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Universidade Federal do Rio de Janeiro Museu Nacional Programa de Pós-Graduação em Geologia do Quaternário Orientadora: Cláudia Rodrigues Ferreira de Carvalho A ARQUEOLOGIA DOS MUROS E AS ESTRATÉGIAS DE DIVISÃO ESPACIAL, NO ORIENTE MÉDIO NEOLÍTICO E ANTIGO. Filipe Eduardo Piero de Oliveira Borsani Rio de Janeiro 2017 II MUSEU NACIONAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO A ARQUEOLOGIA DOS MUROS E AS ESTRATÉGIAS DE DIVISÃO ESPACIAL, NO ORIENTE MÉDIO NEOLÍTICO E ANTIGO. Filipe Eduardo Piero de Oliveira Borsani Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geologia do Quaternário, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Especialista em Geologia do Quaternário. Orientadora: Cláudia Rodrigues Ferreira de Carvalho Rio de Janeiro Junho/2017 IV FICHA CATALOGRÁFICA Filipe Eduardo Piero de Oliveira Borsani A arqueologia dos muros e as estratégias de divisão espacial, no Oriente Médio Neolítico e Antigo. Filipe Eduardo Piero de Oliveira Borsani. - Rio de Janeiro: UFRJ/ Museu Nacional, 2017 X, 43 f.: il. Orientadora: Cláudia Rodrigues Ferreira de Carvalho. Monografia- UFRJ/ Museu Nacional/ Programa de Pós-Graduação em Geologia do Quaternário, 2017 Referências Bibliográficas: f. 43-45 1. Oriente Médio. 2 Idade Antiga. 3. Período Neolítico. 4. Segregação. 5. Muros. V “This wall will fall” - Mensagem escrita no muro que divide Israel e Cisjordânia VI Agradecimentos Agradeço a minha mãe, meu pai e meus avôs e avós tanto pelo amor que sempre recebi e recebo, como pelo fato de sempre lutaram para pagar um colégio que me ajudasse a me tornar uma pessoa do bem e desenvolvida intelectualmente. Aos meus irmãos que sempre estiveram ao meu lado ao longo da minha vida, tanto nos momentos felizes como nos difíceis. À minha orientadora Claudia Rodrigues Ferreira de Carvalho, que através de muitos ensinamentos, dedicação e bom humor me ajudou a construir e concluir essa monografia. À Sílvia Maria Teixeira Silveira que me incentivou e me ajudou muito no decorrer deste curso de pós-graduação e na elaboração desta monografia. Aos meus amigos tanto de dentro do curso Geoquater, como os de fora pelos momentos divertidos que eles me proporcionaram ao longo da pós-graduação. VII RESUMO A ARQUEOLOGIA DOS MUROS E AS ESTRATÉGIAS DE DIVISÃO ESPACIAL, NO ORIENTE MÉDIO NEOLÍTICO E ANTIGO Filipe Eduardo Piero de Oliveira Borsani Orientadora: Cláudia Rodrigues Ferreira de Carvalho Resumo da Monografia submetida ao Programa de Pós-graduação em Geologia do Quaternário, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro –UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Especialista em Geologia do Quaternário. No Oriente Médio Antigo e Neolítico, existiam muitas sociedades humanas diferentes que coexistiam conflituosamente, ou complementarmente. Essas diferenças podem ser representadas por características como: estrutura político-social e estratégias de obtenção de recursos. Esta monografia apresentará uma pesquisa que propõe relacionar a heterogeneidade de culturas presentes no recorte espacial e temporal determinados com o desenvolvimento de muralhas nas primeiras cidades do Oriente Médio. Assim pretende-se analisar as motivações que levaram a construção dessas estruturas e consequências, ou impactos que elas causavam nas sociedades daquela época como, por exemplo, a segregação. Para atingir tais objetivos esta monografia pretende realizar uma revisão bibliográfica agregando conhecimentos através de um enfoque multidisciplinar, reunindo conhecimentos da arqueologia, antropologia, história e geografia. Palavras Chave: Oriente Médio, Idade Antiga, Período Neolítico, sociedade, segregação, muros. VIII ABSTRACT THE ARCHEOLOGY OF THE WALLS AND THE SPACE DIVISION STRATEGIES IN THE MIDDLE EAST NEOLITHIC AND ANCIENT Filipe Eduardo Piero de Oliveira Borsani Orientadora: Cláudia Rodrigues Ferreira de Carvalho Abstract of the monograph submitted to the Postgraduate Program in Geology of the Quaternary, National Museum, Federal University of Rio de Janeiro – UFRJ, as part of the requirements to obtain the title of Specialist in Quaternary Geology. In the Ancient and Neolithic Middle East, there were many different human societies that coexisted in a conflictual, or complementarily way. These variables can be represented by characteristics such as political-social structure and strategies for obtaining resources. This monograph presents a research, which proposes to relate a heterogeneity of cultures without any spatial and temporal clipping, with the development of walls in the first cities of the Middle East. So this research intend to analyze the motivations that led to the construction of structures and the consequences, or impacts that they have caused in societies of that time such as segregation. To reach these objectives is a monograph to carry out a bibliographical review aggregating knowledge through a multidisciplinary approach bringing together knowledge of archaeology, anthropology, history and geography. Keywords: Middle East, Ancient age, Neolithic period, society, segregation, walls. IX Sumário Lista de figuras ........................................................................................................................... X Introdução .................................................................................................................................. XI 2 Metodologia .......................................................................................................................... XIII 3 Objetivos ................................................................................................................................XV 4 Revisão Conceitual ...............................................................................................................XVI 5 Fundamentação Teórica .......................................................................................................XVII 5.1 Caracterização Espaço-Temporal .................................................................................XVII 5.2 Os povos do Neolítico e a sedentarização....................................................................... 20 5.3 Os povos da Idade do Bronze e o surgimento das cidades. ............................................ 23 6. Resultados: Os muros, suas funções e impactos nas sociedades .......................................... 27 6.1 Relações conflituosas entre diferentes povos e a muralha externa ................................. 27 6.2 O muro da cidadela e a segregação social ...................................................................... 34 6.3 Os muros e a ideia de propriedade .................................................................................. 37 7 Discussão ............................................................................................................................... 39 Conclusão ................................................................................................................................. 42 Referências bibliográficas ........................................................................................................43 X Lista de figuras Figura 1. Recorte Espacial e Pontos de Interesse. Fonte: Elaborado a partir da utilização de shapefile disponível no site: thematicmapping ...................................................................... XIV Figura 2. Pratos descobertos em um túmulo onde foram depositados para fornecer alimento para o falecido. Megiddo, Israel, ca. 1300-1200 a.C. Fonte: Uchicago https://oi.uchicago.edu. Acessado em 15 de fevereiro de 2017 ................................................................................ XVIII Figura 3. Os Reinos do Oriente Médio de 1500-144 a.C. Fonte: euratlas.net, acessado em 10 de fevereiro de 2017. ................................................................................................................ 29 Figura 4. Muros da Babilônia reconstruídos no governo de Saddam Hussein Fonte: Google Earth ......................................................................................................................................... 30 Figura 5. Ilustração dos Hunos. Fonte: Enciclopédia britânica infanto-juvenil ....................... 31 Figura 6. Muro de Jericó demonstrando a utilização de pedra e tijolo de barro. Fonte: bramanswanderings.com, acessado em 23 de fevereiro de 2017. ............................................ 34 Figura 7. Babilônia – Planta do Núcleo Interno. Fonte BENEVOLO, Leonardo 1983. História da Cidade .................................................................................................................................. 36 Figura 8. Organização socioespacial das cidades na idade dos metais. ................................... 37 Figura 9. Muro dividindo Israel e Cisjordânia (Atual). Fonte: Viva Palestina. http://vivapalestina.com.br/o-muro-do-aparthide/ , acessado em 20 de fevereiro de 2017 ...... 40 11 Introdução A partir do Neolítico, os seres humanos se desenvolveram tecnologicamente com uma velocidade muito superior àquela do período paleolítico. Novos utensílios, técnicas e formas de organização social nos permitiram grandes mudanças em relação ao nosso estilo de vida e obtenção de recursos. A arqueologia como ciência procura estudar esses utensílios, ou registros materiais para assim gerar explicações a respeito dos indivíduos e das sociedades que criaram esses objetos. Assim, seguindo essa forma de construção de pensamento, esta monografia se aterá a um tipo de edificação que teve seu desenvolvimento primordial no Neolítico à medida que muitos povos escolheram pela sedentarização, e se espalhou e modificou mundo afora, ao longo da história: os muros. A presente monografia pretende fazer uma revisão bibliográfica preliminar a respeito do assunto, partindo de um enfoque multidisciplinar; reunindo conhecimentos da arqueologia, antropologia, história e geografia. Assim, através dessa reunião e confronto dessas informações esta pesquisa pretende criar reflexões que permitam contribuir para discussões sobre as diferentes finalidades das construções dos muros e seus impactos nas sociedades. Além disso, serão analisadas brevemente outras questões como: como eram construídos, de que forma eram utilizados, além de compreender como os muros antigos que resistiram