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Yahanna Estrela Medicina – UFCG SAÚDE DA FAMÍLIA E COMUNIDADE IV PREVENÇÃO PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA PARA DOENÇAS CARDIOVASCULARES ASPECTOS ✓ No manejo do risco cardiovascular (RCV), os fatores de risco modificáveis devem ser identificados e abordados. ✓ Pessoas com doença cardiovascular (DCV) estabelecida são consideradas de alto RCV – neste caso, medidas específicas de prevenção devem ser orientadas, de acordo com a condição clínica. ✓ Em pessoas sem DCV estabelecida, de acordo com idade e indicação, recomenda-se estimar o RCV global do indivíduo por meio de uma calculadora de risco para auxiliar na tomada de decisão sobre as medidas a serem realizadas. ✓ Para tomada de decisão sobre o uso de medicação para prevenção primária, é importante que o profissional esteja preparado para comunicar informações sobre riscos e benefícios da intervenção de forma efetiva, considerando as necessidades e preferências do indivíduo. ✓ É importante compartilhar as responsabilidades do seguimento para cuidado e promoção de hábitos de vida saudáveis com a equipe multiprofissional, de acordo com o fluxo de trabalho no serviço. DO QUE SE TRATA ✓ As DCVs são a primeira causa de óbito no mundo e no Brasil, onde corresponderam a 27% das causas de morte no ano de 2015; ✓ Com o envelhecimento populacional, a doença cardíaca isquêmica e a doença cerebrovascular têm ganhado importância crescente não apenas como causas de morte, mas também de morbidade e incapacidade funcional. ✓ O interesse sobre a origem das DCVs passou a crescer com a morte do presidente americano Franklin D. Roosevelt, em 1945, após acidente vascular cerebral (AVC). o Naquela época, ainda não haviam sido identificados fatores de risco para essas doenças. o A morte prematura do presidente, aos 63 anos, contribuiu para a criação do famoso estudo de Framingham, o qual colaborou para uma mudança de paradigma no final do século XX na abordagem das DCVs, mudando o foco sobre o tratamento de pessoas com DCV estabelecida para pessoas com fatores de risco para tal. CLASSIFICAÇÃO DA PREVENÇÃO ✓ Existem diversos modelos para a classificação dos diferentes tipos de prevenção. Os mais conhecidos estão ilustrados no quadro abaixo. ✓ Os termos “prevenção primária” e “prevenção secundária” aqui utilizados serão seguindo o modelo de Geoffrey Rose, ou seja, prevenção primária é aquela realizada antes do evento cardiovascular ocorrer (tenta-se prevenir o primeiro evento), e prevenção secundária é aquela realizada após a ocorrência de um evento cardiovascular (tenta-se prevenir um segundo evento). ✓ Além disso, Rose também divide as estratégias preventivas entre estratégias populacionais (aumentar o preço do cigarro é mais efetivo para a população do que prescrever adesivo de nicotina a um indivíduo específico; indústria alimentícia, parques) e estratégias para indivíduos de alto risco (papel multiprofissional). FATORES DE RISCO PARA DOENÇA CARDIOVASCULAR ✓ Esta prevenção pode ser realizada em dois eixos principais: não medicamentoso e medicamentoso, incidindo sobre os fatores de risco modificáveis para DCV. O QUE FAZER? ANAMNESE ✓ Na prática da atenção primária à saúde (APS), é muito comum iniciar acompanhamento de indivíduos que já possuam em sua prescrição medicações com intuito de prevenir DCV iniciadas por outros profissionais. ✓ É papel do médico de família e comunidade, por meio de anamnese, revisão de prontuário, exame físico e exames complementares, quando apropriados, identificar se há ou não indicação baseada em evidências para tais medicações e discutir sua manutenção com a pessoa atendida. ✓ Deve-se identificar os fatores de risco cardiovasculares: o Sexo; o Idade; o Etnia; o Tabagismo atual ou pregresso; o Consumo de álcool ou outras drogas; o Prática ou não de atividade física regular; o Hábitos com relação à dieta; o Comorbidades; o Medicação utilizada; o Psicossociais. ✓ Na vigência de DCV estabelecida, como, por exemplo, infarto agudo do miocárdio (IAM), angina estável ou instável e AVC isquêmico (AVCi), o risco de um novo evento cardiovascular é elevado, havendo indicação de medidas específicas de prevenção secundária. ✓ Na ausência de tais condições, o profissional deve avaliar o RCV da pessoa, com a finalidade de definir quais são as medidas mais adequadas para reduzir a probabilidade de ocorrência de um evento cardiovascular. RISCO CARDIOVASCULAR GLOBAL ✓ Uma abordagem possível para manejar o RCV é identificar e tratar cada fator de risco individual de forma isolada. ✓ Existe quem se guie apenas pelo resultado laboratorial do