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10 3 AÇÕES AFIRMATIVAS As ações afirmativas são políticas públicas que visam a diminuir os impactos sociais causados por conflitos étnicos ou racismo. Seu objetivo maior é oferecer equidade, a fim de que a sociedade atinja um panorama de igualdade. A equidade diz respeito a tratar grupos sociais distintos de forma diferente, a partir de suas necessidades específicas, para que então eles possam desenvolver ferramentas e travar contato com outros grupos sociais de forma igualitária. Um projeto de ação afirmativa conhecido no Brasil é o de cotas raciais para o acesso a universidades públicas. Ele busca garantir o acesso da população negra ao ensino universitário, acesso este que foi historicamente impedido devido à escravização e às suas consequências. Há ainda universidades que oferecem cotas sociais para estudantes de baixa renda e provenientes de escolas públicas, corrigindo o ciclo de quase nulidade na ascensão social das classes D e E, causado pela estrutura capitalista neoliberal adotada pelo País a partir da década de 1990. A temática das ações afirmativas chegou ao Brasil no princípio dos anos 2000, a partir da III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação e Xenofobia da ONU, realizada em 2001 na África do Sul. Na conferência, salientou- se que as desigualdades sociais e econômicas e os conflitos étnico-culturais eram uma responsabilidade dos Estados para com seus cidadãos. Saná-los dependeria da observância das particularidades dos impactos gerados em cada grupo social (SCHWARCZ, 2001). Posteriormente, no Brasil, alguns projetos de ação afirmativa contra o racismo foram elaborados, como a Lei nº 10.639, de 2003, que prevê a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas nas escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio, uma vez que mais da metade dos estudantes são afro-brasileiros. Há também a Lei nº 11.096, de 2005, que coloca em prática o Programa Universidade para Todos (PROUNI), plataforma de acesso à universidade para pessoas de baixa renda que teve grande impacto nos padrões de mobilidade social brasileiros nos 10 anos subsequentes à sua promulgação. 11 Das ações afirmativas podem derivar projetos especiais que auxiliem o grupo em questão. Considere, por exemplo, as cotas sociais para estudantes de escolas públicas. Reconhecidamente, as escolas públicas brasileiras não têm os melhores índices de aproveitamento, salvo algumas escolas-modelo. Algumas universidades públicas, então, contam com projetos de auxílio e tutoria nos estudos para quem encontra dificuldades. Alunos de escolas particulares podem chegar às universidades com bom conhecimento em outros idiomas, fator que facilita os estudos de ponta e abre oportunidades no mercado de trabalho, mas essa não é uma realidade para alunos provenientes de escola pública, em geral. Por isso, há projetos de extensão que oferecem cursos de idiomas, dos básicos aos aprofundados. Assim, ao deixar a universidade, alunos cotistas e ingressantes por ampla concorrência terão os mesmos conhecimentos, as mesmas bases e, consequentemente, as mesmas oportunidades. As políticas para provimento de equidade resultarão, algum tempo depois, num contexto de igualdade. As políticas públicas voltadas para ações afirmativas podem receber críticas que salientam a desigualdade no tratamento de grupos sociais. As cotas raciais, por exemplo, são constantemente questionadas, e um dos argumentos erroneamente utilizados é o de que elas seriam uma forma de discriminação social. No entanto, elas são extremamente necessárias, porque não se pode oferecer as mesmas oportunidades para grupos sociais com possibilidades tão distintas. Fazê-lo seria compactuar com a manutenção das estruturas de marginalização das classes sociais mais pobres, compostas em sua maioria por afrodescendentes (AUGUSTINHO, 2019). Se, no caso das cotas sociais, um aluno cotista precisa trabalhar para viver e essa é sua prioridade, como ele pode manter o mesmo nível de aprendizagem que um aluno de escola privada, que se dedica apenas aos estudos? Apenas o tempo disponível para as atividades escolares já se torna um princípio de desigualdade. A qualidade das escolas frequentadas, outro. A possibilidade de permanência na universidade pública, especialmente em cursos de período integral, sem suporte da universidade ou de programas sociais, outro desnível. 