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Os escritos de Manoel de Araújo Porto-alegre sobre cidades [1844-1853]

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Os escritos de Manoel de Araújo Porto-alegre 
sobre cidades [1844-1853]:
Temporalidades e sedimentações
Priscilla Alves Peixoto
Dissertação para obtenção do título de Mestre em
Urbanismo apresentada ao 
Programa de Pós-Graduação em Urbanismo
da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(PROURB. FAU.UFRJ)
Orientadora: Maria Cristina Nascente Cabral
Co-orientadora: Margareth Aparecida Campos da Silva Pereira
2013
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Peixoto, Priscilla Alves. 
P853 Os escritos de Manoel de Araújo Porto-alegre sobre cidades [1844-1853]: temporalidades e 
 sedimentações / Priscilla Peixoto: UFRJ / FAU, 2013. 
 160 f.: il.; 30 cm. 
 Orientador: Maria Cristina Nascentes Cabral. 
 Co-orientador: Margareth Aparecida Campos da Silva Pereira. 
 Dissertação (mestrado) – UFRJ / PROURB / Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, 
2013. 
 Referências bibliográficas: f. 153-158. 
 1. Manoel de Araújo Porto-alegre – Crítica e interpretação. 2. Urbanismo (Rio de Janeiro, RJ) 
– História – Séc. XIX. 3. Cidades e vilas - Crescimento. 4. Urbanismo - Filosofia.5. Urbanismo – 
Ensaios. I. Cabral, Maria Cristina Nascentes. II. Pereira, Margareth Aparecida Campos da. III. 
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de 
Pós-Graduação em Urbanismo. III. Título. 
 CDD 720.92 
 
 
Priscilla Alves Peixoto
Os escritos de
Manoel de Araújo Porto-alegre sobre cidades [1844-1853]
Temporalidades e Sedimentações
Aprovado por:
Profa. Dra. Maria Cristina Nascentes Cabral
PROURB.FAU.UFRJ
Profa. Dra. Margareth A. Campos da Silva Pereira
PROURB.FAU.UFRJ
Prof. Dr. Gustavo Rocha-Peixoto
PRARQ.FAU.UFRJ
Dra. Ana Maria Pessoa dos Santos
FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA
Rio de Janeiro, 16 de maio de 2013.
Dissertação para obtenção de título de Mestre em Urbanismo pelo Programa de Pós-graduação em 
Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PROURB-FAU-UFRJ).
Para Jacy Peixoto pelas muitas 
manhãs que caminhamos pelas 
ruas do Rio.
Agradecimentos
Gostaria de agradecer ao Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da FAU/UFRJ, sobretudo, a 
professora doutora Maria Cristina Nascente Cabral que orientou o presente trabalho. Agradeço a gentile-
za com que acolheu a mim e a meu tema de interesse, a princípio tão distantes dos arquitetos modernos 
de suas pesquisas, e a generosidade com que leu e revisou os textos fazendo com que a arquiteta, mais 
acostumada aos riscos abstratos dos projetos, tornasse seus escritos menos duro ao leitor.
Aos professores e funcionários do PROURB/FAU/UFR pelo estimulante convívio ao longo dos 
dois anos do curso de mestrado. Agradeço às contribuições dos professores Ana Lucia Brito e José 
Barki, integrantes da banca de qualificação.
A relação de gratidão e estimulo que estabeleço com o PROURB é ainda mais antiga, pois, há 
cerca de sete anos, iniciei meu processo de formação junto ao Laboratório de Estudos Urbanos (LeU
-PROURB-UFRJ), grupo de pesquisa desse programa.
Durante esse tempo no LeU, estive envolvida diretamente com o projeto de organização de uma 
antologia sobre o “Pensamento Urbanístico no Brasil” idealizado e coordenado pela professora doutora 
Margareth Aparecida da Silva Pereira. Participar desse projeto, sobretudo, na identificação e seleção dos 
textos dos autores brasileiros foi o quê me possibilitou enunciar o tema da dissertação que o leitor tem 
hoje em mãos.
Por esse motivo, fazemos aqui um especial agradecimento a Margareth Pereira, também co-orien-
tadora da presente dissertação, pelo incentivo, pela confiança, pela atenta leitura das primeiras e às 
últimas linhas desse trabalho e, sobretudo, pela maneira generosa com que acolheu meu interesse por 
Porto-alegre e pelos demais reformadores urbanos que viveram no Brasil no século XIX, tema de seus 
estudos há longa data.
Mais do que a aproximação de um tema, as atividades no LeU me proporcionaram, também, a 
construção de uma sólida parceria intelectual do qual a presente dissertação se beneficiou imensamente. 
Devo agradecer aqui a todos os pesquisadores do laboratório – Mário Magalhães, Daniela Ortiz, Juliana 
Loureiro, Carolina Trindade, Carolina Bortolotti, Rafael Barcelos, Jorge Fleury, Aline Cury e Iazana 
Guizzo – que em nosso convívio quotidiano e em nossos grupos de estudos contribuíram para o desen-
volvimento dessa pesquisa, além dos bolsistas de iniciação científica – Izabela Gonçalves, João Sayd, 
Marina Jardim e Juliana Teixeira – que, em tempos diferentes, me ajudaram na organização de fonte 
documental. 
Devo aqui agradecer especialmente aos “leuzianos” Mário Magalhães e Daniela Ortiz, pois sem 
seus cuidadosos comentários e paciente leitura, sem o apoio continuo e as críticas necessárias esse tra-
balho certamente não teria a mesma forma. O companheirismo desses dois gratos amigos tornou muito 
mais instigante todo o processo de composição desse estudo.
Agradeço ainda ao LeU por ter me proporcionado a aproximação de pesquisadores experientes, 
sobretudo durante os seminários internos, para quem pude expor e com quem pude debater a pesquisa 
sobre Porto-alegre, recebendo, assim, importantes contribuições. Nesse contexto, agradeço a Ivone Sal-
gado, Marlice Azevedo Nazaré, Guilherme Bueno e, sobretudo, a Ana Pessoa. Essa última, atual diretora 
8 do Centro de Memória e Informação da Fundação Casa de Rui Barbosa, que ao longo do desenvolvi-
mento dessa pesquisa se mostrou uma grande parceira intelectual, com quem pude dividir inquietações 
e dúvidas e de quem recebi interesse, atenção, uma infinidade de referencias bibliográficas e de fontes e, 
o mais inestimável, perguntas preciosas em momentos cruciais.
Ao Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ onde realizei duas disciplinas duran-
te o ano de 2011. Os conteúdos estudados e os debates realizados nessas aulas foram significativos para 
o amadurecimento teórico e metodológico do presente trabalho. Agradeço, assim, a interlocução com as 
professoras Marieta de Moraes e Norma Côrtes.
Agradeço também ao Programa de Pós-Graduação em História Social e da Cultura da PUC-Rio, 
onde realizei especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil e onde pude esboçar as pri-
meiras análises sobre a obra de Porto-alegre. Agradeço ao professor Masao Kamita, que orientou a 
monografia, e aos professores Ana Luísa Nobre e César Tovar com quem pude debater alguns aspectos 
da pesquisa na época.
Agradeço aos especialistas em Manoel de Araújo Porto-alegre, os professores Gustavo Rocha
-Peixoto e Francisco Sales Trajano Filho e as pesquisadoras Heliana Angotti Salgueiro e Letícia Squeff 
pela gentileza com que acolheram minhas perguntas e a generosidade com que se dispuseram a dividir 
fontes e a conjecturar hipóteses.
Às bibliotecas e aos arquivos contatados – Academia Brasileira de Letras, Arquivo Geral da Ci-
dade do Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, Biblioteca de Obras Raras da Facul-
dade de Belas Artes da UFRJ, Fundação Casa de Rui Barbosa, Museu D. João VI, Instituto Histórico e 
Geográfico Brasileiro, Museu Imperial de Petrópolis e Jornal do Commercio –, agradeço a inestimável 
atenção de seus responsáveis, bibliotecários e arquivistas de quem sempre recebi gentileza e presteza 
que fizeram dos dias de pesquisa em acervo, uma tarefa menos árdua.
Ao Cnpq e a FAPERJ meus agradecimento pelo financiamento da presente pesquisa.
A Patrícia Peixoto pelo empenho na confecção de um “desenho” mais atrativo dos volumes da 
dissertação.
A minha família pelo apoio incondicional.
A Érico pela compreensão, pelo companheirismo e pelo amor.
Resumo
Manoel de Araújo Porto-alegre[1806-1879] foi um destacado personagem no quadro intelectual 
do Império brasileiro em meados do século XIX. Por esse motivo, sua vida e obra vem sendo objeto 
de inúmeros estudos que tratam, sobretudo, do papel preponderante que teve no meio artístico de seu 
tempo e, ainda, suas incursões como literato e membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 
(IHGB). No entanto, sua atenção às construções urbanas e, mais especificamente, à construção das ci-
dades, apenas recentemente vem despertando interesse de estudiosos do tema. É, justamente, em torno 
desse aspecto menos explorado da atuação de Porto-alegre que a presente dissertação busca trazer con-
tribuições.
“Os escritos de Manoel de Araújo Porto-alegre sobre cidades [1844-1853]: temporalidades e sedi-
mentações” analisa um conjunto de textos produzidos pelo autor, entre 1844 e 1853, em que as cidades 
são tematizadas. Ao estudar a produção de Porto-alegre nesses anos, busca-se enfocar a maneira como 
seu interesse por questões citadinas vai se tornando mais explicito e seu desejo de intervir nas formas 
materiais e sociais das cidades, sobretudo do Rio de Janeiro, passa a conformar ideais e ações mais obje-
tivas.
A análise desses textos, realizados em sua totalidade em um momento da trajetória intelectual de 
Porto-alegre em que ele esteve distante das atividades como arquiteto e das instituições artísticas, acabam 
por trazer insumos também para o conhecimento de aspectos menos estudados de sua vida e de sua rede 
de sociabilidade. Assim, a presente dissertação trata com atenção também esse contexto, no qual Porto
-alegre se afasta da Academia Imperial de Belas Artes e se aproxima e compartilha ideias - sobre cidades 
inclusive - com os engenheiros militares. Configurando assim, uma época em que Porto-alegre, de fato, 
esteve menos envolvido com os projetos de arquitetura, mas parece querer “re-desenhar” a cidade em 
seus textos.
Logo, a presente dissertação busca tanto contribuir para os estudos sobre o pensamento urbanís-
tico, no século XIX, no Brasil, quanto lançar luzes sobre alguns aspectos da biografia de Porto-alegre.
