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Conflitos Territoriais em Terra Indígena Raposa/Serra do Sol

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
CCMN – INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS 
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO 
 
 
A Demarcação da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol (Roraima): 
conflitos entre territorialidades 
1993 – 2005 
 
Pedro Fernandes Neto 
Orientadora: Lia Osorio Machado 
 
 
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO 
EM GEOGRAFIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO REQUISITO 
PARCIAL PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS (M.Sc.) 
 
 
 
RIO DE JANEIRO 
 
FEVEREIRO – 2006 
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
CCMN – INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS 
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO 
 
 
 
 
A Demarcação da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol (Roraima): conflitos 
entre territorialidades 
1993 – 2005 
 
 
Pedro Fernandes Neto 
 
 
 
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM 
GEOGRAFIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO REQUISITO PARCIAL 
PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS (M.Sc.) 
 
 
APROVADA POR: 
 
PROF.a Dr.a LIA OSORIO MACHADO (ORIENTADORA)________________________ 
 
 
PROF.a Dr.a. MARIA CÉLIA NUNES COELHO________________________________ 
 
 
PROF.a Dr.a PRISCILA FAULHABER BARBOSA______________________________ 
 
 
 
 
 
RIO DE JANEIRO 
 
FEVEREIRO – 2006 
 
 
 
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FICHA CATALOGRÁFICA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FERNANDES NETO, Pedro. 
 
A Demarcação da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol (Roraima): conflitos entre 
territorialidades (1993 – 2005) – Rio de Janeiro. UFRJ. 2006. IX.130 p. 
Dissertação de Mestrado – Universidade Federal do Rio de Janeiro/PPGG, 2006. 
Orientadora: Lia Osorio Machado. 
Assunto: 1 – Conflitos entre territorialidades; 2 - Terra Indígena; 3 – Faixa de 
Fronteira; 4 – Roraima. 
I – UFRJ/PPGG. II - A Demarcação da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol 
(Roraima): conflitos entre territorialidades (1993 – 2005) 
 
 iii
 
AGRADECIMENTOS 
 
Primeiramente, gostaria de agradecer à FAPERJ a ajuda financeira 
fundamental por meio do fornecimento de bolsa de Mestrado ao longo do ano de 
2004. Especialmente ao funcionário Wander, sempre muito compreensivo. 
Agradeço à Prof.a Lia Osorio Machado pelo cuidado na orientação dessa 
dissertação, pela tolerância com as minhas dificuldades e pelo aprendizado que 
me proporcionou nestes quatro anos de convivência. Agradeço também à 
Professora Dominique Gallois por ter tão prontamente me atendido quando tive 
dúvidas sobre questões indígenas. Da mesma forma, agradeço à Professora 
Priscila Faulhaber por ter aceitado fazer parte da banca. 
Um agradecimento especial à Professora Maria Célia que, com a sua 
valiosa ajuda nos momentos de dúvida, me fez ter menos incertezas sobre os 
rumos da minha pesquisa. 
Agradeço a todos os companheiros do Grupo Retis/UFRJ que, ao longo 
destes anos de convivência, me proporcionaram um rico aprendizado no que se 
refere ao trabalho em equipe, tão importante em todos os momentos de nossa 
vida. 
Um agradecimento aos funcionários Pedro (da biblioteca) e Roberto (Bob), 
pelo importante apoio técnico nesta etapa crucial da vida de um estudante. 
Um agradecimento muito carinhoso a minha esposa Alba Valeria que foi e 
continua sendo o grande amor da minha vida. 
Ao meu pai pela presença nos momentos difíceis. 
E por fim, um agradecimento muito especial à minha mãe, sempre 
presente em todos os momentos da minha vida. Na alegria, na tristeza, sempre 
pronta a me ajudar independentemente das circunstâncias. Agradeço por ter me 
proporcionado os meios necessários para que pudesse chegar ao Mestrado, 
apesar de todas as dificuldades. 
 
 
 
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À minha mãe, minha grande amiga. 
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“Quem me dera, ao menos uma vez, 
Como a mais bela tribo, dos mais belos índios, 
Não ser atacado por ser inocente.” 
 
Legião Urbana 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 vi
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO – 1 
 
1. CONCEITOS, NOÇÕES E METODOLOGIA 
1.1. Metodologia e objetivos - 4 
1.2. Alguns elementos sobre a noção de territorialidade - 7 
1.3. A territorialização do espaço -11 
1.4. Apropriação e territorialidade -13 
 
2. RORAIMA: QUE ESTADO É ESTE? 
2.1. Características físicas de Roraima - 17 
2.2. Alguns aspectos da dinâmica populacional – 27 
2.3. Aspectos econômicos e a presença indígena – 32 
2.4. O processo de regularização da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol: da 
identificação à homologação – 38 
2.4.1. Antecedentes – 38 
2.4.2. Da identificação à demarcação – 40 
2.4.3. Da demarcação à homologação – 41 
 
3. OS PRINCIPAIS ATORES E SUAS ESTRATÉGIAS NO PROCESSO DE 
DEMARCAÇÃO DE RAPOSA/ SERRA DO SOL 
3.1. A FUNAI (Governo Federal) – 44 
3.1.1. Funções da FUNAI no processo de regularização de uma Terra 
Indígena – 45 
3.1.2. A FUNAI e a presença de não-indígenas nas terras demarcadas – 
49 
3.2. Estratégia do Governo estadual – 50 
3.2.1. A criação de Pacaraima e Uiramutã – 52 
3.3. As frentes de ocupação não-indígenas – 55 
3.3.1. Os rizicultores e suas estratégias – 55 
3.3.2. A campanha contra a demarcação em área contínua – 64 
3.4. Os garimpeiros na Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol – 69 
 vii
 
4. AS ESTRATÉGIAS TERRITORIAIS DOS INDÍGENAS NA T.I. RAPOSA/ 
SERRA DO SOL 
4.1. Demarcação em área contínua – 73 
4.1.1. As manifestações indígenas favoráveis – 76 
4.1.2. As manifestações indígenas contrárias – 77 
4.2. Articulação entre as malocas: os Conselhos Indígenas e a presença dos 
indígenas de Roraima na política - 81 
4.3. A dinâmica espacial interna de Raposa/ Serra do Sol – 84 
4.3.1. Como os índios usam seu território – 84 
4.3.2. A territorialidade indígena: a identificação com o espaço – 88 
 
 
5. OS DISCURSOS CONTRÁRIOS E FAVORÁVEIS À TERRA INDÍGENA EM 
ÁREA CONTÍNUA 
5.1. Os discursos contrários – 99 
5.1.1. Terra Indígena e Faixa de Fronteira – 99 
5.1.2. O discurso do desenvolvimento econômico – 106 
5.2. Os discursos favoráveis – 110 
5.2.1. O direito originário dos índios sobre as terras que ocupam – 110 
5.2.2. O discurso que exalta as diferenças entre indígenas e não-indígenas 
– 115 
 
Considerações finais – 119 
 
Bibliografia 
 
Anexos 
 
 
 
 viii
 
Relação de gráficos 
 
1. Evolução da população (1980 – 2000) – 27 
2. População residente (1980) – 28 
3. População residente (1991) – 28 
4. População residente (2000) – 29 
5. Produtividade de arroz em Roraima (1995 – 2000) – 60 
6. Área plantada de arroz em Roraima (1995 – 2000) – 60 
 
Relação de mapas 
 
1. Divisão político-administrativa de Roraima – 18 
2. Faixa de Fronteira Internacional Continental do Brasil –19 
3. Mapa fitogeográfico de Roraima – 21 
4. Posição estratégica de Roraima no contexto do Brasil setentrional – 31 
5. População indígena por município (2000) – 34 
6. Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol – 37 
7. Situação fundiária de Roraima – 51 
8. Base produtiva de Roraima (2001) – 58 
9. Raposa Serra do Sol: áreas de garimpo – 71 
10. Distribuição territorial das malocas e da vegetação em Raposa/ Serra do Sol – 86 
 
Relação de tabelas 
1. Situação das terras indígenas no Norte do Brasil – 36 
2. Resumo do histórico do processo de homologação de Raposa/ Serra do Sol – 
43 
 
Relação de fotos 
1. Savana (cerrado) – nordeste de Roraima – 23 
2. Fazenda na beira da rodovia BR 174 – trecho Boa Vista/ Pacaraima – 23 
3. Monte Roraima – Parque Nacional Monte Roraima - 25 
4. Fazenda de arroz em Pacaraima, Roraima – 59 
5. Fazenda de arroz em Normandia, Roraima – 59 
 ix
6. Índios contrários à homologação de Raposa/ Serra do Sol em manifestação no 
Ministério da Justiça – 65 
7. Campanha contra a homologação: outdoors espalhados pela capital, Boa 
Vista, e por Brasília – 66 
8. Campanha contra a homologação de Raposa/ Serra do Sol, Boa Vista – 
Roraima,2000 – 67 
 
Anexos 
 
1. Artigo 231 da Constituição Federal de 1988 
2. Estatuto do Índio 
3. Relatório do INCRA sobre fazendas de arroz na região de Raposa/ Serra do 
Sol 
 
Capa: Reprodução de gravura da Expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira ao 
vale do Rio Branco (1790-91) em Viagem ao Brasil, vol. III de A. R. Ferreira, 
orgs: João Paulo Monteiro Soares e Cristina Ferrão, Lisboa, Kapa Editora, 2005. 
A legenda de A. R. F.: “Representação dos Gentios Uapixanas, q. habitão as 
Serras da parte superior do Rio Branco, os quaes andão sempre pintados de 
Urucú, e uzão de Armas de fogo, e de Terçados, assim como as mulheres, de 
Tangas, e mais ornamentos de missanga q. comprão aos Holandezes de 
Suriname” (sic) 
 1
INTRODUÇÃO 
 