até os dias de hoje tem importância turística e paisagística. Assim, para alcançar esses objetivos serão analisadas bibliografias que tratam de alguns desses muros ao redor do mundo. Os muros são construções humanas que se manifestam tanto fisicamente, no espaço, como socialmente, na medida em que divide e segrega as pessoas, delimitando onde elas podem passar, ou não. Possuem muitas características que os diferenciam, que tangem desde o material pelo qual foram construídos, como sua função, ou tamanho. Tiveram grande importância do ponto de vista defensivo, à medida que primeiramente afastavam povos vizinhos, ou animais 12 que poderiam ameaçar uma tribo, além de ter ampla utilização sobretudo nas cidades da antiguidade clássica para dividir e proteger a cidadela do resto da cidade. Os fortes e fortalezas do período moderno também surgem como novas estratégias de proteção e colonização que utilizavam os muros. Com o desenvolvimento do capitalismo a noção de propriedade privada aumentou exponencialmente a utilização de tal edificação. Trata-se de um tema pertinente, já que vivemos em tempos onde a tendência em relação a construção de grandes muralhas, é muito forte; alguns exemplos são o muro que pretende ser construído para dividir o México dos Estados Unidos, ou até mesmo o muro que divide Israel da Palestina. Desse modo, uma discussão arqueológica a respeito desse tema pode vir a acrescentar argumentos a essa atual polêmica. Além disso, trata-se de um resquício arqueológico muito difundido mundialmente e com grande potencial de preservação. Assim a compreensão a respeito da finalidade dessas construções e o impacto que elas tinham nas sociedades que as construíram torna-se um assunto que pode contribuir bastante para o desenvolvimento da arqueologia. 13 2 Metodologia A pesquisa consiste em uma revisão bibliográfica a respeito do assunto, assim o material utilizado para tal consistirá em artigos e capítulos de livros de ramos da ciência como a arqueologia, história antropologia, geografia e psicologia assim como as ciências sociais como um todo, que tratem do tema. Essa bibliografia foi adquirida nas bibliotecas de Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ além de outras bases de artigos científicos na internet, como o Google Acadêmico e Jstor. Por se tratar de um tema bem amplo, o assunto será apresentado levando em conta um recorte espaço-temporal. Esse recorte delimitará a área de estudo na região do Oriente Médio, no período pré-histórico Neolítico e no período histórico da Idade Antiga. No Oriente Médio as regiões do Crescente Fértil e do Levante ganharão ênfase por acumularem uma bibliografia mais vasta. Esse recorte espacial foi escolhido por conter uma grande amostra de diferentes povos, vivendo em diferentes estilos de vida, muitas vezes até em contato uns com os outros. Já o período temporal, também é riquíssimo, já que abrange a existência de sociedades nômades e permite observar a sedentarizarão de alguns outros grupos humanos, causada pelo desenvolvimento da agricultura na região, até o desenvolvimento da cultura urbana. Desse modo o recorte espaço-temporal tem todos os requisitos para ser escolhido para esse tipo de ensaio. Mapas foram utilizados para ilustrar e apresentar visualmente a área de estudo e os pontos de interesse. Para isso foi feito o uso de softwares SIGs (Sistemas de Informação Geográficas) como o Quantum Gis e Google Earth. Fotografias ilustram a discussão sobre os muros a serem estudados e os recursos computacionais do sistema operacional Windows dos softwares do pacote Libre Office. 14 A monografia possui um capítulo de fundamentação teórica, um capítulo contendo os resultados e uma seção destinada a discussão. No primeiro será analisada a heterogeneidade de povos no Oriente Médio Neolítico e na Idade do Bronze, baseada na antropologia e na arqueologia. No capítulo seguinte será apresentado como esses diferentes povos se relacionavam e os motivos para a construção de vários tipos de muralhas que se desenvolveram pela área de estudo, no recorte temporal. Por fim, na discussão a questão das muralhas do passado será confrontada com os muros dos tempos atuais, para assim, compreendermos o que mudou e o que não, desde a Idade do Bronze até os dias de hoje. Figura 1. Recorte Espacial e Pontos de Interesse. Fonte: Elaborado a partir da utilização de shapefile disponível no site: thematicmapping 15 3 Objetivos Geral -Relacionar a questão daheterogeneidade de estilos de vida com a construção de muros e muralhas no Neolítico e Idade dos Metais Específicos -Analisar o desenvolvimento e a heterogeneização dos estilos de vida das sociedades no Oriente Médio Neolítico e na Idade do Bronze -Compreender as diferentes finalidades das construções dos muros e seus impactos nas sociedades. -Confrontar informações a respeito das motivações das construções dos muros do passado e do presente. 