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Agricultura Urbana no Rio de Janeiro

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GILBERTO DE MENEZES SCHITTINI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LIMITES, CONTRADIÇÕES E POSSIBILIDADES 
TRANSFORMADORAS DA AGRICULTURA URBANA 
 
— suas expressões em duas experiências de cultivo d e 
alimentos na cidade do Rio de Janeiro, RJ. 
 
 
 
 
 
 
Tese apresentada ao Curso de 
Doutorado do Programa de Pós- 
Graduação em Planejamento Urbano 
e Regional da Universidade Federal 
do Rio de Janeiro – UFRJ, como 
parte dos requisitos necessários à 
obtenção do grau de Doutor em 
Planejamento Urbano e Regional. 
 
 
Orientador: Prof. Dr. Rainer Randolph 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2018 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GILBERTO DE MENEZES SCHITTINI 
 
 
 
 
LIMITES, CONTRADIÇÕES E POSSIBILIDADES 
TRANSFORMADORAS DA AGRICULTURA URBANA 
 
— suas expressões em duas experiências de cultivo d e 
alimentos na cidade do Rio de Janeiro, RJ. 
 
Tese submetida ao corpo docente do 
Instituto de Pesquisa e Planejamento 
Urbano e Regional da UFRJ como 
parte dos requisitos necessários à 
obtenção do grau de Doutor em 
Planejamento Urbano e Regional. 
 
Aprovado em: 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
______________________________________ 
Prof. Dr. Rainer Randolph 
Instituto de Planejamento Urbano e Regional – UFRJ 
 
 
______________________________________ 
Prof. Dr. Orlando Alves dos Santos Júnior 
Instituto de Planejamento Urbano e Regional – UFRJ 
 
 
______________________________________ 
Prof. Dra. Adriana Sansão Fontes 
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – UFRJ 
 
 
______________________________________ 
Prof. Dra. Heloisa Soares de Moura Costa 
Instituto de Geociências – UFMG 
 
 
______________________________________ 
Prof. Dra. Cristina Maria Macêdo de Alencar 
Superintendência de Pesquisa e Pós-Graduação – UCSAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À Marcela, que a semente germine. 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço à minha companheira Marcela Lisbôa Leal, por sua paciência e resiliência. 
Ao meu orientador Prof. Dr. Rainer Randolph, por sua dedicação e entusiasmo. 
À minha família e amigos, à Tranpa, à Egrégora e ao Clã – sem vocês não seria possível. 
Em especial, agradeço a todas as agricultoras e agricultores, camponesas e camponeses, 
quilombolas, indígenas, permacultoras e permacultores, e agroecologistas urbanos, pela 
inspiração inestimável. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Growing your own food is like printing your own money 
(RON FINLEY, agricultor urbano de Los Angeles, EUA, 2013) 
 
RESUMO 
 
O objetivo deste trabalho foi analisar o fenômeno da agricultura urbana e elucidar o seu 
potencial de transformação das relações sócio-espaciais urbanas e de contestação ao 
regime alimentar global. Foram explorados os aspectos históricos que impulsionaram a 
emergência desse tema no debate internacional. E também foram observados seus 
benefícios esperados, os fatores limitantes ao seu desenvolvimento, e o seu papel 
enquanto espaços de prática política, conforme registrado na literatura científica. Então 
foram definidos os elementos necessários a uma perspectiva da agricultura urbana, com 
base na ecologia política e na teoria urbana crítica, que considere não só os processos de 
isolamento e alienação que caracterizam a neoliberalização das cidades, mas também as 
possibilidades de produção social de bens comuns e de apropriação de espaços por seu 
valor de uso. Isso serviu como referência para análise de duas experiências da cidade do 
Rio de Janeiro, RJ, quais sejam: a Rede Carioca de Agricultura Urbana e as hortas 
comunitárias nas regiões centrais da cidade. O estudo contribuiu para explicitar os 
aspectos das práticas espaciais e dos espaços de representação dessas iniciativas que 
geram oportunidades de resistência à mercantilização da vida e ao regime alimentar 
corporativo. 
 
Palavras chaves: Agricultura urbana – Rio de Janeiro. Hortas comunitárias. Direito à 
cidade. Bens comuns urbanos – Rio de Janeiro. Agroecologia. 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The objective of this research was to analyse the phenomenon of urban agriculture, and to 
elucidate its potential to transform conventional urban socio-spatial relations and to 
challenge the global food regime. The historical aspects which brought urban agriculture to 
the front of international debates were explored. We also observed its expected positive 
impact, the limiting factors for its development, and its role as spaces of political action, as 
registered in the scientific literature. The necessary elements for a critical approach 
towards urban agriculture were defined, based on political ecology and critical urban 
theory which considers, not only the processes of isolation and alienation which 
characterise the neo-liberalisation of cities, but also the possibilities for the social 
production of common goods and for the appropriation of spaces for their use value. This 
approach was used as a reference for the analysis of two initiatives in Rio de Janeiro, 
which were: the Rede Carioca de Agricultura Urbana (Carioca Network of Urban 
Agriculture) and community allotments located in central neighbourhoods in the city. This 
study has contributed to explaining elements of the spatial practices and the spaces of 
representation of these initiatives which create opportunities for resisting the 
commodification of life and the corporate food regime. 
 
Keywords: Urban agriculture – Rio de Janeiro. Community gardens. Right to the city. 
Urban Commons – Rio de Janeiro. Agroecology. 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 10
2 DA EMERGÊNCIA DO DEBATE ACERCA DA AGRICULTURA URB ANA 20
2.1 Trajetórias do debate, características e de finições para agricultura urbana 21
2.1.1 O que é agricultura urbana 30
2.2 Das motivações atribuídas para o envolvimento c om agricultura urbana 36
2.3 Dos benefícios esperados, apoios necessários e obstáculos para a difusão 
da agricultura urbana 
50
2.4 A agricultura urbana no contexto dos regimes alim entares ( food regimes) 59
3 AS POSSIBILIDADES E LIMITES DA AGRICULTURA URBANA 71
3.1 Dos impactos e riscos em torno da agricultura u rbana 73
3.2 Enabling conditions, ou condições habilitantes 95
3.3 A agricultura urbana como prática política, e suas co ntradições 102
3.4 Uma abordagem para superar o impasse 114
4 POR UMA ABORDAGEM CRÍTICA DA AGRICULTURA URBANA 120
4.1 Metabolismo urbano e a ruptura metabólica 123
4.2 A commoditização e o “ocultamento ” das relações sociais de produção e 
circulação de alimentos 
130
4.3 Acumulação por despossessão, neoliberalização d as cidades e novos 
enclosures 
136
4.4 Bens comuns urbanos e direito à cidade 146
4.5 Produção social do espaço e a análise de experi ência s do Rio de Janeiro 155
5 A REDE CARIOCA DE AGRICULTURA URBANA 158
5.1 A agricultura urbana do Rio de Janeiro em uma p erspectiva histórica 160
5.2 A “invisibilidade” da agricultura urbana na cid ade do Rio de Janeiro 170
5.3 Das práticas espaciais e dos espaços de representação da Rede CAU 193
5.4 Das práticas diárias de resistência 222
5.5 Conclusões 232
6 AS HORTAS COMUNITÁRIAS “INTERSTICIAIS” 240
6.1 As experiências analisadas 242
6.2 Da questão alimentar 256
6.3 Das práticas espaciais – as técn icas de plantio, o manejo das hortas e seus 
aspectos sociais e ambientais 
261
6.4 Práticas de compartilhamento de conhecimento 279
6.5 Espaços de autonomia 293
6.6 Representação estética e cooperação 300
6.7 Corpo, natureza e cidade 315
6.8 Conclusões 327
7 CONCLUSÃO GERAL 330
REFERÊNCIAS 346
 
 
 
 
10 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Este trabalho trata do fenômeno do plantio de alimentos nas cidades e suas 
implicações para as disputas pela produção social de espaços urbanos, ou o 
exercício de direito à cidade, e para a construção de vias alternativas para o sistema 
agro-alimentar convencional. 
A trajetória desta pesquisa se inicia inspirada pelas intervenções registradas 
nas Figuras 01, 02 e 03 abaixo: 
 
 
Figura 1: Canteiro cultivado com plantas alimentares. Rua LauroMüller. (Foto de 15/11/2014) 
11 
 
 
 
Figura 2 e 3: Detalhes do canteiro cultivado com plantas alimentares. Rua Lauro Müller. (Foto de 
15/11/2014) 
O que se observa nesse pequeno canteiro, originalmente destinado ao plantio 
de uma única árvore, é o crescimento de um feijão guandu – uma leguminosa 
comestível, de porte arbustivo, bastante utilizada como adubação verde – bem como 
uma mandioca, uma bananeira, e uma ou duas cucurbitáceas não identificadas – 
mas que podem ser uma abóbora ou abobrinha e um melão ou melancia. Essa 
combinação adensada de diferentes espécies alimentares, com portes e ciclos de 
vida variados, segue os preceitos de plantio agro-florestal. Trata-se de uma técnica 
de manejo de agro-ecossistemas que procura reproduzir determinados processos 
ecológicos e que se coloca frontalmente de encontro às premissas e práticas dos 
sistemas convencionais industrializados – grandes monoculturas cultivadas com uso 
intensivo de máquinas pesadas e insumos químicos. 
Mais ainda, há no mesmo canteiro duas placas com sinais que identificam o 
Movimento Passe Livre. Nelas estão as frases: “Se o transporte é público, porque 
pagamos? Tarifa zero já!” e “Amigo(a) do Ponto, 485, 484, 483, 457, 486 não vale 
12 
 