12 Nesse cenário, sem as ações afirmativas e os projetos de auxílio delas derivados, mesmo que esse aluno chegue à universidade, as possibilidades de ele se manter nela são pequenas. Se conseguir finalizar o curso e se formar, ficaria, ainda assim, em uma posição inferior. Afinal, a bagagem cultural e o capital simbólico adquiridos por aqueles que têm melhores condições financeiras lhes ofereceriam mais e melhores portas de emprego, fomentando as desigualdades sociais. As ações afirmativas podem ser destinadas a qualquer grupo social que, por algum motivo, seja lesado em suas oportunidades de vida. Pessoas com deficiência têm atualmente seu direito de estudar em escolas públicas comuns, o que favorece a interação e o desenvolvimento social. Porém, podem precisar de equipamentos, recursos ou atenção especial, dependendo da deficiência. Esse auxílio, elemento da equidade, auxiliará o aluno com deficiência a ter os mesmos estímulos e possibilidades que os outros, aprendendo e se desenvolvendo tanto quanto eles, gerando, assim, uma situação de equidade. Portanto, as ações afirmativas se baseiam na elaboração de ferramentas que favoreçam a equidade, para depois se chegar à igualdade. As diferenças precisam ser observadas e compreendidas na ação do Estado pelo bem de seus cidadãos. Como você viu, ao longo da trajetória das civilizações ocidentais, as diferenças foram ainda mais aprofundadas. Quem tinha as melhores oportunidades conseguia provê-las também para seus descendentes. Nesse sentido, as ações afirmativas permitem ainda que a etnia marginalizada ocupe os espaços necessários para que possa reificar seu valor (AUGUSTINHO, 2019). No caso do povo negro no Brasil, as políticas de cotas raciais permitem que o negro saia da condição de estudante para ocupar espaços e posições que lhes eram negados, como o comando de uma sala de aula universitária, a chefia de uma equipe médica e a responsabilidade por um grande projeto de engenharia civil. Ou seja, todo e qualquer espaço de que os brancos e descendentes europeus usufruíram quase com exclusividade por séculos. Essas políticas públicas não privilegiam um grupo, mas fornecem ferramentas para que seus componentes 13 tenham tantas oportunidades quanto qualquer cidadão, inclusive aqueles beneficiados pelo privilégio branco. No panorama contemporâneo das estruturas e das formas de relacionamento social, considerando os legados históricos para os grupos dominantes e os que foram dominados, a justiça social se dá pela observância das diferenças. 4 INCLUSÃO ESCOLAR Antes iniciarmos o debate a respeito da inclusão escolar, vamos retomar alguns pontos importantes já comentados. O primeiro diz respeito ao conceito de cultura, aqui entendida como um termo utilizado “[...] para se referir a tudo o que seja característico sobre o ‘modo de vida’ de um povo, de uma comunidade, de uma nação ou de um grupo social” (HALL, 2016, p. 19). Essa definição do autor é importante para nos fazer pensar nos aspectos antropológicos e sociológicos da cultura, uma vez que não se restringe somente a um conjunto de coisas literatura, arte ou programas de TV mas, principalmente, engloba um conjunto de práticas (HALL, 2016). Logo, os indivíduos que partilham da mesma cultura tendem a apresentar uma interpretação do mundo similar, pois foram ensinados, no interior das práticas cotidianas da sua sociedade, a se comportar e a pensar de acordocom determinados valores. O problema aqui é quando uma cultura se define de forma monoculturalista, como aquela detentora de saberes e como o caminho mais correto ou único a ser seguido, servindo para orientar sobre tudo e todos. Assim, todos aqueles que não se enquadram nos padrões por ela estabelecidos são marginalizados de alguma forma. O que se busca com a ideia da inclusão escolar é justamente estender àqueles que possam ser considerados diferentes, um espaço garantido nas escolas, para que desfrutem com equidade o seu processo de escolarização. “O conceito de diferença, considerando a escola e o currículo, é, geralmente, traduzido como diversidade ou identidade” (LOPES; DAL’IGNA,2007, p. 13).
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