item b C C 0,50 2,00 × × + × × += × = × =1.800 unidades (resposta item B) 143 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Caso em que os clientes não podem ou não querem esperar É um caso particular no qual pelo fato do cliente não poder ou não querer esperar a eventual falta de estoque significa perda da operação de comercialização, ou seja, perde-se a oportunidade de fornecimento. Slack, Chambers e Johnston (2002) chamam esse de problema do vendedor de jornais. Essa situação ocorre normalmente quando a comercialização é destinada a um evento específico. Nesses casos o dimensionamento do tamanho dos lotes é determinado pelo cálculo estatístico do valor esperado. O exemplo a seguir, adaptado de Slack, Chambers e Johnston (2002), ilustra bem esses cálculos. Exemplo de aplicação Um vendedor de camisetas promocionais tem que decidir quantas camisetas especiais irá comprar para revendê-las em um show de rock. A partir de sua experiência em eventos anteriores ele estima que deverá vender entre 200 e 800 camisetas, com um lucro de R$ 50,00 cada uma. As camisetas que ele não vender, ele poderá devolver ao fornecedor, mas com uma perda de R$ 30,00 por camiseta. A tabela a seguir apresenta as probabilidades de demanda determinadas a partir de situações anteriores. Tabela 7 Nível de demanda 200 400 600 800 Probabilidade de ocorrer 0,2 0,3 0,4 0,1 Quantas camisetas esse vendedor deve comprar para depois revender no show? Observe a seguinte situação: o vendedor adquire 600 camisetas, mas só consegue vender 400; o lucro dele seria de R$ 14.000,00 porque: Tabela 8 Linha Descrição Valor Cálculo A Quantidade de camisetas adquiridas 600 B Quantidade de camisetas vendidas 400 C Lucro por camiseta vendida R$ 50,00 D Lucro obtido R$ 20.000 Linhas b x c E Quantidade de camisetas devolvidas 200 Linhas a - b F Custo por camiseta devolvida R$ 30,00 G Custo decorrente da devolução R$ 6.000 Linhas f x g H Lucro total e final R$ 14.000 Linhas d - g Evidentemente que para cada decisão de aquisição e para cada demanda efetivamente ocorrida teremos lucros totais e finais diferentes. A tabela a seguir resume todos os possíveis lucros (ou prejuízos). 144 Unidade II Tabela 9 Nível de demanda 200 400 600 800 Probabilidade 0,2 0,3 0,4 0,1 Pedido de 200 camisetas 10.000 10.000 10.000 10.000 Pedido de 400 camisetas 4.000 20.000 20.000 20.000 Pedido de 600 camisetas -2.000 14.000 30.000 30.000 Pedido de 800 camisetas -8.000 8.000 24.000 40.000 Perceba que se o pedido for de 200 camisetas o lucro esperado será de R$ 10.000,00 porque qualquer demanda que ocorra nos dará um lucro de R$ 10.000,00. Mas isso não é verdadeiro para as demais quantidades pedidas. O lucro esperado vai ser função da demanda efetivamente praticada. Por exemplo, se a quantidade pedida for de 400 camisetas, o lucro esperado será de R$ 16.800,00 porque: Lucro esperado = 4.000 x 0,2 + 20.000 x 0,3 + 20.000 x 0,4 + 20.000 x 0,1 = 16.800,00 De modo semelhante podemos calcular os lucros esperados para as diversas demandas possíveis. A tabela a seguir resume esses lucros esperados. Tabela 10 Pedido de Lucro esperado 200 camisetas 10.000,00 400 camisetas 16.800,00 600 camisetas 18.800,00 800 camisetas 14.400,00 A quantidade que dá o máximo lucro e, portanto, deveria ser a escolhida é de 600 camisetas, com um lucro total e final de R$ 18.800,00. 5.2.2 Críticas ao uso dos modelos de lote econômico Apesar dos modelos de lote econômico serem válidos para grande parte das situações, eles não estão livres de críticas. Para que eles permaneçam relativamente simples é necessário assumir uma série de pressupostos como demanda estável, custos identificáveis e representativos e comportamento linear dessas dimensões, o que nem sempre ocorre. A demanda constante nem sempre é uma realidade, pode inclusive ser extremamente concentrada em determinado momento, por exemplo, quando um livro é lançado. Dependendo de sua natureza ele pode ser vendido em grandes quantidades no momento do lançamento ou então linearmente ao longo 145 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA do tempo. O comportamento de vendas de um novo romance não será o mesmo do lançamento de um novo dicionário. Mesmo para produtos de demanda mais constante ela pode não ser linear, com aparecimento de sazonalidades e movimentos cíclicos. Os custos por sua vez nem sempre são identificáveis e tendem assim a se concentrar em uma das suas várias parcelas. Em especial o custo de reposição em estoque traz grandes dificuldades práticas de ser determinado. Muitas das vezes são utilizados valores médios e estatísticos. Determinar, por exemplo, o custo de colocar um pedido pode ser algo muito difícil ou impossível. O custo de manutenção em estoque normalmente é mais facilmente determinável, mas mesmo assim pode trazer complicações de equacionamento. Imagine uma operação produtiva que utiliza como matéria-prima carne in natura. A carne deve ser estocada em câmaras frigoríficas de custos de construção e manutenção muito altos. Uma câmera terá certa capacidade de estocagem, que se superada acarretará a utilização de outra câmara. Isso significa que existe uma quantidade de estoque limite na qual o custo de armazenagem dá um salto expressivo de valor. Esse salto acarretará uma descontinuidade importante no gráfico de lote econômico. Em contrapartida, nota-se que alguns tipos de custos são preponderantes, por exemplo, o custo do capital de giro no custo de manutenção em estoque, e, portanto, podemos nos concentrar neles ignorando os demais. Além disso, como se nota na curva de custo total, o lote econômico se localiza numa região relativamente plana da curva, o que significa que variações no valor da quantidade estocada produzem relativamente pouco impacto sobre os custos totais. Outro aspecto importante é o caráter maligno dos estoques nas operações produtivas. Detalharemos esse assunto melhor adiante quando tratarmos de just in time, mas estoques altos, mesmo que justificáveis economicamente, trazem consequências importantes no funcionamento operacional. Isso no conduz à crítica mais importante. O LEC é uma abordagem reativa. Ela responde à pergunta: “qual a quantidade de pedido ótima?”. Slack, Chambers e Johnston (2002) afirmam que muitos críticos consideram que a pergunta correta é: “como posso mudar a operação de modo a reduzir o nível de estoque que é necessário manter?”. Assim, o cálculo do LEC não deve ser algo prescritivo, mas diagnóstico de um determinado instante sobre o qual esforços de melhoria contínua devem ser aplicados. Suponha que a empresa aplique uma série de esforços no sentido de reduzir o set-up dos produtos de uma linha de produção. Isso deslocará a curva do custo de pedir para baixo e consequentemente reduzirá a quantidade do lote econômico. 5.2.3 Momento de colocação dos pedidos Definida a quantidade do lote econômico, o próximo passo é determinar como o ressuprimento será feito em termos de tempo, ou seja, respondida a questão, quanto devemos partir para a questão quando o modelo ideal do LEC assume que no momento em que o estoque do item chega a zero imediatamente um novo lote repõe o estoque no seu nível máximo. Para que isso ocorra, evidentemente o pedido deve ser feito algum tempo antes. Em tese esse tempo é o lead-time do pedido. 146 Unidade II Observação Lead-time é o lapso de tempo entre a colocação de um pedido e a efetiva disponibilização para uso do material envolvido. Então, se eu compro uma geladeira e se a tenho instaladae à minha disposição para uso, cinco dias depois dizemos que o lead-time dessa geladeira é de cinco dias. Na figura a seguir, temos um exemplo do comportamento teórico de um item cuja demanda é de 125 unidades por mês. O cálculo do LEC estipulou uma quantidade de pedido de 500 unidades. Desta forma, em quatro meses o pedido será totalmente consumido e deverá ser reposto. Suponha que o lead-time desse material seja de dois meses. Precisaremos adquirir um novo item quando tivermos em estoque 250 unidades (2 meses vezes 125 unidades por mês). Isso ocorrerá em tese no final do segundo mês após a chegada do primeiro lote. Esse raciocínio é mostrado na figura a seguir: 10 100 200 300 400 Q = 500 Nível de estoque Nível de ressuprimento Ponto de ressuprimento Lead-time Tempo 2 3 4 5 6 7 8 9 Figura 40 Nesse caso, portanto, deveremos fazer um novo pedido quando o estoque chegar a 250 unidades, o que ocorrerá possivelmente no segundo mês, posteriormente no sexto, no décimo e assim por diante. Normalmente controlamos o momento de ressuprimento pelo nível de ressuprimento. No nosso exemplo, faremos um novo pedido sempre que o estoque chegar a 250 unidades. 5.2.4 Estoque de segurança Esse modelo, no entanto, presume que tanto a demanda como o lead-time sejam previsíveis e constantes, mas normalmente isso não ocorre, existem variações e, portanto, os valores são prováveis, o que altera em parte o raciocínio feito anteriormente. Como essas variações, tanto de demanda como 147 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA de lead-time, podem produzir faltas de material, o que normalmente tem que ser evitado a todo custo, pede-se o material com alguma antecedência, gerando uma sobre estocagem conhecida como estoque de segurança ou estoque isolador. O estoque de segurança será maior ou menor dependendo da antecipação com que os pedidos são feitos e também da variação dos fatores. Isso faz com que o estoque de segurança seja um fator de custo, mas, em média, é como se ele não fosse necessário, o que é uma situação desagradável. A figura a seguir mostra o comportamento mais próximo da realidade de um material em estoque. Nível de ressuprimento Nível zero de estoque (teórico) Níveis de estoque Tempo d1 d2 t2t1 ES Q Figura 41 Perceba que as variações apresentadas tanto no lead-time como na demanda causam alterações em relação ao modelo teórico. Na primeira reposição mostrada no gráfico, a combinação entre o lead-time (t1) e a demanda (d1) faz com que a reposição seja feita antes do estoque estar zerado, ou seja, passamos a ter um novo estoque superior ao teórico. Já na segunda reposição, por conta de um maior lead-time (t2) e de um aumento da demanda (d2) o estoque chegaria a zero antes da reposição. A segunda situação é operacionalmente mais problemática, pois pode significar paralisação da produção ou então não atendimento aos clientes, algo a se evitar com afinco. Daí surge a ideia do estoque de segurança: uma quantidade mantida em estoque para ser utilizada nos momentos em que as variações de lead-time e demanda iriam produzir “estoques negativos”. Perceba que em média o estoque de segurança tende a zero. Em alguns momentos sobra material e em outros falta material, ou seja, ao longo do tempo a média tenderá a zero, mas o custo de mantê-lo será sempre considerável. Caso as diversas variações sejam reduzidas, o estoque de segurança necessário será reduzido e consequentemente os custos envolvidos diminuirão. É justamente analisando essas variações que os estoques de segurança são dimensionados. 148 Unidade II Utilizando conceitos estatísticos, as variações de demanda e de lead-time são estudadas permitindo estimar a quantidade necessária de estoque de segurança para atender às faltas futuras dentro de um determinado grau de serviço. Grau de serviço é a porcentagem de atendimento na qual desejamos operar, ou seja, a razão entre demanda atendida ou demanda requerida. Evidentemente que gostaríamos que essa razão fosse 1 (100%), que toda a demanda requerida fosse atendida, mas isso não é possível porque ficaria muito caro, por isso na prática trabalhamos com um nível de serviço menor, assumindo algum risco de não atendimento. Estatisticamente as variações de demanda e lead-time correspondem ao desvio padrão das médias esperadas. Quanto menores forem essas variações, menor será o desvio padrão e consequentemente menos provável de faltar material e, portanto, menor a necessidade de estoque de segurança. O dimensionamento do estoque de segurança é feito determinando um nível para o qual o risco de não termos material é aceitável dentro do grau de serviço escolhido. 5.2.5 Prioridades de estoque Todo e qualquer conceito, mecanismo ou ferramenta de dimensionamento de estoques depende evidentemente da natureza e importância do item estocado. O tratamento dado aos estoques de componentes eletrônicos em uma fábrica de computadores não utilizará os mesmos critérios que os materiais de limpeza, por exemplo. Primeiro, porque os componentes eletrônicos são matérias-primas para o produto da empresa e os materiais de limpeza produtos para a manutenção do ambiente. Segundo, porque eles têm importância econômica diferente dentro da organização. Alguns itens poderão ter baixo valor unitário, mas com uma taxa de uso alta, outros um valor alto, mesmo que utilizados em pequenas quantidades. Assim, de modo geral, é interessante agrupar os itens de estoque pelo seu impacto total, ou seja, a multiplicação do valor unitário pela quantidade média utilizada. Essa divisão segue, de modo geral, a chamada Lei de Pareto e na maior parte das empresas gera três classes que receberão tratamentos diferentes, nos seus mais diversos aspectos. Observação A Lei de Pareto foi nomeada em homenagem ao economista italiano Vilfredo Pareto, que em meados do século XIX percebeu que aproximadamente 80% dos eventos advinham de cerca de 20% das causas. Ele constatou que à época 80% das terras na Itália pertenciam a 20% das famílias, o que o levou à suposição, hoje plenamente aceita, de que leva seu nome. Essas categorias são conhecidas no ambiente organizacional como classificação ABC, com as seguintes características: 149 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA • Classe A: compreende os 20% do item de mais alto valor que representar aproximadamente 80% do valor total em estoque. • Classe B: são itens de valor médio, usualmente correspondem a 30% dos itens em estoque que representam juntos 10% do valor total. • Classe C: são os demais 50% dos itens estocados que representam apenas 10% do valor total estocado. São, portanto, os itens de menor valor. A maneira como se administra um item depende da classe a que ele pertence. Por exemplo, um item classe A é muito mais controlado do que um item classe C. Talvez tenhamos que fazer análises semanais ou até diárias do item A e podemos nos preocupar com um item C semestralmente ou até anualmente apenas. Por outro lado, um item classe C pode ter quantidades maiores em estoque, porque o custo unitário pequeno do item não impacta significativamente no custo total. Já um item classe A estocado em quantidade acima do necessário representará aumento significativo de custo. Esse raciocínio é aplicado a todas as decisões sobre estoques. Exemplo de aplicação A tabela a seguir relaciona os estoques de uma empresa química, com seus consumos anuais e preços de aquisição. A partir dela pede-se calcular: A) Quais os itens classe A, os itens classe B