16 4 Revisão Conceitual Nesta seção se pretende apresentar a base conceitual e teórica que foi escolhida para sustentar a discussão presente neste trabalho de conclusão de curso. Segregação urbana - “a distribuição das residências no espaço produz sua diferenciação social e há uma estratificação urbana correspondente a um sistema de estratificação social, e no caso que a distribuição social tem forte expressão espacial, ocorre a segregação urbana. ” (Castells 1978). Trata-se de uma vertente do termo mais genérico “segregação socioespacial”. Assim, apesar de serem conceitos da geografia, eles podem muito bem ser aplicados no contexto arqueológico desta monografia. Teoria do Médio Alcance - “teorias de alcance médio abordam o modo como nós conseguimos fazer asserções sobre o passado a partir de fatos contemporâneos. De outro modo: como nós transformamos fatos estáticos do passado a partir do registro arqueológico em processos dinâmicos. ” (Binford 1977). “Given the method of analogy to living peoples, appeals have been made by archeologists to explore the record in search of units which can be meaninfully compared in analogies to living peoples. ” (Binford 1968). Em português: “Dado o método de analogia com os povos vivos, os arqueólogos fizeram apelos para explorar o registro em busca de unidades que possam ser comparadas intimamente em analogias com os povos vivos. ” Este é um conceito chave para esta pesquisa na medida em que o objeto de estudo ainda se manifesta na atualidade. Vale lembrar da influência de James Hutton, tanto na Geologia, como na ciência de forma geral, quando ele apresenta o conceito de uniformitarismo. Essa concepção determina que a interpretação acerca dos fenômenos que ocorrem no presente, pode ser utilizada para compreender os eventos do passado. Logo o presente seria a chave para o passado. 17 5 Fundamentação Teórica 5.1 Caracterização Espaço-Temporal Desde a saída do Homo sapiens da África, há aproximadamente 100 mil anos, o Oriente Médio é ocupado pela espécie humana. A região também foi o lar de muitas outras espécies do gênero Homo, como o Homo neandertalenses por exemplo. A teoria do “Out África”, altamente disseminada no pensamento paleoantropológico, aponta um modelo de dispersão populacional humana que defende a importância do Oriente Médio para a dispersão biogeográfica da nossa espécie, já que segundo essa teoria foi a primeira região por onde tanto o Homo sapiens, como outras espécies de homo usaram de passagem para se espalhar pelo mundo, depois que saíram do continente africano (Masatoshi 1995). Desse modo a localização geográfica do recorte espacial pode ser considerada estratégica, pois conecta os continentes africano, europeu e asiático, visto que é uma região que serve como ponte entre estas grandes massas continentais. Assim as suas características locacionais fizeram com que o Oriente Médio se tornasse uma região que propiciava a sua ocupação e sua utilização como caminho, por parte de muitos seres vivos, inclusive os seres humanos, ao longo das eras. No Período Neolítico a região era habitada por diversos povos caçadores coletores nômades. Estes desenvolveram diversas indústrias, que de forma geral, se caracterizavam pela pedra polida. Finlayson (2014) chama a atenção para a classificação temporal que divide o período em: Pre-Pottery Neolithic (PPN) A, B e C, sucessivamente, que vão de aproximadamente 10.000 a 6.400 anos antes do presente. O fim desse período, que vai de aproximadamente 6.400 a 4000 anos, recebe o nome de Pottery Neolithic (PN) e é caracterizado 18 por utensílios em cerâmica como copos e jarros. Além das indústrias propriamente ditas, esses recortes temporais também simbolizam a lenta e continua evolução de processos de sedentarização em vilarejos e manejo de gêneros agrícolas e animais. Segue abaixo alguns exemplos dos itens em cerâmica desenvolvidos na época (Figura 2). Figura 2. Pratos descobertos em um túmulo onde foram depositados para fornecer alimento para o falecido. Megiddo, Israel, ca. 1300-1200 a.C. Fonte: Uchicago https://oi.uchicago.edu. Acessado em 15 de fevereiro de 2017 A partir do quarto milênio antes do presente, as indústrias e culturas tipicamente neolíticas são gradativamente substituídas por outras, que começam a utilizar o cobre associado a pedra polida, dando início ao período chamado Chalcolítico ou idade do cobre. Esse período é caracterizado pelo surgimento dos primeiros núcleos urbanos no Levante e Crescente Fértil. Por fim o recorte temporal vai avançar até a Idade do Bronze, que leva esse nome, pois é o período em que homem começou a desenvolver um metal mais resistente para a confecção de utensílios e adornos, ao associar o cobre ao estanho. As subdivisões temporais dessa idade são: (antigo, médio e recente). Algo importante de se notar é que ao longo desse período de tempo, foi que ocorreu a disseminação da revolução urbana através da região (Greenberg 2014). 