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Universidade Estácio de Sá Dayse Demori Gomes da Silva Peres Utilização dos setores censitários do IBGE para o mapeamento territorial por Geoprocessamento no Programa Saúde da Família na Cidade do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2012 Dayse Demori Gomes da Silva Peres Utilização dos setores censitários do IBGE para o mapeamento territorial por Geoprocessamento no Programa Saúde da Família na Cidade do Rio de Janeiro Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Saúde da Família. Orientador: Paulo Henrique de Almeida Rodrigues Co-orientador: Haroldo José de Matos Rio de Janeiro 2012 “A saúde é um constructo que possui as marcas de seu tempo. Reflete a conjuntura econômica, social e cultural de uma época e lugar. Reconhecer sua historicidade significa compreender que sua definição e o estabelecimento de práticas dependem do grau de conhecimento disponível em cada sociedade.” (FONSECA E CORBO, 2007). DEDICATÓRIA Aos meus pais, que me deram a vida e os ensinamentos necessários para eu estar aqui neste momento. Ao meu marido e companheiro de estrada, pelo tempo em que estivemos e não estivemos juntos, meu guru espiritual e profissional, ombro amigo e porto seguro. Ao meu querido filho pela compreensão de que nenhum momento é perdido, de que sempre estaremos juntos e também pelo estímulo e amizade. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus pela minha existência. A toda a minha família pelos valores que me foram passados. Ao meu orientador Paulo Henrique de Almeida Rodrigues pela atenção, idéias que contribuíram para esta dissertação e aprendizado. E ao meu co- orientador Dr. Haroldo José de Matos pela colaboração. Ao Dr.Luiz Felipe Pinto e à Drª Cláudia Leite Moraes pelas contribuições importantes que me foram passadas durante a qualificação deste estudo. Aos parceiros do Mestrado (Turma 2010/01), discentes e docentes, pela contribuição e troca de experiências. À Aline Luna pela preocupação com a nossa vida acadêmica. À UNESA pela bolsa de estudos que me permitiu cursar o Mestrado nestes dois anos. À minha coordenadora Drª Cláudia Nastari, para a qual não tenho palavras, que me oportunizou um grande crescimento profissional e me concedeu a liberação para cursar o mestrado. Pelo seu enorme conhecimento e experiência em gestão, que me deram a segurança para desenvolver este e outros projetos, assim como pela amizade e confiança. Aos colegas de trabalho da Coordenação de Saúde da AP 3.2, que juntamente comigo dedicaram muitas de suas horas à construção de mapas e limites das áreas de abrangência das unidades e ao estudo do ARCGIS. Ao Rafael Luiz Prado, que dedicou também suas horas preciosas ao ensino das nuances do ARCGIS e da cartografia digital. À Drª Márcia Constância que me trouxe ensinamentos sobre o Programa Saúde da Família e as primeiras noções de território e que contribuiu com dicas importantes na formatação deste trabalho. Ao meu marido, pelas orientações sobre a gestão pública e ao meu filho pela ajuda com as inúmeras tabelas deste estudo. Nada teria o mesmo valor sem vocês na minha vida! RESUMO Esta pesquisa analisa a utilização dos setores censitários do IBGE para o mapeamento territorial das áreas de abrangência de Equipes de Saúde da Família (ESF) e o planejamento de ações em saúde em uma Área de Planejamento (AP) do município do Rio de Janeiro. Para subsidiar esta pesquisa foi feita uma breve discussão sobre o território, sua conceituação e relação com a saúde, foram explicados os conceitos de espaço geográfico e sua influência no campo da saúde, passando pelos setores censitários e suas possibilidades. Também foram abordados alguns modelos de organização territorial que consideram a Atenção Primária como porta de entrada no sistema de saúde e por fim as diretrizes que regem o Programa de Saúde da Família e sua relação com o território. O cenário da pesquisa foi a AP 3.2, por tratar-se de território ainda não mapeado, pois apresentava até o início deste estudo apenas uma ESF. A pesquisa é de natureza quantitativa e exploratória. O primeiro passo metodológico desta envolveu a seleção dos setores censitários correspondentes à AP 3.2 e das variáveis sociodemográficas agregadas a estes. Em seguida, foram desenhadas no programa Google Earth© as áreas de abrangência de oito unidades de saúde da família. Estes desenhos foram convertidos em arquivos shapefile, utilizados em sistemas de informação geográfica, e manipulados através do ARCGIS©. O geoprocessamento dos dados selecionados permitiu a reprodução dos mesmos em mapas temáticos para análise. Os resultados mostram que os setores censitários podem subsidiar tanto o mapeamento quanto o planejamento no PSF. Eles também permitem o intercâmbio de informações entre estes e os dados coletados pelas equipes de saúde, tornando-se importante ferramenta de monitoramento e avaliação do processo de trabalho das ESF. O geoprocessamento e a representação dos dados em mapas permitem a visualização de informações a nível local, aproximando as equipes dos fatores que podem influenciar o processo saúde- doença, e os gestores da rápida tomada de decisão. Palavras - chave: Território, territorialização, Programa Saúde da Família, setores censitários, sistemas de informação geográfica, geoprocessamento, mapas temáticos. ABSTRACT This research analyzes the use of IBGE census tract for the mapping of land areas covered by the Family Health Program and the planning of public health in a Planning Area (AP) in the municipality of Rio de Janeiro. To support this research was done a brief discussion of the territory, its conceptualization and relationship to health, being explained concepts of geographic space and its influence in health, through the census and its possibilities. We also discuss some models of territorial organization to consider primary care as a gateway to the health system and, finally, the guidelines governing the Family Health Program and its relationship with the territory. The scenario of the AP survey was 3.2, because it is still uncharted territory and had until the beginning of this study only one Family Health Team. The research is quantitative and exploratory. The first step of this methodology involves the selection of sectors corresponding to AP 3.2 and sociodemographic variables associated with these areas. Then was drawn on Google Earth © the catchment areas of eight units of family health. These drawings were converted into shapefiles used in geographic information systems and manipulated by ARCGIS ©. The Geographical information system data selected permitted the reproduction of the thematic maps for analysis. The results show that the census tracts can support both the mapping and planning in Family Health Program . Also allows the exchange of information between the Family Health Program and the data collected by the health team, becoming an important tool for monitoring and evaluating the work process as a whole. The geoprocessing and the representation of data in maps allow viewing of the information at local level, approaching the Family Health Program of the factors that can influence the health-disease process, and concomitantly help managers for a rapid decision making. Key - words: Territory, territorialization, Family Health Program, census tracts, and geoprocessing, geographical information system, thematic maps. Lista de quadros e tabelas Tabela 1: População por RA e bairros - AP 3.2 (Censo 2000/Censo 2010)......... 47 Quadro 1 - Rede de serviços públicosda AP 3.2 em dezembro de 2010. .......... 50 Quadro 2 - Clínicas de Saúde da Família projetadas para a AP 3.2 .................... 56 Quadro 3 - Variáveis sobre indicadores sociais da base de informações do Censo Demográfico 2010 – resultados do universo por setor censitário. ......... 61 Lista de figuras Figura 1- Organização territorial de saúde segundo Dawson, Inglaterra, 1920. 31 Figura 2- Agrupamento de Centros de Saúde. Sistema de Saúde de Portugal . 33 Figura 3 - Organização territorial da saúde em Áragon- Espanha ...................... 34 Figura 4 – Mapa com as regiões e microrregiões de saúde do Estado do Rio de Janeiro ..................................................................................................................... 39 Figura 5- Áreas de Planejamento da Saúde do Município do Rio de Janeiro. ... 40 Figura 6- Saúde Presente- Rede de serviços organizada e integrada. .............. 41 Figura 7 - Mapas de georreferenciamento da AP 3.2 ........................................... 46 Figura 8 - Imagem da malha viária principal da AP 3.2 ........................................ 49 Figura 9 - Rede de serviços de saúde pública da AP 3.2 em dezembro de 2010............................................................................................................................51 Figura10 - Representação de dados matriciais ou raster através de uma matriz de células (pixels) cujo valor está demonstrado através das linhas e colunas.54 Figura 11 - Formatos vetoriais básicos reconhecidos por um SIG. ................... 54 Figura 12 - Conjunto de ferramentas do Geoprocessamento ............................. 55 Figura 13 - Setores censitários(1),limites político-administrativos da AP e dos bairros (2), área de abrangência das Clínicas de Saúde da Família (3) e Clínica de Saúde da Família, por equipes e setores censitários (4) ................................ 59 Figura 14 – Malha de setores censitários do IBGE 2010, limite da AP 3.2 e setores censitários ultrapassados na AP 3.3 para o desenho da área de abrangência de uma das CSF ................................................................................ 