e os itens classe C? B) Quais os itens que deverão trabalhar com menores estoques de segurança? C) Quais os itens que deverão ter um controle mais espaçado no tempo? D) A empresa faz acompanhamento diário para alguns itens; mensal para outros e semestral para os demais. Informe em que categoria está cada SKU relacionado. E) Mostrar graficamente a curva ABC. 150 Unidade II Tabela 11 Código do item em estoque Unidade utilizada Quantidade consumida anual Preço de aquisiçãoABD m 367 R$ 780,44 ARG kg 1.650 R$ 83,32 BHD l 5.950 R$ 15,13 CTG l 2.380 R$ 49,38 DWQ ton. 108 R$ 3.182,44 GJS unid. 630 R$ 182,72 HFD unid. 16 R$ 10.024,69 KFR kg 1.125 R$ 101,84 KLG kg 68 R$ 34.370,38 KWD l 135 R$ 763,79 LKJ l 658 R$ 226,35 MET ton. 10.560 R$ 8,10 PDR kg 823 R$ 2.366,53 PLR unid. 5.600 R$ 18,34 TYP unid. 596 R$ 3.075,65 VBA kg 327 R$ 770,79 WIO kg 2.450 R$ 41,98 XPT m2 536 R$ 5.557,40 YGB m 4.500 R$ 22,61 YQDF unid. 26.545 R$ 2,45 Para determinarmos as classes ABC vamos seguir os seguintes passos: • Multiplicar para todos os itens a quantidade consumida anual pelo preço de aquisição. • Ordenar os itens em ordem decrescente pelo custo anual total. Iremos obter a tabela a seguir: Tabela 12 Código do item em estoque Quantidade consumida anual Preço de aquisição Valor total anual. Quantidade x preço XPT 536 5.557,40 R$ 2.978.766,06 KLG 68 34.370,38 R$ 2.337.185,68 PDR 823 2.366,53 R$ 1.947.654,73 TYP 596 3.075,65 R$ 1.833.086,81 DWQ 108 3.182,44 R$ 343.703,78 ABD 367 780,44 R$ 286.419,81 151 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Código do item em estoque Quantidade consumida anual Preço de aquisição Valor total anual. Quantidade x preço VBA 327 770,79 R$ 252.049,44 HFD 16 10.024,69 R$ 160.395,10 LKJ 658 226,35 R$ 148.938,30 ARG 1.650 83,32 R$ 137.481,51 CTG 2.380 49,38 R$ 117.530,89 GJS 630 182,72 R$ 115.116,10 KFR 1.125 101,84 R$ 114.567,93 KWD 135 763,79 R$ 103.111,13 WIO 2.450 41,98 R$ 102.859,23 PLR 5.600 18,34 R$ 102.725,91 YGB 4.500 22,61 R$ 101.754,41 BHD 5.950 15,13 R$ 90.005,50 MET 10.560 8,10 R$ 85.536,00 YQDF 26.545 2,45 R$ 65.035,25 Evidentemente o item XPT é classe A, assim como o YQDF é classe C, mas e os demais? Quais são A ou B ou C? Para responder a essas questões vamos, a partir da tabela anterior, calcular o custo total anual acumulado item a item. Por exemplo: o custo total anual acumulado para o item XPT é obviamente de R$ 2.978.766,06. Já o custo acumulado para os itens XPT e KLG é de R$ 5.315.951,74 (R$ 2.978.766,06 mais R$ 2.337.185,68). E assim sucessivamente. Em seguida calculamos quanto representa percentualmente cada custo acumulado no total, assim como a participação dos itens acumulados no total de itens. Chegamos à seguinte tabela: Tabela 13 Código do item em estoque Quantidade x preço (R$) Valor acumulado (R$) Porcentagem acumulada de valor Porcentagem de itens acumulada XPT 2.978.766,06 2.978.766,06 26% 5% KLG 2.337.185,68 5.315.951,74 47% 10% PDR 1.947.654,73 7.263.606,47 64% 15% TYP 1.833.086,81 9.096.693,28 80% 20% DWQ 343.703,78 9.440.397,05 83% 25% ABD 286.419,81 9.726.816,87 85% 30% VBA 252.049,44 9.978.866,30 87% 35% HFD 160.395,10 10.139.261,40 89% 40% LKJ 148.938,30 10.288.199,70 90% 45% ARG 137.481,51 10.425.681,21 91% 50% CTG 117.530,89 10.543.212,10 92% 55% 152 Unidade II Código do item em estoque Quantidade x preço (R$) Valor acumulado (R$) Porcentagem acumulada de valor Porcentagem de itens acumulada GJS 115.116,10 10.658.328,20 93% 60% KFR 114.567,93 10.772.896,12 94% 65% KWD 103.111,13 10.876.007,26 95% 70% WIO 102.859,23 10.978.866,49 96% 75% PLR 102.725,91 11.081.592,40 97% 80% YGB 101.754,41 11.183.346,81 98% 85% BHD 90.005,50 11.273.352,31 99% 90% MET 85.536,00 11.358.888,31 99% 95% YQDF 65.035,25 11.423.923,56 100% 100% Observe como os cálculos foram feitos. Vamos exemplificar com o item TYP. Coluna quantidade x preço: Valor total anual = quantidade x preço = 596 x 3.075,65 = 1.833.086,81 Coluna valor acumulado: somatório dos itens de maior valor até o item considerado: 2.978.766,06 + 2.337.185,68 + 1.947.654,73 + 1.833.086,81 = 9.096.693,28 Coluna porcentagem acumulada de valor: divisão do valor total anual de cada item pelo valor total anual de todos os itens. 9.096.693,28 Porcentagem acumulada até item TYP 0,796 80% 11.423.923,56 = = ≈ Coluna porcentagem de itens acumulada: o material TYP é o quarto na ordem de importância, entre 20 itens, portanto 20% dos itens têm valor maior ou igual ao valor do TYP. 4 Porcentagem de itens acumulada até item TYP 0,20 20% 20 = = = Aplicando a Lei de Pareto na tabela, determinamos as classes e podemos responder às questões formuladas: 153 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Tabela 14 Código do item em estoque Quantidade x preço Valor acumulado Porcentagem acumulada de valor Porcentagem de itens acumulada Classe XPT R$ 2.978.766,06 R$ 2.978.766,06 26% 5% A KLG R$ 2.337.185,68 R$ 5.315.951,74 47% 10% A PDR R$ 1.947.654,73 R$ 7.263.606,47 64% 15% A TYP R$ 1.833.086,81 R$ 9.096.693,28 80% 20% A DWQ R$ 343.703,78 R$ 9.440.397,05 83% 25% B ABD R$ 286.419,81 R$ 9.726.816,87 85% 30% B VBA R$ 252.049,44 R$ 9.978.866,30 87% 35% B HFD R$ 160.395,10 R$ 10.139.261,40 89% 40% B LKJ R$ 148.938,30 R$ 10.288.199,70 90% 45% B ARG R$ 137.481,51 R$ 10.425.681,21 91% 50% B CTG R$ 117.530,89 R$ 10.543.212,10 92% 55% C GJS R$ 115.116,10 R$ 10.658.328,20 93% 60% C KFR R$ 114.567,93 R$ 10.772.896,12 94% 65% C KWD R$ 103.111,13 R$ 10.876.007,26 95% 70% C WIO R$ 102.859,23 R$ 10.978.866,49 96% 75% C PLR R$ 102.725,91 R$ 11.081.592,40 97% 80% C YGB R$ 101.754,41 R$ 11.183.346,81 98% 85% C BHD R$ 90.005,50 R$ 11.273.352,31 99% 90% C MET R$ 85.536,00 R$ 11.358.888,31 99% 95% C YQDF R$ 65.035,25 R$ 11.423.923,56 100% 100% C Respondendo às questões, portanto: A) Quais os itens classe A, os itens classe B e os itens classe C? Quadro 8 Classe A Classe B Classe C XPT DWQ CTG KLG ABD GJS PDR VBA KFR TYP HFD KWD LKJ WIO ARG PLR YGB BHD MET YQDF 154 Unidade II B) Quais os itens que deverão trabalhar com menores estoques de segurança? Os itens classe A, porque são mais caros e consequentemente gerarão custos maiores com estoques de segurança, ou seja, os SKUs XPT, LG, PDR e TYP. A menor segurança será compensada com a melhor e mais dedicada administração desses itens. C) Quais os itens que deverão ter um controle mais espaçado no tempo? Os itens classe C, porque sendo menos custosos poderão ter estoques de segurança mais altos e consequentemente necessitam de menos atenção. Ou seja, os SKUs CTG, GJS, KFR, KWD, WIO, PLR, YGB, BHD, MET e YQDF. Não é necessária muita atenção a esses itens ao longo do tempo. D) A empresa faz acompanhamento diário para alguns itens; mensal para outros e semestral para os demais. Informe em que categoria está cada SKU relacionado. Quadro 9 Controle diário Controle mensal Controle semestral XPT DWQ CTG KLG ABD GJS PDR VBA KFR TYP HFD KWD LKJ WIO ARG PLR YGB BHD MET YQDF E) Mostrar graficamente a curva ABC. 0% 0% 20% 40% 60% 80% 10% 30% 50% Classe A Classe B Classe C 70% 90% 100% 20% 40% 60% 80%10% 30% 50% 70% 90% 100% Figura 42 - Curva ABC 155 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA 5.2.6 Natureza da demanda O dimensionamento de estoque feito pelos critérios genericamente conhecidos como dos lotes econômicos é adequado basicamente quando o item tem uma demanda independente. O que significam demandas dependente e independente? Analise a demanda de faróis automobilísticos como exemplo. Uma parte de sua demanda depende da quantidade de carros que serão produzidos na unidade de tempo. Essa demanda é dependente, depende da produção da montadora cliente da fábrica de faróis. Mas existe também uma parte da demanda de faróis que é independente, a demanda do mercado de reposição. Perceba como a determinação do valor da demanda é radicalmente diferente dependendo do tipo de demanda. Quando a demanda é dependente, o valor é altamente previsível e bastante constante. É a quantidade solicitada pelo cliente, normalmente de modo formal e com pequenas variações, protegida por contratos ou pelo menos documentação básica. Para a fábrica de faróis é, portanto, um dado bastante firme e confiável a partir do qual ela pode efetuar todo o seu planejamento e controle da produção. Já o mercado de reposição de faróis apresenta uma variabilidade muito maior.Os faróis serão usados de acordo com acidentalidades e, portanto, a demanda será pouco definida e previsível. Talvez no período de chuvas ocorram mais acidentes automobilísticos e consequentemente a demanda aumente, mas não é algo fácil de prever. A demanda independente é normalmente determinada por ferramentas estatísticas baseadas no histórico das demandas passadas. Apesar de que ferramentas estatísticas podem nos conduzir a informações bastante fidedignas, serão inevitavelmente probabilidades e não valores reais. Como já dito, o dimensionamento dos estoques, quando temos demandas independentes, é feito utilizando os critérios de lote econômico, já o dimensionamento quando a demanda é dependente utiliza os conceitos do MRP, que veremos a seguir. 5.3 Planejamento das necessidades de materiais e recursos (MRP) Como vários outros conceitos, técnicas e ferramentas administrativas, o MRP tem origem nos esforços dispendidos na Segunda Guerra Mundial. Originalmente a sigla MRP era abreviatura de material requirement planning (planejamento das necessidades de materiais), mas com o tempo evoluiu para manufacturing resource planning (planejamento dos recursos de manufatura). Para diferenciá-los utilizam-se, atualmente, as siglas MRP I (lê-se MRP um) e MRP II (lê-se MRP dois), respectivamente. O MRP I, mais consolidado, preocupa-se com as necessidades de matérias-primas das operações, enquanto o MRP II atua sobre todas as necessidades de manufatura (capital; equipamentos; mão de obra; localizações etc.). 156 Unidade II O conceito básico é o mesmo para os dois: a partir da especificação da composição de um determinado produto (matéria-prima no caso do MPR I e também dos demais insumos no caso do MPR II) estabelecem-se as necessidades multiplicando-se a quantidade de produtos a serem produzidos em determinado intervalo de tempo. O uso do MRP acelera-se na década de 1960 em razão do desenvolvimento da informática e das telecomunicações, que possibilitaram a realização de grandes quantidades de cálculos e a coleta rápida de informações. Mesmo operações simples demandam uma quantidade elevada de cálculos e informações impossíveis de serem manuseadas sem recursos tecnológicos avançados. A figura a seguir esquematiza o funcionamento básico do MRP I: MRP I - Planejamento das necessidades de materiais Carteira de pedidos Especificação do produto Requisições de compras Programa mestre de produção Previsão de vendas Controle dos estoques Ordens de produção Plano de materiais Figura 43 Os dados de entrada do MRP I podem ser agrupados em três diferentes categorias: • Programa mestre de produção. • Especificação do produto. • Controle dos estoques. 5.3.1 Programa mestre de produção O programa mestre de produção, muitas vezes simbolizado pela sigla em inglês MPS (master production schedule), é o documento que estabelece as necessidades produtivas em termos de quantidade e prazo, consolidando as informações da carteira de pedidos e da previsão de vendas. Entende-se por carteira de pedidos as quantidades efetivamente comprometidas pelos clientes, ou seja, pedidos de compra colocados, enquanto as previsões de vendas são fruto de pesquisas de mercado. Como falado anteriormente, um dos grandes problemas logísticos é conciliar demanda e capacidade, separados muitas vezes por largos intervalos de tempo. 157 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Imagine por exemplo o negócio moda praia (biquínis, maiôs, sungas etc.). A efetiva demanda ocorre, no Brasil, nos meses de verão ou pouco antes, de novembro a fevereiro. Nesses meses é necessário que os vestuários estejam disponíveis para os clientes nos pontos de venda. Mas para que um biquíni esteja disponível para venda em determinada loja no mês de janeiro é necessário que uma série de processos tenha sido percorrida. Podemos supor que o tal biquíni foi produzido durante o mês de dezembro do ano anterior, um mês antes, portanto. Esse mês é necessário para o biquíni ser produzido (tecido ser cortado, costurado, sofrido acabamentos etc.) e embarcado para o ponto de venda. Para que em dezembro o produto seja confeccionado, é necessário que o tecido esteja à disposição do setor produtivo, para tanto é necessário que ele seja adquirido da malharia ou tecelagem algum tempo antes. Digamos que para termos o tecido no começo de dezembro precisamos adquiri-lo no começo de novembro, devido ao lead-time específico. Mas que tecido adquirir no começo de novembro? E mais, quanto tecido adquirir? Para saber o tecido a ser adquirido é necessário que o produto tenha sido corretamente especificado. Lembre-se de que as roupas podem ser de várias cores e estampas diferentes. Um mesmo biquíni pode ser oferecido em várias cores e estampas, gerando uma quantidade grande de SKUs. Além disso, cada tamanho de biquíni consome uma quantidade diferente de tecido. Precisamos, portanto, saber em novembro quantos produtos de cada SKU iremos vender em janeiro. Em novembro, quando formos comprar o tecido, possivelmente certa quantidade de produtos já tenha sido efetivamente vendida aos lojistas (a carteira de pedidos), mas é possível que tenhamos que estudar o mercado e fazer previsões de vendas que podem ou não se realizar. Um verão mais quente, com tempo mais firme, deverá aumentar os vestuários moda praia, já um verão chuvoso e mais frio diminuirá as quantidades demandadas. O programa mestre de produção deve ser, portanto, alimentado com essas duas informações, que são dinâmicas e se alteram constantemente. Em um mundo ideal a previsão de vendas de um produto, feita meses antes do efetivo consumo, se transforma ao longo do período em carteira de vendas e todo o planejamento ocorre sem maiores transtornos. No mundo real, no entanto, parte da previsão de vendas não é precisa, e parte dela não se consubstancializa em carteira de vendas. Observe a complexidade do assunto. Meses antes da comercialização de um determinado produto, por exemplo, o tal biquíni, o departamento de marketing prevê que serão vendidas 2 mil unidades. Digamos que a previsão é de que serão vendidos biquínis nas cores vermelha, verde, azul e branca, 500 unidades de cada. O programa mestre de produção tem apenas essa informação como base para sua feitura. À medida que o tempo passa, parte dessa previsão é efetivada com pedidos firmes; digamos que um mês depois já temos vendidos 100 biquínis vermelhos, 50 verdes, 300 azuis e 600 brancos. Note que o mix de vendas não está seguindo o previsto, estamos vendendo mais biquínis brancos que o esperado e menos biquínis verdes. Isso vai impactar no programa mestre e teremos que fazer alterações (que nem sempre serão possíveis, por exemplo, não temos como comprar mais tecido branco). 