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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CCMN – INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO A Demarcação da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol (Roraima): conflitos entre territorialidades 1993 – 2005 Pedro Fernandes Neto Orientadora: Lia Osorio Machado DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO REQUISITO PARCIAL PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS (M.Sc.) RIO DE JANEIRO FEVEREIRO – 2006 i UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CCMN – INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO A Demarcação da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol (Roraima): conflitos entre territorialidades 1993 – 2005 Pedro Fernandes Neto DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO REQUISITO PARCIAL PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS (M.Sc.) APROVADA POR: PROF.a Dr.a LIA OSORIO MACHADO (ORIENTADORA)________________________ PROF.a Dr.a. MARIA CÉLIA NUNES COELHO________________________________ PROF.a Dr.a PRISCILA FAULHABER BARBOSA______________________________ RIO DE JANEIRO FEVEREIRO – 2006 ii FICHA CATALOGRÁFICA FERNANDES NETO, Pedro. A Demarcação da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol (Roraima): conflitos entre territorialidades (1993 – 2005) – Rio de Janeiro. UFRJ. 2006. IX.130 p. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal do Rio de Janeiro/PPGG, 2006. Orientadora: Lia Osorio Machado. Assunto: 1 – Conflitos entre territorialidades; 2 - Terra Indígena; 3 – Faixa de Fronteira; 4 – Roraima. I – UFRJ/PPGG. II - A Demarcação da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol (Roraima): conflitos entre territorialidades (1993 – 2005) iii AGRADECIMENTOS Primeiramente, gostaria de agradecer à FAPERJ a ajuda financeira fundamental por meio do fornecimento de bolsa de Mestrado ao longo do ano de 2004. Especialmente ao funcionário Wander, sempre muito compreensivo. Agradeço à Prof.a Lia Osorio Machado pelo cuidado na orientação dessa dissertação, pela tolerância com as minhas dificuldades e pelo aprendizado que me proporcionou nestes quatro anos de convivência. Agradeço também à Professora Dominique Gallois por ter tão prontamente me atendido quando tive dúvidas sobre questões indígenas. Da mesma forma, agradeço à Professora Priscila Faulhaber por ter aceitado fazer parte da banca. Um agradecimento especial à Professora Maria Célia que, com a sua valiosa ajuda nos momentos de dúvida, me fez ter menos incertezas sobre os rumos da minha pesquisa. Agradeço a todos os companheiros do Grupo Retis/UFRJ que, ao longo destes anos de convivência, me proporcionaram um rico aprendizado no que se refere ao trabalho em equipe, tão importante em todos os momentos de nossa vida. Um agradecimento aos funcionários Pedro (da biblioteca) e Roberto (Bob), pelo importante apoio técnico nesta etapa crucial da vida de um estudante. Um agradecimento muito carinhoso a minha esposa Alba Valeria que foi e continua sendo o grande amor da minha vida. Ao meu pai pela presença nos momentos difíceis. E por fim, um agradecimento muito especial à minha mãe, sempre presente em todos os momentos da minha vida. Na alegria, na tristeza, sempre pronta a me ajudar independentemente das circunstâncias. Agradeço por ter me proporcionado os meios necessários para que pudesse chegar ao Mestrado, apesar de todas as dificuldades. iv À minha mãe, minha grande amiga. v “Quem me dera, ao menos uma vez, Como a mais bela tribo, dos mais belos índios, Não ser atacado por ser inocente.” Legião Urbana vi SUMÁRIO INTRODUÇÃO – 1 1. CONCEITOS, NOÇÕES E METODOLOGIA 1.1. Metodologia e objetivos - 4 1.2. Alguns elementos sobre a noção de territorialidade - 7 1.3. A territorialização do espaço -11 1.4. Apropriação e territorialidade -13 2. RORAIMA: QUE ESTADO É ESTE? 2.1. Características físicas de Roraima - 17 2.2. Alguns aspectos da dinâmica populacional – 27 2.3. Aspectos econômicos e a presença indígena – 32 2.4. O processo de regularização da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol: da identificação à homologação – 38 2.4.1. Antecedentes – 38 2.4.2. Da identificação à demarcação – 40 2.4.3. Da demarcação à homologação – 41 3. OS PRINCIPAIS ATORES E SUAS ESTRATÉGIAS NO PROCESSO DE DEMARCAÇÃO DE RAPOSA/ SERRA DO SOL 3.1. A FUNAI (Governo Federal) – 44 3.1.1. Funções da FUNAI no processo de regularização de uma Terra Indígena – 45 3.1.2. A FUNAI e a presença de não-indígenas nas terras demarcadas – 49 3.2. Estratégia do Governo estadual – 50 3.2.1. A criação de Pacaraima e Uiramutã – 52 3.3. As frentes de ocupação não-indígenas – 55 3.3.1. Os rizicultores e suas estratégias – 55 3.3.2. A campanha contra a demarcação em área contínua – 64 3.4. Os garimpeiros na Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol – 69 vii 4. AS ESTRATÉGIAS TERRITORIAIS DOS INDÍGENAS NA T.I. RAPOSA/ SERRA DO SOL 4.1. Demarcação em área contínua – 73 4.1.1. As manifestações indígenas favoráveis – 76 4.1.2. As manifestações indígenas contrárias – 77 4.2. Articulação entre as malocas: os Conselhos Indígenas e a presença dos indígenas de Roraima na política - 81 4.3. A dinâmica espacial interna de Raposa/ Serra do Sol – 84 4.3.1. Como os índios usam seu território – 84 4.3.2. A territorialidade indígena: a identificação com o espaço – 88 5. OS DISCURSOS CONTRÁRIOS E FAVORÁVEIS À TERRA INDÍGENA EM ÁREA CONTÍNUA 5.1. Os discursos contrários – 99 5.1.1. Terra Indígena e Faixa de Fronteira – 99 5.1.2. O discurso do desenvolvimento econômico – 106 5.2. Os discursos favoráveis – 110 5.2.1. O direito originário dos índios sobre as terras que ocupam – 110 5.2.2. O discurso que exalta as diferenças entre indígenas e não-indígenas – 115 Considerações finais – 119 Bibliografia Anexos viii Relação de gráficos 1. Evolução da população (1980 – 2000) – 27 2. População residente (1980) – 28 3. População residente (1991) – 28 4. População residente (2000) – 29 5. Produtividade de arroz em Roraima (1995 – 2000) – 60 6. Área plantada de arroz em Roraima (1995 – 2000) – 60 Relação de mapas 1. Divisão político-administrativa de Roraima – 18 2. Faixa de Fronteira Internacional Continental do Brasil –19 3. Mapa fitogeográfico de Roraima – 21 4. Posição estratégica de Roraima no contexto do Brasil setentrional – 31 5. População indígena por município (2000) – 34 6. Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol – 37 7. Situação fundiária de Roraima – 51 8. Base produtiva de Roraima (2001) – 58 9. Raposa Serra do Sol: áreas de garimpo – 71 10. Distribuição territorial das malocas e da vegetação em Raposa/ Serra do Sol – 86 Relação de tabelas 1. Situação das terras indígenas no Norte do Brasil – 36 2. Resumo do histórico do processo de homologação de Raposa/ Serra do Sol – 43 Relação de fotos 1. Savana (cerrado) – nordeste de Roraima – 23 2. Fazenda na beira da rodovia BR 174 – trecho Boa Vista/ Pacaraima – 23 3. Monte Roraima – Parque Nacional Monte Roraima - 25 4. Fazenda de arroz em Pacaraima, Roraima – 59 5. Fazenda de arroz em Normandia, Roraima – 59 ix 6. Índios contrários à homologação de Raposa/ Serra do Sol em manifestação no Ministério da Justiça – 65 7. Campanha contra a homologação: outdoors espalhados pela capital, Boa Vista, e por Brasília – 66 8. Campanha contra a homologação de Raposa/ Serra do Sol, Boa Vista – Roraima,2000 – 67 Anexos 1. Artigo 231 da Constituição Federal de 1988 2. Estatuto do Índio 3. Relatório do INCRA sobre fazendas de arroz na região de Raposa/ Serra do Sol Capa: Reprodução de gravura da Expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira ao vale do Rio Branco (1790-91) em Viagem ao Brasil, vol. III de A. R. Ferreira, orgs: João Paulo Monteiro Soares e Cristina Ferrão, Lisboa, Kapa Editora, 2005. A legenda de A. R. F.: “Representação dos Gentios Uapixanas, q. habitão as Serras da parte superior do Rio Branco, os quaes andão sempre pintados de Urucú, e uzão de Armas de fogo, e de Terçados, assim como as mulheres, de Tangas, e mais ornamentos de missanga q. comprão aos Holandezes de Suriname” (sic) 1 INTRODUÇÃO A presença de uma Terra Indígena na Faixa de Fronteira, as disputas políticas e territoriais estabelecidas entre organizações indígenas tradicionais, organizações não-governamentais, órgãos da administração pública federal, estadual e municipal, as comunidades indígenas, fazendeiros, pecuaristas, garimpeiros, sociedade local e o Exército, compõe uma complexa rede com rebatimentos espaciais importantes. Acreditamos que os objetivos destes diversos atores visem, sobretudo, o estabelecimento e a ampliação do seu poder político, econômico e territorial sobre o espaço, poder este que se manifesta por meio das mais diversas estratégias de controle sobre as normas deste território. Cada um dos atores envolvidos neste contexto conflituoso merece destaque. Entretanto, no presente trabalho, pretendemos, mais especificamente, fazer uma análise dos conflitos existentes entre índios e os demais atores envolvidos no processo de demarcação da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol, localizada na porção nordeste de Roraima, na Amazônia brasileira. Tais conflitos serão analisados em um contexto estadual fortemente marcado por imbricações e superposições entre as territorialidades. No caso do processo de demarcação desta Terra Indígena, a disputa adquiriu contornos dramáticos e violentos, especialmente no início de 2004, quando houve uma série de manifestações na capital de Roraima, Boa Vista, contra a