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Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Ciências da Saúde Instituto de Bioquímica Médica LUIZE GONÇALVES LIMA MICROVESÍCULAS TUMORAIS: Papel na Biologia do Tumor com Ênfase em Processos Imunossupressivos e Pró-Trombóticos Rio de Janeiro Março de 2008 MICROVESÍCULAS TUMORAIS: Papel na Biologia do Tumor com Ênfase em Processos Imunossupressivos e Pró-Trombóticos Luize Gonçalves Lima Dissertação submetida ao Instituto de Bioquímica Médica - IBqM da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Química Biológica Orientador: Dr. Robson Q. Monteiro Professor Adjunto do Instituto de Bioquímica Médica/CCS/UFRJ Co-orientador: Dr. Marcello A. Barcinski Professor Titular do Departamento de Parasitologia/ICB/USP Rio de Janeiro Março de 2008 iii Folha de Aprovação Luize Gonçalves Lima MICROVESÍCULAS TUMORAIS: papel na biologia do tumor com ênfase em processos imunossupressivos e pró-trombóticos Rio de Janeiro, 07 de março de 2008. _______________________________________ (Dr. Robson de Queiroz Monteiro, Prof. Adjunto do IBqM, UFRJ) _______________________________________ (Dr. Marcello Barcinski, Prof. Titular do Instituto de Ciências Biomédicas, USP) _______________________________________ (Dra. Russolina Benedeta Zingali, Profª. Adjunta do IBqM, UFRJ ) _______________________________________ (Dr. Hugo Caire de Castro Faria Neto, Pesquisador Titular da FIOCRUZ, RJ) _______________________________________ (Dr. Roger Chammas, Prof. Associado da Faculdade de Medicina da USP, SP) _______________________________________ (Dra. Vivian Mary B. D. Rumjanek, Profª. Titular do IBqM, UFRJ) _______________________________________ (Dra. Sandra König, Profª. Adjunta do Instituto de Ciências Biomédicas, UFRJ) iv Ficha Catalográfica Lima, Luize Gonçalves. Microvesículas tumorais: papel na biologia do tumor com ênfase em processos imunossupressivos e pró-trombóticos / Luize Gonçalves Lima. – Rio de Janeiro, 2008. xviii, 120f. Dissertação (Mestrado em Química Biológica) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Bioquímica Médica – CCS, 2008. Orientador: Robson de Queiroz Monteiro Co-orientador: Marcello André Barcinski 1. Palavras chaves: I. Monteiro, Robson de Queiroz (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Bioquímica Médica. III. Título. v A Bete, por me apresentar à carreira científica de maneira tão prazerosa, e por me iniciar no “Fantástico Mundo das Microvesículas”, dois empreendimentos importantes que me trouxeram até esse momento. vi Agradecimentos Gostaria de aproveitar este espaço para agradecer àqueles que foram de fundamental importância para a realização deste trabalho, assim como às pessoas que contribuíram, de alguma forma, para a minha formação profissional, assim como para meu crescimento pessoal. Primeiramente, agradeço a esta força superior cósmica, que me guia e que me abre portas, e a qual já foi citada por Albert Einstein como “a mais forte motivação da pesquisa científica”, por se mostrar sempre presente e por tornar impossível duvidar de sua existência. Aos meus heróis, meus queridos pais, palavras não são suficientes para expressar minha enorme gratidão por todo apoio e por todo suporte físico, emocional e afetivo, acompanhados sempre de seu amor incondicional. Obrigada, mãe e pai, pela amizade, pela confiança em meus passos e pelo orgulho que sentem de minhas conquistas, as quais são sempre comemoradas como se fossem suas próprias. Por toda sua dedicação e carinho, gostaria de agradecer a minha ‘vó Cecília’, que me estimula sempre a correr atrás de meus sonhos. Agradeço ainda aos meus irmãos, especialmente a meu eterno ‘maninho’ Rafael, assim como às minhas queridas cunhadas, pela nossa relação de amizade, por todo amor e apoio. E a vocês, meus outros “irmãos”, amigos especiais que escolhi para fazerem parte de minha vida (e cujos nomes não serão citados porque corro sério risco de esquecer alguém!), obrigada pela amizade e carinho irrestritos. A essa pessoa tão especial em minha vida, meu amado companheiro Osny, agradeço por todos os momentos compartilhados, sejam eles felizes ou tristes, por toda a ansiedade e estresse suportados, pelo sorriso nas horas difíceis, pelo amor e cuidado dedicados. Sua presença é essencial em minha vida, e graças a todo apoio que me destina, continuo construindo meu caminho nessa atividade apaixonante que é a pesquisa. Aproveito para agradecer pela segunda família que colocou em minha vida, meus sogros e meu cunhado queridos, aos quais dedico todo amor e gratidão. vii Agradeço ao caríssimo Dr. Marcello Barcinski – Marcello, sem formalidades – por me acolher na Divisão de Medicina Experimental e especialmente no Grupo Infecção e Câncer. Obrigada pela confiança em meu trabalho e por todo direcionamento. Ao Robson, obrigada por me receber em seu grupo, por toda orientação, pela troca e doação de idéias, pelos desabafos ouvidos pacientemente, por seu infinito entusiasmo e pela compreensão e apoio sempre. Não poderia deixar de agradecer ainda à professora Vivian, pelos valiosíssimos conselhos e dicas, os quais foram de extrema importância para determinar os rumos de meu trabalho. Agradeço também aos “amigos trombóticos” pelo dia-a-dia compartilhado, repleto de deliciosas conversas, nem sempre muito “científicas”, as quais tornam a rotina de trabalho bastante agradável. Especialmente às meninas, Andréa, Andreia, Angélica, Camilla, Dani, Fabiana, Flávia, Luciana, Morgana, Renata e Tati, é um grande prazer conviver e dividir com vocês não só bancadas, materiais, computadores, etc., mas também importantes momentos da minha vida. Aos amigos que fiz na Divisão de Medicina Experimental, e que não necessariamente continuam por lá, especialmente aos Barcinskianos, Bonomianos e Martinianos, “companheiros do mesmo lado”, agradeço pela troca de experiências, pelas pipetas e materiais emprestados, pelas prazerosas (e cada vez mais raras, no meu caso) pausas para o café... Jéssica, João Luiz, Poli, Lúcia, Fernanda, Aline, Sheila, João Paulo, Rafa, Ana Paula, Rômulos, Carol, Chica, Gustavo, enfim, obrigada a todos pela amizade que por vezes extrapolou as paredes do INCa, proporcionando encontros muito felizes. À minha aluna talentosíssima, Juliana, obrigada pela nossa relação de amizade e por me proporcionar desenvolver essa gratificante atividade que é a orientação, a qual me permite aprender muito mais do que ensinar. Agradeço aos professores/colaboradores: Dra. Lina Zingali, Dra. Sandra König, Dr. Roger Chammas, Dr. Ernesto de Meis, Dr. José Morgado, que de alguma forma contribuíram para a realização desse trabalho, seja através da troca de idéias e da disponibilidade constante, dos reagentes e materiais emprestados, ou ainda, dos ensinamentos compartilhados para sempre. Quero agradecer também ao IBqM, por toda oportunidade e conhecimento transmitido, e por me permitir conhecer e conquistar amigos maravilhosos. viii Finalmente, gostaria de agradecer às agências e instituições de fomento (Faperj, CNPq, FUJB, INCa/FAF, Swiss Bridge) pello importante suporte financeiro. Obrigada por todo crédito e investimento no trabalho e, principalmente, por fazer as coisas acontecerem. ix "A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original." - Albert Einstein- x Resumo Microvesículas (MVs) são fragmentos de membrana liberados a partir da superfície de diversos tipos celulares, após processos como ativação celular e apoptose, e sua formação está intimamente ligada à perda de assimetria fosfolipídica de membrana, especialmente à exposição de fosfatidilserina (PS). Embora os efeitos biológicos de MVs sejam extremamente variados, acredita-se que a produção de MVs desempenha uma importante função na biologia tumoral, com possível envolvimento na modulação de estados imunossupressivos e pró- trombóticos. Nesse contexto, procuramos esclarecer o papel de microvesículas produzidas pelo melanoma no estabelecimento do tumor maligno. Dessa forma, observamos que células B16F10, uma linhagem de melanoma altamente metastática, produz, in vitro, grandes quantidades de MVs expondo PS. Tais MVs foram capazes de estimular, in vitro, a produção de TGF-β1 – um fator imunorregulatório com grande importância no processo de progressão maligna – por macrófagos, assim como aumentar o potencial metastático in vivo de células B16F10. Ambos os efeitos foram dependentes de PS, sendo revertidos por anexina V. Interessantemente, MVs de melanoma induziram ainda metástases pulmonares após inóculo de células B16F10 em camundongos BALB/c, normalmente resistentes a essa linhagem celular. Além disso, buscamos caracterizar as propriedades pró-coagulantes de MVs produzidas pela linhagem de melanoma Tm1, tal como comparada à sua linhagem parental de melanócitos não-tumorigênicos (melan-A). Apesar da taxa de produção de MVs ser consideravelmente maior na linhagem celular tumoral, a exposição de PS foi bastante semelhante em MVs derivadas de ambas as linhagens melan-A e Tm1. Isso se refletiu na capacidade dessas estruturas em promover a formação do complexo pró-coagulante protrombinase, um processo dependente da presença de superfícies aniônicas ricas em PS. Como esperado, ambas as MVs permitiram a ativação de protrombina em níveis similares. Por outro lado, MVs derivadas de melanoma aceleraram o tempo de coagulação plasmático de maneira mais eficiente, sugerindo uma maior exposição da proteína iniciadora da coagulação Fator Tecidual, a qual foi detectada na superfície de células Tm1, mas não de melan-A. Finalmente, MVs obtidas de plasma de camundongos inoculados com células de melanoma apresentaram