64 Figura 15 - Setores censitários cuja geometria foi alterada na composição da área de abrangência da CSF Herbert de Souza .................................................... 66 Figura 16 - Setores censitários alterados no desenho na CSF Izabel dos Santos por sua geometria irregular(1) e pela presença do viaduto que cria barreira geográfica(2) ............................................................................................................ 67 Figura 17 – Área de abrangência da CSF Izabel dos Santos e respectivos setores censitários após alterações. ..................................................................... 68 Figura 18 – Mapa dos limites geográficos da CSF Emygdio Alves Costa Filho 69 Figura 19 – Setor censitário alterado 330455705320128, panorama do setor antes da alteração (1) e após a divisão (2) ............................................................ 70 Figura 20 - Setores censitários alterados na CSF Anna Nery ............................. 70 Figura 21 - Setores censitários alterados na composição da área de abrangência da CSF Cabo Edney Canazaro de Oliveira, por equipes ................ 71 Figura 22 - Setores censitários alterados na CSF Anthídio Dias da Silveira ..... 72 Figura 23- Localização geográfica da CSF Barbara Starfield e sua relação com as demais unidades de saúde e com o limite da AP 3.2 ...................................... 73 Figura 24 - Localização geográfica e área de abrangência da CSF Sérgio Nicolau Amim .......................................................................................................... 74 Figura 25 - Mapa da área de abrangência das Clínicas de Saúde da Família por setor censitário e localização geográfica- AP 3.2 ................................................ 75 Figura 26- Mapa da área de abrangência da Clínica de saúde da Família Herbert de Souza, por equipes e por setor censitário ....................................................... 76 Figura 27 - Mapa da CSF Herbert de Souza - demografia por setor censitário do IBGE 2010 em números absolutos ........................................................................ 78 Figura 28 - Área de abrangência da CSF Izabel dos Santos, por equipes e setores censitários, representadas no Google Earth©(1) e no ArcGis©(2) ....... 79 Figura 29- Mapa da área de abrangência da Clínica de Saúde da Família Emydgio Alves Costa Filho, por equipes e por setor censitário ......................... 81 Figura 30- População de Idosos na CSF Emydgio Alves Costa Filho por setores censitários ............................................................................................................... 82 Figura 31 - Domicílios com rede geral de esgoto e banheiro exclusivo dos moradores na CSF Emygdio Alves Costa Filho ................................................... 83 Figura 32 - CSF Anna Nery- área de abrangência por equipes ........................... 84 Figura 33 - Pessoas alfabetizadas por setor censitário na área de abrangência da CSF Anna Nery ................................................................................................... 85 Figura 34– Área de abrangência da Clínica de Saúde da Família Cabo Edney Canazaro de Oliveira ............................................................................................... 86 Figura 35 - Percentual de alfabetizados. por setores censitários na CSF Cabo Edney Canazaro de Oliveira ................................................................................... 87 Figura 36 – Área de abrangência da Clínica de Saúde da Família Anthídio Dias da Silveira ................................................................................................................ 88 Figura 37 - Densidade demográfica dos menores de cinco anos na CSF Anthídio Dias da Silveira. ....................................................................................... 89 Figura 38 - Área de abrangência da CSF Bárbara Starfield ................................. 90 Figura 39 – Moradores por domicílio da Clínica de Saúde da Família Bárbara Starfield, por setor censitário ................................................................................. 91 Figura 40 - Área de abrangência da CSF Sérgio Nicolau Amin ........................... 92 Sumário 1. Introdução 17 2. Território e organização espacial para a saúde 20 2.1. Território – conceituação 20 2.2. O território e a saúde 23 3. Espaços geográficos e a saúde 25 3.1. Setores censitários 28 4. Organização territorial na saúde 30 4.1 Informe Dawson 30 4.2. Organização territorial no mundo 31 4.3. Organização territorial brasileira 35 4.4. Organização territorial no Estado e Município do Rio de Janeiro 38 5. Território e Saúde da Família 42 6. Objetivos e métodos 45 6.1 Objetivos 45 6.1.1 Objetivo Geral 45 6.1.2 Objetivos específicos 45 6.2. Métodos e procedimentos 45 6.2.1. Natureza do estudo 45 6.2.2. Cenário 46 6.2.3. Procedimentos 52 6.2.4. Amostra 56 6.2.5. Mapeamento das áreas das ESF 57 6.2.6. Variáveis selecionadas do Censo Demográfico 59 7. Resultados 63 7.1. Utilização dos setores censitários para a territorialização do PSF 63 7.2. Delimitação dos territórios das ESF levando em consideração os objetos geográficos 65 7.3. Análise espacial de variáveis sócio demográficas dos territórios das CSF 74 7.4. Compatibilização dos setores censitários e territórios do PSF 94 Discussão 95 Considerações finais 98 Referências bibliográficas 100 APÊNDICE 1- Variáveis sociodemográficas selecionadas do banco de dados do IBGE para as clínicas de saúde da família 113 APÊNDICE 2– Consolidado dos dados dos setores censitários por CSF 122 ANEXO I – Indicadores de Saúde por Área Programática no Município do Rio de Janeiro em 2010 - Dados parciais sujeitos a revisão 123 Lista de abreviaturas e siglas ACES- Agrupamentos de Centros de Saúde AMQ – Avaliação para Melhoria da Qualidade AP – Área de Planejamento CAP – Coordenação(Coordenadoria) de Área Programática CCAA – Comunidades Autônomas CEO – Centro de Especialidades Odontológicas CIT – Comissão de Intergestores Tripartide CMS – Centro Municipal de Saúde CSF – Clínica de Saúde da Família DHN – Diretoria de Hidrografia e Navegação DSG – Diretoria de Serviços Geográficos do Exército ESB – Equipe de Saúde Bucal ESF – Equipe de Saúde da Família IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICA – Instituto de Cartografia da Aeronáutica ICICT - Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) IDH – Índice de Desenvolvimento Humano KML – Keyhole Markup Language INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais MS – Ministério da Saúde NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família NOAS – Norma Operacional de Atenção à Saúde OMS – Organização Mundial de Saúde OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde PNAB – Política Nacional da Atenção Básica PCRJ – Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro PDR – Plano Diretor Regional PDI - Plano Diretor de Investimento PMS – Plano Municipal de Saúde PPA – Plano Plurianual para a Saúde PSF – Programa Saúde da Família RA – Região Administrativa RAS – Rede de Atenção à Saúde SHP - Shapefile SIAB – Sistema de Informações da Atenção Básica SIG – Sistema de Informações Geográficas SILOS – Sistemas de Saúde Locais SIM – Sistema de Informações sobre Mortalidade SINAN – Sistema de Informações sobre Agravos de Notificação SINASC – Sistema de informações sobre Nascidos Vivos SMSBH – Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte SMSDC – Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil SNS – Serviço Nacional de Saúde SUS – Sistema Único de Saúde TEIAS – Território Integrado de Atenção à Saúde TRS – Terapia Renal Substitutiva UAG – Unidade de Apoio à Gestão UAPS – Unidade de Atenção Primária de Saúde UCC – Unidade de Cuidados na Comunidade UPA – Unidade de Pronto Atendimento UPP – Unidade de Polícia Pacificadora URAP – Unidade de Recursos Assistenciais Partilhados USCP – Unidade de Cuidado de Saúde Personalizado USF – Unidades de Saúde Familiar USP – Unidade de Saúde Pública UTM - Universal Transversal de Mercator (Projeção) 17 1. INTRODUÇÃO Território e vinculação de uma determinada população a um grupo de profissionais de saúde são idéias centrais do Programa Saúde da Família1 (PSF), o reconhecimento do território e das características demográficas e epidemiológicas da população que vive no mesmo é essencial para a operacionalização das ações das Equipes de Saúde da Família (ESF) (BRASIL, 2006b, 2006c). As ESF levantam e mantêm atualizado um cadastro de informações sobre a população por elas atendidas, o Sistema de Informações da Atenção Básica2 (SIAB). Ao mesmo tempo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) disponibiliza todas as informações censitárias por setores, que são unidades territoriais para a organização do trabalho de recenseamento (BRASIL,2003; IBGE,2011). Desta forma é possível se pensar numa integração entre as informações do cadastramento das ESF com as do IBGE, o que pode enriquecer o conhecimento da realidade local para um melhor planejamento das ações. O presente estudo pretende analisar os aspectos que devem ser considerados no mapeamento territorial para a delimitação de áreas de atuação das ESF e desenvolvimento de ações das mesmas levando em conta os setores censitários do IBGE na busca da integração de informações dos diversos sistemas para subsidiar o planejamento e a gestão do Saúde da Família. Quando teve início esta pesquisa, o PSF, na Cidade do Rio de Janeiro, ainda não considerava os setores censitários ao definir as áreas e micro-áreas de atuação das ESF, embora toda a regionalização administrativa – bairros, Regiões Administrativas e Áreas de Planejamento tenham como base os setores censitários do IBGE. A Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro 1 Nesta pesquisa optou-se por utilizar a nomenclatura Programa Saúde da Família, em acordo com a legislação vigente e o termo estratégia para referir-me ao PSF como estratégia política de reestruturação do modelo assistencial na Atenção Básica da Saúde, embora a portaria nº 2488 de 21 de outubro de 2011 já utilize o termo Estratégia Saúde da Família. 