homologação uma área contínua desta Terra Indígena, segundo a forma proposta pelos estudos da FUNAI e pretendidos por movimentos indígenas, organizações não governamentais nacionais e internacionais e demais grupos de apoio à causa indígena. A partir da presença destes diversos atores locais, regionais, nacionais e internacionais interessados, de uma forma ou de outra, no processo de demarcação de Raposa/ Serra do Sol e levando-se em conta que estes agem das mais diversas formas e com os mais variados interesses (econômicos, políticos, científicos, mediáticos, etc.), a questão central que guia este trabalho é saber em que medida as estratégias territoriais indígenas são verdadeiramente uma expressão de suas próprias demandas enquanto um povo. Isto é, seria possível atribuir unicamente aos indígenas a gênese do processo atual de demarcação de 2 suas terras ou poderíamos supor que as ações e expectativas dos demais atores interessados na causa poderia, em certa medida, conduzir o processo? Dada a complexidade do tema, que remonta a períodos que vêm desde a colonização portuguesa no século XVIII, este trabalho se propõe a fazer um recorte temporal que vai de 1993 até o início de 2005, ano em que ocorreu a homologação definitiva da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol. É importante justificar que a escolha do ano de 1993 se deu em função de ter sido este o fim do processo oficial de identificação e o início da demarcação de Raposa/ Serra do Sol. O interesse pelo desenvolvimento deste tema é tributário de um processo anterior de pesquisa sobre a Faixa de Fronteira Norte do Brasil que se iniciou junto ao Grupo Retis/UFRJ, sob a orientação da Professora Lia Osorio Machado. O primeiro trabalho apresentado por este autor na Jornada de Iniciação Científica da UFRJ, em 2001, dizia respeito à caracterização geográfica desta Faixa de Fronteira, isto é, todos os municípios da região Norte brasileira mais os municípios de Mato Grosso que fossem interceptados pela linha de 150 Km a partir do limite internacional do Brasil para dentro do território nacional, o que corresponde aos estados do Amapá, Pará, Roraima, Amazonas, Rondônia, Acre e Mato Grosso. Na Jornada seguinte, em 2002, a pesquisa foi ampliada para a Região de Fronteira, ou seja, a partir de um critério arbitrário estabelecido pelo grupo de pesquisa, foi determinada uma linha de mais 150 Km a partir da Faixa de Fronteira. Isto fez com que a área total passasse então a ser estabelecida por uma faixa de 300 Km a partir do limite internacional. Neste sentido, a monografia de fim de curso apresentada por este autor ao Departamento de Geografia da UFRJ em 2002, apesar de não estender-se à discussão sobre a Região de Fronteira, foi uma etapa importante neste processo. Também fiz parte do grupo de pesquisa que elaborou o Atlas da Fronteira Continental do Brasil, cujo resultado encontra-se em meio digital (CD Rom) e, em 2004, do projeto de elaboração de políticas públicas para o desenvolvimento econômico da Faixa de Fronteira brasileira para o Ministério da Integração Nacional, todos eles no âmbito do Grupo Retis/ UFRJ. No caso de Roraima (séc. XX) ou campos do rio Branco (séc. XVIII) ou Guyana brasileira (séc. XIX), alguns questionamentos foram despertados ao 3 longo do período de iniciação científica, principalmente quando tivemos a oportunidade de realizar um trabalho de campo neste estado, no ano de 2001. Este foi, sem dúvida, um momento decisivo a partir do qual decidimos nos dedicar mais objetivamente às questões que envolviam esta unidade da federação localizada na porção setentrional do Brasil. Entendemos que seja de grande importância a produção de análises que visem o equacionamento dos problemas fronteiriços específicos. Não só para que sirvam para subsidiar a elaboração de políticas públicas destinadas à Faixa de Fronteira, mas também para discutir os problemas enfrentados pela populações locais, principalmente em se tratando de uma região do Brasil que, de maneira geral, não desfruta de um espaço privilegiado nos grandes debates nacionais, exceto nos casos de corrupção. Portanto, o interesse pelo processo de demarcação e homologação da terra indígena Raposa/Serra do Sol surgiu neste contexto de pesquisa e possui uma relação direta com as questões que envolvem os índios e os conflitos de territorialidade envolvendo estes índios e os não-índios do estado. Finalmente, o nosso interesse sobre este assunto tão cativante para tantas disciplinas parte de uma abordagem essencialmente geográfica. Não temos, pois, a pretensão de proceder estudos etnológicos ou antropológicos sobre a presença dos índios em Roraima, pois não teríamos base teórica suficiente para tal. A partir destes estudos pretendemos dar uma pequena contribuição para que futuras pesquisas mais aprofundadas sejam efetivadas no âmbito da Geografia. 4 1 – CONCEITOS, NOÇÕES E METODOLOGIA 1.1 Metodologia e objetivos Os conflitos em torno da demarcação da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol fazem parte, como foi dito, de um contexto mais amplo, qual seja: a presença de sobreposições e imbricações territoriais e de territorialidades de naturezas distintas, característica do próprio estado de Roraima como um todo. Aliás, Figueiredo (1998), referindo-se à história recente da Amazônia Legal, lembra como esta Região, de uma maneira geral, tem passado por um processo conflituoso na medida em que a malha político-administrativa atual, historicamente moldada para permitir a realização de relações basicamente econômicas, além da apropriação pelas bases locais dos recursos da União, tem sofrido a oposição de uma nova lógica (novos atores) que rege uma nova racionalidadee não possui necessariamente um viés utilitarista, e sim, dá importância a questões como a preservação ambiental e os direitos indígenas. No que concerne ao estado de Roraima, a disputa existente entre os órgãos federais (IBAMA e FUNAI) quanto ao problema da sobreposição entre Terras Indígenas e áreas de proteção ambiental; a presença de quartéis nas Terras Indígenas; a presença destas mesmas Terras na Faixa de Fronteira internacional, provocando contestações de toda ordem; as disputas entre garimpeiros e mineradoras pelas áreas economicamente mais promissoras; a tensão entre Governo Federal, governo estadual (Roraima) e prefeituras, já que grande parte dos títulos fundiários do estado não são definitivos ou estão sobre controle da União (estradas e parte das glebas, por exemplo), são alguns dos exemplos destas tensões provocadas por sobreposições territoriais no estado. A partir deste contexto o objetivo deste trabalho é fazer uma análise dos conflitos entre as diferentes territorialidades presentes no estado, tendo como foco principal o processo de demarcação/ homologação da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol, levado a termo pelo Governo Federal ao longo do período que vai de 1993 a 2005. Buscaremos investigar como, e através de quais ações, os diferentes atores envolvidos direta ou indiretamente nesta questão tentam impor suas 5 diferentes estratégias para, de certa forma, criar e controlar as normas de uso do território de maneira a atender seus interesses. Neste sentido, o objetivo específico é identificar tais estratégias e os diferentes discursos usados por estes atores para legitimar suas ações. No contexto de toda a problemática territorial presente no estado, que será discutida nos capítulos que se seguem, a nossa pesquisa identificou três grupos de atores principais que, de alguma forma, estão envolvidos com o processo de demarcação de Raposa/ Serra do Sol: o Governo (Federal, estadual e municipal); (ii) as frentes de ocupação não-indígenas, isto é, rizicultores, garimpeiros e pecuaristas; e (iii) os indígenas. Além destes atores centrais, abordaremos brevemente o papel de atores que se posicionam, segundo o nosso entendimento, em uma posição mais periférica em relação a esta questão: as diversas Ong’s e a população não-indígena residente principalmente nos centros urbanos do estado. O termo periférico não possui um teor depreciativo nem desimportante neste caso. O seu uso teve o intuito de, metodologicamente, estabelecer uma hierarquia entre os atores relacionados com a questão central desta pesquisa e por não termos observado estratégias territoriais claramente identificáveis. Apesar disto, estes atores periféricos desempenharam um papel relevante ao longo do processo. A escolha por estes três grupos de atores (índios, frentes e governo) teve como motivação principal as ações por eles praticadas no seio desta problemática, isto é, cada um dos grupos citados tentou (e continua tentando) imprimir, cada qual à sua maneira, uma estratégia de controle das normas territoriais em Raposa/ Serra do Sol. Cada grupo de atores desenvolve suas ações (políticas, culturais, econômicas, psicológicas, etc) tendo como base ou como ponto de partida uma intencionalidade que, claramente, visa controlar e influenciar os demais atores presentes na região onde localiza-se esta Terra Indígena. Além disto, sempre que estas ações foram postas em prática, elas estiveram vinculadas a um determinado discurso que visava dar legitimidade aos seus atos. Neste sentido, demos destaque também à estes discursos utilizando pesquisa realizada em jornais, revistas e sites da internet. 