um padrão pró-coagulante similar ao de MVs produzidas in vitro pela linhagem Tm1. Em conjunto, nossos resultados demonstram que MVs tumorais desempenham importante papel no estabelecimento do melanoma maligno in vivo, e indicam sua participação na modulação de respostas inflamatórias e imunes anti-tumorais, assim como na ativação do processo de coagulação sanguínea. xi Abstract Microvesicles (MVs) are membrane fragments that can be shed from the cell surface of various cell types under conditions such as cell activation and apoptosis, being this phenomenon closely associated with loss of phospholipid asymmetry, especially to phosphatidylserine (PS) exposure. Despite the variety of biological effects related to MVs, it is supposed that MVs production play an important role in tumor biology and might modulate immunosupressive and prothrombotic states. Within this context, we attempted to elucidate the contribution of melanoma-derived MVs to the establishment of malignant tumor. Herein we observed that B16F10 cells, a highly metastatic melanoma cell line, produce large quantities of PS-containing microvesicles in vitro. Tumor MVs increased TGF-β1 production by cultured macrophages and, in vivo, enhanced the metastatic potential of B16F10 cells in C57BL/6 mice, both effects being reversed by annexin V. Most strikingly, MVs induced melanoma metastasis in BALB/c mice, which are normally resistant to this tumor cell line. Furthermore, we characterized the procoagulant properties of MVs produced by the tumorigenic melanoma cell line Tm1, as compared to its counterpart non-tumorigenic melanocyte-derived cell line, melan-A. Although the rate of MVs production was considerably higher in the tumorigenic cell line, PS exposure was nearly identical in MVs from both melan-A and Tm-1. This result is reflected by the ability of these structures to assembly the procoagulant complex prothrombinase, a process that is dependent on the presence of PS-rich anionic membranes. As expected, both MVs supported prothrombin activation at similar rates. On the other hand, melanoma-derived MVs shortened the coagulation time of murine plasma in a lower concentration range than melan-A MVs, suggesting the presence of higher amounts of the clotting initiator, Tissue Factor. In support of this observation, Tissue Factor was detected on the surface of Tm1 but not melan-A cells. Finally, MVs obtained from plasma of melanoma-bearing mice showed a similar procoagulant pattern as compared to Tm1 MVs produced in vitro. Altogether, our results show that tumor-derived MVs play an important role in the in vivo establishment of malignant melanoma and further indicate their involvement in the modulation of host’s inflammatory and/or anti-tumoral immune responses, as well as in blood coagulation activation. xii Lista de Siglas e Abreviaturas ADP adenosina difosfato An V anexina V ATP adenosina trifosfato BSA albumina sérica bovina DME Dulbecco’s Modified Eagle (meio de cultura) EDTA ácido etilenodiaminotetracético FITC isoticianato de fluoresceína FIX fator IX FIXa fator IX ativado FSC espalhamento de luz frontal FVa fator V ativado FVIIa fator VII ativado FVIIIa fator VIII ativado FX fator X FXa fator X ativado FXI fator XI FXIa fator XI ativado IFNγ interferon gama IL-1β interleucina 1 beta IL-10 interleucina 10 IL-12 interleucina 12 LPS lipopolissacarídeo MAA antígeno associado a melanoma MHC complexo maior de histocompatibilidade xiii Mφ macrófagos MVs microvesículas PAR receptor ativado por protease PBS salina tamponada por fosfato PI iodeto de propídeo PMA forbol 12-miristato 13-acetato PS fosfatidilserina PSGL-1 glicoproteína ligante de P-selectina 1 SFB soro fetal bovino SSC espalhamento de luz lateral TEV tromboembolismo venoso TF fator tecidual TGF-β fator de crescimento tumoral beta TNFα fator de necrose tumoral alfa VEGF fator de crescimento do endotélio vascular xiv Lista de Figuras Figura 1 – Exemplos de MVs liberadas por diferentes tipos celulares ativados ............................................................................................................ 3 Figura 2 – Mecanismos associados ao processo de formação de MVs .......... 5 Figura 3 – Presença de microvesículas no microambiente tumoral ................ 8 Figura 4 – Modelo de modulação da resposta imune por microvesículas tumorais ........................................................................................................... 13 Figura 5 – Cascata de coagulação sanguínea ................................................ 15 Figura 6 – Reações da coagulação dependentes de superfícies de membrana ........................................................................................................ 16 Figura 7 – Caracterização de MVs produzidas in vitro por células B16F10 .... 40 Figura 8 – Detecção da exposição do antígeno MAA em MVs de melanoma por citometria de fluxo ...................................................................................... 40 Figura 9 – Análise da exposição PS na superfície de células B16F10 ........... 42 Figura 10 – Análise da exposição de PS em MVs derivadas de células B16F10 ............................................................................................................ 43 Figura 11 – Formação do complexo protrombinase promovida por MVs de melanoma B16F10 ........................................................................................... 44Figura 12 – Efeito inibitório de anexina V sobre a formação do complexo protrombinase induzida por MVs de melanoma .............................................. 45 Figura 13 – Modulação da produção de TGF-β1 por MVs de melanoma em culturas de macrófagos ativados ..................................................................... 46 Figura 14 – Papel de MVs tumorais no estabelecimento do melanoma B16F10 em camundongos C57BL/6 ................................................................ 47 Figura 15 – Papel de MVs tumorais no estabelecimento do melanoma B16F10 em camundongos BALB/c .................................................................. 49 Figura 16 – Produção de MVs pelas linhagens celulares melan-A e Tm1 51 xv Figura 17 – Análise da exposição de PS em MVs derivadas de células Tm1 e melan-A ......................................................................................................... 53 Figura 18 – Formação do complexo protrombinase promovida por MVs de melanócitos melan-A e de melanoma Tm1 ..................................................... 54 Figure 19 – Atividade pró-coagulante de MVs derivadas das linhagens celulares melan-A e Tm1 ................................................................................. 56 Figura 20 – Análise da exposição de Fator Tecidual em células Tm1 e melan-A ............................................................................................................ 56 Figura 21 – Análise da presença de MVs em plasma de camundongos C57BL/6 inoculados com células de melanoma Tm1 ou melanócitos melan-A ............................................................................................................ 58 Figure 22 – Atividade pró-coagulante de MVs obtidas ex vivo a partir do plasma de camundongos inoculados com a linhagem celular Tm1 ................ 59 xvi Sumário 1. Introdução ................................................................................................. 1 1.1. Microvesículas ....................................................................................... 2 1.1.1. Breve histórico .................................................................................... 2 1.1.2. Processo de formação de microvesículas .......................................... 4 1.2. Características funcionais de microvesículas ........................................ 6 1.3. Microvesículas e câncer ........................................................................ 7 1.3.1. Câncer e imunossupressão ................................................................ 9 1.3.1.1. Papel do TGF-β1 no câncer ............................................................. 10 1.3.1.2. Microvesículas tumorais como partículas imunossupressoras ........ 11 1.3.2. Câncer e coagulação .......................................................................... 13 1.3.2.1. Coagulação sanguínea .................................................................... 13 1.3.2.2. Estados hipercoagulantes no câncer ............................................... 17 1.3.2.3. Câncer e microvesículas pró-coagulantes ....................................... 20 1.4. Papel de microvesículas no estabelecimento do melanoma maligno ... 23 2. Objetivos ................................................................................................... 26 2.1. Objetivo geral ......................................................................................... 27 2.2. Objetivos específicos ............................................................................. 27 3. Materiais e métodos .................................................................................. 28 3.1. Cultura de células .................................................................................. 29 3.2. Purificação de MVs secretadas em sobrenadantes de cultura de células ........................................................................................................... 29 3.3. Análises por citometria de fluxo ............................................................. 30 3.3.1. Avaliação da exposição de fosfatidilserina ......................................... 