2 Atenção Básica-é o termo mais utilizado no Brasil, embora para a Organização Mundial de Saúde (OMS), Organização Pan Americana de Saúde (OPAS) e demais países a denominação seja Atenção Primária. 18 (SMSDC) divide seu território em dez Áreas de Planejamento (AP) ligadas administrativamente a esta através das Coordenadorias de Área Programática (CAP). Esta divisão do município respeita os setores censitários tornando possível a compatibilização de informações. Para a pesquisa, o cenário escolhido foi uma destas áreas de planejamento - a AP 3.2.(PCRJ, 2009) que apresentava até o momento do início deste projeto, em março de 2010, apenas 1 ESF, mantendo unidades de saúde tradicionais, que não trabalhavam com territorialização e adscrição de clientela. Não havia, portanto, um mapeamento territorial que acompanhasse as diretrizes do PSF. Com a proposta da SMSDC de expansão do programa na nossa cidade, no entanto, tornava-se necessário conhecer e delimitar territórios para o planejamento e atuação das equipes de Saúde da Família(PCRJ, 2009). De acordo com informações colhidas na AP 3.2 estimava-se que até o mês de dezembro de 2011 fossem implantadas 72 equipes de saúde da família e 23 equipes de saúde bucal, o que corresponderia a 50% de cobertura da população pelo PSF. O tema foi escolhido pela importância da territorialização no processo de implantação do PSF, pelo meu vínculo profissional com a AP 3.2 e pelo desejo de conhecer melhor este território para apoiar o estabelecimento de limites, planejar e gerir as ações das ESF. Diante do pressuposto que existe a necessidade de conhecer os territórios de atuação das ESF e suas características locais, e que o cenário escolhido não foi mapeado, mas necessita de definição de territórios para a atuação e planejamento das ESF, faz-se necessário responder aos seguintes questionamentos: os setores censitários podem representar a base para este mapeamento? Que informações eles nos trazem para subsidiar o planejamento no PSF? Este estudo pretende trazer informações que poderão contribuir para a territorialização da AP 3.2, assegurando a compatibilização entre setores censitários do IBGE, áreas e micro-áreas do PSF e demais fontes sobre a Cidade do Rio de Janeiro através do Geoprocessamento, ferramenta metodológica que será 19 apresentada durante o estudo. Também fornecerá mapas e shapefiles3 das áreas de atuação das ESF, com informações que poderão ser rapidamente visualizadas para auxiliar a gestão e o processo de trabalho das mesmas. Espero que o estudo possa também servir como subsídio para a implantação de ações do PSF em outras áreas. Para melhor entendimento do tema, este trabalho dedicará um capítulo para reflexão sobre o conceito de território e argumentação teórica. Serão abordados os vários conceitos de território e suas interpretações sob a visão de diversos autores, enquanto espaço de produção de saúde-doença. Também serão explicitados os vários objetos geográficos de interesse no campo da saúde e o motivo do reconhecimento destes para o mapeamento territorial. Em seguida, serão apresentadosalguns modelos de organização territorial propostos, passando pela Inglaterra (Dawson), Portugal, Espanha , Brasil e o modelo atualmente adotado para o município do Rio de Janeiro. E, por fim, os princípios e diretrizes que regem o PSF e suas relações com o território. Em seguida serão detalhados os passos metodológicos deste estudo, os resultados, a discussão e as referências bibliográficas. 3 Shapefiles- constituído por um conjunto de 3 arquivos com diferentes funções e tem a propriedade de permitir a identificação espacial de dados de uma tabela. 20 2. TERRITÓRIO E ORGANIZAÇÃO ESPACIAL PARA A SAÚDE 2.1. Território – conceituação Trata-se de um termo interdisciplinar, que pode ser aplicado na Biologia (etologia), Ciência Política (Estado), Antropologia (territorialidade), que, desde sua origem até a sua prática está diretamente relacionado com relações de poder(MONKEN et al, 2008). O termo território pode ser associado à pelo menos duas origens: a primeira significa “terra pertencente a”, ou seja, terri (terra) e torium (pertencente a), de origem latina; a segunda, associada à primeira, terreo-territor (aterrorizar- aquele que aterroriza) designou a concepção política de quem aterroriza para dominar e de quem é aterrorizado pelo domínio de uma determinada porção do espaço (HAESBAERT, 2004b; MESQUITA, 1995 apud PEREIRA e BARCELLOS, 2006, p. 48). Vêm da medicina hipocrática, as primeiras explicações sobre os processos saúde-doença e sua relação com a natureza. Em seu livro Ares, Águas e Lugares, Hipócrates atribui ao clima, o solo, a água, o modo de vida e a nutrição como responsáveis pela endemicidade de determinadas doenças, o que orientou atitudes e organização das comunidades gregas no sentido da prevenção das doenças (BATISTELLA, 2007). Estes conhecimentos foram incorporados pelo Império Romano e perduraram até sua queda. Com o fortalecimento da Idade Média e a difusão da igreja católica, (...) “as ciências eram consideradas blasfêmias diante do evangelho” (SCLIAR, 2002 apud BATISTELLA, 2007, p.34). Só a partir do Renascimento, valores como “localização, especificidade e intervenção” foram introduzidos no pensamento médico (CZERESNIA, 1997:60-61 apud BATISTELLA, 2007, p.39). Foi a partir de 1854, quando John Snow descobriu que a cólera estava relacionada com a qualidade da água com base em sua análise territorial da ocorrência dos casos da doença, que o estudo do território se mostrou fundamental para o planejamento das ações de saúde (MEDRONHO, 2002). Existem, entretanto, várias interpretações sobre o termo, quando aplicado à saúde. A tendência de diversos autores (BARCELLOS, 2003; HAESBAERT, 2004b apud BORDO et al, 2004, p.3; MENDES, 1999; PEREIRA e BARCELLOS, 2006; SANTOS apud Bordo, 2004 dentre outros) é a de entender território não apenas 21 como uma delimitação de fronteiras físicas, mas um espaço onde se definem problemas, necessidades e insatisfações. Logo, espaço de produção da vida e, por conseguinte da saúde. Um dos pioneiros na abordagem de território foi Claude Raffestin,1993, que em sua obra ele destaca o caráter político-administrativo do território, ou seja, território nacional, espaço físico de uma nação e revela em sua construção relações marcadas pelo poder. De acordo com o autor, toda relação de poder desempenhada por um sujeito no espaço produz um território (RAFFESTIN, 1993, apud BORDO et al, 2004). A intensidade e a forma da ação de poder nas diferentes dimensões do espaço originam diferentes tipos de territórios(GIRARDI, 2008) O território está sempre relacionado a uma área delimitada onde a vida acontece, submetida a certas inter-relações, regras ou normas (MONKEN e BARCELLOS, 2007). Um exemplo são os territórios criados para fins administrativos pelos governos. No caso brasileiro, o território nacional é a República Federativa do Brasil; os territórios estaduais são representados pelos 26 estados e um Distrito Federal. O objetivo desta fragmentação é facilitar a governabilidade. Os municípios (mais de 5.500) são fragmentações dos estados com a mesma finalidade, ou seja, dar-lhes maior autonomia administrativa (MONKEN e BARCELLOS, 2007). “Hierarquia, nesse caso, não quer dizer mando, e sim uma articulação entre níveis de governo, cada um com sua escala de atuação e de responsabilidade” (MONKEN e BARCELLOS, 2007 p. 187). Esta idéia pode ser discutível, pois a legislação brasileira apresenta hierarquias, ou seja, a legislação estadual obedece à federal e a municipal obedece a ambos, os estados podem sofrer intervenção federal e os municípios podem sofrer intervenção estadual (BRASIL, 1988). Já na abordagem de Marcelo Lopes de Souza, o território é político e também cultural, a partir do momento em que grupos sociais estabelecem relações de poder formando territórios de conflitos por diferenças culturais (SOUZA, 2001 apud BORDO et al,2004). Haesbaert (2004b, apud PEREIRA e BARCELLOS, 2006) aponta quatro vertentes utilizadas na Geografia para a interpretação de território: o olhar político que se refere às relações de espaço-poder em geral ou relações institucionalizadas. 