19 Voltando a falar do recorte espacial, pode-se salientar que o Oriente Médio é uma região de extrema diversidade de ecossistemas. Há na região costeira do Levante, Florestas, ambientes de grande altitude, estepes semiáridas, vales e desertos. “This provide an enormous range of environments, creating different possibilities for subsistence strategies across the region for hunter-gatherers, cultivators, and early farmers alike” (Finlayson 2014); traduzindo, “Isso propicia uma enorme variedade de ambientes, criando assim, diferentes possibilidades de estratégias de subsistência ao longo da região, para caçadores coletores, horticultores, e para os primeiros fazendeiros”. Além disso o mesmo autor chama a atenção para a importância deste estudo dizendo “Research investigating the relationship between environment and human approches to substence has gone hand in hand with Neolithic research since the early days”. Em português “Pesquisas que investigam a relação entre o ambiente e as estratégias humanas para a subsistência vem associadas com as pesquisas sobre o Neolítico desde os primórdios” Assim é possível dizer que o Neolítico pode ser visto como um período em que a interação humana com a natureza é uma questão chave para a arqueologia; e à medida que os povos vão se organizando em formas sociais mais complexas, surge a questão da interação social como um fator tão importante quanto a relação entre o Homem e o ambiente natural. Junto a isso, é possível afirmar também que o intercâmbio entre as populações que por lá passaram e se fixaram, foi importantíssimo para disseminar ideias e técnicas que podem ter levado os povos que lá habitavam ao desenvolvimento da agricultura e das primeiras cidades nessa região. Esses avanços técnicos e sociais permitiram uma forma diferente de se relacionar com a natureza e obter seus recursos necessários, além de modificar os modelos de organização social dessas populações. Esses avanços técnicos e sociais que são objeto de estudo desta pesquisa como, por exemplo, a agricultura e urbanização serão apresentados ao longo deste capítulo através, do 20 ponto de vista do entendimento deles como processo e não fenômeno. Logo será levada em conta a temporalidade desses acontecimentos e o lento desenvolvimento técnico e social, em detrimento de uma visão mais direta e menos profunda, algo de suma importância parao desenvolvimento deste estudo, por serem esses os fatores que possibilitam a caracterização e diferenciação dos povos, que viviam no espaço e período definidos. 5.2 Os povos do Neolítico e a sedentarização Partimos do ponto que “Inicialmente, todos os povos da terra eram caçadores coletores” (Diamond 1997), assim acredita-se que se deu o início da ocupação humana e da interação da espécie humana com o meio natural. No Oriente Médio não foi diferente, já que, pelo menos até o final da era Paleolítica, acredita-se que grupos caçadores coletores seja de Homo sapiens ou Homo neandertalenses ocupavam essa região. No entanto, os processos de diferenciação de estilo de vida e da forma de obtenção de recursos das sociedades começaram a ocorrer, à medida que o Ser Humano começa a criar novos utensílios e modificar o ambiente a sua volta. Estudos arqueológicos e palinológicos (van Zeist & Bottema 1991) apontam para o princípio da domesticação de plantas no Levante, já no fim da última glaciação em aproximadamente 9500 a.C. Essa área era propícia para o desenvolvimento da agricultura pois, possuía um período de chuvas anual bem delimitado de verões secos e invernos úmidos e já era um complexo de caça e coleta com estruturas semi-sedentárias, que pode ser constatado a partir das pesquisas realizadas no sítio Ohallo II, na costa do mar da Galileia (Bellwood et al. 2005). Além disso Diamond (1997) também salienta que essa era uma região que contava com uma grande quantidade e qualidade de cereais e leguminosas selvagens como: favas, ervilhas, lentilhas somadas a diferentes espécies de trigo e capins. 21 Vale lembrar que não é só a domesticação de animais e plantas e a sedentarização em pequenas vilas e aldeias que constituem a Cultura Neolítica. “A domesticação do fogo, água e materiais, além do desenvolvimento de rituais e interações sociais; sendo esses processos não lineares e nem diretos” (Goring-Morris & Belfer-Cohen 2010). Assim os materiais que se desenvolveram foram, sobretudo, a cerâmica no fim desse período, e objetos de pedra polida desde o início. Junto a isso deve-se desmistificar que a agricultura não é necessariamente pré- requisito de vida sedentária, assim como populações sedentárias não necessariamente eram fazendeiras (Akkermans 2014). Visto isso, podemos citar exemplos que ilustram essa constatação, como os povos sambaquianos ou sambaqueiros do litoral brasileiro, que eram caçadores coletores e pescadores que podiam ser considerados sedentários. Do período PPNA ou Pre-Pottery Neolithic A, no início do Neolítico, de mais ou menos 9750 a 8500 a.C. alguns pequenos acampamentos foram encontrados na porção sul do levante; Hagdud, GilgalI, Jericho, el-Khiam e Ain Darat). Lá foram encontradas evidências de cultivo incipiente de gêneros agrícolas como aveia e pistache selvagens, além da caça de gazelas. A cultura material da época pode ser sintetizada em características como habitações ovais, lanças cortadores de pedra polida, machados e figuras antropomórficas de pedra (Goring-Morris & Belfer-Cohen 2010). No PPNB ou Pre-Pottery Neolithic B, a simbiose entre humanos e plantas continuou avançando, na medida em que se espalhavam pelo Oriente Médio as técnicas de cultivo agrícola, ao mesmo tempo que elas evoluíam em complexidade e em número de espécies domesticadas. Assim crescia a oferta de alimentos, consequentemente as