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Produção Social do Habitat na América Latina

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Prévia do material em texto

FLÁVIO HENRIQUE GHILARDI 
 
 
 
 
 
 
 
 
COOPERATIVISMO DE MORADIA EM MONTEVIDÉU E 
AUTOGESTÃO HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO 
 
As bases sociais, políticas e econômicas da produção 
social do habitat na América Latina 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tese apresentada ao Curso de Doutorado do 
Programa de Pós-Graduação em Planejamento 
Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio 
de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos 
necessários à obtenção do grau de Doutor em 
Planejamento Urbano e Regional. 
 
Orientadora: Prof. Dra. Luciana Corrêa do Lago 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RIO DE JANEIRO 
 
2017 
 
 
 
 
 
FLÁVIO HENRIQUE GHILARDI 
 
 
COOPERATIVISMO DE MORADIA EM MONTEVIDÉU E 
AUTOGESTÃO HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO 
 
As bases sociais, políticas e econômicas da produção 
social do habitat na América Latina 
 
 
Tese apresentada ao Curso de Doutorado do 
Programa de Pós-Graduação em Planejamento 
Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio 
de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos 
necessários à obtenção do grau de Doutor em 
Planejamento Urbano e Regional. 
 
 
Aprovado em: 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
 
________________________________________ 
Prof. Dra. Luciana Corrêa do Lago - Orientadora 
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ 
 
 
________________________________________ 
Prof. Dr. Adauto Lucio Cardoso 
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ 
 
 
________________________________________ 
Prof. Dr. Orlando Alves dos Santos Junior 
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ 
 
 
________________________________________ 
Prof. Dr. Edson Miagusko 
Instituto de Ciências Humanas e Sociais – UFRRJ 
 
 
________________________________________ 
Prof. Dr. João Farias Rovati 
Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional – UFRGS 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
À professora Luciana Lago, pela dimensão de liberdade na orientação deste 
trabalho. 
Aos professores Adauto Cardoso e Edson Miagusko (pelas valiosas 
considerações na banca de qualificação), assim como aos professores João Rovati e 
Orlando Júnior, pela atenta leitura e comentários à tese. 
Aos professores do IPPUR, pela densa formação crítica; aos técnicos do 
instituto, essenciais nos momentos de apoio, trabalhando com competência e bom 
humor; e aos colegas discentes, pela amizade intelectual. 
Àqueles que, sob várias formas, contribuíram para a pesquisa no Rio de 
Janeiro, em especial aos que atuam junto à Fundação Bento Rubião e à Arché; aos 
grupos autogestionários, principalmente àqueles com quem mantive contato em 
Esperança, Ipiíba e Shangri-lá; e aos que militam junto à União por Moradia Popular 
do Rio de Janeiro. 
Ao professor Juan Pablo Martí, pelos preciosos encontros em Montevidéu e 
pela imprescindível orientação de pesquisa durante o estágio sanduíche. 
Àqueles que, em Montevidéu, aportaram valiosíssimas contribuições – em 
entrevistas, conversas informais ou cursos de formação – para a pesquisa de campo. 
Em especial aos que atuam nas seguintes instituições e organizações: Agencia 
Nacional de Vivienda (ANV), Confederación Uruguaya de Entidades Cooperativas 
(CUDECOOP), Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo (FADU-UDELAR), 
Federación Uruguaya de Cooperativas de Vivienda por Ayuda Mutua (FUCVAM) e 
Escuela Nacional de Formación (ENFORMA), Federación de Cooperativas de 
Vivienda por Ahorro Previo (FECOVI), Instituto Nacional de Cooperativismo 
(INACOOP), Ministerio de Vivienda, Ordenamiento Territorial y Medio Ambiente 
(MVOTMA) e Unidad de Estudios Cooperativos (UEC-UDELAR). Aos “cooperativistas 
de vivienda” que proporcionaram entrevistas e conversas valiosíssimas sobre a 
trajetória de suas unidades cooperativas, em especial àqueles dos seguintes grupos: 
Complejo Bulevar, Complejo José Pedro Varela, COVIATU 18, COVICENOVA, 
 
 
COVICIVI, COVICORDÓN, COVIESS 90 II, COVIFAMI II, COVIMT 2, COVISUNCA 2, 
COVISUR II, COVIUN, COVIUNPRO, COVIVEMA V, El Ladrillo, MESA 1, Puerto 
Fabini e aqueles do Barrio Inter-cooperativo Zitarrosa, em especial COVICENTELLA, 
COVIEFE, COVIFU, COVIFAMI e JUCOVIPOSTAL. Aos técnicos dos “Institutos de 
Asistencia Técnica” que me concederam preciosas entrevistas; e, nominalmente, a 
Gustavo González e Leonardo Pessina pelos depoimentos individuais, assim como a 
Daniel Chavez, pela bibliografia disponibilizada. 
À biblioteca Gino Baratta, pelo suporte à escrita do texto da tese. 
Aos amigos de vários cantos e aventuras – do Rio, de Sampa, de Brasília, do 
mundo –, aos quais não agradecerei, nominalmente aqui, por questão de espaço. 
À minha irmã, pela brodagem compartilhada; e aos meus pais, pelos 
ensinamentos de dedicação e integridade. 
 
 
RESUMO 
 
A produção social do habitat configura-se, a partir de meados do século XX, em um 
projeto político de estruturação alternativa do ambiente urbano na América Latina. Ao 
se considerar a constituição desse projeto a partir de um conjunto heterogêneo – e, 
por vezes, conflitivo – de ações políticas que organizam práticas autogestionárias de 
produção do habitat, a tese propõe uma abordagem sobre as “bases” sociais, políticas 
e econômicas de dois casos específicos: o cooperativismo uruguaio de moradia, 
originado na década de 1960, e as propostas de autogestão habitacional na metrópole 
do Rio de Janeiro, iniciadas nos anos 1990. Para tanto, analisam-se aspectos da 
formação social dos contextos onde emergiram essas experiências, de modo a 
permitir pensar questões específicas postas à trajetória destes dois modelos de 
produção social do habitat. Sob uma dupla perspectiva, iluminam-se tensões internas 
que atravessam esse projeto político, considerando-se a vinculação com suas “bases” 
constitutivas. Nesse sentido, a tese procura explorar os momentos de emergência da 
política – enquanto ação humana criadora do novo e instituidora do dano na própria 
constituição da comunidade – que se processam, na estruturação do espaço urbano 
latino-americano, a partir das inciativas autogestionárias de produção social do 
habitat. 
 
Palavras-chave: Produção social do habitat. Cooperativismo de moradia. Autogestão 
habitacional. 
 
 
 
RESUMEN 
 
La producción social del hábitat se configura, a partir de mediados del siglo XX, en un 
proyecto político de estructuración alternativa del ambiente urbano en América Latina. 
Al considerarse la constitución de ese proyecto desde un conjunto heterogéneo – y, 
por veces, conflictivo – de acciones políticas que organizan prácticas autogestionarias 
de producción del hábitat, la tesis propone un abordaje sobre las “bases” sociales, 
políticas y económicas de dos casos específicos: el cooperativismo uruguayo de 
vivienda, originado en la década de 1960, y las propuestas de autogestión habitacional 
en la metrópoli del Rio de Janeiro, empezadas en los años 1990. Por lo tanto, se 
analizan aspectos de la formación social de los contextos donde surgieron tales 
experiencias, de manera a permitirse pensar cuestiones específicas acerca de la 
trayectoria de estos dos modelos de producción social del hábitat. Bajo una doble 
perspectiva, se iluminan las tensiones internas que cruzan ese proyecto político, 
considerándose la vinculación con sus “bases” constitutivas. En ese sentido, la tesis 
intenta explorar los momentos de surgimiento de la política – como acción humana 
creadora de lo nuevo e instituidora del daño en la propia constitución de la comunidad 
– que se procesan, en la estructuración del espacio urbano latinoamericano, a partir 
de las iniciativas autogestionarias de producción social del hábitat. 
 
Palabras-claves: Producción social del hábitat. Cooperativismo de vivienda. 
Autogestión habitacional. 
 
 
 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 
 
Figura 1 – Notícias do primeiro boletim de FUCVAM sobre o início de obra nas 
cooperativas de moradia por ajuda mútua (Montevidéu, 1971) 47 
Figura 2 – Mesa 1, bairro “NuevoAmanecer” (Montevidéu, 2015) 55 
Figura 3 – Número de obras de cooperativas de moradia, por ano de início (Uruguai, 
1970 – 1978) 59 
Figura 4 – Estado de tramitação dos empréstimos às cooperativas de moradia, em 
unidades habitacionais (Uruguai, 1978) 60 
Figura 5 – Empréstimos escriturados pelo Banco Hipotecário do Uruguai, equivalente 
em quantidade de moradias (Uruguai, 1978 – 1984) 61 
Figura 6 – Salão comunal do Complexo José Pedro Varela (Montevidéu, 2015) 63 
Figura 7 – Número de obras de cooperativas de moradia, por ano de início (Uruguai, 
1985 – 1999) 70 
Figura 8 – Prédio destinado à carteira de terras da Intendência de Montevidéu 
(Montevidéu, 2016) 73 
Figura 9 – Número de obras de cooperativas de moradia, por ano de início (Uruguai, 
2000 – 2015) 77 
Figura 10 – Moradia construída no projeto de Ipiíba (São Gonçalo, 2014) 93 
Figura 11 – Moradias do projeto Shangri-lá, Jacarepaguá (Rio de Janeiro, 2014) 97 
Figura 12 – Taxa de inflação e salário real (Uruguai, 1957 – 1973) 115 
Figura 13 – Sede do Centro Cooperativista Uruguayo (Montevidéu, 2015) 122 
Figura 14 – Anúncio da Cooperativa Habitacional nº 1 da Guanabara (Rio de Janeiro, 
1965) 127 
Figura 15 – Número de cooperativas habitacionais (Brasil, 1978, 1980 e 1983) 129 
 
