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24 Unidade 3 Treinamento de Pessoal 3.1 Treinamento e Segurança no Trabalho Segurança do Trabalho é o conjunto de recur- sos e técnicas aplicadas, de forma preventiva ou cor- retiva, para proteger os trabalhadores dos riscos de acidentes implicados em um processo de trabalho ou na realização de uma tarefa (TAVARES, 2007). De acordo com Vilela (2003), foi a partir do advento da corrida por certificações de qualidade com as normas internacionais no final da década de 90 (BS 8800 - Guide to occupational helth and safety management systens e a OHSAS 18001- Occupational Helth and Safety Assessment Se- ries), que a seriedade no tratamento da segurança do trabalho vem avançando nas organizações. Po- demos apontar como um dos principais avanços a mudança da visão baseada na proteção para a visão baseada na prevenção. Atualmente, é possí- vel indicar a repetição de eventos precursores para pelo menos estimar de maneira razoável a proba- bilidade de um acidente. O sinal precursor deve possuir algumas propriedades, tais como: caráter desfavorável, adverso, negativo, contrário à segu- rança do complexo industrial, repetitivo e poten- cialmente perigoso. 25 Infelizmente, em sua maioria, o empresariado brasileiro ainda trata as normas apenas como exi- gência legal, muitas vezes cumprindo os requisitos mínimos somente para evitar problemas com a fis- calização e a justiça do trabalho. A preocupação com o todo, quando ocorre, é motivado por um acidente de trabalho apenas pelo problema jurídico que dis- so decorre (GONÇALVES, XAVIER & KOVA- LESKI, 2005). Para o Técnico em Segurança do Trabalho (TST), que se ocupa da proteção do trabalhador em seu local de trabalho, o treinamento de pessoal é uma de suas principais ferramentas a fim de preve- nir riscos e de acidentes nas atividades de trabalho. Segundo Tavares (opus cit.) o TST deve estar apoia- do nas normas, nos sinais precursores e no conhe- cimento dos processos de trabalho, para promover debates, encontros, campanhas e treinamentos, com o objetivo de evitar acidentes do trabalho e doenças profissionais e do trabalho. De forma geral, podemos conceituar treina- mento como “um processo de assimilação cultural em curto prazo, que objetiva repassar ou reciclar conhecimento, habilidades ou atitudes relacionadas diretamente à execução de tarefas ou à sua otimiza- ção no trabalho” (MARRAS 2001, p. 145). Treino implica em aprendizado, e uma das formas de com- preender aprendizado é “adquirir competências e, 26 por conseguinte, melhorar desempenho” (SOUZA, 2009). Para Chiavenato (1999, p. 294) o treinamento é “uma maneira eficaz de delegar valor às pessoas, à organização e aos clientes”, e implica num enrique- cimento do patrimônio humano. 2.2 Planejamento Para Borges-Andrade (1986), treinamento pode ser definido como o modo como os profissionais de educação e treinamento conhecem, compreendem e predizem as questões relativas às mudanças de de- sempenho de uma pessoa e o que é feito para que a mudança seja obtida. Os elementos que compõem o treinamento são: avaliação de necessidades, plane- jamento de treinamento e avaliação de treinamento. É nesse sentido que é função do TST, apoia- do nas normas de segurança, avaliar o ambiente e processos de trabalho, assim como questionar como treinar o trabalhador para que conheça os proces- sos e riscos envolvidos em sua função e, a partir daí, assuma atitudes seguras. É importante ressaltar que não adianta apenas qualificá-lo para o seu melhor desenvolvimento dentro da organização, faz-se ne- cessário também motivar o indivíduo a não adotar comportamentos de risco. Vilela (2003), ao fazer uma análise dos mate- riais de campanha de prevenção de acidente (carta- 27 zes, livros de formação dos TST, vídeos), aponta que a sugestão para criar um programa de “motivação adequada nos trabalhadores” (grifos do autor), é sempre adaptar o trabalhador aos riscos existentes ao processo produtivo, numa clara transferência de responsabilidade da empresa para vítima. Esse ainda é o sentido observado nos treinamentos e em mate- riais de campanhas distribuídos pelas empresas. Marras (2001, p. 150) afirma que para um trei- namento ser eficiente, é necessário a avaliação das necessidades, e que o objetivo desta avaliação é res- ponder basicamente a duas questões iniciais: 1. Quem deve ser treinado? 