158 Unidade II No final de todo o processo, terminado o verão, talvez tenhamos vendido menos do que 2 mil biquínis e num mix diferente do previsto. É possível que tenhamos terminado o período de vendas com estoques de algumas cores e falta de outras. A chave para aproximar previsões de realidade é a velocidade de ciclo e a flexibilidade dos processos. Além da carteira de pedidos e das previsões de vendas, outras necessidades operacionais devem ser atendidas e, portanto, fazer parte do programa mestre de produção. Slack, Chambers e Johnston (2002) elencam as seguintes demandas, além das duas citadas: • Demanda de empresas coligadas. • Demanda de pesquisa e desenvolvimento. • Necessidades de feiras, exposições e promoções. • Necessidades de estoques de segurança. • Demanda de peças de reposição. Além disso, os autores elencam interferências a serem consideradas: • Restrições de capacidade. • Níveis de estoque. Por exemplo, podemos ter, no exemplo mencionado, dificuldade em conseguir tecido branco, o que seria uma restrição. Por outro lado, é possível que o estoque de tecido vermelho esteja muito elevado e tenhamos necessidade de reduzi-lo. O nível de estoque vai interferir no planejamento. Para detalhar e exemplificarum programa mestre de produção, vamos imaginar um produto que tem sua demanda semanal conforme a tabela a seguir: Tabela 15 Programa mestre de produção do produto XPTO Semana 1 2 3 4 5 6 7 8 9 Demanda 10 10 10 10 15 15 15 20 20 Observe que essa demanda é fruto da soma da carteira de pedido mais a previsão de vendas, mas com composição diferente de acordo com o horizonte de planejamento. A próxima semana é a 1 e possivelmente a quantidade de 10 produtos demandada é carteira de pedidos unicamente, já na semana 9 a demanda deve ser toda determinada por previsão de vendas. À medida que caminhamos no tempo as previsões de vendas devem se tornar carteiras de pedidos. 159 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Continuando o exemplo, vamos supor que no momento (antes da semana 1) tenhamos 30 unidades em estoque: qual seria o programa mestre de produção para essas próximas nove semanas? Observe a tabela: Tabela 16 Programa mestre de produção do produto XPTO Semana 1 2 3 4 5 6 7 8 9 Demanda 10 10 10 10 15 15 15 20 20 Disponível 20 MPS 0 Estoque anterior 30 Na próxima semana a demanda será de 10 unidades, e como temos 30 unidades em estoque iremos atender à demanda e ainda sobrarão no estoque 20 unidades, portanto o MPS deverá ser zero, nada precisará ser produzido. Mantendo esse raciocínio teríamos a seguinte situação nas próximas nove semanas. Tabela 17 Programa mestre de produção do produto XPTO Semana 1 2 3 4 5 6 7 8 9 Demanda 10 10 10 10 15 15 15 20 20 Disponível 20 10 0 0 0 0 0 0 0 MPS 0 0 10 10 15 15 15 20 20 Estoque anterior 30 Perceba que na segunda semana o raciocínio permanece o mesmo. Temos 20 unidades, a demanda prevista é de 10 unidades, terminaremos a semana com 10 unidades em estoque, que é a demanda prevista para a semana 3. Novamente não precisamos produzir nada. Já na terceira semana ocorre uma alteração. Temos 10 unidades em estoque, a demanda será de 10 unidades, portanto ficaremos com zero de estoque para a próxima semana. Isso não é possível, precisamos ter estoque para atender a quarta semana, logo, precisaremos produzir 10 unidades na semana 3. O raciocínio se repete para as próximas semanas, repondo em cada semana a demanda da semana seguinte. Neste momento, portanto, nosso programa mestre de produção será o seguinte: 160 Unidade II • Semana 1 (próxima semana): zero unidade. • Semana 2: zero unidade. • Semanas 3 e 4: 10 unidades. • Semanas 5; 6 e 7: 15 unidades. • Semanas 8 e 9: 20 unidades. Observação O programa mestre de produção é uma fotografia do momento. As informações do exemplo dado sofrerão possivelmente alterações nas próximas semanas, logo o cálculo do MPS a ser feito na próxima semana mostrará alterações. O MPS é mais operacional para as semanas próximas e preditivo para as semanas mais remotas. 5.3.2 Especificação do produto A especificação do produto é um documento que relaciona todas as necessidades para se produzir um determinado produto. No MRP I, essas necessidades referem-se a matérias-primas e componentes necessários; no MRP II, essas necessidades abordam todos os insumos necessários (instalações, equipamentos, mão de obra, capital etc.). Uma típica especificação do produto contém todos os insumos e quantidades necessários para a produção de uma unidade de produto. Tipicamente é uma “receita de bolo”. Um exemplo de especificação de produto poderia ser a de um bolo de laranja: Quadro 10 Matéria-prima Quantidade por unidade Ovos 4 unidades Açúcar 360 gramas Óleo 500 mililitros Suco de laranja 200 mililitros Casca de laranja 1 unidade Farinha de trigo 280 gramas Fermento 15 gramas Evidentemente que se formos fazer 20 bolos de laranja precisamos de 80 ovos; 7,2 quilos de açúcar; 10 litros de óleo etc. 161 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Esses insumos relacionados são os chamados recursos a serem transformados. Para que eles se convertam em produto são necessários os chamados recursos transformadores (facilities e pessoas), tais como máquinas, mão de obra direta, energia elétrica etc. Uma especificação semelhante à anterior poderia ser feita: Quadro 11 Recurso transformador Quantidade por unidade Misturador 0,05 hora/máquina Forno elétrico 0,30 hora/máquina Esteira transportadora 0,006 hora/máquina Mão de obra operacional 0,10 homem/hora Energia elétrica 0,027 kW Capital necessário R$ 26,30 O MRP II utilizaria ambas as listas, multiplicando as quantidades de bolos pelo insumo necessário para cada bolo. 5.3.3 Controle de estoques Frequentemente a produção de um produto ou serviço é dinâmica, ou seja, lotes do mesmo produto são produzidos repetitivamente ao longo do tempo. Aliado a isso na especificação de produto normalmente é prevista uma quantidade extra para perdas. Por exemplo, suponha uma camisa masculina que possua sete botões, se desejamos fazer 100 camisas precisaremos de 700 botões, mas se providenciarmos apenas 700 botões certamente não conseguiremos produzir as 100 camisas. Alguns botões eram perdidos ou quebrados na produção. Na especificação da camisa irá constar a necessidade de 7,1 botões por camisa, o que parece estranho, mas é o necessário para eventuais perdas. Porém, é possível que em algumas produções não ocorram perdas; logo, os botões extras ficarão em estoque. Por outro lado, produtos que deveriam ter sido produzidos e para os quais os insumos foram providenciados podem eventualmente não ser produzidos. Pode acontecer, por exemplo, de o biquíni verde não vender bem e parte da produção é abortada. Irá sobrar tecido, aviamento, componente etc., que irão para estoque. Em resumo, estoques serão formados inevitavelmente ao longo da produção e deverão ser controlados e utilizados prioritariamente. Na nossa produção de 20 bolos de laranja são necessários 80 ovos, mas se tivermos em estoque, por exemplo, 15 ovos que sobraram das produções anteriores, devemos descontar esses 15 ovos das necessidades brutas e adquirir apenas 65 ovos para a produção planejada. 162 Unidade II 5.3.4 Resultados do MRP A partir dos bancos de dados formados pelas entradas mencionadas nos tópicos anteriores, a atividade do MRP faz os cálculos necessários para determinar todas as necessidades da produção. Chama-se isso de “rodar o MRP”. Como os cálculos são extremamente numerosos, essa operação só é possível na prática com recursos tecnológicos diferenciados. Após cada rodada do MRP o sistema apresenta um plano de materiais que consiste na relação de todos os materiais necessários com as quantidades e momentos apropriados. Algo como dizer que precisamos comprar 100 ovos na próxima semana para atender às nossas produções de bolos. A partir desses planos o sistema pode emitir também ordens de produção e requisições de compras, ambas nas quantidades e prazos definidos. 5.3.5 Funcionamento do MRP Estruturas de produto Dois fatores são determinantes para o funcionamento do MRP: a composição dos produtos e lead-times de aquisição dos componentes. Essas informações são apresentadas na forma gráfica de duas maneiras diferentes, que muitas vezes são chamadas de árvores vertical e horizontal do produto, que nos informam respectivamente a estrutura e os lead-times do produto. Para efeito de exemplificação vamos utilizar a conhecida caneta esferográfica BIC, na cor azul. As árvores ficariam das seguintes formas: Caixas de canetas BIC cristal Caixas de papelão Tampa dianteira Corpo da caneta Ponta de escrita Esfera de tungstênio Ponta plástica Carga da caneta Tubo plástico Tampa traseira Tinta azul Caneta BIC cristal azul Nível 0 Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4 11 130 mm 300 ml1 1 1 50 1 1 1 Figura 44 – Estrutura de produto (árvore vertical) 163 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA 21Semanas Tempo Esfera de tungstênioEsfera de tungstênio Ponta de escritaPonta de escrita Ponta Ponta plásticaplástica Tubo Tubo plásticoplástico Tinta azulTinta azul Carga da canetaCarga da caneta Caneta BICCaneta BIC TampatraseiraTampa traseira Corpo da canetaCorpo da caneta Tampa dianteiraTampa dianteira Caixas de papelãoCaixas de papelão Tempo total para obtenção do produtoTempo total para obtenção do produto Caixas com 50 Caixas com 50 canetas BICcanetas BIC 23 25 27 2922 24 26 28 30 Figura 45 – Estrutura de produto (árvore horizontal) Observe que, nesse exemplo, para termos prontas caixas de 50 canetas BIC, nós deveremos começar o processo de produção na semana 21 com a compra (ou produção) de esferas de tungstênio, que ficarão prontas na semana 21 para permitir o início da montagem ponta de escrita, que ficará pronta na semana 25 e assim sucessivamente até que tenhamos as caixas coletivas de canetas prontas na semana 30. Isso mostra o problema causado pela diferença de tempo entre demanda e produção (capacidade). Lembre-se do efeito chicote comentado anteriormente. Observe também que para a produção de uma caneta BIC é necessária a utilização de 130 mm de tubo plástico. Para produzirmos uma caixa com 50 canetas necessitaremos de 6.500 mm de tudo plástico, ou seja, 6,5 metros (130 x 50 = 6.500). Suponhamos que deverão ser produzidas para um determinado pedido 100 caixas de canetas: iremos precisar de 650 metros de tubo plástico, que deverão ser adquiridos na semana 24 a tempo de chegar para a produção da carga da caneta que será iniciada na semana 25. Observação As semanas do ano são numeradas de 1 a 52 para facilitar os planejamentos e programações. Por convenção, a semana 1 é aquela que inclui a primeira quinta-feira do ano. Caso ocorra um atraso na compra desse tubo ou no seu recebimento, as canetas não ficarão prontas na semana 30 a tempo de atender ao pedido, ou então medidas alternativas terão que ser tomadas (compras em fornecedores alternativos, terceirização de parte da produção, utilização de horas extras, aluguéis de equipamentos suplementares etc.), provavelmente com acréscimo de custo. 164 Unidade II Evidentemente é possível que na semana 24 não seja necessária a compra de 650 metros, visto que é possível ter algum material em estoque, digamos, 150 metros. Teremos que adquirir então apenas 500 metros, o que chamamos de necessidades líquidas. Cálculos do MRP I A tabela a seguir resume os dados referentes à produção de 100 caixas de canetas BIC para entrega na semana 30 (exemplo fictício). Os dados foram obtidos nas duas árvores antes mencionadas. Tabela 18 Item produzido Necessidades brutas Lead-time em semanas Semana de início de compra ou produção Estoque previsto para a semana de início de produção Necessidades líquidas Caixa de canetas 100 unidades 1 29 5 95(1) Caixa de papelão 100 unidades 2 27 30 65(2) Caneta BIC 5.000 unidades 1 28 500 4.250(3) Tampa dianteira 5.000 unidades 1 27 100 4.150 Tampa traseira 5.000 unidades 2 26 200 4.050 Corpo da caneta 5.000 unidades 2 26 400 3.850 Carga da caneta 5.000 unidades 3 25 350 3.900(4) Tubo plástico 650 metros 1 24 150 357(5)m Tinta azul 1.500 litros 1 24 500 670 l Ponta de escrita 5.000 unidades 2 23 1.000 2.900 Esfera de tungstênio 5.000 unidades 2 21 2.000 900 Ponta plástica 5.000 unidades 1 22 800 2.100 Perceba a lógica de funcionamento. Temos um pedido de entrega de 100 caixas de canetas para a semana 30, mas já temos em estoque 5 caixas, portanto só precisamos produzir mais 95(1) caixas. Com isso, deve ser emitida uma ordem de produção para a semana 29 de 95 caixas de canetas, que ao se juntar com o estoque de 5 caixas permite atender ao pedido. Como só iremos produzir 95 caixas de canetas, só precisaremos de 95 caixas de papelão e, além disso, temos em estoque 30 caixas, logo só necessitaremos adquirir 65(2) caixas de papelão. Assim, a informação gerencial seria: adquirir 65 caixas de papelão na semana 27. Situação semelhante ocorre com as quantidades de canetas a produzir. Como iremos produzir 95 caixas de canetas precisaremos ter 4.750 canetas produzidas, mas no estoque já temos 500 canetas, logo a necessidade líquida será de 4.250. Assim sendo, na semana 28 deve ser iniciada a produção de 4.250 canetas. 165 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Como para produzir uma caneta precisamos de apenas uma tampa dianteira, uma traseira e um corpo, as necessidades líquidas desses componentes serão as diferenças de 4.250 e os estoques no momento de uso, conforme mostra a última coluna da tabela anterior. Mesmo raciocínio vale para as cargas. Precisamos de 4,250 cargas, mas como existem 350 cargas em estoque necessitaremos adquirir (comprar ou produzir) apenas 3.900 cargas. Se para produzir uma carga precisamos de 130 mm de tubo plástico, logo, para 3.900 cargas a serem produzidas precisaremos de 3.900 x 130 = 507.000 mm ou 507 metros. Como teremos 150 metros em estoque na semana 24, devemos adquirir apenas 357 metros. Raciocínio semelhante vale para a tinta azul e para a ponta de escrita, que resultará nas necessidades, respectivamente, de 670 litros e 2.900 pontas. Como a ponta é formada de esferas de tungstênio e parte plástica, precisaremos de 900 esferas e 2.100 pontas, já que temos algum estoque desses materiais. Perceba que o cálculo do MRP é feito em “cascata”, ou seja, verificam-se as necessidades líquidas de um componente e a partir delas as necessidades de seus subcomponentes ou partes. O cálculo é sempre a multiplicação das quantidades necessárias de cada um dos componentes pelas necessidades individuais de subcomponentes ou partes subtraindo-se as quantidades em estoque. É fácil imaginar a quantidade absurda de cálculos necessários para que se estabeleça o plano de materiais e a emissão de ordens de compra e fabricação. Esse é o motivo pelo qual o MRP evoluiu em sintonia com os sistemas de informação. Outra dificuldade é que os cálculos podem ser retroativos. Digamos que para produzir a caneta BIC do nosso exemplo eu precisasse adquirir esferas de tungstênio na semana 19 e estivéssemos já na semana 22. Não seria possível adquirir um material no passado, portanto deveríamos ajustar os cálculos para nos adaptar às necessidades temporais. Também devemos notar que o exemplo dado anteriormente considera apenas a necessidade de atender um único pedido de 100 caixas de canetas na semana 30, mas o mais comum e provável é que existam pedidos nas semanas anteriores e posteriores que também devem ser planejados e programados, ou seja, os cálculos e recálculos são constantes, devendo ser refeitos a cada período, normalmente a cada semana. Como falamos, esses cálculos são feitos através de softwares dedicados, muitos de alta sofisticação com necessidades de grande capacidade de processamento, mas a título didático vamos fazer os cálculos de um exemplo (o mesmo da caneta BIC) manualmente para entender o processo. Vamos supor que estejamos na semana 29, fazendo o planejamento e programação para as próximas oito semanas. A semana que vem é a 30ª do ano, mas será considerada como a número um e assim as demais sucessivamente. A tabela apresentada é apenas um exemplo, frequentemente utilizado em obras didáticas, mas na prática pode apresentar desenhos diferentes. 