 
R$3,00. Vem pra rua!!”. Essas mensagens evocam alguns temas caros ao 
Movimento Passe Livre, quais sejam, a resistência à mercantilização do transporte 
público e a mobilidade urbana entendida como um direito à cidade1. E dessa 
aparentemente estranha confluência, num único e compacto espaço, de temas rurais 
e urbanos, surge o principal questionamento que impulsiona a tese: o que a 
produção de alimentos nas cidades pode significar em termos de resistência ao 
sistema agro-alimentar convencional e em termos de disputa pelo direito à cidade. 
Falar em “agricultura urbana” pode causar certo estranhamento à primeira 
vista. Entretanto, a prática de produção de alimentos nas cidades não é tão incomum 
quanto parece. Esse tema vem ganhando a atenção de agências de 
desenvolvimento internacionais nas últimas décadas. E vem crescendo o número de 
estudos teóricos e empíricos, projetos financiados e relatórios das experiências 
adquiridas, de agências da ONU como a FAO e o PNUD e também de algumas 
ONGs internacionais. 
Ainda assim, algumas práticas de produção de alimentos nunca abandonou 
os limites das cidades, como, por exemplo, a horticultura (HAMILTON et al., 2014). 
Há registros de agricultura urbana em contextos históricos e geográficos tão distintos 
quanto a civilização Maia e a Constantinopla do período Bizantino, circunstâncias em 
que essa prática foi determinante para a segurança alimentar das cidades 
(BARTHEL; ISENDHAL, 2013). E há também registros histórico de que em cidades 
européias medievais mantinham alguma produção de alimento dentro dos limites 
das muralhas que protegiam as cidades, algo que poderia ser importante em casos 
de cercos inimigos (LE GOFF, 1998). Já no século XX, o esforço de produção de 
alimentos nas cidades da Europa e Estados Unidos, durante a Primeira e Segunda 
Guerras Mundiais, foi determinante para a garantir a alimentação das populações 
urbanas (BROWN; JAMETON, 2000). Mas, é a partir da década de 1990 que 
organizações internacionais de desenvolvimento e grandes ONGs passaram a se 
interessar pelo tema da agricultura urbana (ELLIS; SUMBER, 1998). 
O interesse acadêmico sobre o tema vem crescendo desde a década de 1990 
e o número de publicações sobre o assunto vem aumentando progressivamente a 
 
1 Ver: <http://tarifazero.org/mpl/> Acessado em 02 de outubro de 2018. 
13 
 
 
cada ano, mesmo que ainda não haja um levantamento consistente sobre o quanto 
essa prática é realmente adotada ao redor do mundo. Por um lado, a agricultura 
urbana tem sido defendida por organizações não-governamentais e agências 
internacionais como uma solução para a segurança alimentar e para a geração 
adicional de renda para populações pobres urbanas, além de contribuir para o 
reaproveitamento de resíduos e de efluentes domésticos, o sequestro de gases de 
efeito estufa dentre outros benefícios ambientais. Por outro, há registros de que 
práticas de agricultura urbana podem contribuir para a proliferação de doenças 
tropicais e a contaminação de alimentos devido à baixa qualidade ambiental das 
cidades. 
Mais recentemente, alguns trabalhos vem explorando as relações sócio-
espaciais específicas da agricultura urbana e suas implicações para a produção 
social dos espaços urbanos. Nessa linha, alguns autores sugerem que a agricultura 
urbana pode fortalecer laços comunitários, (re)construir bens comuns urbanos e 
exercitar o direito à cidade. Assim, esse fenômeno seria um contra-movimento de 
resistência à mercantilização da vida urbana, em resposta aos impactos sociais, 
econômicos e ambientais negativos da liberalização dos mercados. Entretanto, 
outros autores criticam a agricultura urbana como um fruto da própria 
neoliberalização das cidades, uma substituição do Estado de bem-estar social por 
iniciativas do terceiro setor e/ou de cunho voluntário, ou como uma reprodução do 
empreendedorismo individual típico da governamentalidade neoliberal. 
É preciso reconhecer que as experiências reais de agricultura urbana nunca 
são puramente neoliberais ou puramente radicais, mas são intrinsicamente 
contraditórias e estão em constante tensão dialética (MCCLINTOCK, 2014). Então, 
tendo em vista os impactos sócio-ambientais negativos do sistema agro-alimentar 
industrializado que sustenta a vida nas cidades e os padrões de injustiça espacial 
promovidos pelos processos de mercantilização e neoliberalização dos espaços 
urbanos, faz sentido investigar em que medida as transformações sócio-espaciais 
promovidas pela agricultura urbana podem resultar em vias de resistência a esses 
processos. Diante disso, esta tese procurará explorar esse debate analisando 
experiências de agricultura urbana que se manifestam na cidade do Rio de Janeiro. 
14 
 
 
O objeto do trabalho é a produção social do espaço realizada por dois 
conjuntos de experiências de agricultura urbana do Rio de Janeiro, a Rede Carioca 
de Agricultura Urbana, que ocupa as margens da expansão da malha urbana, e as 
hortas comunitárias que surgem em áreas intersticiais da cidade. Assim, trata-se de 
observar, a partir da tríade espacial de Lefebvre, as articulações dialéticas entre as 
práticas materiais dessas experiências, seus espaços de representação, e suas 
relações com as representações do espaço da cidade neoliberal. 
A perspectiva adotada nessa pesquisa segue a agenda proposta por Chiara 
Tornaghi (2014), qual seja, uma geografia crítica apoiada nas contribuições sobre 
produção social do espaço realizada por acadêmicos como Lefebvre, Harvey e 
Marcuse. E está inserida no quadro teórico da ecologia política. Essa abordagem 
crítica de Tornaghi procura contextualizar as iniciativas de agricultura urbana em 
seus regimes sociopolíticos e alimentares específicos, e investigar o seu papel na 
reprodução de formas de injustiça sócio-espacial ou na criação de vias de subversão 
dos padrões atuais de urbanização (TORNAGHI, 2014). 
Uma abordagem inspirada no quadro teórico da ecologia política urbana, por 
sua vez, está ancorada na noção de “metabolismo”, entendido enquanto “circulação 
de matéria, valor e representações” (SMITH, 2006), como forma a superar o 
dualismo entre sociedade e natureza. O metabolismo urbano pode ser definido 
sinteticamente como 
[…] a dynamic process by which new sociospatial formations, intertwinings 
of materials, and collaborative enmeshing of social nature emerge and 
present themselves and are explicitly created through human labor and non-
human processes simultaneously (HEYNEN, 2014, p. 599). 
A abordagem da ecologia política urbana reconhece que os processos 
metabólicos urbanos se desenvolvem historicamentede forma a gerar condições 
socionaturais tanto “empoderadoras” quanto “incapacitantes”, mas também atribui ao 
conceito uma implícita ação “criativa” que permite a criação de alternativas para os 
processos de urbanização desigual (HEYNEN, 2014). 
Seguindo a recomendação de Brenner e colaboradores, a perspectiva 
adotada por este trabalho coloca a “commoditização” como elemento central da 
narrativa sobre a condição urbana contemporânea (BRENNER; MARCUSE; MAYER, 
2009). E reconhece o papel das cidades nos processos de produção, circulação e 
15 
 
 
consumo de alimentos commoditizados. Mais ainda, reconhece que a própria cidade 
vive processos de commoditização, na medida em que passa por processos de 
reestruturação urbana neoliberais que procuram intensificar a acumulação de lucros 
do capital. Porém, admite também que esses processos são contestados 
continuamente por movimentos orientados para o valor de uso dos espaços e das 
relações urbanas (BRENNER; MARCUSE; MAYER, 2009). Assim, é premissa deste 
trabalho que 
[…] as the urban condition becomes the hallmark for the majority of 
humanity across the planet, so too the city becomes thoroughly 
characterised by both the powerful forces of capital accumulation and the 
practices and potentials of the common (CHATTERTON, 2010, p. 627). 
O que se assume por hipótese deste trabalho é que a commoditização dos 
processos metabólicos urbanos ligados à produção e consumo de alimentos na 
cidade gerou grupos “materialmente despossuídos e socialmente alienados” 
(MARCUSE, 2009), que fazem da agricultura urbana “um brado e uma exigência” 
por direito à cidade” (LEFEBVRE, 2001). Em outras palavras, a hipótese é que o 
plantio de alimentos na cidade trata-se de uma maneira de formular 
[…] an exigent demand by those deprived of basic material and existing 
legal rights, and an aspiration for the future by those discontented with life as 
they see it around them, perceived as limiting their own potentials for growth 
and creativity (MARCUSE, 2009, p. 190). 
O que se espera é que a produção social dos espaços de agricultura urbana 
implique em relações sociais de commoning, ou de produção de bens comuns, com 
potencial para des-commoditizar a vida urbana. E que os atos de commoning 
envolvidos com a agricultura urbana, para além da apropriação de fluxos 
metabólicos urbanos, impliquem também na produção de novos “imaginários 
políticos” e de novas formas de participação na vida política da cidade 
(CHATTERTON, 2010). 
Então, o objetivo é verificar em que medida as práticas socioespaciais e as 
representações simbólicas associadas a essas experiências podem contestar as 
representações hegemônicas do espaço urbano. E, em última instância, examinar 
como essas experiências podem contribuir transformações no regime alimentar 
corporativo que sustenta a cidade. Assim, o trabalho procurará atender à 
convocação de Certomà e Tornaghi (2015) e procurará explorar o potencial das 
práticas de cultivo urbano de alimentos de agir por uma transformação urbana 
16 
 