populações e os assentamentos. Na Mesopotâmia houve o desenvolvimento do pastoreio de cabras e ovelhas e junto a isso a promoção da agricultura irrigada. Esses avanços permitiram a evolução de assentamentos em vilarejos proto-urbanos, e podem ser atribuídos às sucessivas culturas Ubaid, 22 Uruk e Susa e às civilizações Suméria Acadiana e Elamita do terceiro milênio (Bellwood et al. 2005) No PN ou Pottery Neolithic, além da continuidade dos avanços técnicos e instrumentais, a cerâmica surge como um novo utensílio e uma nova manifestação cultural. A partir desse momento foi possível armazenar alimentos, sementes e líquidos com maior facilidade. Além disso a cultura material se desenvolveu muito com esse novo material. Analisando a história da evolução material e imaterial humana no Neolítico podemos entender o processo de diferenciação de estilos de vida que ocorreu nesse período. Pressões ambientais e culturais diversas teriam levado os grupos humanos a desenvolver diferentes estratégias adaptativas. Algumas das soluções encontradas por essas comunidades impactaram significativamente o ambiente a sua volta, construindo novas paisagens e proporcionando vantagens intrínsecas ao Ser Humano como espécie animal e Ser pensante provido de cultura. A esses diferentes estilos de vida foram atribuídas classificações, essas “classes” por sua vez, por necessitarem de características que diferenciem umas das outras e que atribuam semelhanças entre si, muitas vezes excluem muitas particularidades e individualidades de grupos humanos. No entanto, essas classificações permitem que organizemos o conhecimento a respeito do estilo de vida de populações em uma escala mais ampla, onde essas particularidades não são tão determinantes. Logo a generalização por mais triste que seja e por mais conteúdo, sobretudo antropológico, que se deixe de lado, é necessária em alguns tipos de estudo como este. Desse modo Finlayson (2014) atribui a região do Oriente Médio, no Período Neolítico a presença de grupos caçadores coletores, que foram perdendo espaço, (e/ou se transformando) ao longo do tempo para os primeiros agricultores, representados pelas sociedades que se 23 formaram como resultado da revolução Neolítica e que moldaram seu ambiente ao longo desse período, através da agricultura e da pecuária. 5.3 Os povos da Idade do Bronze e o surgimento das cidades. A Idade do Bronze além de estar relacionada ao domínio da técnica de produção do bronze, a partir da liga formada na fusão do cobre e do estanho; tem como característica importantíssima para as modificações sociais e ambientais, o surgimento dos primeiros núcleos urbanos no Oriente Médio. Jericó no Levante; Ur, Babilônia, Akkadia, e Nipur, na Mesopotâmia; Memphis e Tebas, no Egito, já vinham se desenvolvendo desde o Período Neolítico. Assim elas cresciam em população humana e animal, produção de comida, utilização de recursos e tamanho do assentamento. No entanto, não é esse crescimento que determina que um vilarejo ou uma aldeia se tornou uma cidade. “No Neolítico já havia se realizado a primeira condição para o surgimento das cidades, qual seja a fixação do homem a terra através do desenvolvimento da agricultura e criação de animais, mas faltava a concretização da segunda condição, que é uma organização social mais complexa. ” (Sposito 1988). Assim, apesar de a Revolução Neolítica ter criado as condições de oferta de excedentes alimentares extremamente necessárias para o surgimento do ambiente urbano, somente uma organização social que permitisse a existência de uma classe efetivamente urbana, ou seja, que não necessitasse trabalhar na terra por ter sua subsistência garantida através de ocupações como o comércio, artesanato, militarismo, religião e dominação política; permite que se chame um assentamento de urbano. Sendo assim são atribuídos aos aldeões caçadores, ou seja, aqueles que ainda mantinham a prática da caça para complementar a oferta de alimentos dos vilarejos neolíticos, o princípio 24 da diferenciação social. Isso se deu segundo Mumford (1965) porque o domínio das armas deu a esses caçadores a possibilidade de proteger os aldeões contra-ataques de animais como leões, tigres, lobos e crocodilos. Posteriormente à medida que a violência entre vilarejos começa a se tornar maior pela busca das melhores terras, esses aldeões com mais habilidades com as armas passaram se tornaram guerreiros e essa classe passa a viver semprecisar produzir ou buscar alimentos. A quem obtinha liderança dentro dessa classe foi atribuído o título de rei. “É curioso destacar que o próprio símbolo da autoridade real – o cetro -, nada mais é do que a maça, a arma que substituiu o arco e flecha, e era utilizada pelos caçadores para matar ou aleijar homens. ” (Sposito, 1988). Apesar da Idade do Bronze poder ser representada pelo crescimento e desenvolvimento dos primeiros núcleos urbanos no Oriente Médio, outros tipos de sociedades ainda praticavam o nomadismo. Nas localidades menos férteis e menos úmidas, o nomadismo pastoril era uma forma de viver que servia como solução para enfrentar tais condições do meio físico. Essa prática de subsistência se desenvolveu com muita força nas estepes asiáticas, no