166 Unidade II Observe a tabela: Tabela 19 Produto: caixa com 50 canetas Períodos (semanas) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Necessidades brutas 100 120 140 130 160 200 210 180 Lote 1 Recebimentos programados 100 150 Estoque projetado 200 LT 1 Recebimento de ordens planejadas ES 150 Liberação de ordens planejadas Observe os significados de cada uma das células: • Produto: é o nome do produto, componente, subcomponente ou parte que estamos calculando. Nesse caso, é o produto final, ou seja, a caixa com 50 canetas. • Lote: pode ser máximo ou mínimo, diz respeito a limitações nas quantidades a serem adquiridas. Por exemplo, certos fabricantes vendem quantidades mínimas do seu produto, não permitem fracionamentos. Se você vai comprar sabonetes num atacadista tipo Sam’s Club terá necessidade de levar no mínimo um pacote com 12 sabonetes, não é possível levar uma unidade. Ou então capacidadesmáximas de processamento, por exemplo, uma máquina pode produzir por semana no máximo 100 toneladas de um produto alimentício, não tem como superar esse máximo. No nosso caso esse lote é igual a uma caixa de 50 canetas, não é possível produzir meia caixa. • LT: símbolo de lead-time. O tempo necessário entre a manifestação de nossa necessidade e o atendimento dela. • ES: significa estoque de segurança. É uma quantidade mantida em estoque para eventuais ocorrências imprevistas. Nesse caso, por exemplo, um cliente que peça caixas de caneta em regime de emergência, ou então a falta de matéria-prima que cause paralisação da produção. • Períodos (semanas): é o nosso horizonte de planejamento, nesse caso semanas, mas poderia ser dias, meses ou até anos. Zero é a semana em que estamos fazendo o planejamento. 1 é a próxima semana, e assim sucessivamente. • Necessidades brutas: é a quantidade de produto que necessitamos semana a semana. Perceba que essa necessidade bruta é um somatório da carteira de pedidos com as previsões de vendas. Obviamente que para as semanas mais próximas a maior parte da soma se refere a carteiras de pedidos e para semanas mais longínquas predominam as previsões de vendas. Esses valores são dinâmicos, na próxima semana é possível que os valores das semanas posteriores estejam alterados, por motivos comerciais, como aceleração de vendas, cancelamento de pedidos etc. Assim, a cada semana a “fotografia” será diferente. 167 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA • Recebimentos programados: são produções que já estão sendo efetuadas e/ou programadas. Essas quantidades são decorrentes de planejamentos feitos nas semanas anteriores, com bases nas informações que estavam disponíveis à época. É possível que com a mudança das condições as quantidades tenham se tornado inadequadas e gerem estoque. • Estoque projetado: é o estoque final de cada semana, depois de apuradas as entradas e saídas do material. No nosso caso esse estoque não pode ser inferior a 150 caixas, que é o estoque de segurança a ser mantido. • Recebimento de ordens planejadas: são as quantidades planejadas para chegar a cada semana, calculadas para atender às necessidades de material e manter o estoque de segurança. • Liberação de ordens planejadas: corresponde à liberação da ordem de compra ou produção em determinado momento e em determinada quantidade, de acordo com os cálculos efetuados. Vamos entender como os cálculos são feitos acompanhando a tabela a seguir: Tabela 20 Produto: caixa com 50 canetas Períodos (semanas) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Necessidades brutas 100 120 140 130 160 200 210 180 Lote 1 Recebimentos programados 100 150 Estoque projetado 200 200 230 150 LT 1 Recebimento de ordens planejadas 60 ES 150 Liberação de ordens planejadas 60 O primeiro passo é calcular o estoque resultante no final de cada semana e conferir com a política de estocagem. Assim o estoque ao final da 1ª semana é de 200 caixas: 200 caixas que tínhamos em estoque mais 100 caixas que chegaram durante a semana 1 menos 100 caixas que temos que entregar aos nossos clientes. Como o estoque de segurança é menor que o estoque final da semana 1, nenhuma providência deve ser tomada. Já o estoque final da semana 2 é dado pelo cálculo: 200 caixas que tínhamos ao final da 1ª semana mais 150 caixas que chegaram durante a semana menos 120 caixas que temos que entregar aos nossos clientes, o que resulta em 230 caixas de estoque final. Novamente nenhuma providência deve ser tomada. Já a semana 3 apresentará um problema. O estoque final seria: 230 caixas do estoque da semana anterior menos as 140 caixas que devemos entregar aos clientes, o que resulta em 90 caixas, valor inferior ao estoque de segurança, portanto precisaremos planejar o recebimento de 60 caixas na semana 3. Como o lead-time de fabricação é de uma semana precisaremos liberar uma ordem de fabricação na 2ª semana, para termos o material a tempo de atendermos o nosso cliente. 168 Unidade II Seguindo o raciocínio para as semanas subsequentes teríamos a seguinte situação: Tabela 21 Produto: caixa com 50 canetas Períodos (semanas) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Necessidades brutas 100 120 140 130 160 200 210 180 Lote 1 Recebimentos programados 100 150 Estoque projetado 200 200 230 150 150 150 150 150 150 LT 1 Recebimento de ordens planejadas 60 130 160 200 210 180 ES 150 Liberação de ordens planejadas 60 130 160 200 210 180 Assim sendo, teríamos as seguintes informações operacionais destinadas aos setores competentes: • Semana 2: liberar uma ordem de fabricação de 60 caixas de canetas. • Semana 3: liberar uma ordem de fabricação de 130 caixas de canetas. • Semana 4: liberar uma ordem de fabricação de 160 caixas de canetas. • Semana 5: liberar uma ordem de fabricação de 200 caixas de canetas. • Semana 6: liberar uma ordem de fabricação de 210 caixas de canetas. • Semana 7: liberar uma ordem de fabricação de 180 caixas de canetas. É importante notar que esse planejamento foi feito com base nas informações disponíveis na semana zero. Quando o planejamento for refeito na semana seguinte é possível que os dados sejam alterados, portanto todo o planejamento é alterado. É algo dinâmico e não estático. Lembrete No nosso exemplo a semana 1 corresponde à semana 30 do calendário e assim sucessivamente. Usamos essa convenção para ficar claro que a semana 1 é a próxima, a 2 a em seguida e assim por diante. Evidentemente não adianta emitir uma ordem de fabricação para 60 caixas de canetas para a semana 2 (no nosso exemplo, semana 31) se não tivermos caixas de papelão e canetas em quantidade suficiente. Devemos então repetir os cálculos para esses dois componentes e realizar os cálculos correspondentes. Acompanhe a tabela a seguir: 169 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Tabela 22 Produto: caixa de papelão Períodos (semanas) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Necessidades brutas 60 130 160 200 210 180 Lote 1 Recebimentos programados 50 70 Estoque projetado 100 150 160 100 100 100 100 100 LT 2 Recebimento de ordens planejadas 70 160 200 210 180 ES 100 Liberação de ordens planejadas 70 160 200 210 180 Os cálculos são semelhantes aos feitos para o produto final. A única novidade é que as necessidades brutas de caixas de papelão dependem das ordens planejadas das caixas com 50 canetas. Como na semana 2 será necessária a montagem de 60 caixas com 50 canetas, será preciso ter em estoque 60 caixas de papelão, assim como na semana 3 precisaremos de 130 caixas e assim por diante. As informações operacionais seriam: • Semana 1: comprar 70 caixas de papelão. • Semana 2: comprar 160 caixas de papelão. • Semana 3: comprar 200 caixas de papelão. • Semana 4: comprar 210 caixas de papelão. • Semana 5: comprar 180 caixas de papelão. Os dados de lead-time, estoque de segurança, estoque projetado na semana 0 e recebimentos programados são dados saídos da política de estoques e dos planejamentos anteriores; os demais valores foram calculados. Raciocínio semelhante nós fazemos para o outro componente das caixas de canetas, as canetas propriamente ditas. Note que no caso as necessidades do produto final devem ser multiplicadas por 50, visto que há 50 canetas em cada caixa. Assim, teremos: Tabela 23 Produto: caneta Períodos (semanas) 0 1 2 3 4 5 6 7 Necessidades brutas 3.000 6.500 8.000 10.000 10.500 6.500 Lote 1 Recebimentos programados 800 2.000 1.500 Estoque projetado 1.100 1.900 900 500 500 500 500 500 LT 1 Recebimento de ordens planejadas 4.600 8.000 10.000 10.500 6.500 ES 500 Liberação de ordens planejadas 4.600 8.000 10.000 10.500 6.500 170 Unidade II A tabela a seguir mostra todos os cálculos para exemplo estudado. Perceba a lógica de cálculo e sequência de informações que passam do produto para seus componentes e partes, sucessivamente em cascata. “Rodar” o MRP significa fazer esses cálculos analisando necessidade, estoque, restrições e corrigir as distorções. Tabela 24 Produto: caixa com 50 canetas Períodos (semanas) 01 2 3 4 5 6 7 8 Nível 0 Necessidades brutas 100 120 140 130 160 200 210 180 Lote 1 Recebimentos programados 100 150 Estoque projetado 200 200 230 150 150 150 150 150 150 LT 1 Recebimento de ordens planejadas 60 130 160 200 210 180 ES 150 Liberação de ordens planejadas 60 130 160 200 210 180 Produto: caixa de papelão Períodos (semanas) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Nível 1 Necessidades brutas 60 130 160 200 210 180 Lote 1 Recebimentos programados 50 70 Estoque projetado 100 150 160 100 100 100 100 100 LT 2 Recebimento de ordens planejadas 70 160 200 210 180 ES 100 Liberação de ordens planejadas 70 160 200 210 180 Produto: caneta Períodos (semanas) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Nível 1 Necessidades brutas 3.000 6.500 8.000 10.000 10.500 6.500 Lote 1 Recebimentos programados 800 2.000 1.500 Estoque projetado 1.100 1.900 900 500 500 500 500 500 LT 1 Recebimento de ordens planejadas 4.600 8.000 10.000 10.500 6.500 ES 500 Liberação de ordens planejadas 4.600 8.000 10.000 10.500 6.500 Produto: tampa dianteira Períodos (semanas) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Nível 2 Necessidades brutas 4.600 8.000 10.000 10.500 6.500 Lote 1 Recebimentos programados 2.000 4.000 1.200 Estoque projetado 300 2.300 1.700 300 300 300 300 LT 1 Recebimento de ordens planejadas 5.400 10.000 10.500 6.500 ES 300 Liberação de ordens planejadas 5.400 10.000 10.500 6.500 Produto: tampa traseira Períodos (semanas) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Nível 2 Necessidades brutas 4.600 8.000 10.000 10.500 6.500 Lote 1 Recebimentos programados 3.000 4.000 6.800 Estoque projetado 500 3.500 2.900 1.700 100 100 100 LT 2 Recebimento de ordens planejadas 8.400 10.500 6.500 ES 100 Liberação de ordens planejadas 8.400 10.500 6.500 171 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Produto: corpo Períodos (semanas) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Nível 2 Necessidades brutas 4.600 8.000 10.000 10.500 6.500 Lote 1 Recebimentos programados 5.000 2.000 5.000 Estoque projetado 800 5.800 3.200 400 400 400 400 LT 2 Recebimento de ordens planejadas 200 10.000 10.500 6.500 ES 400 Liberação de ordens planejadas 200 10.000 10.500 6.500 Produto: carga Períodos (semanas) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Nível 2 Necessidades brutas 4.600 8.000 10.000 10.500 6.500 Lote 1 Recebimentos programados 4.000 6.000 2.000 Estoque projetado 8.000 12.000 13.400 7.400 1.000 10.500 6.500 LT 3 Recebimento de ordens planejadas 3.600 ES 1.000 Liberação de ordens planejadas 3.600 10.500 6.500 Produto: tubo plástico Períodos (semanas) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Nível 3 Necessidades brutas 468 1.365 845 Lote mínimo 100 metros Recebimentos programados 300 Estoque projetado 225 57 92 147 LT 1 Recebimento de ordens planejadas 1.400 900 ES 50 metros Liberação de ordens planejadas 1.400 900 Observação: as ordens planejadas devem ser múltiplos de 100 metros. Na semana 1 bastaria comprar 1.308 metros, mas como o fornecedor só vende um mínimo de 100 metros, somos obrigados a comprar 1.400 metros. Produto: tinta azul Períodos (semanas) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Nível 3 Necessidades brutas 1.080 3.150 1.950 Lote mínimo 50 litros Recebimentos programados 1.100 2.130 Estoque projetado 150 170 100 100 LT 1 Recebimento de ordens planejadas 950 1.950 ES 100 litros Liberação de ordens planejadas 950 1.950 Produto: ponta de escrita Períodos (semanas) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Nível 3 Necessidades brutas 3.600 10.500 6.500 Lote 1 Recebimentos programados 7.400 6.650 Estoque projetado 700 4.500 650 350 LT 2 Recebimento de ordens planejadas 6.200 ES 350 Liberação de ordens planejadas 6.200 Produto: esfera de tungstênio Períodos (semanas) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Nível 4 Necessidades brutas 6.200 Lote 1 Recebimentos programados 9.500 Estoque projetado 1.200 4.500 LT 2 Recebimento de ordens planejadas ES 600 Liberação de ordens planejadas 172 Unidade II Produto: ponta plástica Períodos (semanas) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Nível 4 Necessidades brutas 6.200 Lote 1 Recebimentos programados 6.800 Estoque projetado 500 1.100 LT 1 Recebimento de ordens planejadas ES 300 Liberação de ordens planejadas Perceba que na semana 1, a próxima, deverão ser liberadas as seguintes ordens de planejadas: • 70 caixas de papelão. • 200 corpos da caneta. • 3.600 cargas. • 1.400 metros de tudo plástico. • 950 litros de tinta azul. • 6.200 pontas de escrita completas. Para os demais materiais temos estoque e/ou recebimentos suficientes para a operação produtiva normal. Ressaltamos que esse planejamento é feito com base nas informações que a empresa possui na semana zero. Na semana seguinte o ambiente pode ter se modificado e o planejamento poderá ser fortemente alterado. Evidentemente essas alterações serão maiores quanto mais afastadas as semanas da semana de planejamento, porém a empresa sempre terá uma visão, ainda que mutável, do futuro. MRP II O MRP II funciona de maneira semelhante ao MPR I, mas envolvendo outros insumos além da matéria-prima e componentes. Esses insumos serão, a exemplo da matéria-prima, especificados em termos de quantidades unitárias que serão multiplicadas pelas quantidades a serem produzidas, gerando uma necessidade bruta, que subtraída das capacidades indicará as necessidades líquidas e a alocação dos recursos. Por exemplo, suponha que as tampas dianteiras da caneta BIC a que nos referimos anteriormente sejam produzidas numa máquina injetora com capacidade de produção de 200 tampas por hora. Verificando as necessidades de tampas azuis observamos a necessidade para a próxima semana de, digamos, 10 mil tampinhas. Precisaremos, portanto, de 10.000 ÷ 200 = 50 horas máquinas para essa produção. Devemos verificar as disponibilidades da tal máquina e alocar ao longo da semana a produção necessária. 