Apresentação 13
Introdução 19
Capítulo I: O riso como ensaio à crítica social
“É preciso mudar de vida, Belchior, um futuro imenso está aberto diante de nós” 46
A Lanterna Mágica: um periódico “diferente” em seu tempo 46
O objeto da crítica de Porto-alegre na “Lanterna Mágica” 50
Porto-alegre e a Academia Imperial de Belas Artes: espaços de conflito 52
As condições sociais para se realizar as críticas presentes na Lanterna Mágica:
Porto-alegre e o Paço Imperial 57
Um olhar que se volta para a cidade 63
A cidade em “A Lanterna Mágica” 72
Capítulo II: Um poema como projeto para a cidade
Entre o poeta e o arquiteto, um poema como projeto 94
“nada tão parecido com um saquarema do que um luzia no poder” 103
A morte do pintor, tempos de mudanças profissionais 108
Sumário
Capítulo III: Uma ‘cidade-revista’: reflexos de maturidade intelectual em tempos de mu-
danças profissionais
Novo círculo de sociabilidade de Porto-alegre: os engenheiros militares 114
A Academia Imperial de Belas Artes em 1850: entre a polêmica e a crítica 116
Guanabara, uma revista em três tempos 122
Comparar, melhorar e reconstruir a capital 124
Campos profissionais em disputa:
a participação de arquitetos e engenheiros nas obras públicas 136
Reflexos das epidemias de febre amarela: a questão das calçadas 139
Projetos para teatro: projetos para cidade:
projeto de reinserção profissional como arquiteto 143
Tempos de conciliação partidária, tempos de reinserção profissional 149
Conclusões 150
Bibliografia 153
Apresentação
Manoel de Araújo Porto-alegre [1806-1879] é personagem incontornável para os estudos culturais 
e artísticos no Brasil durante o século XIX. Pertencendo a uma “segunda geração”1 de homens engajados 
em construir o Brasil como nação independente, ele seguirá o rumo lançado pela geração precedente ao 
lado de Macedo, Torres-Homem, Vanhargen, Paulo Barbosa da Silva e Beaurepaire Rohan. Nas pegadas 
de José Bonifácio, Hipólito da Costa, dentre outros, que se engajaram nos debates iniciais da formação 
de uma nova nação2, agora, buscava-se conhecer, classificar, tipificar e afirmar as especificidades do ter-
ritório brasileiro. Essa “nova geração”, a que pertence Porto-alegre, talvez tenha eleito como símbolo a 
própria figura do Imperador Pedro II, que como eles, havia nascido no Brasil e, assim, parecia represen-
tar a própria nação independente, nas promessas de seus próximos anos.
De modo diferente da primeira “geração”, formada em grande parte em Coimbra3, essa segunda, 
em boa medida se formou em instituições brasileiras recém-criadas – a Academia Imperial de Belas 
Artes, a Faculdade de Direito, a Faculdade de Medicina e a Escola Militar –, mas não só. Como no caso 
da precedente, apesar da origem, por vezes menos abastadas de alguns de seus integrantes, como Por-
to-alegre, por exemplo, eles vivenciaram também parte de sua formação no “velho mundo”. Assim, ao 
retornar ao país, muitos deles formulavam “projetos de nação” para o Brasil que se articulavam a partir 
de experiências vivenciadas nos dois lados do Atlântico. Ou seja, tratava-se de brasileiros, que queriam 
ser reconhecidos como tais, mas que se sentiam também homens do mundo.
A ação dessa segunda geração de intelectuais começa a ser mais significativa no momento em que 
o sistema de governo imperial brasileiro inicia sua estabilização4. É a partir do fim da década de 1830 e 
início da década de 1840, quando as insurgências que requeriam o retorno a um governo luso se silen-
ciam5 que muitos desses intelectuais retornam de suas temporadas de estudo na Europa e passam a as-
sumir cargos de destaque nas instituições e no governo. Contudo, apesar do aparente “amadurecimento” 
do sistema imperial, não se pode dizer que essa época foi de anos “tranquilos”. Afinal, a bibliografia sobre 
a vida política durante o fim do período regencial e início do segundo reinado6 é profícua em mostrar as 
intensas disputas políticas pela liderança do governo.
É justamente nesse período, que é inaugurada uma nova instituição e valorizada a ação de outra 
já existente e que passa a congregar os esforços desses indivíduos permitindo vê-los como um grupo. 
Trata-se do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, criado em 1838, e do papel relevante que assumiu 
1. Embora, evidentemente, o conceito de “geração” venha sendo discutido por historiadores, ele nos serve aqui para designar um 
grupo que se vê, não só como tal, mas desenvolve práticas sociais em torno de debates sobre os meios do próprio país e, de certo 
modo, se espelha ou se contrapõe a outros grupos visto como predecessores.
2. Sobre a ideia de formação nacional e a especificidade do caso brasileiro ver: MATTOS, Ilmar Rohloff. “O Tempo Saquarema – 
A formação do Estado Imperial”. Rio de Janeiro: Access, 1994. pp. 117; Sobre o envolvimento de Porto-alegre nessa “construção” 
ver: SANTOS, Afonso Carlos Marques dos. “A invenção do Brasil – Ensaios de história e cultura”. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007.
3. Cf. CARVALHO. José Murilo de. “A Construção da Ordem - Teatro das Sombras”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
4. Cf. CARVALHO. José Murilo de. “A vida Política”. In: CARVALHO, José Murilo de (coord.). “A construção nacional 1830-
1889”. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. pp. 98.
5. Cf. José Murilo de Carvalho, “A morte de Pedro I em 1834 deixara os restauracionistas sem causa”. Ibdem.
6. Entre os quais são obras de referência: CARVALHO. José Murilo de. “A Construção da Ordem - Teatro das Sombras”. Rio de 
Janeiro: Civilização Brasileira, 2008; e MATTOS, Ilmar Rohloff. “O Tempo Saquarema – A formação do Estado Imperial”. Rio 
de Janeiro: Access, 1994.
14 a Escola Militar, nas décadas de 1840 e 1850. Nas atividades das duas instituições, Porto-alegre tomou 
parte ativamente.Em boa medida, essas duas casas afirmam os propósitos recorrentes nos discursos des-
ses “novos intelectuais”. Com essas instituições, homens como Porto-alegre enunciavam suas propostas 
sobre a necessidade de instruir os jovens brasileiros sobre o próprio país, criando narrativas históricas e 
estudos geográficos nos quais o Brasil era tema e, também, de agir concretamente para garantir a segu-
rança, a unidade do império e sua construção material.
De fato, a partir da década de 1830, multiplicaram-se os esforços de governantes e intelectuais em 
manter o território coeso, lutando contra a possibilidade da fragmentação observada, um pouco antes, 
na vizinha América de colonização espanhola. No entanto, como o Império, a coesão do território não 
era constituída sem conflitos, que eram “visíveis” quer na manifestação de revoltas separatistas, quer 
na própria concepção de administração governamental. Por outro lado, as proporções continentais do 
território brasileiro se consolidavam, na mesma medida que o Império dava sinais que, ainda que com 
dificuldades, seu sistema de governo estava se firmando. Em qualquer um dos casos, governança e terri-
tório eram duas faces de uma mesma moeda7.
Assim, não é de se espantar que conhecer, reconhecer e defender o território fosse o foco dos 
estudos nas duas instituições mais prestigiadas por governantes e intelectuais do início do Segundo Rei-
nado. As duas instituições, a nova e a renovada, isto é, o IHGB e a Escola Militar, eram importantes 
instrumentos “científicos” para o empreendimento de projetos do governo, o primeiro com seus estudos 
histórico-geográficos e o segundo com seus estudos bélicos e de engenharia, essa última, cada vez mais 
civil. É nesse contexto que, entre outras formas, nas iniciativas dessas instituições podemos observar 
que as cidades brasileiras começam a ser mais profundamente enfocadas quer como objeto de discursos 
críticos, quer como objeto de intervenção.
O caso da Escola Militar é particularmente significativo para exemplificar aqueles processos vivi-
dos por essa segunda geração de intelectuais e governantes a que pertencia Porto-alegre. A Escola, além 
do visível processo de especialização, pouco a pouco ia autonomizando suas linhas de formação, uma 
civil e outra militar8. No entanto, em meados do século XIX, se nos detivermos na produção de seus 
principais alunos ou professores, nos depararemos com verdadeiros “humanistas”, cuja erudição e curio-
sidade geralmente excediam justamente os limites de um único campo de conhecimento.
Assim como Porto-alegre, os engenheiros militares desse período não devem ser entendidos como 
“quase-especialistas” que se interessavam “também” por letras, história, geografia, entre outros. Estes 
indivíduos eram, de fato, uma geração ainda de “humanistas” que centravam esforços em “práticas” es-
pecíficas para realizar seus projetos de consolidação e de desenvolvimento da nação.
Nesse sentido, tudo leva a crer que a busca por especializações na trajetória de Porto-alegre e em 
outros de seus pares – inclusive seu interesse pela arquitetura, pouco a pouco, também por uma arqui-
tetura citadina e, enfim, pela própria cidade em sua forma social ou em sua forma física – se daria em 
sentido oposto às especializações que se formariam, no final do século XIX.
Homens como Porto-alegre resguardavam sempre uma ambição sistêmica, como no pensamento 
saint-simoniano, quer em suas analogias com o corpo como totalidade, que deveria ser mantido em 
equilíbrio a partir da atenção e bom funcionamentos das partes, quer nas analogias astronômicas que 
também aludia ao equilíbrio aqui, ao contrário, observando-se cada elemento para demonstrar sua im-
portância e necessidade para o movimento do conjunto.
7. Sobre a relação entre propriedade e governança no Brasil do Segundo Reinado, ver: MATTOS. Op. Cit. pp. 110-111.
8. Sobre os processo de autonomização das linhas formativas da Escola Militar no século XIX, ver: CASTRO, Celso. “O Espírito 
Militar. Um antropólogo na caserna”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004. pp. 105-142; e TELLES, Pedro Carlos da Silva. 
“História da Engenharia no Brasil”. Rio de Janeiro: Clavero, 1994.
15Ora, Porto-alegre, homem de seu tempo, encarnava esse duplo perfil de especialista e enciclopédi-
co, adjetivos quase que “auto-aniquilantes”, mas que fazem sentido para qualificar a ação de homens que, 
como nosso biografado, ajudaram a dar forma a nação brasileira em meados do século XIX e, como ten-
taremos mostrar nas páginas seguintes, pensar também suas cidades, particularmente, o Rio de Janeiro.