 
Figura 16 – Ocupação na indústria (Uruguai, 1936 – 1999) 137 
Figura 17 –Taxas de crescimento da população, da população economicamente ativa 
(PEA) e da ocupação na indústria (Uruguai, 1936 – 1998) 138 
Figura 18 – Moradias da cooperativa COVIATU 18 (Montevidéu, 2016) 192 
Figura 19 – Obra da cooperativa Puerto Fabini (Montevidéu, 2016) 194 
Figura 20 – Pátio superior da cooperativa COVICIVI (Montevidéu, 2015) 201 
Figura 21 – Complejo Bulevar (Montevidéu, 2015) 207 
Figura 22 – Trabalho de ajuda mútua dos sócios da cooperativa COVIVEMA V 
(Montevidéu, 2015) 219 
Figura 23 – Cooperativa COVICENOVA (Montevidéu, 2016) 228 
Figura 24 – 65a. assembleia geral de FUCVAM (Montevidéu, 2016) 236 
 
 
 
LISTA DE TABELAS 
 
Tabela 1 – Número de sócios e de unidades cooperativas de moradia, por 
departamento (Uruguai, 1969 e 1978) 56 
Tabela 2 – Evolução da estrutura do Gasto Público Social (porcentagem), por décadas 
(Uruguai, 1910 – 2000) 145 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13 
1.1 O plano de análise ............................................................................................. 18 
1.2 As questões da pesquisa ................................................................................. 23 
1.3 Metodologia de pesquisa .................................................................................. 29 
1.4 A estrutura do texto .......................................................................................... 38 
2 A PRODUÇÃO SOCIAL DA HABITAT EM MONTEVIDÉU E NO RIO DE 
JANEIRO .................................................................................................................. 41 
2.1 Cooperativismo de moradia no Uruguai ......................................................... 41 
2.1.1 Cooperativismo na Lei Nacional de Moradia .................................................... 48 
2.1.2 Etapa inicial: ganho de escala .......................................................................... 52 
2.1.3 Ditadura militar e sufocamento do sistema ....................................................... 57 
2.1.4 Redemocratização e políticas neoliberais ........................................................ 69 
2.1.5 Período contemporâneo ................................................................................... 75 
2.2 Autogestão habitacional na metrópole do Rio de Janeiro ............................ 79 
2.2.1 Primeiras iniciativas em Nova Holanda ............................................................ 80 
2.2.2 Proposta pioneira do Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião .. 86 
2.2.3 Aporte de recursos da cooperação internacional ............................................. 91 
2.2.4 Anos 2000 e acesso a fundos públicos ............................................................ 99 
2.3 Uma primeira aproximação entre Montevidéu e Rio de Janeiro ................. 104 
3 AS BASES DA PRODUÇÃO SOCIAL DO HABITAT NO URUGUAI ................. 108 
3.1 Década de 1960: geopolítica, crise e cooperativismo de moradia .............. 109 
3.1.1 Plan CIDE e impacto sobre o planejamento da política habitacional ............. 109 
3.1.2 Acúmulo formativo e origem dos projetos piloto ............................................. 117 
3.1.3 Contraponto: cooperativismo habitacional no Brasil ....................................... 125 
 
 
3.2 A formação da classe operária uruguaia ...................................................... 129 
3.2.1 Cooperativismo de moradia, classe trabalhadora e sindicalismo ................... 136 
3.3 Arquitetura de bem-estar e apoio estatal ...................................................... 141 
4 O TERRENO POR ONDE SE MOVIMENTA A AUTOGESTÃO HABITACIONAL 
NO RIO DE JANEIRO ............................................................................................. 147 
4.1 Favela, território de origem ............................................................................ 148 
4.1.1 Do associativismo pré-ditadura ao remocionismo autoritário ......................... 149 
4.1.2 Abertura democrática e associativismo transformador ................................... 154 
4.1.3 Economia política da urbanização do Rio de Janeiro ..................................... 157 
4.1.4 Outro contraponto: cooperativismo e associativismo ..................................... 160 
4.2 Matriz sindical e autogestão habitacional ..................................................... 170 
4.3 Cultura política e violência ............................................................................. 175 
4.4 Estado, organizações não-governamentais e cooperação internacional .. 179 
5 TENSÕES INTERNAS À PRODUÇÃO SOCIAL DO HABITAT .......................... 187 
5.1 Origem social dos grupos .............................................................................. 188 
5.2 Os distintos tempos das políticas públicas .................................................. 202 
5.3 Dilemas da ajuda mútua e da autogestão ..................................................... 209 
5.4 Autogestão: instrumento de opções múltiplas ............................................ 224 
5.5 Propriedade coletiva ....................................................................................... 233 
5.6 Dimensão singular da experiência ................................................................ 240 
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 252 
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 263 
APÊNDICE A – QUADRO DE COOPERATIVISTAS ENTREVISTADOS EM 
MONTEVIDÉU ........................................................................................................ 281 
APÊNDICE B – SISTEMATIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS EM MONTEVIDÉU ..... 282 
13 
1 INTRODUÇÃO 
 
Metrópole do Rio de Janeiro, início da década de 1990. Uma análise 
panorâmica sobre o processo histórico de urbanização da região apresenta um 
ambiente urbano estruturado majoritariamente pela precariedade das condições de 
moradia da maioria da população. Predominam os grandes números que expressam 
o déficit na qualidade construtiva do parque habitacional, a falta de acesso a 
elementos básicos da infraestrutura urbana e o gasto excessivo com aluguel que 
compromete grande parte dos ingressos familiares das camadas populares. No 
território, constituem-se áreas de precariedade urbana expressas em favelas, 
loteamentos irregulares e conjuntos habitacionais degradados. Dados do início dessa 
década (BURGOS,2006, p. 45) mostram que, no ano de 1991, quarenta por cento da 
população da cidade do Rio de Janeiro vivia em condições precárias de habitat, sendo 
962.793 habitantes em favelas, 944.200 em conjuntos habitacionais e outros 381.345 
em loteamentos irregulares de baixa renda, um total de mais de dois milhões de 
pessoas. 
Nesse mesmo período e cenário, a região metropolitana do Rio de Janeiro 
testemunha o surgimento de um conjunto de iniciativas que procuraram introduzir 
novas maneiras de se produzir o habitat das camadas populares residentes nos 
territórios de precariedade urbana. São organizadas propostas que se centram na 
ideia de construção do ambiente urbano – com foco na habitação – por meio da própria 
participação dos futuros moradores. Traduzidas no conceito de “autogestão” do 
processo produtivo do habitat, de certo modo se colocam como alternativas às formas 
históricas de produção habitacional no Brasil, seja pela via do mercado imobiliário ou 
da promoção estatal. 
Um conjunto de práticas foi constituído e acionado para a execução de alguns 
processos experimentais. A formação de coletivos organizados e a constituição de 
metodologias de trabalho consubstanciaram práticas coletivas visando o acesso a 
recursos financeiros e ao solo urbanizado para a construção de novas moradias. Tais 
práticas inovadoras se estruturaram apoiando-se em modos de discussão coletiva dos 
14 
aspectos projetuais e acionando engrenagens de reordenação da relação dos saberes 
técnicos com os coletivos organizados. 
Constituíram-se, dessa maneira, metodologias que reformularam processos 
construtivos tradicionais, por meio de mecanismos de utilização coletiva da mão-de-
obra dos próprios moradores na produção de seu habitat. Assentavam-se, desse 
modo, na organização autogerida do canteiro de obras e da contratação de mão-de-
obra especializada, aliada a formas autônomas de gerenciamento dos recursos 
financeiros destinados principalmente à compra, sem intermediários, de insumos da 
construção civil. Tais práticas, inéditas no contexto da precariedade urbana do Rio de 
Janeiro, geraram territórios onde o local de moradia é a concretização, sob formas de 
autogestão, do próprio processo de produção do habitat. 
Uruguai, segunda metade da década de 1960. Três experiências piloto são 
levadas à cabo sob iniciativa de uma organização não governamental – o Centro 
Cooperativista Uruguayo, conhecido como CCU – visando a produção de moradias 
através de uma nova modalidade de cooperativismo. O Legislativo uruguaio aprova, 
no final da década, a Lei Nacional de Moradia, com um capítulo específico instituindo 
o sistema cooperativo de moradia no país. Já a partir de 1970 este sistema entra em 
funcionamento e, vertiginosamente, a produção habitacional sob essa modalidade 
ganha escala. Constituem-se centenas de grupos que produzem milhares de unidades 
habitacionais. 
Em menos de uma década a promoção habitacional via cooperativas 
consolidou um sistema que aportou medidas inovadoras no modo de se produzir o 
habitat para as camadas populares. No Uruguai, essas inovações se constituíram em 
propostas tais como a adoção da propriedade coletiva, a criação de modalidades de 
participação dos usuários no processo construtivo via ajuda mútua ou poupança 
prévia, a constituição de Institutos de Assistência Técnica, a organização de 
federações de cooperativas, assim como a construção coletiva de equipamentos 
urbanos. Com o suporte estatal e o engajamento da classe trabalhadora sindicalizada, 
a experiência ganhou escala e prestígio com a qualidade urbana alcançada, 
constituindo um sistema que enfrentou, logo em seguida, os desafios da retirada do 
apoio estatal com a ditadura a partir de 1973. 
15 
Foi no começo dos anos 1990 que se cruzam esses dois conjuntos de 
experiências latino-americanas, duas formas alternativas de produção do habitat 
popular. O iniciante experimento alçado no Rio de Janeiro foi buscar referências no 
sistema uruguaio de cooperativas de moradia, naquele momento com mais de duas 
décadas de instituição. A partir do assessoramento a uma iniciativa embrionária que 
se desenvolveu na favela de Nova Holanda – com o trabalho de uma cooperativa de 
construção oriunda de iniciativa da renovada associação de moradores local –, 
conformava-se, em uma organização não governamental – o então Centro de Defesa 
de Direitos Humanos Bento Rubião – o esboço de um programa que apoiasse projetos 
de autogestão habitacional. 
A inspiração no sistema uruguaio veio por intermédio do eco que se fazia ouvir 
desse sistema na região metropolitana vizinha de São Paulo. Por ali, desde meados 
da década anterior ocorria um conjunto de iniciativas que buscavam seguir o modo de 
fazer uruguaio1. Assim é que a iniciativa carioca viria a materializar projetos piloto, 
com elementos inspirados no sistema uruguaio, a partir de metade da década de 1990. 
 