173 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Isso é feito automaticamente pelo sistema, que faz o devido planejamento e emite a documentação necessária (ordens de compra e fabricação, aportes de capital, alocação de mão de obra etc.). Esse raciocínio pode ser feito para todo e qualquer insumo ou recurso e normalmente é feito de maneira modular, ou seja, softwares específicos para cada grupo de insumos são adicionados progressivamente ao sistema de informação da empresa. Marketing Produção Finanças Sistema central de dados Engenharia Figura 46 – Conceito do MRP II Dessa forma todos os processos da empresa são passíveis de serem planejados e programados em função da demanda, permitindo aos gestores uma tomada de decisão mais adequada e eficaz. Deve-se notar, no entanto, que as decisões ainda são humanas, restando aos computadores a elaboração das alternativas, apesar de que o desenvolvimento da inteligência artificial irá cada vez mais deslocar as decisões para os sistemas de informação, o que é uma oportunidade, mas também um risco. Muitas empresas “ligam o piloto automático” e acabam perdendo a visão holística do negócio. 5.4 Just in time Terminada a Segunda Guerra Mundial, metade do mundo estava esfacelado precisando ser reconstruídos às vezes do zero. As organizações de modo geral estavam arrasadas, em especial na Europa e no Japão. O processo de reconstrução, no então chamado mundo ocidental, foi liderado pelos Estados Unidos da América, que assumiram o papel predominante no processo. Suas organizações assumiram o protagonismo em praticamente todo o mundo, excluindo apenas as áreas sob influência e domínio da então União Soviética. A situação do Japão talvez tenha sido a mais radical. Sua indústria voltada desde antes da guerra para o esforço bélico estava física e psicologicamente arrasada, e foi necessária verdadeira reinvenção do seu modelo. 174 Unidade II A reconstrução do país contou como apoio do Plano Marshall, que destinou cerca de 16 bilhões de dólares ao Japão. Através do Plano Marshall o Japão recebeu cerca de 16 bilhões de dólares em valores atualizados, o que, apoiado pela excepcional qualidade do ensino, permitiu a reconstrução de sua economia. Saiba mais O Plano Marshall foi um programa do governo estadunidense para a reconstrução da Europa e do Japão entre 1948 e 1952 aproximadamente. Consistiu na inversão de grande quantidade de capital para a reconstrução dos países destruídos pela guerra. Deu origem à chamada Doutrina Truman, um dos motivos da Guerra Fria. Veja mais em: FÁBIO, A. C. O que foi o Plano Marshall, e por que o conceito ressurge com o coronavírus. Info Money, 25 mar. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3cd7N9F. Acesso em: 2 jun. 2021. O caso japonês teve algumas peculiaridades, no entanto. Primeiro, o menor acesso aos recursos naturais (minérios e petróleo principalmente), o que levou ao desenvolvimento de uma ideia de redução dos desperdícios, não presente na época no resto do mundo, e segundo, a cultura disciplinada e ordenada tradicional do Japão. Outro fator marcante foi a atuação de Willian Edwards Deming, um estatístico e professor universitário estadunidense, já renomado pela contribuição à melhoria dos processos durante a Segunda Guerra, junto aos executivos japoneses. Com a aplicação de métodos estatísticos, e principalmente com o enfoque nos efeitos perversos das variações para a qualidade de produtos e processos, contribuiu para tornar a indústria japonesa notória em qualidade e inovação. É considerado o estrangeiro com maior influência na economia japonesa no século XX. Esses fatores todos deram origem ao que se pode chamar de resposta japonesa aos desafios organizacionais. Caracterizados frequentemente pela palavra zero, que identifica a tentativa de evitar variações, levaram a programas como zero defeito; zero paralisação; qualidade total; manutenção total etc. Com o tempo esses programas criaram na indústria japonesa um diferencial competitivo que conduziu ao chamado milagre japonês e posteriormente difundiu-se por toda a indústria ocidental e transformou o Japão em uma das três maiores economias mundiais. 175 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Observação O milagre econômico japonês foi o fenômeno econômico ocorrido no Japão de crescimento econômico impulsionado primeiramente pela assistência dos Estados Unidos e consolidado pelo intervencionismo do governo japonês. Entre 1965 e 1980, o PIB nominal japonês aumentou em cerca de 100 bilhões de dólares para um trilhão de dólares, apresentando crescimentos anuais acima de 10% nas décadas de 1950 e 1960. Essas técnicas e políticas japonesas, tais como círculos de controle de qualidades, Poka Yoke, Kanban, Kaizen etc., acabam por ser reunidas sob o nome just in time e disseminadas pelo mundo todo. Just in time, numa tradução literal, apenas a tempo, é o conjunto de atividades destinadas a produzir bens e serviços exatamente quando necessários, nem antecipadamente nem após o necessário. A definição se completa introduzindo os conceitos de qualidade e eficácia ao tempo considerado. O just in time (JIT) é uma abordagem disciplinada que objetiva alcançar uma alta produtividade global e a redução de desperdícios. A ideia é permitir uma produção eficaz em termos de custo com o oferecimento das quantidades certas no momento certo das matérias-primas, componentes e serviços, utilizando ao mínimo as instalações, equipamentos, recursos humanos e estoques. O JIT depende fundamentalmente do equilíbrio entre a flexibilidade do fornecedor e a flexibilidade do cliente e tem como filosofia a simplificação. Outra ideia fundamental das ferramentas é o envolvimento total das pessoas e o trabalho em equipe. A grande diferença entre o JIT e as técnicas tradicionais é o fluxo com ausência de estoques (ou sua redução ao máximo), como mostra a figura a seguir: Fluxo tradicional Fluxo JIT Estágio I Estágio II Estágio III Estágio I Estágio II Estoque Estágio III Estoque Pedido Entrega Pedido Entrega Figura 47 176 Unidade II No fluxo tradicional, os estoques funcionam como amortecedores, permitindo que cada operação adquira certa independência das outras. Ela pode continuar a operar mesmo que a anterior apresente deficiências. É o que se chama de proteção da produção. Um estágio está protegido das eventuais irregularidades dos estágios anteriores. Quanto maiores forem os estoques, maior será essa proteção e maior será a independência do estágio em relação aos demais. Mas lembrem-se: estoques custam muito! No fluxo JIT esse estoque amortecedor deixa de existir, assim os estágios passam a ser interdependentes. Caso um estágio tenha problemas, os demais rapidamente serão contaminados. Isso exige o comprometimento de todos os estágios no resultado final e não apenas na sua atuação individual. Apesar do aparente acerto em se proteger a produção de fatos como falta de matéria-prima, variação de demanda etc., o JIT vai ao sentido contrário. Ele considera que a existência de estoques pode proteger a produção, mas protege principalmente as deficiências estruturais das operações. Esconde problemas e deficiências que não sendo corrigidos incorrem em mais deficiências e mais estoques num círculo vicioso perverso. A figura a seguir é frequentemente utilizada para ilustrar esse conceito. O estoque é relacionado com o nível de água do rio ou lago sugerido. O nível elevado da água esconde montanhas no fundo do curso d’água, assim como o alto nível do estoque esconde os problemas existentes. Não conhecer o problema impede que seja resolvido. A ideia do JIT é ir baixando o nível da água aos poucos, mostrando as irregularidades existentes que, ao serem combatidas, permitem uma melhoria imediata na qualidade dos processos e novas reduções no nível da água, revelando e resolvendo novos problemas. Os estoques seguem essa analogia. Um programa de redução gradual de estoques faz com que os problemas operacionais apareçam e sejam combatidos, tornando os processos mais adequados. Melhoria contínua Ataque seletivo aos problemas Operadores Operadores destreinadosdestreinados RetrabalhoRetrabalho Estoques ProblemasProblemas Empresas Empresas atrasadas atrasadas ou defeituosasou defeituosas RefugoRefugo FilasFilas QuebrasQuebras Demanda instávelDemanda instável Figura 48 Fonte: Corrêa (2004, p. 599). 177 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA A repetição sistemática da redução de estoques conduzirá a organização à excelência e, em princípio, sempre permitirá novos ganhos de qualidade. O JIT pode ser visto em três diferentes dimensões: • JIT como filosofia de produção. • JIT como um conjunto de técnicas para a gestão da produção. • JIT como método de planejamento e controle da produção. Entendemos o JIT como método de planejamento de controle da produção em um ambiente que já seja utilizado como conjuntos de técnicas de gestão, em uma organização que o tenha como filosofia de produção. Existe, portanto, uma hierarquia entre as três diferentes dimensões: Filosofia de produção Método de planejamento e controle da produção Conjunto de técnicas de gestão Figura 49 - Just in time 5.4.1 Just in time como filosofia O just in time reflete a filosofia e o conjunto de técnicas introduzidas por deming na origem das chamadas técnicas japonesas e repousa em três pilares: • Eliminar desperdícios. • Envolvimento de todos os envolvidos. • Aprimoramento contínuo. Entende-se desperdício como toda atividade que não agrega valor ao produto. Slack, Chambers e Johnston (2002) enumeram as principais atividades que concorrem para o desperdício: 178 Unidade II • Superprodução. • Tempo de espera. • Transporte. • Perdas de tempo no processo. • Estoques. • Movimentação de pessoas. • Produtos defeituosos. Perceba que algumas dessas atividades são inevitáveis, o transporte, por exemplo. Mas temos que ter em mente que não agregam valorao produto, e, portanto, elas devem ser reduzidas o quanto possível, entendendo o combate ao desperdício como filosofia de toda a organização. Por outro lado, o envolvimento de todos sugere a ideia de uma nova cultura organizacional, na qual todos estão envolvidos e comprometidos com o resultado final da operação e não apenas com seus resultados individuais ou setoriais. A perseguição desse envolvimento é feita a partir das chamadas práticas básicas de trabalho que Slack, Chambers e Johnston (2002) enumeram da seguinte forma: • Disciplina e seguir padrões. • Flexibilidade de práticas de trabalho. • Igualdade de condições a todos. • Criatividade. • Qualidade de vida no trabalho. • Desenvolvimento pessoal. • Autonomia de cada um intervir no processo. Por fim, o aprimoramento contínuo é explicitado pela filosofia Kaizen: “Nenhum dia poderá passar, em nossa organização, sem que algo tenha sido melhorado”. A filosofia Kaizen integra a mudança de cultura necessária para a implementação do JIT. 179 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA 5.4.2 Just in time como conjunto de técnicas de gestão A partir da filosofia JIT, uma série de técnicas e ferramentas gerenciais permitem o combate sistemático ao desperdício e trazem em seu bojo uma série de benefícios. Rapidamente podemos citar essas ferramentas e técnicas: • Práticas básicas de trabalho, citadas anteriormente, preparam a organização e os colaboradores para a implementação do JIT. • Projeto para a manufatura revisa os processos, otimizando as operações, através da eliminação de métodos complexos ou confusos. • Foco na operação, buscando simplicidade e o desenvolvimento da experiência através de repetições. • Máquinas simples e pequenas, utilizadas no lugar de grandes máquinas com pouca flexibilidade. • Arranjos físicos, mais suaves e voltados para as pessoas, evitando grandes deslocamentos e excessivos manuseios. • Manutenção produtiva total, evitando paradas inesperadas e reduzindo assim a variabilidade dos processos. • Redução do set-up. Entende-se por set-up o conjunto de esforços e tempo necessários para se alterar as linhas de produção quando da mudança de um produto para outro. É um desperdício notável, pois durante o tempo de set-up nada se produz. O JIT trabalhando com soluções menos complexas e extensas consegue tempos de set-up menores, como menores incrementos de recursos. • Envolvimento total das pessoas, exigindo que todos utilizem suas competências individuais em prol dos resultados da organização. • Visibilidade, obtida pela discussão dos problemas por todos em ambiente aberto e não sujeito a recriminações. Os círculos de controle da qualidade (CCQ), formados por equipes multifuncionais, multidisciplinares e de variada hierarquia, têm um papel importante neste tópico. • Fornecimento JIT, fazendo com que os materiais cheguem exatamente no momento necessário. Observe que uma simples passada de olhos sobre a lista anterior mostra a dificuldade de se operar com JIT, mas as inevitáveis vantagens fizeram dele um conceito adotado praticamente no mundo todo atualmente. 