30 3.3.2. Avaliação da exposição do antígeno associado a melanoma MAA ... 31 xvii 3.3.3. Avaliação da exposição de Fator Tecidual ......................................... 31 3.4. Microscopia de fluorescência ................................................................. 32 3.5. Microscopia eletrônica ........................................................................... 33 3.6. Ensaio de ativação da protrombina ....................................................... 34 3.7. Quantificação de TGF-β1 em co-culturas de macrófagos e MVs de melanoma B16F10 ........................................................................................ 35 3.8. Estabelecimento in vivo do melanoma B16F10: modelo de metástase 35 3.9. Ativação da coagulação sanguínea in vitro ........................................... 36 3.10. Purificação de MVs a partir do plasma de camundongos C57BL/6 inoculados com células de melanoma Tm1 ou melanócitos melan-A .......... 36 3.11. Análises estatísticas ............................................................................ 37 4. Resultados ................................................................................................ 38 4.1. Papel de microvesículas de melanoma B16F10 na metástase tumoral 39 4.1.1. Células de melanoma B16F10 produzem microvesículas in vitro ...... 39 4.1.2. Células B16F10 e microvesículas de melanoma expõem PS em sua superfície externa ......................................................................................... 41 4.1.3. Microvesículas derivadas de células B16F10 modulam a produção de TGF-β1 por macrófagos ........................................................................... 45 4.1.4. Microvesículas tumorais aumentam o potencial metastático de células B16F10 em camundongos C57BL/6 ................................................. 46 4.1.5. Microvesículas tumorais aumentam o potencial metastático de células B16F10 em camundongos BALB/c ................................................... 48 4.2. Caracterização da atividade pró-coagulante de microvesículas derivadas de melanócitos e melanoma ........................................................ 50 4.2.1. Produção de microvesículas por melanócitos murinos melan-A e células de melanoma Tm1 ............................................................................ 50 4.2.2. Exposição de PS e promoção da formação do complexo protrombinase por ambas as MVs produzidas por melanócitos e células de 51 xviii melanoma ..................................................................................................... 4.2.3. MVs de melanoma aceleram o tempo de coagulação de plasma murino de maneira mais eficiente do que MVs produzidas por melanócitos 54 4.2.4. MVs derivadas ex vivo de camundongos C57BL/6 inoculados com células de melanoma Tm1 apresentam potencial pró-coagulante semelhante àquelas obtidas in vitro .............................................................. 57 5. Discussão ................................................................................................. 60 6. Conclusão ................................................................................................. 68 7. Referências ............................................................................................... 70 Anexos .......................................................................................................... 83 Anexo 1 – Tumor-derived microvesicles modulate the establishment of metastatic melanoma in a phosphatidylserine-dependent manner ............... 84 Anexo 2 – Procoagulant properties of human MV3 melanoma cells ……..... 1131 INTRODUÇÃO 2 1.1 MICROVESÍCULAS Microvesículas (MVs) são fragmentos liberados a partir da membrana plasmática de células viáveis ou danificadas, normais ou malignas, quando estas são submetidas a estados de ativação celular, os quais incluem crescimento e proliferação celulares, ou ainda, ao processo de morte celular por apoptose (FREYSSINET, 2003). Essas estruturas vesiculares intactas são bastante heterogêneas em tamanho (seu diâmetro pode variar de 0,1-1 μm) e composição, sendo constituídas principalmente de diferentes lipídios e proteínas de membrana similares àqueles presentes na célula da qual se originam. Além disso, podem conter proteínas e transcritos de RNA mensageiro derivados do meio intracitoplasmático (RATAJCZAK et al., 2006a) ou, ainda, seqüestrarem organelas inteiras como mitocôndrias (SPEES et al., 2006). 1.1.1 Breve histórico A primeira evidência da existência de MVs surgiu ainda na década de 40, quando Chargaff e West observaram que frações subcelulares de soro e plasma humanos continham um fator precipitável que facilitava a geração de trombina e conseqüente formação de fibrina (CHARGAFF e WEST, 1946). Contudo, apenas em 1967, com o surgimento de técnicas mais eficientes de microscopia eletrônica, Wolf foi capaz de demonstrar que este fator, obtido a partir da ultracentrifugação de plasma livre de plaquetas, consistia, na verdade, em pequenas vesículas derivadas da membrana celular de plaquetas ativadas, as quais apresentavam atividade pró-coagulante comparável à célula de origem (WOLF, 1967). 3 Desde então, a produção de MVs já foi descrita em diversos tipos celulares (Fig. 1), e vários termos já foram utilizados para denominar essas estruturas, originalmente chamadas de “poeira de plaquetas”. Estas mesmas MVs derivadas de plaquetas ativadas, por exemplo, são atualmente mais conhecidas como “micropartículas”, enquanto MVs liberadas por leucócitos polimorfonucleares ativados são freqüentemente chamadas de “ectossomos”. Apesar de produzidas por praticamente todos as células eucarióticas, grande ênfase tem sido dada ao estudo de MVs derivadas de células sanguíneas, provavelmente devido ao fato de estas serem componentes constitutivos do plasma humano normal, sendo secretadas por leucócitos, eritrócitos, células endoteliais e plaquetas. Além disso, MVs têm seu número aumentado no sangue periférico em processos como injúria celular, inflamação, trombose, hipóxia, entre outros, e podem ser produzidas também por células neoplásicas (RATAJCZAK et al., 2006b). Isso explica os maiores níveis de MVs circulantes em pacientes com infecções, doenças cardiovasculares e câncer, além de evidenciar a grande relevância clínica desses fragmentos. Figura 1 – Exemplos de MVs liberadas por diferentes tipos celulares ativados. (A) Microscopia eletrônica de varredura mostrando a liberação de MVs por células endoteliais de veia umbilical humana (HUVEC) após estímulo com interleucina 1. (B) MV (seta branca) liberada por células K562 tratadas com dose sublítica de anticorpo e complemento. Microscopia ótica, tamanho da vesícula: ∼1 μm. (C) Ectossomos liberados por células polimorfonucleares ativadas com fMLP. Microscopia eletrônica de transmissão, marcação negativa. Adaptado de Diamant et al., 2004; e Pilzer et al., 2005. 4 1.1.2 Processo de formação de microvesículas Os mecanismos exatos envolvidos no processo de formação de MVs ainda não são completamente conhecidos. Porém, sabe-se que este fenômeno demanda gastos de energia e é dependente do aumento dos níveis intracelulares de cálcio, assim como da conseqüente ativação de proteases como a calpaína, que desestabilizam a ancoragem da membrana plasmática ao citoesqueleto através da clivagem de filamentos de actina e de outras proteínas a estes associadas (FOX et al., 1990; FOX et al., 1991; PICCIN, MURPHY e SMITH, 2007). Ao mesmo tempo, outras duas enzimas presentes na membrana plasmática, em particular, têm sua atividade modulada pelos níveis aumentados de cálcio no citoplasma: aminofosfolipídio translocase e escramblase. A primeira, também conhecida como flipase dependente de adenosina trifosfato (ATP), e inibida por cálcio, é a principal responsável pela manutenção da assimetria da membrana plasmática, uma vez que transporta os aminofosfolipídios fosfatidilserina (PS) e fosfatidiletanolamina (PE) da camada externa para a camada interna da membrana, de modo específico e contra seu gradiente de concentração. Já a segunda, ativada por cálcio, atua no transporte lipídico bidirecional não-específico. Em conjunto, a inibição da aminofosfolipídio translocase e a ativação da escramblase por altas concentrações de cálcio provocam o colapso da assimetria de membrana, levando a uma distribuição randômica de fosfolipídios entre ambas as faces da membrana plasmática. Tal processo é normalmente acompanhado pelo brotamento de MVs “simétricas” a partir da superfície celular; logo, a microvesiculação parece ser parte integrante do processo de remodelamento de membranas plasmáticas, estando intimamente 5 ligada à externalização de PS (COMFURIUS et al., 1990; ZWAAL e SCHROIT, 1997). De fato, dados na literatura mostram que células provenientes de indivíduos portadores da Síndrome de Scott, uma desordem hemorrágica hereditária caracterizada por uma deficiência na atividade escramblase induzida por cálcio, apresentam uma redução do transporte de PS para a face externa da membrana plasmática, assim como uma incapacidade de liberar MVs a partir de sua superfície celular (TOTI et al., 1996; CASTAMAN et al., 1997), o que corrobora essa forte associação. Portanto, pode-se afirmar que ao menos o colapso da assimetria fosfolipídica de membrana e a degradação do citoesqueleto a ela associado pela protease calpaína, ambos os eventos desencadeados pelo aumento da concentração de cálcio intracelular, são necessários para a formação de MVs (Fig. 2). Figura 2 – Mecanismos associados ao processo de formação de MVs. Na presença de níveis elevados de cálcio, a distribuição aleatória de PS (representada na figura em azul) entre ambas as camadas da membrana plasmática é induzida, através da regulação positiva e negativa das enzimas escramblase e aminofosfolipídio translocase, respectivamente, e a assimetria fosfolipídica é perdida; além disso, observa-se a ativação da enzima calpaína, provocando a degradação do citoesqueleto associado à membrana e permitindo a liberação de MVs expondo PS. Adaptado de Zwaal e Schroit, 1997. 