*** 
 
Foi na segunda metade da década de 1980 que surgiu na favela de Nova 
Holanda – localizada no Complexo da Maré, próxima à Linha Amarela, zona 
suburbana do Rio de Janeiro – um conjunto de iniciativas para a construção 
organizada de moradias sob formas de gestão controladas pelos próprios moradores. 
A partir de um processo de mudança de orientação política na direção da associação 
de moradores local, constituiu-se a Cooperativa de Moradores e Amigos da Nova 
Holanda (COOPMAHN). A cooperativa, inicialmente, criou novos mecanismos para a 
utilização coletiva de recursos públicos federais visando à aquisição de materiais de 
 
1 Nabil Bonduki ao analisar o surgimento, nos anos 1980, das propostas dos mutirões autogeridos pelos 
movimentos de moradia na região metropolitana de São Paulo, salienta que “a influência do 
cooperativismo uruguaio no surgimento de propostas autogestionárias na luta por moradia foi enorme” 
(BONDUKI, 1992, p. 35). A influência uruguaia tinha sua força advinda das concretizações realizadas 
até então, “tanto pelos excelentes resultados alcançados em termos de qualidade, custos e participação 
popular como por apontar uma proposta habitacional alternativa numa conjuntura onde se buscava 
novas soluções” (BONDUKI, 1992, p. 35). 
16 
construção. Ao final da década tornou-se responsável pela construção de unidades 
habitacionais que seriam erguidas na favela com recursos do governo federal. Nesse 
processo, a cooperativa foi assessorada por técnicos que atuavam no Núcleo Arco, 
ligado à Universidade Santa Úrsula. 
Já na virada para os anos 1990, a cooperativa se dissolveu e integrantes do 
núcleo assessor passaram a atuar na estruturação de uma proposta que apoiasse 
iniciativas de produção de moradia através de mecanismos autogestonários. O 
programa surgiu sob coordenação de uma organização não governamental, o então 
Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião. Formado por técnicos que 
atuaram durante a década de 1980 junto à Pastoral de Favelas do Rio de Janeiro, a 
nova proposta da entidade constituiu-se a partir da inspiração nas experiências 
paulistas que miravam o sistema cooperativo uruguaio de produção habitacional. Por 
meio de um intercâmbio com organizações e movimentos sociais de São Paulo e do 
Uruguai, a ONG passou a trilhar o caminho de conformar projetos de produção 
habitacional sob a gestão dos futuros moradores. 
O sistema uruguaio de cooperativas de moradia – que se tomava como 
referência em São Paulo e no Rio – baseia-se na formação de grupos que irão se 
responsabilizar pela gestão da construção coletiva de suas próprias habitações. Uma 
ideia-mestre do sistema é instituir mecanismos que organizem a autoconstrução 
isolada da habitação, mecanismo tão característico da formação urbana dos países 
latino-americanos, como o Uruguai e o Brasil (NAHOUM, 1984). 
A cooperativa deve constituir-se juridicamente, ter acesso a um terreno 
urbanizado que permita o desenvolvimentodos elementos projetuais prévios à obra, 
os quais são elaborados por um grupo técnico contratado pela cooperativa. Esta é 
responsável por todo o processo de obra, realizando a gestão de um empréstimo 
estatal (de larga duração, em torno de vinte a trinta anos) para a viabilização do projeto 
construtivo. 
As duas principais modalidades de participação dos sócios da cooperativa na 
obra são a ajuda mútua e a poupança prévia. Na primeira, as cooperativas utilizam o 
aporte de mão-de-obra dos próprios sócios durante toda a construção coletiva do 
projeto. Já nas cooperativas por poupança prévia, a participação se realiza através da 
17 
constituição de uma contrapartida monetária em complemento ao financiamento 
estatal. 
A obra se organiza por meio de regulamentos e comissões, sendo o processo 
de compra de insumos e de prestação de contas planejados e executados de forma 
coletiva. Ao concluir-se a construção habitacional, o sistema uruguaio prevê a adoção 
da propriedade coletiva, das unidades de moradia, pela cooperativa. Enquanto uma 
modalidade de uso e gozo, cada cooperado tem a propriedade de um capital social, o 
qual lhe dá direito a habitar uma unidade habitacional. A modalidade coletiva da 
propriedade configura-se, historicamente, enquanto a principal forma de propriedade 
adotada pelas cooperativas de moradia no Uruguai. A organização social do sistema 
também se ancora na constituição de federações representantes das cooperativas, as 
quais desempenham um importante papel enquanto movimento social da sociedade 
civil. 
 
*** 
 
Já em meados da década de 1990, a Fundação Centro de Defesa de Direitos 
Humanos Bento Rubião (que naquele momento alterara sua constituição jurídica de 
Centro para Fundação) empreendeu três experiências piloto que claramente 
concretizavam a referência ao sistema uruguaio de cooperativas de moradia. Shangri-
lá, em Jacarepaguá, Colméia, em Campo Grande, e Pixuna, na Ilha do Governador, 
foram os primeiros grupos que construíram suas próprias moradias tendo como 
referência a modalidade de ajuda mútua do cooperativismo de moradia uruguaio. 
Sem ainda adentrar os detalhes dos projetos levados à cabo no Rio de Janeiro, 
uma primeira e rápida comparação entre os resultados urbanos do sistema uruguaio 
e aqueles constituídos no Rio de Janeiro – com referência a este sistema – aponta 
para algumas diferenças substanciais. Distinções que se sobressaem ao olho do 
observador quando tomados os princípios referenciados no Rio de Janeiro e as 
concretizações alcançadas em termos de produção do ambiente urbano. O ganho de 
escala, por exemplo, não ocorreu como na primeira década no Uruguai. Os projetos 
18 
coordenados pela Fundação Bento Rubião somavam não mais que uma dezena de 
grupos assessorados, enquanto que, no país vizinho, em sua primeira década já se 
conformavam mais de trezentos (PERAZZA, 1978, p. 128). 
Se o conjunto de experiências no Rio de Janeiro não ganhou escala como no 
Uruguai, de certa forma aplicou diversos motores do cooperativismo de moradia nos 
projetos desenvolvidos. Tomando como principal referência a modalidade da ajuda 
mútua, as formas de organização do canteiro e da mão-de-obra, o princípio da 
discussão participativa dos projetos arquitetônico e urbanístico, além dos mecanismos 
de compra de insumos da construção e de gestão de recursos financeiros, sinalizam 
a clara referência ao contexto uruguaio. 
É a partir de uma certa inquietação proporcionada por um primeiro cotejamento 
entre o sistema uruguaio de cooperativas de moradia e a inspiração que se constituiu 
na região metropolitana do Rio de Janeiro, que se formularam as questões de 
pesquisa e que moveram o desenvolvimento desta tese. Inquietação que se fez sentir 
ao se observar a referência aos princípios do sistema uruguaio no contexto carioca e 
as concretizações em termos de produção do espaço urbano, geradas nas precárias 
condições de vida na metrópole do Rio de Janeiro. Inquietação, por fim, que fez pensar 
para além de uma rápida constatação que se ancora nas distinções entre os polos 
analisados, fazendo emergir indagações que intentaram constituir uma abordagem 
sob novas perspectivas. 
 