6 A partir disto, isto é, da sobreposição existente entre a territorialidade destes diferentes atores e os conflitos resultantes, a questão central que norteia esta pesquisa resume-se em saber se o processo de demarcação de Raposa/ Serra do Sol é fruto de uma territorialidade unicamente indígena ou poderíamos dizer que os projetos e interesses dos demais atores não-indígenas envolvidos neste processo poderiam se sobrepor. Isto é, até que ponto a territorialidade indígena pode ser entendida como estando no centro do processo que desencadeou a demarcação desta Terra Indígena. Achamos pertinente formularmos esta questão a partir de algumas observações que serão melhor discutidas no decorrer deste trabalho. Tendo em mente esta questão, partimos do princípio óbvio, por sinal, de que os índios não são os únicos atores evolvidos na problemática relativa à demarcação de Raposa/ Serra do Sol, portanto, os demais atores não-indígenas possuem e agem de acordo com suas próprias motivações e/ou interesses individuais ou coletivos, mesmo que estas motivações façam apelo à defesa da causa indígena. Estes interesses variam de acordo com o ator ou grupo em questão. Neste sentido, a primeira cisão observada diz respeito aos que são contrários e aos que são favoráveis à demarcação de Raposa/ Serra do Sol em área contínua e, a partir daqui, já se apresenta uma polarização clara que se define em virtude de objetivos antagônicos. Entretanto, no interior de cada um destes pólos são desenvolvidas estratégias e objetivos diferentes1. Entre os que são favoráveis à causa indígena no estado estão os próprios índios, os intelectuais, as organizações não-governamentais (Ong’s) nacionais e internacionais, parte do Governo Federal (FUNAI, políticos, e Ministério Público), alguns países espacialmente da Europa e demais não-indígenas não-residentes em Roraima. Entre os que se encontram no interior do outro pólo estão também índios, fazendeiros, pecuaristas, rizicultores, Exército, políticos locais, e organizações indígenas. Quanto ao IBAMA, não identificamos um posicionamento favorável ou contrário à demarcação em si, já que os interesses deste órgão estariam vinculados à preservação/ conservação dos recursos naturais do estado. O problema que se impõe é que, ao fazer esta defesa, ocorrem divergências no 1 É preciso lembrar que as características destes dois pólos serão melhor analisadas no decorrer deste trabalho. A menção a eles neste momento tem por objetivo unicamente esclarecer a metodologia utilizada por este autor. 7 âmbito administrativo com a FUNAI e os interesses dos índios, portanto, não achamos adequado posicionar o IBAMA em um dos dois pólos desta questão. Levando-se em conta, portanto, a existência dos vários atores envolvidos com esta problemática, voltamos à questão central, escrita em outros temos: o que estaria no cerne do processo de demarcação desta Terra Indígena? os interesses políticos e culturais dos próprios índios? A promoção do ordenamento fundiário no estado, pelo Governo Federal? O atendimento das demandas das organizações nacionais e internacionais ligadas à causa indígena? A noção de territorialidade será, daqui por diante, a noção fundamental para a compreensão do processo de demarcação desta Terra Indígena. Esta intrincada rede de distintas territorialidades provoca uma situação bastante complexa onde cada ator tenta influenciar, da sua maneira, a ordem espacial de um determinado território. 1.2 Alguns elementos sobre a noção de territorialidade De acordo com Sack (1986), o estudo da territorialidade teve origem na Biologia e, segundo esta vertente, estava relacionado aos instintos dos animais, que visavam conseguir comida, acasalar-se ou controlar o tamanho populacional. Para Raffestin (1991), da mesma forma, a noção de territorialidade é proveniente dos naturalistas. Segundo este autor, em 1920, H.E. Howard disse que a territorialidade seria a conduta de um organismo para tomar posse de um território de outro organismo. Nem Sack nem Raffestin, contudo, compartilham desta definição naturalista acerca da territorialidade quando aplicada ao comportamento espacialhumano. Raffestin (op Cit) e Souza (1995) chegam a ser enfáticos ao afirmarem que é preciso que abandonemos as analogias com o mundo animal. Os três autores entendem a territorialidade como uma noção que está fundamentalmente vinculada ao poder que se exerce sobre o espaço e que portanto pode definir um território. A territorialidade é o produto da própria organização espacial dos diferentes atores e do relacionamento e interação entre eles. De acordo com Sack, a territorialidade pode ser entendida como uma 8 estratégia espacial para afetar, influenciar ou controlar recursos e pessoas, através do controle da área, trata-se, portanto, em termos geográficos, de uma forma de comportamento espacial onde o que importa é quem controla quem e o que, em um determinado contexto espacial. Quando o autor refere-se às estratégias para influenciar recursos e pessoas, acreditamos que seja possível entender um dos elementos presentes no processo de regularização de Raposa/ Serra do Sol: os discursos usados utilizados pelos diversos atores. Na medida em que estes discursos e argumentações são usados para defender posições e para modificar o “ambiente” político em benefício próprio, este comportamento encontra sustentação teórica nas definições de Sack e Raffestin sobre territorialidade e adquire uma importância fundamental no processo como um todo, se entendermos que cada ator ou cada grupo de atores busca modificar direta ou indiretamente a organização espacial na qual estão inseridos. Estes atores tentam a todo momento influenciar e modificar a ordem espacial de forma a favorecer o conquista de seus objetivos. Raffestin, da mesma forma, também afirma que, em se tratando de um determinado ator “A”, a sua territorialidade irá se expressar a partir da necessidade de, por meio de seus atos e comportamentos, influenciar tanto o ambiente com o qual interage quanto os demais atores ou grupos componentes de um determinado território. Segundo ele, a escola norte-americana fala em esfera de influência ao se referir à territorialidade. Nas palavras de Raffestin, a territorialidade adquire um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do ‘vivido’ territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral. Os homens ‘vivem’, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas. Quer se trate de relações existenciais ou produtivistas, todas são relações de poder, visto que há interação entre os atores que procuram modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais. Os atores que se derem conta disto, se modificam também. (1993:158, grifo meu). 9 Raffestin também define o que ele chamou de “territorialidade latu sensu”, que procederia de uma problemática relacional, e que poderia ser definida pela expressão “H r E”, onde “H” seria o indivíduo em si, ou o ator, “r” seria uma relação particular e “E”, que seria a exterioridade, o lugar ou um espaço abstrato. Segundo esta perspectiva, a territorialidade poderia ser definida como “um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade- espaço-tempo” (1993:160). Sempre levando em conta que esta territorialidade é dinâmica, já que os elementos que a constituem sofrem mudanças no tempo. A partir disto, a territorialidade “aparece então como constituída de relações mediatizadas, simétricas ou dissimétricas com a exterioridade” (p. 161). Segundo o autor, todas as relações entre os atores pressupõem relações de poder, entretanto, estas podem ser simétricas, quando as perdas e ganhos estão em relativo equilíbrio, ou assimétricas, quando tais relações implicam em desequilíbrio, isto é, um ganha e o outro perde. Para ilustrar a noção de territorialidade, Sack (1986) apresenta um exemplo bastante simples ligado às práticas cotidianas. O autor narra uma situação na qual um adulto tenta fazer os serviços domésticos e, ao mesmo tempo, preocupar-se em tomar conta de duas crianças pequenas. O problema se apresenta na medida em que os “pequenos ajudantes” ao tentarem lavar os pratos, correm o risco de deixá-los cair e provocar um acidente mais grave. Segundo o autor, diante desta situação o adulto poderia agir de duas maneiras: a primeira seria negociar, pedindo para que as crianças não mexessem nos pratos avisando-as do perigo iminente. A segunda, consistiria em tirar os pratos das mãos das crianças e guardá-los fora do seu alcance. Sack, entretanto, salienta que a territorialidade se manifestaria somente se o adulto impedisse o acesso da crianças aos pratos dizendo que elas não poderiam mais entrar na cozinha sem permissão, isto é, a cozinha (um território) estaria “fora dos limites” das crianças. A territorialidade se concretizaria, portanto, através do controle de um determinado ator ou grupo sobre o acesso a um determinado território. Além disto, o autor destaca que este território (a cozinha) poderia existir também ao longo de um intervalo de tempo. Seguindo este exemplo, o adulto 10 poderia restringir o acesso das crianças à cozinha somente por algumas horas – durante o período em que estivesse sendo feita a limpeza doméstica, por exemplo. Souza (1995) fala sobre esta variabilidade do território ao usar o exemplo da prostituição. Segundo ele, as prostitutas podem desenvolver sua territorialidade e estabelecer um território ao longo de um período do dia (de oito da noite às cinco horas da manhã, por exemplo). Neste sentido, o território seria chamado de território flutuante, já que possui uma variabilidade espaço-temporal. As normas que regulam o acesso a um determinado território (uma cozinha, uma Reserva Nacional, uma favela ou uma Terra Indígena), e consequentemente aos recursos e pessoas lá presentes, irão compor a noção de territorialidade. Entretanto, Sack salienta que a territorialidade não deve ser reduzida ao controle de uma área, já que isto significaria demasiada simplificação. Mais do que isto, ela representa a tentativa destes indivíduos ou grupos de influenciar ou afetar tantos demais atores e suas relações como os recursos de um território. De acordo com Sack, a territorialidade seria definida como : the attempt by an individual or group to affect, influence, ou control people, phenomena, and relationships, by delimiting and asserting control over a geographic area.