A presença de uma Terra Indígena na Faixa de Fronteira, as disputas 
políticas e territoriais estabelecidas entre organizações indígenas tradicionais, 
organizações não-governamentais, órgãos da administração pública federal, 
estadual e municipal, as comunidades indígenas, fazendeiros, pecuaristas, 
garimpeiros, sociedade local e o Exército, compõe uma complexa rede com 
rebatimentos espaciais importantes. Acreditamos que os objetivos destes diversos 
atores visem, sobretudo, o estabelecimento e a ampliação do seu poder político, 
econômico e territorial sobre o espaço, poder este que se manifesta por meio das 
mais diversas estratégias de controle sobre as normas deste território. 
Cada um dos atores envolvidos neste contexto conflituoso merece 
destaque. Entretanto, no presente trabalho, pretendemos, mais especificamente, 
fazer uma análise dos conflitos existentes entre índios e os demais atores 
envolvidos no processo de demarcação da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol, 
localizada na porção nordeste de Roraima, na Amazônia brasileira. Tais conflitos 
serão analisados em um contexto estadual fortemente marcado por imbricações e 
superposições entre as territorialidades. 
No caso do processo de demarcação desta Terra Indígena, a disputa 
adquiriu contornos dramáticos e violentos, especialmente no início de 2004, 
quando houve uma série de manifestações na capital de Roraima, Boa Vista, 
contra a homologação uma área contínua desta Terra Indígena, segundo a forma 
proposta pelos estudos da FUNAI e pretendidos por movimentos indígenas, 
organizações não governamentais nacionais e internacionais e demais grupos de 
apoio à causa indígena. 
A partir da presença destes diversos atores locais, regionais, nacionais e 
internacionais interessados, de uma forma ou de outra, no processo de 
demarcação de Raposa/ Serra do Sol e levando-se em conta que estes agem das 
mais diversas formas e com os mais variados interesses (econômicos, políticos, 
científicos, mediáticos, etc.), a questão central que guia este trabalho é saber em 
que medida as estratégias territoriais indígenas são verdadeiramente uma 
expressão de suas próprias demandas enquanto um povo. Isto é, seria possível 
atribuir unicamente aos indígenas a gênese do processo atual de demarcação de 
 2
suas terras ou poderíamos supor que as ações e expectativas dos demais atores 
interessados na causa poderia, em certa medida, conduzir o processo? 
Dada a complexidade do tema, que remonta a períodos que vêm desde a 
colonização portuguesa no século XVIII, este trabalho se propõe a fazer um 
recorte temporal que vai de 1993 até o início de 2005, ano em que ocorreu a 
homologação definitiva da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol. É importante 
justificar que a escolha do ano de 1993 se deu em função de ter sido este o fim do 
processo oficial de identificação e o início da demarcação de Raposa/ Serra do 
Sol. 
O interesse pelo desenvolvimento deste tema é tributário de um processo 
anterior de pesquisa sobre a Faixa de Fronteira Norte do Brasil que se iniciou 
junto ao Grupo Retis/UFRJ, sob a orientação da Professora Lia Osorio Machado. 
O primeiro trabalho apresentado por este autor na Jornada de Iniciação Científica 
da UFRJ, em 2001, dizia respeito à caracterização geográfica desta Faixa de 
Fronteira, isto é, todos os municípios da região Norte brasileira mais os 
municípios de Mato Grosso que fossem interceptados pela linha de 150 Km a 
partir do limite internacional do Brasil para dentro do território nacional, o que 
corresponde aos estados do Amapá, Pará, Roraima, Amazonas, Rondônia, Acre 
e Mato Grosso. Na Jornada seguinte, em 2002, a pesquisa foi ampliada para a 
Região de Fronteira, ou seja, a partir de um critério arbitrário estabelecido pelo 
grupo de pesquisa, foi determinada uma linha de mais 150 Km a partir da Faixa 
de Fronteira. Isto fez com que a área total passasse então a ser estabelecida por 
uma faixa de 300 Km a partir do limite internacional. Neste sentido, a monografia 
de fim de curso apresentada por este autor ao Departamento de Geografia da 
UFRJ em 2002, apesar de não estender-se à discussão sobre a Região de 
Fronteira, foi uma etapa importante neste processo. 
Também fiz parte do grupo de pesquisa que elaborou o Atlas da Fronteira 
Continental do Brasil, cujo resultado encontra-se em meio digital (CD Rom) e, em 
2004, do projeto de elaboração de políticas públicas para o desenvolvimento 
econômico da Faixa de Fronteira brasileira para o Ministério da Integração 
Nacional, todos eles no âmbito do Grupo Retis/ UFRJ. 
No caso de Roraima (séc. XX) ou campos do rio Branco (séc. XVIII) ou 
Guyana brasileira (séc. XIX), alguns questionamentos foram despertados ao 
 3
longo do período de iniciação científica, principalmente quando tivemos a 
oportunidade de realizar um trabalho de campo neste estado, no ano de 2001. 
Este foi, sem dúvida, um momento decisivo a partir do qual decidimos nos dedicar 
mais objetivamente às questões que envolviam esta unidade da federação 
localizada na porção setentrional do Brasil. 
Entendemos que seja de grande importância a produção de análises que 
visem o equacionamento dos problemas fronteiriços específicos. Não só para que 
sirvam para subsidiar a elaboração de políticas públicas destinadas à Faixa de 
Fronteira, mas também para discutir os problemas enfrentados pela populações 
locais, principalmente em se tratando de uma região do Brasil que, de maneira 
geral, não desfruta de um espaço privilegiado nos grandes debates nacionais, 
exceto nos casos de corrupção. 
Portanto, o interesse pelo processo de demarcação e homologação da 
terra indígena Raposa/Serra do Sol surgiu neste contexto de pesquisa e possui 
uma relação direta com as questões que envolvem os índios e os conflitos de 
territorialidade envolvendo estes índios e os não-índios do estado. 
Finalmente, o nosso interesse sobre este assunto tão cativante para tantas 
disciplinas parte de uma abordagem essencialmente geográfica. Não temos, pois, 
a pretensão de proceder estudos etnológicos ou antropológicos sobre a presença 
dos índios em Roraima, pois não teríamos base teórica suficiente para tal. A partir 
destes estudos pretendemos dar uma pequena contribuição para que futuras 
pesquisas mais aprofundadas sejam efetivadas no âmbito da Geografia. 
 4
1 – CONCEITOS, NOÇÕES E METODOLOGIA 
 
1.1 Metodologia e objetivos 
 
Os conflitos em torno da demarcação da Terra Indígena Raposa/ Serra do 
Sol fazem parte, como foi dito, de um contexto mais amplo, qual seja: a presença 
de sobreposições e imbricações territoriais e de territorialidades de naturezas 
distintas, característica do próprio estado de Roraima como um todo. 
Aliás, Figueiredo (1998), referindo-se à história recente da Amazônia Legal, 
lembra como esta Região, de uma maneira geral, tem passado por um processo 
conflituoso na medida em que a malha político-administrativa atual, 
historicamente moldada para permitir a realização de relações basicamente 
econômicas, além da apropriação pelas bases locais dos recursos da União, tem 
sofrido a oposição de uma nova lógica (novos atores) que rege uma nova 
racionalidadee não possui necessariamente um viés utilitarista, e sim, dá 
importância a questões como a preservação ambiental e os direitos indígenas. 
No que concerne ao estado de Roraima, a disputa existente entre os 
órgãos federais (IBAMA e FUNAI) quanto ao problema da sobreposição entre 
Terras Indígenas e áreas de proteção ambiental; a presença de quartéis nas 
Terras Indígenas; a presença destas mesmas Terras na Faixa de Fronteira 
internacional, provocando contestações de toda ordem; as disputas entre 
garimpeiros e mineradoras pelas áreas economicamente mais promissoras; a 
tensão entre Governo Federal, governo estadual (Roraima) e prefeituras, já que 
grande parte dos títulos fundiários do estado não são definitivos ou estão sobre 
controle da União (estradas e parte das glebas, por exemplo), são alguns dos 
exemplos destas tensões provocadas por sobreposições territoriais no estado. 
A partir deste contexto o objetivo deste trabalho é fazer uma análise dos 
conflitos entre as diferentes territorialidades presentes no estado, tendo como 
foco principal o processo de demarcação/ homologação da Terra Indígena 
Raposa/ Serra do Sol, levado a termo pelo Governo Federal ao longo do período 
que vai de 1993 a 2005. 
Buscaremos investigar como, e através de quais ações, os diferentes 
atores envolvidos direta ou indiretamente nesta questão tentam impor suas 
 5
diferentes estratégias para, de certa forma, criar e controlar as normas de uso do 
território de maneira a atender seus interesses. Neste sentido, o objetivo 
específico é identificar tais estratégias e os diferentes discursos usados por estes 
atores para legitimar suas ações. 
No contexto de toda a problemática territorial presente no estado, que será 
discutida nos capítulos que se seguem, a nossa pesquisa identificou três grupos 
de atores principais que, de alguma forma, estão envolvidos com o processo de 
demarcação de Raposa/ Serra do Sol: o Governo (Federal, estadual e municipal); 
(ii) as frentes de ocupação não-indígenas, isto é, rizicultores, garimpeiros e 
pecuaristas; e (iii) os indígenas. Além destes atores centrais, abordaremos 
brevemente o papel de atores que se posicionam, segundo o nosso 
entendimento, em uma posição mais periférica em relação a esta questão: as 
diversas Ong’s e a população não-indígena residente principalmente nos centros 
urbanos do estado. O termo periférico não possui um teor depreciativo nem 
desimportante neste caso. O seu uso teve o intuito de, metodologicamente, 
estabelecer uma hierarquia entre os atores relacionados com a questão central 
desta pesquisa e por não termos observado estratégias territoriais claramente 
identificáveis. Apesar disto, estes atores periféricos desempenharam um papel 
relevante ao longo do processo. 
A escolha por estes três grupos de atores (índios, frentes e governo) teve 
como motivação principal as ações por eles praticadas no seio desta 
problemática, isto é, cada um dos grupos citados tentou (e continua tentando) 
imprimir, cada qual à sua maneira, uma estratégia de controle das normas 
territoriais em Raposa/ Serra do Sol. Cada grupo de atores desenvolve suas 
ações (políticas, culturais, econômicas, psicológicas, etc) tendo como base ou 
como ponto de partida uma intencionalidade que, claramente, visa controlar e 
influenciar os demais atores presentes na região onde localiza-se esta Terra 
Indígena. 
Além disto, sempre que estas ações foram postas em prática, elas 
estiveram vinculadas a um determinado discurso que visava dar legitimidade aos 
seus atos. Neste sentido, demos destaque também à estes discursos utilizando 
pesquisa realizada em jornais, revistas e sites da internet. 
 6
A partir disto, isto é, da sobreposição existente entre a territorialidade 
destes diferentes atores e os conflitos resultantes, a questão central que norteia 
esta pesquisa resume-se em saber se o processo de demarcação de Raposa/ 
Serra do Sol é fruto de uma territorialidade unicamente indígena ou poderíamos 
dizer que os projetos e interesses dos demais atores não-indígenas envolvidos 
neste processo poderiam se sobrepor. Isto é, até que ponto a territorialidade 
indígena pode ser entendida como estando no centro do processo que 
desencadeou a demarcação desta Terra Indígena. Achamos pertinente 
formularmos esta questão a partir de algumas observações que serão melhor 
discutidas no decorrer deste trabalho. 
Tendo em mente esta questão, partimos do princípio óbvio, por sinal, de 
que os índios não são os únicos atores evolvidos na problemática relativa à 
demarcação de Raposa/ Serra do Sol, portanto, os demais atores não-indígenas 
possuem e agem de acordo com suas próprias motivações e/ou interesses 
individuais ou coletivos, mesmo que estas motivações façam apelo à defesa da 
causa indígena. Estes interesses variam de acordo com o ator ou grupo em 
questão. Neste sentido, a primeira cisão observada diz respeito aos que são 
contrários e aos que são favoráveis à demarcação de Raposa/ Serra do Sol em 
área contínua e, a partir daqui, já se apresenta uma polarização clara que se 
define em virtude de objetivos antagônicos. Entretanto, no interior de cada um 
destes pólos são desenvolvidas estratégias e objetivos diferentes1. 
Entre os que são favoráveis à causa indígena no estado estão os próprios 
índios, os intelectuais, as organizações não-governamentais (Ong’s) nacionais e 
internacionais, parte do Governo Federal (FUNAI, políticos, e Ministério Público), 
alguns países espacialmente da Europa e demais não-indígenas não-residentes 
em Roraima. Entre os que se encontram no interior do outro pólo estão também 
índios, fazendeiros, pecuaristas, rizicultores, Exército, políticos locais, e 
organizações indígenas. Quanto ao IBAMA, não identificamos um posicionamento 
favorável ou contrário à demarcação em si, já que os interesses deste órgão 
estariam vinculados à preservação/ conservação dos recursos naturais do estado. 
O problema que se impõe é que, ao fazer esta defesa, ocorrem divergências no 
 