1.1 O plano de análise 
 
As iniciativas de organização da produção do ambiente urbano em propostas 
autogestionárias – como aquelas do Uruguai e do Rio de Janeiro – estão inseridas em 
um complexo e denso processo de urbanização da América Latina que ocorreu no 
último século. Na periferia do “sistema mundial moderno” que se formou a partir do 
século XIX (FIORI, 2008), o fenômeno da urbanização acelerada e massiva dos 
países dessa periferia caracterizou-se pela conformação de formas precárias de 
urbanidade para enormes parcelas da população (DAVIS, 2006). Sob diversas 
19 
especificidades, o acesso a condições inadequadas de infraestrutura urbana e de 
moradia estruturaram o habitat das cidades latino-americanas. 
Dentre uma ampla literatura que abordou o intricado processo da urbanização 
desse continente, um aspecto abordado por Kowarick (1993), acerca das condições 
de reprodução da força de trabalho nessa região, deve ser retido para a compreensão 
sobre a constituição do plano onde emergiram as questões de pesquisa. Segundo a 
argumentação do autor, o trabalhador das cidades latino-americanas, a partir da 
segunda metade do século XX, encontra-se submetido às condições de exploração 
capitalista que não se encerram no âmbito das relações de trabalho. Os mecanismos 
de exploração e de deterioração da vida se processam, também, no meio urbano, 
configurando-se no que denominou como “espoliação urbana”. 
A dimensão da exploração capitalista, nesse sentido, também se verifica nas 
próprias condições de reprodução da força de trabalho. Desse modo, a espoliação 
urbana configura-se no “somatório de extorsões que se operam através da 
inexistência ou precariedade de serviços de consumo coletivo [...] e que agudizam 
ainda mais a dilapidação realizada no âmbito das relações de trabalho” (KOWARICK, 
1993, p. 62). As condições de urbanização da periferia do sistema mundial moderno 
ampliam, nesse sentido, o processo de exploração do trabalhador latino-americano. 
O ambiente urbano, então, conforma-se em um emaranhado de situações 
caóticas que desenham a exceção na conformação dos territórios periféricos das 
grandes cidades desse continente. A autoconstrução das moradias populares, as 
condições insalubres do aluguel em áreas centrais, a ausência de soluções 
adequadas de acesso à agua e tratamento de esgoto, por exemplo, são a expressão 
de determinada produção de urbano que, em quase nada, é residual em relação ao 
desenvolvimento do sistema capitalista e ao processo de urbanização correlato. Como 
acena o fenômeno da persistência do processo, após mais de um século de 
urbanização, a precarização das condições de produção do espaço urbano nas 
cidades latino-americanas mostra-se funcional à própria expansão do sistema 
capitalista. 
Como já apontaram os trabalhos seminais de Francisco de Oliveira (2003), a 
funcionalidade da precariedade urbana vale-se do barateamento da força de trabalho 
20 
por meio do seu processo de superexploração. Adotando-se a perspectiva do autor, a 
existência de uma economia urbana de subsistência (expressa no “inchaço” do setor 
terciário da economia, por exemplo), ou mesmo práticas de expansão do território 
periférico (por meio da autoconstrução isolada da moradia), exerceram (e exercem) o 
papel de rebaixar o custo de reprodução da força de trabalho. 
Assim é que os mecanismos de superexploração e de espoliação urbana da 
força de trabalho latino-americana ensejaram práticas de produção do ambiente 
construído a partir da própria organização popular. Segundo Maricato (1982), a 
produção periférica dos territórios urbanos é a única saída para grande parte da 
população, pois 
se a habitação, a chamada infraestrutura urbana,e os equipamentos 
constituem mercadorias, se a política habitacional é centralizadora e elitista, 
e se por outro lado o salário é mantido a um nível abaixo daquele que 
permitiria a compra desses bens, as necessidades são em grande parte 
supridas pela prática da autoconstrução ou não são supridas (MARICATO, 
1982, p. 82). 
Desse modo, um vasto espaço urbano foi erigido nas cidades latino-americanas por 
meio de processos realizados à margem da regulação urbanística e sob o próprio 
esforço da população superexplorada. 
Coraggio (1998) discute como, nesses territórios periféricos, subjaz uma lógica 
econômica específica em que a construção do ambiente urbano (por meio da 
produção da própria moradia ou de infraestrutura comunais), enseja uma forma 
específica de acumulação sob a esfera da economia doméstica. Ao distinguir três 
lógicas econômicas – que atravessam o sistema capitalista de produção de riquezas 
–, quais sejam, a economia empresarial capitalista, a economia pública e a economia 
popular, esta última é a que predomina nos territórios periféricos. 
Pouco compreendida pelos estudos econômicos clássicos, o que caracteriza a 
economia popular é a presença das unidades domésticas, “que dependen 
principalmente del ejercicio de su trabajo para lograr su reproducción biológica y 
cultural” (CORAGGIO, 1998, p. 73). As unidades domésticas, enquanto organizações 
básicas da economia popular, mantêm seu processo de reprodução por meio da 
utilização de seu fundo de trabalho, conformado pela própria capacidade de trabalho 
dos membros da unidade. O fundo de trabalho é utilizado pelas unidades domésticas 
21 
para diversos fins, sendo que aqueles que visam sua reprodução constituem boa parte 
do que se produz no ambiente urbano periférico. 
Ao identificar que o processo de reprodução das unidades domésticas – a qual 
implica, sob a lógica especifica da economia urbana, a produção social do habitat 
periférico – a partir de seu caráter ampliado, Coraggio aponta para as possibilidades 
que se abrem para as diversas formas de organização da economia popular. O caráter 
ampliado da reprodução das unidades domésticas, portanto, significa que não há um 
nível básico de necessidades, senão uma busca pela melhora da qualidade de vida 
sem limites intrínsecos, permeada pela introjeção múltipla de valores e concepções2. 
Nesse sentido é que pode afirmar que a economia popular inclui não só a 
utilização do trabalho, como também de “activos fijos -vivienda/local de habitación- [...] 
e intangibles -conocimientos técnicos, etc.- que han ido acumulándose en función del 
objetivo de la reproducción de la vida en condiciones tan buenas como sea posible” 
(CORAGGIO, 1992, p. 10). Desse modo é que a compreensão sobre as 
especificidades desse processo permite vislumbrar que “la economía popular no es 
una alternativa pobre para pobres, sino un subsistema orgánico de elementos 
socialmente heterogéneos, dotado de un dinamismo propio, competitivo y de alta 
calidad” (CORAGGIO, 1998, p. 11). 
A partir de tal perspectiva de Coraggio, dentro de uma aposta na organização 
da economia popular urbana em patamares mais solidários, é possível identificar a 
emergência de um conjunto de práticas que pretendem promover um novo caráter à 
autoconstrução periférica do ambiente urbano das cidades latino-americanas. Trata-
se de práticas reunidas dentro de que se convencionou denominar como “produção 
social da moradia e do habitat”, cuja constituição pode ser identificada na segunda 
metade do século XX3. Distinguindo-se das lógicas de produção habitacional e da 
 
2 Como o próprio autor adverte, esse caráter da reprodução ampliada se dá em grande medida pela 
introjeção de valores da propaganda mercantil e pela construção social das necessidades pelos 
movimentos culturais da sociedade. Assim é que se deve ter em consideração, de acordo com sua 
perspectiva, que não se pode afirmar “que en el interior de la economía popular no haya explotación ni 
intercambio desigual (por ejemplo sobre bases de género, edad o etnia), pero no se hacen con los 
mecanismos propios de la explotación capitalista de plusvalor” (CORAGGIO, 1998, p. 77). 
3 Como aponta o estudo de Flores (2012), realizado no começo dos anos 2000, a produção social da 
moradia e do habitat, no contexto latino-americano, fundamenta-se “en múltiples prácticas 
desarrolladas a lo largo de medio siglo y en algunos documentos que han venido contribuyendo a la 
conceptualización y orientación operativa de esta forma de producción” (FLORES, 2012, p. 11). 
22 
cidade por meio da forma privada mercantil e da forma estatal, a produção social, 
segundo Flores (2012), caracteriza-se pelos seguintes aspectos, quais sejam, 
produce sin fines de lucro, por iniciativa y bajo el control de autoproductores 
y desarrolladores sociales, viviendas y conjuntos habitacionales que adjudica 
a demandantes individuales u organizados (principalmente de bajos 
ingresos), que en general son identificados y participan activamente desde 
las primeras fases del proceso habitacional (FLORES, 2012, p. 25). 
A produção social do habitat, assim, distingue-se dos processos clássicos de 
autoconstrução, pois envolve não só o aspecto produtivo do ambiente urbano, mas 
primordialmente o controle sobre todas as suas dimensões de gestão. Desde tal 
perspectiva é que Flores afirma, dentro dessa distinção, que só se pode falar de 
produção social do habitat “cuando las tareas de autoconstrucción que asume un 
grupo organizado son decisión y quedan bajo el control del propio grupo y son 
contabilizadas como aporte de sus participantes al financiamiento” (FLORES, 2012, 
p. 27). 
A produção social do habitat implica, portanto, um conjunto de práticas muito 
heterogêneas entre si. É possível identificar dimensões distintivas que acionam 
determinadas formas de participação dos próprios beneficiários, modalidades 
construtivas e mecanismos institucionais de organização dos variados componentes 
do processo produtivo. Dessa forma, pode-se compreender a produção social do 
habitat enquanto um “projeto político” específico na estruturação do ambiente urbano 
latino-americano, o qual se consubstancia em formas autogestionárias de se constituir 
a vida na cidade. 
Ao adotar-se como referência o conceito de projeto político para compreender 
a heterogeneidade da produção social do habitat, frisa-se um aspecto central posto 
por Dagnino (2004). Segundo a autora, um projeto político constitui-se nos “conjuntos 
de crenças, interesses, concepções de mundo, representações do que deve ser a vida 
em sociedade, que orientam a ação política dos diferentes sujeitos” (DAGNINO, 2004, 
p. 98). Assim, busca-se apontar, por um lado, para a pluralidade de “concepções de 
mundo” que atravessa o projeto de produção social do habitat. Por outro, salienta 
como este projeto heterogêneo modula-se em uma forma conjunta de ações políticas 
sobre a produção dos territórios populares das cidades latino-americanas. Nesse 
aspecto plural do projeto político da produção social do habitat é que se ancoraram as 
questões que moveram a pesquisa. 
23 
1.2 As questões da pesquisa 
 