180 Unidade II 5.4.3 Just in time como método de planejamento e controle da produção O JIT no que diz respeito aos aspectos de planejamento e controle da produção atua diretamente sobre os estoques, que é um dos pontos de maior desperdício dentro de uma organização. Nos métodos tradicionais de planejamento e controle da produção as ordens de fabricação são emitidas e incrementadas assim que os insumos estiverem à disposição. A primeira etapa produtiva recebe a ordem, executa a tarefa e “empurra” o material para a segunda etapa e assim sucessivamente. Não existe uma vinculação direta e obrigatória com a efetiva demanda, podendo, portanto, criar dissonâncias entre o produzido e o demandado. A figura a seguir mostra esse fluxo tradicional, chamado de sistema empurrado, e o fluxo just in time, chamado de sistema puxado. Processo de planejamento empurrado Demanda Empurrado – condições para disparar produção: 1. Disponibilidade do material 2. Presença da ordem no programa definida a partir de previsões 3. Disponibilidade do equipamento Processo de planejamento puxado Puxado – condições para disparar produção: 1. Sinal vindo da demanda - quadrado Kanban com menos de dois produtos (no exemplo) 2. Disponibilidade do equipamento 3. Disponibilidade do material Figura 50 Fonte: Corrêa (2004, p. 601). Todos os recursos estão disponíveis, mas nada produzem até que a etapa anterior solicite o produto necessário, resultando num planejamento puxado pela demanda. Desta forma, a real demanda é que comanda as operações, aumentando em muito a eficácia apesar de ser, por vezes, menos eficiente. As técnicas JIT mais usadas para planejamento e controle da produção são: • Kanban. • Produção nivelada. 181 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA • Modelos mesclados. • Sincronização. O Kanban é um sistema de cartões em que a etapa posterior da cadeia informa o estágio anterior da necessidade de certa quantidade de material. A frequência com que os cartões são movimentados informa as quantidades a serem produzidas num intervalo de tempo. Suponha que num supermercado você tenha latas de leite condensado separadas em três grupos diferentes, separados por cartões nos quais além da especificação do material temos a quantidade de latas separadas por ele do grupo anterior. O primeiro grupo de latas de leite condensado está ao dispor do cliente e vai sendo progressivamente consumido. Ao consumirmos a última dessas latas, para acessarmos o segundo grupo é necessário tirar o cartão separador, que é enviado para o fornecedor do leite condensado, e a partir daí o segundo grupo passa a ser consumido. O cartão “disparado” orienta o fornecedor sobre necessidade futura de reposição e ele se prepara. Depois de um tempo esgota-se o segundo grupo de latas e o segundo cartão é enviado ao fornecedor. O terceiro grupo passa a ser consumido, mas o fornecedor, baseado no tempo entre cartões e os dados do cartão, já estará enviando a reposição necessária. Note que se a demanda aumentar o intervalo entre cartões diminuirá, mostrando a necessidade de maior produção. Caso a demanda diminua, o intervalo entre cartões aumentará, indicando redução nas produções. Evidentemente que essa descrição simplória não esgota as possibilidades do Kanban, mas demostra como o sistema se administra automaticamente em função da demanda. Um sistema completo de Kanban envolve três tipos de cartões: • Kanban de transporte. • Kanban de produção. • Kanban de fornecimento externo. Atualmente com o desenvolvimento da tecnologia os cartões físicos são muitas vezes substituídos por informações computadorizadas. A produção nivelada consiste em tentar manter ao longo do tempo os volumes dos produtos produzidos e o mix desses produtos constantes ao longo do tempo. Ao invés de, por exemplo, produzir 100 unidades de um produto na segunda-feira para atender à demanda semanal, irá se preferir produzir 200 unidades por dia útil da semana. A vantagem é que a produção de pequenas quantidades continuamente reduz os estoques e aumenta as flexibilidades (de volume, mix ou modelo). 182 Unidade II Modelos mesclados surgem porque nem sempre é possível conciliar a produção de vários produtos com produção nivelada. Volumes e tempos de produção diferentes podem inviabilizar que todos os produtos tenham produção nivelada, assim alguns serão feitos aos lotes e outros continuarão nivelados. Para isso, a sincronização é fundamental para que se atinja um ponto ótimo no planejamento da produção. 5.4.4 Comparação MRP com JIT O JIT e o MRP são sistemas completares dentro de uma organização, cada um deles apresentando características que os fazem mais ou menos adequados para cada aplicação. Slack, Chambers e Johnston (2002) apresentam o quadro a seguir, comparativo dessas características, ressaltando que além das divergências existem também similaridades entreos dois sistemas. Quadro 12 Características do MRP Características do JIT É um sistema empurrado É um sistema puxado Utiliza ordens de produção oriundas do programa mestre. Atingir o plano é a meta. Monitoramento e controle Usa Kanban, responsável por “disparar” a movimentação e produção de materiais Organização complexa, centralizada e com uso intensivo do computador Decisões descentralizadas, não necessitando de sistemas computadorizados Depende da qualidade dos dados, lista de materiais, estoques etc. Baseia-se em taxas de produção (quantidade/tempo) em vez de volume Usa lead-time fixo Flexibilidade dos recursos e lead-time reduzido Exige tempo para que sejam feitas atualizações O JIT é mais do que apenas planejamento e controle Fonte: Slack, Chambers e Johnston (2002, p. 501-504). De modo geral, o MRP é mais complexo e trabalha com grandes quantidades de informações e é mais adequado para situações nas quais o interesse é prever situações futuras, com grande detalhamento. Já o JIT é mais vantajoso em situações mais simples e repetitivas, sendo mais robusto com flutuações de demanda. Dentro de uma mesma organização, pode-se trabalhar com ambos os sistemas interligados, com o MRP fornecendo o plano de materiais, para que eles possam ser puxados pelo JIT. São sistemas, portanto, complementares e não excludentes. 6 COMPRAS – GESTÃO ESTRATÉGICA E OPERACIONAL A atividade de compras é fundamental dentro das organizações, garantindo o suprimento de materiais ou serviços com a qualidade e a quantidade adequada, no momento adequado e ao custo mais baixo possível. 183 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Qualquer processo operacional antes do seu início necessita ter disponibilidade de matérias-primas, componentes, equipamentos e serviços para que possa operar. Para que o processo operacional ocorra sem problemas, é preciso que esses insumos estejam à disposição com regularidade, e sua quantidade e qualidade devem ser compatíveis com o processo. Por outro lado, a preocupação com os custos, como em todos os outros processos das organizações, deve ser central. Dependendo da natureza das operações, o desempenho excelente das atividades de compras pode significar vantagem competitiva para as organizações e cadeias de suprimentos. Dias (2015) conclui que os objetivos básicos das atividades de compras são: • obter um fluxo contínuo de suprimentos a fim de atender aos programas de produção; • coordenar esse fluxo de maneira que seja aplicado um mínimo de investimento que afete a operacionalidade da empresa; • comprar materiais e insumos aos menores preços, obedecendo a padrões de quantidade e qualidade definidos; • por meio de uma negociação justa e honesta, sempre procurar as melhores condições para a empresa, principalmente em condições de pagamento. Assim como outras atividades relacionadas ao controle de suprimentos, as atividades de compras eram, há algumas décadas, consideradas como secundárias nas organizações. No entanto, com a competição cada vez mais acirrada por preços, muitas vezes essas atividades se tornaram fontes de vantagens competitivas. Algumas vezes, operar adequadamente essas atividades pode tornar a empresa mais competitiva de modo mais imediato e amplo que algumas outras atividades, em princípio, mais centrais. Além disso, o relacionamento mais distante entre fornecedor e cliente está deixando de existir, sendo substituído por um relacionamento mais estreito, estratégico e perene. 6.1 Negociações entre as partes 6.1.1 Poder de barganha No ano de 1979, Michael Eugene Porter publicou no Harvard Business Review o artigo As cinco forças competitivas que moldam a estratégica, no qual considera que cinco fatores, as tais cinco forças, modelam a estratégia da empresa (PORTER, 1979). Nesse modelo proposto, ele introduz o conceito de poder de barganha com os clientes e fornecedores. Poder esse que é biunívoco, ou seja, tem atuação recíproca: uma empresa pressiona e é pressionada por outra, pelo cliente ou pelo fornecedor. O esquema a seguir representa as forças mencionadas: 184 Unidade II Poder de barganha dos fornecedores Poder de barganha dos clientes Ameaça de novos entrantes Rivalidade entre concorrentes Ameaça de produtos substitutos Figura 51 Observe que duas das cinco forças referem-se ao poder de barganha, que é a força que uma empresa ou organização possui ao discutir preços e condições, conseguindo colocar pressão e exigências, tais como maior qualidade, menor preço ou compras por lotes maiores para obter preços mais baixos. Em seu artigo, Porter (1979) afirma que é essencial que a empresa enxerga o grau de dependência que tem de seus fornecedores avaliando o poder de barganha deles. Uma empresa muito dependente de seus fornecedores precisa reavaliar essa questão com atenção, já que pode afetar diretamente sua capacidade competitiva. Evidentemente, do mesmo modo que os fornecedores influenciam as empresas, estas influenciam seus clientes, portanto todos estão submetidos simultaneamente aos poderes de barganha de clientes e fornecedores. A organização deve entender quanto do sucesso dela depende dos fornecedores, em outras palavras, quanto do seu negócio está na mão dos fornecedores. Imagine uma empresa de e-commerce que tem como principal diferencial competitivo a entrega de seus produtos (rapidez, confiabilidade, flexibilidade de entrega), e que, portanto, depende dos serviços oferecidos por empresas de remessas expressas, como os Correios, por exemplo. Imagine uma greve de funcionários dos Correios. Tal acontecimento poderia paralisar os negócios da organização. Esta, por sua vez, precisaria ter várias opções de fornecedores e até poderia cogitar trabalhar com serviço de entrega próprio. 185 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Algumas questões ajudam a empresa a diagnosticar o grau dessa força: • Quantos fornecedores você possui atualmente e quais são eles? • Se você tiver apenas um fornecedor, o que vai fazer caso perca esse contato? • E se o seu único fornecedor aumentar os preços dos serviços ou produtos oferecidos? • O que você faria se o seu fornecedor decidisse aumentar o prazo de entrega, do qual você depende inteiramente para conseguir trabalhar? A partir desse diagnóstico, a organização deve se planejar para aumentar seu poder de barganha ou reduzir o poder de barganha dos fornecedores. Isso pode ser feito atuando nos dois lados da relação. É claro que parte do poder de barganha de uma organização em relação à outra é estrutural, ou seja, não depende do momento ou mesmo de atuação administrativa; por exemplo, uma empresa média ou pequena, fornecedora de uma grande rede de supermercados, terá estruturalmente um poder de barganha muito menor que a rede. O mesmo ocorre com clientes de uma grande empresa de insumos petroquímicos. No entanto, muitas vezes as empresas podem melhorar seu poder de barganha atuando de modo conjuntural. Essa atuação pode ser feita em duas frentes: • Barganha do fornecedor: — Caso o fornecedor demonstre grande interesse no pedido, manifesto normalmente com a quantidade de acessos que ele faz ao comprador, seu poder de barganha diminui. No caso contrário, no qual o interesse pelo pedido seja menos intenso, seu poder de barganha aumentará. Comportamento semelhante se relaciona com o estado anímico da economia. Em épocas de recessão, o poder do fornecedor cai, em épocas de desenvolvimento, ele cresce. — O fornecedor que tiver certeza de que obterá o pedido, por ter preços e condições mais competitivas que os concorrentes ou que tiver o monopólio do mercado, terá seu poder de barganha muito aumentado. — O fator tempo frequentemente está a favor dos fornecedores, visto que muitas vezes o comprador tem necessidade de obter o produto ou o serviço rapidamente. • Barganha do comprador: — Ter vários e qualificados fornecedores aumenta a barganha do comprador. O oposto, ter um ou poucos fornecedores, diminui em muito esse poder de barganha.186 Unidade II — Conhecer a estrutura de custos e preços do produto aumenta o poder de barganha do comprador. Em processos de terceirização isso é possível, na medida em que o comprador já produziu ou produz o produto e o serviço que ora compra. — O conhecimento técnico do produto ou serviço a ser adquirido também aumenta o poder de barganha do comprador. Esse conhecimento não é simples de ser adquirido e certamente não é algo que o comprador possa desenvolver para todos os produtos, mas aqueles produtos que são vitais para a organização podem ser foco especial de aprendizado. Imagine você indo comprar um computador sem sequer saber o que é uma memória flash. Certamente, ficaria à mercê do vendedor. 