(1986:19) Sobre o significado da territorialidade, Robert Sack sustenta que mais do que nos revelar sobre o que é a territorialidade, a definição formal sobre esta noção sugere o que ela efetivamente pode fazer, ou seja, quais as suas conseqüências. Neste sentido, ele reconhece três relações interdependentes contidas na noção de territorialidade que, segundo o autor, “revelam a lógica e os efeitos significativos” desta noção: (i) a classificação por área, (ii) uma forma de comunicação por fronteira e (iii) uma forma de coação ou controle. Sobre a classificação por área, Sack argumenta que quando um indivíduo (ou grupo) diz que algumas coisas, ou todas, presentes em um determinado espaço pertencem a ele, ou estão fora dos limites de uma terceira pessoa, ou, ainda, este mesmo indivíduo restringe o acesso aos objetos localizados em um 11 determinado espaço, este ator está usando a área para classificar tais objetos como sendo dele, isto é, o indivíduo está estabelecendo uma fronteira que determina tudo aquilo que está fora do alcance das pessoas não autorizadas. Esta dimensão da territorialidade encontra correspondência nos mais diversos exemplos cotidianos, e consequentemente no que diz respeito ao processo de demarcação de Raposa/ Serra do Sol. Delimitar uma Terra Indígena nada mais é do que estabelecer estes limites (institucionais) de circulação, deixando claro quem tem e quem não tem permissão de acessaros “objetos” lá existentes que, neste caso, dizem respeito tanto aos recursos naturais quanto aos “recursos” culturais e sociais dos povos indígenas tradicionais. A segunda relação diz respeito à capacidade de comunicação da territorialidade por meio das marcas ou sinais que indicam, ao mesmo tempo, direção (acesso negado ou permitido a partir de um determinado ponto) e possessão de um dado território. O limite é criado para delimitar territórios distintos, para delimitar o alcance das normas (leis) de quem controla o território e para informar ao “estrangeiro” que, a partir de um determinado ponto (nos limites internos do território), as normas são diferentes. A terceira corresponde à estratégia, talvez a mais eficiente, de conquistar e manter o controle sobre um determinado território. De acordo com o autor, trata- se da tentativa de influenciar as relações de forma favorável e as tentativas de transgressão podem ser punidas. Neste sentido, a lógica da noção de territorialidade é sustentada pelo fato de sabermos ou de podermos utilizar estas três relações de forma interconectada, segundo Sack. Todas elas se apresentam nos diversos contextos sociais e cada uma sustenta a própria noção de territorialidade humana. 1.3 A territorialização do espaço Os atores imprimem suas estratégias de controle territorial (territorialidade) tendo como objetivo criar e controlar territórios e influenciar as ações de outrem. Ao agirem desta maneira estão, na verdade, territorializando um determinado espaço, portanto, este território se estabelece a partir de um espaço preexistente. 12 Ao projetarem suas ações e intenções sobre este espaço preexistente, dele se apropriam concreta ou abstratamente (RAFFESTIN, 1993). O território, na visão de Raffestin, se apoia no espaço, mas não é o espaço. Para Massey (2004), o espaço pode ser conceitualizado a partir de três perspectivas: 1. O espaço é um produto de inter-relações. Ele é constituído através de interações, desde a imensidão do global até o intimamente pequeno (esta é uma proposição que não representa nenhuma surpresa para aqueles que têm acompanhado a literatura anglófona recente); 2. O espaço é a esfera da possibilidade da existência da multiplicidade; é a esfera na qual distintas trajetórias coexistem; é a esfera da possibilidade da existência de mais de uma voz. Sem espaço não há multiplicidade; sem multiplicidade não há espaço. Se o espaço é indiscutivelmente produto de inter-relações, então isto deve implicar na existência da pluralidade. Multiplicidade e espaço são co-constitutivos; 3. Finalmente, e precisamente porque o espaço é o produto de relações-entre, relações que são práticas materiais necessariamente embutidas que precisam ser efetivadas, ele está sempre num processo de devir, está sempre sendo feito – nunca está finalizado, nunca se encontra fechado. (p. 8) Já de acordo com Santos (2002), o espaço geográfico é constituído por um “conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (p. 63). Ambos destacam perspectivas importantes sobre o espaço geográfico como: as inter-relações existentes entre os diversos atores, a multiplicidade de suas ações e sua permanente construção (devir) em função das incontáveis possibilidades das relações humanas; e, como salienta Santos, a indissociabilidade deste espaço. Portanto, é a partir deste espaço preexistente, produto das relações entre os atores e entre estes e os objetos, formando um conjunto indissociável e solidário, que se estabelece o território. De acordo com Sack, o território sobre o qual se estabelece uma territorialidade não está restrito unicamente a um espaço físico, concreto. 13 Segundo o autor, o território não precisa se restringir ou estar circunscrito. Em função disto, termos como propriedade, soberania e jurisdição seriam demasiadamente restritivos para tratá-lo. Isto significa que o território nem sempre está vinculado unicamente ao controle sobre uma área claramente delimitada, ele pode corresponder a uma rede de relações ou interações (influências) estruturada sobre o meio físico “O espaço é a prisão ‘original’ e o território é a ‘prisão’ que os homens constróem para si” (RAFFESTIN, 1993). Esta frase tenta traduzir o lugar do território relativamente ao espaço. O espaço preexiste em relação ao território. Sobre o espaço são estabelecidas as relações de poder que podem engendrar um território. O conflito entre territorialidades em Roraima envolve não somente o controle de territórios institucionalmente criados ou delimitados, mas também o território que se estabelece a partir das relações de poder que diferentes atores imprimem sobre o espaço. Este trabalho entende que o território é engendrado por múltiplos processos de controle (jurídico/político/administrativo), dominação (econômico- social) e apropriação (cultural-simbólica)” (MIN/Grupo Retis, 2005). Territórios podem ser engendrados, por exemplo, por grupos de países que formam blocos econômicos (territórios supra-nacionais), por “tribos” urbanas, prostitutas e camelôs, passando por grupos étnicos como os indígenas e representantes de setores específicos da economia, como é o caso dos rizicultores e dos pecuaristas. Além destes, o Governo está presente como um dos principais atores – talvez o principal agente. 1.4 Apropriação e territorialidade Produzir a representação de um espaço é, segundo Raffestin (1993), “uma apropriação, uma empresa, um controle portanto, mesmo se isso permanece nos limites de um conhecimento. Qualquer projeto no espaço que é expresso por uma representação revela a imagem desejada de um território.” (p.144). O significado 14 disto para o presente trabalho é vital na medida em que as representações que os grupos indígenas fazem sobre o seu espaço, territorializando-o, engendram uma territorialidade. A “imagem desejada” se realiza a partir dos seus sistemas culturais que eles próprios atualizam e reproduzem a cada geração. Gilberto Velho e Eduardo Viveiros de Castro (1978) afirmam que a cultura pode ser concebida como um sistema. Isto significa admitir que ela pode ser vista não como um “agregado histórico de ‘traços’, elementos culturais, cuja relação interna não (é) examinada”, mas como “um todo coerente, aonde cada ‘costume’, regra, crença ou comportamento faz parte de um conjunto que dá sentido às partes” (p. 6). Levando em conta a sua natureza simbólica, a cultura pode ser “concebida com um sistema de símbolos organizados em diversos subsistemas” (VELHO & CASTRO, 1978:6). Isto significa que, segundo os autores, o comportamento humano pode apresentar, “para além do comportamento técnico ou pragmático” um componente simbólico importante. Os autores afirmam que é preciso distinguir os “possíveis diferentes sistemas simbólicos que existem em uma sociedade complexa”, que formam fronteiras, distintas entre si. Estas fronteiras, ou estas diferentes sociedades (simples ou complexas) podem ser comparadas internamente a um conjunto de códigos lingüísticos, os quais são decodificados e reconhecidos pelos seus membros. Desta forma, afirmam Velho & Castro: (...) é fundamental compreender como indivíduos concretos interpretam os símbolos e signos que estão a sua volta, como internalizam e a que decisões chegam em momentos de opção tanto em situações explicitamente dramáticas da história de uma sociedade quanto ao nível do cotidiano Esta concepção de Cultura nos indica que os símbolos “são decodificados a partir de um código comum a um grupo”. A partir disto, uma das formas de reconhecermos os membros de um determinado grupo, ou as fronteiras de uma dada cultura, é “o exame da capacidade ou não de um dado símbolo serdecodificado identicamente por dois grupos”. A possibilidade, portanto, de reconhecimento desta “fronteira”, delimitada por um sistema cultural a partir de um sistema de símbolos, engendra uma apropriação em relação ao espaço (prisão original). 