1 É preciso lembrar que as características destes dois pólos serão melhor analisadas no decorrer 
deste trabalho. A menção a eles neste momento tem por objetivo unicamente esclarecer a 
metodologia utilizada por este autor. 
 7
âmbito administrativo com a FUNAI e os interesses dos índios, portanto, não 
achamos adequado posicionar o IBAMA em um dos dois pólos desta questão. 
Levando-se em conta, portanto, a existência dos vários atores envolvidos 
com esta problemática, voltamos à questão central, escrita em outros temos: o 
que estaria no cerne do processo de demarcação desta Terra Indígena? os 
interesses políticos e culturais dos próprios índios? A promoção do ordenamento 
fundiário no estado, pelo Governo Federal? O atendimento das demandas das 
organizações nacionais e internacionais ligadas à causa indígena? A noção de 
territorialidade será, daqui por diante, a noção fundamental para a compreensão 
do processo de demarcação desta Terra Indígena. 
Esta intrincada rede de distintas territorialidades provoca uma situação 
bastante complexa onde cada ator tenta influenciar, da sua maneira, a ordem 
espacial de um determinado território. 
 
 
1.2 Alguns elementos sobre a noção de territorialidade 
 
De acordo com Sack (1986), o estudo da territorialidade teve origem na 
Biologia e, segundo esta vertente, estava relacionado aos instintos dos animais, 
que visavam conseguir comida, acasalar-se ou controlar o tamanho populacional. 
Para Raffestin (1991), da mesma forma, a noção de territorialidade é proveniente 
dos naturalistas. Segundo este autor, em 1920, H.E. Howard disse que a 
territorialidade seria a conduta de um organismo para tomar posse de um território 
de outro organismo. 
Nem Sack nem Raffestin, contudo, compartilham desta definição naturalista 
acerca da territorialidade quando aplicada ao comportamento espacialhumano. 
Raffestin (op Cit) e Souza (1995) chegam a ser enfáticos ao afirmarem que é 
preciso que abandonemos as analogias com o mundo animal. 
Os três autores entendem a territorialidade como uma noção que está 
fundamentalmente vinculada ao poder que se exerce sobre o espaço e que 
portanto pode definir um território. A territorialidade é o produto da própria 
organização espacial dos diferentes atores e do relacionamento e interação entre 
eles. De acordo com Sack, a territorialidade pode ser entendida como uma 
 8
estratégia espacial para afetar, influenciar ou controlar recursos e pessoas, 
através do controle da área, trata-se, portanto, em termos geográficos, de uma 
forma de comportamento espacial onde o que importa é quem controla quem e o 
que, em um determinado contexto espacial. 
Quando o autor refere-se às estratégias para influenciar recursos e 
pessoas, acreditamos que seja possível entender um dos elementos presentes no 
processo de regularização de Raposa/ Serra do Sol: os discursos usados 
utilizados pelos diversos atores. Na medida em que estes discursos e 
argumentações são usados para defender posições e para modificar o “ambiente” 
político em benefício próprio, este comportamento encontra sustentação teórica 
nas definições de Sack e Raffestin sobre territorialidade e adquire uma 
importância fundamental no processo como um todo, se entendermos que cada 
ator ou cada grupo de atores busca modificar direta ou indiretamente a 
organização espacial na qual estão inseridos. Estes atores tentam a todo 
momento influenciar e modificar a ordem espacial de forma a favorecer o 
conquista de seus objetivos. 
Raffestin, da mesma forma, também afirma que, em se tratando de um 
determinado ator “A”, a sua territorialidade irá se expressar a partir da 
necessidade de, por meio de seus atos e comportamentos, influenciar tanto o 
ambiente com o qual interage quanto os demais atores ou grupos componentes 
de um determinado território. Segundo ele, a escola norte-americana fala em 
esfera de influência ao se referir à territorialidade. 
Nas palavras de Raffestin, 
 
a territorialidade adquire um valor bem particular, pois reflete a 
multidimensionalidade do ‘vivido’ territorial pelos membros de uma coletividade, 
pelas sociedades em geral. Os homens ‘vivem’, ao mesmo tempo, o processo 
territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações 
existenciais e/ou produtivistas. Quer se trate de relações existenciais ou 
produtivistas, todas são relações de poder, visto que há interação entre os atores 
que procuram modificar tanto as relações com a natureza como as relações 
sociais. Os atores que se derem conta disto, se modificam também. (1993:158, 
grifo meu). 
 9
 
Raffestin também define o que ele chamou de “territorialidade latu sensu”, 
que procederia de uma problemática relacional, e que poderia ser definida pela 
expressão “H r E”, onde “H” seria o indivíduo em si, ou o ator, “r” seria uma 
relação particular e “E”, que seria a exterioridade, o lugar ou um espaço abstrato. 
Segundo esta perspectiva, a territorialidade poderia ser definida como “um 
conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade-
espaço-tempo” (1993:160). Sempre levando em conta que esta territorialidade é 
dinâmica, já que os elementos que a constituem sofrem mudanças no tempo. 
 A partir disto, a territorialidade “aparece então como constituída de 
relações mediatizadas, simétricas ou dissimétricas com a exterioridade” (p. 161). 
Segundo o autor, todas as relações entre os atores pressupõem relações de 
poder, entretanto, estas podem ser simétricas, quando as perdas e ganhos estão 
em relativo equilíbrio, ou assimétricas, quando tais relações implicam em 
desequilíbrio, isto é, um ganha e o outro perde. 
Para ilustrar a noção de territorialidade, Sack (1986) apresenta um exemplo 
bastante simples ligado às práticas cotidianas. O autor narra uma situação na 
qual um adulto tenta fazer os serviços domésticos e, ao mesmo tempo, 
preocupar-se em tomar conta de duas crianças pequenas. O problema se 
apresenta na medida em que os “pequenos ajudantes” ao tentarem lavar os 
pratos, correm o risco de deixá-los cair e provocar um acidente mais grave. 
Segundo o autor, diante desta situação o adulto poderia agir de duas maneiras: a 
primeira seria negociar, pedindo para que as crianças não mexessem nos pratos 
avisando-as do perigo iminente. A segunda, consistiria em tirar os pratos das 
mãos das crianças e guardá-los fora do seu alcance. 
Sack, entretanto, salienta que a territorialidade se manifestaria somente se 
o adulto impedisse o acesso da crianças aos pratos dizendo que elas não 
poderiam mais entrar na cozinha sem permissão, isto é, a cozinha (um território) 
estaria “fora dos limites” das crianças. A territorialidade se concretizaria, portanto, 
através do controle de um determinado ator ou grupo sobre o acesso a um 
determinado território. 
Além disto, o autor destaca que este território (a cozinha) poderia existir 
também ao longo de um intervalo de tempo. Seguindo este exemplo, o adulto 
 10
poderia restringir o acesso das crianças à cozinha somente por algumas horas – 
durante o período em que estivesse sendo feita a limpeza doméstica, por 
exemplo. 
Souza (1995) fala sobre esta variabilidade do território ao usar o exemplo 
da prostituição. Segundo ele, as prostitutas podem desenvolver sua 
territorialidade e estabelecer um território ao longo de um período do dia (de oito 
da noite às cinco horas da manhã, por exemplo). Neste sentido, o território seria 
chamado de território flutuante, já que possui uma variabilidade espaço-temporal. 
As normas que regulam o acesso a um determinado território (uma 
cozinha, uma Reserva Nacional, uma favela ou uma Terra Indígena), e 
consequentemente aos recursos e pessoas lá presentes, irão compor a noção de 
territorialidade. Entretanto, Sack salienta que a territorialidade não deve ser 
reduzida ao controle de uma área, já que isto significaria demasiada simplificação. 
Mais do que isto, ela representa a tentativa destes indivíduos ou grupos de 
influenciar ou afetar tantos demais atores e suas relações como os recursos de 
um território. 
De acordo com Sack, a territorialidade seria definida como : 
 
 the attempt by an individual or group to affect, influence, ou control people, 
phenomena, and relationships, by delimiting and asserting control over a 
geographic area.(1986:19) 
 