6 1.2 CARACTERÍSTICAS FUNCIONAIS DE MICROVESÍCULAS Sendo MVs fragmentos de membrana complexos, com uma rica composição molecular – herdada tanto da superfície quanto do meio intracitoplasmático de sua célula de origem –, é razoável supor que estas possam interagir com outras células e, dessa forma, influenciar a biologia de tais tipos celulares. Realmente, vários autores têm abordado o seu papel em diversos processos biológicos, levando-nos a considerá-las como parte importante e integral do ambiente intercelular. Recentemente, diversos trabalhos têm discutido, de maneira geral, o papel de MVs como importantes mediadores de comunicação intercelular. Diferentes mecanismos, através dos quais MVs poderiam influenciar a biologia de diversos tipos celulares, já foram relatados na literatura, tais como a atuação como “complexos sinalizadores” (apresentam ligantes de superfície capazes de desencadear inúmeras respostas biológicas na célula-alvo), e a transferência de receptores de superfície entre tipos celulares distintos, assim como de conteúdo intracitoplasmático (proteínas, RNAs mensageiros e lipídios bioativos). Tomando o ambiente vascular como modelo, podemos citar várias respostas biológicas desencadeadas por MVs. Micropartículas derivadas de plaquetas ativadas, por exemplo, sãocapazes de ativar células endoteliais, leucócitos e, inclusive, suas próprias células de origem, desencadeando processos como agregação plaquetária e produção de prostaglandinas pelo endotélio (BARRY et al., 1997), e aumento da aderência entre monócitos e células endoteliais provocado pela regulação positiva de moléculas de adesão em ambos os tipos celulares (BARRY et al., 1998). Tais efeitos parecem ser mediados pela transferência intercelular de ácido aracdônico, um lipídio bioativo 7 presente nestas micropartículas, e envolvem, pelo menos em parte, a ativação de vias de sinalização celular como fosfatidilinositol 3-cinase (PI3-K), proteína cinase C (PKC) e proteínas cinase ativadas por mitógeno (MAPK p42/p44, p38 cinase e JNK1) (BARRY et al., 1999). Já MVs produzidas por leucócitos humanos demonstraram modular o potencial inflamatório e pró-coagulante de células endoteliais de veia umbilical humana (HUVEC), através da indução da liberação de citocinas como a proteína quimiotática de monócitos, MCP-1, e a interleucina 6, além da expressão de Fator Tecidual, com envolvimento de vias de sinalização possivelmente associadas à fosforilação da cinase JNK1 (MESRI e ALTIERI, 1999). Do mesmo modo, MVs derivadas de células endoteliais ativadas podem interagir com células da linhagem monocítica THP-1, estimulando sua atividade pró-coagulante (SABATIER et al., 2002). Outros modelos têm sugerido ainda o envolvimento de MVs em mecanismos de reprogramação epigenética e transferência intercelular de organelas, como mitocôndrias (RATAJCZAK et al., 2006b). Contudo, embora o processo de vesiculação seja observado em diversos tipos celulares e os efeitos das MVs sejam extremamente variados, estudos atuais vêm se acumulando no papel de MVs na biologia tumoral, coagulação sangüínea, e resposta imune (RATAJCZAK et al., 2006b). Sua relação com tais processos será mais bem discutida a seguir. 1.3 MICROVESÍCULAS E CÂNCER O interesse pelo estudo do papel de MVs na progressão tumoral deve-se essencialmente à grande quantidade de vesículas encontradas em fluidos biológicos de pacientes com câncer em estágio avançado, e à sua escassez ou 8 ausência nos fluidos corporais de indivíduos normais (GINESTRA et al., 1999; KIM et al., 2003). Apesar da origem dessas estruturas ainda não estar completamente esclarecida, observa-se que seu acúmulo ocorre freqüentemente em culturas de células neoplásicas, estimuladas ou não, e alguns autores já demonstraram sua capacidade de interagir com células normalmente presentes no microambiente tumoral, como fibroblastos, células endoteliais e diferentes tipos de leucócitos, modulando suas atividades (RATAJCZAK et al., 2006b) (Fig. 3). Além disso, sua abundância e conteúdo proteolítico – sobretudo de metaloproteinases de matriz – parecem se correlacionar com a invasividade de linhagens celulares tumorais in vitro (GINESTRA et al., 1998), que por sua vez se correlaciona com a capacidade metastática de alguns tumores in vivo (GRAVES et al., 2004). Além de atividades proteolíticas, funções imunossupressivas e pró- coagulantes já descritas para MVs são possivelmente as principais características Figura 3 – Presença de microvesículas no microambiente tumoral. MVs presentes no sítio de desenvolvimento neoplásico podem interagir com diversos elementos celulares contidos em tal microambiente (como vasos neo-formados, células estromais, leucócitos, e as próprias células do tumor) e, dessa forma, modular as atividades da célula-alvo em questão, influenciando toda a biologia tumoral. Adaptado de Ratajczak et al., 2006b. 9 responsáveis pelo seu envolvimento no estabelecimento de uma grande variedade de tumores, uma vez que estas estão relacionadas a processos centrais no desenvolvimento neoplásico, como aquisição de capacidade invasiva e metastática, indução de angiogênese e escape da vigilância imune. 1.3.1 Câncer e imunossupressão Em 1909, Paul Erlich postulou que, se o sistema imune não fosse capaz de remover “germes aberrantes” de nosso organismo (tumores “recém-natos”), todos nós morreríamos de câncer. Mais tarde, outros pesquisadores reafirmaram a proposta de Erlich como a teoria da vigilância imune contra o câncer, a qual estaria associada a algumas hipóteses: (i) células malignas apresentariam características antigênicas distintas daquelas presentes no tipo celular do qual se originou, tornando possível o seu reconhecimento por células T e a montagem de uma resposta antitumoral eficiente; (ii) a incidência da doença maligna seria maior em períodos de relativa ineficiência imunológica, como na idade avançada; (iii) estados de imunossupressão, genética ou induzida por fatores como drogas, radiação, infecções, etc., aumentariam a incidência de câncer; e (iv) a regressão espontânea de tumores deveria ser observada. De certa forma, essa teoria tem se mostrado de acordo com uma grande variedade de estudos clínicos e experimentais, os quais têm demonstrado por diversos princípios a existência de uma resposta imune específica contra diferentes tipos de tumores. Contudo, o fato de que a grande maioria dos tumores consegue se desenvolver, e eventualmente é fatal ao seu hospedeiro no caso de nenhuma intervenção terapêutica, indica claramente que células neoplásicas podem escapar do controle imune. Mecanismos imunossupressores utilizados por células 10 tumorais para transpor as barreiras imunológicas que restringem a progressão da doença envolvem contatos célula-célula e a liberação de fatores solúveis. A apresentação ineficiente de antígenos tumorais, ou seja, a ativação da resposta de células T na ausência de co-estímulos apropriados, por exemplo, pode levar a um estado de anergia desses linfócitos, normalmente observado no microambiente tumoral (RIVOLTINI et al., 2002). Já no contexto da liberação de fatores solúveis, uma importante citocina capaz de modular a resposta imune é o fator de crescimento tumoral beta (TGF-β). 1.3.1.1 Papel do TGF-β1 no câncer O TGF-β1 atua, normalmente, como um potente inibidor de proliferação, crescimento e diferenciação celulares; porém, no que se refere às células tumorais, sabe-se que, em determinado momento do processo de transformação maligna, a maioria das células transformadas se torna parcial ou totalmente resistente a esses efeitos, devido a mutações ou perda de expressão de diferentes membros da via de sinalização de TGF-β1 (PASCHE, 2001; MOUSTAKAS et al., 2002). Em geral, estas células cancerosas passam, inclusive, a secretar níveis não-fisiológicos dessa citocina que afetam, de maneira autócrina, seu crescimento e diferenciação e, de forma parácrina, todo o ambiente celular adjacente, contribuindo para sua progressão e metástase (MOUSTAKAS et al., 2002). Estudos clínicos mostraram, por exemplo, que pacientes com melanoma, quando comparados a controles sadios, apresentam níveis séricos elevados de TGF-β1 relacionados à disseminação tumoral (KRASAGAKIS et al., 1998). Além disso, a análise de amostras de melanoma primário mostrou altos níveis de mensagem dessa citocina em áreas de lesão progressiva, o que não foi 11 observado nas lesões em processo de regressão (CONRAD et al., 1999). Essa forte associação entre a secreção de TGF-β1 e estágios avançados de progressão tumoral pode ser explicada pelo fato deste fator desempenhar um importante papel na regulação da resposta imunológica, através da supressão do crescimento e diferenciação de células do sistema imune, inclusive das linhagens linfocíticas B e T (MOUSTAKAS et al., 2002). Isso previne respostas auto-imunes inadequadas, porém, no contexto do câncer, essa função imunossupressora pode significar o escape das células tumorais de uma resposta imune protetora. Um estudo com camundongos transgênicos, onde um receptor para TGF-β tipo II dominante negativofoi expresso apenas em células T, mostrou, por exemplo, que o bloqueio da sinalização de TGF-β nestas células leva a um aumento da resistência a tumores (GORELIK e FLAVELL, 2001), o que reforça a idéia de correlação entre a produção de TGF-β e desenvolvimento tumoral. 