15 Esta apropriação – note-se que não estamos falando de posse – não possui obrigatoriamente uma perspectiva jurídico-administrativa. Ela pode, antes disto, dizer respeito a um processo sócio-espacial e geográfico de construção simbólica da realidade, que resulta em um sentimento de pertencimento ou identificação espacial de um determinado grupo em relação a um espaço concreto, isto é, um processo de construção de uma identidade territorial (MIN/Grupo RETIS/UFRJ, 2005). A produção de uma representação que engendra uma apropriação é sustentada, pois, pelo sistema de símbolos produzidos pelos grupos indígenas ou não-indígenas. A partir destes símbolos, os grupos se apropriam de um espaço concreto levando, como já foi dito, à construção de uma identidade territorial. No caso da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol, a construção desta identidade territorial foi estabelecida ao longo de décadas e ganhou força, enquanto territorialidade, especialmente a partir do final dos anos de 1970, quando o movimento indígena em geral começou a ter mais visibilidade no Brasil Portanto, ao tratarmos dos conflitos entre territorialidades no processo de demarcação desta Terra Indígena e, mais especificamente, da territorialidade indígena, estamos tratando também dos conflitos entre diferentes sistemas culturais e diferentes identidades territoriais. Como já destacamos na introdução deste trabalho, não temos a pretensão de elaborar análises antropológicas ou etnológicas. Entretanto, achamos que seja importante entendermos de que forma se define a territorialidade indígena a partir da perspectiva cultural. Embora a valiosa contribuição de Robert Sack para o entendimento destas questões seja fundamental, a Antropologia, no que diz respeito aos indígenas, traz elementos importantes que ajudam a compreender o quão rica e complexa é sua relação com o espaço. Acreditamos que a partir do referencial acima exposto, o estabelecimento de uma articulação entre a noção de territorialidade e a apropriação territorial feita pelos indígenas seja um ponto importante da nossa pesquisa, principalmente para que possamos entender de forma mais clara as argumentações dos índios de Raposa/ Serra do Sol. . 16 É exatamente neste ponto que fazemos a articulação entre a empiria e a teoria, isto é, como veremos nos capítulos 3, 4 e 5, as estratégias e os discursos adotados pelos indígenas fundamentam-se em grande parte das vezes no apelo à esta identidade territorial. Isto não quer dizer que este seja o argumento definitivo por parte dos indígenas, nem mesmo que não haja contestações sobre sua validade. O fato é que pelo menos uma boa parte das conquistas legais e constitucionais dos indígenas foram legitimadas por alegações que reivindicavam o direito às terras tradicionalmente ocupadas. Até mesmo no caso dos não-indígenas, como os arrozeiros, argumentos que fazem referência ao pertencimento das famílias àquela região há mais de vinte anos – atrelado evidentemente ao direito de propriedade, é claro – foram e continuam sendo utilizados para justificar a sua permanência. A partir do que foi exposto, faremos antes de entrarmos nas discussões relativas ao nosso tema, uma pequena análise geral sobre este estado não tão estudado como os demais, pelo menos quando observamos a literatura geográfica. Em função disto, alguns aspectos econômicos, físicos e populacionais serão analisados no capítulo seguinte. Esperamos que os breves elementos teóricos discutidos acima possam servir como um ponto de partida para facilitar o entendimento acerca da metodologia e das argumentações utilizadas neste trabalho. 17 2- RORAIMA, QUE ESTADO É ESTE? 2.1. Características físicas de Roraima Quase todo o estado de Roraima está localizado acima da Linha do Equador (Hemisfério Norte). Seu território faz fronteira, ao norte e noroeste, com a Venezuela, ao sul e oeste, com o estado do Amazonas, a leste, com a República Cooperativista da Guyana e a sudeste com o estado do Pará (Mapa 01). O estado situa-se nas partes mais setentrionais da Plataforma Sul Americana, inserido no Cráton Amazônico. As superfícies dominantes no estado fazem parte do Escudo das Guianas e se estendem à Venezuela e à República Cooperativista da Guyana. A incidência de metais preciosos como o ouro, o diamante e a cassiterita, extraídos por garimpagem, são atividades importantes derivadas de suas características geológicas. O seu território está inteiramente inserido na Faixa de Fronteira brasileira (MACHADO, 2003; STEIMAN, 2002). Esta corresponde à área oficial delimitada por uma linha de 150 Km que se estende paralelamente ao longo de todo o limite nacional do Brasil (Mapa 02). Atualmente não existem mais terras a serem delimitadas nem demarcadas no Brasil. Entretanto, o processo de densificação desta área é um fenômeno atual já que as políticas que visam a criação de legislação sobre a Faixa de Fronteira, ainda hoje, são freqüentes nas políticas nacionais. No Brasil, as questões relativas à demarcação das fronteiras tiveram início no século XVIII, tendo os problemas ainda por equacionar sido resolvidos no início do século XX pelo Barão do Rio Branco. Desde a República brasileira que a preocupação em legislar sobre esta faixa que limita o território nacional está presente. Já em 1890, após a aprovação da Lei nº 601 que dispunha sobre as terras devolutas, foi reservada uma faixa de 66 Km ao longo dos limites internacionais que poderiam ser concedidas gratuitamente. Este limite foi alterado para 100 Km no artigo 166 da Constituição de 1934 e, finalmente, na Constituição de 1937, esta faixa passou para os atuais 150 Km. Todos os municípios interceptados por esta linha de 150km fazem parte da faixa. 18 Mapa 01 19 Fonte: Grupo Retis/ UFRJ Mapa 02 Faixa de Fronteira Nacional Continental 20 No que concerne à cobertura vegetal, duas grandes formações são predominantes no estado: as florestas e as savanas/ campos (Mapa 3). As florestas podem ser subdivididas em Floresta Tropical Densa e Campirana (BOHRER & GONÇALVES, 1991). A Floresta Tropical Densa ocupa grande parte da porção oeste e sudeste do estado. Esta vegetação, típica da Região Norte brasileira, se caracteriza por um clima ombrotérmico, com temperaturas médias que variam de 22º a 25ºC e uma pluviosidade que gira em torno de 2.300 mm anuais. A altura das árvores pode chegar a 50 m. É uma floresta multiestrata, apresentando quatro camadas bem definidas: o estrato mais alto, o das árvores emergentes que se sobressaem por cima do dossel superior da floresta; o dossel propriamente dito, quase todas do mesmo tamanho; um terceiro estrato, na submata, formado por árvores menores; e o quarto, formado por arvoretas, arbustos, subarbustos e ervas mais altas (BOHRER & GONÇALVES, 1991). 21 Mapa 03 22 A Campirana desenvolve-se no baixo rio Branco, em área inundável. É constituída de arbustos e pequenas árvores de altura homogênea. A precipitação e a umidade são bastante elevadas. Os seus solos são muito pobres não sendo, portanto, apropriados para as atividades agropastoris. Segundo Barros (1995), esta área foi bem pouco povoada por pioneiros ao longo da história de ocupação da região. A região nordeste de Roraima possui uma característica diferenciada em relação ao restante do estado em função da presença da savana (cerrado). É uma formação vegetal que se encontra na região periférica do grande valeamazônico e que apresenta médias mensais de temperatura acima de 15º, e clima tropical com um regime de chuvas bem marcado (Fotos 01 e 02). De acordo com Bohrer e Gonçalves (1991), apesar de apresentar características próprias, as formações desta região e as que são observadas no Centro-Oeste brasileiro apresentam uma identidade paleoclimática, através de suas formas de vida, e uma certa homogeneidade florística. A microrregião Nordeste de Roraima, por suas características de clima, relevo e cobertura vegetal, é a mais adequada do estado à ocupação humana. O relevo das Savanas é basicamente aplainado e sua altura média fica em torno de 130 metros, podendo chegar a 160m. As primeiras atividades agropastoris de que se tem notícia em Roraima datam de 1793, exatamente nesta região. Lá foram instaladas as Fazendas Reais de São Marcos, São José e São Bento. Elas foram fundadas onde hoje se localiza o município de Boa Vista (BARROS, 1995). 