2. O que deve ser aprendido? A resposta óbvia para a primeira pergunta se- ria: o trabalhador. Entretanto, se quisermos real- mente proporcionar uma mudança de cultura na área de segurança, precisamos ampliar a questão: como mobilizar todos os atores envolvidos na- quele processo de trabalho, desde o trabalhador (que lida diretamente com o risco), os gerentes (que acompanham e organizam o trabalho) até os diretores (que decidem o que vai ser feito e em que condições), para que os acidentes de trabalho sejam prevenidos? Dessa forma, trazemos para o foco da responsabilidade sobre os acidentes não só para o trabalhador, mas para aqueles que esco- lhem os instrumentos, locais de trabalho e proces- sos que serão utilizados. 28 A resposta para a segunda questão começa com as normas internacionais e as nacionais que regem a segurança do trabalho. Apontamos também outras duas fontes importantes para a construção do que vai ser ensinado: os estudos sobre os acidentes de trabalho e os próprios trabalhadores, que conhecem melhor que qualquer especialista as dificuldades e riscos envolvidos na atividade Vilela (opus cit.) aponta que uma investigação criteriosa sobre a origem dos acidentes de trabalho deve possibilitar a compreensão da atividade real de trabalho numa situação sem o acidente e com aciden- te, para que se possa perceber o que houve de mudan- ça para que fosse desencadeado o acidente. O autor ainda faz a ressalva de que, nessa investigação, situa- ção sem acidente não é o mesmo que atividade pres- crita ou norma de segurança, já que muitas vezes são distintas da atividade realizada. Deve-se utilizar todos os recursos disponíveis (fotos, documentos, entrevis- tas) para se responder a estas perguntas em situação normal e na situação alterada: O que faz e porque faz?; Com quem e como faz?Em que tempo faz? Com o que faz? Quando e onde faz?Em que condições faz? As respostas vão nos levar ao encontro dos fa- tores situados na origem dos acidentes, o que nos leva à busca das causas das causas, que devem ser o alvo para as medidas de prevenção, pois, quando sanadas, evitam que outros acidentes ocorram. 29 A segunda fonte de informações para plane- jarmos os treinamentos são os trabalhadores. Atual- mente, é valido afirmar que os treinamentos e reso- luções de trabalho que são mais efetivos são aqueles em que o conhecimento dos trabalhadores é leva- do em conta. Essa é uma atitude nova dentro dos processos organizacionais, já que tradicionalmente o controle sobre todos os processos envolvendo o trabalho fica centralizado nos gestores e na figura do especialista (administradores, engenheiros, advo- gados, entre outros), cabendo ao trabalhador apenas a adequação a tarefa. Essa situação também afeta as condições de segurança no trabalho já que, por exemplo, apesar dos trabalhadores terem obrigação de verificar as condições de trabalho e de não aceitar condições inseguras, revelam o medo de recusarem- -se a trabalhar, de “ficarem marcados” pelas chefias e de serem alvos de retaliações. (OLIVEIRA, 2007). Essa forma de gestão é baseada no modelo de administração taylorista que descoletivizou os traba- lhadores. Entretanto, é comum os trabalhadores ado- tarem formas de contra-controle que visam ao mesmo tempo garantir a programação do trabalho (interesse da gerência) e continuamente manter o controle por parte dos trabalhadores, respeitando o limite subjeti- vo (SATO, 1993). Essas práticas foram chamadas por Sato (opus cit) de ações adaptativas¸ e modificam o trabalho planejado, podem ser sadias ou provocar au- 30 mento de riscopara a segurança do trabalhador e/ou para a qualidade do produto ou do serviço. O profissional de segurança, diante desta situ- ação, precisa buscar caminhos para superar os con- flitos e criar canais institucionais para encaminhar as questões relativas a segurança que surgem no cotidia- no. Ao trazermos o trabalhador para o processo de planejamento do trabalho, a intenção é considerar ex- plicitamente tanto o aspecto técnico (que envolve os materiais e instrumentos disponíveis, conhecimentos e processos de trabalho) quanto o aspecto humano (mundo social e mundo subjetivo, ou seja, desejos, valores, limites pessoais e demandas). Quando a or- ganização do processo de trabalho amplia o controle por parte dos trabalhadores, não apenas cuidamos da saúde do trabalhador, mas também damos suporte a produtividade e a qualidade do produto. Ao planejar e executar treinamentos alguns cui- dados precisam ser considerados, pois, dependendo da forma ou do contexto em que ele ocorre, ele pode não provocar o efeito desejado. Bley (2004) afirma que, “uma vez decretada ‘a causa’ do acidente, os envolvidos no evento normalmente tem um desti- no único: a sala de treinamento” (p. 1), mostrando que o treinamento acaba por assumir uma função de punição ou instrumento de correção, empregando enorme quantidade de horas de vários profissionais e não demonstrando correlação com a diminuição 31 do número de acidentes. Outro equívoco comum é a apropriação simplificada de conceitos da Psicologia e sua aplicação distorcida em treinamentos, como, por exemplo, alguns programas de incentivo com distribuição de brindes e as apresentações de vídeos e fotos de acidentes como forma de conscientização. Além de infantilizar o trabalhador, torna o momen- to de treinamento ora um recreio ora uma punição, deixando em segundo o plano sua principal função: promover a saúde, em suas várias dimensões, e a qualidade de vida dos trabalhadores. A mudança de paradigma, da proteção para a prevenção, implica em pensar a promoção da saúde no trabalho, e essa transformação vai depender da ação conjunta de trabalhadores, sindicalistas e técni- cos na formação de agentes multiplicadores atuando nas bases, visando sempre o coletivo do trabalho, não aos indivíduos isoladamente. 32 Exercícios de Fixação 1) De acordo com o proposto na apostila, o que precisamos levar em conta quando planejamos um treinamento, tentando superar o binômio atos inseguros-condições inseguras? 2) O cinema, que pode tanto ser usado para do- minação cultural e ideológica, também pode ser usa- do para convidar a uma reflexão crítica. No brilhante filme de Chaplin, Tempos Modernos (Modern Ti- mes, 1936), há uma crítica ao Taylorismo-Fordismo e à fraqueza do operário frente à linha de monta- gem e as máquinas. À luz do que foi estudado nesta unidade, assista ao filme e faça um exercício: pensar que tipos de intervenções, no ambiente apresentado, você faria para melhorar a qualidade de vida do tra- balhador e prevenir acidentes? Sugestão de Sites para Pesquisa Serviço Brasileiro de apoio às Micro e Pequenas Empresas - Sebrae www.sebrae.com.br Associação Brasileira de Treinamento e Desen- volvimento http://portal.abtd.com.br/portal/home.html 35 Referências Bibliográficas ASCH, Solomon Eliot. Psicologia Social. Trad. Dante Mo- reira Leite e Miriam Moreira Leite São Paulo: Nacional, 1966 2ed. ARENDT, Hannah. A condição Humana. Rio de Janei- ro: Editora Forense-Universitária Ltda, 1981. 360p BLEY, Juliana Zilli. Variáveis que caracterizam o proces- so de ensinar comportamentos seguros no trabalho. Disserta- ção de Mestrado em Psicologia, UFSC, 2004. BOCK, Ana Mercês Bahia Bock; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias – Uma in- trodução ao estudo de Psicologia. 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