 
Sobre o significado da territorialidade, Robert Sack sustenta que mais do 
que nos revelar sobre o que é a territorialidade, a definição formal sobre esta 
noção sugere o que ela efetivamente pode fazer, ou seja, quais as suas 
conseqüências. Neste sentido, ele reconhece três relações interdependentes 
contidas na noção de territorialidade que, segundo o autor, “revelam a lógica e os 
efeitos significativos” desta noção: (i) a classificação por área, (ii) uma forma de 
comunicação por fronteira e (iii) uma forma de coação ou controle. 
Sobre a classificação por área, Sack argumenta que quando um indivíduo 
(ou grupo) diz que algumas coisas, ou todas, presentes em um determinado 
espaço pertencem a ele, ou estão fora dos limites de uma terceira pessoa, ou, 
ainda, este mesmo indivíduo restringe o acesso aos objetos localizados em um 
 11
determinado espaço, este ator está usando a área para classificar tais objetos 
como sendo dele, isto é, o indivíduo está estabelecendo uma fronteira que 
determina tudo aquilo que está fora do alcance das pessoas não autorizadas. 
Esta dimensão da territorialidade encontra correspondência nos mais diversos 
exemplos cotidianos, e consequentemente no que diz respeito ao processo de 
demarcação de Raposa/ Serra do Sol. Delimitar uma Terra Indígena nada mais é 
do que estabelecer estes limites (institucionais) de circulação, deixando claro 
quem tem e quem não tem permissão de acessaros “objetos” lá existentes que, 
neste caso, dizem respeito tanto aos recursos naturais quanto aos “recursos” 
culturais e sociais dos povos indígenas tradicionais. 
A segunda relação diz respeito à capacidade de comunicação da 
territorialidade por meio das marcas ou sinais que indicam, ao mesmo tempo, 
direção (acesso negado ou permitido a partir de um determinado ponto) e 
possessão de um dado território. O limite é criado para delimitar territórios 
distintos, para delimitar o alcance das normas (leis) de quem controla o território e 
para informar ao “estrangeiro” que, a partir de um determinado ponto (nos limites 
internos do território), as normas são diferentes. 
A terceira corresponde à estratégia, talvez a mais eficiente, de conquistar e 
manter o controle sobre um determinado território. De acordo com o autor, trata-
se da tentativa de influenciar as relações de forma favorável e as tentativas de 
transgressão podem ser punidas. 
Neste sentido, a lógica da noção de territorialidade é sustentada pelo fato 
de sabermos ou de podermos utilizar estas três relações de forma interconectada, 
segundo Sack. Todas elas se apresentam nos diversos contextos sociais e cada 
uma sustenta a própria noção de territorialidade humana. 
 
 
1.3 A territorialização do espaço 
 
Os atores imprimem suas estratégias de controle territorial (territorialidade) 
tendo como objetivo criar e controlar territórios e influenciar as ações de outrem. 
Ao agirem desta maneira estão, na verdade, territorializando um determinado 
espaço, portanto, este território se estabelece a partir de um espaço preexistente. 
 12
Ao projetarem suas ações e intenções sobre este espaço preexistente, dele se 
apropriam concreta ou abstratamente (RAFFESTIN, 1993). O território, na visão 
de Raffestin, se apoia no espaço, mas não é o espaço. 
Para Massey (2004), o espaço pode ser conceitualizado a partir de três 
perspectivas: 
 
1. O espaço é um produto de inter-relações. Ele é constituído através de 
interações, desde a imensidão do global até o intimamente pequeno (esta é 
uma proposição que não representa nenhuma surpresa para aqueles que têm 
acompanhado a literatura anglófona recente); 
2. O espaço é a esfera da possibilidade da existência da multiplicidade; é a 
esfera na qual distintas trajetórias coexistem; é a esfera da possibilidade da 
existência de mais de uma voz. Sem espaço não há multiplicidade; sem 
multiplicidade não há espaço. Se o espaço é indiscutivelmente produto de 
inter-relações, então isto deve implicar na existência da pluralidade. 
Multiplicidade e espaço são co-constitutivos; 
3. Finalmente, e precisamente porque o espaço é o produto de relações-entre, 
relações que são práticas materiais necessariamente embutidas que precisam 
ser efetivadas, ele está sempre num processo de devir, está sempre sendo 
feito – nunca está finalizado, nunca se encontra fechado. (p. 8) 
 
 
Já de acordo com Santos (2002), o espaço geográfico é constituído por um 
“conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e 
sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no 
qual a história se dá” (p. 63). 
Ambos destacam perspectivas importantes sobre o espaço geográfico 
como: as inter-relações existentes entre os diversos atores, a multiplicidade de 
suas ações e sua permanente construção (devir) em função das incontáveis 
possibilidades das relações humanas; e, como salienta Santos, a 
indissociabilidade deste espaço. Portanto, é a partir deste espaço preexistente, 
produto das relações entre os atores e entre estes e os objetos, formando um 
conjunto indissociável e solidário, que se estabelece o território. 
De acordo com Sack, o território sobre o qual se estabelece uma 
territorialidade não está restrito unicamente a um espaço físico, concreto. 
 13
Segundo o autor, o território não precisa se restringir ou estar circunscrito. Em 
função disto, termos como propriedade, soberania e jurisdição seriam 
demasiadamente restritivos para tratá-lo. Isto significa que o território nem sempre 
está vinculado unicamente ao controle sobre uma área claramente delimitada, ele 
pode corresponder a uma rede de relações ou interações (influências) estruturada 
sobre o meio físico 
“O espaço é a prisão ‘original’ e o território é a ‘prisão’ que os homens 
constróem para si” (RAFFESTIN, 1993). Esta frase tenta traduzir o lugar do 
território relativamente ao espaço. O espaço preexiste em relação ao território. 
Sobre o espaço são estabelecidas as relações de poder que podem engendrar 
um território. 
O conflito entre territorialidades em Roraima envolve não somente o 
controle de territórios institucionalmente criados ou delimitados, mas também o 
território que se estabelece a partir das relações de poder que diferentes atores 
imprimem sobre o espaço. 
Este trabalho entende que o território é engendrado por múltiplos 
processos de controle (jurídico/político/administrativo), dominação (econômico-
social) e apropriação (cultural-simbólica)” (MIN/Grupo Retis, 2005). 
Territórios podem ser engendrados, por exemplo, por grupos de países que 
formam blocos econômicos (territórios supra-nacionais), por “tribos” urbanas, 
prostitutas e camelôs, passando por grupos étnicos como os indígenas e 
representantes de setores específicos da economia, como é o caso dos 
rizicultores e dos pecuaristas. Além destes, o Governo está presente como um 
dos principais atores – talvez o principal agente. 
 
 
 
1.4 Apropriação e territorialidade 
 
Produzir a representação de um espaço é, segundo Raffestin (1993), “uma 
apropriação, uma empresa, um controle portanto, mesmo se isso permanece nos 
limites de um conhecimento. Qualquer projeto no espaço que é expresso por uma 
representação revela a imagem desejada de um território.” (p.144). O significado 
 14
disto para o presente trabalho é vital na medida em que as representações que os 
grupos indígenas fazem sobre o seu espaço, territorializando-o, engendram uma 
territorialidade. A “imagem desejada” se realiza a partir dos seus sistemas 
culturais que eles próprios atualizam e reproduzem a cada geração. 
Gilberto Velho e Eduardo Viveiros de Castro (1978) afirmam que a cultura 
pode ser concebida como um sistema. Isto significa admitir que ela pode ser vista 
não como um “agregado histórico de ‘traços’, elementos culturais, cuja relação 
interna não (é) examinada”, mas como “um todo coerente, aonde cada ‘costume’, 
regra, crença ou comportamento faz parte de um conjunto que dá sentido às 
partes” (p. 6). 
Levando em conta a sua natureza simbólica, a cultura pode ser “concebida 
com um sistema de símbolos organizados em diversos subsistemas” (VELHO & 
CASTRO, 1978:6). Isto significa que, segundo os autores, o comportamento 
humano pode apresentar, “para além do comportamento técnico ou pragmático” 
um componente simbólico importante. Os autores afirmam que é preciso distinguir 
os “possíveis diferentes sistemas simbólicos que existem em uma sociedade 
complexa”, que formam fronteiras, distintas entre si. Estas fronteiras, ou estas 
diferentes sociedades (simples ou complexas) podem ser comparadas 
internamente a um conjunto de códigos lingüísticos, os quais são decodificados e 
reconhecidos pelos seus membros. Desta forma, afirmam Velho & Castro: 
 
(...) é fundamental compreender como indivíduos concretos interpretam os 
símbolos e signos que estão a sua volta, como internalizam e a que decisões 
chegam em momentos de opção tanto em situações explicitamente dramáticas da 
história de uma sociedade quanto ao nível do cotidiano 
 