 
“contra-neoliberal”. 
O percurso metodológico da pesquisa se inicia explorando os aspectos 
estruturais do regime alimentar global que condicionaram a emergência da 
agricultura urbana como tema de interesse da comunidade internacional. Isso é 
justificado por dois fatores: (i) grandes ONGs internacionais e agência multilaterais 
de desenvolvimento tem sido grandes promotoras do reconhecimento da agricultura 
urbana ao redor do mundo; (ii) o período histórico em que o tema ganha 
notoriedade, a transição entre as décadas de 1980 e 1990, coincide com a 
passagem do período de roll back da neoliberalização internacional, ou o desmonte 
do Estado de Bem Estar Social, para o roll out, ou a re-estruturação de novas formas 
de governança neoliberalizadas. Assim, o que se procura é situar o tema da 
agricultura urbana no debate acerca da resistência à neoliberalização do regime 
alimentar global. 
Em seguida, é feita uma análise do estado do conhecimento científico acerca 
da agricultura urbana. São observados os registros empíricos dos aspectos sócio-
econômicos e ambientais desse fenômeno. Então, analisa-se o estado da discussão 
sobre o papel da agricultura urbana no processo corrente de neoliberalização das 
cidades. Isso para investigar os elementos efetivamente urbanos da agricultura 
urbana, ou seja, as relações sócio-espaciais peculiares que estão envolvidas nessa 
prática. Isso para ir além do entendimento da agricultura urbana simplesmente como 
o plantio de alimentos dentro dos limites geográficos das cidades. E identificar 
maneiras de abordar a agricultura urbana enquanto prática social inovadora 
potencialmente transformadora. 
Por fim, a partir do reconhecimento dos processos de cercamento, 
commoditização, acumulação por despossessão, alienação, e valorização dos 
espaços urbanos por seu valor de troca que caracterizam a neoliberalização das 
cidades, é feita uma análise de dois conjuntos de experiências de agricultura urbana 
da cidade do Rio de Janeiro: aquelas organizadas em torno da Rede Carioca de 
Agricultura Urbana, e as hortas comunitárias surgidas espontaneamente nas regiões 
centrais da cidade. Tomando-se como referência a tríade espacial de Lefebvre, o 
que se procura analisar é como as práticas materiais e os espaços de representação 
17 
 
 
dessas experiências tensionam as representações neoliberalizadas do espaço 
urbano. E se criam oportunidades para transformações dos processos metabólicos 
urbanos, para a des-fetichizaçao das relações de produção e consumo de alimentos, 
para a criação de bens comuns urbanos, para a apropriação do espaço pelo seu 
valor de uso, enfim, para o direito à cidade. 
Como uma etapa da construção do campo de conhecimento ora sendo 
analisado, o próximo capítulo faz uma síntese do discurso sobre agricultura urbana 
conforme enunciado por grandes ONGs e agências internacionais de 
desenvolvimento que vem estimulado governos nacionais e municipais a considerar 
a prática de produção de alimentos nas cidades em suas ações de planejamento e 
gestão. A abordagem é histórica, e traça o desenvolvimento das formas como essas 
instituições abordaram o tema da agricultura urbana desde suas primeiras 
publicações até as décadas mais recentes. São analisadas as principais motivações 
apresentadas pelas entidades para a defesa da agricultura urbana, suas definições, 
os benefícios esperados, os riscos percebidos e as implicações para o 
planejamento, conforme defendido por essas instituições. E é feita uma análise 
teórica crítica, com base no conceito de regime alimentar (food regime), para 
investigar as possíveis razões estruturais para o crescimento da adoção da prática 
de agricultura urbana e da atenção dada ao tema. Por fim, discute-se o potencial da 
agricultura urbana na resistência e transformação do regime alimentar corporativo 
atual 
O capítulo três é dedicado a uma revisão da literatura científica sobre 
agricultura urbana para identificar as possibilidades oferecidas por essa prática, seus 
fatores limitantes, e as condições que podem fazer desse fenômeno uma 
experiência transformadora. É feito um levantamento dos trabalhos publicados 
conforme registro na base de dados Web of Science, e são analisados aqueles 
artigos que se mostram mais próximos a esta pesquisa. O conjunto de informações 
construído sobre o tema está separado entre os benefícios esperados para a 
agricultura urbana, seus eventuais riscos associados, suas implicações para o 
planejamento e as políticas públicas, e os aspectos políticos da produção de 
alimentos nas cidades. Neste sentido, são apresentadas pesquisas que discutem a 
18 
 
 
agricultura urbana numa perspectiva de direito à cidade, e também do ponto de vista 
da reprodução de padrões de governamentalidade neoliberal. E então, são 
discutidos as vias para superar esse impasse e efetivamente analisaro papel da 
produção de alimentos na disputa pela produção social de espaços urbanos. 
Em seguida procura-se construir uma abordagem crítica para estudos da 
agricultura urbana. Parte dessa inspiração vem da contribuição de Henri Lefebvre, 
mais especificamente suas discussões sobre produção social do espaço, a tríade 
espacial e o conceito de direito à cidade. Outros conceitos e categorias que servem 
de apoio ao trabalho são a falha metabólica e o metabolismo urbano – no sentido 
dado pela ecologia política a partir da produção de Marx; os conceitos de alienação, 
fetichismo; as noções de cercamentos (enclosures) e acumulação por 
despossessão, bem como uma caracterização geral dos sentidos da 
neoliberalização das cidades; e, por fim, os conceitos de bens comuns urbanos e de 
direito à cidade. O que se procura neste capítulo é definir as maneiras de analisar as 
experiências de agricultura urbana no Rio de Janeiro para identificar seu potencial 
de resistência às transformações neoliberais do espaço urbano e do regime 
alimentar. 
Assim, o capítulo cinco analisa a experiência da Rede Carioca de Agricultura 
Urbana – CAU. Trata-se do principal movimento social organizado em torno do tema 
da agricultura urbana na cidade do Rio de Janeiro. Essa Rede é formada por ONGs 
de promoção da agroecologia e por agricultores familiares localizados principalmente 
na região oeste da cidade, no entorno do maciço da Pedra Branca – embora haja 
grupos na Serra da Misericórdia, na região norte, que também são importantes para 
esse movimento. Esses agricultores estão imprensados entre a expansão da malha 
urbana e os maciços rochosos da cidade, nas “franjas” da cidade. E, para entender 
as causas desse padrão, o capítulo recupera um breve histórico sobre a agricultura 
urbana no Rio de Janeiro. Trata-se de uma sucessão histórica de rodadas de 
acumulação por despossessão, conforme definido por Harvey, que vem 
progressivamente deslocando a prática de agricultura das áreas centrais para as 
regiões periféricas da cidade. Contemporaneamente, isso está associado a uma 
“invisibilidade” da agricultura urbana nas representações hegemônicas do espaço 
19 
 
 
urbano, o que se manifesta na sua ausência no Plano Diretor da cidade e nas 
dificuldades de acesso dos agricultores a políticas públicas de apoio à atividade. 
Algo que a Rede CAU procura transformar por meio de um conjunto de práticas 
materiais e simbólicas que são analisadas no capítulo. 
Por fim, o último capítulo analisa outro conjunto de experiências de agricultura 
urbana entendidas, grosso modo, como hortas comunitárias. Tratam-se de 
experiências de plantio de alimentos nas áreas “intersticiais” ou nos “vazios urbanos” 
das regiões centrais da cidade – notadamente as zonas sul, centro e zona norte. 
São analisados os usos do espaço promovidos por esses coletivos; a maneira como 
abordam a questão alimentar; suas práticas materiais de plantio, manejo das áreas e 
de compartilhamento de conhecimentos; e suas representações simbólicas de 
autonomia, cooperação e colaboração, e des-alienação. O capítulo procura analisar 
como os espaços produzidos por esses coletivos configuram-se enquanto 
heterotopias que contestam as representações hegemônicas do espaço da cidade, e 
criam espaços comuns com possibilidades para o exercício de direito à cidade e a 
contestação do regime alimentar. E, então, são traçadas algumas conclusões gerais 
da pesquisa. 
 
 
20 
 
 
2 DA EMERGÊNCIA DO DEBATE ACERCA DA AGRICULTURA URB ANA. 
 
À primeira vista o conceito de agricultura urbana pode causar certo 
estranhamento e ser considerado um oxímoro, ou seja, uma contradição em termos, 
dada a associação entre produção de alimentos e ambientes rurais (REYNOLDS, 
2014). Ainda assim, e mesmo que essa prática não possa ser considerada recente, 
o conceito ganhou notoriedade no cenário internacional impulsionado, sobremaneira, 
pelo trabalho de grandes Organizações Não-Governamentais - ONGs e agências 
internacionais de desenvolvimento, cujas publicações sobre o tema proliferaram 
especialmente a partir de meados da década de 1990. Ocorre que à agricultura 
urbana é atribuída uma série de promessas ligadas à segurança alimentar, geração 
de renda e melhoria dos ambientes urbanos, bem como um papel de solução 
alternativa ao sistema agro-alimentar industrial e suas consequências sócio-
ambientais. Diante disso, este capítulo procura descrever este fenômeno e 
caracterizar o discurso daqueles atores sobre a agricultura urbana. E entender 
porque o tema emerge nos debates internacionais acerca do desenvolvimento 
naquele momento histórico. 
Em primeiro lugar, procura-se identificar as principais organizações que se 
dedicaram à promoção da agricultura urbana. E também identificar e analisar suas 
principais publicações. A partir disso, são registradas suas principais enunciações 
sobre agricultura urbana: suas causas atribuídas, seus benefícios esperados, seus 
riscos e eventuais impactos negativos, e os entraves e dificuldades para sua 
proliferação. Procura-se também verificar em que medida o discurso sobre esse 
tema variou ao longo das últimas décadas. E demonstrar eventuais confluências e 
distanciamentos das disposições e motivações das diferentes instituições 
envolvidas. 
Em seguida, é feita uma análise, a partir de uma abordagem crítica, desse 
conjunto de publicações à procura de fatores estruturais que explicam a emergência 
do interesse na promoção da agricultura urbana. Para tanto, será acionada a teoria 
de food regimes, ou regimes alimentares (FRIEDMANN, 1993; MCMICHAEL, 
2009a). Trata-se de uma abordagem histórica, inspirada na Escola Francesa da 
21 
 
 
Regulação, que procura demarcar períodos de estabilidade nos arranjos temporários 
de produção e circulação de alimentos em escala global, e postular períodos de 
transição antecipados por tensões sociais inerentes a cada ordem hegemônica 
(MCMICHAEL, 2009b). Em última instância, o que se procura neste capítulo é situar 
a perspectiva dessas instituições internacionais no conjunto de tendências políticas 
de promoção ou oposição ao regime alimentar, e sua visão acerca do papel da 
agricultura urbana na reforma ou transformação do regime. Dessa forma, procura-se 
identificar vias de análise do potencial de transformação social que acompanha 
experiências reais de agricultura urbana. 
 