De todo o modo, a atenção a essa inversão para o estudo do perfil da geração de Porto-alegre se 
faz necessária, pois não são poucos os trabalhos que se iniciam justamente destacando suas inúmeras 
“especialidades”. Cometendo, assim, certo anacronismo, pois a fragmentação do campo epistemológico 
se acentuaria somente, entre cinquenta a oitenta anos mais tarde, até apresentar sua divisão em áreas. 
As biografias correntes sobre sua trajetória apontam, justamente, a proeminência de seu papel em pelo 
menos quatro perfis “distintos”: como pintor discípulo dileto de Debret; como importante figura política 
na reforma do ensino da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), conhecida como “Reforma Pedrei-
ra”; como historiador da arte, orador e membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB); e 
como importante literato do romantismo brasileiro.
No presente trabalho, intentamos explorar uma face de sua trajetória ainda pouco estudada. Tra-
ta-se do interesse que o artista nutriu e desenvolveu durante os anos em que morou no Rio de Janeiro 
pelas formas da cidade, seja criticando-a em muitos dos seus aspectos, seja buscando intervir nela.
No entanto, nessa pesquisa, não buscamos analisar Porto-alegre de forma “autônoma” entre seus 
perfis, mas sim no cruzamento de suas diferentes ações como político, pintor, arquiteto ou literato. Es-
peramos poder mostrar nas próximas páginas que o ímpeto construtivo e reformador de Porto-alegre 
não residiu apenas em sua obra arquitetônica, mas que se manteve firmemente ativa em seus escritos 
em momentos em que sua inserção profissional sofria mudanças profundas, época de sua vida também 
pouco conhecida, e que daremos maior ênfase aqui.
Assim, este trabalho não está centrado na biografia de Porto-alegre, mas, sobretudo, busca com-
preender com ela a cultura construtiva da qual participou, visando dar a ver a rede de relações com as 
quais se envolveu e os debates em que tomou parte. Pretende-se com isso, para além do próprio Porto
-alegre, lançar luzes sobre a participação dos arquitetos nas obras para cidade e na reflexão crítica de sua 
forma social e material em meados do século XIX, no Brasil.
18
“Manoel de Araújo Porto-alegre (ao centro) acompanhado dos amigos Gonçalves 
Dias (à esquerda) e Golçalves Magalhães (à direita)” (1858)
In: Lyra, Heitor (1977). História de Dom Pedro II (1825–1891): Fastígio (1870–
1880).V.2. Belo Horizonte: Itatiaia.
Introdução
Escrever sobre si e interrogar cidades: duas faces de um caderno de viagem
“(...) Minha alma estava agitada profundamente. Saudade dos amigos e apreensões so-
bre meu novo futuro. O mundo material esmagava o artístico.
(...)
Abracei de alma e corpo esses bons amigos que me vieram ver, e com incômodo.
O Capitão deu sinal; as rodas começaram a mover-se, e eu nunca vi o Rio de Janeiro 
mais belo do que nessa hora.
À tarde montámos o Cabo Frio, rocha escarpada, com um farol, e para nós o último élo 
de granito dessa cadeia de inumeráveis belezas que fecham ao oceano e abrem a Niteroi 
o mais sublime espetáculo do mundo.
Logo que a terra desapareceu, houve um ar de melancolia em todos os semblantes: é esse 
ar um íntimo adeus, um abraço d’alma á terra da pátria. Por sobre ele vem pairar um 
mundo de considerações, um mundo que tem por polos a saudade e o temor”1.
Oito de junho de 1859: Porto-alegre deixava o Rio de Janeiro rumo uma carreira consular na Euro-pa. Seu primeiro destino, Lisboa. Antes da partida, já à bordo do navio “Tyne” com sua numerosa família, 
recebia os amigos que vinham se despedir e, horas depois, já em alto mar, parece ter começado a redigir 
esse caderno de memórias2.
Se não tivéssemos lido essas primeiras páginas, poderíamos pensar que o caderno de viagem trata-
ria fatos memoráveis de um homem público, futuro Cônsul do Brasil. Afinal, Porto-alegre, acostumado a 
relatar os “grandes feitos dos homens ilustres” do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), do 
qual era membro, tendia a escrever sobre si mesmo como um “vulto da nação” 3.
Junto aos intelectuais que participavam do IHGB existia uma tradição de elaboração de biografias 
das destacadas personalidades do Império com a finalidade de contribuir para a escrita da história nacio-
nal. Geralmente, tratavam-se de elogios póstumos ou “necrólogos”, publicados regularmente nas Revistas 
do Instituto e seguiam os mesmos atributos que os “elogios acadêmicos” realizados, por exemplo, na 
França naqueles mesmos anos4. 
Como se sabe, Porto-alegre era um dos oradores do IHGB e escreveu inúmeros elogios e biogra-
fias5. Junto ao Instituto, realizou, por exemplo, um trabalho no qual escreveu sobre a vida e obra de artífi-
ces que atuaram no Rio de Janeiro durante o período colonial. Nesse texto, intitulado “a escola fluminense 
1. PORTO-ALEGRE, Manoel de Araújo de. “Caderno de viagem do Rio à Lisboa”. Lisboa, 1859. (Manuscrito). Arquiva-
do na Academia Brasileira de Letras.
2. O caderno possui indícios de ter sido comprado em Lisboa, destino final de Porto-alegre, pode-se supor que ele realizou notas 
em folhas avulsas e depois a copiou para o caderno.
3. Porto-alegre foi redator de necrólogos para o IHGB e também buscou organizar nessa casa um estudo sobre os pri-
meiros pintores brasileiros, artífices que viveram ainda no tempo da colônia e que Porto-alegre denominou “escola fluminense de 
pintura”. Cf. PORTO ALEGRE, Manuel de Araújo. “Memória sobre a antiga escola fluminense de pintura”. In: Revista do Instituto 
Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro: IHGB, v. 3, 1841. PP.547-557.
4. Sobre o desenvolvimento da escrita biográfica na França consultamos: LEVILLAIN, Philippe. Os protagonistas: da biografia. In: 
RÉMOND, René. Por uma história política. Rio de Janeiro: FGV, 2003. PP.148-149.
5. Cf. SQUEFF. Op. Cit.
20 de pintura”6, Porto-alegre buscava, na tradição de “renascimentos”, resgatar os nomes desses artífices, 
elevava-os a qualidades de artistas nacionais e buscava assim contribuir para a escrita de uma história 
das artes no Brasil.
De fato, dar sentido a cenas efêmeras, a trajetórias de homens importantes, a momentos cruciais 
para a formação do país como nação não eram apenas manobras discursivas de seu ofício como orador 
e historiador da arte no IHGB, mas, também, de pintor e professor de “pintura histórica”. Conforme já 
apontava Letícia Squeff7, em “O Retrato de D. Pedro I”, não existe nenhuma distância entre o pintor, o 
biógrafo laudatório ou o historiador. Na pintura, Porto-alegre compõe a figura de um Imperador, onde 
todos os gestos e objetos dos quais se cerca em cena são dotados de sentidos explícitos8.
Ao longo de sua trajetória, em diferentes ocasiões e formas discursivas, Porto-alegre havia apre-
sentado uma aparente unidade entre a sua concepção de história e a escrita biográfica. Não é difícil 
aventar com isso, que seja em meio a essas concepções que ele construiria narrativas para sua própria tra-
jetória, sob a forma, não apenas, de relatos autobiográficos, mas também de diários e livros de memórias.
De fato, antes de iniciar o diário de sua viagem para Lisboa, Porto-alegre havia buscado registrar 
uma espécie de interpretação de sua própria trajetória em, ao menos, dois outros momentos. O primeiro 
escrito ficou conhecido como “o diário” e o segundo foi comumente tratado por seus biógrafos como 
“apontamentos biográficos”9.
O “diário” é um caderno em que Porto-alegre anotou suas memórias dos anos em que foi convi-
dado a implementar a “Reforma Pedreira”, reforma no ensino artístico da Academia Imperial de Belas 
Artes, e abrange acontecimentos de 04 de agosto de 1853 a 03 de outubro de 1857. Esse caderno de me-
mórias foi transcrito e publicado por Alfredo Galvão, em 1959. 
Os “apontamentos biográficos”, apesar de terem sido escritos por Porto-alegre depois de sua pas-
sagem pela Academia como diretor, vieram a público anos antes do caderno de memórias publicado por 
Galvão. Foi Hélio Lobo quem os publicou no Jornal do Commercio, em 1922. Tratava-se de um escrito 
realizado em terceira pessoa do singular no qual Porto-alegre faz uma leitura de sua própria trajetória, 
buscando elencar as suas principais contribuições para o “progresso” das artes no império de 1806, ano 
de seu nascimento, a 1858, quando, possivelmente, essa sua autobiografia foi escrita.
Nesses dois textos é evidente que Porto-alegre se preocupava em deixar uma interpretação pró-
pria dos seus “feitos” e “contribuições para nação”, a fim de garantir que, mesmo tendo se envolvido em 
inúmeros intrigas e reveses, seu nome e suas ações fossem lembrados na posteridade. No entanto, o ca-
derno de viagem do Rio à Lisboa, mostra um Porto-alegre menos laudatório e mais introspectivo, o quê 
poderia ser sentido como uma aparente incoerência. Talvez tenha sido por isso que, de todos os registros 
autobiográficos deixados por Porto-alegre, o caderno de viagem foi aquele que menos interessou à sua 
fortuna crítica10. 
Em sua atuação como pintor, talvez o gesto que mais se assemelhe ao do caderno de viagem seja o 
da concepção do retrato de seu mestre e amigo Jean Baptiste Debret, realizado por volta de 1825. Nesse 
6. PORTO ALEGRE, Manuel de Araújo. “Memória sobre a antiga escola fluminense de pintura”. Op. Cit.
7. Cf. SQUEFF, Letícia. “O Brasil nas letras de um pintor – Manoel de Araújo Porto-alegre (1806-1879)”. Campinas: Ed. Unicamp, 
2004. pp. 139.
8. Dentre os documentos pessoais de Porto-alegre presentes nos arquivos do IHGB encontram-se também alguns manuscritos de 
biografias inacabadas, demonstrando, assim, a prática corrente dessa tipo de escrito por parte de Porto-alegre.
9. Sobre a denominação desses dois escritos e sua circulação ver: SQUEFF. Op. Cit. pp. 29-40.
10. Apenas identificamos menção do caderno de viagem do Rio à Lisboa no livro de Hélio Lobo, contudo sem citação direta. Ver: 
LOBO, Hélio. Manoel de Araujo Porto-alegre. Rio de Janeiro: Empresa Editora ABC Ltda, 1938. Pp. 33-36.
21
PORTO-ALEGRE, Manoel de Araújo de.