Esta concepção de Cultura nos indica que os símbolos “são decodificados 
a partir de um código comum a um grupo”. A partir disto, uma das formas de 
reconhecermos os membros de um determinado grupo, ou as fronteiras de uma 
dada cultura, é “o exame da capacidade ou não de um dado símbolo serdecodificado identicamente por dois grupos”. A possibilidade, portanto, de 
reconhecimento desta “fronteira”, delimitada por um sistema cultural a partir de 
um sistema de símbolos, engendra uma apropriação em relação ao espaço 
(prisão original). 
 15
Esta apropriação – note-se que não estamos falando de posse – não 
possui obrigatoriamente uma perspectiva jurídico-administrativa. Ela pode, antes 
disto, dizer respeito a um processo sócio-espacial e geográfico de construção 
simbólica da realidade, que resulta em um sentimento de pertencimento ou 
identificação espacial de um determinado grupo em relação a um espaço 
concreto, isto é, um processo de construção de uma identidade territorial 
(MIN/Grupo RETIS/UFRJ, 2005). 
A produção de uma representação que engendra uma apropriação é 
sustentada, pois, pelo sistema de símbolos produzidos pelos grupos indígenas ou 
não-indígenas. A partir destes símbolos, os grupos se apropriam de um espaço 
concreto levando, como já foi dito, à construção de uma identidade territorial. 
No caso da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol, a construção desta 
identidade territorial foi estabelecida ao longo de décadas e ganhou força, 
enquanto territorialidade, especialmente a partir do final dos anos de 1970, 
quando o movimento indígena em geral começou a ter mais visibilidade no Brasil 
Portanto, ao tratarmos dos conflitos entre territorialidades no processo de 
demarcação desta Terra Indígena e, mais especificamente, da territorialidade 
indígena, estamos tratando também dos conflitos entre diferentes sistemas 
culturais e diferentes identidades territoriais. 
Como já destacamos na introdução deste trabalho, não temos a pretensão 
de elaborar análises antropológicas ou etnológicas. Entretanto, achamos que seja 
importante entendermos de que forma se define a territorialidade indígena a partir 
da perspectiva cultural. 
Embora a valiosa contribuição de Robert Sack para o entendimento destas 
questões seja fundamental, a Antropologia, no que diz respeito aos indígenas, 
traz elementos importantes que ajudam a compreender o quão rica e complexa é 
sua relação com o espaço. 
Acreditamos que a partir do referencial acima exposto, o estabelecimento 
de uma articulação entre a noção de territorialidade e a apropriação territorial feita 
pelos indígenas seja um ponto importante da nossa pesquisa, principalmente para 
que possamos entender de forma mais clara as argumentações dos índios de 
Raposa/ Serra do Sol. 
. 
 16
É exatamente neste ponto que fazemos a articulação entre a empiria e a 
teoria, isto é, como veremos nos capítulos 3, 4 e 5, as estratégias e os discursos 
adotados pelos indígenas fundamentam-se em grande parte das vezes no apelo à 
esta identidade territorial. 
Isto não quer dizer que este seja o argumento definitivo por parte dos 
indígenas, nem mesmo que não haja contestações sobre sua validade. O fato é 
que pelo menos uma boa parte das conquistas legais e constitucionais dos 
indígenas foram legitimadas por alegações que reivindicavam o direito às terras 
tradicionalmente ocupadas. Até mesmo no caso dos não-indígenas, como os 
arrozeiros, argumentos que fazem referência ao pertencimento das famílias 
àquela região há mais de vinte anos – atrelado evidentemente ao direito de 
propriedade, é claro – foram e continuam sendo utilizados para justificar a sua 
permanência. 
A partir do que foi exposto, faremos antes de entrarmos nas discussões 
relativas ao nosso tema, uma pequena análise geral sobre este estado não tão 
estudado como os demais, pelo menos quando observamos a literatura 
geográfica. Em função disto, alguns aspectos econômicos, físicos e populacionais 
serão analisados no capítulo seguinte. 
Esperamos que os breves elementos teóricos discutidos acima possam 
servir como um ponto de partida para facilitar o entendimento acerca da 
metodologia e das argumentações utilizadas neste trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 17
2- RORAIMA, QUE ESTADO É ESTE? 
 
2.1. Características físicas de Roraima 
 
Quase todo o estado de Roraima está localizado acima da Linha do 
Equador (Hemisfério Norte). Seu território faz fronteira, ao norte e noroeste, com a 
Venezuela, ao sul e oeste, com o estado do Amazonas, a leste, com a República 
Cooperativista da Guyana e a sudeste com o estado do Pará (Mapa 01). 
O estado situa-se nas partes mais setentrionais da Plataforma Sul 
Americana, inserido no Cráton Amazônico. As superfícies dominantes no estado 
fazem parte do Escudo das Guianas e se estendem à Venezuela e à República 
Cooperativista da Guyana. A incidência de metais preciosos como o ouro, o 
diamante e a cassiterita, extraídos por garimpagem, são atividades importantes 
derivadas de suas características geológicas. 
O seu território está inteiramente inserido na Faixa de Fronteira brasileira 
(MACHADO, 2003; STEIMAN, 2002). Esta corresponde à área oficial delimitada 
por uma linha de 150 Km que se estende paralelamente ao longo de todo o limite 
nacional do Brasil (Mapa 02). Atualmente não existem mais terras a serem 
delimitadas nem demarcadas no Brasil. Entretanto, o processo de densificação 
desta área é um fenômeno atual já que as políticas que visam a criação de 
legislação sobre a Faixa de Fronteira, ainda hoje, são freqüentes nas políticas 
nacionais. No Brasil, as questões relativas à demarcação das fronteiras tiveram 
início no século XVIII, tendo os problemas ainda por equacionar sido resolvidos 
no início do século XX pelo Barão do Rio Branco. 
Desde a República brasileira que a preocupação em legislar sobre esta 
faixa que limita o território nacional está presente. Já em 1890, após a aprovação 
da Lei nº 601 que dispunha sobre as terras devolutas, foi reservada uma faixa de 
66 Km ao longo dos limites internacionais que poderiam ser concedidas 
gratuitamente. Este limite foi alterado para 100 Km no artigo 166 da Constituição 
de 1934 e, finalmente, na Constituição de 1937, esta faixa passou para os atuais 
150 Km. Todos os municípios interceptados por esta linha de 150km fazem parte 
da faixa. 
 
 18
 
 
 
 
 
 
Mapa 01 
 19
 
 
 Fonte: Grupo Retis/ UFRJ 
 
 
 
 
Mapa 02 
Faixa de Fronteira Nacional Continental 
 20
No que concerne à cobertura vegetal, duas grandes formações são 
predominantes no estado: as florestas e as savanas/ campos (Mapa 3). As 
florestas podem ser subdivididas em Floresta Tropical Densa e Campirana 
(BOHRER & GONÇALVES, 1991). 
A Floresta Tropical Densa ocupa grande parte da porção oeste e sudeste 
do estado. Esta vegetação, típica da Região Norte brasileira, se caracteriza por 
um clima ombrotérmico, com temperaturas médias que variam de 22º a 25ºC e 
uma pluviosidade que gira em torno de 2.300 mm anuais. A altura das árvores 
pode chegar a 50 m. É uma floresta multiestrata, apresentando quatro camadas 
bem definidas: o estrato mais alto, o das árvores emergentes que se sobressaem 
por cima do dossel superior da floresta; o dossel propriamente dito, quase todas 
do mesmo tamanho; um terceiro estrato, na submata, formado por árvores 
menores; e o quarto, formado por arvoretas, arbustos, subarbustos e ervas mais 
altas (BOHRER & GONÇALVES, 1991). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 21
 
 
 
 
 
Mapa 03
 22
A Campirana desenvolve-se no baixo rio Branco, em área inundável. É 
constituída de arbustos e pequenas árvores de altura homogênea. A precipitação 
e a umidade são bastante elevadas. Os seus solos são muito pobres não sendo, 
portanto, apropriados para as atividades agropastoris. Segundo Barros (1995), 
esta área foi bem pouco povoada por pioneiros ao longo da história de ocupação 
da região. 
A região nordeste de Roraima possui uma característica diferenciada em 
relação ao restante do estado em função da presença da savana (cerrado). É 
uma formação vegetal que se encontra na região periférica do grande valeamazônico e que apresenta médias mensais de temperatura acima de 15º, e 
clima tropical com um regime de chuvas bem marcado (Fotos 01 e 02). De acordo 
com Bohrer e Gonçalves (1991), apesar de apresentar características próprias, as 
formações desta região e as que são observadas no Centro-Oeste brasileiro 
apresentam uma identidade paleoclimática, através de suas formas de vida, e 
uma certa homogeneidade florística. A microrregião Nordeste de Roraima, por 
suas características de clima, relevo e cobertura vegetal, é a mais adequada do 
estado à ocupação humana. O relevo das Savanas é basicamente aplainado e 
sua altura média fica em torno de 130 metros, podendo chegar a 160m. As 
primeiras atividades agropastoris de que se tem notícia em Roraima datam de 
1793, exatamente nesta região. Lá foram instaladas as Fazendas Reais de São 
Marcos, São José e São Bento. Elas foram fundadas onde hoje se localiza o 
município de Boa Vista (BARROS, 1995). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 23
Foto 01 – Savana (Cerrado) - nordeste de Roraima 
 
 Fonte: Grupo Retis/UFRJ – (Foto: P. Peiter) 
 
Foto 02 - Fazenda na beira da Rodovia BR 174 
Trecho Boa Vista – Pacaraima 
Fonte: Grupo Retis/ UFRJ – (Foto: P. Peiter) 
 
 24
A Savana estépica (Campos de Roraima) se apresenta na porção do 
extremo nordeste do estado. O relevo passa a adquirir altitudes que variam de 
200 a 600 metros, próximo das bacias dos rios Contigo e Maú. Aqui, a savana 
passa a ter uma forma estépica, com as gramíneas formando um tapete 
interrompido por pontos mais altos onde a vegetação se acumula. Finalmente, 
existe ainda a área de vegetação ecológica, que se caracteriza como sendo uma 
zona de transição entre a savana e a floresta (tensão ecológica). 
No relevo do estado, é possível perceber a presença de três unidades 
geomorfológicas: o Planalto do Amazonas/Orinoco, os Planaltos Residuais da 
Amazônia Setentrional e a Depressão da Amazônia Setentrional. Estas estruturas 
naturais foram cenários de diferentes processos pioneiros de ocupação e 
exploração do estado. A primeira, o Planalto do Amazonas/Orinoco, situado na 
porção norte do estado, onde localiza-se o Monte Roraima (Foto 03), só percebeu 
a presença mais significativa dos primeiros ocupantes não-índios na segunda 
metade do século XX. Estes pioneiros, segundo Barros (1995), foram os 
garimpeiros que ocuparam esta região interessados nas riquezas do subsolo. O 
sudeste de Roraima, onde se encontram os Planaltos Residuais da Amazônia 
Setentrional, foi objeto, a partir de 1975, dos planos de colonização e exploração 
madeireira, implementados pelo INCRA. Nesta mesma ocasião foi aberta a 
rodovia Perimetral Norte (BR 210), o que permitiu o acesso à área. 
 