entanto não se restringiram a essa área. Na península arábica e no sahara também existem até os dias de hoje povos que vivem dessa forma. No próprio Oriente Médio há indícios dessa atividade “At the heart of intermediate Bronze are some large settelments in the Jordan Valley and many smaller and sparser villages and farming communities around the tributary valleys. The regions occupied by the people of intermediate Bronze included land of rich agricultural and horticultural potential with c. 400-800mm of annual rainfall. In areas of low rainfall – the Negev and southest Syria, for exemple – there is evidence of communities virtually dependent on pastoralism and probably importing grain. There are around 1000 known campsites of intemediate bronze pastoralists found in the drier Negev (c.100m annualy rainfall) ” (Prag 2014). Em português: No ápice da Idade do bronze intermediário estão alguns assentamentos 25 grandes no Vale do Jordão e muitas aldeias menores e esparsas, e comunidades agrícolas ao redor dos vales tributários. As regiões ocupadas pelo povo do Bronze intermediário incluíam terras de rico potencial agrícola e hortícola com c. 400-800mm de precipitação anual. Em áreas de baixa precipitação - o Negev e a Síria meridional, por exemplo – há evidências de comunidades virtualmente dependentes do pastoreio e provavelmente importando grãos. Existem cerca de 1000 sítios conhecidos de pastores da Idade do Bronze intermediária, encontrados no Negev mais seco (c.100m precipitações anuais). A grande maioria primeiras cidades que se desenvolveram no Oriente Médio, estavam citadas próximas as planícies de irrigação dos rios da região. Em relação a essa situação de proximidade entre povos com estilos de vida diferentes, vale lembrar que alguns povos nômades como os aborígenes do nordeste australiano, os nativos americanos da Califórnia e os Kohis, que viviam a oeste do rio do peixe na África do Sul realizavam trocas com agricultores das ilhas do estreito das flores (entre Austrália e Nova Guiné), do vale do rio colorado e com os agricultores bantos respectivamente. Logo mesmo vivendo em contato com povos agricultores, eles se negavam a absorver essa forma de subsistência e estilo de vida (Diamond 1997). Outra questão que autor levanta é em relação à dinâmica desses povos e a atenção que temos que ter quando trabalhamos com essas classificações é que é um “equívoco pensar que existia uma clara divisão entre os nômades caçadores-coletores e sedentários produtores de alimentos. ” Desse modo ele apresenta variados exemplos de culturas que eram sedentárias, porém não plantavam, ou povos que dependendo da época do ano, ou das necessidades variavam entre o nomadismo e o sedentarismo. Trata-se de uma questão que pode ser interpretada pelas opiniões apresentadas por autores como “Hodder, tal como Childe, sublinha a importância das tradições culturais como 26 fatores que desempenham um papel importante na estruturação da mudança cultural. Essas tradições suprem a maioria dos conhecimentos, crenças e valores que, ao mesmo tempo, influenciam a mudança social e econômica e são por elas remodelados. Podem também, desempenhar um papel ativo na resistência as mudanças” (Trigger 2004). Através desses argumentos facilmente se derruba a visão evolucionista presente na arqueologia e na maioria das ciências humanas e sociais do século XIX, que pode ser exemplificada por Trigger: “Na África, as tecnologias eram baseadas tanto no ferro quanto na pedra, e as sociedades se distribuíam, quanto à complexidade, em uma faixa que ia desde tênues bandos de caçadores a grandes reinos. No entanto, era consenso entre a maioria dos europeus que as realizações tecnológicas, culturais e políticas do povo africano eram menos significativas do que pareciam. ” (Trigger 2004). 27 6. Resultados: Os muros, suas funções e impactos nas sociedades 6.1 Relações conflituosas entre diferentes povos e a muralha externa As novas estratégias de adaptação das comunidades humanas ao meio físico, apresentadas no capítulo anterior; diferenciaram as populações em estilos de vida diversos. Assim a partir do Neolítico os seres humanos começam a apresentar maior heterogeneidade em relação a diversos campos de estudo como cultura, política economia e obtenção de recursos. Apesar desse grande nível de diferenciação entre as distintas comunidades, o fato de elas ocuparem territórios próximos, ou até convergentes, e de muitas vezes haver um certo nível de complementariedade econômica, que se dava através do comércio, ou saque; fazia com que essas diferentes populações interagissem as vezes pacificamente, outras vezes conflituosamente. Sahlins (1970) analisa essa relação da seguinte forma: “Os povos pastores e cultivadores de uma determinada área compreendem setores econômicos complementares: um explorando as potencialidades agrícolas locais, o outro as possibilidades de utilização dos campos próximos e os dois assim, estão intensamente ligados em relações de troca e tensão”. Assim, em relação às tensões que tanto a situação acima aponta, como outros tipos de conflitos entre comunidades de diferente cultura, ou diferente líder político; podem ser vistos como um estímulo