6.1.2 Relação ganha-ganha e ganha-perde A negociação entre fornecedor e cliente tradicionalmente é um confronto no qual os lados desejam obter vantagens um sobre o outro. Naturalmente, o fornecedor de um produto deseja vendê-lo pelo maior preço possível, entregá-lo com o maior prazo possível e com a menor qualidade aceitável. O comprador deseja exatamente o contrário. E essa dicotomia de desejos irá causar, obrigatoriamente, conflitos. A existência de um conflito em si não é algo negativo; pelo contrário, a resolução adequada de um conflito pode ser a oportunidade de melhoria. De modo geral, ainda hoje, muitos desses conflitos são resolvidos através de uma relação do tipo ganha-perde, na qual para um lado ganhar o outro lado tem que perder o equivalente. Muitas vezes é chamada de negociação distributiva, e os ganhos da negociação são desiguais entre as partes. Observe a seguir um simples exemplo: duas crianças dividindo uma barra de chocolate ao meio. Dificilmente os dois receberão exatamente a mesma quantidade de chocolate. Isso poderia ser corrigido com um acerto do tipo um divide e o outro escolhe primeiro, daí teríamos uma relação integrativa, a chamada relação ganha-ganha. Com essa estratégia – um divide, o outro escolhe – cria-se um equilíbrio entre as partes. Esse exemplo simplório ilustra a negociação ganha-ganha. Esta, mais do que o resultado de uma situação particular, se preocupa com o processo de negociação em longo prazo. A abordagem ganha-ganha, portanto, considera a resolução de conflitos como uma oportunidade para se chegar a um resultado mutuamente benéfico e inclui a identificação das preocupações de cada lado, a fim de encontrar uma alternativa que atenda às preocupações de todos. A relação ganha-ganha é indicada nas seguintes situações: • o ambiente é colaborativo; • quando é necessário tratar dos interesses das várias partes envolvidas (como, tipicamente, na cadeia de suprimentos); 187 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA • onde exista um elevado grau de confiança entre as partes; • quando se tem em mente uma relação de longo prazo; • quando se tem em mente a responsabilidade compartilhada dos resultados. Apesar da relação ganha-ganha não ser utilizada sempre, e talvez nem na maioria dos casos, ela traz diversas vantagens: • reforça os sentimentos de confiança e justiça; • leva a uma solução real do problema; • embasa uma colaboração futura; • as responsabilidades são compartilhadas; • reduz o estresse das negociações. A qualidade das relações entre os elos da cadeia de suprimentos, sejam do tipo ganha-ganha, sejam do tipo ganha-perde, é percebida pelo consumidor final e comparada com as relações das cadeias concorrentes. De uma forma ou de outra, conflitos mal administrados são percebidos como perda de energia da cadeia e impactam o valor atribuído a ela. Imagine uma situação em que o fornecedor, por motivos conjunturais (falta de capital, retração de mercado, perda de clientes etc.), seja obrigado a aceitar uma negociação prejudicial a ele, por exemplo, ter que reduzir sua margem de lucro. De alguma forma, no futuro, ele tentará compensar esse prejuízo por meio de uma redução de qualidade do produto, com uma entrega mais demorada ou então dará preferência a outros clientes. A cadeia de suprimentos como um todo sentirá essa disputa destrutiva e haverá redução do valor. De qualquer forma, a negociação na atividade de compra é um processo de decisão submetido a planejamento, análise e revisão, aplicados a duas partes opostas que buscam um consenso satisfatório a ambas, maximizando os resultados. Os grandes objetivos da negociação são: • Chegar a um preço razoável e satisfatório: os negociadores de cada um dos lados da mesa têm um preço alvo e um preço limite. O preço alvo é o que cada um dos lados deseja alcançar. Já o preço limite é o máximo que o comprador admite pagar e o mínimo que o fornecedor admite receber. A figura a seguir ilustra essa situação: 188 Unidade II ZAP Valor de compra alvo Valor de venda limite Valor de compra limite Valor de venda alvo Comprador Vendedor ZAP = zona de acordo possível Figura 52 – Escala de valores (preços) Adaptada de: Wilmer (2011). • Obter garantias do fornecedor para o cumprimento de prazos e condições contratuais: é absolutamente imprescindível que seja acertado um cronograma de entregas com o fornecedor para que não ocorram surpresas, em especial com os itens mais vitais para a produção da empresa. Em épocas que a economia está mais aquecida, é sempre importante estar atento para priorizações que não atendam às expectativas. Nessas épocas os clientes classe A são atendidos em detrimento dos demais. • Conseguir a máxima colaboração do fornecedor: relacionamentos mais duradouros tendem a criar um ambiente de maior colaboração e atendimento mais cordial e até preferencial. Em momentos de necessidade, isso pode ser a diferença entre a empresa ser ou não atendida pelo fornecedor. • Manter relação cordial com os fornecedores competentes: relações pensadas em longo prazo, não se deixando levar por vantagens pontuais, constroem um relacionamento cordial que irá repercutir em facilidades nas negociações futuras. Quando falamos de negociações comerciais, pensamos sempre em preço e prazo, mas há vários outros aspectos que podem envolver negociações. Dias (2015) elenca os principais: • existência de variáveis como qualidade e serviços associados ao produto; • previsão contra riscos que não podem ser previstos precisamente; • perdas geradas por contingências não possíveis de serem previstas (fenômenos naturais, por exemplo); • custos de instalação, arranjos físicos e ferramentais quando eles são parte importante dos custos envolvidos; 189 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA • possibilidade de reavaliação das especificações quando o lead-time é longo, permitindo melhorias; • interrupções na produção quando as especificações estiverem em desacordo com as originais. 6.1.3 Parcerias de longo termo O relacionamento pontual entre cliente e fornecedor é o predominante no mundo dos negócios. São comuns negociações isoladas ou mesmo repetitivas, mas que se esgotam na própria operação. Essas negociações devem seguir as melhores práticas e assim atender aos objetivos específicos. Ocorre, no entanto, que com o crescimento da complexidade das relações entre os agentes econômicos, algumas empresas estão se relacionando com outras em parcerias de longo termo. Essas parcerias trazem vantagens evidentes, mas são extremamente difíceis de serem implantadas em razão, principalmente, do alto grau de transparência necessário. Essas parcerias vão se tornando cada vez mais comuns e com evidentes benefícios para os envolvidos, podendo se realizar entre grandes e pequenas empresas utilizando-se da complementariedade das competências. Ocorrem casos até de empresas concorrentes formarem parcerias. Estas são vistas como uma oportunidade de estreitar relacionamento e desfrutar de competências potenciais complementares. Estão sendo usadas inclusive como estratégias de crescimento. A ideia é colocar as necessidades do cliente final em primeiro lugar e desenvolver uma solução estratégica que beneficie a todos os envolvidos. Em outras palavras, focar no clientefinal, conforme foi acentuado anteriormente. Essas estratégias de cooperação mútua são relativamente recentes, mas elas têm sido aceitas rapidamente no mundo dos negócios, apesar das grandes dificuldades envolvidas. Uma parceira, obviamente, só pode ser considerada se ela for vantajosa para ambos os lados. Eventualmente, é possível que uma empresa seja mais beneficiada que a outra, mas isso precisa ficar evidente para todos os envolvidos. Considerando o que foi exposto, algumas vantagens podem ser obtidas: • Redução de custos operacionais: é uma vantagem imediata, na medida em que alguns custos podem ser divididos, não havendo duplicidade. Empresas parceiras, por exemplo, não precisam realizar controles de qualidade em duplicata. Além disso, uma parceria bem-sucedida tende a melhorar as margens de lucro e ainda reduzir as necessidades de investimento, algo saudável em momentos mais difíceis. • Aumento do alcance da marca: o desenvolvimento da marca costuma ser facilitado pelas parcerias, com ações de marketing que impactam mais fortemente os clientes, inclusive em termos de lembrança da marca. • Benefícios para os clientes: redução de custos e aumento no alcance da marca resulta frequentemente em redução de preço, o que é fundamental como fator competitivo. Isso pode colaborar inclusive na fidelização dos clientes. 190 Unidade II • Sinergia das competências individuais: talvez seja o maior benefício das parcerias. Toda empresa tem atividades sobre as quais têm domínio total. Assim, para se manter concentrada naquilo que é essencial em seu negócio, uma boa saída pode ser a parceria com empresas que supram essas necessidades, criando uma sinergia de negócio vantajosa para as ambas as empresas. Alguns empecilhos importantes, no entanto, podem dificultar a efetivação de parcerias. Algumas questões têm que ser respondidas antes de se efetivar uma parceria: • A empresa e seus fornecedores operam com transparência? A tendência das empresas é não serem transparentes. Entretanto, não há muito a se esconder, a maioria das empresas compete com a qualidade de suas operações, e não devido a segredos impenetráveis. Abrir a sua estrutura de custos e exigir reciprocidade do parceiro prepara o terreno para a colaboração, o que melhora o desempenho de todos. • A empresa e seus fornecedores compartilham interesse no desempenho financeiro um do outro? Uma parceria efetiva exige que ambas as partes se beneficiem em termos reais, o que significa, normalmente, obter lucro. Estabelecer objetivos financeiros para os parceiros é fundamental. 6.2 Gestão estratégica de compras 6.2.1 Princípios As organizações modernas cada vez mais se concentram em entregar benefícios superiores aos clientes finais, e isso faz com que uma gestão estratégica de compras se torne a cada dia mais importante. Para que esse objetivo ocorra, os setores da empresa devem trabalhar em conjunto e o departamento de compras deve garantir que os materiais estejam disponíveis no momento adequado e com uma relação custo/desempenho adequada. Com o constante aumento da concorrência e da competitividade em todos os mercados e indústrias, as organizações sofrem pressões cada vez maiores para reduzir seus custos visando preservar tanto quanto possível suas margens de lucro. No que tange às atividades de compras, manter seus fornecedores estrategicamente alinhados e comprometidos com os objetivos finais e com os desejos dos consumidores é a maneira de manter margens de lucro adequadas com sucesso sustentável. Esse posicionamento extrapola as simples atividades de cotação, compra e recebimento de materiais, obrigando o desenvolvimento de relações mais estreitas e estratégicas com os fornecedores. O desenvolvimento de ações conjuntas com eles permitirá a aquisição de novas competências e o aumento de competitividade. A gestão estratégica de compras não é uma tarefa fácil, visto que envolve a alteração e a criação de uma cultura interna e externa à organização, na medida em que envolve as equipes internas e o relacionamento cliente-fornecedor de modo muito mais próximo que o tradicional. O desenvolvimento dessas relações exige a elaboração de políticas sofisticadas, o que envolve a homologação dos 191 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA parceiros, a necessária qualificação e o controle dos resultados. Também é exigido um planejamento macro, determinando, por exemplo, os critérios de qualificação e homologação. Para tal, é necessário desenvolver rotinas diárias, por exemplo, estabelecer prazos e cronogramas de entrega que atendam às demandas internas no momento preciso e respeitar o fluxo de caixa da empresa. A maioria das empresas ainda segue paradigmas antigos e uma mudança de cultura exige aplicação e, principalmente, tempo para ocorrer. Treinamentos e reuniões de alinhamento constantes serão necessários para essa mudança. Esta, caso ocorrer, promoverá resultados mais eficazes. As pessoas entregam resultados melhores quando desenvolvem suas capacidades plenamente. 6.2.2 Fornecimento global como vantagem competitiva A evolução das telecomunicações e da informática reduziu as distâncias e facilitou a comunicação entre países do mundo todo. Com isso, procurar produtos e serviços ao redor do mundo em locais onde eles são mais vantajosos tornou-se uma forte tendência. Muitas vezes essa estratégia empresarial assume o nome de global sourcing. Basicamente, é um tipo de terceirização que aproveita custos menores apresentados em lugares nos quais o custo da mão de obra é menor ou a produtividade é maior. Esse processo se intensificou com a globalização, que eliminou muitas das barreiras geopolíticas existentes. Originalmente, o global sourcing aplicou-se a commodities produzidas em países com diferencial competitivo relacionado principalmente ao clima e às terras agriculturáveis, posteriormente expandindo-se para produtos manufaturados por empresas asiáticas. Serviços de call center em inglês, por exemplo, utilizam intensivamente empresas indianas. É notável a produção atual de produtos cujos componentes são feitos por empresas ao redor do mundo. Computadores, tablets e celulares são exemplos desses produtos. Outro termo que vem ganhando espaço é o follow sourcing, que inverte a lógica do global sourcing, agrupando fornecedores próximos às empresas produtoras. Caso característico disso são as empresas automobilísticas, que criam um grupo de fornecedores de partes dos veículos e seus componentes. O fornecimento global está sujeito a vantagens e desvantagens assim como a críticas. Por um lado, ele permite o desenvolvimento de vantagens competitivas a partir da abertura cada vez maior das economias dos diversos países. Uma operação que seja realmente vantajosa exige análise acurada de todos os fatores envolvidos, como custos logísticos, burocracias decorrentes e qualidade intrínseca dos produtos e serviços. Por outro lado, critica-se essa estratégia porque, apesar de poder trazer vantagens competitivas pelas empresas, possivelmente gerará menos empregos e rendas a determinados países. No âmbito da economia brasileira, é possível que existam vantagens para os consumidores, pois, com os custos inferiores, é possível trabalhar com preços mais baixos. 192 Unidade II 6.3 Visão operacional de compras 6.3.1 Centralização versus descentralização Quando falamos de compras, tendemos a nos concentrar na aquisição dos materiais e serviços mais importantes e sensíveis nas organizações, principalmente, matéria-prima e componentes essenciais à atividade-fim, mas devemos notar que muitos outros materiais são adquiridos diariamente, desde esses, mais importantes e vitais, até itens aparentemente sem grande importância, mas que causariam problemas se não fossem adquiridos ou fossem adquiridos inadequadamente. Praticamente todos os setores e departamentos de uma empresa têm necessidade de insumos, sejam produtos, sejam serviços, que deverão ser adquiridos seguindo as melhores práticas. Apesarda evidente diferença de importância dentro de uma empresa entre os vários insumos, todos eles têm, em alguma medida, sua importância. A falta de um óleo lubrificante pode paralisar uma máquina e, consequentemente, toda a manufatura, assim como a falta da matéria-prima principal. É natural, no entanto, que a empresa em geral se preocupe mais com as matérias-primas fundamentais do que com o óleo lubrificante das máquinas ou com os materiais necessários de limpeza e higiene. Isso nos conduz à discussão de como estruturar os departamentos de compras em termos de centralização e descentralização. De fato, há vantagens e desvantagens em cada uma das estruturas. Nas estruturas descentralizadas, as aquisições são feitas pelos diversos setores ou por grupos de setores. Como a atividade está próxima do usuário, esse tipo de estrutura tende a ser mais flexível e ágil, conferindo a devida importância a cada item adquirido. Por exemplo, dificilmente faltará óleo lubrificante para as máquinas se a aquisição desse material estiver a cargo do departamento de manutenção. Esse item é muito importante para o departamento de manutenção, apesar de a organização como um todo não notar. Nesse modelo os setores seguem, evidentemente, políticas corporativas e são sujeitos ao controle da empresa, mas estão subordinados à gestão da unidade de negócio. Já à estrutura centralizada são atribuídas todas as atividades de compras da empresa em todos os níveis e setores. Geralmente, é uma área subordinada à hierarquia mais alta da organização e acaba por ser responsável não só pelas atividades operacionais como também pela própria definição dos procedimentos de aquisição de toda empresa ou grupo de empresas. Evidentemente, como em qualquer situação, cada um dos modelos tem vantagens e desvantagens, como mostrado no quadro a seguir: 193 