 
 25
Foto 03 – Monte Roraima - Parque Nacional Monte Roraima 
 Fonte: Grupo Retis/ UFRJ 
 
 
A área de ocupação mais antiga, a Depressão Amazônica Setentrional, 
 
se inicia punctualmente com a instalação de missões e postos de coleta nos 
séculos 17 e 18, na estreitíssima planície aluvial do rio Branco, no baixo curso, na 
área florestal, para no fim deste último século (séc. 18) e séculos seguintes, 
disseminar-se pelas amplas superfícies cobertas de campos e savanas a nordeste 
do Estado, com a implantação da pecuária ultra-extensiva, onde Boa Vista 
(capital) viria a se instalar. (BARROS, 1995:13) 
 
Paralelamente a este processo, ocorria também a ocupação das áreas 
aplainadas do Rupununi, na República Cooperativista da Guyana, e da Gran 
Sabana, na Venezuela. Segundo Barros, as áreas de relevo mais elevado, 
localizadas no norte do estado, continuaram sem a presença dos colonizadores 
durante um bom tempo. 
 26
No que diz respeito à hidrografia, Roraima tem como principal curso o rio 
Branco, que é responsável pela drenagem de quase todo o seu território. O 
Uraricoera e o Tacutú são os seus dois principais formadores. O Rio Tacutú, 
acima de sua confluência com o Uraricoera, estabelece o limite internacional de 
fronteira entre o Brasil e República Cooperativista da Guiana. 
A importância econômica do rio Branco está relacionada com o processo 
de ocupação do estado e com o fluxo de produtos. Até o início da construção das 
rodovias em Roraima, no início da década de 1970, este foi o principal eixo de 
penetração na região. Apesar disto, ainda hoje o rio Branco é usado como a 
principal hidrovia para o transporte de produtos como combustível e grãos entre 
Manaus e Boa Vista (BARROS, 1995). 
 Hoje em dia a hidrovia rio Negro/ rio Branco possui um papel de destaque 
no escoamento de grãos para o porto de Itacoatiara (Manaus). O rio Branco é a 
principal via fluvial do estado e praticamente todo o transporte hidroviário de 
Roraima ocorre nas águas de seu baixo curso. O baixo rio Branco é navegável 
por embarcações de carga, até as corredeiras de Bem Querer e constitui o tronco 
principal de transporte na ligação com Manaus. A montante das corredeiras de 
Caracaraí, a navegação é de novo franca até a capital Boa Vista, porém este 
ramo de 130 km, que no passado foi o único acesso à Capital, hoje não é 
praticamente utilizado para transporte de carga por estar isolado, ser curto e 
paralelo à rodovia pavimentada. Hoje, a via de transporte mais adequada para o 
escoamento da produção de grãos do município de Caracaraí é através da 
hidrovia Negro - Branco, prosseguindo pelo rio Amazonas até o terminal 
graneleiro de ltacoatiara, para embarque em navios de grande porte 
Existem porém outros rios na região que poderiam ser utilizados para a 
navegação comercial. Entre estes contam-se os rios Jauaperi e Jutaí, ambos 
também no limite com o estado do Amazonas, sendo o primeiro navegável em 
longa extensão, após o trecho fronteiriço. O afluente da margem direita, Rio 
Catrimani, poderia ser aproveitado assim como o afluente da margem esquerda, o 
rio Anauá. Estes rios são, entretanto, pouco conhecidos e correm em regiões de 
baixa ocupação populacional ou em reservas indígenas. 
 27
O rio Uraricoera e o alto rio Branco, situado a montante de Boa Vista, são 
também pouco conhecidos, porém percorrem regiões mais ocupadas e merecem 
ser encarados como vias complementares para o transporte comercial regional. 
 
 
2.2. Alguns aspectos da dinâmica populacional 
 
O estado de Roraima possui uma extensão territorial de 225.116,1 Km². 
Atuamente, sua população total é de 324.927 habitantes distribuídos por 15 
municípios (IBGE 2000). É o estado da federação com uma das menores 
densidades demográficas do país, cerca de 1,44 Hab/Km², e mais de 50% de sua 
população vivendo na capital, Boa Vista, que possui uma densidade demográfica 
em torno de 35,26 hab/Km². A passagem da condição de Território Federal para 
estado federativo ocorreu em 1988, no âmbito da nova Constituição Federal. 
Ao longo dos últimos 25 anos, tem-se percebido um aumento populacional 
importante em Roraima. Este processo está associado principalmente ao 
crescimento dos núcleos urbanos na Amazônia como um todo (FERNANDES 
NETO, 2003). Como é possível perceber nos gráficos 1, 2, 3 e 4 a seguir, 
relativos ao período de 1980 a 2000, a população total de Roraima deu um salto, 
passando de 79.327 para 324.172 habitantes, segundo dados do IBGE. A grande 
concentração populacional deu ensejo a um processo de macrocefalia no estado, 
cuja capital canalizou grande parte dos imigrantes. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RORAIMA
Evolução da população total do estado - 1980 - 2000
217.583
324.152
79.327
0
50000
100000
150000
200000
250000
300000
350000
1980 1991 2000
Gráfico 01 Gráfico 01 
Fonte: IBGE, 2000 
 28
Entre os elementos que ajudam a entender este processo de crescimento 
populacional em Roraima estão: a) a criação acelerada de municípios desde a 
década de 1980; e b) a chegada das frentes de ocupação, representadas pelo 
garimpo e pelos fazendeiros (pecuaristas de agricultores), muitos deles 
incentivadospor políticas públicas. Estes migrantes vieram em busca de terras 
disponíveis do estado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RORAIMA
População total por município - 1980
66.808
12.519
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
80.000
Boa Vista Caracaraí
(Hab.)
Municípios
Gráfico 02
RO RAIM A 
População total por m unicípio - 1991
13.308 9.10610.14311.1888.9009.47811.211
144.249
0
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
120.000
140.000
160.000
Al
to 
Al
eg
re
Bo
a V
ist
a
Bo
nfi
m
Ca
rac
ara
í
Mu
ca
jaí
No
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an
dia
Sã
o J
oã
o d
a B
ali
za
Sã
o L
uíz
(hab.)
M unicíp ios
Gráfico 03
Fonte: IBGE, 2000 
Fonte: IBGE, 2000 
 29
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A grande parcela do território do estado de Roraima ocupada por Terras 
Indígenas e Parques Nacionais já demarcados e o vínculo entre suas frentes de 
ocupação principais e o extrativismo mineral e vegetal são alguns dos fatores que 
podem explicar a baixa densidade populacional da maior parte do estado. 
No caso de Roraima, a localização no extremo norte da região 
amazônica, as particularidades da bacia hidrográfica do rio Branco e a posição 
favorável do estado em relação às conexões com a região do Caribe são 
características importantes, mas que não têm sido suficientes para promover uma 
ocupação mais intensa do estado. 
A conexão com a Venezuela e com a Guiana é importante, especialmente 
levando-se em conta as trocas comerciais incentivadas pelos governos locais e 
nacional. A principal rodovia de Roraima, a BR 174, que corta o estado, é a única 
estrada na Região Norte entre o Brasil e o Caribe (Mapa 4). Na Venezuela passa 
a chamar-se Carretera Panamericana, importante eixo de integração entre a 
Região Norte do Brasil e o Norte da América do Sul. A existência de tal eixo é um 
dos elementos que confere importância estratégica ao estado no contexto da 
Amazônia. 
 A existência deste importante eixo viário, passando pelo estado de 
Roraima e chegando ao Caribe, tem produzido efeitos importantes em Roraima 
RORAIMA 
População total por município - 2000
17.907 5.294
200.568
9.326 8.571 14.286 5.692 4.781 11.247 6.138 6.990 5.091 5.311 5.80217.393
0
50000
100000
150000
200000
250000
Al
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Al
eg
re
Am
aja
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ali
za
Sã
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Ui
ram
utã
(Hab.)
Municípios
Gráfico 04
Fonte: IBGE, 2000 
 30
desde o fim de seu asfaltamento, em 1998. Mesmo que a construção desta 
rodovia e seus objetivos iniciais estejam relacionados muito mais com as escalas 
nacional e supranacional, não é possível desconsiderar dois elementos: os efeitos 
da existência deste meio técnico para as cidades e as motivações econômicas e 
políticas que levaram ao estabelecimento desta rodovia exatamente em Roraima2. 
Soma-se à importância desta rodovia, ainda no contexto da Faixa de 
Fronteira, a construção da ponte internacional sobre o rio Tacutu (limite entre 
Roraima e a República da Guiana), em fase final de construção, que permitirá a 
melhora da articulação com Georgetown, através da BR-401, cruzando a fronteira 
em Bonfim. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 Sobre este assunto e outras referências e pesquisas importantes sobra a Região Norte, consultar 
o site do Grupo Retis que possui farto material geográfico sobre todos os municípios da Faixa de 
Fronteira nacional brasileira. (www.ufrj.br/gruporetis/fronteiras) 
 31
 
 
 
 
 
BR 401 
Base espacial: Santilli, 2001 
Fonte: Grupo Retis/ UFRJ; IBGE 2000 
Organização e GIS: Pedro F. Neto 
Mapa 04 
 32
Embora essas articulações visem o escoamento dos produtos da Zona 
Franca de Manaus e a abertura da Região Norte ocidental à região caribenha, 
não se pode deduzir que Boa Vista e a bacia hidrográfica do Rio Branco sejam 
apenas zonas de passagem. A partir dos dados do trabalho de campo realizado 
em 2001, em Roraima, as cidades localizadas em vias que cruzam o limite 
internacional (Bonfim e Pacaraima) se beneficiam do movimento de pessoas e 
mercadorias, mesmo que de maneira instável. Neste trabalho de campo foram 
visitados os municípios de Boa Vista (capital do estado), Pacaraima e Bonfim, 
além da cidade de Santa Elena (Venezuela) que está articulada a Pacaraima, e a 
cidade de Lethen (Guiana), articulada a Bonfim. 
 