Retomando a atenção sobre os resultados urbanos do sistema uruguaio de 
cooperativas de moradia e aqueles das experiências de autogestão habitacional 
empreendidas no Rio de Janeiro, a inquietação que emergiu desde então trouxe à 
tona uma instigante questão para reflexão. O que poderia explicar resultados – em 
termos de produção do ambiente urbano – um tanto quanto díspares, se os princípios 
tomados em consideração eram oriundos de um mesmo embasamento? Em outros 
termos, se o conjunto de experiências do Rio de Janeiro constituiu-se tendo como 
referência os princípios do sistema uruguaio de cooperativas de moradia, a indagação 
ancorou-se em considerar o que levaria a que os resultados urbanos, em termos de 
escala e de organizaçãoinstitucional, por exemplo, tomassem uma configuração 
distinta. A partir da inspiração em um sistema que, aparentemente, mostrou-se sólido 
e exitoso em seu início, como explicar as características tão próprias do que foi 
desenvolvido no Rio de Janeiro? 
Uma primeira indicação de caminhos a tentar se trilhar para refletir sobre essas 
questões poderia se valer de uma espécie de “análise por ausências”. Considerando 
os elementos modulares que constituem as “chaves” do sistema uruguaio de 
cooperativas de moradia (NAHOUM, 2013e), seria possível enveredar sobre as 
ausências a serem evocadas no que se constituiu no Rio de Janeiro. Seja, por 
exemplo, na adoção da propriedade individual em detrimento da forma coletiva – ou 
mais especificamente, “de uso e gozo” –, seja no diminuto volume de financiamento 
estatal disponibilizado. Tais ausências poderiam indicar, desse modo, a escassez de 
aportes de recursos financeiros compatíveis para o ganho de escala e a falta de uma 
base organizativa que proporcionasse o surgimento de um movimento social – como 
as federações de cooperativas, assentadas naquelas sob a forma de propriedade 
coletiva – que reivindicasse a consolidação desse sistema. 
Assim também seria possível verificar como, diferentemente do Uruguai, a 
assunção de uma ONG enquanto promotora das experiências piloto – no caso do Rio 
de Janeiro, a Fundação Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião – 
assumiu um papel diferente daquela do Uruguai nas experiências piloto – o Centro 
24 
Cooperativista Uruguayo. Ao justamente desempenhar papéis que não se restringiram 
àquele de assessoria técnica – ao qual se ateve esta última nos referidos pilotos da 
década de 1960 –, a iniciativa da entidade carioca levaria à configuração das 
propostas autogestionárias de produção habitacional a certas especificidades em 
diversas dimensões dos processos organizativos dos projetos, tais como as formas 
decisórias sobre compra de insumos e gerenciamento de recursos financeiros, por 
exemplo. 
Portanto, adotando como perspectiva uma visada exterior ao conjunto das 
experiências analisadas, o caminho deste ponto de vista estabeleceria o sistema 
uruguaio como referência para sublinhar as distinções do caminho adotado no Rio de 
Janeiro, procedendo, então, a analisar as implicâncias nos resultados auferidos4. 
Trata-se de um caminho que perseguiria algumas análises que vem sendo trilhadas 
no sentido de iluminar a influência uruguaia no contexto brasileiro. São diversos e 
profícuos os trabalhos que abordaram a transposição de determinados elementos 
desse sistema para a experiência brasileira, reconstituindo, em alguns casos, os 
modos como algumas formas de organização do canteiro de obra, por exemplo, 
compartilharam muitas das desenvolvidas no modelo uruguaio5. 
Porém, essa primeira perspectiva apenas aguçou ainda mais as inquietações 
provocadas. Por um lado, mostrou-se útil para solidificar a ancoragem da indagação 
inicial formulada. Por outro, não iluminou um roteiro para se mergulhar no 
conhecimento sobre a inquietação inicial. Ao manter e observar com maior acuidade 
o ponto de reflexão em torno da indagação inicial, um segundo conjunto de questões 
começou, então, a se delinear. Assim é que ao se interrogar mais detidamente as 
circunstâncias e especificidades que envolviam a adoção – ou ausência desta – de 
alguns “elementos chave” do sistema uruguaio de cooperativismo de moradia, pelo 
rastro das experiências desenvolvidas no Rio e Janeiro, um novo campo de reflexão 
foi se conformando. 
Nesse sentido, por exemplo, ao tomar mais detidamente o modo como a “forma 
cooperativa” foi incorporada nos projetos do Rio de Janeiro, uma sequência de 
 
4 Tal seria uma trilha a seguir a partir das indicações da extensa pesquisa de Flores (2012) sobre as 
variadas conformações do modo como se realiza a produção social do habitat na América Latina e 
Central. 
5 Vide, por exemplo, Baravelli (2006) e Coletivo Usina (2012). 
25 
indagações se direcionaram para além da abordagem comparativa. Qual configuração 
do corpo de normas legais marcaria a trajetória do cooperativismo no Brasil? Quais 
forças sociais e políticas atravessariam o campo do cooperativismo de moradia no 
momento de instituição da proposta inicial da Fundação de Direitos Humanos Bento 
Rubião? Como compreender as escolhas no arranjo institucional adotado que 
escaparam ao âmbito do cooperativismo? Ou, voltando-se para o contexto uruguaio, 
quais as especificidades do campo uruguaio em torno ao cooperativismo, que 
desembocaram na constituição da vertente habitacional nos anos 1960? 
Outro exemplo do conjunto de questões que emergiu atou-se à própria atenção 
sobre os atores sociais que empreenderam essas experiências. Ao observar mais 
detidamente o surgimento do sistema uruguaio, foi possível identificar, ainda 
embrionariamente, como este foi marcado pela presença de uma classe trabalhadora 
estável e sindicalizada. Logo em seguida, tomando o Rio de Janeiro, observava-se 
como as experiências surgiram com atores do campo da “favela”, atravessado por 
configurações distintas quanto à inserção no mundo do trabalho e às práticas de 
organização política. Assim, como pensar as implicações das configurações distintivas 
na conformação social e política, transversal aos atores que protagonizavam todas 
essas experiências, na organização dos projetos habitacionais autogeridos? Uma 
grande questão se originou ao indagar em que sentidos a formação dos grupos, os 
mecanismos da participação nas decisões gestionárias e de aporte de mão-de-obra, 
por exemplo, modulavam-se desde tais configurações distintas no campo da 
constituição dos diferentes atores sociais. 
Desse modo é que tal redirecionamento no enfoque de questões parecia indicar 
uma abordagem que se assentasse para além da perspectiva comparativa entre os 
módulos dos casos analisados. De certa forma, esse novo enfoque fazia um convite 
a se pensar o “exterior” de onde essas experiências emergiam e constantemente se 
reorganizavam. Tratava-se de refletir sobre as especificidades do terreno onde se 
movimentam tanto o sistema uruguaio de cooperativas de moradia quanto as 
experiências de autogestão habitacional no Rio de Janeiro. Compreender a 
configuração do campo de movimentação desses dois conjuntos de propostas de 
produção social do habitat envolveria identificar questões que são postas e repostas 
para a constituição desses projetos. Tensões e dilemas que, sob diversos sentidos, 
podem ou não ser compartilhados, ser similares ou distintos, em cada um dos casos. 
26 
Nessa perspectiva, a abordagem desenvolvida pela pesquisa – instigada pelo 
novo conjunto de indagações – foi configurando um direcionamento que se debruçou 
sobre o próprio terreno da formação social desses conjuntos de experiências. Tratou-
se de analisar o que se passou a denominar, um tanto provisoriamente, como as 
“bases” da produção social do habitat. Uma abordagem sobre tais “bases” operaria o 
deslocamento do olhar para além do enfoque comparativo, fazendo pensar algumas 
das próprias especificidades das configurações sociais, políticas e econômicas de 
onde emergem os projetos de produção social do habitat em análise. 
Não se conceberia, portanto, um sistema em formas acabadas, como a se 
proceder com a eleição do cooperativismo uruguaio enquanto fonte privilegiada de 
inspiração das experiências do Rio de Janeiro. A análise se deslocou a fixar os 
embates entre forças sociais e políticas que atravessam o projeto político da produção 
social do habitat em contextos distintos. Um embate que só poderia ser melhor 
compreendido quando esquadrinhadas algumas questões essenciais que são postas 
pelos terrenos onde esses sistemas se movimentam. Assim, compreender as “bases” 
da produção social do habitat ancorou-se em analisar as características da formação 
socialonde emergem esses projetos. 
Correlata a essa perspectiva, a abordagem da pesquisa buscou realizar um 
segundo movimento analítico. Se, como posto anteriormente, o projeto político é 
constituído por uma pluralidade de visões de mundo – ou seja, não está ausente de 
conflitos internos – então a perspectiva também deveria iluminar a própria maquinaria 
interna desses sistemas. Desse modo é que, para compreender com maior acuidade 
as formas como se trabalham as questões postas pelas próprias bases, buscou-se 
considerar o próprio funcionamento interno desse projeto político, em seu 
atravessamento pelas questões específicas postas por cada contexto. 
Dessa forma organizou-se uma alternativa possível para se escapar da “análise 
por ausências”, de modo a iluminar os momentos de inovação, criação e 
ressignificação de concepções e práticas que envolvem projetos autogestionários de 
produção do ambiente urbano. Conforma-se, assim, um convite a pensar o sentido da 
constante busca pela recriação e reformulação que caracterizam os sistemas de 
produção social do habitat – os quais tem o traço da flexibilidade, como mostra Flores 
(2012). Visualiza-se, desde tal ângulo de abordagem, a amplitude de sentidos, por 
27 
exemplo, que se revestem as inúmeras inovações do sistema cooperativo uruguaio, 
como nas dimensões que se abriram a partir da propriedade coletiva e seu impacto 
sobre o tecido associativo da sociedade civil. Ou como as experiências do Rio de 
Janeiro inseriram-se nas reconfigurações da cena política das favelas cariocas 
durante a abertura democrática, e o seu significado em termos de luta por autonomia 
e autodeterminação na produção do ambiente construído. 
Nessa perspectiva é que a pesquisa foi levada justamente a tentar perscrutar 
os momentos onde emerge a “política” na estruturação do espaço urbano das cidades 
latino-americanas. Mais especificamente, trata-se de tentar seguir alguns dos 
instantes em que a ação política do projeto de produção social do habitat torna-se 
saliente nos embates pela própria produção da cidade. Procurar sinalizar alguns dos 
instantes em que se identifica a “política” na construção do habitat significa ter em 
consideração um sentido especial sobre esse conceito de “política”. Refere-se a 
pensá-la no sentido da produção do novo, de ruptura com o estabelecido, de 
proposição de novos horizontes em meio à desigualdade e à precariedade na 
estruturação dos territórios periféricos do sistema mundial moderno. 
A inspiração aqui se ancora nos escritos de Hannah Arendt sobre o conceito 
de política6. Esta, na concepção da autora, relaciona-se à dimensão da liberdade, que 
permite a possibilidade do sempre recomeçar, do que pode nascer e ressurgir. Em um 
dos seus trabalhos, a autora salienta que o sentido da política é a “liberdade”, sendo 
que “o milagre da liberdade está contido nesse poder-começar que, por seu lado, está 
contido no fato de que cada homem é em si um novo começo” (ARENDT, 1998, p. 
43). Como comenta Keinert (2005, p. 27), “a concepção da ação política como ação 
livre comporta em Hannah Arendt um traço de indeterminação que está na raiz da 
possibilidade, em princípio, sempre aberta, de criação na história, dos novos 
começos”. 
Pois a vida política, para Hannah Arendt, está estritamente conectada a uma 
atividade humana fundamental: a ação. A ação configura-se como a única que se 
 