1.3.1.2 Microvesículas tumorais como partículas imunossupressoras Efeitos inibitórios de MVs tumorais sobre diferentes células do sistema imune, tais como bloqueio de proliferação e atividade citotóxica e indução de apoptose em linfócitos (TAYLOR et al., 2000; ANDREOLA et al., 2002; KIM et al., 2004), e supressão da expressão de moléculas de MHC classe II por monócitos/macrófagos (POUTSIAKA et al., 1985), têm sido descritos na literatura, o que sugere uma importante associação entre a produção de MVs e estados de imunossupressão. No contexto da morte celular por apoptose, o fosfolipídio PS, presente na superfície de MVs e células apoptóticas, é capaz de estimular respostas antiinflamatórias e imunossupressivas, permitindo a remoção “imunologicamente 12 silenciosa” de células apoptóticas por fagócitos (SAVILL et al., 2002). Fadok e colaboradores observaram, por exemplo, que macrófagos humanos, quando estimulados na presença de neutrófilos apoptóticos, produzem grandes quantidades de fatores imunorregulatórios como TGF-β1 (FADOK et al., 1998). Mais tarde, estudos in vivo demonstraram que a secreção de TGF-β1 por macrófagos, dependente de PS, acelera a resolução da inflamação aguda em modelos inflamatórios peritoneal (injeção de tioglicolato) e pulmonar (instilação de lipopolissacarídeo, LPS) (HUYNH, FADOK e HENSON, 2002), além de inibir outros fenótipos inflamatórios tais como a indução da apoptose em células tumorais por macrófagos estimulados com interferon-γ (IFN-γ) e LPS (REITER, KRAMMER e SCHWAMBERGER, 1999). Por isso, uma vez que análises semi-quantitativas de PS na face externa da membrana plasmática de linhagens celulares humanas mostraram que células tumorais expõem altos níveis de PS em relação a células normais (CONNOR et al., 1989; UTSUGI et al., 1991), e considerando que a formação de MVs e a exposição de PS são fenômenos estritamente relacionados, podemos supor o seu envolvimento no estabelecimento tumoral, possivelmente através da regulação da produção de TGF-β1 e conseqüente modulação da ativação de células do sistema imune como macrófagos (Fig. 4). Assim sendo, MVs poderiam inibir respostas inflamatórias antitumorais, propiciando o escape do tumor de uma resposta imune efetiva. 13 Figura 4 – Modelo de modulação da resposta imune por microvesículas tumorais. MVs funcionariam como estruturas amplificadoras dos sinais tumorais, através da manutenção da PS externalizada e de sua interação com diversos tipos celulares do sistema imune presentes no microambiente do tumor, como macrófagos (MO), células dendríticas (DC) e linfócitos (LO). Como possível conseqüência dessa interação, observa-se exemplos de supressão da resposta imune, como a inibição da produção de citocinas pró-inflamatórias (TNFα, IL-1β e IL- 12) e a indução da liberação de fatores antiinflamatórios (TGF-β1 e IL-10) por fagócitos profissionais (MO e DC); e, ainda, a regulação negativa do crescimento e da diferenciação linfocitários 1.3.2 Câncer e coagulação 1.3.2.1 Coagulação sanguínea O processo de coagulação sanguínea é parte integrante de um complexo mecanismo denominado sistema hemostático, cuja função primordial consiste em reconhecer danos vasculares e recrutar uma apropriada combinação de células e enzimas, que levam à produção de um "tampão" insolúvel, constituído de plaquetas e fibrina, interrompendo assim a perda de sangue. A cascata de coagulação pode ser explicada de maneira simplificada como uma série de reações proteolíticas de ativação de zimogênios, que culmina na geração de 14 trombina e conseqüente formação de fibrina a partir de uma proteína solúvel do plasma denominada fibrinogênio (Fig. 5). Esse evento envolve, de forma geral, três importantes pilares: fatores de coagulação plasmáticos; íons cálcio; e superfícies membranares pró-coagulantes. Quando devidamente combinados, esses três grupos formam os efetores centrais do processo de coagulação: os complexos tenase extrínseco e intrínseco, e o complexo protrombinase. Em cada caso, uma enzima serino-protease ativa se liga ao seu co-fator protéico, na presença de íons Ca2+, de maneira a formar um complexo enzimático em uma superfície de membrana. Em situações onde há injúria vascular, o complexo iniciador, tenase extrínseco, é formado quando a enzima fator VIIa, presente no plasma, entra em contato com o Fator Tecidual (TF), uma proteína transmembranar de 47 kD constitutivamente expressa na superfície de células sub-endoteliais e em alguns tecidos extravasculares (BROZE, 1995), mas que também pode estar presente na membrana de células vasculares ativadas como monócitos e células endoteliais. Esse complexo (TF/fator VIIa) converte o zimogênio fator X em uma serino-protease ativa, o fator Xa. Este se dissocia do complexo tenase e se associa ao co-fator protéico fator Va, íons Ca2+ e superfícies celulares ricas em fosfolipídios aniônicos, especialmente PS, para formar o complexo protrombinase, que ativa o zimogênio protrombina na serino- protease trombina. Finalmente, a trombina promove a clivagem de fibrinogênio, permitindo a formação de polímeros de fibrina, que por sua vez darão origem ao coágulo de fibrina. O complexo tenase extrínseco converte ainda o zimogênio fator IX na sua forma ativa, fator IXa, que associado ao co-fator protéico fator VIIIa, íons Ca2+ e fosfolipídios forma o complexo tenase intrínseco e também catalisa a ativação do fator X. 15 Como pode ser observado, membranas celulares são elementos essenciais para a ativação da coagulação sanguínea, tanto no início, durante a exposição de Fator Tecidual ao plasma, permitindo a montagem do complexo tenase extrínseco, quanto na fase de propagação da cascata, onde a presença de fosfolipídios aniônicos, em especial PS, é crítica para a formação dos complexos tenase intrínseco e protrombinase (KALAFATIS et al., 1994) (Fig. 6). Figura 5 – Cascata de coagulação sanguínea. Esquema simplificado do processo de coagulação in vivo. Cores indicam: zimogênios, verde; enzimas ativas, laranja; co-fatores, azul. FVIIa, FIX, FIXa, FX, FXa, FVIIIa, FVa, FPA e FPB representam, respectivamente, os fatores VIIa, IX, IXa, X, Xa, VIIIa e Va, e os fibrinopeptídeos A e B. 16 A conservação da integridade do sistema vascular – e conseqüentemente o bom funcionamento do sistema hemostático – é essencial para a manutenção da vida humana, uma vez que este é responsável por funções vitais que incluem o transporte de oxigênio e nutrientes para os tecidos e restos metabólicos para vias de excreção adequadas. Contudo, apesar da existência de mecanismos complexos de regulação, o processo de hemostasia pode acontecer também na ausência de dano vascular, levando à formação de trombos capazes de ocluir os vasos sanguíneos. Essa ativação não específica do sistema hemostático está relacionada ao desenvolvimento de diversas doenças tromboembólicas, tais como a trombose venosa profunda e o embolismo pulmonar, e ocorre em maior freqüência em diferentes estados patológicos como diabetes, aterosclerose, sepse e câncer (RICKLES e LEVINE, 2001; HIRSH, O'DONNELL e WEITZ, 2005). Figura 6 – Reações da coagulação dependentes de superfícies de membrana. Representação esquemática dos principais complexos enzimáticos da coagulação, onde cada serino-protease está associada ao seu co-fator protéico e substrato apropriados, em uma superfície de membrana expondo Fator Tecidual (no caso do complexo tenase extrínseco) ou fosfatidilserina,representada em azul (no caso dos complexos tenase intrínseco e protrombinase). Adaptado de Kalafatis et al., 1994. 17 1.3.2.2 Estados hipercoagulantes no câncer Uma importante correlação entre câncer e estados de hipercoagulação foi descrita há mais de um século pelo clínico francês Armand Trousseau (1801- 1867), e desde então é amplamente discutida na literatura. A ocorrência de trombose é comumente observada em indivíduos com neoplasias malignas, sendo esta incidência variável de acordo com o tipo de câncer, e particularmente alta em tumores de pâncreas, pulmão e do trato gastrointestinal, além de gliomas e algumas leucemias (HOFFMAN, HAIM e BRENNER, 2001; RICKLES e LEVINE, 2001). Em muitos casos, a doença tromboembólica é diagnosticada como a primeira manifestação clínica de um tumor, sendo freqüentemente a principal complicação nos pacientes oncológicos e a segunda causa de óbito na maioria dos tipos de neoplasia (DONATI, 1995; MANDALA et al., 2003). Além disso, estudos epidemiológicos têm demonstrado uma significativa correlação entre a ocorrência de trombose e um pior prognóstico da doença (SORENSEN et al., 2000). Corroborando os diversos dados clínicos que evidenciam uma íntima associação entre a progressão tumoral e o desenvolvimento de um estado de hipercoagulabilidade no paciente em questão, análises histopatológicas demonstram a presença de depósitos de fibrina e de agregados de plaquetas dentro e em volta de diferentes tumores, indicando uma ativação local da coagulação. Além disso, mesmo pacientes com câncer sem manifestações clínicas de trombose apresentam anormalidades em testes laboratoriais de coagulação (alterações hemostáticas levando à hipercoagulabilidade ocorrem em 60% a 100% destes indivíduos), caracterizadas por diferentes níveis de ativação da coagulação sanguínea, e que incluem: redução do tempo de tromboplastina 18 parcial ativada; níveis elevados de proteínas da coagulação (fibrinogênio, fatores V, VIII, IX e X); trombocitose; aumento dos produtos de degradação de fibrina e fibrinogênio, entre outros (ZWICKER, FURIE e FURIE, 2007). Essa condição hipercoagulável dos pacientes com câncer pode ser parcialmente explicada por mecanismos gerais de resposta do hospedeiro à doença maligna, como por exemplo, respostas inflamatórias, mudanças no metabolismo protéico e estase venosa. Contudo, a ativação do sistema hemostático desses indivíduos deve-se, sobretudo, a propriedades pró- coagulantes específicas das células tumorais, as quais incluem: (i) a síntese de moléculas pró-coagulantes, particularmente Fator Tecidual e o pró-coagulante neoplásico CP, um ativador direto do fator X; (ii) a síntese de citocinas pró- inflamatórias, como o fator de necrose tumoral alfa (TNFα), interleucina 1 beta (IL- 1β) e interferon gama (IFNγ), as quais podem ativar células endoteliais e monócitos a expressarem o Fator Tecidual em sua membrana externa, por exemplo; (iii) a interação direta com células vasculares, resultando na ativação destas últimas e na conseqüente modulação do sistema hemostático; e (iv) a exposição do fosfolipídio fosfatidilserina (PS) na membrana externa das células tumorais, permitindo a geração de superfícies lipídicas que suportam os complexos da coagulação sanguínea. É importante ressaltar que as evidências que suportam a relação entre trombose e neoplasia não se restringem apenas à maior incidência de eventos trombóticos em pacientes com câncer, e vice-versa, mas também ao fato de que pacientes com trombose e câncer têm uma neoplasia de comportamento mais agressivo do que aqueles que não apresentaram fenômenos de trombose. 19 Em um importante estudo nessa área, Sorensen e colaboradores observaram, por exemplo, que em pacientes diagnosticados concomitantemente com câncer e tromboembolismo venoso (TEV), a taxa de sobrevida após um ano foi de 12%, contra 36% em pacientes com câncer sem diagnóstico de eventos tromboembólicos (diferença essa que se mostrou bastante importante particularmente nos dez primeiros anos após o diagnóstico da neoplasia), o que os levou à conclusão de que episódios de TEV estão frequentemente associados a um estágio avançado do câncer, assim como a um pior prognóstico (SORENSEN et al., 2000). Neste contexto, vários autores têm enfatizado cada vez mais a importância do sistema de coagulação sanguínea em diferentes processos do desenvolvimento neoplásico, principalmente no que diz respeito a angiogênese e metástase tumorais. Através do estudo de culturas de células, assim como de amostras de pacientes, diferentes trabalhos têm demonstrado, por exemplo, uma forte associação entre a expressão de Fator Tecidual e o padrão agressivo de células neoplásicas (GUAN et al., 2002; ISHIMARU et al., 2003). A presença de Fator Tecidual tem se correlacionado ainda com a produção do fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF), um dos principais fatores pró- angiogênicos já descritos, assim como a uma maior densidade microvascular (GUAN et al., 2002; NAKASAKI et al., 2002). Além disso, a superexpressão de receptores sensíveis às enzimas da coagulação, denominados PAR (do inglês Protease Activated Receptor), em células tumorais, e sua conseqüente ativação por essas proteínas também têm sido associadas a vários aspectos da biologia do câncer, incluindo migração, invasão, sobrevivência, e a produção de fatores angiogênicos, metaloproteinases e citocinas pró-tumorais (EVEN-RAM et al., 20 1998; BELTING, AHAMED e RUF, 2005; RAO e PENDURTHI, 2005). Portanto, o estudo dos mecanismos pró-coagulantes associados ao desenvolvimento neoplásico, responsáveis pelos estados pró-trombóticos observados, poderia revelar não apenas possíveis alvos terapêuticos contra tal efeito colateral (os eventos tromboembólicos), mas também contra a doença primária, o câncer. 1.3.2.3 Câncer e microvesículas pró-coagulantes Microvesículas, de uma forma geral, transportam antígenos de membrana de seu tecido de origem. Logo, MVs produzidas por células neoplásicas poderiam mimetizar e amplificar suas propriedades pró-coagulantes específicas já mencionadas acima. De fato, em 1981, Dvorak e colaboradores demonstraram pela primeira vez que fragmentos de membrana liberados por linhagens celulares tumorais em cultura apresentavam comportamento pró-coagulante consistente com a atividade de Fator Tecidual (DVORAK et al., 1981). Desde então, a presença de Fator Tecidual em MVs tumorais tem sido apontada como responsável, pelo menos em parte, pela atividade pró-coagulante/estado pró- trombótico observado em linhagens tumorais e pacientes com câncer, respectivamente, de diversas origens, como glioma, certos tipos de leucemia (incluindo as leucemias promielocítica e monocítica agudas, e a leucemia mielóide crônica), carcinoma de pulmão, e adenocarcinomas de pâncreas e mama (BASTIDA et al., 1984; CARR, DVORAK e DVORAK, 1985; DEL CONDE et al., 2007; TESSELAAR et al., 2007). Além disso, a exposição de PS em MVs tumorais possibilita a montagem do complexo pró-coagulante protrombinase (DVORAK et al., 1983; VANDEWATER et al., 1985), dependente de membranas carregadas negativamente, as quais, em condições de dano vascular, são 21 constituídas pela superfície de plaquetas ativadas no sítio de lesão em questão (MONROE, HOFFMAN e ROBERTS, 2002). Em paralelo, a grande maioria das células do compartimento vascular, quando submetidas a um estímulo pró-coagulante, pró-inflamatório ou apoptótico, também apresenta o fenômeno de perda da assimetria da membrana plasmática, tendo como conseqüência a exposição de PS na sua face extracelular e concomitante liberação de MVs, que podem conter, além de PS, outras proteínas que sejam expressas por estas células de origem. Por serem ricas em PS, MVs originadas de plaquetas ativadas, por exemplo, podem funcionar como superfícies para a ligação deproteínas da cascata de coagulação – como os fatores VIIIa, IXa, Va e Xa – e conseqüente montagem dos complexos dependentes de membranas carregadas negativamente, contribuindo assim para a geração de trombina (DIAMANT et al., 2004; FURIE et al., 2005; ZWICKER, FURIE e FURIE, 2007). Além disso, MVs derivadas de células endoteliais e monócitos ativados, que carregam Fator Tecidual a partir de sua célula de origem (SATTA et al., 1994; COMBES et al., 1999), podem ser superfícies adequadas à interação com o fator VIIa. Estas últimas são capazes, ainda, de se ligar às plaquetas nos locais de injúria vascular através da interação entre a glicoproteína ligante de P-selectina (PSGL-1), presente nas MVs, e a P- selectina, presente nas plaquetas ativadas (MCGREGOR, MARTIN e MCGREGOR, 2006). Subseqüentemente, estas podem fundir-se às plaquetas, em um processo dependente de PSGL-1 e Fator Tecidual. Ao se fundirem, ocorre a transferência de Fator Tecidual e de outras proteínas à membrana plaquetária, o que a torna uma superfície com maior potencial pró-coagulante, aumentando a 22 atividade Fator Tecidual-fator VIIa e a geração de local de trombina (RAUCH et al., 2000; EILERTSEN e ØSTERUD, 2004). O papel pró-coagulante in vivo de MVs tem sido ainda reforçado por diferentes evidências na literatura. Como exemplos principais, podemos citar a importante relação entre números elevados de MVs circulantes no plasma humano e o risco aumentado de complicações tromboembólicas, a qual tem sido demonstrada em diversos estudos (KAHN, ZUCKER-FRANKLIN e KARPATKIN, 1975; MALLAT et al., 2000; ANDO et al., 2002). Por outro lado, uma maior tendência a eventos hemorrágicos e níveis reduzidos de MVs circulantes também têm sido associados em síndromes severas raras (GEMMELL, SEFTON e YEO, 1993; CASTAMAN et al., 1997). Finalmente, MVs obtidas a partir de indivíduos normais, assim como de diferentes populações de pacientes, são capazes de promover a coagulação in vitro, e, ao mesmo tempo, sabe-se que a administração sistêmica de MVs, em modelo de trombose venosa em ratos, leva a uma formação significativa de trombos (BIRÓ et al., 2003). Em conjunto, esses dados sugerem fortemente a grande relevância clínica e fisiológica dessas estruturas no processo de coagulação in vivo. MVs produzidas por células tumorais e células vasculares ativadas poderiam exercer, portanto, um papel importante na biologia tumoral, através da manutenção de PS externalizada e da presença de outras moléculas, como o Fator Tecidual, contribuindo para a ativação do processo de coagulação. Contudo, apesar de diversos trabalhos indicarem a presença de MVs pró- coagulantes em uma grande variedade de pacientes com câncer que apresentam conhecidamente uma alta incidência de eventos tromboembólicos, maiores esforços devem ser direcionados a fim de se confirmar se altas concentrações de 23 MVs pró-coagulantes seriam clinicamente importantes marcadores de complicações tromboembólicas, além de se determinar se tais estruturas desempenham realmente um papel central (‘causal’) na patogênese da trombose associada ao câncer e vice-versa. 