2.1 Trajetórias do debate, características e defini ções para agricultura 
urbana. 
 
É difícil circunscrever precisamente quando a agricultura urbana aparece em 
publicações das principais agências internacionais de desenvolvimento – isso 
porque várias dessas agências reivindicam a “paternidade/maternidade” em relação 
a esse assunto. Uma dessas organizações, o Centro de Pesquisa em 
Desenvolvimento Internacional (International Development Research Center – 
IDRC), localizado no Canadá, alega ser a primeira agência internacional a 
reconhecer a importância da produção urbana de alimentos. Em um de seus 
relatórios, o IDRC afirma que, devido à sua “perspicácia invejável”, já em 1983 a 
seção de assuntos urbanos do Centro teria financiado estudos em seis centros 
urbanos do Kenya que, somados a outros estudos e pesquisas apoiados ao longo 
daquela década, teriam gerado relatórios contundentes e argumentos suficientes 
para demonstrar a importância dos desafios para a segurança alimentar nas cidades 
e a relevância das práticas de agricultura urbana (TINKER, 1994, p. vii)2 
 
2 A novidade nessa discussão sobre a segurança alimentar urbana se deu pois, de acordo com 
Hans Pfeifer, da Fundação Alemã para Desenvolvimento Internacional-DSE, e seus 
colaboradores, advogando a favor da agricultura urbana, nas décadas anteriores, as políticas de 
redução da pobreza procuraram eliminar suas “raízes” em áreas rurais. A premissa era criar 
meios de vida atrativos o suficiente parareter os jovens no campo e reduzir a migração para as 
cidades. Mas essas políticas afetaram pouco as dinâmicas econômicas reais. Em suas palavras: 
“pessoas jovens procuram empregos – empregos estão onde o dinheiro está – e o capital 
continua se concentrando nas cidades, tornando-as assim as forças motrizes das economias 
22 
 
 
 Em sua página na internet, o IDRC se define como um centro criado pelo 
parlamento canadense, financiado por este governo e por doações privadas, para: 
Iniciar, encorajar, apoiar e conduzir pesquisas sobre os problemas de 
regiões em desenvolvimento no mundo e sobre os meios para aplicar e 
adaptar conhecimentos científicos, técnicos e outros para o avanço 
econômicos e social dessas regiões (IDRC, 2017, p. 1, tradução livre). 
Segundo o IDRC, moradores das cidades vêm produzindo seu próprio 
alimento há milênios, mas somente em meados dos anos 1990 o conceito de 
agricultura urbana teria se tornado suficientemente reconhecido como um objeto 
formal de pesquisa e de políticas públicas. O Centro alega ter desempenhado um 
papel de protagonismo na construção dessa “nova disciplina” e na sensibilização 
geral em relação a ela (IDRC, 2012). 
Ainda assim, em relatórios e publicações do próprio IDRC, alguns autores 
atribuem ao projeto The Food-Energy Nexus - TFEN, da Universidade das Nações 
Unidas - UNU, que durou entre 1983 e 1988, o papel de ter chamado pioneiramente 
a atenção da comunidade internacional para a escala e relevância da agricultura 
urbana já praticada ao redor do mundo naquela década (SMIT, 1996; MOUGEOT, 
2006). Inspirado pelas ideias de Ignacy Sachs sobre uso eficiente de recursos para o 
desenvolvimento sustentável, o TFEN foi um projeto que procurou padrões locais de 
uso de recursos alimentares e energéticos para responder à crise de aumento de 
preços de combustíveis e dos custos de produção agrícola e de transporte que 
marcou os anos 1980. Como consequência, o TFEN explorou sobremaneira as 
relações entre alimentos e energia (SACHS; SILK, 1988). 
Ao gerar um conjunto de artigos e relatórios sobre produção alimentar para 
vários países da Ásia, África e América Latina, o principal mérito do TFEN na 
discussão sobre agricultura urbana teria sido demonstrar que ela é de um fenômeno 
global relevante – o projeto teria sido responsável pela publicação de 24 artigos 
sobre o tema, e corresponsável por outros 09 (SMIT, 1996). Assim, o TFEN teria 
identificado experiências de agricultura urbana em diversas economias, climas e 
culturas distintos. E teria gerado alguns dados “inesperados”. Por exemplo, foram 
encontradas cidades mais de 100% autossuficientes na produção de verduras e 
 
nacionais”. A partir daí projetos de agricultura urbana como estratégia de redução da pobreza nas 
cidades passaram a ganhar atenção (PFEIFER et al, 2000, p. 1) 
23 
 
 
pequenas criações animais, cidades onde a maioria das famílias estava dedicada a 
agricultura urbana, e cidades onde mais de 60% de suas áreas estavam ocupadas 
por produção agrícola urbana. “Talvez o mais surpreendente”, nas palavras de Jac 
Smit, colaborador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD 
e considerado uma das principais referências em agricultura urbana3, seria que o 
TFEN identificou o crescimento, e não a diminuição, da agricultura urbana na 
década de 1980. Outros dois aspectos importantes dos resultados do TFEN foram: 
que agricultores urbanos não seriam imigrantes recentes, mas pessoas residentes 
há bastante tempo nas cidades; e que não apenas os pobres, mas pessoas de todas 
as categorias de renda se dedicavam a agricultura urbana (SMIT, 1996, p. 5). Essas 
três descobertas do TFEN foram de encontro ao que se pensava sobre agricultura 
urbana na época. 
De fato, na década anterior à realização do TFEN, a década de 1970, houve 
alguma produção intelectual, e atenção internacional, sobre a agricultura urbana. 
Mas esse debate foi menor, em escala, se comparado àquele que emergiu na 
década de 1980. Os primeiros projetos de promoção da agricultura urbana, 
realizados na década de 1970, principalmente na África, como a Operação Alimente-
se (Operation feed yourself) do governo de Gana, e outras ações promovidas pelo 
Governo Francês, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a 
Agricultura - FAO, Fundo das Nações Unidas para a Infância - Unicef, Banco 
Mundial, focaram o incentivo a hortas domésticas, escolares e comunitárias. O 
objetivo, em geral, desses projetos era melhorar a dieta das famílias e, por isso, 
promovia-se a produção exclusivamente para o auto-consumo, de forma que a 
comercialização da produção era desestimulada, se não proibida. Os projetos 
procuraram replicar padrões europeus de produção e aos poucos foram perdendo 
apoio até que, por fim, foram encerrados e considerados fracassos. Isso acabou 
prejudicando a “reputação” da agricultura urbana. E os profissionais do campo da 
promoção do desenvolvimento passaram a considerar essa prática como algo 
efêmero, algo de curto prazo influenciado por migrações recentes, e inviável no 
 
3 Na página pessoal de Jac Smit (1929-2009) na internet, ele é apresentado como o “Pai da 
Agricultura Urbana” devido à sua atuação na promoção do tema. Disponível em: 
http://www.jacsmit.com/21century.html. Acessado em 26 de julho de 2018 
24 
 
 
longo prazo (SMIT, 1996). 
Entretanto, ao longo dos anos 1980, além do TFEN, outros projetos de 
diversas agências internacionais, como UNICEF, PNUD, FAO, Agência dos Estados 
Unidos para o Desenvolvimento Internacional - Usaid, Agência de Cooperação 
Técnica Alemã - GTZ, Banco Mundial, procuraram promover a agricultura urbana 
durante aquela década, principalmente em países da África, Ásia e América Latina. 
Para Smit, os estudos e pesquisas realizados ao longo daquela década pela UNU e 
pelo IDRC desfizeram vários mitos acerca da agricultura urbana construídos na 
década anterior (SMIT, 1996). Ainda que o TFEN tenha sido a maior influência nos 
estudos sobre agricultura urbana que se seguiram, a primeira grande publicação da 
ONU a mencionar esse tema foi o notório “Relatório Brundtland”, formalmente 
intitulado “Nosso Futuro Comum”, elaborado pela Comissão Mundial das Nações 
Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (MOUGEOT, 2006). Nesse 
relatório, a agricultura urbana é mencionada enquanto um aspecto do “Desafio 
Urbano”, qual seja, o “rápido e incontrolado”, crescimento das cidades na segunda 
metade do século XX (BRUNDTLAND, 1987, p. 212). 
Já nos anos 1990 houve um salto nas pesquisas acadêmicas e publicações 
sobre agricultura urbana. Teria havido ainda um crescimento nos projetos de 
desenvolvimento e nas experiências de campo de várias agências internacionais. 
Segundo Smit, essa década teria sido marcada por uma mudança na abordagem de 
trabalho dessas agências, de forma que estariam diminuindo as ações de cunho 
assistencialista, como doações de alimentos, e estariam aumentando os projetos de 
estímulo ao desenvolvimento, como, por exemplo, aqueles ligados à agricultura 
urbana. De acordo com esse autor, na medida em que o “fenômeno” da agricultura 
urbana vinha crescendo, houve mudanças nas políticas públicas acerca do tema em 
vários países. E as agências internacionais começaram a incorporar o tema da 
agricultura urbana em seus portfólios. Mas, para o mesmo autor, faltava ainda uma 
concertação entre esforços nos níveis internacional, nacional e municipal para o 
desenvolvimento adequado dessa agenda (SMIT, 1996). 
Ainda no início dos anos 1990, outras publicações foram consideradas 
marcantes para a evolução da discussão sobre agricultura urbana nas agências 
25 
 