perfil lipídico como parâmetro para prescrever uma medicação com a finalidade de diminuir o RCV. o Contudo, dada a natureza multifatorial deste risco, recomenda-se que os fatores de risco sejam considerados em conjunto, procurando estabelecer uma medida de risco cardiovascular global. ✓ Para atribuir um valor a este risco, é necessário ponderar diversos fatores, cada um com um peso diferente, de forma que, via de regra, é difícil fazê- lo sem uma ferramenta de apoio. ✓ Deve-se ter cuidado para não superestimar tanto o RCV em cenários de baixo risco global quanto o benefício que controlar um determinado fator de risco teria, mesmo compreendendo a dinâmica de como os fatores de risco contribuem para compor um RCV global de um indivíduo, caso não seja utilizada uma ferramenta de suporte à tomada de decisão. ✓ Portanto, para auxiliar na tomada de decisão a respeito de se iniciar medicação para prevenção primária de um evento cardiovascular, é indicado que seja calculado o RCV global utilizando uma calculadora de risco. CALCULADORAS DE RISCO CARDIOVASCULAR ✓ Existem diversas ferramentas de estratificação de RCV disponíveis para utilização do profissional. ✓ Exemplos são o escore de risco de Framingham, o Systematic Coronary Risk Estimation (SCORE) e o QRISK3. ✓ As calculadoras que existem foram construídas com base em populações de outros países – norte- americana, europeia ou britânica. ✓ Ainda não existe uma calculadora bem fundamentada criada com base na população brasileira e, mesmo que existisse, a questão da aplicabilidade para populações específicas, e principalmente para indivíduos específicos (validade externa), seria um ponto a se observar. ✓ Deve-se notar que tais ferramentas não são capazes de calcular o risco individual da pessoa, e sim de estimar esse risco a partir de populações com características semelhantes. ✓ O resultado representa o risco (percentual) de ter um evento cardiovascular durante um período de tempo no futuro, normalmente 10 anos. ✓ Dessa forma, os números fornecidos são estimativas que podem auxiliar na tomada de decisão, sendo necessário discutir os riscos e benefícios das intervenções com cada pessoa individualmente. ✓ O QRISK3 estima o risco de pessoas com idade até 84 anos. Isso é devido ao fato de, com o avançar da idade, mesmo em pessoas saudáveis, na ausência de condições clínicas desfavoráveis, a idade por si só elevar o RCV estimado para níveis considerados de alto risco EXAME FÍSICO ✓ O exame físico é capaz de fornecer dados relevantes para avaliar fatores de risco ou DCVs. o Pressão arterial (PA): a pressão medida em consultório pode ter como fator de confusão a síndrome do jaleco branco. Caso se opte por realizar esta medida, ela deve ser feita com a técnica correta, para evitar sua sub ou superestimação. o Índice de massa corporal (IMC): apesar de possuir limitações, este cálculo ajuda a estimar o estado nutricional dos pacientes. o Circunferência abdominal: é uma medida utilizada para estimar a presença de gordura visceral. O valor normal para a população geral masculina é < 102 cm, e para a feminina, < 88 cm. o Palpação de pulsos, por exemplo,pedioso e tibial posterior: podem ajudar a identificar situações de insuficiência arterial periférica. o Exame cardíaco e pulmonar: se houver suspeita ou sintomas de insuficiência cardíaca (IC) ou doença cardíaca estabelecida. Nesse caso, podem ser avaliados também estase jugular e edema de membros inferiores. o Avaliação neurológica e motora: caso haja sequela de AVC. o Sopro carotídeo: em pessoas sem sintomas, a ausculta da região das carótidas não é recomendada como exame a ser realizado de rotina. Na investigação de sinais neurológicos focais, de AVC ou de AIT, o achado de sopro carotídeo pode reforçar a possibilidade de que a etiologia seja vascular, direcionando a investigação subsequente. No caso de se encontrar sopro carotídeo, é recomendado prosseguir a investigação com ultrassonografia Doppler, a fim de avaliar a permeabilidade da carótida. Pacientes com estenose carotídea sem sintomas têm maior chance de eventos cardiovasculares do que aqueles sem estenose, e a presença de sopro carotídeo pode ser entendida como um sinal de presença de aterosclerose sistêmica, devendo ser realizado manejo dos fatores de risco cardiovasculares de acordo com o caso. EXAMES COMPLEMENTARES ✓ No contexto da estratificação de RCV por meio da calculadora QRISK3, o único exame laboratorial necessário é a dosagem de colesterol total (CT) e do colesterol HDL. ✓ Outros exames complementares devem ser solicitados de acordo com as comorbidades e demais fatores de risco apresentados pela