“Caderno de viagem do Rio à Lisboa”
Lisboa, 1859. (Manuscrito)
Academia Brasileira de Letras
22
PORTO-ALEGRE, Manoel de Araújo de.
“O Imperador D. Pedro I”. (1826).
Óleo sobre tela. Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.
23retrato, tal como no caderno, os traços dão forma muito mais a um homem do que a um “herói” ideali-
zado. Imperfeições, incompletudes e incertezas não montam uma cena “bem acabada” como no quadro 
de D. Pedro I, mas dão uma “aura” de humanidade à vida ali representada.
Na escrita do caderno viagem, como na tela de Debret, um tom mais íntimo vai ganhando o lugar 
da locução das grandes realizações. Porto-alegre, quando redige o diário é um homem maduro de 53 
anos e dava forma a uma escrita mais concisa, menos rebuscada. Agora, ele amenizava também a forma 
dura com que se acostumara atacar, mesmo em escritos íntimos, seus adversários.
Como vimos, o caderno de viagem se apresenta, então, como um relato emocionado que conta a 
despedida dos amigos, o último olhar para paisagem do Rio de Janeiro e as sensações que lhe tomaram 
quando não pôde mais avistar essa terra, quando tudo se fez mar.
Ora, as condições que levaram Porto-alegre a embarcar no navio “Tyne” não eram nada confor-
táveis. Já sem a função de diretor da Academia Imperial de Belas Artes, da qual se demitira em 1857, e 
após ser aposentado de seu cargo de professor na reforma acadêmica da Escola Militar, em 1858, esta era 
umasaída possível e honrosa para garantir, ainda, alguma inserção política no Império e o seu próprio 
sustento.
No entanto, é em meio a esse discurso extremamente íntimo que aparecem páginas e mais páginas 
analisando cidades. São considerações a respeito das cidades em que foi aportando em sua viagem com 
especial destaque para Salvador e aquela se tornaria seu novo lar, Lisboa. Ele descreve:
“(...) Vê-se que a antiga capital do Brasil [Salvador] foi habitada por gente muito rica e 
muito devota. O grande número de igrejas, de conventos, e de casas apalaçadas testemu-
nham esta asserção. Uma só escada boa não vi neste meu passeio de seis horas; todas são 
como as velhas de Lisboa, á exceção do saguão, onde estão ainda sentados em remques 
alguns pretos a tecer palha.
É difícil conceber-se a planta daquela cidade! Não me admira atividade e maneio dos 
baianos nas coisas da vida, quando desde a infância são obrigados a subir, descer e 
voltear, e a calcular naquele labirinto o caminho mais curto. Parece que essas curvas os 
excitam a falar e a desenvolver-se, porque todo baiano tem o dom da palavra.
Apesar de alguns senões, a Baía é uma cidade muito pitoresca, muito arejada, e de 
aspecto risonho. A cada passo se encontra grupos de casas e edifícios que formam ceno-
grafias admiráveis”11.
Pode-se perguntar: Por que um homem, até agora quase sempre estudado e visto como um pintor 
ou um professor, se importaria em analisar a aparente coerência entre a dimensão construída da cidade e 
sua posição como antiga capital da colônia portuguesa no além-mar? Por que o artista, apenas a passeio, 
haveria de se preocupar com a maneira como foi concebida a planta daquela cidade? Por que sugerir que 
a forma física da cidade poderia impactar na maneira como são os baianos? Ou ainda, por que deixar 
anotado que a cidade é “muito arejada” e possui “cenografias admiráveis”? Seria tudo isso apenas um 
mero interesse pelo pitoresco do Brasil, como fizera Debret ou uma moda ditada pela proliferação de 
diários de viagens?
Ao contrário do que supõe a última pergunta, nossa pesquisa, nas páginas que se seguem, busca 
mostrar que escolher observar esses aspectos pode demonstrar, perfis pouco explorados e pouco conhe-
cidos da biografia do artista. Pode mostrar ainda que Porto-alegre, nesse momento de sua vida, possuía 
um cabedal de questões sobre a vida urbana e de atividades voltadas para os melhoramentos do Rio de 
Janeiro ainda pouco avaliados. Soma-se a isso, uma vivencia particular de urbanidade, que lhe legava 
11. PORTO-ALEGRE, Manoel de Araújo. “Caderno de viagem do Rio de Janeiro à Lisboa”. Op. Cit.
24 um “olhar” treinado, isso é, pronto para “ver” aspectos dessa forma de viver e desse tipo de construção 
particular que são as cidades.
Além disso, o caderno de viagem do Rio à Lisboa enuncia aqui apenas o primeiro exemplo de 
como buscaremos demonstrar, ao longo da presente dissertação, ser possível, e até mesmo necessário, 
passar a entender os escritos de Porto-alegre. Ou seja, entende-los não apenas como esboços de uma 
imensa massa de ideias inconclusas, mas, ao contrário, como um espaço onde as inquietações do intelec-
tual podiam, então, ser realizadas.
Algumas considerações teórico-metodológicas
Observando o caderno de viagem do Rio de Janeiro à Lisboa, sobretudo, a maneira como está 
organizado, pode-se interrogar se estes escritos, além de servir de memória ou passatempo de viagem, 
não teriam sido animados também por aspirações ainda maiores, como, por exemplo, servir de roteiro 
para futuros artigos ou livros.
Essa especulação se baseia, em parte, na observação de que, no caso dos apontamentos sobre as 
cidades visitadas, há uma explícita organização que, já em cada título, enfoca questões anteriormente 
debatidas por Porto-alegre em seus inúmeros artigos para revistas ou mesmo em sua atuação como ve-
reador.
Ordenando-as dessa forma, Porto-alegre iluminava essas questões citadinas, permitindo que elas 
fossem desenvolvidas futuramente, de forma mais pormenorizada. Como se começasse a organizar um 
texto, para ser posteriormente mais trabalhado.
Sobre Lisboa, por exemplo, ele enumera uma série de parágrafos que se intitulam: terreiro do paço, 
ruas, praças, chafarizes, aquedutos, calçadas, passeios públicos, edifícios, igrejas, eminências, vistas estu-
pendas, palácios e, finalmente, como se fosse uma síntese, cidade.
Sobre as calçadas de Lisboa, questão que já lhe chamava a atenção ao escrever sobre o Rio de Ja-
neiro anos antes, Porto-alegre apontava:
“(...) As ruas [de Lisboa] são calçadas com umas pedrinhas de basalto escuro e os pas-
seios [são cobertos por] (...) lajedo ou (...) pedras lioz.
Este trabalho é muito bem feito. O leito destas calçadas é muito consistente (...)”
E em seguida, sobre o Passeio Público de Lisboa, inclui os apontamentos reunidos no caderno de 
viagem:
“Longo quadrilátero entre 3 ruas, todo plantado de árvores e flores.
Tem uma grade pesada á entrada e uma alameda central muito cômodos e agradáveis.
É iluminado a gás.
Tem um botequim no gosto índico mui belo, (...) bem servido e, de fronte deste, o teatri-
nho do Café Concerto.
A companhia compõem-se de 4 damas e 2 cantores.
As damas valem os 4 vintens assim como os galãs.
É muito concorrido.
Custa 80 [réis] (...) por pessoa à noite e este produto é aplicado ao asilo da infância, à 
25
PORTO-ALEGRE. “Apontamentos biográficos”.
In: “Porto-alegre. Uma autobiografia inédita de Araujo Porto-alegre”. 
Rio de Janeiro: Jornal do Commércio, 19 de maio de 1822, pp. 4.
26
PORTO-ALEGRE, Manoel de Araújo de.
“Retrato de Debret”
In: BANDEIRA, Júlio. LAGO, Pedro Correia. “Debret e o 
Brasil: obra completa”. Rio de Janeiro: Capivara, 2009.pp. 18.
27Câmara Municipal e à empresária do Passeio. (...)”
Assim, ainda que se considerasse o seu interesse pelas cidades como resultado de uma moda ou 
tendência, pode-se perguntar por que, em um diário de viagem, Porto-alegre atentaria para o tipo de 
calçamento utilizado nas vias de Lisboa? Por que observar a maneira como foi realizada a arborização 
do seu Passeio Público? Por que lhe chama a atenção a iluminação à gás? Por que se mostrar atento à 
maneira como são financiadas a Câmara Municipal e a empresa que administrava o Passeio Público?
Ora, frente a todas essas questões é possível se interrogar, ainda, como o artista, vivendo em um 
momento no qual a observação crítica sobre as cidades não era generalizada ou configurava “saberes es-
pecíficos” para tratar de questões urbanas, demonstra uma sensibilidade tão fina para, em poucas linhas, 
enunciar tantos temas urbanísticos.
De certo, Porto-alegre organizava seu relato íntimo, mas também seus apontamentos críticos, 
sem a pretensão de ser um especialista. Como já apontamos, o “problema” da geração de Porto-alegre 
dava-se de forma inversa, ao que se vê a partir do século XX, quando o campo do conhecimento passou 
a ser cada vez mais especializado. Sua geração, assim e ao contrário desta tendência, é ainda fortemente 
marcada por uma visão “sistêmica” de mundo. Mais ligado às ideias de Saint-Simon, que entendia o “go-
verno” como um grande corpo cujas partes deveriam estar em equilíbrio para o perfeito funcionamento 
do conjunto12, do que será designado como “positivismo”, que marcaria a geração posterior com seus 
“determinismos” e “especializações”.
No que diz respeito às cidades, inúmeros são os autores que desenvolveriam trabalhos sobre as 
analogias do pensamento urbanístico nascente tanto com o corpo (e com o pensamento médico), quanto 
com o pensamento astronômico (e matemático). Em ambas as tradições, é presente a noção de sistema, 
sobretudo, àquela que se depreendem também das ideias de Saint-Simon13.
Pode-se dizer que, como bem enfocou Sales Trajano Filho ao estudar a arquitetura produzida por 
Porto-alegre, o próprio artista justificava sua obra de natureza variada e intermitente como resposta às 
condições de intervenção em uma terra em que ainda não havia especialidades14. O que mostra, por umlado, que a própria tendência à valorização de saberes cada vez mais específicos começava também a 
fazer seu caminho. É Porto-alegre que pondera:
“Crimina-nos nosso bom compatriota o termos sido retratista, arquiteto e pintor de 
bastidores, como querendo que nos classificássemos em uma especialidade, sem lembrar 
que me nossa terra ainda não há especialidades (...)”15
Ou seja, para Porto-alegre, havia tanto a ser feito para se consolidar a nação, que ele considerava 
um “pequeno luxo” a possibilidade de poder se dedicar a apenas uma de suas (muitas) habilidades.