 
internacionais de desenvolvimento (EGZIABHER, 1994; SMIT, 1996). Essaspublicações resultaram de um projeto do PNUD intitulado Iniciativa Agricultura 
Urbana (Urban Agriculture Initiative). Segundo Smit, a ideia inicial desse projeto era 
levantar o estado da agricultura urbana e desenvolver propostas sobre “o que 
precisa ser feito” em seis países da Ásia, África e América Latina. Mais tarde, esse 
projeto recebeu apoio também do IDRC, UNICEF, Banco Mundial, GTZ, CARE, 
dentre outros, e expandiu sua lista para 25 países (SMIT, 1996, p. 8). 
Um dos primeiros produtos resultantes desse projeto foi elaborado por Jac 
Smit e Joe Nasr, e foi publicado em outubro de 1992 na revista Environment and 
Urbanization, sob o título Urban agriculture for sustainable cities: Using wastes and 
idle land and water bodies as resources (SMIT; NASR, 1992)4. Além deste, após 
quatro anos de execução do projeto (1992 a 1996), outros produtos e resultados 
foram: a publicação do primeiro livro abrangente sobre agricultura urbana, a 
formação de uma rede de mais de 3.000 integrantes em 40 países, e a formação do 
Grupo de Apoio em Agricultura Urbana – SGUA (Support Group for Urban 
Agriculture), que derivou do Comitê Consultivo para Agricultura Urbana – UAAC 
(Urban Agriculture Advisory Committee) do PNUD, criado em 1991 (SMIT, 1996, p. 
8). 
O “primeiro livro abrangente” a que Jac Smit se refere trata-se da publicação 
Urban Agriculture: food, jobs and sustainable cities, de 1996. Este livro foi elaborado 
pelo próprio Smit e seus colaboradores, Joe Nasr e Annu Ratta, e publicado pelo 
PNUD (SMIT et al., 1996). A publicação é identificada como “a segunda publicação 
mais reconhecida”, depois do TFEN, sobre agricultura urbana. Tendo sido lançado 
em 1996 pelo PNUD em Istambul durante o UN Habitat II - UN Conference on 
Human Settlements, de acordo com Smit, o livro foi reconhecido como um 
“documento seminal” por acadêmicos e instituições (SMIT, 2016, p. 1)5. De acordo 
com seu colaborador Joe Nasr, a primeira edição do livro foi um sucesso e logo foi 
esgotada. O PNUD, então, encomendou uma nova edição, mais completa e 
 
4 Neste artigo, Jac Smit se apresenta como consultor realizando um estudo global sobre agricultura 
urbana para a Divisão de Programas Globais e Inter-regionais do Pnud sob execução do 
Departamento de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano do Banco Mundial. 
5 Ver: http://www.jacsmit.com/. Acessado em 20 de fevereiro de 2016. 
26 
 
 
atualizada, que foi concluída em 2001, mas que não foi publicada. Com a morte de 
Smit em novembro de 2009, o Comitê Editorial do PNUD autorizou sua divulgação 
na internet, atendendo ao “último pedido profissional” do autor6. Sendo assim, o livro 
pode ser acessado livremente na página www.jacsmit.com. 
Urban Agriculture: food, jobs and sustainable cities é um esforço de síntese 
dos resultados de um “grande levantamento” de experiências feito por meio de 
visitas a vinte países entre 1992 e 1994, além de visitas a outros dez países feitas 
antes dessas datas, e pesquisas de outras instituições parceiras. Os autores 
apresentam 85 “cases” organizados em capítulos que tratam, grosso modo, dos 
seguintes temas: uma visão geral das “cidades que alimentam a elas mesmas”; a 
agricultura urbana no passado e no presente; quem são os agricultores urbanos; 
onde a agricultura urbana é praticada; quais os principais sistemas produtivos; quais 
organizações influenciam a agricultura urbana; quais são os seus benefícios; quais 
são os seus problemas, suas limitações, suas tendências; e como promover a 
agricultura urbana (SMIT et al., 1996). O intuito dessa publicação foi, para além de 
dar visibilidade à agricultura urbana e de defender seus benefícios, promover o 
envolvimento dos governos e a formulação de políticas públicas de apoio à atividade 
(SMIT et al., 1996). 
O IDRC, em 1994, lançou outro livro importante chamado Cities feeding 
people: an examination of urban agriculture in East Africa, (EGZIABHER, et al. 1994) 
e, ao longo daquela década, publicou também dezenas de outros relatórios sobre a 
agricultura urbana numa série chamada Cities Feeding People Report Series. Em 
sua maioria, os relatórios se referem a experiências empíricas, levantamentos e 
resultados preliminares de pesquisa. Seu objetivo foi compreender os sistemas 
alimentares urbanos em cidades da África, América Latina e Oriente Médio. Segundo 
Luc Mougeot, outro reconhecido defensor da agricultura urbana e colaborador do 
IDRC, o interesse deste Centro pelo tema começou com uma ênfase em segurança 
alimentar, nutrição e o tratamento e reuso de resíduos orgânicos. Mas, mais tarde 
isso teria sido expandido para incluir desde o processamento e a distribuição de 
alimentos nas cidades, até a produção urbana de alimentos propriamente dita 
 
6 Ver: http://www.jacsmit.com/book.html. Acessado em 20 de fevereiro de 2016. 
27 
 
 
(MOUGEOT, 2006). 
Parte desses estudos serviu de base para o projeto Urban Agriculture 
Initiative, e para a publicação do livro Urban Agriculture: food, jobs and sustainable 
cities do PNUD. Após essa publicação, o IDRC teria sido convidado pelo PNUD para 
implementar as recomendações dessa publicação. Ainda em 1996, foi criado o grupo 
informal Support Group on Urban Agriculture - SGUA para avançar nas 
recomendações do PNUD (MOUGEOT, 2006). E a experiência do IDRC também 
serviu, junto com os resultados do projeto da UNU, como referências para a primeira 
publicação oficial da FAO sobre agricultura urbana (MOUGEOT, 2006). Trata-se de 
um capítulo dedicado exclusivamente para o tema, intitulado Urban agriculture: an 
oxymoron?, publicado no relatório The State of Food and Agriculture, lançado no 
encontro mundial sobre segurança alimentar realizado em Roma, 1996 (FAO, 1996). 
O relatório The State of Food and Agriculture é considerado a principal 
publicação regular da FAO, que, de acordo com a própria organização, procura 
divulgar periodicamente para o grande público “avaliações de base científica sobre 
temas importantes no campo da alimentação e agricultura” (FAO, 2018, p. 1) O 
capítulo sobre agricultura urbana publicado no relatório de 1996 teve por objetivo 
“examinar a proposição de que agricultura urbana provê benefícios que a agricultura 
rural não provê e não pode prover” (FAO, 1996, p. 43). Segundo os autores, esse 
texto também discute as políticas públicas que afetam essa prática e as mudanças 
que seriam necessárias para estimular o potencial da agricultura urbana de melhorar 
as condições das cidades (FAO, 1996). Curiosamente, o título do capítulo da FAO se 
pergunta se agricultura urbana seria um oximoro, ou seja, algo contraditório ou 
paradoxal em termos. Infelizmente essa aparente contradição não é explorada pelos 
autores ao longo do capítulo. 
Em 1997 considera-se que as ações do IDRC sobre agricultura urbana 
tenham se tornado mais maduras com a criação de um programa específico para o 
tema chamado Cities Feeding People (MOUGEOT, 2006). O objetivo desse 
programa foi apoiar projetos de pesquisa em desenvolvimento que visassem 
“remover restrições e aumentar o potencial da agricultura urbana de melhorar a 
segurança alimentar, geração de renda e saúde pública nas famílias, assim como o 
28 
 
 
gerenciamento de resíduos, água e terras, para benefício dos pobres urbanos” 
(MOUGEOT, 2006, p.18). Os projetos tiveram apoio da UN-Habitat, e a experiência 
foi útil para que a FAO criasse um programa específico para agricultura urbana 
(COAG-FAO, 1999). Nesse período foi criado também o RUAF - Resource Centre on 
Urban Agriculture and Forestry, uma rede global de informações sobre agricultura 
urbana (MOUGEOT, 2006). 
A Fundação Ruaf, formada em 1999, se define como uma rede que tem sede 
na Holanda, mas que também conta com organizações membros localizadas na 
África, Ásia, Oriente Médio, e América Latina, além da Europa. Seuobjetivo é: 
[...] contribuir para o desenvolvimento de cidades sustentáveis pela 
facilitação do aumento da sensibilização, geração e disseminação de 
conhecimento, capacitação, formulação de políticas públicas e planejamento 
de ações para sistemas alimentares urbanos resilientes e equitativos 
(RUAF, 2018, p. 1). 
A Fundação “promove agricultura (intra- e peri-) urbana e sistemas 
alimentares regionais para cidades mais sustentáveis e resilientes”. Hoje, a Ruaf é 
formada pelas seguintes organizações: International Water Management Institute, 
The Institute of Geographical Sciences and Natural Resources Research of the 
Chinese Academy of Sciences and ETC Foundation. A Ruaf é uma das principais 
entidades internacionais promotoras da agricultura urbana e é bastante prolífica na 
produção de conhecimento sobre o assunto. Entre 2000 e 2015 a Ruaf editou 30 
números de uma revista exclusivamente dedicada à agricultura urbana e publicou 13 
livros, além de outros artigos e relatórios, e realizou diversas conferências (RUAF, 
2018, p.1) 
Ainda em 1999, o comitê técnico de assessoramento sobre agricultura da 
FAO, o COAG, elaborou seu relatório anual com um capítulo dedicado 
exclusivamente à agricultura urbana e peri-urbana. Esse relatório concluiu-se com 
recomendações para que a FAO participasse ativamente nos esforços globais de 
promoção de agricultura urbana, no estabelecimento de parcerias, na provisão de 
treinamento e na facilitação de debates sobre o tema (COAG-FAO, 1999). Assim, 
desde aquele ano, a FAO vem “lidando com a agricultura urbana e peri-urbana como 
parte integrante dos sistemas agrícolas de produção, e reconhecido o seu papel na 
alimentação das cidades, na criação de empregos e geração de renda para os 
29 
 