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Quadro 13 Vantagens Desvantagens Estrutura descentralizada A responsabilidade pelo desempenho (custo e produtividade) é do setor local O sistema mais pressionado pode resultar em custos maiores Existe um maior controle sobre o processo, visto que a compra é feita localmente pelo setor Pode ocorrer conflito entre o comprador e o cliente interno, pois eles têm prioridades diferentes. O cliente quer disponibilidade e o comprador, preço e opções de fornecimento Resposta mais rápida. O cliente interno está próximo do comprador Baixa especialização do comprador. Ele adquire todos os materiais, não se especializa em nada Comunicação entre o cliente interno e o comprador é mais eficiente devido à proximidade Qualificação do comprador normalmente menor, pois não é remunerado de modo semelhante a um comprador técnico profissional O comprador local conhece o mercado local mais intimamente, podendo utilizar as vantagens características desse mercado Como as compras são feitas com baixa agregação, os savings são baixos Estrutura centralizada Em razão dos maiores volumes, o poder de negociação aumenta, reduzindo não só os preços unitários como o custo total de aquisição (custo de pedir) Menos agilidade na aquisição tanto em termos de tempo como no aumento de processos e burocracias A equipe de compras é especializada, frequentemente técnica, e consegue atingir menores preços e melhores condições Há menos foco no cliente interno. Como é preciso atender a muitos clientes internos, as necessidades e urgências nem sempre são bem assimiladas e atendidas pelo departamento de compras As compras não são tão direcionadas para fornecedores locais, consequentemente, é possível trabalhar com parceiros mais vantajosos A comunicação entre comprador e usuário é menos direta e eficiente, podendo falhar e causar perda de tempo na negociação, seleção incorreta de fornecedores e especificações deficientes, reduzindo a eficiência e a eficácia das compras Observação O termo saving de compra significa a diferença de ganho entre o valor que foi orçado (previsto) pelo que foi efetivamente comprado. Funciona como um indicador, mensurando tanto os aspectos financeiros como de desempenho. Como cada um dos sistemas tem suas vantagens e desvantagens, um sistema híbrido apresenta-se como o ideal. Compras de maior valor, em maior quantidade e normalmente mais vitais são compradas por um setor centralizado; as compras de menor valor, mais corriqueiras, por compradores locais. Materiais de limpeza, papelaria e de manutenção ficam a cargo de compradores locais. Matéria-prima, serviços, equipamentos, instalações etc. passam a ser responsabilidade de um setor centralizado, corporativo. 194 Unidade II Frequentemente, o valor da compra define o setor comprador, bem como os níveis hierárquicos de aprovação. 6.3.2 Gestão eletrônica de suprimentos Você deve ter percebido quantas vezes repetimos a expressão redução de custos. Isso porque é uma preocupação central das atividades de compras. Reduzir custos significa comprar somente o que é necessário, no momento correto, na quantidade necessária e com o menor preço, com qualidade e prazo de pagamentos adequados, reduzindo os custos decorrentes da manutenção de capital de giro. Um bom sistema de gestão de compras deve ter vários recursos e características que permitam alcançar esses objetivos, e os recursos eletrônicos vêm em socorro dessa gestão, permitindo ao profissional atuar adequadamente na complexidade do processo. Esses sistemas de gestão devem conter algumas funcionalidades para que sejam atingidos os objetivos da atividade: • regras de compras; • solicitação de compras; • integração com os estoques; • restrições de aquisições; • autorização de compras; • permissão de compras; • aprovação de compras; • autorização eletrônica; • mensagens de alertas; • agenda de compromissos; • segurança tributária e fiscal; • segurança da informação; • integração com os demais sistemas da empresa; 195 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA • cadastro de produtos e serviços; • cadastro de fornecedores. 6.3.3 Gestão de fornecedores e seus indicadores Como em todas as atividades administrativas, as compras devem ser planejadas, executadas, controladas e corrigidas na medida das necessidades. Trata-se do famoso ciclo PDCA. Isso nos conduz à necessidade de mensurar os resultados, para verificar se estamos no caminho correto. Diversos indicadores são recomendados para isso, tais como: • número de pedidos de compras; • tempo de colocação de pedidos; • pedidos ainda em aberto; • valor total de compras efetuadas; • volume de compras pagas por modalidade de pagamento (à vista, a prazo, em dinheiro etc.); • índices de qualidade do fornecedor (por exemplo, porcentagem de atendimentos com defeitos); • eficácia no desenvolvimento de fornecedores; • quantidade de coletas de preço por aquisição; • tempo médio decorrido nas concorrências; • quantidade média de propostas coletadas; • controle dos descontos obtidos; • avaliações de eficácia. Evidentemente que os itens adquiridos têm importâncias diferentes e, portanto, serão geridos de maneira diferente. Como foi exposto anteriormente, eles deverão ser classificados de acordo com a Lei de Pareto e cada classe ou subclasse administrada com maior ou menor dedicação. 196 Unidade II Resumo Nesta unidade, foram abordados os assuntos referentes aos modelos de gestão de estoques e a sua complexidade, seus custos e impactos na gestão operacional e estratégica da operação como um todo e as questões problemáticas de seu dimensionamento. Tratou-se, também, do planejamento das necessidades de materiais, para o atendimento da necessidade de abastecimento da manufatura e, de outro lado, do relacionamento com os fornecedores e da geração precisa de ordens de compras. Discutimos os modelos de gestão de estoques, com a necessária gestão dos custos de estoques, considerando os conflitos existentes, bem como as exigências de estoques nas operações para atender às necessidades de demanda. Os tipos de estoquesexistentes foram apresentados e explicados. Entre eles se encontram os de matérias-primas e componentes, de produtos acabados, material em processo e de segurança. Estudamos os estoques de ciclo, de antecipação e os estoques nos canais de distribuição. Nesse contexto, foi destacada a importância das análises de estoques internos da empresa, bem como os estoques existentes nos elos da cadeia de suprimentos como um todo. Estudou-se a necessidade de dimensionamento de estoques, como uma problemática estratégica das operações, considerando-se os custos de colocação de pedidos em comparação com os custos de manutenção de estoques. Foram apresentados os conceitos e fórmulas de cálculos do lote econômico de compra, por meio de uma série de exemplos de raciocínio. Foram discutidos os principais aspectos relacionados ao MRP, que trata do planejamento das necessidades de materiais na operação, considerando o que consta no plano mestre de produção, bem como as especificações dos produtos. Em seguida, verifica-se a disponibilidade nos estoques e se as emissões das ordens de fabricação e ordens de compra procedem, visando à disponibilização de todos os itens necessários para o abastecimento completo da manufatura – onde, como, quanto e em que condições são necessárias. Estudou-se a estrutura dos produtos, um dos conhecimentos imprescindíveis para o entendimento do MRP, apresentando-se uma série de exemplos do desenvolvimento do planejamento de necessidades de materiais. 197 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA O just in time (JIT), uma filosofia advinda do modelo japonês de gestão de produção, possui um conjunto de técnicas para o planejamento e controle da manufatura, inclusive o Kanban. Em seguida, foi feita uma comparação entre o JIT e o MRP. Vimos que o processo de compras tem uma importância crescente nas operações, considerando-se a dinâmica das negociações entre as partes, empresa e seus fornecedores, desejando-se uma relação de parceria e, independentemente do poder de barganha de cada um, que prevaleça uma relação ganha-ganha. Diante do cenário atual de internacionalização dos fornecimentos, a empresa necessita expandir os seus relacionamentos com fornecedores globais, propiciando ganhos competitivos aos seus clientes em relação a custos, rapidez e, principalmente, qualidade. Foram acentuados os aspectos operacionais de compras, considerando as vantagens e desvantagens de centralização e descentralização da tomada de decisões de compras. Nos dias atuais, existem ferramentas digitais que facilitam e agilizam o processo de compras, bem como criam uma rede de relacionamentos com os fornecedores, gerando medições e indicadores de desempenho dos fornecedores no que tange à sua eficiência, eficácia e flexibilidade. 198 Unidade II Exercícios Questão 1 (Enade 2012, adaptada). Carlos, gerente de operações da fábrica de brinquedos RWZ, constatou que o estoque de um item, componente de seu principal produto, não atende adequadamente à política de gestão de materiais da fábrica, tendo em vista que os custos operacionais associados à manutenção do estoque desse item são muito elevados. Atento ao comportamento da demanda, Carlos passou a administrar o estoque utilizando o modelo por ponto de pedido. Segundo esse modelo, sempre que o nível de estoque do item atingir o ponto de pedido, será providenciado um pedido de reposição de Qc unidades, as quais, se não ocorrer imprevisto, deverão dar entrada em estoque dez dias após a emissão do pedido. A figura a seguir ilustra esse modelo. Estoque máximo = 6.500 QC = lote de compra Tempo 30 dias Ponto de pedido Estoque médio Estoque (unidades) Estoque de segurança = 500 Tempo de atendimento: 10 dias Figura 53 Com base nas condições apresentadas no modelo por ponto de pedido proposto por Carlos, avalie as afirmativas. I – A RWZ deve administrar os custos operacionais relacionados ao capital empatado, ao espaço de armazenagem, à iluminação, à segurança e à obsolescência, já que o estoque médio é de 3.000 unidades. II – A quantidade de itens que deve ser usada entre a data da encomenda e a data de recebimento do lote de compra, ou seja, a quantidade suficiente para atender à demanda durante o tempo de ressuprimento, é de 2.000 unidades. III – O total de 4.500 unidades corresponde à parcela do estoque do item que será consumida até a data da encomenda do lote de compra, sendo de 2.500 unidades o nível do estoque no ponto de pedido. IV – A demanda diária do item analisado por Carlos é de 200 unidades, e a quantidade a ser reposta, ou seja, o tamanho do lote de compra, é de 6.000 unidades. 199 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA É correto apenas o que se afirma em: A) I. B) II. C) I e III. D) II e IV. E) III e IV. Resposta correta: alternativa D. Análise das afirmativas I – Afirmativa incorreta. Justificativa: o modelo por ponto de pedido leva em consideração apenas a quantidade em estoque, visando ao suprimento da produção. Ele não leva em consideração os custos de armazenagem. II – Afirmativa correta. Justificativa: no gráfico apresentado na questão, podemos observar que o consumo do item é linear com o tempo, isto é, a cada 30 dias são consumidas 6.000 unidades. O consumo diário é, portanto, de 200 unidades. Considerando que o tempo de ressuprimento é de 10 dias, a quantidade de itens necessária para alimentar a produção nesse período é de 2.000. III – Afirmativa incorreta. Justificativa: embora o nível de estoque no ponto de pedido deva ser de 2.500 unidades (2.000 unidades consumidas em 10 dias e 500 unidades correspondentes ao estoque de reserva), o consumo entre dois pontos de pedido é de 6.000 unidades (200 unidades consumidas diariamente num período de 30 dias). IV – Afirmativa correta. Justificativa: a demanda diária do item analisado por Carlos é de 200 unidades, e a quantidade a ser reposta, ou seja, o tamanho do lote de compra, é de 6.000 unidades (diferença entre a quantidade de estoque máxima e a quantidade no estoque de reserva). 200 Unidade II Questão 2 (Enade 2015, adaptada). A logística atual adotou um conceito de integração que abrange toda a cadeia de suprimentos de uma empresa, desde a obtenção de matéria-prima até a entrega do produto ao consumidor final. Para que isso aconteça, é fundamental um gerenciamento logístico dessa cadeia, de tal modo que ocorra uma elevação nos níveis de serviço e uma redução nos custos ou manutenção. Contudo, o ciclo de vida dos produtos tem se reduzido cada vez mais, o que torna o mercado instável, visto que a obsolescência de um produto pode ocorrer pouco tempo depois de seu lançamento. Tal situação exige uma gestão cada vez mais eficiente, tendo em vista a necessidade de informações quase que instantâneas, para, assim, evitar equívocos que possam penalizar a empresa, além dos prejuízos financeiros. Nesse contexto, avalie as afirmativas a seguir e a relação proposta entre elas. I – A gestão da cadeia de suprimentos representa a integração externa das atividades de uma empresa, pois estende a coordenação dos fluxos de materiais e informações aos fornecedores e ao cliente final. Porque II – A gestão da cadeia de suprimentos é a coordenação estratégica e sistêmica das funções de negócios tradicionais e das ações táticas que perpassam essas funções em uma empresa e através de negócios, dentro da cadeia logística, com o propósito de aprimorar o desempenho de longo prazo dessa empresa e da cadeia de suprimentos como um todo. A respeito dessas afirmativas, assinale a alternativa correta. A) As afirmativas I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I. B) As afirmativas I e II são proposições verdadeiras, e a II não é uma justificativa correta da I. C) A afirmativa I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa. D) A afirmativa I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira. E) As afirmativas I e II são proposições falsas. Resposta correta:alternativa A. Análise da questão Na questão, além do conceito de gerenciamento da cadeia de suprimentos, aborda-se o conceito de integração, que é o objetivo desse gerenciamento. Uma cadeia de suprimentos é uma rede de organizações conectadas e interdependentes, trabalhando conjuntamente, em regime de cooperação mútua, para controlar, gerenciar e aperfeiçoar o fluxo de matérias-primas e de informações dos fornecedores para os clientes finais. Assim, o gerenciamento 201 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA da cadeia trata da coordenação do fluxo de produtos ao longo de funções e de empresas a fim de produzir vantagem competitiva e lucratividade para cada uma e para o conjunto das companhias. Considerando que a razão da existência da rede de empresas que trabalham juntas é a criação da vantagem competitiva por meio da integração entre seus procedimentos, as afirmativas I e II são verdadeiras e a II é justificativa correta da I.