Ora, nesse quadro como situar o saber sobre as cidades que chamamos mais tarde “urbanismo” e 
que pela natureza de seu objeto – as cidades, vale repetir – exigiria diferentes olhares e conhecimentos?
No caso de Porto-alegre, pode-se pensar que essa sua sensibilidade para falar de cidades e estar 
12. Sobre “espírito de corpo”, ver artigo de Henri de Saint-Simon, intitulado “L’Organisateur”, publicado no segundo número do 
jornal de mesmo título, de novembro de 1819 a fevereiro de 1820, nº II, pp. 17-26. Cf. IONESCU, Guida. “El pensamiento polí-
tico de Saint-Simon. Edicíon, selecíon e introducción”. México: Fondo de Cultura Económica, 2005. Pp.187-205. 
13. Cf. PICON, Antoine. “Les Saint Simoniens – Raison, imaginaire et utopie”. Paris: Belin, 2002.
14. TRAJANO FILHO, Francisco Sales. “Tentativas de enraizamento: arquitetura brasileira e formação nacional”. (Tese de douto-
ramento) São Paulo: EESC-USP, 2010. Pp. 51.
15. PORTO-ALEGRE, Manoel de Araújo Porto. “Uma palavra ao Senhor Brasileiro Nato”. In: “Minerva Brasiliense – jornal de 
sciencias, lettras e artes”. Rio de Janeiro: J. E. S. Cabral, 1844. Vol I, nº 10.
28 atento a elas tenha sido fruto de uma série de experiências apreendidas, ou se quisermos, práticas sociais 
que foram se acumulando. Afinal, ele que foi pintor, arquiteto e professor da Escola Militar no Rio de 
Janeiro (instituição que, na época, formava os engenheiros responsáveis pelas obras civis da Coroa e dos 
Municípios), foi também vereador da própria Câmara Municipal, onde lidou com dezenas, ou até mes-
mo centenas, de questões que tiveram a cidade como principal objeto de intervenção e reflexão.
 A historiografia sobre a formação do pensamento urbanístico16 tem nos mostrado que em di-
ferentes contextos, conforme as diferentes condições locais, durante meados do século XIX, a cidade 
tornava-se objeto de “discursos críticos” e “ações” cada vez mais recorrentes e incisivas. Cada vez mais 
adensada, palco de conflitos sociais e foco de epidemias, mas também, construção material representa-
tiva de valores culturais e identitários, no século XIX, a cidade passa a ser vista como lugar de vícios ou 
virtudes, mas jamais neutro17.
Esse processo de “objetivação” das cidades foi longamente estudado por Françoise Choay em dois 
livros capitais: “O Urbanismo, utopias e realidades – uma antologia” e “A regra e o modelo”. Aquela 
autora, sobretudo nesse segundo livro, em texto de síntese para Enciclopedia Universalis18, proporia 
inclusive uma periodização desses processos para o caso europeu. Choay entendia que a um tempo de 
“objetivação” das cidades como tema de discursos críticos (sobre algumas de suas partes e de ações tópi-
cas) – grosso modo do Renascimento à Revolução Industrial –, se sucederia um segundo tempo no qual 
as cidades se transformariam em objeto “total” do olhar e, consequentemente, em objeto de intervenções 
(reformas e remodelações) – grosso modo a partir da Revolução Industrial.
De meados do século XIX até o início do século XX, essas práticas que colocavam as cidades no 
palco dos debates políticos, econômicos, médicos, técnicos e artísticos, começavam, elas mesmas, a ga-
nhar pouco a pouco autonomia e a formar, por conseguinte, uma nova cultura construtiva. Ou seja, um 
“lugar” em que convergiam diferentes práticas, há muito tempo já consolidadas, e que passariam a ser 
conhecidas como “urbanismo”19.
A posteriori, buscando compreender o nascimento dessa disciplina, alguns estudiosos passaram a 
se interessar pelos debates dos reformadores sociais que, ao longo do século XIX, colocaram as cidades 
16. Dos quais podemos citar, ao menos: CHOAY, Françoise. “O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia”; RONCAYO-
LO, Marcel; PACQUOT, Thierry. “Villes et Civilisation Urbain”; CALABI, Donatella. “História do Urbanismo Europeu. 
Questões instrumentos e casos exemplares”; TOPALOV, Christian. “Laboratoires du noveau siècle. La nébuleuse réformatrice 
et ses réseaux en France, 1880-1914”; PEREIRA, Margareth. A. S. “Notas sobre o Urbanismo no Brasil: construções e crises 
de um campo disciplinar”.
17. Como já mostraram inúmeros historiadores do urbanismo desde o fim dos anos 1970, é forçoso repetir Choay, em “Le règne 
de l’urbain et la mort de la ville” (1994), “O termo [urbanismo] é um neologismo proposto pelo espanhol I. Cerdá em sua ‘Teoria 
geral da urbanização (1867). Ele foi introduzido na França, no curso dos anos 1910, por H. Prost e um grupo de ‘praticantes’ 
que gravitavam em torno do ‘Musée social’”. (tradução nossa) In: CHOAY, Françoise. Pour une antropologie de l’espace. Paris: 
Seuil, 2006. pp. 169-171.
18. Cf. CHOAY, Françoise. “Urbanismo – teorias e realizações”. In: PEREIRA. Margareth A. C. S. “Apostila didática da disciplina 
Urbanismo I”. Rio de Janeiro: FAU-UFRJ, 2003.
19. Segundo Choay: “A noção de urbanismo nasceu como parte de uma reflexão sobre o impacto espacial da revolução industrial: 
a cidade subitamente sofre uma convulsão (bouleversement) espontânea, que parece ser um desastre natural e incontrolável.
Desde a sua criação, a palavra serviu para designar duas abordagens diferentes:
Por um lado, ‘urbanismo’ designa uma disciplina nova que se declara autônoma e se vê como ciência da concepção de cidades. 
(...)
Por outro lado, e ao mesmo tempo, ‘urbanismo’ designa também uma outra abordagem, pragmática e sem pretensão científica. 
Essa abordagem não visa promover a mudança da sociedade, mas procura mais modestamente regularizar e organizar com o 
máximo de eficácia o crescimento e o movimento dos fluxos demográficos assim que a mudança de escala das construções e 
dos equipamentos são induzidos pela revolução industrial. (...)”.(tradução nossa) In: CHOAY, Françoise. Pour une antropologie 
de l’espace. Paris: Seuil, 2006. pp. 169-171.
29
MULOCK, Benjamin.
“Vue de la place du Pelourinho à Salvador de Bahia” (1859)
In :“L’Empirebrésilien et sesphotographes”
Paris :Musée d’Orsay, 2005.
30
FROND, Victor. “Terreiro de Jesus diante da Igreja dos Jesuítas do 
Colégio dos Jesuítas” (1858)
In: VASQUES, Pedro Karp. “O Brasil na fotografia oitocentista”.
São Paulo: Meta Livros, 2003. Pp.55.
31– suas formas materiais e sociais20 – no centro de suas reflexões e ações. Trabalhos como da própria Fran-
çoise Choay, “Urbanismo – Utopias e Realidades – uma Antologia”, ao enfocar “as ideias que forneceram 
base ao urbanismo”, nos mostram que:
 “(...) No momento em que a cidade do século XIX começa a tomar forma própria, ela 
provoca um movimento novo, de observação e reflexão. Aparece de repente como um fe-
nômeno exterior aos indivíduos a que diz respeito. Estes encontram-se diante dela como 
diante de um fato natural, não familiar, extraordinário, estranho.”21
Como se sabe, esse grupo de reformadores sociais que enfocaram a cidade a partir desse processo 
de “estranhamento”, quer descritivo, quer polemista, foi nominado por Choay como “pré-urbanistas”22. 
Assim, ao observarmos a antologia organizada por Choay, percebemos que Porto-alegre, então, não 
estava só. Assim como ele, em outras localidades, reformadores como Pugin, Ruskin ou Semper, por 
exemplo, também haviam abordado questões citadinas a partir de seus embates na prática de arquitetura 
ou nas reflexões sobre a educação estética.
No entanto, as reflexões de Porto-alegre sobre aspectos citadinos, apesar de compartilhar seme-
lhanças com as de pensadores elencados por Choay, não encontra nesses textos – em suatotalidade 
relativos apenas a cidades europeias e norte-americanas – referenciais que nos ajudem a compreender a 
especificidade de seus embates no Brasil. Pois conforme aponta Margareth Pereira ao criticar “os com-
pêndios que se dedicaram a traçar a ‘história total’ da constituição do Urbanismo”, “(...) embora os sinais 
de formação de uma nova sensibilidade em relação à observação de cidades [ou do urbanismo nascente] 
sejam quase simultâneos, eles variam de intensidade de um contexto a outro, de um país a outro, de uma 
cidade a outra. (...)”23
Apesar de Porto-alegre ter vivido em países europeus durante a conclusão de seus estudos, mais 
precisamente de 1831 a 1837, os projetos em que se envolveu tomando a cidade como objeto de interven-
ção e os textos que produziu colocando a cidade como objeto de reflexão, exceto o caderno de viagem do 
Rio à Lisboa, foram desenvolvidos inteiramente no Brasil.
Assim, pode-se pensar que, de certo, ele vivenciou e acompanhou os debates nos diferentes ci-
dades em que morou, afinal, não são raras as suas menções a Victor Hugo e a Semper, ou a referencia à 
paisagens observadas na França, na Itália ou na Inglaterra. No entanto, a análise de sua obra não pode 
justamente silenciar o contexto brasileiro.
20. É importante lembrar que, na sequencia dos trabalhos de Choay aqui citados, outros autores e, particularmente Marcel Ron-
cayolo, mostraram que, desde o século XII, o processo de “objetivação” da cidade quer sob forma de discurso, quer sob forma 
de intervenção concreta, enfoca dois aspectos. O primeiro, a forma física da cidade, isto é, sua materialidade como “coisa” 
construída: suas tramas viárias, arquiteturas e construções em geral. O segundo, a sua forma de organização político-social, 
isto é: culturas dos seus habitantes, seus modos de vida, suas instituições políticas, jurídicas e sociais. Cf. Cf. RONCAYOLO, 
Marcel. “Le morphologie entre la matière et le social”. In: “Villes en Parallèle”. Nº 12/13. Université de Paris X, Laboratoire 
de Geographie Urbaine, 1988. pp. 45-59.
21. CHOAY, Françoise. “O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia” (1965). São Paulo: Editora Perspectiva, 2003. 
pp. 4.