 
pobres urbanos”. Assim, a FAO afirma estar “comprometida a assistir as nações-
membros a integrar a agricultura urbana e peri-urbana como componentes de 
programas nacionais de segurança alimentar e a dar capacitação para o sucesso da 
sua implementação” (FAO, 2018c, p. 1, tradução livre). Em 2001, a FAO lançou a 
iniciativa Food for the Cities para “responder aos desafios que a urbanização traz 
para as populações urbanas e rurais, assim como para o meio ambiente, por meio 
da construção de sistemas alimentares mais sustentáveis e resilientes” (FAO, 2018a, 
p. 1). E a agricultura urbana e peri-urbana é considerada pela FAO como um dos 
principais sistemas produtivos para atingir os objetivos desse programa. 
Em 2000 a FAO, o IDRC e a UN-Habitat organizaram uma oficina 
internacional com prefeitos de várias cidades da América Latina e do Caribe no 
Equador para tratar do fortalecimento da segurança alimentar. Essa oficina resultou 
na Declaração de Quito, onde os prefeitos participantes firmaram seu compromisso 
de “abraçar a agricultura urbana” (MOUGEOT, 2006). Nesse encontro, os prefeitos 
presentes – dentre eles os representantes das cidades de Brasília, Curaçá, 
Maranguape, Teresina, Fortaleza – estabeleceram o: 
compromisso de melhorar a gestão de nossas cidades com a promoção de 
experiências com Agricultura Urbana, constituindo o Grupo de Trabalho 
“Cidades e Agricultura Urbana na América Latina e no Caribe”, com o 
propósito de reproduzir e melhorar as políticas e ações municipais em 
Agricultura Urbana desenvolvidas nas cidades da América Latina e do 
Caribe para fortalecer a segurança alimentar urbana, enfrentar a pobreza 
urbana, melhorar o meio ambiente urbano e a saúde, e desenvolver uma 
governabilidade mais participativa e menos excludente, assim como 
proteger a biodiversidade urbana (CABBANES; DUBBELING, 2000, p. 1). 
Assim como convidaram “todos os atores públicos e privados das cidades da 
América Latina e do Caribe a se comprometerem com o apoio à Agricultura Urbana, 
sua prática e promoção” (CABBANES; DUBBELING, 2000, p.1). 
Declarações semelhantes, em que governos locais estabeleceram seu 
compromisso com o desenvolvimento de políticas públicas e programas de apoio à 
agricultura urbana, ocorreram Dakar (2002), Addis Abeba (2003) e Beijing (2004), o 
que sugere uma tendência de aumento na institucionalização desse tema em 
políticas municipais em todo o mundo. (VAN VEENHUIZEN, 2006). 
Mais recentemente, em 2009, representantes de governos, instituições de 
pesquisa, ONGs e organizações internacionais de 12 países da América Latina e do 
30 
 
 
Caribe reuniram-se em Medellín, Colômbia, com o objetivo de discutir estratégias 
para enfrentar as altas taxas de pobreza urbana e de insegurança alimentar na 
região. O resultado dessa reunião foi uma proposta de transição urbana para a 
inclusão social, equidade e sustentabilidade, formalizada na Declaração de Medellín, 
que incitou governos nacionais, estaduais e locais a “incorporar agricultura urbana e 
peri-urbana, ou UPA, nos seus programas de erradicação da fome e pobreza, 
garantia de segurança alimentar e nutricional, promoção do desenvolvimento local e 
melhoria do ambiente urbano” (THOMAS et al., 2014, p.1, tradução livre). 
Em 2013 a FAO realizou um levantamento do estado da agricultura urbana e 
peri-urbana na América Latina e no Caribe, com estudos de caso realizados em 13 
das maiores cidades da região. A conclusão desse estudo foi de que essa prática é 
adotada em larga escala na região. E que, segundo a Organização, a agricultura 
urbana está agora incorporada ao planejamento para o desenvolvimento de “cidades 
resilientes e sustentáveis”, como parte integrante do que chamaram de “city region 
food systems”, ou “sistemas alimentares” criados em torno das regiões das cidades. 
O resultado dessa análise foi publicado em 2014, em um relatório intitulado Growing 
greener cities in Latin America and the Caribbean: an FAO report on urban and peri-
urban horticulture in the region (THOMAS et al., 2014). 
 
2.1.1 O que é agricultura urbana 
 
No que se refere ao conceito e definições acerca da agricultura urbana, 
enquanto que o TFEN e o Relatório Brundtland não oferecem elaborações 
detalhadas, Smit e Nasr, em 1992, oferecem um dos conceitos mais antigos dentre 
as publicações analisadas neste trabalho. Esses autores entendem por agricultura 
urbana: “cultivo de alimentos e combustível dentro dos ritmos diários da cidade ou 
vilarejo, produzidos diretamente para o mercado e frequentemente processados e 
comercializados pelos fazendeiros ou seus associados diretos” (SMIT; NASR, 1992, 
p.141. Tradução livre) - chama a atenção que essa é uma das poucas ocasiões, 
talvez o único exemplo dentre os textos analisados em que a produção “diretamente 
para o mercado” é usada explicitamente na definição mesma de agricultura urbana. 
31 
 
 
Mais tarde, em 1996, Smit e seus colaboradores empregam uma definição 
diferente para agricultura urbana. Segundo eles, a agricultura urbana poderia ser 
definida simplesmente como “agricultura que ocorre dentro ou nos limites de uma 
área metropolitana”. Mas, os autores recomendam uma definição mais rica, 
enfatizando os elementos que caracterizam a agricultura urbana como vem sendo 
praticada e, ao mesmo tempo, reconhecendo sua grande diversidade. Assim, para 
eles, uma definição abrangente deveria considerar os seguintes elementos: 
localização, tipos de atividades, legalidade e acesso à terra, estágios de produção, 
escala, objetivos, e tipos de grupos envolvidos (SMIT et al., 1996, p. 1). 
A FAO, no relatório de 1996 também considera a agricultura urbana como 
sendo tão somente a “produção de alimentos que ocorre dentro dos limites da 
cidade”, o que envolveria a produção em lugares tão variados quanto quintais, 
telhados, hortas ou pomares comunitários ou espaços públicos ociosos. Para a FAO, 
a agricultura urbana inclui operações comerciais que produzem alimentos em 
estufas e áreas abertas, mas que, em geral, caracteriza-se pela produção em 
pequena escala, espalhada pela cidade. A diversidade de produtos também seria 
bastante grande, mas concentrando-seprincipalmente em cultivares que não 
precisam de muita terra para cultivo, não precisam de muitos insumos, e que são 
perecíveis, assim, “frutas, verduras, pequenas criações animais, mandioca, milhos, 
feijões, peixes e ocasionalmente vacas podem ser vistos nas cidades” (FAO, 1996, 
p. 1, tradução livre). De acordo com a Organização, as características demográficas 
também variariam “consideravelmente” entre regiões e condições econômicas. Ainda 
assim, a maioria dos produtores seria formada por residentes mais antigos das 
cidades, moderadamente pobres, e mulheres. Apesar das diferenças e condições e 
oportunidades, o perfil geral seria o mesmo tanto em países desenvolvidos como 
subdesenvolvidos. Para a FAO o aspecto mais importante da agricultura urbana 
seria a produção de alimentos para auto-consumo de famílias pobres de países 
subdesenvolvidos, mas a Organização reconhece que esse não é o único elemento 
relevante da agricultura urbana, sugerindo a grande diversidade de condições, 
finalidades, práticas e impactos da agricultura urbana (FAO, 1996). 
Em 1994, colaboradores do IDRC no livro Cities Feeding People destacaram 
32 
 
 
a dificuldade em se definir agricultura urbana, e também peri-urbana. Isso devido 
não só à grande diversidade de tipos de produtos cultivados, mas também dos 
meios de distribuição, dos sistemas produtivos e das áreas utilizadas para plantio. 
Segundo os autores, a falta de uma definição comum e da padronização de algumas 
variáveis, como medidas de produtividade, vinha dificultando a realização de estudos 
comparativos. E esses últimos seriam importantes para estimular políticas públicas 
ligadas ao tema. Ainda assim, os estudos compilados no livro, realizados no Quênia, 
Tanzânia, Etiópia e Uganda, revelaram algumas características consideradas 
comuns das iniciativas de agricultura urbana estudadas, como, por exemplo, que a 
produção urbana de alimentos era importante tanto para a renda quanto para o 
consumo das famílias. Além disso, ao contrário do esperado, em sua maioria os 
agricultores urbanos identificados não eram migrantes recém-chegados nas cidades, 
mas moradores mais antigos, de vários perfis socioeconômicos, ainda que a auto-
produção de alimentos seria mais importante principalmente nos domicílios onde a 
renda era mais baixa, e chefiados por mulheres. E que, apesar da relevância da 
agricultura urbana, os produtores enfrentariam dificuldades de acesso à terra, falta 
de informações e assessoria técnica, e o descaso, ou mesmo perseguição de 
autoridades locais. (EGZIABHER, 1994). 
Em 1999, Luc Mougeot enfrentou a questão do conceito de agricultura urbana 
em um grande relatório para o Cities Feeding People Report Series, do IDRC. Ele 
defendeu a necessidade de amadurecimento do conceito de agricultura urbana e 
que, para isso, seriam necessárias mais “coerência interna” e “funcionalidade 
externa” do conceito, para que se tornasse realmente uma “ferramenta útil” 
(MOUGEOT, 1999). Em última instância, a preocupação do autor era também com a 
promoção de políticas públicas favoráveis ao tema. Por maior “coerência interna”, 
Luc Mougeot pretendeu melhorar a correspondência entre a definição de agricultura 
urbana e sua realidade empírica. Por exemplo, o autor chamou a atenção para a 
necessidade de se diferenciar “agricultura na zona peri-urbana” e “agricultura peri-
urbana”. Assim, nas definições revisadas por Mougeot, excluindo-se os aspectos 
ligados a “localização”, não haveria diferenças entre a definição de agricultura rural e 
agricultura urbana. Já no que se refere à “funcionalidade externa”, Mougeot 
33 
 