1.4 PAPEL DE MICROVESÍCULAS NO ESTABELECIMENTO DO MELANOMA MALIGNO Nesse estudo, buscamos entender o papel de MVs em modelos de melanoma maligno, um tipo de câncer que se origina dos melanócitos, os quais são as células da pele produtoras de melanina. Embora apresente a menor incidência entre todos os tipos de câncer de pele, sua letalidade é bastante elevada, sendo considerado o mais grave, principalmente devido à sua grande capacidade metastática. Como vimos, MVs, de uma forma geral, transportam moléculas de superfície de suas células de origem, o que inclui o fosfolipídio PS. A exposição de PS em membranas celulares está envolvida em processos biológicos como a apoptose – onde é responsável pelo reconhecimento e remoção antiinflamatória de células apoptóticas por fagócitos – e a ativação da cascata de coagulação sanguínea, onde participa da montagem de diferentes complexos enzimáticos pró-coagulantes. Análises semiquantitativas de PS na face externa da membrana plasmática de linhagens celulares humanas mostraram que células tumorais expõem altos níveis de PS em relação às células normais (CONNOR et al., 1989; UTSUGI et al., 1991), sugerindo o envolvimento desse fosfolipídio na biologia tumoral. Por isso, considerando o papel modulador de PS na atividade antiinflamatória 24 macrofágica, é possível que seu reconhecimento em membranas de MVs seja capaz de inibir o desenvolvimento de uma resposta inflamatória anti-tumoral, regulando positivamente a liberação de fatores imunorregulatórios como o TGF- β1, um importante mediador do processo de progressão maligna. Assim sendo, propiciaria, de forma semelhante ao que é visto em células apoptóticas, uma resposta imune menos efetiva e um processo inflamatório pouco desenvolvido. De fato, estudos clínicos mostraram que pacientes com melanoma, quando comparados a controles sadios, apresentam níveis séricos elevados de TGF-β1, sendo estes relacionados à disseminação tumoral. Além disso, a análise de amostras de melanoma primário mostrou altos níveis de mensagem dessa citocina em áreas de lesão progressiva, o que não foi observado nas lesões em processo de regressão. Ainda no contexto do câncer, sabe-se que a exposição de PS em MVs tumorais possibilita a montagem de complexos pró-coagulantes dependentes de membranas carregadas negativamente, algo que possivelmente contribui para a seu papel pró-trombótico, e sugere sua participação nos mecanismos patogênicos implicados na associação bidirecional entre câncer e estados hipercoagulantes. Além disso, a presença do fator pró-coagulante Fator Tecidual nessas partículas derivadas de células neoplásicas tem sido também apontada como responsável, pelo menos em parte, pela atividade pró-coagulante/estado pró-trombótico observado em linhagens tumorais e pacientes com câncer, respectivamente. Como já citado, o melanoma é um tipo de câncer altamente metastático, e há fortes evidências sugerindo que suas propriedades pró-coagulantes contribuam para o seu comportamento agressivo (MUELLER et al., 1992; BROMBERG et al., 1995). Tal padrão é refletido ainda em um perfil 25 hipercoagulante de pacientes com melanoma, quando estes são analisados através de testes laboratoriais de ativação da coagulação sanguínea (BOTTASSO et al., 1996). Portanto, MVs produzidas por células tumorais poderiam exercer um papel importante no estabelecimento do tumor, através da manutenção da PS externalizada e da amplificação dos sinais tumorais, interagindo com diversos tipos celulares presentes no microambiente do tumor. Dentre estes fenômenos, a modulação das respostas imune e inflamatória, assim com a ativação do processo de coagulação, seria de grande importância. É importante ressaltar que a identificação das MVs em pacientes com câncer e o seu papel na progressão tumoral ainda são pouco compreendidos e, por isso, esperamos contribuir para a elucidação dos mecanismos responsáveis pela importante ação pró-tumoral desempenhada por estas estruturas. . 26 2 OBJETIVOS 27 2.1 OBJETIVO GERAL Esclarecer o papel de microvesículas produzidas pelo melanoma maligno no reconhecimento, estabelecimento e metástase do tumor. Para esse fim, utilizamos a linhagem celular de melanoma B16F10, a qual é amplamente utilizada na literatura, devido a sua alta capacidade metastática. Além disso, trabalhamos com um modelo comparativo entre a linhagem celular de melanoma Tm1 e sua linhagem celular parental de melanócitos, melan-A (CORREA et al., 2005). 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Identificar a produção de MVs in vitro pelo melanoma B16F10, assim como a exposição funcionalde PS em ambas as estruturas; • Investigar a modulação da resposta inflamatória de macrófagos por MVs derivadas de células B16F10, principalmente no que diz respeito à produção de TGF-β1; • Investigar o papel de MVs e da exposição de PS no modelo de metástase in vivo do melanoma B16F10; • Observar e comparar a produção de MVs in vitro pelas linhagens celulares de melanoma Tm1, e de melanócitos, melan-A; • Caracterizar in vitro a atividade pró-coagulante de MVs liberadas na cultura de células de Tm1 e melan-A; • Avaliar a presença de MVs tumorais no plasma de camundongos pré- inoculados com células de melanoma, além de caracterizar suas propriedades pró-coagulantes ex vivo. 28 3 MATERIAIS E MÉTODOS 29 3.1 CULTURA DE CÉLULAS As linhagens celulares murinas B16F10 e Tm1 (melanomas), e melan-A (melanócitos) (estas últimas gentilmente doadas pelo Dr. Roger Chammas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo) foram mantidas à 37ºC, em estufa com 5% de CO2, através de duas passagens semanais em garrafas de cultura contendo meio DME (Dulbecco´s Modified Eagle Medium, GibcoBRL), acrescido de 10% (v/v) de soro fetal bovino (SFB), e suplementado com 2,4 g/L de HEPES, 3,7 g/L de bicarbonato de sódio, 125 mg/L de fosfato de sódio dihidrogenado, 110 mg/L de piruvato de sódio, 100.000 U/L de penicillina, 100 mg/L de estreptomicina, 2 mM de L-glutamina e 55 μM de β- mercaptoetanol, além de 200 nM do éster de forbol PMA (forbol 12-miristato 13- acetato), no caso da linhagem melan-A. Após separação do sobrenadante de cultura para posterior purificação de microvesículas, as células eram soltas com tampão Hank’s contendo 10 mM de HEPES e 0,2 mM de EDTA, centrifugadas a 350 x g por 7 min, ressuspendidas em meio DME contendo 10% (v/v) de SFB (suplementado como descrito acima) e transferidas para outra garrafa de cultura – ou ainda, mantidas a 4oC até sua utilização. 3.2 PURIFICAÇÃO DE MVS SECRETADAS EM SOBRENADANTES DE CULTURA DE CÉLULAS Sobrenadantes de cultura de células eram centrifugados primeiramente a 800 x g por 10 min (para eliminação de possíveis células mortas) e, em seguida, a 16.000 x g por 15 min, sempre a 4°C. O precipitado obtido era então lavado uma vez e ressuspendido em salina tamponada por fosfato (PBS, do inglês phosphate 30 buffer saline), quantificado por contagem em um citômetro de fluxo BD FACScalibur™ (Becton, Dickinson and Company), e conservado a –80°C até sua utilização. A quantificação de microvesículas por análise citofluorimétrica foi ainda validada por quantificação protéica, através do ensaio de Bradford. Cabe ressaltar que vesículas menores (os chamados exossomos) não foram incluídas neste estudo, uma vez que ultracentrifugações mais vigorosas (100.000 x g por 60 min, por exemplo) dos sobrenadantes de cultura não foram realizadas. 3.3 ANÁLISES POR CITOMETRIA DE FLUXO 3.3.1 Avaliação da exposição de fosfatidilserina Para detecção da exposição de PS, células e MVs B16F10 foram ressuspendidas em 150 mM de NaCl, 5 mM de KCl, 2,5 mM de CaCl2, 1 mM de MgCl2 e 10 mM de HEPES, pH 7,3 (tampão de ligação de anexina) e incubadas com 25 μg/mL de anexina V conjugada a fluoresceína (FITC) (Molecular Probes) por 15 min à temperatura ambiente. Células B16F10 foram ainda marcadas com 10 μg/mL de iodeto de propídeo (PI) para exclusão daquelas que tivessem perdido a integridade de sua membrana plasmática, tornando-se for permeáveis a PI. Já MVs derivadas de células melan-A e Tm1 foram ressuspendidas em PBS contendo 10% (v/v) de soro bovino adulto (necessário para ligação do anticorpo a PS), e incubadas por 15 min à temperatura ambiente com anticorpo monoclonal murino anti-PS 3G4 (previamente descrito por RAN et al., 2005 e gentilmente doado pelo Dr. Philip E. Thorpe, Department of Pharmacology and 31 Simmons and Hamon Cancer Centers, University of Texas Southwestern Medical Center at Dallas, Texas) conjugado a Alexa 488 e diluído 1:200. As amostras foram então lavadas extensivamente com PBS e, assim como células e MVs de melanoma B1F10, adquiridas em um citômetro de fluxo BD FACScaliburTM (Becton, Dickinson and Company) (total de 10.000 eventos por amostra), e os dados coletados analisados pelo programa BD CellQuest ProTM (Becton, Dickinson and Company). 3.3.2 Avaliação da exposição do antígeno associado a melanoma MAA MVs derivadas de células B16F10 foram ressuspendidas em PBS contendo 1% (m/v) de albumina bovina sérica (BSA) e incubadas por 1 h a 4ºC com anticorpo monoclonal murino anti-MAA (MM29B6, sobrenadante de hibridoma gentilmente doado pelo Dr. Roger Chammas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo), diluído 1:1. As amostras foram então lavadas com PBS, e incubadas com anticorpo secundário anti-IgG murino conjugado a FITC (Sigma), diluído 1:800, por 1 h a 4ºC. Um controle para marcação secundária não-específica foi feito incubando-se uma alíquota somente com o anticorpo anti-IgG murino. Após extensivas lavagens com PBS, amostras foram adquiridas em um citômetro de fluxo BD FACScaliburTM (Becton, Dickinson and Company) (total de 10.000 eventos por amostra), e os dados coletados analisados pelo programa BD CellQuest ProTM (Becton, Dickinson and Company). 3.3.3 Avaliação da exposição de Fator Tecidual 32 Células foram lavadas com PBS contendo 2% de soro normal de camundongo (bloqueio para ligações inespecíficas utilizado durante as incubações), e incubadas por 30 min a 4ºC com 200 μg/mL de anticorpo policlonal anti-TF murino (American Diagnostica) ou controle isotipo IgG de coelho (Santa Cruz Biotechnology Inc.). As amostras foram então fixadas com paraformaldeído 1%, incubadas com 15 μg/mL de anticorpo secundário anti-IgG de coelho conjugado a biotina (Invitrogen) por 30 min a 4ºC, e finalmente incubadas com 2.5 μg/mL de estreptavidina conjugada a ficoeritrina (BD Pharmingen), também por 30 min a 4ºC. Após serem lavadas duas vezes com PBS (o que foi realizado também entre as incubações), as amostras foram adquiridas em um citômetro de fluxo BD FACScaliburTM (Becton, Dickinson and Company) (total de 10.000 eventos por amostra), e os dados coletados analisados pelo programa BD CellQuest ProTM (Becton, Dickinson and Company). 