22. Os “pré-urbanistas” em Choay são definidos por constituir um grupo de “generalistas” que se dedicaram a “descrição” e/ou 
“polemização” dos fenômenos de urbanização crescente pelo qual passaram as cidades, sobretudo europeias, a partir da “revo-
lução industrial”. Já os “urbanistas”, ao contrário, são “especializados” nas questões urbanas. Esses últimos, geralmente, são 
arquitetos , e tem por motivação a aplicação de suas ideias, ou seja, tem como principal finalidade a ação. Como podemos ver, 
os termos “urbanistas” e “pré-urbanistas” materializam os pressupostos de Choay a respeito dos processos de “objetivação” das 
cidades a que já nos referimos.
23. PEREIRA, Margareth. A. S. “Notas sobre o Urbanismo no Brasil: construções e crises de um campo disciplinar”. In: MACHA-
DO, Denise B. Pinheiro; SILVA, Rachel Coutinho M.; PEREIRA, Maragareth A. S. “Urbanismo em questão”. Rio de Janeiro: 
PROURB, 2003. pp. 57.
32 Entre 1840 e 1859, Porto-alegre está na fase de maior produtividade e esteve diretamente envolvi-
do nos debates acerca da construção da nova nação e de seu governo, não só na sua dimensão abstrata, 
como também, nas questões mais comezinhas como a feição da capital do Império.
Assim, tomando de empréstimo outra passagem do trabalho de Pereira, na presente dissertação 
entendemos que no que diz respeito aos saberes urbanos:
“(...) É necessário ter em mente (...) [as] diferentes cronologias e (...) série de cartogra-
fias envolvendo diferentes cidades e regiões, se quisermos não só contribuir para uma 
historicização mais complexa do movimento de formação do campo disciplinar mas 
também, comparativamente, como se desenha a problemática do caso brasileiro”. 24
Essa premissa contribui para se estar atento que no caderno de viagem do Rio à Lisboa, Porto
-alegre demonstra que suas reflexões citadinas se formaram articulando observações de processos de 
urbanização de cidades “europeias”, como Paris – cidade em que o artista viveu a maior parte do tempo 
de sua temporada de estudos -, mas também suas vivencias no Rio de Janeiro. Porto-alegre anota naquele 
seu caderno de viagem, por exemplo:
“Eugênio dos Santos foi o arquiteto da Cidade [Lisboa], e seguiu de perto o plano de 
Salento de Fenelon, sem refletir que um sábio pode ser péssimo arquiteto, como no tem-
po de Luiz Filipe o foram Chateaubriand e Victor Hugo com seus planos dos Campos 
Elísios.
Estes pecavam pela demasiada variedade, assim como Fenelon pela monotonia. Lem-
bro-me de um certo engenheiro do Rio, que apresentou um plano para todas as igrejas 
que se fizessem na província (...)”
Observando-se o caso de Porto-alegre, se pode aventar também que, para uma historicização mais 
complexa do movimento de formação do campo disciplinar, além da atenção às diferentes cronologias e 
às cartografias envolvendo diferentes cidades e regiões, é necessária a atenção aos indivíduos, aos atores 
sociais. São eles, em suas trajetórias particulares e face às conjunturas locais, os autores e os próprios veí-
culos da criação e da ressignificação dos conceitos urbanísticos presentes em cada cidade, região e país.
Assim, beneficiando-se de uma série de obras escritas nas últimas décadas acerca dos estudos 
biográficos25, a presente dissertação, ao enfocar a trajetória de Porto-alegre busca, sobretudo, lançar luzes 
sobre a cultura na qual ele estava imerso, nesse caso, uma cultura construtiva que estava colocando no 
foco de seus debates, cada vez mais, a capital do Império brasileiro.
Essa necessária atenção técnica aos atores sociais, seja no plano individual ou coletivo pontuada 
por Pereira26, tem encontrado em Christhian Topalov um referencial metodológico importante. Em “La 
nébuleuse réformatrice et ses réseaux en France, 1880-1914”27, ao estudar a reforma social ocorrida no 
começo da Terceira República na França, ele propôs aproximar a análise de um conjunto de instituições 
ao exame das trajetórias dos indivíduos nelas envolvidos.
Nesse trabalho, Topalov buscou relacionar sequências de eventos observados no “campo reforma-
24. PEREIRA, Margareth. “Notas sobre o Urbanismo no Brasil: construções e crises de um campo disciplinar”. Op. Cit. pp. 58.
25. Sobre escrita biográfica na historiografia recente, a presente dissertação se beneficia, sobretudo, dos seguintes trabalhos: 
BOURDIEU, Pierre. “A ilusão biográfica”; CERTEAU. Op. Cit.; PORTELLI, Alessandro, “Historia y memoria: la muerte de 
Luigi Trastulli”; ELIAS, Norbet. “Mozart. Sociologia de um gênio”; RICOEUR, Paul. “ Soi-même comme un autre”; DOSSE, 
François. “La pari biografique – Écrire une vie”.
26. Cf. PEREIRA, Margareth A. S. “Globalização e história ou atores e sociais e culturas urbanas já são levados a sério?” in: MA-
CHADO, Denise B. P. “Sobre Urbanismo”. Rio de Janeiro: Viana & Mosley – PROURB, 2006.
27. TOPALOV, Christian. “Laboratoires du noveau siècle. La nébuleuse réformatrice et ses réseaux en France, 1880-1914”. 
Paris : Édicions de l’École des Hautes Études en Sciences Sociales, 1999.
33
PORTO-ALEGRE, Manoel de Araújo de. “Cidade”.
In: PORTO-ALEGRE. “Caderno de viagem do Rio à Lisboa”. Op. Cit.
34 dor” a eventos relativos a própria vida dos personagens estudados, tais como: a família, a propriedade, 
as atividades profissionais e os cargos públicos. Para Topalov, essas “cronologias cruzadas” acabaram por 
evidenciar episódios cruciais onde se encaixavam, de maneira específica, diferentes “facetas” dos perso-
nagens e do campo estudado.
O exemplo do trabalho de Topalov nos ajuda a dar forma a uma maneira de se começar a respon-
der a nossa questão inicial: “Como poderia Porto-alegre ter formado uma sensibilidade tão fina para 
enunciar temas urbanísticos?”
Ao longo da presente dissertação, buscamos, então, desenvolver uma “biografia intelectual” de 
Porto-alegre, ou seja, o estudo de sua trajetóriaface a uma rede de sociabilidade na qual ela se move jun-
to às trajetórias de outros indivíduos, instituições, ideias e cidades, verdadeira “nebulosa” de encontros 
onde ele se mistura e se modifica28. É nessa “prática” da vida social em cidades que Porto-alegre teria, 
assim, aprendido a olhar e criticar a própria cidade.
O conceito de “prática” social desenvolvido por diversos autores, dentre os quais Topalov, e sinte-
tizado de forma elucidativa na década de 1980, é central também para a compreensão das premissas que 
nos levam a desenvolver este trabalho. Ele nos permite observar que, os indivíduos não apenas possuem 
suas visões de mundo, suas representações sobre a cidade, suas potencialidades ou seus “problemas”. Eles 
praticam suas ideias no quotidiano de modo às vezes coerentes e às vezes de modo ambíguo, incompleto, 
hesitante. Práticas e representações, como veremos com Porto-alegre, nem sempre sendo umas os espe-
lhos das outras29.
Assim, em nosso trabalho intentamos dar a ver os diferentes tempos estabelecidos nessas relações 
de sociabilidade e em que medida a ação de “tornar a cidade objeto de discurso crítico e intervenção” 
emergiu como ideia, ganhou forma como prática para Porto-alegre e se tornou uma parte intrínseca da 
sua própria maneira de agir. Práticas de tal forma internalizadas e orgânicas, que em um momento ín-
timo, como aquele em que ele se despedia da terra onde viveu por anos, fez com que no seu caderno de 
viagem, a cidade “naturalmente” emergisse como objeto também de olhar.
Acreditamos com esse esforço, tal como já pretendia Choay em sua Antologia ao analisar textos 
“instauradores”, contribuir para os estudos sobre “as ideias que forneceram base ao urbanismo”. Contudo, 
conforme as revisões metodológicas realizadas pelos trabalhos de Pereira e Topalov, o buscamos fazer 
por meio de um estudo histórico mais complexo onde diferentes “temporalidades” – do próprio autor 
do texto, de seu contexto e de sua rede de relações sociais – são levados em consideração. Diferente de 
Choay, porque o fazemos de maneira menos totalizante e mais pormenorizada, buscamos aqui ainda que 
de forma inicial e modesta contribuir em alguma medida para os estudos sobre “as ideias que forneceram 
base ao urbanismo” no Brasil, e sobre o pensamento social e a ação urbanística que foram colocados em 
prática na capital do Império.
28. Cf. PEREIRA, Margareth A. C. S. “Las Nebulosas” In: “Documentos de historia y teoría”, Bogotá: Universidad Nacional de 
Colombia – Faculdad de Artes, 2007. Pp. 55-66.
29. Cf. CHARTIER, Roger. “A historia cultural entre praticas e representações”. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990; e CERTEAU. 
Michel de. A operação histórica. In : LE GOFF, J. NORA, P. (org.). História: novos problemas (1974). Rio de Janeiro : Francisco 
Alves. pp. 38.
35Porto-alegre e sua atenção à vida em cidades
Do grupo de autores que em maior ou menor grau fizeram referência a obra de Porto-alegre nas 
últimas décadas, Margareth da Silva Pereira, mesmo não tendo se dedicado especificamente à vida e 
obra do artista talvez tenha sido uma das primeiras a apontar, em fins da década de 1980, o interesse de 
Porto-alegre pelas questões citadinas e, especificamente, sua importância para os debates urbanísticos no 
Rio de Janeiro, em meados do século XIX30. Em “Rio de Janeiro: L’ephéemèere et la péerennitée” (1988), 
sua tese de doutoramento, Pereira apresentou Porto-alegre como um importante interlocutor nas redes 
intelectuais que criavam e debatiam teorias urbanas na cidade do Rio de Janeiro durante o período. 
Esse aspecto da atuação de Porto-alegre é analisado pela autora, sobretudo, a partir de um dis-
curso do artista na época em que foi diretor da Academia Imperial de Belas Artes31. Nesse discurso, 
Porto-alegre havia proposto a produção de uma revista para a Academia (O Artista) e sugerido algumas 
“teses” para debate, uma espécie de agenda de assuntos emergentes no campo artístico naqueles anos. 
Pereira notou que dentre a série de sugestões deixadas por Porto-alegre é explicitado, sobremaneira, a 
necessidade de uma maior atenção às questões estéticas nas “obras de utilidade pública” correntes na 
cidade, como podemos observar:
 “(...)