 
defendeu que o conceito de agricultura urbana precisaria ser claro o suficiente para 
se complementar e se articular com outros conceitos como, por exemplo, o 
desenvolvimento urbano sustentável. Dessa forma, Mougeot deu destaque para a 
principal característica que, segundo ele, distinguiria a agricultura urbana da 
agricultura rural, que seria sua “integração ao sistema econômico e ecológico 
urbano”, algo que ele chamou de “eco-sistema” local. Ou seja, não seria a 
localização que distinguiria a agricultura urbana, mas o fato de que ela está 
incrustada e articulada com o “eco-sistema” urbano (MOUGEOT, 1999) 
A partir dessa reflexão, Mougeot propôs a seguinte definição alternativa para 
agricultura urbana: 
[…] uma indústria localizada dentro (intra-urbana) ou na margem (peri-
urbana) de uma vila, cidade ou metrópole, que planta ou cultiva, processa e 
distribui uma diversidade de produtos alimentares e não-alimentares, 
(re)utilizando em grande parte recursos humanos e materiais, produtos e 
serviço encontrados dentro ou no entorno de áreas urbanas, e por sua vez 
suprindo recursos humanos e materiais, produtos e serviços em sua maioria 
para aquela área urbana. (MOUGEOT, 1999, p.11, tradução livre). 
Mais tarde essa definição foi adotada pela UH-Habitat, pelo Programa 
Especial de Segurança Alimentar da FAO e o Cirad - Centre de coopération 
internationale en recherche agronomique pour le développement7 (MOUGEOT, 
2005). 
Segundo Mougeot, a agricultura pode ser mais ou menos urbana de acordo 
com sua capacidade de usar o eco-sistema urbano e, por outro lado, ser usada pelo 
mesmo sistema. No lado da produção, a integração entre agricultura urbana e o eco-
sistema urbano pode ser ilustrada pela sua complementaridade com a agricultura 
rural. De acordo com Mougeot, a agricultura urbana se distingue da rural na medida 
em que ela oferece aos mercados produtos distintos daqueles produzidos pela 
agricultura rural, por exemplo, enquanto a primeira se especializaria em hortaliças 
perecíveis, a segunda se dedicaria a produção de grãos. Além disso, a agricultura 
urbana estaria mais voltada para a produção para o auto-consumo, ou para 
mercados com menos intermediários. No lado dos insumos, a agricultura urbana 
 
7 O Cirad é uma instituição pública de pesquisa ligada aos Ministérios franceses de Educação 
Superior, Pequisa e Inovação e da Europa e Assuntos Estrangeiros. Suas pesquisas se dão nas 
áreas de ciências da vida, ciências sociais e engenharias aplicadas à agricultura, alimentação, 
meio ambiente e gestão de territórios. Sua missão é produzir e transmitir conhecimentos sobre 
inovação e desenvolvimento agrícola com seus “parceiros do Sul” (CIRAD, 2018) 
34 
 
 
faria mais uso de rejeitos gerados por outras atividades urbanas, como resíduos e 
efluentes orgânicos. Apesar de reconhecer que há poucas evidências empíricas, 
Mougeot defende que a agricultura encontrada em todas as cidades seria uma 
combinação entre agriculturas rural, peri-urbana e intra-urbana, sendo essa última 
aquela mais integrada ao eco-sistema urbano. E que a agricultura tenderia a se 
tornar mais urbana e mais integrada ao eco-sistema urbano por processos que se 
acumulariam ao longo do tempo e que seriam mais numerosos em cidades maiores. 
Ou seja, para o autor, a agricultura tenderia a se tornar mais urbana na medida em 
que o tempo passa e as cidades crescem (MOUGEOT, 2005). 
Sobre algumas características da agricultura e dos agricultores urbanos, diz 
Mougeot que “todo mundo faz um pouco de agricultura urbana, mas uns fazem mais 
que outros”, e, por causa dessa diversidade, ele propõe um sistema de classificação 
de produtores urbanos baseados nos seguintes critérios: zona da cidade, localização 
do sítio, modelo de tenência da terra, status socioeconômico, sistema de produção, 
escala de produção, alocação de tempo, destino da produção. Ainda assim, apesar 
da diversidade, Mougeot afirma que “a maioria dos produtores urbanos são homens 
e mulheres que cultivam alimentos em grande medida para auto-consumo em 
pequenos lotes que eles não possuem, com pouco ou nenhum suporte ou proteção” 
(MOUGEOT, 2005, p. 17, tradução livre). Em geral os produtores seriam de cidades 
menores, mas em sua maioria não seriamrecém-chegados. Em muitos 
levantamentos reunidos por Mougeot as mulheres tendem a ser predominantes, 
mas, segundo o autor, esse fenômeno ainda precisaria ser mais bem compreendido 
(MOUGEOT, 2005). 
Além da riqueza de perfis de produtores, outra característica da agricultura 
urbana que Mougeot destaca é a variedade de sistemas produtivos. Para ele, em 
geral o tipo de agricultura urbana empregada responderia a restrições externas, 
principalmente acesso à terra e a insumos. As formas de uso intensivo do espaço 
seriam encontradas principalmente em áreas centrais, enquanto formas mais 
extensivas migrariam para as periferias móveis da cidade, acompanhando o 
desenvolvimento urbano. Nesse sentido, o autor defende a importância do 
gerenciamento da agricultura urbana, que envolveria decisões sobre produtos 
35 
 
 
produzidos e escalas de operação que seriam permitidas para cada parte da cidade, 
como uma espécie de zoneamento. (MOUGEOT, 1999). Ainda assim, o autor 
reconhece que a agricultura urbana é tipicamente oportunista: “está em qualquer e 
todo o lugar onde pessoas podem encontrar mesmo o menor dos espaços para 
plantar algumas sementes” (MOUGEOT, 2006, p.5). 
Curiosamente, Mougeot em 2006 retorna a uma definição de agricultura 
urbana mais simples, típica da década de 1990: o cultivo, processamento e 
distribuição de plantas alimentares e não alimentares e cultivares arbóreos e a 
criação de animais, diretamente para o mercado urbano, tanto dentro quanto na 
margem da área urbana. Ela faz isso acionando recursos (espaço não usado ou 
subutilizado, resíduos orgânicos), serviços (extensão técnica, financiamento, 
transporte) e produtos (agroquímicos, ferramentas, veículos) encontrados nessa 
área urbana e, por sua vez, gerando recursos (áreas verdes, microclimas, 
composto), serviços (provisões, recreação, terapia) e produtos (flores, ovos, 
laticínios) principalmente para essa área urbana (SMIT et al., 1996; MOUGEOT, 
2006). 
Mougeot fez um balanço dos 30 anos de desenvolvimento de políticas em 
agricultura urbana, e extrai como características gerais principais: que a agricultura 
urbana não seria nem algo temporário, remanescente de uma cultura rural, nem um 
sintoma negativo de um desenvolvimento urbano interrompido; que, 
paradoxalmente, a agricultura urbana seria mais desenvolvida no hemisfério Norte 
do que no Sul, onde ela seria mais importante para o bem-estar dos citadinos; e que 
no Sul as políticas de apoio à agricultura urbana seriam menos desenvolvidas, mas 
também que esse cenário viria se alterando nas últimas décadas (MOUGEOT, 
2006). 
36 
 
 
Então, importa reconhecer como, ao longo desses trinta anos de 
desenvolvimento do tema, variaram o contexto, os problemas observados e as 
justificativas empregadas pelas ONGs e agências internacionais para a promoção da 
agricultura urbana. E convém, assim, observar como isso foi representado nas 
principais publicações internacionais identificadas até agora, conforme será feito a 
seguir. 
 
2.2 Das motivações atribuídas para o envolvimento c om agricultura 
urbana. 
 
O TFEN apresenta dois problemas gerais que motivaram a realização do 
projeto e que o conduziram a dar atenção à da agricultura urbana. Ambos estão 
ligados à crise energética vivida pelo mundo nos anos 1970. O primeiro foi o 
aumento de preços do barril de petróleo, que significou, para os países de 
industrialização avançada, dificuldades na aquisição de insumos para abastecer 
seus sistemas alimentares altamente dependentes de energia e petróleo. Para os 
países subdesenvolvidos, isso significou possíveis limitações no longo prazo, já que 
os altos custos de energia e fertilizantes (a base de petróleo) restringiram o 
potencial de aplicação do pacote tecnológico da Revolução Verde8. O outro 
problema afligiu especificamente países subdesenvolvidos onde, além das 
dificuldades ligadas a obtenção propriamente dita de alimentos, somaram-se 
limitações energéticas para a sua cocção. Ou seja, estava cada vez mais difícil, 
devido a restrições financeiras e de tempo de trabalho, notadamente para mulheres 
e crianças, obter lenha para o preparo de alimentos (SACHS; SILK, 1988). 
É nesse contexto que o TFEN identifica a relevância da agricultura urbana. O 
projeto se propôs atacar “sinergisticamente” as questões de energia e alimentação. 
O problema central identificado pelo trabalho seriam as interações entre o aumento 
dos preços dos combustíveis e o consequente aumento dos custos de transporte e 
 
8 Chama-se de Revolução Verde o processo de industrialização da produção agrícola ocorrido em 
escala global nas décadas de 1960 e 1970. Esse processo é caracterizado por aumento de escala da 
produção baseado no uso de máquinas pesadas, herbicidas e fertilizantes químicos, com foco no 
processamento de alimentos para exportação (Moreira, 2000). 
37 
 
 
da produção agrícola, que iriam “inevitavelmente elevar os preços de alimentos para 
fora do alcance de milhões de pessoas já famintas”. Na visão dos autores, o 
crescimento das populações humanas, apesar dos “esforços de reduzir taxas de 
fertilidade”, deveriam provocar também o aumento das demandas tanto por 
alimentos quanto por energia. Para eles, os países em desenvolvimento não 
poderiam resolver o problema da alimentação sem resolver o problema energético 
e, sem uma solução satisfatória para ambos, seu crescimento econômico seria 
severamente restringido. A centralidade do nexo entre alimentos e energia exigiria 
uma abordagem abrangente. Assim, “apenas por meio de um claro entendimento do 
pivot alimentos-energia a situação pode ser revertida” (SACHS; SILK, 1988, p. 1, 
tradução livre) 
O trabalho do TFEN apoiou-se na noção de eficiência no uso de energia e 
insumos, e no conceito de ecodesenvolvimento (SACHS, 1980). Os eixos do projeto 
foram o desenvolvimento de sistemas integrados alimentos-energia como 
catalisadores para o desenvolvimento rural e a industrialização; e a construção de 
estratégias alternativas de desenvolvimento urbano baseadas em maior 
autossuficiência. Assim, mesmo que, segundo o relatório, a agricultura urbana não 
pudesse substituir outras estratégias, e “por isso programas de redistribuição de 
renda precisam continuar”, ela teria a vantagem de “gerar independência (...) ela 
usa muitos dos princípios do desenvolvimento local autossuficiente baseado em 
iniciativas que podem ser tomadas diretamente pelas pessoas locais usando 
recursos já disponíveis na comunidade” (SACHS; SILK, 1988, p. 5, tradução livre). 
O artigo de Smit e Nasr de 1992 avança sobre a questão da agricultura 
urbana por meio de uma abordagem ecossistêmica. O problema principal posto pelo 
artigo é que cidades sustentáveis precisariam de processos econômicos que 
fechassem seus “sistemas de circuito aberto”, em que os insumos utilizados são 
importados de outros locais para áreas urbanas, e os resíduos, por sua vez, são 
lançados como rejeito na sua “bioregião” ou na biosfera. Para os autores, o 
crescimento da agricultura urbana, que usa resíduos sólidos e efluentes líquidos 
como insumos, poderia fechar os “circuitos ecológicos” urbanos, e dar uma utilidade 
eficiente para os espaços e corpos hídricos desocupados das cidades (SMIT; NASR, 
38 
 