22 O olhar cultural, onde território é visto como produto da apropriação de um grupo em relação ao espaço vivido. Há também a dimensão espacial nas relações econômicas e o território naturalista, que se baseia nas relações entre a sociedade e a natureza. Segundo Mendes, o território é “um espaço em permanente construção, produto de uma dinâmica social onde se tensionam sujeitos sociais postos na arena política” (MENDES et al, 1999, p.166). Reforça-se, então a concepção de território- processo que além de um território-solo é um território econômico, político, cultural e epidemiológico, configurando uma realidade de saúde sempre em movimento, nunca pronto (MENDES, 1999). Outro autor que fez importantes contribuições para a construção do conceito de território foi o geógrafo Milton Santos. Para ele, o território adota espacialidades particulares, conforme o movimento da sociedade (território vivo), em seus múltiplos aspectos: sociais, econômicos, políticos, culturais e outros (SANTOS, 2002a, apud BORDO ET AL, 2004). Para Santos (2000, apud DI LAURO, 2009, p.8), o conceito de território constitui-se [...] chão da população, isto é, sua identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele influi (SANTOS, 2000, p.96) Di Lauro (2009) comentando a visão de Santos, cita o território como: “cenário onde os sentimentos de pertencimento e/ou identidade estão atrelados ao que as pessoas sentem em relação aos territórios em que vivem. O território aqui é, portanto, o cenário de produção e reprodução do trabalho, das manipulações culturais, materiais e espirituais” (DI LAURO, 2009, p.8). O relatório final da VIII Conferência Nacional de Saúde, 1986, também traz no conceito ampliado da saúde, a necessidade de reorganização das práticas de saúde, englobando todos os determinantes e condicionantes do processo saúde- doença, se expandindo para além da doença, dos doentes, dos modos de transmissão e dos fatores de risco, enfatizado no seguinte trecho: Em sentido amplo, a saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de terra e acesso aos serviços de saúde. Sendo assim, é principalmente resultado das formas de organização social, de produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida (BRASIL, 1986:4). 23 A proposta deste relatório implicou não somente na reorganização do trabalho na saúde como também no reconhecimento do território de atuação destes profissionais concluindo quea investigação histórica da ocupação, das características físicas, socioeconômicas e culturais do território, da disposição e qualidade dos equipamentos e serviços de saúde, do perfil epidemiológico e dos principais problemas da comunidade representa um passo fundamental para a solução dos problemas desta população (BATISTELLA, 2007). De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, 2003, o território é o elemento fundamental no planejamento e operacionalização de ações em saúde, e para fins organizacionais seus limites devem ser precisos e claros(SMSBH,2003). Reunindo a visão dos diversos autores, entende-se que para a organização dos processos de trabalho locais em saúde, é importante o reconhecimento dos territórios e seus contextos de uso, pois neles os sujeitos interagem, assim como os problemas de saúde e as ações intersetoriais acontecem. 2.2. O território e a saúde Trazendo todos estes conceitos sobre território para o Sistema Único de Saúde (SUS), a afirmação de Christovan Barcellos de que “todos os grandes princípios do Sistema Único de Saúde têm um reflexo no território” (BARCELLOS, 2009, p.23) nos faz pensar sobre a importância da compreensão de território. Na concepção do autor, “universalização, descentralização e integralidade estão diretamente relacionadas à idéia de território” (BARCELLOS, 2009, p.23). A universalização acontece quando se delimitam áreas com unidades básicas de saúde, que atendam a toda a população. A descentralização acontece na medida em que as áreas de saúde se organizam em rede, por exemplo, possuindo em uma determinada área hospitais para referência nos casos mais complexos. A divisão em pequenos territórios possibilita a integração de ações intersetoriais.Tudo isto garante também a integralidade do cuidado(BARCELLOS, 2009). A base estruturante do SUS vem do movimento de Reforma Sanitária Brasileira, nos anos 70-80, que mostrou a necessidade de melhor distribuição de recurso e serviços de saúde no território nacional. Como conseqüência , em 1988, a 24 Constituição Brasileira cria o SUS, que tem como princípios a equidade, a universalidade e a integralidade, e como diretrizes a regionalização e descentralização dos serviços para os municípios (GONDIN et al, 2008). Neste momento surge a necessidade de se conhecer os problemas de saúde de cada área, a noção de território e base territorial de abrangência para as ações de saúde (GONDIN et al, 2009). Avançando um pouco na história, é lançado pelo Ministério da Saúde (MS), em 2006 o Pacto pela Saúde, que proporcionou a consolidação de alguns marcos conceituais da regionalização, tais como a territorialização: A territorialização consiste no reconhecimento e na apropriação, pelos gestores, dos espaços locais e das relações da população com os mesmos, expressos por meio dos dados demográficos e epidemiológicos, pelos equipamentos sociais existentes (tais como associações, igrejas, escolas, creches etc.), pelas dinâmicas das redes de transporte e de comunicação, pelos fluxos assistenciais seguidos pela população, pelos discursos das lideranças locais e por outros dados que se mostrem relevantes para a intervenção no processo saúde/doença – como o próprio contexto histórico e cultural da região(BRASIL, 2006, v. 3, p.15). Desta forma, a territorialização se coloca como “uma metodologia capaz de gerar mudanças no modelo assistencial e nas práticas de saúde vigentes”, (BARCELLOS, 2009) na medida em que possibilita o reconhecimento dos contextos de vida, das singularidades da vida pessoal, dos problemas e das necessidades de saúde de um determinado território. Sendo assim O ponto de partida para a organização do trabalho das ações de vigilância em saúde é a territorialização do sistema local de saúde, isto é, o reconhecimento e o esquadrinhamento do território segundo a lógica das relações entre condições de vida, ambiente e acesso às ações e serviços de saúde (TEIXEIRA; PAIM & VILLASBÔAS, 1998 apud MONKEN e BARCELLOS, 2007, p. 216). As ações de saúde devem, portanto, ser guiadas pelas especificidades dos territórios, pois isto garante maior proximidade com a realidade local que produz os problemas de saúde, nos diversos lugares onde a vida acontece. Devido às diferentes formas de se apropriar do território, no próximo item iremos destacar os espaços geográficos de interesse para a saúde. 25 3. ESPAÇOS GEOGRÁFICOS E A SAÚDE Para a compreensão de que território e espaço geográfico são indissociáveis, há necessidade de entendimento do significado de espaço geográfico, pois existem inúmeras definições sobre o termo, a começar pela própria definição de espaço. Como esta pesquisa pretende utilizar-se de representações computacionais do espaço (geotecnologias), alguns conceitos devem estar esclarecidos. O território é formado a partir do espaço, e deve ser estudado a partir deste, levando-se em conta as relações de poder ali existentes(GIRARDI, 2008). O ponto de partida de diversos autores geógrafos para definir o conceito de espaço geográfico vem da obra de Henri Lefebvre The production of space (La production de l’espace) (1992 [1974]). Lefebvre trabalha com um conceito de espaço social e os autores geógrafos utilizaram este conceito para propor o conceito de espaço geográfico. Na proposta do autor, o espaço compreende as relações sociais e não apenas o espaço físico. Ele destaca três elementos como necessários à produção do espaço: o social (o que é percebido pelos indivíduos), o representado (por cientistas, engenheiros, planejadores) e o representacional (o que realmente é vivido pelos indivíduos)(GIRARDI, 2008). Lefebvre também reconhece dois tipos de relações sociais neste espaço: as de reprodução (bio-psicológicas) e as de produção, sendo a última a determinante da produção do espaço, ou seja, cada modo de produção tem uma influência na produção espacial(GIRARDI, 2008). Segundo o geógrafo e pensador Milton Santos o espaço geográfico é formado por uma associação entre sistemas de objetos (formas) e ações (funções). Os sistemas de objetos são os dados espaciais e as ações são o que moldam a estrutura do espaço(GIRARDI, 2008). De acordo com uma das definições contidas no dicionário Aurélio, objeto é “tudo que é perceptível por qualquer dos sentidos” (FERREIRA, 2000, p.492). Segundo os autores Peiter, Barcellos,Rojas e Gondim “geralmente pensamos nos objetos como coisas pequenas, mas uma casa, uma fábrica, uma plantação ou até mesmo uma cidade podem ser considerados objetos geográficos”(PEITER,2006, p. 14) 26 Ainda de acordo com Milton Santos, os objetos, que em conjunto com as ações formam o espaço geográfico “são tudo o que existe na superfície da terra4, toda herança da história natural e todo resultado da ação humana que se objetivou” (PEITER, 2006, p. 14). Para ele, a realidade geográfica não trata apenas de mapas coloridos, mas também das ações e processos, componentes fundamentais para quem toma decisões (SANTOS e SILVEIRA, 2003). Para análise do espaço geográfico, Santos propõe as seguintes categorias: A paisagem, a configuração territorial [ou configuração espacial], a divisão territorial do trabalho, o espaço produzido ou produtivo, as rugosidades e as formas-conteúdo. Há também a necessidade de estudar os recortes espaciais a partir de temas como o da região e do lugar, o das redes e das escalas (SANTOS 2002 [1996] p.22 apud GIRARDI, 2008). É neste espaço que se verifica a interação populações-serviço, e por isto torna-se relevante conhecer seu perfil demográfico, socioeconômico, epidemiológico, administrativo, tecnológico, político, social e cultural (MENDES, 1993; BARCELLOS e ROJAS 2004 apud GONDIN, MONKEN et al, 2008). O estabelecimento desta base territorial é um passo essencial para a caracterização da população e seus problemas de saúde (MONKEN e BARCELLOS, 2005).A primeira forma de se buscar um sistema equitativo em saúde é a de se reconhecer as diferenças regionais, e estabelecer espaços delimitados geograficamente, com características semelhantes (UNGLERT, 1999). Na concepção de Mendes, a