6 Não se configura uma operação fácil fazer pensar a ideia de política no pensamento de Hannah 
Arendt. Como bem coloca o trabalho de Keinert (2005, p. 18) sobre a obra da autora, “compreender o 
conceito de política em Hannah Arendt não se constitui em uma tarefa simples. Trata-se de uma noção 
que envolve uma complexidade significativa, sendo, portanto, pouco plausível uma definição categórica 
do termo”. 
28 
exerce diretamente entre os homens, sem a mediação das coisas e, por isso, “o fato 
de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que 
ele é capaz de realizar o infinitamente improvável” (ARENDT, 2007, p. 190). 
Compreendida a política pelo signo da natalidade, da infinita possibilidade do 
surgimento do novo pela ação do homem, pode-se ampliar a noção tomada em 
perspectiva nas indagações deste trabalho. Nesse sentido, “como a ação é a atividade 
política por excelência, a natalidade, e não a mortalidade, pode constituir a categoria 
central do pensamento político” (ARENDT, 2007, p. 190). 
E pensar tal sentido específico da política possibilita referir-se, também, às 
reflexões do filósofo Jacques Rancière sobre a política. Seguindo algumas de suas 
questões, a política somente poderia ser identificada em raros momentos, muito 
especiais e específicos. Pois, segundo o filósofo, a política “é a atividade que tem por 
racionalidade própria a racionalidade do desentendimento” (RANCIÈRE, 1996, p. 14), 
isto é, enquanto instauradora do dano na sociedade. Assim, ela somente existe 
naquelas ocasiões em que se rompe a própria organização estabelecida por aqueles 
que participam de uma ordem desigual de distribuição da riqueza na comunidade. Ou 
seja, quando a “parcela dos sem parcela” instaura o dano na “partilha do sensível”, 
considerado enquanto o modo como se distribui a vida em sociedade, adotando-se 
aqui os termos do próprio autor7. 
Assim, a política não é vista como resultado, mas como a atividade que 
“desloca um corpo do lugar que lhe era designado ou muda a destinação de um lugar; 
ela faz ver o que não cabia ser visto, faz ouvir um discurso ali onde só tinha lugar o 
barulho, faz ouvir como discurso o que só era ouvido como barulho” (RANCIÈRE, 
1996, p. 42). Portanto, neste trabalho, tenta-se perseguir aqueles momentos onde a 
política emerge a partir do projeto político da produção social do habitat, focalizando 
os instantes de atividade criadora, destarte efêmeros e instituidores do dano na 
divisão da riqueza da sociedade. 
 
 
7 Como aponta Rancière, “há política — e não simplesmente dominação — porque há uma conta 
malfeita nas partes do todo” (RANCIÈRE, 1996, p. 25). Porém, “o dano pelo qual existe política não é 
nenhum erro pedindo reparação” (RANCIÈRE, 1996, p. 33), ou seja, a política não é a compensação 
da igualdade na sociedade, senão o momento anterior em que se instaura o próprio questionamento 
sobre a desigualdade dessa sociedade. 
29 
1.3 Metodologia de pesquisa 
 
Ao adotar a perspectiva da questão de pesquisa, algumas considerações foram 
realizadas para circunscrever a abordagem metodológica de investigação. Por um 
lado, abordar as bases da produção social do habitat poderia levar a infinitas 
escavações sobre o terreno por onde se movimentam o sistema uruguaio de 
cooperativas de moradia e as experiências de autogestão habitacional no Rio de 
Janeiro. Assim, por exemplo, ao buscar perscrutar as diferenças entre o campo de 
constituição dos grupos pioneiros, uma abordagem necessária referia-se ao mundo 
do trabalho. No Uruguai, o impulso à formação do primeiro ciclo cooperativo foi 
alimentado por uma classe operária estável e sindicalizada. No Rio de Janeiro, as 
experiências surgiram do campo de reorganização da vida associativa e das políticas 
públicas urbanas envolvendo a questão da favela. Uma análise sobre as diferentes 
constituições do mundo do trabalho entre o Uruguai e o Brasil – tendo como foco o 
Rio de Janeiro –, poderia levar, assim, a uma investigação quase sem fim. Temas 
como a constituição das organizações sindicais e suas especificidades na relação com 
o estado, por exemplo, já poderia ocupar todo o escopo analítico. 
Adotou-se, então, o partido de abordar os aspectos mais estratégicos que 
emergiram a partir do cotejamento entre os dois casos. Intentou-se colher e identificar 
pontos que poderiam ser analisados enquanto questões chave para trazer elementos 
que fizessem pensara questão de pesquisa. Retornando ao exemplo anterior, 
procurou-se se ater aos aspectos das diferenças referentes ao mundo do trabalho no 
que se ativessem ao cooperativismo de moradia, identificando as especificidades da 
formação sindical uruguaia e em quais dimensões esteve presente na organização 
embrionária do sistema. Já no Rio de Janeiro, buscou-se compreender as principais 
linhas da organização sindical no período de emergência das experiências piloto e 
demarcar a distância que mantiveram em relação ao tema da autogestão habitacional. 
Desse modo, tentou-se delimitar as especificidades da relação entre a matriz sindical 
e as propostas de autogestão habitacional na metrópole carioca. 
Como consequência dessa modelagem metodológica é que se foi constituindo 
uma pesquisa de caráter experimental (TELLES, 2006), a qual, em seu 
30 
desenvolvimento foi moldando a delimitação dos âmbitos de análise. Desde tal 
perspectiva é que a forma de escrita do texto se aproximou da “forma ensaio”, 
inclinando-se a uma certa liberdade para reflexão que procura escapar da ancoragem 
em conceitos estáticos, abrindo-se à uma constante exploração de distintos caminhos 
reflexivos. Seguindo o sentido dado por Adorno (2003, p. 25) à “forma ensaio”, esta 
“não almeja uma construção fechada, dedutiva ou indutiva”. Assim, trilhar o caminho 
de formas mais experimentais de pesquisa levou a que se distanciasse das 
pretensões de completude e de continuidade na estruturação da escrita do texto. Sem 
se eximir da perspectiva de criação de conhecimento, “o ensaio deve permitir que a 
totalidade resplandeça em um traço parcial, escolhido ou encontrado, sem que a 
presença dessa totalidade tenha de ser afirmada” (ADORNO, 2003, p. 35). 
Deve-se ainda ter em consideração que a análise comparativa entre contextos 
tão distintos colocou graves questões metodológicas para a organização da pesquisa. 
Ao se propor analisar o conjunto de experiências de produção social do habitat no Rio 
de Janeiro, sob inspiração no sistema uruguaio de cooperativas de moradia, esta 
deparou-se com a questão sobre a diferença no número de projetos executados e na 
organização institucional em relação ao sistema uruguaio. 
Dados do Censo de Cooperativas do Uruguai de 2009 indicavam que existiam 
quase seiscentas cooperativas terminadas no país. No Rio de Janeiro, as experiências 
com inspiração no sistema uruguaio não chegam a uma dezena. Além disso, a 
propriedade coletiva experimentada em alguns projetos no Rio de Janeiro se assenta 
em um caráter informal, existindo algumas organizações que persistiram ao final das 
obras, mas não com o viés sistemático que foi desenvolvido no Uruguai. Dessa 
maneira, a pesquisa de campo, em cada contexto, foi realizada segundo metodologias 
específicas, o que não permitiu replicar procedimentos metodológicos em ambas 
conjunturas. 
*** 
 
No Rio de Janeiro, a pesquisa teve seu início no ano de 2014 e se estendeu 
até o início de 2016. Uma primeira etapa contou com a aproximação inicial junto ao 
campo de pesquisa. Por meio de uma revisão bibliográfica sobre experiências de 
31 
produção social do habitat na região metropolitana do Rio de Janeiro constituiu-se 
uma dupla sinalização: a constatação do pouco material de análise produzido até 
então sobre o tema e a identificação dos primeiros caminhos que a pesquisa poderia 
trilhar8. 
Após o contato com essa literatura, adotou-se o caminho de seguir aquelas 
experiências que haviam posto o sistema uruguaio de cooperativas de moradia como 
referência de suas práticas e concepções. Para tanto, procedeu-se a uma 
aproximação com técnicos e militantes em torno da Fundação Centro de Defesa de 
Direitos Humanos Bento Rubião e da União por Moradia Popular (UMM) do Rio de 
Janeiro, que a literatura consultada indicava terem adotado como inspiração o sistema 
uruguaio de cooperativas de moradia. 
Deve-se ter em consideração que a pesquisa, nesse momento, realizou uma 
escolha dentre uma gama de experiências de produção social do habitat que tem 
como trajetória de efetivação o território a metrópole carioca. Para além das 
analisadas nessa tese, identificou-se outras como aquelas realizadas junto ao 
Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) ou do Movimento dos 
Trabalhadores Sem-Teto (MTST), por exemplo9. A pesquisa, portanto, seguiu o rastro 
de uma parte das experiências de produção social do habitat no Rio de Janeiro, as 
quais colocavam de forma explícita a referência ao sistema uruguaio. 
A segunda etapa de pesquisa iniciou-se com a realização de um 
aprofundamento no contato com as experiências selecionadas. A partir da 
oportunidade de participação, em meados de 2014, em uma pesquisa junto à 
Fundação Bento Rubião sobre a experiência recente de produção social da moradia 
no Brasil10, foi se aprofundando o conhecimento sobre a trajetória dos projetos da 
 