 
1992). 
Esse artigo foi explicitamente inspirado pelo trabalho do Food-Energy Nexus. 
É deste último que provêm a inspiração pela promoção da “eficiência” nos 
processos urbanos e, daí, o interesse na reciclagem de resíduos, na otimização no 
uso do espaço e de insumos e na conservação de energia. A questão principal do 
trabalho é como promover, diante da rápida urbanização e crescimento das cidades, 
especialmente no Terceiro Mundo, uma cidade “ecologicamente eficiente”, onde 
todos os recursos ociosos são maximizados e a geração de resíduos é minimizada 
(SMIT; NASR, 1992). 
A abordagem relacionada à ecoeficiênciada cidade faz parte do contexto da 
discussão ambiental da época, notadamente da noção de desenvolvimento 
sustentável, consagrada pelo Relatório Brundtland. A preocupação com a eficiência 
no uso de recursos fica explícita, por exemplo, na menção à agricultura urbana no 
Relatório Brundtland, no subcapítulo “O desafio urbano nos países em 
desenvolvimento”, mais especificamente na seção “Aproveitando mais recursos”. De 
acordo com o relatório, os recursos disponíveis dentro ou próximo das cidades 
frequentemente são subutilizados, já que “muitos proprietários de terra mantém 
muitos locais bem localizados subdesenvolvidos, para mais tarde se beneficiarem 
do aumento de seu valor na medida em que a cidade cresce”. É nesse espírito, de 
que a terra seria um recurso subutilizado, que os autores sugerem que os governos 
deveriam apoiar a agricultura urbana, principalmente onde o mercado de terras é 
menos desenvolvido, para “reunir terra para o bem comum”. (BRUNDTLAND et al, 
1987, p. 211, tradução livre) 
De acordo com o relatório Brundtland, o rápido crescimento populacional 
dificulta a provisão de serviços básicos necessários a uma “vida adequada”, como: 
água limpa, saneamento, escolas e transporte. Já a “expansão física descontrolada” 
implica em “perdas desnecessárias” de terra (ex. terras agricultáveis e áreas 
verdes), acompanhadas por impactos ambientais e econômicos. Ainda segundo 
Brundtland e seus colaboradores, 
[...] em geral, o crescimento urbano precede o estabelecimento de uma 
base econômica sólida, diversificada, para suportar a construção de 
moradias, infraestrutura e emprego. [...] a crise econômica dos anos 1980 
39 
 
 
não apenas reduziu rendas, aumentou o desemprego e eliminou muitos 
programas sociais, mas também exacerbou a já pequena prioridade dada 
aos problemas urbanos, aumentando a deficiência crônica de recursos 
necessários para construir, manter e gerir áreas urbanas (BRUNDTLAND et 
al, 1987, p. 241). 
Já ao longo da década de 1990 o foco da relevância dada à agricultura urbana 
parece se alterar sutilmente, e passa a orbitar mais em torno de questões ligadas à 
segurança alimentar senso estrito. Por exemplo, o livro de Smit e seus 
colaboradores de 1996 apresenta o tema de agricultura urbana de uma maneira 
diferente daquela feita em seu artigo de 1992. O aspecto central não se refere mais, 
tanto, à eficiência ecológica das cidades. Para os autores, a 
[...] agricultura urbana é uma atividade econômica significativa, central para 
as vidas de dezenas de milhões de pessoas ao redor do mundo. É uma 
indústria em rápido crescimento que é cada vez mais essencial para a 
segurança econômica e nutricional de residentes urbanos, e que possui 
amplas implicações econômicas, ambientais e de saúde (SMIT et al., 1996, 
p. 1, tradução livre). 
Assim, da mesma forma como em seu artigo de 1992, Smit e os co-autores 
defendem o papel da agricultura urbana na promoção da “cidade sustentável”. 
Entretanto, é dada mais atenção à questão alimentar. O problema apresentado seria 
a “rápida urbanização”, especialmente em países de “baixa renda” e com “carência 
de alimentos”. Assim, de acordo com os autores, o fenômeno da urbanização 
incluiria o 
[...] terrível fato de que a pobreza está deixando de ser predominantemente 
rural para ser principalmente urbana. Significativamente, insegurança 
alimentar e desnutrição afetam mais áreas urbanas de baixa renda do que 
vilarejos pobres, o que exige produção de alimentos dentro de áreas 
urbanas para prover benefícios não-monetários para os pobres” (SMIT et 
al., 1996, p. 3, tradução livre). 
Os autores destacam a oportunidade de se analisar a agricultura urbana à luz 
dos sistemas, urbanos e nacionais, de oferta e demanda de alimentos. O ponto de 
partida dessa análise é o reconhecimento que a urbanização afetaria a estrutura de 
oferta e demanda de alimentos de todo um país. Do lado da demanda, segundo os 
autores, nas cidades cresceria o consumo de alimentos industrializados, 
processados, carnes e produtos importados. Do lado da oferta, a urbanização 
induziria o desenvolvimento de infraestruturas de transporte, processos de 
acondicionamento, armazenamento e comercialização mais elaborados para prover 
40 
 
 
a cidade com alimentos de áreas rurais remotas e do estrangeiro. Para Smit e seus 
colaboradores, com a rápida urbanização, mais moradores das cidades precisariam 
de comida, mas em muitos casos isso não seria acompanhado pela produtividade 
agrícola e pelos sistemas de transporte e comercialização, principalmente em 
“países em desenvolvimento”. Ou seja, seria nos momentos em que os sistemas de 
transporte e comercialização desses alimentos de origens distantes não funcionam 
bem que a agricultura urbana se tornaria uma opção “competitiva”, e prosperaria 
(SMIT et al., 1996). 
Em publicação do IDRC de 1994, alega-se que o interesse pela produção 
urbana de alimentos resultou da constatação de que esse fenômeno vinha 
aumentando na África Subsaariana. Isso poderia ser explicado pelo fato de que 
aquela região era a única parte do mundo onde a produção per capita de alimentos 
declinou durante a década de 1980, e onde a oferta inadequada de alimentos estava 
sendo exacerbada por pressões do ajuste estrutural que reduziram a oferta de 
emprego e a queda de preços de cultivares de exportação que, tanto aumentaram o 
êxodo rural, quanto reduziram a capacidade dos governos de manter estoques de 
alimentos. Além disso, naquele momento, a capacidade mundial de oferecer 
emergencialmente alimentos estaria pressionada por uma crise geral de forme e 
guerras. Diante desse contexto, para o IDRC, caso as políticas de ajuste estrutural 
fossem bem-sucedidas, a agricultura urbana deveria crescer ainda mais, devido ao 
desemprego, ao recuo dos serviços públicos, ao crescimento populacional, à 
restrição das mulheres aos espaços domésticos, e à demanda crescente pela oferta 
abundante, regular, barata de alimentos de boa qualidade (EGZIABHER et al, 1994). 
Na mesma publicação, Mougeot, colaborador do IDRC, reconhece que a 
agricultura urbana não seria um fenômeno novo, já que haveria registros 
arqueológicos de produção de alimentos em cidades em períodos tão diversos e 
antigos quanto o império Persa e as cidades-estados gregas, até cidades pré-
Olmecas. O autor também cita exemplos de produção urbana de alimentos no 
século XX em cidades da Ásia, inclusive com apoio de governantes e planejadores. 
Mas, afirma Mougeot, a partir da década de 1970 a agricultura urbana viria 
crescendo em partes do “mundo em desenvolvimento”, segundo ele, devido a 
41 
 
 
fatores como: rápida urbanização, políticas agrícolas ineficientes, sistemas 
domésticos ruins de distribuição de alimentos, gastos públicos e subsídios 
reduzidos, cortes nos salários, inflação, desemprego, queda acentuada no poder de 
compra, e regulações e fiscalização frouxas para o uso da terra, além de guerras, 
conflitos civis e desastres naturais que prejudicam a produção rural de alimentos e 
as linhas de abastecimento das cidades (MOUGEOT, 1994). 
Para Smit e seus colaboradores, ao contrário de ser episódica ou ligada a 
crises momentâneas, a insegurança alimentar teria se tornado crônica e sistêmica 
nas cidades, e não se restringiria às classes de renda ou países mais pobres – mas 
eles não exploram as razões dessa insegurança crônica. Nesse sentido, os autores 
defendem que a agricultura urbana poderia contribuir para “aliviar essa crise”. Ainda 
que não fosse “a única resposta para a insegurança alimentar urbana, mas em 
muitas situações é um elemento essencial dessa resposta, que vai ser um tanto 
diferente na forma de sua aplicação em cada cidade ou país” (SMIT et al., 1996, p. 
22, tradução livre). 
No relatório State of Food and Agriculture, de 1996, a FAO afirma que, apesar 
das dificuldades de quantificação precisa, a agricultura urbana teria um “potencial 
escondido”

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