 
2.3. Aspectos econômicos e a presença indígena 
 
 Ao longo do ano de 2004, foi realizado um projeto coordenado pelo 
Ministério da Integração Nacional em parceria com a Universidade Federal do Rio 
de Janeiro, cuja coordenação da equipe de pesquisadores ficou sob a 
responsabilidade da Dra Lia Osório Machado (Grupo Retis) e que teve por objetivo 
elaborar uma proposta de reestruturação do Programa de Desenvolvimento da 
Faixa de Fronteira3 do Governo Federal. Como parte da metodologia deste 
projeto, foram identificados espaços sub-regionais com base em processos não 
somente relacionados à um instrumento analítico previamente arbitrado, mas 
forjados “na própria ação dos indivíduos e comunidades que, conjugando 
múltiplos interesses, econômicos e políticos, e produzindo identificações sócio-
culturais diversificadas, redesenham constantemente seus espaços” (MIN, 
2005:22). Um dos resultados foi a elaboração de uma Tipologia Básica das Sub-
regiões da Faixa de Fronteira do Brasil. A partir disto, é importante dar especial 
destaque à Sub-região Campos do Rio Branco, no interior da qual encontra-se a 
Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol. 
Entre suas características mais importantes estão: a presença dos Campos 
do rio Branco; a presença da capital do estado, Boa Vista, com um “robusto” 
mercado urbano; e, por fim, a grande presença de indígenas, dispostos em mais 
 
3 Faço parte do Grupo Retis e atuei como colaborador deste projeto. 
 33
de vinte reservas. Esta presença é, aliás, um dos principais elementos que 
caracterizam Roraima e a Região Norte como um todo. 
No que diz respeito à especialização produtiva, de um modo geral esta 
sub-região apresenta uma presença importante da agricultura, em especial do 
arroz com cerca de 53% da produção do Arco Norte4 (MIN, 2005). Além destas 
culturas, a produção de mandioca (34%) e milho (23%) também se destacam5. O 
cultivo de frutas e legumes como a banana, o tomate e a laranja também está 
presente na sub-região. Apesar disto, é verdade que o valor da produção ainda é 
muito baixo se comparado ao restante do país. 
No que concerne à agroindústria, a concentração está em Boa Vista, que 
responde por grande parte da produção de alimentos, bebida, fumo, moagem, 
amido, ração, laticínios e calçados, bem como um variado comércio atacadista 
Também fazem parte deste rol os setores madeireiros e moveleiros, localizados 
principalmente em Boa Vista, entretanto podendo ser encontrados, em menor 
escala, nos municípios de Rorainópolis, Caracaraí, Mucajaí, Cantá e Pacaraima 
(MIN, 2005). Esta agroindústria se beneficia da posição privilegiada do estado e 
de suas conexões viárias com a Venezuela de a Guiana. Alem destas atividades, 
a soja já começa a penetrar no estado. 
Apesar de apresentar algumas potencialidades, especialmente no que 
tange à agricultura, ainda existem muitos problemas a resolver no estado, entre 
eles a demarcação das Terras Indígenas. 
No âmbito da Faixa de Fronteira nacional do Brasil, o segmento norte é 
privilegiado no que diz respeito à presença de indígenas e, neste contexto, 
Roraima apresenta, juntamente com o estado do Amazonas, a maior 
concentração relativa de indígenas da faixa de fronteira brasileira e do Brasil 
(MIN, 2005; IBGE, 2002). Esta concentração é maior nos municípios de Uiramutã 
e Normandia (Mapa 05) cujos territórios estão completamente inseridosno interior 
dos limites da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol. 
 
 
 
4 O Arco Norte compreende a Faixa de Fronteira dos estados do Amapá, Pará, Amazonas e os 
estados de Roraima e Acre (totalmente situados na Faixa de Fronteira) e faz parte de uma 
macrodivisão da Faixa de Fronteira em três arcos: Norte, Central e Sul (MIN/Grupo Retis/UFRJ). 
5 Estas porcentagens dizem respeito ao total da produção do Arco Norte. 
 34
 
 
 
 
 
 
 
Mapa 05
 35
 A concentração de indígenas nestes municípios em particular aponta para 
um dos elementos principais abordados neste trabalho: a territorialidade indígena. 
Possivelmente, um dos critérios utilizados pelos estudos da FUNAI para a 
identificação dos limites da Raposa/ Serra do Sol tenha sido esta grande 
concentração (acima de 50% da população do município) de índios nesta porção 
do estado de Roraima. Apesar de menor, a concentração de índios nos 
municípios de Amajari, Pacaraima e Bonfim também é expressiva (entre 30 e 
50%). 
 A questão indígena em Roraima tem sido relevante no entendimento tanto 
dos problemas relativos à organização espacial, territorial e social deste estado 
como das situações de tensão ocorridas nas últimas décadas. Quanto a isto, de 
acordo com Lacerda (2004), o acirramento dos conflitos envolvendo a disputa por 
terras indígenas no Brasil tem relação com o atraso no processo de demarcação 
e homologação destas áreas. Especialmente em Roraima e no que concerne à 
Reserva Indígena Raposa/ Serra do Sol, esta demora teve conseqüências 
importantes, as quais serão analisadas nos capítulos seguintes. 
Quase cinqüenta por cento do território de Roraima corresponde a Terras 
Indígenas. De acordo com dados do Instituto Socioambiental, atualmente 70% 
das terras indígenas estão registradas, 20% foram homologadas, 6,7% foram 
declaradas e apenas 3,3% ainda restam a ser identificadas (Tabela 01). Entre as 
mais importantes em termos numéricos estão a Terra Indígena Yanomami, 
situada na porção oeste do estado e que chega a abarcar também uma parte do 
estado do Amazonas, e a Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol, localizada na 
porção nordeste de Roraima (Mapa 06). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 36
 
Tabela 01 – Situação das Terras Indígenas no Norte do Brasil, em relação ao total 
estadual de Terras Indígenas em diversas fases de regularização – 2004 
(em número de terras e percentual) 
 
Situação 1 2 3 4 5 6 7 
UF n.º % n.º % n.º % n.º % n.º % n.º % n.º % Tot.
AC 1 2,6 9 23,7 0 0 2 5,3 1 2,6 23 60,5 2 5,3 38 
AM 0 0 60 30,5 11 5,6 19 9,6 26 13,2 70 35,5 11 5,6 197
AP 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 4 80 1 20 5 
PA 3 3,7 23 28,4 3 3,7 7 8,6 1 1,2 23 28,4 21 25,9 81 
RO 0 0 5 14,3 0 0 1 2,9 0 0 16 45,7 13 37,1 35 
RR 0 0 1 3,3 0 0 2 6,7 6 20 21 70 0 0 30 
TO 0 0 2 22,2 0 0 1 11,1 0 0 6 66,7 0 0 9 
NORTE 4 1 100 25,3 14 3,5 32 8,1 34 8,6 163 41,3 48 12,2 395
 
(1) Reservadas (2) A Identificar (3) Identificadas; (4) Declaradas (5) Homologadas (6) 
Registradas (7) Sem Providências 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 37
 
 
 
Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol 
 Fonte: Instituto Socioambiental - 2005 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Mapa 06 
 38
2.4. O processo de regularização da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol: da 
identificação à homologação 
 
O desenrolar do processo de regularização das Terras Indígenas no estado 
tem causado situações de tensão entre os interesses dos índios e os interesses 
dos proprietários fundiários. Particularmente nos interessa o caso dos conflitos 
envolvendo os indígenas de Raposa/ Serra do Sol. 
No tópico a seguir, apresentaremos os principais eventos deste longo 
processo que teve a sua origem em 1977. Apesar disto, para efeito desta 
pesquisa, iremos nos deter, como já dissemos na introdução, no período que 
consideramos mais importante: 1993 a 2005. 
 
 
2.4.1. Antecedentes 
Hoje em dia, mais uma vez6, os povos indígenas encontram-se no centro de 
disputas territoriais no Brasil. As motivações são as mais diversas: políticas, 
econômicas, culturais, fundiárias, etc. 
O contato entre índios e colonizadores na região do rio Branco já é antiga, 
remonta ao século XVIII. Apesar disto, a preocupação por parte de organismos 
oficiais nacionais para com a questão indígena é recente, podendo ter como 
marco principal o ano da criação do SPI (Serviço de Proteção ao Índio), em 19107. 
Apesar da criação do SPI, no que diz respeito às políticas de demarcação de 
terras indígenas houve uma lacuna entre 1910 e 1977, período em que foram 
registradas poucas providências importantes no âmbito oficial, visando promover 
a demarcação destas áreas especiais para uso exclusivo destes povos 
(SANTILLI, 2001). 
 
6 ‘Mais uma vez’ porque desde a chegada dos colonizadores europeus à região do rio Branco que 
os índios se vêem envolvidos em contendas territoriais. Não é objetivo deste trabalho fazer uma 
análise deste período, sobre isto ver FARAGE, Nádia (1991). As Muralhas dos Sertões: os povos 
do Rio Branco e a colonização, Rio de Janeiro: Paz e Terra: ANPOCS. 
7O que estamos chamando aqui de preocupações significa, mais objetivamente, o enquadramento 
governamental desta questão, isto é, foi a partir da criação do SPI que, pela primeira vez no Brasil, 
existiu um órgão da administração pública responsável por estabelecer este elo institucional entre 
o Governo Federal e os povos indígenas. 
 39
Ao longo deste período de relativa estagnação8 no que concerne à política 
de demarcação de terras, a visão do Governo Federal foi voltada muito mais para 
a instrumentalização do índio para o trabalho agrícola do que para a promoção de 
políticas fundiárias que garantissem o direito às suas terras. Uma constatação 
deste fato foi a subordinação do SPI ao MAIC (Ministério da Agricultura Indústria 
de Comércio), no período de 1910 a 1930, e, a partir de 1939, ao MA (Ministério 
da Agricultura). Até o início de 1950, 
 
o padrão fundiário implícito à imposição de uma territorialidade aos grupos 
indígenas supunha (...) a demarcação de pequenas porções de terra em que 
os grupos indígenas, resumidos muitas vezes à dimensão de famílias 
nucleares, se fixariam e dos quais extrairiam sua subsistência básica, o mais 
sendo complementado com a sua inserção no mercado regional de mão-de-
obra, mediada pela atuação do Serviço (LIMA, 1998:168). 
 
