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Memória, esquecimento e silêncio, Michael Pollak. Esse texto começa com a citação de Maurice Halbwach, que enfatiza os vários elementos que compõem uma memória, podendo ser uma paisagem, um patrimônio arquitetônico, um monumento, as datas comemorativas, personagens, tradições, costumes, folclore, música e tradições culinárias. Traz também a questão da negociação entre a memória coletiva e a memória individual, ou seja, se essa memória coletiva não toca essa memória individual, ela se torna inerte porque se compõe na memória coletiva de indivíduos e se esses indivíduos não fazem parte da memória coletiva, há um problema. Junto da memória oficial/nacional temos a memória dos excluídos, marginalizados e minorias com suas histórias orais, sendo uma memória subterrânea que faz oposição a memória nacional. Um exemplo dessas disputas é o de Stalin como sendo o “pai dos pobres". Por outro lado Stalin perseguiu, mandou matar, etc. Um longo silêncio sobre as minorias não significa que ela foi esquecida, mas que simplesmente não havia espaço para que essas memórias viessem à tona. Mesmo com a abertura da Rússia para o capitalismo nos anos 80/90, essas memórias das minorias não se opuseram a essa memória nacional, mas se tornaram outras vozes (minorias excluídas). O segundo exemplo é sobre os sobreviventes dos campos de concentração, que trataram o silêncio como uma questão terapêutica, pois tem um trauma tão grande que se sentem inibidos de relatar o ocorrido. Essas pessoas ficam em silêncio por não quererem relembrar esse trauma, reaver essas feridas, e por isso acabavam ignorando esse passado. Além disso traz a composição dos campos de concentração, que trazia homossexuais, negros, prostitutas, excluídos em geral. O terceiro exemplo que ele dá é dos alsacianos recrutados a força para compor o exército alemão. Na 2ª guerra mundial, eles eram capturados e levados para o exército vermelho, mas muitos para sua própria sobrevivência desertavam. A Alemanha que os forçou a associarem-se, após a guerra negou que havia feito isso, e afirmou que foram os franceses, ingleses que o humilharam, dessa maneira, eximindo-se da culpa do que foi feito com o povo alsaciano. Em contrapartida os alsacianos têm vergonha de se declarar desertores, de dizer que fugiram da guerra. A partir desses 3 exemplos, ele trabalha algumas noções. A primeira é a função do não-dito que seriam essas lembranças de uns e de outros em zonas de sombras, de silêncio. As fronteiras desses silêncios não-ditos, com esquecimento definitivo e reprimido inconsciente, não são parados e estão em perpétuo deslocamento. Esquecer significa renegar à zona do esquecimento, e não mais lembrar. Ele trabalha o enquadramento da memória. É impossível fazer uma memória total e em qualquer memória oficial (país, partido, sindicato, religião) o que se faz são recortes em partes, e o que dá legitimidade a essa memória enquadrada é justamente a sua capacidade de justificar. Com os testemunhos individuais recolhidos pela história oral, o historiador, ou pesquisador da memória, pode fazer um enquadramento e justificar essa memória oficial. Esses discursos organizados, ou de grandes personagens, trazem consigo objetos materiais que podem ser documentos, arquivos, museus e bibliotecas. Outra questão é a do testemunho-documentário que às vezes pode ser um instrumento poderoso para fazer um rearranjo sucessivo de memória coletiva por meio da televisão e da memória nacional. Ele cita que: Se a análise do trabalho de enquadramento dos agentes e seus traços materiais é uma chave para estudar de cima para baixo como as memórias coletivas são construídas, desconstruídas e reconstruídas, também há um procedimento inverso, ou seja, aquele em que com o instrumento da história oral, parte das mais individuais para fazer aparecer os limites desse trabalho de enquadramento e ao mesmo tempo revela um trabalho psicológico do indivíduo que tende a controlar as feridas, tensões e contradições entre a imagem oficial do passado e as lembranças pessoais. No passado tem que haver um certo equilíbrio entre a memória coletiva e a individual: “Para certas vítimas de uma forma limite da classificação social, aquela que quis reduzi-las à condição de "sub homens", o silêncio, além da acomodação ao meio social, poderia representar também uma recusa em deixar que a experiência do campo de concentração, uma situação limite da experiência humana, fosse integrada em uma forma qualquer de "memória enquadrada" que, por princípio, não escapa ao trabalho de definição de fronteiras sociais, é como se o sofrimento externo, exigisse uma coragem numa memória muito geral de humanidade, uma memória que não dispõe de porta-voz, nem de pessoal de enquadramento adequado”. O texto começa sobre os elementos da memória e faz uma distinção entre silêncio e esquecimento. —------------------------------------------------------------------------------------------------------------ A memória social é uma arma política, porque consegue mudar a forma como os fatos do passado são interpretados/sentidos. O professor Marcos Napolitano, professor titular de História do Brasil da USP, fazendo uma periodização das memórias sobre a ditadura, percebe que ela se altera ao longo do tempo de acordo com a conjuntura política e divide esse processo em 4 momentos. De 1964 a 1974, não há uma memória elaborada, pois os eventos ainda estão acontecendo (ditadura consolidada). A partir de 1974 (ano da crise do milagre econômico) ela perde uma certa hegemonia, e até 1994 temos a gestação de uma memória crítica à ditadura militar, forjada por setores liberais que apoiaram o golpe e por uma esquerda moderada, que na década de 70 está ligada ao PCB. Esta memória crítica se consolida a partir da ideia de que a sociedade é vítima da ditadura, mas que resiste a ela. Em 1979, ano da anistia, os militares impõem um pacto de silêncio através da anistia, sobre o que aconteceu naquela época. Em 1983 ocorre o movimento das diretas já onde os movimentos liberais e esquerda moderada se juntam contra a ditadura. A partir de 1994, no governo FHC, até 2004, começam as leis de memória, onde o estado brasileiro cria algumas políticas de memória e algumas políticas de reparação. Políticas de indenização àqueles que foram vitimados pelo regime, mas sem punir os responsáveis pelas violações. Em 2004 com a ascensão do PT ao poder, composto por muitos egressos da luta armada, começa uma série de revisionismos, ou seja, uma disputa de memória como arma política. Historiadores de ofício, por meio de documentações e outras fontes, começam a questionar a ideia de sociedade resistente, que segundo eles seria na verdade uma sociedade indiferente/colaboracionista (que apoia/silencia). Setores de uma extrema direita, começam a reafirmar um saudosismo da ditadura, como se a nova república fosse uma coisa ruim se comparado à ditadura militar (um período de paz, segurança e honestidade), e todos os grupos dentro dessa nova configuração fossem comunistas. Setores liberais ligados ao PSDB, por terem perdido sucessivamente em 2002, 2006, 2010 e em 2014, vão se aproximando cada vez mais dessa direita extremada, e reconstroem uma memória sobre o passado da ditadura, falando que a esquerda e a ditadura são 2 autoritários que afundaram o Brasil, querendo dizer com isso que apenas a centro direita seria democrática. A esquerda moderada, ligada ao PT, faz uma releitura desse passado, colocando os guerrilheiros que lutavam por uma vertente mais ou menos socialista como heróis da democracia que temos. E os ex presos políticos (memória marginal) que reivindicam a prisão e a punição dos torturadores. A unidade da resistência democrática ruiu, fazendo com que memórias marginais começassem a emergir.
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