2.° - Donde procede o mau gosto, e mesmo a indiferença que temos tido até hoje para 
com a arquitetura, quais as razões porque os exemplares de Mr. Grandjean não frutifi-
caram, e o que convém fazer em favor desta arte para ter um maior e seguro desenvol-
vimento?
 (...)
7.° - Escrever a história da cenografia no Rio de Janeiro e dar as razões por que esta arte 
não tem progredido entre nós.
(...)
11.° - No momento em que os altos poderes do Estado decretarem a edificação de um 
palácio para o nosso Imperador, qual será o local mais conveniente,, mais belo e mais 
econômico para este monumento nacional?
12.° - O Estado, a moralidade pública, e o indivíduo lucrariam mais se todas as repar-
tições públicas estivessem em um só edifício, ou convém separar os diferentes ramos da 
administração? Qual seria o melhor local, na primeira hipótese, para esta edificação, e 
que plano geral conviria adotar no desenvolvimento do seu todo para haver nele rápida 
correspondência e economia de tempo para o cidadão, de despesa para o Estado, e de 
ordem para a alta administração?
13.° - Que meios pode empregar já o Governo para enraizar o gôsto das belas artes no 
Rio de Janeiro, e torná-lo em utilidade pública ?
(...)
18.° - As nossas construções urbanas estão em harmonia com o nosso clima e vida do-
méstica? Mudarão elas na sua disposição interior depois da extinção da escravatura, e 
no caso contrário quais serão as introduções úteis que se devem adotar desde já para 
que se tornem mais belas, cômodas e sanitárias? E o que convém ao legislador decretar 
para este fim?
19.° - Se o imposto da décima fosse substituído pelo das portas e janelas, o que sucederia 
à arquitetura urbana?
30. PEREIRA, Margareth A. S. “Rio de Janeiro: L’ephemere et la perennite – histoire de la ville au XIXeme siècle”. Paris: Ecole des 
Hautes Etudes en Sciences Sociales, 1988. (Tese de Doutoramento Ciências Sociais).
31. A ata oficial da Academia Imperial de Belas Artes, datada de 27 de setembro de 1855, transcreve o discurso proferido por 
Porto-alegre na congregação da Academia.
36 20.° - O que tem mais concorrido para o atraso da arquitetura, as leis do nosso país, e 
educação dos nossos homens de Estado, ou a falta do gosto nos particulares?
(...)
23.° - Que utilidade poderá colher o paisagista com o estudo da botânica e da geologia?
(...)
26.° - O estudo da arquitetura clássica, conforme o sistema de muitas escolas, será bas-
tante para criar arquitetos úteis a todas as necessidades sociais, ou deve ele entrar na 
educação artística como entra o estudo dos clássicos na literatura?
(...)
29.° - A ornamentação e decoração dos edifícios, principalmente a executada pela pin-
tura, deverá substituir os grotescos e arabescos pelos objetos da nossa natureza america-
na; e qual tem sido a causa por que este caminho novo, apenas encetado por Sr. Debret 
e Francisco Pedro do Amaral, nos seus últimos dias, ainda não tomou o sen necessário 
e útil desenvolvimento? Nesta nova estrada convirá abandonar inteiramente os exem-
plos da antiguidade na composição, ou conservar somente a harmonia das linhas ou a 
simetria, como base geométrica e inalterável?
(...)”32
Além da evidente atenção a aspectos citadinos no discurso de Porto-alegre, para Pereira, a ação 
do artista deveria ser iluminada, principalmente, por ele haver pertencido à primeira geração de “bra-
sileiros” formados pela Academia Imperial de Belas Artes a chegar a direção da instituição (1854-1858) 
e, estranhamente, também último artista nessa função até, pelo menos, o começo do século XX. Afinal, 
depois de Porto-alegre até essa época, a Academia Imperial de Belas Artes seria dirigida sucessivamente 
por médicos.
Assim, intrigava-lhe o caráter ambíguo representado por Porto-alegre nessa posição. Se por um 
lado, Porto-alegrerepresentava o amadurecimento da Academia brasileira em “produzir” artistas e in-
seri-los nos “debates” citadinos de sua época, por outro lado, Pereira constatava que a atuação de Por-
to-alegre representava também o fim de uma ação mais participativa dos “acadêmicos” na vida pública 
da cidade. Segundo Pereira, depois de Porto-alegre na direção da Academia, os acadêmicos se fixariam 
em debates em torno de aspectos mais abstratos, como as questões estilísticas e, consequentemente, ob-
serva-se que os “grupos” que iriam dominar os debates urbanísticos na segunda metade do século XIX 
seriam os dos médicos e dos engenheiros.
Apesar do trabalho de Pereira apontar a importância da atuação de Porto-alegre para os estudos 
urbanos no século XIX e nos ajudar a posiciona-lo em um campo de debates – aquele em torno das 
questões citadinas no Rio de Janeiro no mesmo período –, sua tese não pretendia um aprofundamento 
na trajetória do artista. Nesse sentido, é evidente que seus esforços possuem limitações em relação a uma 
possível biografia intelectual sobre Porto-alegre que enfocasse essas mesmas questões.
Assim, a partir do trabalho dessa autora, não é possível saber se as teses enunciadas para a produ-
ção de “O Artista” teriam sido as únicas inflexões de Porto-alegre sobre as questões citadinas, pois não 
faziam parte dos objetivos de Pereira salientar as nuances do pensamento urbanístico de Porto-alegre em 
suas diferentes formas de atuação, nem tão pouco a maneira como esse “problema” foi sendo encampado 
por ele ao longo de sua trajetória. Questões essas, que de certa forma, o presente trabalho busca lançar 
luzes.
Também na década de 1980, mas longe dos debates acerca da formação do “pensamento urbanís-
tico”, o historiador e engenheiro Francisco Riopardense de Macedo, em seu livro intitulado “A arquite-
tura no Brasil e Araújo Porto Alegre”, salientou a atenção de Porto-alegre aos processos de urbanização 
32. PORTO-ALEGRE, Manuel de Araújo. “Ata da 2a Sessão Pública da Academia das Belas Artes, em 27 de setembro de 1855”.
37da capital do Império brasileiro, no século XIX. Nesse trabalho, diferente do realizado por Pereira, essa 
atenção especial aos aspectos citadinos é abordada a partir do envolvimento do artista com projetos de 
arquitetura.
Apesar da extensa fortuna crítica que a obra de Porto-alegre já contava na década de 1980 e de 
Porto-alegre, em sua época, ter escrito diversas vezes sobre sua própria produção arquitetônica, até a pu-
blicação do trabalho de Macedo, poucos eram os estudos que haviam, de fato, se dedicado a esse aspecto 
de sua obra33. 
Em grande parte, os estudos anteriores haviam destacado de maneira mais significativa a atuação 
de Porto-alegre como pintor, como diretor da Academia Imperial de Belas Artes, como literato e como 
membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. De fato, boa parte desses trabalhos partia de 
estudos de membros da própria Escola de Belas Artes (sucessora da antiga Academia), da Academia 
Brasileira de Letras (que escolheu Porto-alegre como patrono de uma de suas cadeiras e passou a receber 
parte da documentação de seu espólio) e do IHGB (pela cultura de produção de biografias dos membros 
do Instituto e pala preocupação com a escrita da história institucional da casa).
Mesmo os projetos arquitetônicos que Porto-alegre realizou durante os períodos em que foi mem-
bro da Academia Imperial de Belas Artes, como, por exemplo, os projetos para os festejos imperiais 
na época em que foi professor ou a ampliação do edifício da escola durante sua atuação como diretor, 
pouco, ou nada, despertaram interesse dos “estudos artísticos”. Provavelmente, tratava-se de sintomas da 
divisão do campo epistemológico em especializações observada a partir do final do século XIX, somada 
a autonomização, no Rio de Janeiro, do curso de arquitetura a partir da década de 1930 do século XX. 
Em meio a esses processos, cada vez mais, os “artistas” e os “arquitetos” passavam se ver, eles mesmos, 
como que representando papeis distintos e seus objetos de estudos passavam a ser fruto de análises cada 
vez mais “especializadas”.
No entanto, enquanto os “artistas” da “Escola de Belas Artes” buscaram, ainda por algum tempo, 
reforçar sua “tradição” acadêmica e empreenderam inúmeros trabalhos sobre o “pintor” e o “diretor da 
Academia” Porto-alegre, os arquitetos do século XX pouco se interessaram pela atuação do “arquiteto 
acadêmico”. A “geração” que autonomizou o estudo da Arquitetura da Escola de Belas Artes, a conhecida 
reforma de 1931 encampada por Lúcio Costa, ao buscar romper com o ensino fundado na lógica dos es-
tilos, acabou por recusar e silenciar toda uma “memória” ligada à “antiga” Academia e aos seus membros.
O estudo de Macedo rompe com essa lógica de silenciamentos da produção de Porto-alegre no 
campo da arquitetura e é composto, ao contrário, como uma espécie de livro comemorativo pela for-
mação da Câmara Especializada de Arquitetura do Conselho Nacional de Engenharia, Arquitetura e 
Agronomia do Rio Grande do Sul (CREA-RS). Com essa finalidade, o livro traça um “perfil profissional” 
do arquiteto rio-grandense.
33. É possível apontar outros trabalhos que, mais recentemente, se debruçaram também sobre a prática arquitetônica de Porto
-alegre, como os de Gustavo Rocha-Peixoto, “Arquitetos do Brasil Imperial: a obra arquitetônica dos primeiros alunos da Aca-
demia Imperial de Belas Artes” (2004), e de Francisco Sales Trajano Filho, “Tentativas de enraizamento: arquitetura brasileira 
e formação nacional” (2010). De toda forma, sobretudo nos dias de hoje, os estudos que se dedicam a esse aspecto da obra de 
Porto-alegre encontram grandes dificuldades, uma vez que praticamente nada restou edificado e a grande maioria dos projetos 
não é mais encontrada nos arquivos. Quase sempre, o que se tem acesso são as descrições parciais desses a partir de atas, me-
moriais, correspondências e outros documentos oficiais. É nesse sentido que Sales Trajano Filho afirma que as referências aos 
trabalhos de arquitetura de Porto-alegre encontram-se “Esparsas em escritos de natureza variada, com frequência tratada no 
âmbito de reflexões abarcantes à totalidade do campo artístico, raras vezes objeto de atenção detida e sistemática, a arquitetura 
de fato não tem atraído um tratamento equiparável à literatura, à pintura ou à história da arte dentre as investigações em torno 
das ocupações teóricas e práticas de Manuel de Araújo Porto-alegre”. Cf. TRAJANO FILHO, Francisco Sales. “Tentativas de 
enraizamento: arquitetura brasileira e formação nacional” (tese de doutoramento). São Paulo: EESC-USP, 2010. pp. 51.