23 Foto 01 – Savana (Cerrado) - nordeste de Roraima Fonte: Grupo Retis/UFRJ – (Foto: P. Peiter) Foto 02 - Fazenda na beira da Rodovia BR 174 Trecho Boa Vista – Pacaraima Fonte: Grupo Retis/ UFRJ – (Foto: P. Peiter) 24 A Savana estépica (Campos de Roraima) se apresenta na porção do extremo nordeste do estado. O relevo passa a adquirir altitudes que variam de 200 a 600 metros, próximo das bacias dos rios Contigo e Maú. Aqui, a savana passa a ter uma forma estépica, com as gramíneas formando um tapete interrompido por pontos mais altos onde a vegetação se acumula. Finalmente, existe ainda a área de vegetação ecológica, que se caracteriza como sendo uma zona de transição entre a savana e a floresta (tensão ecológica). No relevo do estado, é possível perceber a presença de três unidades geomorfológicas: o Planalto do Amazonas/Orinoco, os Planaltos Residuais da Amazônia Setentrional e a Depressão da Amazônia Setentrional. Estas estruturas naturais foram cenários de diferentes processos pioneiros de ocupação e exploração do estado. A primeira, o Planalto do Amazonas/Orinoco, situado na porção norte do estado, onde localiza-se o Monte Roraima (Foto 03), só percebeu a presença mais significativa dos primeiros ocupantes não-índios na segunda metade do século XX. Estes pioneiros, segundo Barros (1995), foram os garimpeiros que ocuparam esta região interessados nas riquezas do subsolo. O sudeste de Roraima, onde se encontram os Planaltos Residuais da Amazônia Setentrional, foi objeto, a partir de 1975, dos planos de colonização e exploração madeireira, implementados pelo INCRA. Nesta mesma ocasião foi aberta a rodovia Perimetral Norte (BR 210), o que permitiu o acesso à área. 25 Foto 03 – Monte Roraima - Parque Nacional Monte Roraima Fonte: Grupo Retis/ UFRJ A área de ocupação mais antiga, a Depressão Amazônica Setentrional, se inicia punctualmente com a instalação de missões e postos de coleta nos séculos 17 e 18, na estreitíssima planície aluvial do rio Branco, no baixo curso, na área florestal, para no fim deste último século (séc. 18) e séculos seguintes, disseminar-se pelas amplas superfícies cobertas de campos e savanas a nordeste do Estado, com a implantação da pecuária ultra-extensiva, onde Boa Vista (capital) viria a se instalar. (BARROS, 1995:13) Paralelamente a este processo, ocorria também a ocupação das áreas aplainadas do Rupununi, na República Cooperativista da Guyana, e da Gran Sabana, na Venezuela. Segundo Barros, as áreas de relevo mais elevado, localizadas no norte do estado, continuaram sem a presença dos colonizadores durante um bom tempo. 26 No que diz respeito à hidrografia, Roraima tem como principal curso o rio Branco, que é responsável pela drenagem de quase todo o seu território. O Uraricoera e o Tacutú são os seus dois principais formadores. O Rio Tacutú, acima de sua confluência com o Uraricoera, estabelece o limite internacional de fronteira entre o Brasil e República Cooperativista da Guiana. A importância econômica do rio Branco está relacionada com o processo de ocupação do estado e com o fluxo de produtos. Até o início da construção das rodovias em Roraima, no início da década de 1970, este foi o principal eixo de penetração na região. Apesar disto, ainda hoje o rio Branco é usado como a principal hidrovia para o transporte de produtos como combustível e grãos entre Manaus e Boa Vista (BARROS, 1995). Hoje em dia a hidrovia rio Negro/ rio Branco possui um papel de destaque no escoamento de grãos para o porto de Itacoatiara (Manaus). O rio Branco é a principal via fluvial do estado e praticamente todo o transporte hidroviário de Roraima ocorre nas águas de seu baixo curso. O baixo rio Branco é navegável por embarcações de carga, até as corredeiras de Bem Querer e constitui o tronco principal de transporte na ligação com Manaus. A montante das corredeiras de Caracaraí, a navegação é de novo franca até a capital Boa Vista, porém este ramo de 130 km, que no passado foi o único acesso à Capital, hoje não é praticamente utilizado para transporte de carga por estar isolado, ser curto e paralelo à rodovia pavimentada. Hoje, a via de transporte mais adequada para o escoamento da produção de grãos do município de Caracaraí é através da hidrovia Negro - Branco, prosseguindo pelo rio Amazonas até o terminal graneleiro de ltacoatiara, para embarque em navios de grande porte Existem porém outros rios na região que poderiam ser utilizados para a navegação comercial. Entre estes contam-se os rios Jauaperi e Jutaí, ambos também no limite com o estado do Amazonas, sendo o primeiro navegável em longa extensão, após o trecho fronteiriço. O afluente da margem direita, Rio Catrimani, poderia ser aproveitado assim como o afluente da margem esquerda, o rio Anauá. Estes rios são, entretanto, pouco conhecidos e correm em regiões de baixa ocupação populacional ou em reservas indígenas. 27 O rio Uraricoera e o alto rio Branco, situado a montante de Boa Vista, são também pouco conhecidos, porém percorrem regiões mais ocupadas e merecem ser encarados como vias complementares para o transporte comercial regional. 2.2. Alguns aspectos da dinâmica populacional O estado de Roraima possui uma extensão territorial de 225.116,1 Km². Atuamente, sua população total é de 324.927 habitantes distribuídos por 15 municípios (IBGE 2000). É o estado da federação com uma das menores densidades demográficas do país, cerca de 1,44 Hab/Km², e mais de 50% de sua população vivendo na capital, Boa Vista, que possui uma densidade demográfica em torno de 35,26 hab/Km². A passagem da condição de Território Federal para estado federativo ocorreu em 1988, no âmbito da nova Constituição Federal. Ao longo dos últimos 25 anos, tem-se percebido um aumento populacional importante em Roraima. Este processo está associado principalmente ao crescimento dos núcleos urbanos na Amazônia como um todo (FERNANDES NETO, 2003). Como é possível perceber nos gráficos 1, 2, 3 e 4 a seguir, relativos ao período de 1980 a 2000, a população total de Roraima deu um salto, passando de 79.327 para 324.172 habitantes, segundo dados do IBGE. A grande concentração populacional deu ensejo a um processo de macrocefalia no estado, cuja capital canalizou grande parte dos imigrantes. RORAIMA Evolução da população total do estado - 1980 - 2000 217.583 324.152 79.327 0 50000 100000 150000 200000 250000 300000 350000 1980 1991 2000 Gráfico 01 Gráfico 01 Fonte: IBGE, 2000 28 Entre os elementos que ajudam a entender este processo de crescimento populacional em Roraima estão: a) a criação acelerada de municípios desde a década de 1980; e b) a chegada das frentes de ocupação, representadas pelo garimpo e pelos fazendeiros (pecuaristas de agricultores), muitos deles incentivadospor políticas públicas. Estes migrantes vieram em busca de terras disponíveis do estado. RORAIMA População total por município - 1980 66.808 12.519 0 10.000 20.000 30.000 40.000 50.000 60.000 70.000 80.000 Boa Vista Caracaraí (Hab.) Municípios Gráfico 02 RO RAIM A População total por m unicípio - 1991 13.308 9.10610.14311.1888.9009.47811.211 144.249 0 20.000 40.000 60.000 80.000 100.000 120.000 140.000 160.000 Al to Al eg re Bo a V ist a Bo nfi m Ca rac ara í Mu ca jaí No rm an dia Sã o J oã o d a B ali za Sã o L uíz (hab.) M unicíp ios Gráfico 03 Fonte: IBGE, 2000 Fonte: IBGE, 2000 29 A grande parcela do território do estado de Roraima ocupada por Terras Indígenas e Parques Nacionais já demarcados e o vínculo entre suas frentes de ocupação principais e o extrativismo mineral e vegetal são alguns dos fatores que podem explicar a baixa densidade populacional da maior parte do estado. No caso de Roraima, a localização no extremo norte da região amazônica, as particularidades da bacia hidrográfica do rio Branco e a posição favorável do estado em relação às conexões com a região do Caribe são características importantes, mas que não têm sido suficientes para promover uma ocupação mais intensa do estado. A conexão com a Venezuela e com a Guiana é importante, especialmente levando-se em conta as trocas comerciais incentivadas pelos governos locais e nacional. A principal rodovia de Roraima, a BR 174, que corta o estado, é a única estrada na Região Norte entre o Brasil e o Caribe (Mapa 4). Na Venezuela passa a chamar-se Carretera Panamericana, importante eixo de integração entre a Região Norte do Brasil e o Norte da América do Sul. A existência de tal eixo é um dos elementos que confere importância estratégica ao estado no contexto da Amazônia. A existência deste importante eixo viário, passando pelo estado de Roraima e chegando ao Caribe, tem produzido efeitos importantes em Roraima RORAIMA População total por município - 2000 17.907 5.294 200.568 9.326 8.571 14.286 5.692 4.781 11.247 6.138 6.990 5.091 5.311 5.80217.393 0 50000 100000 150000 200000 250000 Al to Al eg re Am aja ri Bo a V ist a Bo nfi m Ca ntá Ca rac ara í Ca ro eb e Ira ce ma Mu ca jaí No rm an dia Pa ca rai ma Ro rai nó po lis Sã o J oã o d a B ali za Sã o L uíz Ui ram utã (Hab.) Municípios Gráfico 04 Fonte: IBGE, 2000 30 desde o fim de seu asfaltamento, em 1998. Mesmo que a construção desta rodovia e seus objetivos iniciais estejam relacionados muito mais com as escalas nacional e supranacional, não é possível desconsiderar dois elementos: os efeitos da existência deste meio técnico para as cidades e as motivações econômicas e políticas que levaram ao estabelecimento desta rodovia exatamente em Roraima2. Soma-se à importância desta rodovia, ainda no contexto da Faixa de Fronteira, a construção da ponte internacional sobre o rio Tacutu (limite entre Roraima e a República da Guiana), em fase final de construção, que permitirá a melhora da articulação com Georgetown, através da BR-401, cruzando a fronteira em Bonfim. 2 Sobre este assunto e outras referências e pesquisas importantes sobra a Região Norte, consultar o site do Grupo Retis que possui farto material geográfico sobre todos os municípios da Faixa de Fronteira nacional brasileira. (www.ufrj.br/gruporetis/fronteiras) 31 BR 401 Base espacial: Santilli, 2001 Fonte: Grupo Retis/ UFRJ; IBGE 2000 Organização e GIS: Pedro F. Neto Mapa 04 32 Embora essas articulações visem o escoamento dos produtos da Zona Franca de Manaus e a abertura da Região Norte ocidental à região caribenha, não se pode deduzir que Boa Vista e a bacia hidrográfica do Rio Branco sejam apenas zonas de passagem. A partir dos dados do trabalho de campo realizado em 2001, em Roraima, as cidades localizadas em vias que cruzam o limite internacional (Bonfim e Pacaraima) se beneficiam do movimento de pessoas e mercadorias, mesmo que de maneira instável. Neste trabalho de campo foram visitados os municípios de Boa Vista (capital do estado), Pacaraima e Bonfim, além da cidade de Santa Elena (Venezuela) que está articulada a Pacaraima, e a cidade de Lethen (Guiana), articulada a Bonfim. 