pessoa. TRATAMENTO MUDANÇA DE ESTILO DE VIDA ✓ Alimentação: considerando o contexto individual, pode-se sugerir que a pessoa tente adaptar sua dieta aos princípios de uma alimentação balanceada, focando em produtos integrais, vegetais, frutas e peixe e evitando alimentos que contenham gorduras saturadas, açúcares refinados e alimentos processados. É recomendada a ingestão de cinco porções de vegetais, frutas e legumes por dia. ✓ Exercício físico: recomenda-se atividade física aeróbica moderada durante pelo menos 150 minutos por semana. Uma sugestão é 30 minutos por dia, 5 vezes na semana. Uma alternativa seria 75 minutos de atividade aeróbica intensa na semana ou uma composição entre estes tipos de atividade física. Pessoas com limitações ou menor capacidade de exercício devem ser encorajadas a realizar atividade física de forma a chegarem ao máximo esforço, respeitando seu limite com segurança. ✓ Tabagismo: o consumo de tabaco é um fator de risco para as DCVs. Portanto, as diretrizes recomendam que as pessoas não se exponham ao tabagismo em qualquer forma, e que sejam oferecidas medidas para apoio à cessação do tabagismo aos fumantes. ✓ Peso: é recomendado que a pessoa evite o sobrepeso e a obesidade, mantendo um IMC adequado para sua faixa etária. ✓ Consumo de álcool: é recomendado que a pessoa evite o consumo de álcool superior a 20 g por dia no caso dos homens, e de 10 g por dia no caso das mulheres. Também se recomenda que seja evitado o padrão de abuso (binge drinking). MEDICAÇÕES PREVENÇÃO PRIMÁRIA ✓ A medicação de escolha para prevenção primária de eventos cardiovasculares é a estatina. ✓ A maioria das diretrizes sobre prevenção cardiovascular recomenda que seja utilizada uma calculadora de risco para estimar o risco de ocorrência de evento cardiovascular em 10 anos. ✓ A partir daí, há recomendações diferentes para diferentes perfis de risco estimado. ✓ Quanto maior o RCV estimado, maior a chance de haver benefício com o uso da estatina. ✓ Como princípios gerais, é recomendado explicar e discutir o processo de avaliação do RCV, dando à pessoa inclusive a opção de não ser avaliada. ✓ Sabe-se que, quando se trata de comunicação a respeito do risco e benefício de intervenções, as pessoas têm preferências diferentes com relação à forma pela qual a informação é apresentada, podendo afetar a escolha realizada no processo de tomada de decisão. ✓ Opções para abordar o assunto são falar em termos de porcentagens ou de proporções; dar ênfase ao risco de desfecho favorável ou negativo; utilizar o conceito de risco relativo ou de risco absoluto; explicar em termos de número necessário para tratar (NNT); e usar materiais gráficos que auxiliem no processo. ✓ É importante que o profissional pratique e esteja confortável para realizar esta discussão por meio de mais de uma abordagem, visando a uma comunicação efetiva, que promova a autonomia, o autocuidado e a tomada de decisão informada, de forma centrada na pessoa. ✓ É recomendável que, antes de se iniciar o tratamento com estatinas, sejam discutidos os benefícios de mudanças no estilo de vida, sendo oferecido apoio para a sua implementação, além de otimização do tratamento de todos os outros fatores de risco cardiovasculares modificáveis, sempre que possível. ✓ A pessoa deve ter a oportunidade de reavaliar seu RCV após a realização dessas mudanças e, caso elas não tenham sido efetivas, pode-se oferecer o tratamento com estatinas. o Uma sugestão para iniciar o tratamento é sinvastatina, de 10 a 40 mg, uma vez ao dia, à noite. o Efeitos adversos relacionados ao uso de estatinas incluem mialgia, elevação de transaminases hepáticas e elevação de níveis glicêmicos. o O aumento no nível sérico de transaminases hepáticas pode ocorrer durante o tratamento, sendo, na maior parte dos casos, reversível. Só haveria indicação de suspender o tratamento em caso de elevação de transaminases para níveis três vezes superiores aos do limite normal. ✓ A Food and Drug Administration (FDA), órgão que realiza a regulação de fármacos nos EUA, considera que os benefícios do uso do AAS para prevenção primária de eventos cardiovasculares não estão estabelecidos com base em evidência científica. ✓ Tal conclusão está de acordo com recomendações de outras entidades, que sugerem não usar o AAS como medida de rotina para prevenção primária de DCVs. PREVENÇÃO SECUNDÁRIA ✓ Para pacientes com DCV estabelecida, são recomendadas orientações para mudanças de estilo de vida semelhantes às descritas, bem como terapia medicamentosa adjuvante para controle de outros fatores de risco. ✓ A seguir, são descritas algumas orientações para prevenção secundária