estruturação de redes de atenção à saúde necessita da territorialização, do cadastramento de famílias, da classificação dos riscos sócio- sanitários destas e vinculação desta população adscrita a uma Unidade de Atenção Primária à Saúde – UAPS (MENDES, 2009a). De acordo com a proposta de Unglert, os objetos geográficos de interesse são os distritos sanitários, que dependem de critérios político-administrativos para o seu estabelecimento. Geralmente correspondem a uma região administrativa municipal. As áreas de abrangência correspondem às áreas de responsabilidade de uma unidade de saúde , que baseiam-se em critérios de acessibilidade geográfica e de fluxo da população. Essas áreas devem se constituídas por conglomerados de setores censitários. As microáreas de risco são áreas de perfil 4 Grifo meu 27 epidemiológico específico e ações de saúde também específicas. Devem ser usados novamente os conglomerados por setores censitários. E o domicílio que possibilita a adscrição de clientela, favorece o estabelecimento de ações de controle de saúde, visando prioridades (UNGLERT, 1999). Ainda de acordo com a autora, considerando a acessibilidade aos serviços de saúde, outros objetos devem ser identificados: o geográfico, o funcional, o cultural e o econômico. Como objetos geográficos devem ser considerados a distância a ser percorrida e os obstáculos a serem transpostos pelos usuários até as unidades de saúde. Como funcional o tipo de serviço de saúde oferecido, seu horário de funcionamento e sua qualidade. Como cultural, se os serviços de saúde estão incorporados aos hábitos e costumes da população. E o econômico, quando se considera se todos os serviços de saúde estão disponíveis a todos os usuários(UNGLERT, 1999). Os obstáculos naturais ou aqueles gerados pela ocupação urbana, que provocam uma orientação de fluxo populacional são as barreiras geográficas ou naturais e também devem ser considerados objetos neste estudo do espaço/objeto geográfico (UNGLERT, 1999). Informações sobre densidade populacional (concentração de pessoas em um dado espaço ou território), dados sociodemográficos (idade, escolaridade, condição de emprego, renda, abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo, número de banheiros e cômodos do domicílio) são extremamente úteis para se conhecer o perfil da população de uma determinada área. Sua compreensão e uso servem para orientar a tomada de decisão, a definição de processos de investigação e propostas de intervenção (PEITER et al, 2006). [...] Assim, todo espaço geográfico populacional, portará história: ecológica, biológica, econômica, comportamental, cultural, em síntese, social que inevitavelmente irá orientar o conhecimento do processo saúde-enfermidade [...] (ROJAS, 1998, apud PEITER et al, 2006). Para este estudo, será adotada a visão do espaço geográfico que necessita ser entendido de acordo com suas características geográficas, econômicas, sociais, sanitárias, culturais, assim como a malha viária, a rede de serviços e a 28 acessibilidade aos mesmos. A maior parte destes espaços serão referenciados em mapas através do Geoprocessamento5. 3.1. Setores censitários Todos os dados coletados sobre indivíduos e domicílios são consolidados por área pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a cada CENSO. A área mínima é o setor censitário (área sob responsabilidade de cada recenseador que abrange um conjunto médio de 300 domicílios particulares, em área contínua) Estes são agregados em bairros, distritos, municípios, estados e país, sucessivamente (GRANDO, 2006). Desta forma, todo o Brasil é coberto por um mosaico de setores censitários. Os setores censitários são a unidade territorial estabelecida pelo IBGE, obedecendo a critérios de operacionalização da coleta de dados, de tal maneira que abranjam uma área que possa ser percorrida por um único recenseador em um mês e que possua em torno de 250 a 350 domicílios (em áreas urbanas)(ICICT, 2011). Para a coleta de informações, o território nacional é compartimentado em pequenas áreas geográficas denominadas setores censitários, que são a unidade básica de coleta. Para o Censo 2010 foi construída uma Base Territorial a partir da qual o País foi dividido em cerca de 316 mil setores censitários e utilizou como data de referência para sua coleta de dados a noite de 31 de julho para primeiro de agosto. Pessoas nascidas a partir desta data não foram incluídas no censo (IBGE, 2011a). O maior número de informações coletadas sobre os setores censitários para este trabalho foi disponibilizado pela página do IBGE, de domínio público na internet. De acordo com o órgão, uma das principais utilizações dos resultados censitários é a de: [...] identificar áreas de investimentos prioritários em saúde, educação, habitação, transporte, energia, programas de assistência à infância e à velhice, possibilitando a avaliação e revisão da alocação de recursos do Fundo Nacional de Saúde (FNS), do Fundo Nacional de Educação (FNE) e de outras fontes de recursos públicos e privados (IBGE, 2011). 5 Geoprocessamento - “conjunto de técnicas de coleta de dados, tratamento e exibição de informações referenciadas em um determinado espaço geográfico.” (MEDRONHO, 2002) 29 Os agregados por setores censitários contém informações geradas a partir dos microdados do Censo sobre a população residente por sexo e sobre os domicílios particulares ocupados e não ocupados, em área urbana e rural, como seu tipo e condição de ocupação, para todos os setores censitários do Brasil.Também contêm informações sobre os domicílios, como abastecimento de água e esgotamento sanitário; sobre a população e os responsáveis pelos domicílios; e dados de alfabetização, reunidos no tema população e condições de vida, para os distritos-sede dos municípios. A cartografia destes censos se dá através de mapas municipais, de localidades urbanas e de setores censitários. Cada município e localidade brasileiros têm mapas com a representação destes setores - são os mapas municipais para fins estatísticos. Estes mapas estatísticos estão disponíveis em papel e em CD-ROM, para a maioria dos municípios, em projeção UTM, e escalas que variam de 1: 50 000 a 1: 250.000. As informações agregadas aos setores censitários, juntamente com sua cartografia pode permitir o acesso a dados de vital importância para o planejamento em saúde. Além disso, os agentes comunitários e os agentes de vigilância em saúde têm a possibilidade de penetração em todas as camadas do território, o que torna viável o mapeamento de áreas carentes, favelas e invasões. Estas informações do setor saúde podem oferecer às instituições locais de cartografia a possibilidade de atualização e complementação de mapas. Em contrapartida estas instituições poderiam conceder o acesso às bases cartográficas de outros dados de interesse para a saúde (MAGALHÃES et al, 2006). No próximo capítulo, apresentaremos diferentes modelos de organização territorial na saúde, de forma a atender características demográficas, econômicas e sociais. A escolha destes modelos deve-se a similaridade do modelo de atenção primária adotada com o modelo de saúde implantado na cidade do Rio de Janeiro – o Saúde Presente. 30 4. ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL NA SAÚDE 4.1 Informe Dawson A discussão sobre a reorganização de práticas em saúde através de um território definido surge, pela primeira vez, com o estudo realizado por Bertrand Dawson, na Inglaterra, em 1920- o Informe Dawson. Nele,o autor propôs a delimitação de bases territoriais e de população-alvo, níveis de complexidade distintos e interligados em rede, dando prioridade à Atenção Primária para a organização do sistema de saúde inglês(OLIVEIRA, 2005; RODRIGUES e SANTOS, 2009). De acordo com o Informe Dawson, a organização de um determinado território se daria através da integração de serviços domiciliares a centros primários, secundários e terciários de saúde, preventivos e terapêuticos voltados a uma determinada população, cuja porta de entrada seria o centro primário de saúde, onde os usuários seriam atendidos por médicos generalistas. Estes eram os responsáveis pelo percurso do paciente pelo sistema de saúde. Os centros de saúde localizavam-se em vilas, e estariam ligados a centros secundários de atenção, de maior complexidade. Quando não houvesse a capacidade de resolução do caso neste, o paciente então seria referenciado para um hospital. A organização de saúde necessitaria de uma autoridade que unificasse o controle local sobre todos os serviços de saúde, fosse ela uma liderança local ou contratada para tal. O mais importante seria que esta autoridade mantivesse a integração e a coordenação do cuidado de saúde daquele território.Propunha também que fossem respeitadas as necessidades locais da população. Assim, os centros primários de saúde teriam tamanhos e complexidade variados, de acordo com a região a ser atendida. A seguir está a representação do modelo de organização dos serviços de saúde proposto por Dawson, que apresenta uma distribuição de rede de atenção, com vários níveis e em território definido(Figura1). Neste esquema percebemos que os Centros de Atenção Secundária estão alocados em um nível intermediário entre os Centros de Atenção Primária e o hospital. 31 Figura 1- Organização territorial de saúde segundo Dawson, Inglaterra, 1920. Centros de Atenção Primária Hospitais de Ensino Centros de Atenção Secundária Serviços Suplementares Serviços Domiciliares Fonte: Adaptado de Rodrigues (op. cit., p.49) Observa-se, portanto, que porta de entrada, regiões e níveis de complexidade, vínculo, coordenação pela Atenção Primária e mecanismos de integração já eram abordados e claramente definidos neste relatório, de 1920, e continuam sendo conceitos ainda hoje discutidos (KUSCHNIR et al, 2010). 