2.3. Aspectos econômicos e a presença indígena Ao longo do ano de 2004, foi realizado um projeto coordenado pelo Ministério da Integração Nacional em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, cuja coordenação da equipe de pesquisadores ficou sob a responsabilidade da Dra Lia Osório Machado (Grupo Retis) e que teve por objetivo elaborar uma proposta de reestruturação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira3 do Governo Federal. Como parte da metodologia deste projeto, foram identificados espaços sub-regionais com base em processos não somente relacionados à um instrumento analítico previamente arbitrado, mas forjados “na própria ação dos indivíduos e comunidades que, conjugando múltiplos interesses, econômicos e políticos, e produzindo identificações sócio- culturais diversificadas, redesenham constantemente seus espaços” (MIN, 2005:22). Um dos resultados foi a elaboração de uma Tipologia Básica das Sub- regiões da Faixa de Fronteira do Brasil. A partir disto, é importante dar especial destaque à Sub-região Campos do Rio Branco, no interior da qual encontra-se a Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol. Entre suas características mais importantes estão: a presença dos Campos do rio Branco; a presença da capital do estado, Boa Vista, com um “robusto” mercado urbano; e, por fim, a grande presença de indígenas, dispostos em mais 3 Faço parte do Grupo Retis e atuei como colaborador deste projeto. 33 de vinte reservas. Esta presença é, aliás, um dos principais elementos que caracterizam Roraima e a Região Norte como um todo. No que diz respeito à especialização produtiva, de um modo geral esta sub-região apresenta uma presença importante da agricultura, em especial do arroz com cerca de 53% da produção do Arco Norte4 (MIN, 2005). Além destas culturas, a produção de mandioca (34%) e milho (23%) também se destacam5. O cultivo de frutas e legumes como a banana, o tomate e a laranja também está presente na sub-região. Apesar disto, é verdade que o valor da produção ainda é muito baixo se comparado ao restante do país. No que concerne à agroindústria, a concentração está em Boa Vista, que responde por grande parte da produção de alimentos, bebida, fumo, moagem, amido, ração, laticínios e calçados, bem como um variado comércio atacadista Também fazem parte deste rol os setores madeireiros e moveleiros, localizados principalmente em Boa Vista, entretanto podendo ser encontrados, em menor escala, nos municípios de Rorainópolis, Caracaraí, Mucajaí, Cantá e Pacaraima (MIN, 2005). Esta agroindústria se beneficia da posição privilegiada do estado e de suas conexões viárias com a Venezuela de a Guiana. Alem destas atividades, a soja já começa a penetrar no estado. Apesar de apresentar algumas potencialidades, especialmente no que tange à agricultura, ainda existem muitos problemas a resolver no estado, entre eles a demarcação das Terras Indígenas. No âmbito da Faixa de Fronteira nacional do Brasil, o segmento norte é privilegiado no que diz respeito à presença de indígenas e, neste contexto, Roraima apresenta, juntamente com o estado do Amazonas, a maior concentração relativa de indígenas da faixa de fronteira brasileira e do Brasil (MIN, 2005; IBGE, 2002). Esta concentração é maior nos municípios de Uiramutã e Normandia (Mapa 05) cujos territórios estão completamente inseridosno interior dos limites da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol. 4 O Arco Norte compreende a Faixa de Fronteira dos estados do Amapá, Pará, Amazonas e os estados de Roraima e Acre (totalmente situados na Faixa de Fronteira) e faz parte de uma macrodivisão da Faixa de Fronteira em três arcos: Norte, Central e Sul (MIN/Grupo Retis/UFRJ). 5 Estas porcentagens dizem respeito ao total da produção do Arco Norte. 34 Mapa 05 35 A concentração de indígenas nestes municípios em particular aponta para um dos elementos principais abordados neste trabalho: a territorialidade indígena. Possivelmente, um dos critérios utilizados pelos estudos da FUNAI para a identificação dos limites da Raposa/ Serra do Sol tenha sido esta grande concentração (acima de 50% da população do município) de índios nesta porção do estado de Roraima. Apesar de menor, a concentração de índios nos municípios de Amajari, Pacaraima e Bonfim também é expressiva (entre 30 e 50%). A questão indígena em Roraima tem sido relevante no entendimento tanto dos problemas relativos à organização espacial, territorial e social deste estado como das situações de tensão ocorridas nas últimas décadas. Quanto a isto, de acordo com Lacerda (2004), o acirramento dos conflitos envolvendo a disputa por terras indígenas no Brasil tem relação com o atraso no processo de demarcação e homologação destas áreas. Especialmente em Roraima e no que concerne à Reserva Indígena Raposa/ Serra do Sol, esta demora teve conseqüências importantes, as quais serão analisadas nos capítulos seguintes. Quase cinqüenta por cento do território de Roraima corresponde a Terras Indígenas. De acordo com dados do Instituto Socioambiental, atualmente 70% das terras indígenas estão registradas, 20% foram homologadas, 6,7% foram declaradas e apenas 3,3% ainda restam a ser identificadas (Tabela 01). Entre as mais importantes em termos numéricos estão a Terra Indígena Yanomami, situada na porção oeste do estado e que chega a abarcar também uma parte do estado do Amazonas, e a Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol, localizada na porção nordeste de Roraima (Mapa 06). 36 Tabela 01 – Situação das Terras Indígenas no Norte do Brasil, em relação ao total estadual de Terras Indígenas em diversas fases de regularização – 2004 (em número de terras e percentual) Situação 1 2 3 4 5 6 7 UF n.º % n.º % n.º % n.º % n.º % n.º % n.º % Tot. AC 1 2,6 9 23,7 0 0 2 5,3 1 2,6 23 60,5 2 5,3 38 AM 0 0 60 30,5 11 5,6 19 9,6 26 13,2 70 35,5 11 5,6 197 AP 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 4 80 1 20 5 PA 3 3,7 23 28,4 3 3,7 7 8,6 1 1,2 23 28,4 21 25,9 81 RO 0 0 5 14,3 0 0 1 2,9 0 0 16 45,7 13 37,1 35 RR 0 0 1 3,3 0 0 2 6,7 6 20 21 70 0 0 30 TO 0 0 2 22,2 0 0 1 11,1 0 0 6 66,7 0 0 9 NORTE 4 1 100 25,3 14 3,5 32 8,1 34 8,6 163 41,3 48 12,2 395 (1) Reservadas (2) A Identificar (3) Identificadas; (4) Declaradas (5) Homologadas (6) Registradas (7) Sem Providências 37 Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol Fonte: Instituto Socioambiental - 2005 Mapa 06 38 2.4. O processo de regularização da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol: da identificação à homologação O desenrolar do processo de regularização das Terras Indígenas no estado tem causado situações de tensão entre os interesses dos índios e os interesses dos proprietários fundiários. Particularmente nos interessa o caso dos conflitos envolvendo os indígenas de Raposa/ Serra do Sol. No tópico a seguir, apresentaremos os principais eventos deste longo processo que teve a sua origem em 1977. Apesar disto, para efeito desta pesquisa, iremos nos deter, como já dissemos na introdução, no período que consideramos mais importante: 1993 a 2005. 2.4.1. Antecedentes Hoje em dia, mais uma vez6, os povos indígenas encontram-se no centro de disputas territoriais no Brasil. As motivações são as mais diversas: políticas, econômicas, culturais, fundiárias, etc. O contato entre índios e colonizadores na região do rio Branco já é antiga, remonta ao século XVIII. Apesar disto, a preocupação por parte de organismos oficiais nacionais para com a questão indígena é recente, podendo ter como marco principal o ano da criação do SPI (Serviço de Proteção ao Índio), em 19107. Apesar da criação do SPI, no que diz respeito às políticas de demarcação de terras indígenas houve uma lacuna entre 1910 e 1977, período em que foram registradas poucas providências importantes no âmbito oficial, visando promover a demarcação destas áreas especiais para uso exclusivo destes povos (SANTILLI, 2001). 6 ‘Mais uma vez’ porque desde a chegada dos colonizadores europeus à região do rio Branco que os índios se vêem envolvidos em contendas territoriais. Não é objetivo deste trabalho fazer uma análise deste período, sobre isto ver FARAGE, Nádia (1991). As Muralhas dos Sertões: os povos do Rio Branco e a colonização, Rio de Janeiro: Paz e Terra: ANPOCS. 7O que estamos chamando aqui de preocupações significa, mais objetivamente, o enquadramento governamental desta questão, isto é, foi a partir da criação do SPI que, pela primeira vez no Brasil, existiu um órgão da administração pública responsável por estabelecer este elo institucional entre o Governo Federal e os povos indígenas. 