em pessoas que tenham apresentado IAM ou AVC/AIT: o IAM: Para uma pessoa que já tenha apresentado IAM, são recomendadas as seguintes medidas no cuidado após evento: ▪ AAS: há indicação para uso contínuo, salvo se houver intolerância ou indicação de anticoagulação. ▪ Dupla terapia antiplaquetária: associar um segundo antiagregante plaquetário além do AAS, como clopidogrel, prasugrel ou ticagrelor, durante período de até 12 meses, nos pacientes que colocaram stents. ▪ Estatina: Indicada para prevenção secundária pós-IAM. ▪ Inibidor da enzima conversora de angiotensina (IECA): Indicado para pessoas com disfunção sistólica ventricular esquerda (fração de ejeção reduzida), IC, diabetes, hipertensão, doença renal crônica estável. • Iniciar após estabilização hemodinâmica; titular a dose, monitorar função renal, eletrólitos séricos e PA. Pode ser substituído por bloqueador de receptor de angiotensina (BRA) se houver intolerância. ▪ Betabloqueador: Utilizar por 12 meses após o IAM e rever indicação. o AVC ou AIT: O controle de fatores de risco para prevenção secundária deve ser realizado após avaliação individual, considerando o mecanismo de ocorrência do evento. Fatores de risco comuns são estenose de artéria carótida ipsilateral, fibrilação atrial, hipertensão arterial, doença cardíaca estrutural. ▪ No caso de AVCi ou AIT, há indicação de tratamento com estatina e terapia antiplaquetária. • Para terapia antiplaquetária, clopidogrel ou a combinação de AAS com dipiridamol de liberação prolongada parecem ser melhores do que o uso isolado de AAS. • No caso de transformação hemorrágica apósevento isquêmico, a indicação de terapia antiplaquetária está indicada após resolução da hemorragia. • No caso de hemorragia intracraniana primária, a indicação de estatina deve ser feita de acordo com avaliação individual e com o RCV global, e não para prevenção de novo episódio de hemorragia. QUANDO REFERENCIAR ✓ Pessoas após evento cardiovascular ou cerebrovascular recente podem se beneficiar de avaliação em serviços de média complexidade, especificamente para reabilitação cardíaca, quando indicado, e para reabilitação motora, em casos de AVC. ✓ Após o período de reabilitação, tais pessoas podem e devem retomar seu acompanhamento regular na APS, trazendo consigo contrarreferência acerca do plano estabelecido no outro nível de atenção ATIVIDADES PREVENTIVAS E DE EDUCAÇÃO ✓ A maioria das práticas descritas são atividades preventivas para DCV voltadas para a estratégia de alto risco. ✓ A longitudinalidade oferece a possibilidade de realizar atividades de promoção à saúde oportunisticamente durante a consulta para indivíduos de baixo RCV. ✓ É comum que haja na comunidade equipamentos sociais que ofereçam espaços e atividades para promover um estilo de vida saudável, como oficinas de artesanato e de culinária, grupos de prática esportiva ou de atividade física, espaços de convivência, além de atividades culturais. ✓ É importante que o profissional conheça tais recursos, pois podem ser fatores terapêuticos, dependendo da pessoa atendida. ✓ No próprio serviço de saúde, podem existir ou ser criadas intervenções similares, de acordo com o perfil e as necessidades da população atendida, da equipe de profissionais disponíveis e do processo de trabalho vigente. PAPEL DA EQUIPE MULTIPROFISSIONAL ✓ No contexto de prática clínica, é pouco provável que o profissional médico isoladamente consiga realizar todas as orientações necessárias a respeito de medidas preventivas considerando as preferências e valores das pessoas, ao mesmo tempo em que oferece respostas às outras demandas assistenciais à população sob seus cuidados. ✓ Dessa forma, é importante que esta responsabilidade seja compartilhada com outros integrantes da equipe. ✓ O enfermeiro pode realizar orientações para promover hábitos de vida saudáveis, além de, no atendimento a pessoas com fatores de risco cardiovasculares ou condições crônicas, como, por exemplo, HAS, dislipidemia ou diabetes, verificar resultados e solicitar exames de rotina de acordo com protocolos. ✓ Todos os profissionais de saúde podem estar capacitados para abordar temos como prática de atividade física, alimentação saudável, fatores psicossociais, consumo de álcool e tabaco e adesão ao tratamento. ✓ Assim, o ideal é que, de acordo com o fluxo de trabalho em cada serviço, a disponibilidade de recursos humanos, a capacitação destes profissionais e a necessidade dos usuários do serviço, a equipe multiprofissional se organize da melhor forma para oferecer o cuidado adequado à população atendida. ÁRVORE DE DECISÃO
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