4.2. Organização territorial no mundo Os sistemas de saúde de diversos países, na busca pela oferta mais equânime de serviços, melhor qualidade e menor custo, tem se organizado de forma a atender às características demográficas e econômicas locais (SHORTELL, 1994). De acordo com Kuschnir e Chorny , 2010: Quaisquer que sejam os mecanismos ou instrumentos utilizados devem estar sempre respaldados por uma política de Estado que impulsione as redes como estratégia fundamental para o alcance de serviços de saúde mais acessíveis e integrais, apoiada em um referencial jurídico coerente (KUSCHNIR E CHORNY, 2010, p. 2314). Os sistemas de saúde apresentam vários elementos comuns, tais como agências locais ou regionais de regulação do sistema de saúde, utilização de 32 contratos de gestão entre governos e agências e entre estas e as unidades de saúde, autonomia administrativa e financeira das unidades de saúde, monitoramento e avaliação de acordo com indicadores de desempenho e capacidade de intervenção por parte das agências nas unidades de saúde (RODRIGUES, 2009). Alguns destes modelos distintos de organização territorial serão abordados ao longo desta seção. No início dos anos 70, Portugal foi um dos primeiros países europeus a adotar uma estratégia de atenção primária integrada através de uma rede pública de Centros de Saúde com enfermeiros, médicos de família e médicos de saúde pública (PISCO, 2008, 2010). Ao longo dos anos, este sistema sofreu algumas modificações com reconfiguração dos Centros de Saúde e implementação das unidades de saúde da família (PORTUGAL, 2005). As Unidades de Saúde da Família são formadas por equipes multiprofissionais, compostas por 3 a 8 médicos de família, por um mesmo número de enfermeiros de família e profissionais administrativos, responsáveis por cerca de 4.000 a 14.000 pessoas. Estas equipes dispõem de autonomia técnica, funcional e organizacional, e um sistema de pagamento misto, (capitação/salário/metas), incentivos financeiros e profissionais pagos por desempenho, e, sobretudo, pela qualidade do serviço prestado(PISCO, 2010). Estas USF estão agrupadas em Centros de Saúde (ACES) que também contam com unidades que prestam atendimentos personalizados (UCSP), unidades de ações em saúde pública (USP) e por unidades de intervenções na comunidade (UCC). Estes ACES estão ligados em rede com USP e Unidades de Recursos Assistenciais Partilhados (URAP) e Unidades de Apoio à Gestão (UAG) . Com este tipo de reorganização, o sistema de saúde de Portugal tem obtido mais eficiência, mais acessibilidade, melhor clima de trabalho, maior satisfação dos cidadãos e mais qualidade (PISCO, 2010). Na Figura 2, a seguir, está demonstrada a organização do sistema de saúde de Portugal, com suas USF, UCC, UCSP e USP e URAP. Como pontos positivos deste sistema destacam-se uma boa cobertura em nível nacional, termos de referência bem definidos, desenvolvimento de uma cultura sobre cuidados primários em saúde e excelentes cursos de pós-graduação(PISCO, 2008). 33 Figura 2- Agrupamento de Centros de Saúde. Sistema de Saúde de Portugal Fonte: A Reforma da Atenção Primária. Apresentação feita na ENSP, Rio de Janeiro, setembro de 2010. Com relação aos indicadores de saúde, o aumento da expectativa de vida, a diminuição do número de leitos hospitalares, o aumento do gasto público com a saúde e a redução da mortalidade infantil são importantes mudanças ao longo dos anos desta reforma da atenção em Portugal (PISCO,2010). Outro tipo de sistema de saúde a ser mencionado é o da Espanha, fundamentado na Constituição Espanhola, de 1978 e na Lei nº 14, de 1986 que definiu seus princípios e diretrizes. O Sistema Nacional de Saúde (SNS) da Espanha é formado por serviços de saúde do governo central (Estado) e pelos serviços de saúde das Comunidades Autônomas (CCAA). As CCAA são responsáveis pelo planejamento de saúde, pelas ações de saúde pública e de assistência à saúde de um determinado estado ou província. Já o Sistema Nacional de Saúde responde pela coordenação geral da saúde. O SNS e as CCAA reúnem-se num Conselho Interterritorial, representado por ministros da saúde e dirigentes de saúde das CCAA, 4 vezes por ano e tomam decisões por consenso (SILVA, 2011). O território é dividido em 158 áreas de saúde, 2679 zonas básicas, 2913 centros de saúde, 10178 consultórios locais, 248 hospitais, e 97 unidades docentes de Medicina de Família, com. 2300 tutores (VICENTE, 2010). 34 As áreas de saúde são estruturas fundamentais do sistema sanitário espanhol, responsáveis pela gestão dos centros de saúde e outros estabelecimentos com o mesmo fim das CCAA, dentro dos limites territoriais previamente estabelecidos e com cobertura para cerca de 200 a 250 mil habitantes (ESPANHA, 1986). Já as zonas básicas de saúde respondem por cerca de 25 mil habitantes e são responsáveis pela Atenção Primária , exercida nos centros de saúde.Várias zonas de saúde formam uma área de saúde. Toda área de saúde está ligada a um hospital para atender aos casos de maior complexidade(ESPANHA, 1986). Este tipo de organização está representado na Figura 3, a seguir, onde observamos uma destas comunidades autônomas e sua divisão em áreas e zonas de saúde. Figura 3 - Organização territorial da saúde em Áragon- Espanha Fonte: portal.aragon.es/.../portal/docs/1/234475.GIF. Acesso em 28 de novembro de 2010. Os dois exemplos apresentados são representações de países que seguem uma organização territorial dos sistemasde saúde e que atribuem à Atenção Primária a porta de entrada para os mesmos, possibilitando serviços cada vez mais próximos dos usuários e suas necessidades. No próximo item serão apresentados os marcos que regulamentaram o processo de territorialização da saúde brasileira, desde a idéia dos SILOS- Sistemas 35 Locais de Saúde, passando pela proposta de conformação dos TEIAS- Territórios Integrados de Atenção à Saúde e chegando às Redes de Atenção à Saúde (RAS). 4.3. Organização territorial brasileira A preocupação em relacionar saúde e território começou a se consolidar no Brasil nos anos 1980. No âmbito internacional, uma das propostas em torno desta idéia é a proposta de Sistemas Locais de Saúde (SILOS). Seu marco conceitual foi apresentado na XII Conferência-Pan-Americana, em 1986 e ratificado em documento da Organização Mundial de Saúde (OPAS), e recomenda: Um Sistema Local de Saúde deve contemplar a estrutura político- administrativa de um país, definir-se em um espaço populacional determinado, ter em conta todos os recursos para a saúde e desenvolvimento social existentes neste espaço, responder aos processos de descentralização do Estado e do setor da saúde, às necessidades da população e à estrutura da rede de serviços de saúde e organizar-se para facilitar a condução integral das ações (OPAS apud SILVA JUNIOR, 2006: 62, apud SILVA, 2007, p.170). A proposta dos SILOS tinha como base a divisão territorial para organizar os sistemas de saúde com conhecimento da epidemiologia local, sendo a partir daí realizado um planejamento para organizar os serviços de saúde do território em questão(RODRIGUES, 2009). A organização pelos SILOS teria os três níveis de atenção (primário, secundário e terciário), sendo o primeiro contato dos usuários realizado pela atenção primária, que teria inteira interlocução com os demais níveis. Para que a atenção primária possa desenvolver bem este papel, os SILOS propõem profissionais generalistas (médicos generalistas e enfermeiros) como fundamentais para tal processo (RODRIGUES, 2009). Os SILOS tinham como foco a municipalização. O Brasil elaborou essa proposta dividindo os espaços em distritos sanitários, numa perspectiva de regionalização, para melhor organizar a atenção primária e estabelecer redes de serviços de saúde (MENDES, 2009). Em 1988, a Constituição Federal Brasileira de 1988 proporcionou descentralização político-administrativa, deu autonomia e definiu a competência dos três entes do governo, e conferiu aos municípios o status de gestores da federação 36 (BRASIL, 2006e) através da Regionalização. Era uma estratégia para a reorganização territorial da saúde. Em seu artigo 198, ela afirma: As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as diretrizes de descentralização, atendimento integral e participação da comunidade(BRASIL, 1988, artigo 198). O território e a regionalização foram enfatizados por leis infraconstitucionais como a Lei Orgânica da Saúde (8.080) de 1990. No seu artigo 7º ela reafirma as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal e define competências frente à criação de redes regionalizadas e hierarquizadas de saúde. Contribuições importantes à Regionalização também foram dadas pelas Conferências Nacionais de Saúde, das quais merece destaque a VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, que destacou a importância estratégica dos distritos sanitários como base para configuração de uma rede nacional de serviços de saúde (BRASIL, 1986). Juntamente com a regionalização e a municipalização surge a proposta de estruturação dos Distritos Sanitários. Estes funcionariam como uma unidade operacional básica mínima do Sistema Nacional de Saúde, que de certa forma, recupera a proposta dos SILOS, já mencionados anteriormente, numa estratégia de implementação do SUS (GONDIM, 2008). Desde a década de 90, com a descentralização das ações e serviços movidas pelas diretrizes do SUS, o Brasil vem organizando seu território de forma equânime, integral e cooperativa, seguindo o que preconizam as NOAS/SUS- Normas Operacionais de Assistência à Saúde. Através destas normas operacionais procurou-se organizar a assistência à saúde com conformação de redes regionalizadas de saúde. Porém estas normas não contemplaram as diferenças regionais de um país de dimensões continentais. Desta dificuldade nasceu o Pacto pela Saúde-2006, de onde o Ministério da saúde retomou a discussão sobre a regionalização, desta vez com maior flexibilidade, valorizando os espaços regionais de planejamento, dando voz à implementação da Regionalização Solidária e Cooperativa (BRASIL, 2006e). 