39 Ao longo deste período de relativa estagnação8 no que concerne à política de demarcação de terras, a visão do Governo Federal foi voltada muito mais para a instrumentalização do índio para o trabalho agrícola do que para a promoção de políticas fundiárias que garantissem o direito às suas terras. Uma constatação deste fato foi a subordinação do SPI ao MAIC (Ministério da Agricultura Indústria de Comércio), no período de 1910 a 1930, e, a partir de 1939, ao MA (Ministério da Agricultura). Até o início de 1950, o padrão fundiário implícito à imposição de uma territorialidade aos grupos indígenas supunha (...) a demarcação de pequenas porções de terra em que os grupos indígenas, resumidos muitas vezes à dimensão de famílias nucleares, se fixariam e dos quais extrairiam sua subsistência básica, o mais sendo complementado com a sua inserção no mercado regional de mão-de- obra, mediada pela atuação do Serviço (LIMA, 1998:168). Por outro lado, o controle da ocupação dos povos indígenas que se localizavam na Faixa de Fronteira nacional, especificamente onde viria a ser o Território do Rio Branco (1937), significou a garantia da soberania nacional, especialmente no governo de Getúlio Vargas. A presença indígena nesta fronteira era uma forma de garantia dos domínios brasileiros sobre estas terras setentrionais. Apesar de algumas terem sido delimitadas fisicamente, as terras destinadas para a ocupação indígena continuaram a ser invadidas por posseiros e garimpeiros ao longo dos anos que se sucederam. Foi durante as primeiras décadas do século XX que se registraram os primeiros focos de garimpo no estado, mais especificamente nos rios Contigo e Maú (BARROS, 1995). Esta situação começa a se modificar a partir do início da década de 1970, quando a questão indígena passa a ser tema de relevância junto à sociedade civil (BAINES, 2003; CUNHA, 1998). Esta foi a época em que se intensificaram os investimentos pesados em infra-estrutura e em prospecção mineral, a abertura da rodovia Transamazônica, a construção das barragens de Tucuruí e Balbina e o Projeto Grande Carajás. O 8 Dizemos relativa pois foi ao longo deste período em que alguns avanços importantes foram feitos, especialmente no que diz respeito à obstinação de Cândido Rondon. Entretanto, no que diz 40 progresso seguia o seu rumo e tinha como “empecilho” a presença dos índios. Foi a época emque foram feitos os contatos com os grupos isolados em virtude da necessidade de fazer avançar os tratores que rasgavam a selva, abrindo as estradas. Paralelamente a este processo, os índios iniciaram as primeiras tentativas de organização de cunho próprio. O CIR (Conselho Indígena de Roraima), contando com a ajuda da Igreja Católica, mais especificamente da Pastoral do Índio, foi uma das primeiras formas de organização das comunidades indígenas em Roraima (BAINES, 2003). Desde então estas organizações de apoio à causa indígena vêm enfrentando uma forte oposição dos interesses econômicos e políticos locais e regionais que se manifestam contrários à demarcação de Raposa/ Serra do Sol. Em 1977, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI)9, através da portaria n.º GM/111 de 14 de março do referido ano, instituiu um Grupo de Trabalho Interministerial para proceder a identificação das terras Makuxi sem, no entanto, fazer referência à extensão destas terras. Tratava-se do processo embrionário de homologação da Raposa/ Serra do Sol. 2.4.2. Da identificação à demarcação Os elementos que destacaremos a seguir narram as dimensões da disputa territorial em torno da regularização da TI Raposa/ Serra do Sol, tanto no que tange às intrincadas articulações judicias nas esferas federal e estaduais, quanto no que se refere às disputas políticas entre os demais atores envolvidos. Dois anos após a criação do primeiro Grupo de Trabalho (1977), a FUNAI editou nova portaria (509/E – 9/01/1979) instituindo novo Grupo de Trabalho para a delimitação da Terra Indígena. Segundo Santilli (2001), mesmo sem fazer os necessários estudos antropológicos e históricos, este novo grupo chegou a propor uma área identificada provisoriamente com a extensão de 1.347.810 ha. respeito às políticas de demarcação de terras, a ação governamental deixou a desejar. 9 a FUNAI foi criada em 1967 e teve sua origem o extinto SPI, que encerrara suas atividades em 1966 sob a suspeita de corrupção. 41 Em 1984, a portaria da FUNAI nº 1.645/E, editada em 29 de maio daquele ano, instituiu outro Grupo de Trabalho. Este grupo foi responsável pela determinação de uma extensão para a área de 1.577.850 ha, desmembrada em cinco áreas contíguas, a saber: Xununuetamu – 53.510 ha, Surumú – 455.610 ha, Raposa – 347.040 ha e Maturuca-Serra do Sol – 721.690 ha. Apesar disto, as lideranças indígenas não aceitaram este desmembramento de suas terras e, no mesmo relatório que havia fixado estes limites, foi estabelecida uma área total de 2.000.000 de hectares, já que foram agregadas algumas aldeias antes deixadas de fora. A partir de 1991, já no governo de Fernando Collor de Mello, a FUNAI por meio das portarias 398 de 26/04/91, 1.285/92, 1.375/92 e 1.553/92, decidiu pelo reestudo da área indígena Raposa/ Serra do Sol. Finalmente este último GT chegou a definição de uma área cuja extensão era de 1.678.800 ha. Esta proposta foi aprovada pela FUNAI por meio do parecer nº 036/DID/DAF de 12 de abril de 1993 e publicado no Diário Oficial da União em 21 de maio do mesmo ano e encaminhada ao Ministro da Justiça. Estava, finalmente, vencida a etapa da identificação da terra indígena Raposa/ Serra do Sol. 2.4.3. Da demarcação à homologação A etapa seguinte seria a demarcação. Entretanto, o Ministro da Justiça não deu prosseguimento ao processo. No governo de Fernando Henrique Cardoso (1995), os problemas persistiram. Grande parte dos políticos locais da bancada de Roraima no legislativo, organizações corporativas, representantes da mineração e militares foram contrários à demarcação de Raposa/ Serra do Sol. Em 1996, o Ministério da Justiça trouxe a TI Raposa/ Serra do Sol à condição de “caso paradigmático”, estabelecendo o direito ao contraditório (Decreto 1.775/96). Isto significou que todos aqueles cujas propriedades estivessem dentro dos limites de uma Terra Indígena, em qualquer lugar do país, teriam um prazo de 180 dias para contestar o processo de demarcação desde que o Estado ainda não tivesse homologado tais Terras em favor dos povos indígenas, isto é, desde que ainda não tivessem 42 tido o seu processo de regularização fundiária finalizado, com o devido registro no Serviço de Patrimônio da União (esta é a última etapa, que ocorre após a homologação pelo Presidente da República). Apesar de todas as contestações que alegavam que o Decreto 1.775/96 feria o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988 (Anexo 01) este foi sancionado por Fernando Henrique Cardoso em 6 de janeiro de 1996. Com base neste Decreto, várias contestações provenientes do setor privado e principalmente do próprio governo de Roraima foram feitas e, apesar do Ministro da Justiça ter sido obrigado a aceitar a legitimidade da demarcação da TI, acolheu dois pleitos em especial: o do próprio governo de Roraima e do fazendeiro Newton Tavares, que alegava direito adquirido de suas posses. Este fato abriu um precedente para que colônias de garimpeiros e colonos fossem reconhecidas como fazendo parte da reserva e com direito a permanecer na área. A situação permaneceu sem grandes avanços até janeiro de 2004, já no governo de Luís Inácio Lula da Silva. No início do referido ano houve uma série de intensas manifestações capitaneadas pelos grupos contrários à homologação de Raposa/ Serra do Sol em área contínua. Rizicultores e grupos de indígenas promoveram o bloqueio da estrada BR 174, o principal eixo rodoviário de Roraima, seqüestraram funcionários da FUNAI e fizeram protestos violentos no estado, enfim, foram momentos de grande tensão. O próprio governo estadual e algumas prefeituras têm sido enfáticos em suas posições, isto é, não admitem que parcelas de seus territórios sejam destinadas à Terra Indígena. Entretanto, apesar de todas as contestações jurídicas e manifestações promovidas por grupos contrários à homologação, no dia 13 de abril de 2005, por meio da Portaria n.º 534, o Ministro da Justiça reconheceu a área contínua demarcada pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), com 1.747.46 ha. Em virtude da localização de Raposa/ Serra do Sol na Faixa de Fronteira nacional, este decreto excluiu as sedes dos municípios de Uiramutã e Normandia, as estradas federais e estaduais e demais equipamentos públicos e as bases militares. Para compreendermos os interesses dos diversos atores envolvidos nestes acontecimentos, passaremos a analisar nos capítulos seguintes seus interesses e os discursos por eles divulgados. 43 Tabela 02 - Síntese do histórico do processo de homologação Raposa/ Serra do Sol ANO ACONTECIMENTO Área da T.I. (ha) 1977/79 Início do processo de identificação - GM/111 1.347.810 1984 Portaria 1.645 1.577.850 1991/2 Portarias 398/91; 1.285/92; 1375/92; 1553/92 1993 Envio do relatório final da FUNAI p/ Ministro da Justiça – início do processo de demarcação 1.678.800 1995 Criação dos municípios de Uiramutã e Pacaraima 1996 Decreto 1.775/96 - Direito ao contraditório 1997 Escolha de Uiramutã para o Batalhão Especial de Fronteira 1998 Portaria 820/98 – declara a posse permanente dos índios de Raposa/ Serra do Sol 1999 Ação Popular contra a Portaria 820/98 2002 Decreto 4412/02 - autoriza a presença militar e policial em terras indígenas 2003 Portaria 020/03 - Aprova a diretriz para o relacionamento do Exército com as comunidades indígenas. 2003 Portaria 983/ 03 - Aprova a diretriz para o relacionamento das Forças Armadas com as comunidades indígenas 2004 Radicalização das ações dos grupos indígenas e não- indígenas contrários à demarcação em área contínua. 2005 Homologação Portaria 534/05 1.747.464 Fonte: ISA, 2000; SANTILLI, 2001 44 3 - OS PRINCIPAIS
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