 Por outro lado, o controle da ocupação dos povos indígenas que se 
localizavam na Faixa de Fronteira nacional, especificamente onde viria a ser o 
Território do Rio Branco (1937), significou a garantia da soberania nacional, 
especialmente no governo de Getúlio Vargas. A presença indígena nesta fronteira 
era uma forma de garantia dos domínios brasileiros sobre estas terras 
setentrionais. 
Apesar de algumas terem sido delimitadas fisicamente, as terras 
destinadas para a ocupação indígena continuaram a ser invadidas por posseiros e 
garimpeiros ao longo dos anos que se sucederam. Foi durante as primeiras 
décadas do século XX que se registraram os primeiros focos de garimpo no 
estado, mais especificamente nos rios Contigo e Maú (BARROS, 1995). Esta 
situação começa a se modificar a partir do início da década de 1970, quando a 
questão indígena passa a ser tema de relevância junto à sociedade civil (BAINES, 
2003; CUNHA, 1998). 
Esta foi a época em que se intensificaram os investimentos pesados em 
infra-estrutura e em prospecção mineral, a abertura da rodovia Transamazônica, a 
construção das barragens de Tucuruí e Balbina e o Projeto Grande Carajás. O 
 
8 Dizemos relativa pois foi ao longo deste período em que alguns avanços importantes foram 
feitos, especialmente no que diz respeito à obstinação de Cândido Rondon. Entretanto, no que diz 
 40
progresso seguia o seu rumo e tinha como “empecilho” a presença dos índios. Foi 
a época emque foram feitos os contatos com os grupos isolados em virtude da 
necessidade de fazer avançar os tratores que rasgavam a selva, abrindo as 
estradas. 
Paralelamente a este processo, os índios iniciaram as primeiras tentativas 
de organização de cunho próprio. O CIR (Conselho Indígena de Roraima), 
contando com a ajuda da Igreja Católica, mais especificamente da Pastoral do 
Índio, foi uma das primeiras formas de organização das comunidades indígenas 
em Roraima (BAINES, 2003). Desde então estas organizações de apoio à causa 
indígena vêm enfrentando uma forte oposição dos interesses econômicos e 
políticos locais e regionais que se manifestam contrários à demarcação de 
Raposa/ Serra do Sol. 
Em 1977, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI)9, através da portaria n.º 
GM/111 de 14 de março do referido ano, instituiu um Grupo de Trabalho 
Interministerial para proceder a identificação das terras Makuxi sem, no entanto, 
fazer referência à extensão destas terras. Tratava-se do processo embrionário de 
homologação da Raposa/ Serra do Sol. 
 
 
2.4.2. Da identificação à demarcação 
 
Os elementos que destacaremos a seguir narram as dimensões da disputa 
territorial em torno da regularização da TI Raposa/ Serra do Sol, tanto no que 
tange às intrincadas articulações judicias nas esferas federal e estaduais, quanto 
no que se refere às disputas políticas entre os demais atores envolvidos. 
Dois anos após a criação do primeiro Grupo de Trabalho (1977), a FUNAI 
editou nova portaria (509/E – 9/01/1979) instituindo novo Grupo de Trabalho para 
a delimitação da Terra Indígena. Segundo Santilli (2001), mesmo sem fazer os 
necessários estudos antropológicos e históricos, este novo grupo chegou a propor 
uma área identificada provisoriamente com a extensão de 1.347.810 ha. 
 
respeito às políticas de demarcação de terras, a ação governamental deixou a desejar. 
9 a FUNAI foi criada em 1967 e teve sua origem o extinto SPI, que encerrara suas atividades em 
1966 sob a suspeita de corrupção. 
 41
Em 1984, a portaria da FUNAI nº 1.645/E, editada em 29 de maio daquele 
ano, instituiu outro Grupo de Trabalho. Este grupo foi responsável pela 
determinação de uma extensão para a área de 1.577.850 ha, desmembrada em 
cinco áreas contíguas, a saber: Xununuetamu – 53.510 ha, Surumú – 455.610 
ha, Raposa – 347.040 ha e Maturuca-Serra do Sol – 721.690 ha. Apesar disto, as 
lideranças indígenas não aceitaram este desmembramento de suas terras e, no 
mesmo relatório que havia fixado estes limites, foi estabelecida uma área total de 
2.000.000 de hectares, já que foram agregadas algumas aldeias antes deixadas 
de fora. 
A partir de 1991, já no governo de Fernando Collor de Mello, a FUNAI por 
meio das portarias 398 de 26/04/91, 1.285/92, 1.375/92 e 1.553/92, decidiu pelo 
reestudo da área indígena Raposa/ Serra do Sol. Finalmente este último GT 
chegou a definição de uma área cuja extensão era de 1.678.800 ha. Esta 
proposta foi aprovada pela FUNAI por meio do parecer nº 036/DID/DAF de 12 de 
abril de 1993 e publicado no Diário Oficial da União em 21 de maio do mesmo ano 
e encaminhada ao Ministro da Justiça. Estava, finalmente, vencida a etapa da 
identificação da terra indígena Raposa/ Serra do Sol. 
 
 
2.4.3. Da demarcação à homologação 
 
A etapa seguinte seria a demarcação. Entretanto, o Ministro da Justiça não 
deu prosseguimento ao processo. 
No governo de Fernando Henrique Cardoso (1995), os problemas 
persistiram. Grande parte dos políticos locais da bancada de Roraima no 
legislativo, organizações corporativas, representantes da mineração e militares 
foram contrários à demarcação de Raposa/ Serra do Sol. Em 1996, o Ministério 
da Justiça trouxe a TI Raposa/ Serra do Sol à condição de “caso paradigmático”, 
estabelecendo o direito ao contraditório (Decreto 1.775/96). Isto significou que 
todos aqueles cujas propriedades estivessem dentro dos limites de uma Terra 
Indígena, em qualquer lugar do país, teriam um prazo de 180 dias para contestar 
o processo de demarcação desde que o Estado ainda não tivesse homologado 
tais Terras em favor dos povos indígenas, isto é, desde que ainda não tivessem 
 42
tido o seu processo de regularização fundiária finalizado, com o devido registro no 
Serviço de Patrimônio da União (esta é a última etapa, que ocorre após a 
homologação pelo Presidente da República). 
Apesar de todas as contestações que alegavam que o Decreto 1.775/96 
feria o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988 (Anexo 01) este foi sancionado 
por Fernando Henrique Cardoso em 6 de janeiro de 1996. Com base neste 
Decreto, várias contestações provenientes do setor privado e principalmente do 
próprio governo de Roraima foram feitas e, apesar do Ministro da Justiça ter sido 
obrigado a aceitar a legitimidade da demarcação da TI, acolheu dois pleitos em 
especial: o do próprio governo de Roraima e do fazendeiro Newton Tavares, que 
alegava direito adquirido de suas posses. Este fato abriu um precedente para que 
colônias de garimpeiros e colonos fossem reconhecidas como fazendo parte da 
reserva e com direito a permanecer na área. 
A situação permaneceu sem grandes avanços até janeiro de 2004, já no 
governo de Luís Inácio Lula da Silva. No início do referido ano houve uma série 
de intensas manifestações capitaneadas pelos grupos contrários à homologação 
de Raposa/ Serra do Sol em área contínua. Rizicultores e grupos de indígenas 
promoveram o bloqueio da estrada BR 174, o principal eixo rodoviário de 
Roraima, seqüestraram funcionários da FUNAI e fizeram protestos violentos no 
estado, enfim, foram momentos de grande tensão. O próprio governo estadual e 
algumas prefeituras têm sido enfáticos em suas posições, isto é, não admitem 
que parcelas de seus territórios sejam destinadas à Terra Indígena. 
Entretanto, apesar de todas as contestações jurídicas e manifestações 
promovidas por grupos contrários à homologação, no dia 13 de abril de 2005, por 
meio da Portaria n.º 534, o Ministro da Justiça reconheceu a área contínua 
demarcada pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), com 1.747.46 ha. Em 
virtude da localização de Raposa/ Serra do Sol na Faixa de Fronteira nacional, 
este decreto excluiu as sedes dos municípios de Uiramutã e Normandia, as 
estradas federais e estaduais e demais equipamentos públicos e as bases 
militares. 
Para compreendermos os interesses dos diversos atores envolvidos nestes 
acontecimentos, passaremos a analisar nos capítulos seguintes seus interesses e 
os discursos por eles divulgados. 
 43
 
 
Tabela 02 - Síntese do histórico do processo de homologação 
Raposa/ Serra do Sol 
 
ANO 
 
ACONTECIMENTO 
Área da T.I. 
(ha) 
1977/79 Início do processo de identificação - GM/111 1.347.810 
1984 Portaria 1.645 1.577.850 
1991/2 Portarias 398/91; 1.285/92; 1375/92; 1553/92 
1993 Envio do relatório final da FUNAI p/ Ministro da Justiça – 
início do processo de demarcação 
1.678.800 
1995 Criação dos municípios de Uiramutã e Pacaraima 
1996 Decreto 1.775/96 - Direito ao contraditório 
1997 Escolha de Uiramutã para o Batalhão Especial de Fronteira 
1998 Portaria 820/98 – declara a posse permanente dos índios de 
Raposa/ Serra do Sol 
 
1999 Ação Popular contra a Portaria 820/98 
2002 Decreto 4412/02 - autoriza a presença militar e policial em 
terras indígenas 
 
2003 Portaria 020/03 - Aprova a diretriz para o relacionamento do 
Exército com as comunidades indígenas. 
 
2003 Portaria 983/ 03 - Aprova a diretriz para o relacionamento 
das Forças Armadas com as comunidades indígenas 
 
2004 Radicalização das ações dos grupos indígenas e não-
indígenas contrários à demarcação em área contínua. 
 
2005 Homologação Portaria 534/05 1.747.464 
Fonte: ISA, 2000; SANTILLI, 2001 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 44
3 - OS PRINCIPAIS

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