37 O Pacto pela Saúde definiu a regionalização, como seu eixo estruturante. O Pacto também proporcionou a consolidação de alguns marcos conceituais da regionalização, tais como a territorialização em saúde. A territorialização consiste no reconhecimento e na apropriação, pelos gestores, dos espaços locais e das relações da população com os mesmos, expressos por meio dos dados demográficos e epidemiológicos, pelos equipamentos sociais existentes (tais como associações, igrejas, escolas, creches etc.), pelas dinâmicas das redes de transporte e de comunicação, pelos fluxos assistenciais seguidos pela população, pelos discursos das lideranças locais e por outros dados que se mostrem relevantes para a intervenção no processo saúde/doença – como o próprio contexto histórico e cultural da região (BRASIL, 2006e, p.18). Também a crescente responsabilização dos municípios na organização das ações básicas de saúde, principalmente a vigilância em saúde, conforme disposto no mesmo pacto, indicava a necessidade de formação dos trabalhadores para as ações de base territorial (BRASIL, 2006e). Corroborando com esta idéia, Hartz e Contandriopoulos afirmaram que: A integralidade da atenção é um eixo prioritário da investigação e avaliação dos serviços e dos sistemas de atenção à saúde, estruturados como redes assistenciais interorganizacionais que articulam as dimensões clínicas, funcionais, normativas e sistêmicas em sua operacionalização, reconhecendo que nenhuma organização reúne a totalidade dos recursos e as competências necessárias para a solução dos problemas de saúde de uma população, em seus diversos ciclos de vida (HARTZ e CONTANDRIOPOULOS,2004, apud MENDES, 2009, p. 123) Desde então, o Ministério da Saúde vem buscando através de suas normas e pactos a integração sistêmica e regional das ações e serviços de saúde, com formação de redes solidárias e cooperativas. Formulou, então, um processo de transição para as redes de atenção à saúde por meio dos Territórios Integrados de Atenção à Saúde (TEIAS) em substituição as atuais regiões de saúde (BRASIL, 2009). A proposta do TEIAS é a integração da rede de serviços no território (assistência, vigilância e prevenção), articulação de projetos intersetoriais e fortalecimento da atenção básica(PAIM, 2008) e consiste, portanto, numa forma de organização dos sistemas de saúde em redes organizadas, integradas e complementares que aumentem a abrangência de cobertura dos serviços aos cidadãos (ROLLO, 2008). 38 O Programa Mais Saúde – Direito de Todos, do Ministério da Saúde, 2008, em sintonia com as diretrizes do Pacto pela Saúde 2006, enfatiza a necessidade de intensificar os esforços das três esferas de gestão do SUS para fortalecer o caráter único e integrado do sistema, ampliando sua capacidade de cumprir os princípios constitucionais, conforme a medida 2.16, do Eixo 2- Atenção à saúde: Implantar em Territórios Integrados de Atenção à Saúde (TEIAS) unidades de apoio e referência para a Atenção Básica, ampliando a abrangência e a resolutividade das ações das Equipes de Saúde da Família e conformando a Rede de Atenção com os Núcleos de Apoioà Saúde da Família (NASF), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Centro de Especialidades Odontológicas – (CEOs), Unidades de Pronto Atendimento e Apoio ao Diagnóstico – (UPAs) (BRASIL, 2008a). Em dezembro de 2010, o Ministério lançou a Portaria nº 4279 que, fundamentada no Pacto pela Saúde, PNAB 2006 e outros arcabouços normativos do SUS, trata da organização da saúde em Redes de Atenção à Saúde (RAS) com conceitos, atributos, diretrizes e estratégias para sua implantação, fortalecendo a AP como coordenadora do cuidado e ordenadora da rede, e dando ênfase a organização territorial com limites geográficos e clientela adstrita definidas e reconhecimento das necessidades locais para a construção deste sistema integrado de saúde (BRASIL, 2010). No Brasil, estados e municípios vêm se organizando políticoinstitucionalmente de acordo com estas diretrizes. No item seguinte, será apresentada a organização territorial no Estado e no município do Rio de Janeiro. 4.4. Organização territorial no Estado e Município do Rio de Janeiro No Estado do Rio de Janeiro, a organização territorial obedece a divisão em macrorregiões e microrregiões, de acordo com os termos da NOAS, 2001. O Plano Diretor Regional, que é um instrumento da política de regionalização, configura o estado em oito regiões de saúde e 23 microrregiões, totalizando 92 municípios participantes (SOUZA et al, 2010). A Região Metropolitana foi dividida em duas devido ao seu grande contingente demográfico , capacidade instalada e acesso, ficando o município do Rio de Janeiro na Região Metropolitana I (METRO I). Esta ainda foi subdividida em cinco microrregiões. Participam destas microrregiões 1 municípios, sendo o 39 município do Rio de Janeiro a referência para a alta complexidade6 (ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2011). No mapa a seguir (Figura 4) podemos visualizar a divisão do estado em suas regiões e microrregiões de saúde. Figura 4 – Mapa com as regiões e microrregiões de saúde do Estado do Rio de Janeiro Fonte: Estado do Rio de Janeiro, 2011a, Pano Diretor Regional do Estado do Rio de Janeiro, p.12. Dentro de um mesmo município, podem ser organizadas várias Regiões de Saúde compostas por tantos Distritos de Saúde quanto convier ao atendimento das demandas do território(BRASIL, 2006e). Podemos citar como exemplo desta regionalização, a divisão em áreas de planejamento (AP) de saúde do município do Rio de Janeiro, totalizando 10 áreas de planejamento geridas pelas Coordenações de Áreas de Planejamento (CAP) que respondem à Subsecretaria de Promoção, Atenção e Vigilância(SUBPAV), da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil(SMSDC) (PMS, 2009). A estrutura organizacional da SMSDC, que criou a Subsecretaria de Promoção, Atenção 6 O município do Rio de Janeiro também é o Pólo Estadual para oncologia, Terapia Renal Substitutiva (TRS), hematologia, hemoterapia, transplante, cirurgia cardíaca, neurocirurgia, entre outras. 40 Primária e Vigilância e a Subsecretaria de Atenção Hospitalar, Urgência e Emergência tem sido fundamental para a descentralização financeira e consequente fortalecimento da Atenção Primária . No mapa a seguir (Figura 5) estão representadas as 10 áreas de planejamento do município do Rio de Janeiro. Figura 5- Áreas de Planejamento da Saúde do Município do Rio de Janeiro. Fonte: Instituto Pereira Passos Atendendo às determinações do Mais Saúde (BRASIL, 2008a), Pacto pela Saúde (BRASIL, 2006) e Relatório Municipal de Indicadores de Monitoramento e Avaliação do Pacto pela Saúde 2006 - Prioridades e Objetivos- Municípios com mais de 80.000 habitantes (SISPACTO), a nova gestão da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, através da SUBPAV, retomou, em 2009, a ampliação do PSF com foco nas áreas de maior necessidade da oferta de serviços e menor cobertura do mesmo com o Saúde Presente, um programa que visa estruturar o sistema de saúde do Rio. O Saúde Presente constitui uma oportunidade para a construção de uma rede universal e equânime prestadora de Cuidados de Saúde Primários de excelência, adequados às características das populações, próximos das famílias e dos cidadãos, sustentável e baseados no empreendedorismo profissional de cada equipe, é certamente mais que a reforma do modelo da atenção a saúde, é fundamentalmente uma reforma de sociedade. (PCRJ, 2010) 41 Neste sistema, a organização da rede se dá através da atenção primária, com ações e serviços para responder de forma contínua e integral às necessidades de saúde de cada cidadão, baseando-se no TEIAS, modelo já descrito anteriormente neste capítulo. (PCRJ, 2009) Com o Saúde Presente tanto unidades tradicionais quanto novas unidades de saúde receberão ESF. As novas unidades possuem um design moderno e humanizado sendo denominadas Clínicas de Saúde da Família, representando o pilar central deste sistema de saúde. A Figura 6, abaixo, apresenta o modelo do sistema de saúde adotado pela SMSDC. Figura 6- Saúde Presente- Rede de serviços organizada e integrada. Fonte: Apresentação do “Saúde Presente” feita pelo secretario de saúde à rede em dezembro de 2010. Neste processo histórico de regionalização e reorganização territorial, a Atenção Básica tem se fortalecido, devendo tornar-se a porta de entrada preferencial do SUS. De acordo com o Pacto pela Vida e também pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), ambos publicados em 2006, o PSF deve se consolidar como modelo de Atenção Básica e centro ordenador das redes de atenção à saúde no SUS, passando a ser considerado uma estratégia de reorientação do modelo assistencial e seu desenvolvimento deve considerar as diferenças sócio-culturais. (BRASIL, 2006; 2006b) 42 5. TERRITÓRIO E SAÚDE DA FAMÍLIA Desde 1994, o Ministério da Saúde tem estabelecido as bases para implantação e funcionamento do Programa Saúde da Família (PSF). O PSF está baseado na “reorganização da