8 Esta primeira revisão bibliográfica mostrou que há uma análise mais ampla e numerosa sobre o 
processo similar que se iniciou na região metropolitana de São Paulo, a partir da década de 1980. Ao 
longo do texto serão citadas as principais referências sobre a produção acadêmica acerca do Rio de 
Janeiro 
9 Cujos trabalhos de Mello (2015) e Teixeira (2012) são exemplos de análise das ocupações em áreas 
centrais da cidade do Rio de Janeiro junto ao MNLM. 
10 A pesquisa foi desenvolvida pela Fundação de Direitos Humanos Bento Rubião, com recursos da 
Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP e sob responsabilidade do Observatório das Metrópoles 
(IPPUR/UFRJ). 
32 
entidade. Assim, até o início de 2015 foi possível empreender algumas atividades de 
campo que foram estratégicas para a pesquisa. 
Dentre tais atividades, primeiramente destaca-se uma pesquisa de campo 
exploratória em três projetos desenvolvidos pela Fundação Bento Rubião. Em abril de 
2014 em Ipiíba, no município de São Gonçalo, foram acompanhadas as ações 
preparatórias para um novo projeto em vista de se desenvolver junto ao terreno de 
uma experiência já executado anteriormente. Em outubro de 2014 empreendeu-se 
uma visita ao grupo Shangri-lá, cuja obra foi finalizada no começo dos anos 2000, com 
a realização de conversas informais com os moradores. De forma mais sistemática, 
houve o acompanhamento, entre o final de 2014 e o começo de 2015, de três 
assembleias do Grupo Esperança, em Jacarepaguá, naquele momento em término 
de obras. O acompanhamento das assembleias do grupo permitiu aprofundar o 
conhecimento sobre a organização do processo de obra e de gestão do projeto, além 
de proporcionar momentos de conversas informais com os membros do grupo. 
Além desse trabalho de campo com caráter mais exploratório, foram realizados 
mais três momentos de entrevistas com viés mais sistemático, a partir de um roteiro 
de questões previamente elaboradas. Uma primeira ocorreu com o ex-coordenador 
executivo da Fundação Bento Rubião, levada à cabo em abril de 2015, por meio da 
qual foi possível obter uma visão panorâmica sobre os projetos desenvolvidos pela 
entidade. Outras duas entrevistas adotaram uma forma coletiva. A primeira ocorreu 
com técnicos da Fundação Bento Rubião, em abril de 2015, sobre o histórico dos 
projetos e sobre aquele em execução no momento. E outra foi realizado com membros 
da comissão de coordenação do Grupo Esperança, em junho de 2015, abordando-se 
alguns detalhes do projeto. 
 
*** 
 
33 
A pesquisa de campo no Uruguai iniciou-se na primeira metade do ano de 
201511. A partir de uma revisão bibliográfica sobre o sistema uruguaio de cooperativas 
de moradia, foi empreendida uma primeira visita exploratória à Montevidéu em março 
desse ano12. A pesquisa foi realizada em um intenso período de campo, de cinco dias. 
Essa viagem envolveu uma aproximação de campo exploratória em algumas 
cooperativas, organizada pelo professor Raul Vallés da Facultad de Arquitecturay 
Diseño Urbano da Universidad de la Republica. Foram visitadas as seguintes 
cooperativas: Complejo Bulevar Artigas, VICMAN e Mesa 1, sendo as duas primeiras 
de poupança prévia e a última de ajuda mútua. 
Posteriormente foram realizadas entrevistas semiestruturadas com alguns 
técnicos de instituições consideradas chave para aprofundar determinadas questões 
identificadas na revisão bibliográfica. Foram entrevistados um assessor da Federación 
Uruguaya de Cooperativas de Vivienda por Ayuda Mutua (FUCVAM) e pesquisador 
da Universidad de la Republica, dois dirigentes da Federación de Cooperativas de 
Vivienda de Usuarios por Ahorro Previo (FECOVI), uma pesquisadora da Unidad 
Permanente de Vivienda, que trabalha no campo de cooperativismo de moradia, um 
arquiteto do Centro Cooperativista Uruguayo (CCU) e um técnico da Agencia Nacional 
de Vivienda (ANV). 
Por fim, nessa primeira visita foi possível realizar entrevistas semiestruturadas 
com representantes de três cooperativas: um sócio fundador do Complejo José Pedro 
Varela, um membro do conselho diretivo da COVICIVI (uma cooperativa de reciclagem 
de um prédio histórico) e dois sócios de uma cooperativa em construção, COVIVEMA 
V13. 
 
11 Deve-se ressaltar, nesse ponto, que a pesquisa da tese tomou uma guinada para firmar-se na direção 
do aprofundamento sobre o sistema uruguaio de cooperativas de moradia a partir da participação no 
seminário “A arquitetura, o urbanismo e a moradia popular: o fazer projetual para além do produto”, 
realizado pelo IPPUR e pelo PROURB da UFRJ, em outubro de 2014. O referido seminário contou com 
a presença do professor Raul Vallés, da FADU-UDELAR, o qual apresentou um detalhado panorama 
sobre o sistema uruguaio, permitindo firmar as primeiras bases para a pesquisa de campo no país 
vizinho. 
12 Realizada com recursos próprios em parceria com o arquiteto João Paulo Huguenin, o qual também 
havia participado da pesquisa junto à Fundação Bento Rubião, citada anteriormente. 
13 A sistematização dessa pesquisa de campo permitiu a produção de um artigo científico que discutiu 
algumas questões embrionárias sobre a inspiração brasileira no caso uruguaio. A feitura desse artigo 
possibilitou a participação em um seminário de pesquisa em Montevidéu, intitulado “Seminario 
Movimientos Sociales en Movimiento”, realizado na Facultad de Ciencias Sociales da Universidad de 
la Republica, nos dias 11 e 12 de junho de 2015. O artigo foi escrito em parceria com o arquiteto João 
Paulo Huguenin. 
34 
Logo após essa primeira visita de campo foram realizadas duas entrevistas com 
atores chave com larga experiência no cooperativismo de moradia. Considerou-se que 
esses depoimentos seriam estratégicos para angariar informações aos objetivos da 
pesquisa, dada a trajetória profissional e pessoal dos entrevistados no campo da 
produção social do habitat. Em junho de 2015 foi empreendida uma entrevista com 
Gustavo González, um cooperativista que foi dirigente de FUCVAM e que atualmente 
trabalha junto ao Centro Cooperativista Sueco para a replicação da experiência 
uruguaia em outros países da América Latina. Já em outubro desse mesmo ano foi 
realizada uma entrevista com o arquiteto uruguaio Leonardo Pessina, o qual atuou no 
Centro Cooperativista Uruguayo durante um dos projetos pilotos dos anos 1960 e no 
assessoramento a cooperativas de moradia no início do sistema, e que, 
posteriormente, na década de 1980, trabalhou em projetos de mutirão 
autogestionários na região metropolitana de São Paulo. 
A primeira etapa de trabalho de campo no Uruguai proporcionou um conjunto 
inicial de materiais que possibilitou o aprofundamento sobre o conhecimento do 
sistema. Porém, ainda pairava no ar uma perspectiva de que o circuito explorado se 
concentrava naquele realizado para o conhecimento sobre o funcionamento modular 
do sistema. Para a abordagem das questões específicas da tese, vislumbrava-se ser 
necessário uma incursão mais aprofundada de campo, a qual permitisse uma 
abordagem mais próxima aos cooperativistas e uma exploração mais aprofundada de 
uma literatura existente somente no Uruguai. 
Assim, ao final de 2015 foi organizada uma proposta de estágio sanduíche no 
Uruguai, cuja concretização foi realizada entre os meses de junho e setembro de 2016, 
efetivando-se, desse modo, a segunda etapa de campo no Uruguai14. A pesquisa 
desenvolveu-se a partir de uma imersão densa, que se articulou desde uma dupla 
estratégia. Inicialmente, com a realização de uma revisão bibliográfica referente ao 
acervo disponível no próprio Uruguai. Em seguida, a partir de um conjunto de 
 
14 O estágio sanduíche contou com uma bolsa concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do 
Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), sendo orientado pelo professor Juan Pablo Martí, da Facultad de 
Ciencias Sociales da Universidad de la Republica. Deve-se frisar que a confirmação da realização do 
estágio, pela entidade de fomento, ocorreu somente quinze dias antes do período de início do estágio. 
Isso acarretou um forçoso redirecionamento do caminho da pesquisa, que naquele momento já se 
reconfigurava quanto à abordagem metodológica que se realizava no Rio de Janeiro, a qual teve que 
ser interrompida para a realização do estágio. Desse modo, dado o cronograma de feitura desta tese, 
não foi possível retornar ao aprofundamento da pesquisa no Rio de Janeiro. 
35 
entrevistas semiestruturadas com dois grupos alvo, o primeiro com representantes de 
instituições consideradas estratégicas para o funcionamento do sistema e o segundo 
com um conjunto de sócios de cooperativas. 
Antes de detalhar a metodologia desenvolvida nesta etapa, deve-se ressaltar 
que, no momento inicial do trabalho de campo, foi possível identificar que a pesquisa 
no Uruguai estava envolvendo, e envolveria, somente a cidade de Montevidéu. 
Tomou-se consciência de que as leituras e as análises realizadas até então se 
concentravam nas experiências de cooperativismo de moradia empreendidas em 
Montevidéu – e não no país como um todo. Além disso, a adequação da proposta de 
pesquisa de campo a ser executada indicou que somente seria factível centrar-se nos 
casos da capital uruguaia. Assim sendo, deve-se ter em consideração que a tese 
centra sua análise em Montevidéu, não abordando as experiências em outras regiões 
do país, como o litoral e o interior. Além disso, a tese centra-se somente nas 
modalidades de ajuda mútua e poupança prévia em regime de propriedade coletiva, 
não abordando aquelas de autoconstrução e de proprietários, também previstas na 
Lei Nacional de Moradia15. 
A realização de entrevistas com atores-chave do sistema cooperativo de 
moradia no Uruguai teve como objetivo angariar informações complementares 
àquelas realizadas na primeira ida a campo no ano anterior. As entrevistas foram 
então empreendidas com profissionais da área de trabalho social de Institutos de 
Assistência Técnica (IAT), os quais assessoram cooperativas de moradia e cuja 
atuação laboral poderia aportar informações com maior incidência sobre o perfil dos 
cooperativistas com os quais trabalham. Além dos técnicos dos IATs, também foram 
entrevistados contatos de dois órgãos estatais, cujas referências fornecidas indicavam 
que poderiam aportar informações estratégicas para os objetivos da pesquisa. Foram 
entrevistados gestores do Departamento de Trabalho Social do Ministerio de Vivienda, 
Ordenamiento Territorial y Medio Ambiente (MVOTMA) e do Instituto Nacional del 
Cooperativismo (INACOOP). Por fim, outra instituição que se decidiu entrevistar um 
representante foi a Confederación Uruguaya de Cooperativas (CUDECOOP), cujas 
 