38 Há também outras contribuições significativas em “A arquitetura no Brasil e Araújo Porto Alegre”. 
Dentre elas, podemos destacar, por exemplo, a ênfase que o autor dá a relação estabelecida entre Porto
-alegre e o arquiteto François Debret, irmão do pintor Jean Baptiste Debret, durante sua temporada de 
estudos na França. Apesar de Porto-alegre ter frequentado apenas por poucos meses o atelier do pintor 
Grós34, até então, ele era quem havia sido o seu professor parisiense mais frequentemente citado nas 
biografias. Ao enfatizar a relação entre Porto-alegre e François Debret, Macedo passava a mostrar outra 
face dos anos de formação de Porto-alegre, atribuindo maior relevância a sua formação como arquiteto.
Com relação aos projetos de arquitetura de Porto-alegre analisados por Macedo, merece destaque 
o realizado para a Rua do Cano (atualmente Avenida Sete de Setembro), no qual o arquiteto propôs um 
conjunto composto por duas edificações que deveriam servir de modelo para as demais construções des-
sa rua. Macedo verificou que esse projeto se articulava a outros em que Porto-alegre trabalhou enquanto 
vereador, como, por exemplo, a proposta de remodelação do Campo de Santana.
No entanto, sobre a atuação de Porto-alegre como vereador suplente, apesar do autor afirmar que 
essa incursão política tenha sido responsável por “grandes momentos desua atuação como urbanista”35, 
Macedo pouco trouxe de dados. O autor apenas fez referência a alguns dos trabalhos indicados pelo 
próprio Porto-alegre em seus escritos biográficos, tais como o projeto para a região do Mangue (de São 
Diogo), a revisão do Código de Posturas para a cidade, além do já mencionado projeto para o Campo 
de Santana. Diferente da pesquisa sobre a Rua do Cano, a análise dessas obras continuou sem maiores 
aprofundamentos.
Sobre essa mesma questão, é curioso notar também que, ao enfocar sua atuação como vereador 
– o quê levou de fato Porto-alegre a propor e a atuar mais diretamente nas obras de “melhoramentos ur-
banos” da cidade, para utilizarmos um termo daquela época –, Macedo acabou “naturalizando” a própria 
formação do “urbanismo” como campo disciplinar.
Ora, no tempo de Porto-alegre, como nos aponta Françoise Choay, o “neologismo” urbanismo 
ainda não havia sido forjado e, conforme apresenta Callabi, desde a década de 1960, estudiosos da his-
tória do urbanismo e das cidades vem sendo cautelosos em chamar “anacronicamente” de “urbanistas” 
àqueles atores que interviram na cidade antes da conformação do campo e sua sintomática denomina-
ção36.
A própria Margareth Pereira ao atentar para o escrito deixado por Porto-alegre, não buscou vê-lo 
como urbanista “stricto sensu”. De forma mais complexa, buscava demonstrar como, em seu tempo, esse 
campo ainda estava em conformação e os discursos críticos e as realizações que objetivavam as cidades, 
em particular o Rio de Janeiro, eram operados por atores de campos variados e, podemos dizer, “não-es-
pecializados”.
No entanto, se pode supor que, na década de 1980, para pesquisadores oriundos de outros cam-
pos de saber, ou pouco familiarizados com o processo de constituição dos campos da história da cidade, 
da história do urbanismo e da história urbana, como era o caso de Macedo, essa discussão ainda era 
pouco evidente e, por isso, a palavra “urbanista” era utilizada destituída de sua historicidade.
Em todo caso, apresentar Porto-alegre como um “urbanista avant la lettre” como o fez Macedo ou 
34. Outro aspecto importante trazido à tona pelo trabalho de Macedo foi o levantamento das obras realizadas por Porto-alegre, 
sobretudo a localização dos arquivos onde estão depositados os registros que conseguiram chegar aos nossos dias das suas obras 
arquitetônicas.
35. MACEDO, Francisco Riopardense de. “Arquitetura no Brasil e Araújo Porto Alegre”. S. c: UFRGS/CREA-RS, 1984. pp. 75.
36. CALLABI, Donatela. “História do Urbanismo Europeu”. São Paulo: Perspectiva, 2012.
39chamar a atenção sobre suas contribuições nos debates urbanos como o fez Pereira – tema que realmente 
está sendo enfocado neste trabalho –, apenas corrobora para a necessidade de estudos mais aprofunda-
dos sobre a própria história da cultura profissional de arquitetos, engenheiros e artistas que trabalharam 
no Brasil e, também, como a cidade passou a ser considerada em seus projetos, desde pelo menos os 
séculos XVIII e XIX, em paralelo com a (re)organização do campo de conhecimento que se observa no 
período. De fato, pode-se dizer que se por um lado, em meados do século XIX, Porto-alegre não tinha 
“condições de possibilidade” de enunciar a si próprio como “urbanista”, por outro lado, como Macedo, 
observando as práticas realizadas pelo “arquiteto”, não se tem dúvidas de que se tratava de um “profissio-
nal especializado” na construção (ou no melhoramento) da cidade, naqueles anos.
Entre escritos e arquiteturas uma cidade em questão
Após Macedo e Pereira, se passou mais de uma década, até que a atenção de Porto-alegre às ques-
tões citadinas fomentasse novas pesquisas. Somente em 2003, a historiadora Heliana Angotti Salgueiro 
trouxe essa questão novamente “à cena” ao produzir uma exposição e catálogo chamados: “A Comédia 
Urbana: de Daumier a Porto-alegre”37. Esse conjunto de trabalhos realizados por Salgueiro apresentou 
a um público mais amplo a revista “Lanterna Mágica”, idealizada e escrita por Porto-alegre entre 1844 e 
1845.
A “Lanterna” foi uma das primeiras revistas ilustradas editadas no Brasil. Em suas páginas, um 
texto jocoso era elaborado como um diálogo típico de comédias teatrais e alternava-se com estampas que 
ironizavam personagens e costumes da sede Corte do Império brasileiro.
A história contada nos fascículos da revista girava em torno das peripécias de dois personagens, 
Laverno e Belchior, retratados como “verdadeiros trambiqueiros” que se fazem passar pelos mais dife-
rentes tipos da sociedade da época a fim de galgar posições sem o mínimo esforço.
O trabalho de Salgueiro nos apresenta, então, o quanto os tipos humanos encarados pelas per-
sonagens principais da trama e os monumentos retratados nas ilustrações dessa revista denotam, em 
ambos os casos, uma forma de por em foco o Rio de Janeiro. 
Para traçar sua análise, Salgueiro constrói relações entre o trabalho de Porto-alegre e os traba-
lhos de Balzac, em “A comédia humana”, e de Daumier, em “Les cent-et-un Robert Macaire” e, assim, 
nos apresenta o contexto urbano experimentado por Porto-alegre tanto em Paris, durante sua estadia 
de estudos (1831-1837), quanto no Rio de Janeiro no momento em que produziu a “Lanterna Mágica” 
(1844-1845).
Com a exposição das experiências vividas por Porto-alegre nessas duas cidades, Heliana Angotti 
Salgueiro nos mostra como as questões citadinas eram amplamente discutidas pelos mais diversos atores 
da sociedade, quer isso se passasse na capital francesa, quer na capital brasileira. Mostrando, como Pe-
reira o fez em sua tese, a existência de um fervilhante campo de debates que se questiona sobre a vida em 
sociedade e, sobretudo, sobre a vida em cidades.
O trabalho de Salgueiro foi desenvolvido no âmbito de uma análise mais complexa do campo 
37. SALGUEIRO, Heliana Angotti. Catálogo da Exposição A comédia urbana: de Daumier a Porto-alegre. São Paulo: 
Museu de Arte Brasileira – MAB FAAP, 2003.
CRONOLOGIA ATUAÇÕES PROFISSIONAIS DE PORTO-ALEGRE
1837 1838 1839 1840 1841 1842 1843 1844 1845 1846 1847 1848 1849 1850 1851 1852 1853 1854 1855 1856 1857 1858 1859
ATUAÇÃO JUNTO A AIBA
ATUAÇÃO JUNTO A ESCOLA 
MILITAR
ATUAÇÃO COMO VEREADOR
RUA DO 
CANO
ARB. C. 
SANTANA
REVISTAS REALIZADAS
REVISTAS PROPSOTAS O ARTISTA
PROJETOS DE ARQUITETURA
BANCO DO 
BRASIL
LANTERNA MÁGICA GUANABARA
ALFÂNDEGAVARANDA DA COROAÇÃO
PROFESSOR DE PINTURA HISTÓRICA DIRETOR
PROFESSOR DE DESENHO
VEREADOR SUBSTITUTO (SEM DATA PRECISA)
COLÉGIO DO 
ANJO 
CUSTÓDIO
DEC. DA 
SALA DO 
TRONO
MAUSOLÉU 
INTANTE D. 
AFONSO
41urbanístico em comparação ao trabalho de Macedo. Percebe-se, por exemplo, que Salgueiro estudou os 
diferentes discursos que tematizam as cidade, aqueles que Porto-alegre parecia se posicionar. Contudo, 
no trabalho de Salgueiro, diferente daquele realizado por Pereira, é o contexto parisiense vivido por Por-
to-alegre o que é mais profundamente analisado.
Assim, apesar de Salgueiro nos apresentar de forma tão evidente a atenção à cidade em apenas 
um dos trabalhos realizados por Porto-alegre, pelo desequilíbrio em relação à parte brasileira, ela acaba 
por mostrar, também, o quanto os esforços realizados por Pereira em sua tese de doutoramento pouco 
haviam “circulado”.
Mais recentemente, em 2004, após realizar uma dissertação de mestrado sobre a vida e obra de 
Porto-alegre, Letícia Squeff publicou o livro “O Brasil nas letras de um pintor – Manuel de Araújo Por-
to-alegre (1806-1879)” 38 e, em um dos capítulos, “A cidade como teatro”, também observou a atenção do 
artista às questões citadinas.
Sendo um trabalho biográfico que cobre um amplo recorte da trajetória de Porto-alegre – de sua 
decisão de se mudar para o Rio de Janeiro para estudar na Academia Imperial de Belas Artes (1828) aos 
debates que o afastaria definitivamente dessa instituição em 1857 –, o estudo realizado por Squeff não se 
limita apenas aos seus escritos nem tão pouco às suas obras de arquitetura.
A análise da autora, também leitora de Macedo

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