prática assistencial [...] em substituição ao modelo tradicional de assistência orientado para a cura de doenças e realizado principalmente no hospital” (BRASIL, 2001, p.5). O foco de atenção é a família e sua realidade local, tornando mais compreensível o processo de adoecimento, conforme cita o Guia Prático do Programa de Saúde da Família: O único remédio infalível, contra todas as doenças, é não ficar doente. Um caminho seguro para buscar esse objetivo é garantir que as pessoas tenham acesso aos serviços de atenção básica, como se dá no Programa de Saúde da Família (PSF): pela promoção da saúde, assistência básica e prevenção, cada pessoa da comunidade é assistida antes que os problemas se agravem, no surgimento, ou antes, mesmo que apareçam (BRASIL, 2001a, p.34). A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB, 2006) revitalizou a Atenção Básica e consolidou o Saúde da Família como modelo de atenção e centro ordenador da rede de atenção à Saúde (BRASIL, 2006b). O Programa Mais Saúde- Direito de Todos (BRASIL, 2008a), reafirma a expansão da Atenção Básica e traz sustentabilidade financeira ao PSF, através das medidas 2.1, 2.16, 2.17 e 2.18 que constam em seu eixo 2: 2.1. Qualificar e ampliar a rede de serviços de atenção básica garantindo, de forma compartilhada com estados e municípios, a expansão e a sustentabilidade financeira para a estratégia de saúde da família cobrindo a população usuária do SUS de forma integrada aos projetos sociais do Governo Federal (BRASIL, 2008, p. 27). ... 2.16. Implantar em Territórios Integrados de Atenção à Saúde (TEIAS) unidades de apoio e referência para a Atenção Básica, ampliando a abrangência e a resolutividade das ações das Equipes de Saúde da Família e conformando a Rede de Atenção com os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Centro de Especialidades Odontológicas – (CEOs), Unidades de Pronto Atendimentoe Apoio ao Diagnóstico – (UPAs)(BRASIL, 2008, p. 29). 2.17. Ampliar a oferta e o acesso a serviços da rede nacional de atenção especializada ambulatorial e hospitalar de forma descentralizada e regionalizada (BRASIL, 2008, p. 30). 2.18. Concluir as obras inacabadas e construir, ampliar, reformar e equipar unidades de saúde, que atendam a critérios de eficiência e racionalidade, reduzindo as desigualdades locais e regionais (BRASIL, 2008, p. 30). ... 43 O PSF possui diretrizes que devem ser seguidas, tais como a de ter caráter substitutivo em relação ao modelo tradicional de assistência focado nas doenças; trabalhar a integralidade e intersetorialidade, assegurando aos indivíduos e suas famílias a referência e contra-referência para os diversos níveis de atenção à saúde e complementando suas práticas em outros setores sociais de acordo com as necessidades identificadas; trabalhar com equipe multidisciplinar, onde a figura do médico generalista aparece, mas não como o centro de todas as atividades assistenciais; a responsabilização e o vínculo, o estímulo à participação da comunidade e ao controle social e a territorialização com adscrição de clientela (BRASIL, 2001b; 2006c). A organização do PSF propõe que a prática de suas atividades se estabeleça em território definido 7,seguindo os princípios básicos do Sistema Único de Saúde (SUS) de universalização, descentralização, integralidade e participação da comunidade(BRASIL, 2001b). Reforçam estas idéias, as palavras de Pereira e Barcellos que dizem que: A territorialização é um dos pressupostos básicos do trabalho do PSF. Essa tarefa adquire, no entanto, ao menos três sentidos diferentes e complementares: de demarcação de limites das áreas de atuação dos serviços; de reconhecimento do ambiente, população e dinâmica social existente nessas áreas; e de estabelecimento de relações horizontais com outros serviços adjacentes e verticais com centros de referência (PEREIRA & BARCELLOS, 2006). Outro termo utilizado para descrever a relação território-população é a adscrição de clientela, que diz respeito ao território sob responsabilidade das equipes de saúde da família. De acordo com a nova PNAB 2011, cada equipe deve ser responsável por no máximo 4.000 habitantes, sendo a média recomendada de 3.000 habitantes, em uma determinada área geográfica. Para os agentes comunitários de saúde (ACS), cada micro-área de trabalho deve ter no máximo 750 pessoas cadastradas por ACS(BRASIL, 2011). A territorialização é, portanto, uma etapa de implantação do PSF. A definição da população a ser atendida pelas equipes é inclusive, requisito para o financiamento do programa pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2006b). De acordo com PEREIRA e BARCELLOS, 2006, além do número de famílias vinculadas às 7 Grifo meu 44 ESF, outros pontos são importantes para a delimitação dos territórios de atuação das ESF: a área deve conter uma população mais ou menos homogênea do ponto de vista socioeconômico e epidemiológico, caracterizando áreas homogêneas de risco; deve também conter uma unidade básica de saúde (UBS) que será a sede da ESF e local de atendimento da população adscrita; e seus limites devem considerar barreiras físicas e vias de acesso e transporte da população às unidades de saúde. Como o PSF trabalha no diagnóstico da realidade local a partir do reconhecimento do território, suas diferentes formas de ocupação e uso, é possível identificar suas singularidades e seus problemas e as possíveis implicações para a saúde coletiva (MONKEM e BARCELLOS, 2007). Neste processo de territorialização não podemos deixar de mencionar que, nos grandes centros urbanos, como é o caso do município do Rio de Janeiro, algumas adversidades são enfrentadas, pelo crescente processo de favelização8 que toma conta dos espaços, tornando-se necessário que ações intersetoriais sejam também implementadas. Oportuno lembrarmos aqui da violência urbana que repercute diariamente no trabalho das ESF e influencia a alta rotatividade dos profissionais nas equipes (CONILL, 2008). Neste sentido, a cidade vive um intenso movimento de pacificação com a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora Sociais(UPPs), que vem contribuindo com a diminuição da violência em algumas áreas antes dominadas pelo poder paralelo, e que trazem a possibilidade de ações sociais sinérgicas à diminuição da violência nestas localidades. Outros enfrentamentos também ocorrem em relação processo formador de profissionais com o perfil adequado para desenvolver o trabalho no PSF, preconceitos em relação ao uso de tecnologia leve e cuidado simplificado, relação inadequada entre equipe e número de famílias, sobrecarregando-as e os problemas na referência para especialistas, porém estes não fazem parte do escopo deste estudo. 8 Favela- conjunto de habitações populares, em geral, toscamente construídas e usualmente deficientes de recursos higiênicos (FERREIRA, 2001) 45 6. OBJETIVOS E MÉTODOS 6.1 Objetivos 6.1.1 Objetivo Geral Analisar a viabilidade de utilização dos setores censitários do IBGE para subsidiar a delimitação das áreas do PSF e o planejamento de ações das ESF. 6.1.2 Objetivos específicos 1. Analisar a pertinência de utilização dos setores censitários como base da territorialização do PSF; 2. Delimitar os territórios considerando os objetos geográficos existentes; 3. Analisar espacialmente o território definido para as novas CSF da AP 3.2 considerando os setores censitários do IBGE e variáveis selecionadas dos mesmos através de mapas temáticos; e 4. Examinar possíveis soluções para a compatibilização dos setores censitários aos territórios de planejamento levando em consideração os elementos estudados. 6.2. Métodos e procedimentos 6.2.1. Natureza do estudo O desenho do estudo tem natureza quantitativa, pois requer descrição de dados numéricos para amostras representativas, e tem a intenção de generalizar resultados. Também pode ser classificado como do tipo exploratório, pois seu objetivo é proporcionar maior familiaridade com o tema. De acordo com Tobar e Yalour, estas pesquisas são realizadas sobre temas em que há pouco ou nenhum conhecimento prévio e sistematizado (TOBAR e YALOUR, 2001). As fontes de informação são os bancos de dados secundários, a saber, dados sociais e demográficos por setores censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e dados do prontuário eletrônico VitaHisCare©, implantado nas CSF. Os elementos cartográficos foram obtidos com base em imagens disponibilizadas pelo Google Earth ©. 46 6.2.2. Cenário O cenário escolhido para o estudo é a AP 3.2, parte da Cidade do Rio de Janeiro. Esta possui 1.255 Km² e população de 6.323.037 habitantes, de acordo com dados do Censo 2010, do IBGE. O município está organizado em 33 Regiões Administrativas (RA), 160 Bairros, já a SMSDC utiliza a divisão da Cidade em dez Áreas de Planejamento (AP) constituídas por Regiões Administrativas/Bairros. Há grande diversidade entre as AP no que diz respeito à oferta de serviços, à população, tipo de ocupação e indicadores sócio-econômicos. Cada AP possui estrutura gerencial própria denominada Coordenação de Área de Planejamento (PCRJ, 2009). Esta área de planejamento localiza-se na Zona Norte do Rio de Janeiro. Compreende três RA: Inhaúma – XII; Méier - XIII e Jacarezinho – XXVIII, e vinte e três bairros. Sua localização pode ser melhor entendida visualizando-se a Figura 7, a seguir: Figura 7 - Mapas de georreferenciamento da AP 3.2 Fonte: Relatório trimestral da OSS SPDM à CAP 3.2-janeiro de 2011. 47 As três RA ocupam aproximadamente 44 km², onde residiam, em 2000 565.580 pessoas, segundo o Censo do IBGE do mesmo ano. Hoje, de acordo com o
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