3.4 MICROSCOPIA DE FLUORESCÊNCIA Células B16F10 foram crescidas em lamínulas depositadas em placa de 24 poços (TPP) (105 células/mL de meio DME suplementado contendo 10% (v/v) de SFB), mantidas a 37°C, em estufa com 5% de CO2, por 24h. As células foram então lavadas três vezes com tampão Hank’s, incubadas com anexina V conjugada a biotina (PharMingen), diluída 1:10, em tampão de ligação de anexina por 15 min à temperatura ambiente, e incubadas em seguida com 2,5 µg/mL de estreptavidina-FITC (PharMingen), novamente em tampão de ligação de anexina por 15 min à temperatura ambiente. Após cada incubação, as lamínulas foram lavadas três vezes, sempre em tampão de anexina. Estas foram então dispostas sobre lâminas, montadas com n-propilgalato e seladas com esmalte incolor, e 33 observadas em um microscópio Axiovert S 100 equipado com um analisador de imagens KS300 (Zeiss). Um controle de marcação secundária não-específica foi feito incubando-se MVs diretamente com estreptavidina-FITC. Além disso, uma amostra permeabilizada foi preparada após fixação com 2% de paraformaldeído em PBS por 30 min e posterior tratamento com 40 µM de digitonina por 10 min antes das incubações com anexina V e estreptavidina. 3.5 MICROSCOPIA ELETRÔNICA Para localização de resíduos de fosfatidilserina por microscopia eletrônica de transmissão, MVs derivadas de células B16F10 foram pré-fixadas por 10 min a 4oC, em uma solução contendo 0,1% de glutaraldeído e 4% de paraformaldeído em 0,1 M de tampão cacodilato, pH 7,2. Após pré-fixação, as amostrasforam lavadas três vezes em tampão de anexina contendo 3% de BSA, incubadas por 30 min a 4oC com anexina V biotinilada (Pharmingen) – diluída 1:10 –, e pós- incubadas com 0,5 U/mL de estreptavidina conjugada a partículas de ouro coloidal de 10 nm (Sigma), também por 30 min a 4oC. Um controle da marcação secundária não-específica foi feito a partir da incubação direta das MVs com a estreptavidina. Após a última incubação, MVs foram lavadas três vezes em tampão de anexina contendo 3% de BSA, fixadas por 1 h a 37o C em uma solução contendo 2,5% de glutaraldeído, 1% de paraformaldeído, 8% de sacarose e 2,5 mM de CaCl2 em 0,1 M de tampão cacodilato, pH 7,2, e lavadas três vezes mais em 0,1 M de tampão cacodilato contendo 2,5 mM de CaCl2. Estas foram ainda pós- fixadas em incubação com tetróxido de ósmio e ferrocianeto de potássio (1:1) por 34 30 min a 4°C, no escuro, e lavadas quatro vezes novamente em 0,1 M de tampão cacodilato contendo 2,5 mM de CaCl2. As amostras foram então desidratadas com acetona (30%, 50%, 70%, 90%, 100% e super seca, seqüencialmente, a cada 10 min) e incluídas em resina epon por 48 h a 60°C. Cortes ultrafinos foram marcados com acetato de uranila e citrato de chumbo, lavados com água destilada, e examinados em um microscópio eletrônico de transmissão Zeiss CEM 900 (Zeiss). Para a simples visualização das MVs, um protocolo similar foi seguido, porém sem os passos de marcação com anexina V e estreptavidina. 3.6 ENSAIO DE ATIVAÇÃO DA PROTROMBINA A ativação da protrombina pelo complexo protrombinase (fator Xa/fator Va) foi realizada em 50 mM de HEPES, 100 mM de NaCl, 5 mM de CaCl2, 1 mg/mL de BSA, pH 7,5 (tampão HEPES-BSA). Fator Xa (10 pM, concentração final) foi incubado com Fator Va (1 nM, concentração final), na presença de MVs, por 2 min a 37°C. A reação foi então iniciada pela adição de protrombina (500 nM, concentração final), e alíquotas de 10 µL foram removidas a cada 1 min e adicionadas a poços de microplaca contendo 40 µL de tampão Tris-EDTA. Após a adição de 50 µL do peptídeo sintético S-2238 200 µM (substrato cromogênico para trombina preparado em tampão Tris-EDTA – Chromogenix), a absorbância a 405 nm foi lida a 37°C, por 20 min, a intervalos de 6 s, através de um leitor de microplacas Thermomax Microplate Reader (Molecular Devices). Velocidades (mOD/min) obtidas nos primeiros minutos de reação foram utilizadas para o cálculo da concentração de trombina formada. 35 O efeito da anexina V sobre a formação de trombina foi ainda analisado através da incubação de MVs (3,6 x 104/mL) com concentrações variáveis de anexina V (0-100 nM) por 5 min a 37°C em tampão HEPES-BSA. MVs foram então incubadas com fator Xa (10 pM) e fator Va (1 nM) por 2 min a 37°C, e, em seguida, com protrombina (500 nM). Alíquotas de 10 µL foram removidas após 5 min, e adicionadas a poços de microplaca contendo 40 µL de tampão Tris-EDTA. A concentração de trombina formada foi avaliada como descrito anteriormente, utilizando-se o substrato cromogênico S-2238. 3.7 QUANTIFICAÇÃO DE TGF-Β1 EM CO-CULTURAS DE MACRÓFAGOS E MVS DE MELANOMA B16F10 Macrófagos peritoneais de camundongos BALB/c, ativados com tioglicolato (Sigma-Aldrich), foram recolhidos e lavados em meio DME contendo 10% (v/v) de SFB (suplementado como descrito anteriormente). Após contagem de células, 5 x 105 macrófagos foram crescidos em placa de 24 poços (TPP), mantidos a 37°C, em estufa com 5% de CO2. Após 2 h de incubação para aderência, células foram lavadas e cultivadas na presença de MVs de melanoma B16F10 (pré-incubadas ou não com anexina V Pharmingen diluída 1:250 por 15 min) por 12-18 h a 37°C, em meio DME livre de soro. A liberação de TGF-β1 nos sobrenadantes das co- culturas foi então analisada por ELISA (DuoSet kit; R&D Systems). 3.8 ESTABELECIMENTO IN VIVO DO MELANOMA B16F10: MODELO DE METÁSTASE 36 Camundongos isogênicos C57BL/6 ou BALB/c, de 6-8 semanas, foram inoculados por via intravenosa (veia lateral da cauda) com 104 células B16F10 ressuspendidas em 100 μL de meio DME. Após duas a quatro semanas, os animais foram mortos por inalação de CO2, os pulmões foram removidos, e o número de nódulos tumorais pulmonares foi contado apenas na face convexa desse órgão (o que foi realizado com o auxílio de uma lupa). Para investigar o efeito de MVs de melanoma B16F10 nesse modelo, camundongos foram inoculados por via intravenosa com 5 x 104 MVs ressuspendidas em 100 μL de meio DME (pré-incubadas ou não com anexina V Pharmingen diluída 1:250 por 15 min), 2h antes ou ao mesmo tempo do inóculo de células B16F10. 3.9 ATIVAÇÃO DA COAGULAÇÃO SANGUÍNEA IN VITRO A habilidade de MVs estudadas em potencializar a coagulação sanguínea in vitro foi avaliada através de ensaio de recalcificação do plasma, de acordo com o seguinte protocolo: 50 μL de plasma murino pobre em plaquetas contendo citrato de sódio (citrato de sódio 3,8%, 1:9, v/v) foi incubado com 50 μL de microvesículas ressuspendidas em PBS, em diferentes concentrações – ou ainda, com 50 μL apenas de PBS –, por 1 min a 37 oC. Adicionou-se então 100 μL de CaCl2 6,25 mM, e o tempo necessário para ocorrência de coagulação foi monitorado em um Coagulômetro KC-4 micro Amelung (Amelung Ltd, Diagnostic Grifols). 37 3.10 PURIFICAÇÃO DE MVS A PARTIR DO PLASMA DE CAMUNDONGOS C57BL/6 INOCULADOS COM CÉLULAS DE MELANOMA TM1 OU MELANÓCITOS MELAN-A Camundongos isogênicos C57BL/6, de 6-8 semanas, foram inoculados por via subcutânea com 5 x 105 células Tm1 ou melan-A ressuspendidas em 100 μL de meio DME, ou apenas com o veículo de inoculação. Após 17 dias, animais foram anestesiados e amostras de sangue foram recolhidas por punção cardíaca na presença de citrato de sódio (citrato de sódio 3,8%, 1:9, v/v). O plasma foi separado por centrifugação do sangue total, e purificado de acordo com o mesmo protocolo de purificação de MVs produzidas in vitro. A presença de MVs foi então analisada e quantificada por contagem em um citômetro de fluxo BD FACScalibur™ (Becton, Dickinson and Company). 3.11 ANÁLISES ESTATÍSTICAS Teste t não pareado com correção de Welch foi realizado através do programa InStat (GraphPad). 38 4 RESULTADOS 39 4.1 PAPEL DE MICROVESÍCULAS DE MELANOMA B16F10 NA METÁSTASE TUMORAL 4.1.1 Células de melanoma B16F10 produzem microvesículas in vitro Células de melanoma murino B16F10, uma linhagem tumoral altamente metastática, foram selecionadas in vivo por sua alta capacidade de formar nódulos tumorais pulmonares em seu hospedeiro singeneico – a linhagem de camundongos isogênicos C57BL/6 – quando inoculadas por via intravenosa (FIDLER, 1973). A fim de investigar o papel da formação de MVs no estabelecimento do melanoma maligno, examinamos a produção in vitro destas estruturas pela linhagem celular B16F10, amplamente utilizada na literatura. Através de sucessivas centrifugações diferenciais de sobrenadantes de cultura dessas células, conseguimos isolar um precipitado de MVs, as quais foram caracterizadas por microscopia eletrônica de transmissão e citometria de fluxo. Com a primeira técnica, pudemos observar fragmentos de membrana circulares, com uma morfologia relativamente homogênea, apresentando um diâmetro estimado de 200 nm – o qual se encaixa no padrão de tamanhos já descritos na literatura para essas estruturas (0,1-1 μm) – e carregando um material eletrondenso em sua porção interna, interpretado como melanina (Fig. 7A). Cabe ressaltar que a presença de DNA foi descartada pela marcação negativa com iodeto de propídeo e por análise em gel de agarose, o que as diferencia de corpos apoptóticos. Já a citometria de fluxo nos permitiu determinar um perfil de espalhamento de luz frontal/lateral dessas MVs (forward vs. side light scattering
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