15 Deve-se, ainda, ter em consideração os diferentes níveis de análise de escala nos dois contextos 
abordados. Enquanto o Uruguai conforma-se em um país com uma populaçãode pouco mais de três 
milhões de habitantes, sendo que um terço habita a cidade de Montevidéu, a região metropolitana do 
Rio de Janeiro tem mais de onze milhões de habitantes, quase o triplo da população uruguaia. 
36 
informações sobre o movimento cooperativo no país se agregariam àquelas da 
entrevista com INACOOP. 
Para a pesquisa de campo junto às cooperativas de moradia, adotou-se a 
estratégia metodológica de realização de entrevistas semiestruturadas, com 
representantes da comissão de direção e sócios que não ocupassem, no momento, 
cargos de direção na cooperativa16. Decidiu-se pela realização de entrevistas com 
cooperativas dos dois sistemas construtivos baseados na propriedade coletiva das 
moradias, ou seja, por ajuda mútua e por poupança prévia. Para cada grupo 
formularam-se algumas perguntas específicas, devendo-se ter em consideração que 
há um maior número de experiências de cooperativas por ajuda mútua do que de 
poupança prévia (o que influenciou, como se constatará à frente, na delimitação do 
universo de entrevistas)17. 
Além dessa segmentação, estabeleceu-se uma configuração do universo de 
entrevistas por períodos históricos que marcam a trajetória do sistema uruguaio de 
cooperativismo de moradia. A periodização se fundamentou em trabalho Torrelli, 
Assandri, Marques e Martí (2015), o qual identifica as seguintes etapas, intituladas: a) 
o estabelecimento das bases e a rápida expansão (1969-1976), b) o desmantelamento 
do sistema (1977-1984), c) a inércia e mudanças do sistema, a recuperação 
democrática e a criação do MVOTMA (1985-2004) e d) a recriação das expectativas 
(2005 até hoje). Considerou-se que os dois primeiros períodos poderiam ser 
agrupados em um único, já que houve poucas experiências de cooperativismo de 
moradia com o desmantelamento do sistema a partir da ditadura militar de 1973. 
Assim, agrupou-se as cooperativas a serem alvo de entrevistas de acordo com os 
 
16 A perspectiva adotada foi realizar um contato inicial com a direção para a organização de uma 
primeira entrevista sobre o histórico da cooperativa. A partir dessa entrevista se solicitaria o contato de 
dois sócios para a concretização de uma entrevista distinta sobre suas trajetórias de vida antes e depois 
da entrada na cooperativa. Pensou-se que um dos sócios a ser entrevistado tivesse uma trajetória de 
participação mais ativa na cooperativa (que houvesse participado de cargos em comissões em anos 
anteriores) e outro com participação menos ativa (que somente se engajou no período de obra, por 
exemplo). Com os dois primeiros sócios entrevistados verificou-se que o roteiro elaborado não 
proporcionaria a coleta de informações pretendidas. As respostas foram muito breves e pouco se 
explorou do conteúdo inquirido. Assim, resolveu-se descartar as entrevistas com os sócios, 
considerando-se, conforme avaliação do material coletado, que as entrevistas com as direções das 
cooperativas estavam proporcionando informações que superavam o previamente esperado. 
17 Dados do Censo de Cooperativas de 2009 indicavam que cerca de 77% das cooperativas de moradia 
do Uruguai pertenciam à categoria de ajuda mútua e 22% a de poupança prévia (MACHADO, 2016). 
Como a pesquisa se delimitou à cidade de Montevidéu, considera-se que, como se verificará mais à 
frente, a relação de três entrevistas em cooperativas de ajuda mútua para uma em poupança prévia 
segue, em boa medida, a relação existente na realidade. 
37 
seguintes períodos históricos: o primeiro de 1969 a 1984, o segundo de 1985 a 2004 
e o terceiro de 2005 a 2016. 
Por fim, definiu-se que o número de cooperativas passíveis de se realizar 
entrevistas dentro do cronograma de pesquisa seriam doze, sendo nove de ajuda 
mútua (três por cada período histórico) e três de poupança prévia (uma por cada 
período histórico). O quadro a seguir apresenta as cooperativas com as quais foram 
efetivamente realizadas entrevistadas, entre os meses de agosto e setembro de 
201618. 
Quadro 1 – Cooperativas de moradia entrevistadas, por período histórico (Montevidéu, 2016) 
Período Sistema Cooperativa Nº de habitações 
1º. (1969 - 1984) 
Ajuda Mútua 
COVICENOVA 102 
COVIMT 2 43 
COVISUNCA 2 71 
MESA 1 420 
Poupança Prévia 
COVISUR II 90 
COMPLEJO BULEVAR 332 
2º. (1985 - 2004) 
Ajuda Mútua 
COVIATU 18 26 
COVIESS 90 II 37 
COVIUNPRO 124 
Poupança Prévia EL LADRILLO 10 
3º. (2005 - 2016) 
Ajuda Mútua 
COVICORDÓN 58 
COVIUN 14 
COVIFAMI II (em construção) 30 
Poupança Prévia PUERTO FABINI (em construção) 50 
Fonte: elaboração própria. 
 
18 No caso das cooperativas de ajuda mútua, em COVISUNCA 2 houve uma entrevista com um 
empregado administrativo da cooperativa, que forneceu valiosas informações sobre o funcionamento 
atual da cooperativa. No entanto, não se efetivou a entrevista com representantes da direção da 
cooperativa. Já com as cooperativas de poupança prévia, também se realizou entrevista com 
representante do conjunto de cooperativas Complejo Bulevar, visto que foi considerada, em outros 
depoimentos, como uma imprescindível experiência para o histórico do sistema de poupança prévia e 
para o surgimento de novas cooperativas a partir de filhos de cooperativistas desse complexo. Também 
houve participação em uma reunião da Comissão Inter-Cooperativas do Bairro Zitarrosa, com a 
presença de representantes de cinco cooperativas, em um território que desde o ano 2000 comporta a 
construção de mais de uma dezena de cooperativas. 
38 
Além das entrevistas estruturadas com as direções de cooperativas, também 
houve a participação em algumas atividades com cooperativas, que surgiram em 
virtude de contatos realizados em campo19. 
As entrevistas em Montevidéu foram transcritas e alguns trechos das falas são 
citados no texto da tese. Como foi dada a condição de anonimato aos entrevistados, 
as referências são realizadas por meio da numeração do sócio da cooperativa. 
Também se identificam as cooperativas por siglas que indicam sua modalidade e o 
período de construção. Dessa maneira, utiliza-se AM para “ajuda mútua” e PP para 
“poupança prévia”, conjugadas com o período de obra, quais seja, “1” entre 1969 e 
1984, “2” entre 1985 e 2004, e “3” entre 2005 e 2016. 
Como exemplo de identificação da fala, tem-se o exemplo (Sócio B, COVIMT 
2, AM1). Ou seja, trata-se da fala de um sócio da cooperativa COVIMT 2, da 
modalidade de ajuda mútua da primeira periodização. Desse modo se torna possível 
ao leitor relacionar a fala com o tipo de cooperativa. No apêndice A há uma lista mais 
detalhada das cooperativas, das datas de entrevistas e a relação dos entrevistados 
com falas citadas no texto. Além disso, ao final de cada seção do texto há a tradução 
dos trechos das entrevistas citadas20. 
 
1.4 A estrutura do texto 
 
A escrita da tese estrutura-se a partir de quatro seções, além desta introdutória. 
A primeira (seção 2) tem o objetivo de apresentar ao leitor as principais características 
das experiências analisadas, de modo a familiarizá-lo com o modus operandi de cada 
 
19 Também devem ser citadas algumas atividades complementares durante o período de pesquisa, que 
aportaram valiosos elementos para a investigação em curso, tais como a participação no Seminário 
Técnico de FUCVAM (30 de junho e 1º de julho de 2016) e na 65ª Assembleia Nacional de FUCVAM 
(16 e 17 de julho de 2016). Durante o período de pesquisa também foi possível participar de dois cursos 
de formação no tema do cooperativismo de moradia, o “Curso aberto de Gestão Cooperativa - Escola 
Nacional de Formação de FUCVAM” (seis encontros entre os meses de julho e setembro de 2016) e o 
curso "Cooperativismo de vivienda. El asesoramiento técnico: experiencias y nuevos problemas, 
requisitos y desafíos" (na Faculdade de Ciências Sociais da Universidad de La Republica, de 22 de 
julho a 13 de agosto

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