para a construção de muralhas. Desse modo uma função dessas construções seria a defesa da população, recursos alimentícios e outros tipos de riquezas produzidas pelas comunidades sedentárias que ali habitavam. Algo que também pode ser observado em relação a isso é o fato de as questões políticas se tornarem mais importantes nesse assunto a mediada que há um fortalecimento das instituições, ao longo do tempo. No final da Idade do Bronze, por exemplo, já haviam alguns impérios e cidades independentes com lideranças políticas bem 28 estruturadas. “The late Bronze Age in the Levant is characterized by what Liverani 1987, has called “grate kings” and “small kings” (…) The major imperial powers of Egypt Mitanni and Hatti on the one hand and multiplicity of city-states kingdoms of varying size and extent on the other, some of whitch at various times became vassals of, or other nominally subject to, the rulers of one or other of the “great powers. ” (Sherratt, 2014) Em português: “O final da Idade do Bronze no Levante é caracterizado pelo que Liverani 1987, chamou de "grandes reis" e "pequenos reis" (...) As maiores potências imperiais do Egito, Mitanni e Hatti, por um lado, e a multiplicidade de reinos de cidades-estados De tamanho e extensão variados, por outro, alguns dos quais em várias ocasiões se tornaram vassalos, ou outras denominações que significavam estar sujeito aos governantes de uma ou outra das “grandes potências””. O mapa abaixo ilustra tal situação. 29 Figura 3. Os Reinos do Oriente Médio de 1500-144 a.C. Fonte: euratlas.net, acessado em 10 de fevereiro de 2017. Na arqueologia podem ser observados muitos exemplos de muralhas que dividiam povos diferentes. Um exemplo é a grande muralha da China, que dividia o Império Chinês das tribos nômades da Mongólia. Outro exemplo é murode Gorgan no Iran que dividia a Pérsia dos pastores das estepes asiáticas. O império romano também contava com muros como os de Adriano e Antonino a função destes era proteger o território do império dos povos pictos, da Escócia; considerados bárbaros. Porém não são só as grandes muralhas que tinham essa função de separar os países. As cidades-estados também possuíam muralhas ao seu redor, já que até antes da denominada antiguidade clássica raramente havia uma unidade política e um poder econômico capaz de realizar obras tão grandiosas. A figura abaixo se trata de uma reconstrução da muralha que envolvia a cidade da Babilônia ao longo da Idade do Bronze. 30 Figura 4. Muros da Babilônia reconstruídos no governo de Saddam Hussein Fonte: Google Earth As muralhas surgem assim como uma barreira física e psicológica que divide o território associado a uma comunidade e determina a fronteira que delimita até onde o estranho, ou o outro podem transitar. Dessa forma ela divide o espaço dos cidadãos e compatriotas do resto do mundo. Logo delimita aonde vivem seus iguais. Além disso, realiza seu objetivo primordial propondo um potencial defensivo muito importante a comunidade a qual ele circunda. Assim haviam também as sociedades que poderiam apresentar algum risco aos cidadãos das cidades muradas, elas podem ser interpretadas de duas formas conforme ao seu estilo de vida. Os habitantes de outras cidades, sujeitos a líderes políticos diferentes e os nômades pastores que “embora economicamente inferiores aos povos sedentários, os nômades são superiores militarmente. Nascidos e crescidos sobre a sela e numa carreira de pilhagem e vingança os pastores nômades têm no treinamento militar um estilo de vida. Com prática um bando pode atacar, roubar e desaparecer em grande velocidade de maneira impossível de ser alcançado (…) A população urbana geralmente nada tem a opor contra essas táticas exceto uma muralha” (Sahlins 1970). Abaixo segue uma ilustração dos Hunos, que apesar de não terem 31 participado do recorte realizado para esta monografia, exemplificam bem a questão levantada pelo autor. Figura 5. Ilustração dos Hunos. Fonte: Enciclopédia britânica infanto-juvenil Vale lembrar que nesse período histórico não haviam armas de sítio tão eficazes. Somente poucos milênios a frente que começou-se a utilizar as famosas catapultas e escadas e só mais algum tempo depois os surgiram os canhões, que foram capazes de reduzir bastante o papel das muralhas como construções defensivas. Borges (2009) chama a atenção sobre o assunto apresentando o episódio da tomada de Constantinopla. A capital do Império Bizantino possuía uma grande muralha, no entanto não foi capaz de se defender do bombardeio turco e foi tomada por eles em 1453. Sendo assim, como na Idade do Bronze ainda não existam essas formas de se transpor as defesas das cidades, as muralhas ainda tinham um papel importantíssimo para a construção e manutenção da vida urbana na região. Na arqueologia esses muros esternos também podem ajudar os pesquisadores a terem uma boa ideia a respeito do tamanho dessas cidades, na medida em que se calcula a área inserida dentro dos muros. Essa informação é de suma importância para especular a respeito do tamanho da população, importância do sítio dentre outras informações. “There are some common characteristics for Ancient Near Eastern cities in addition to settlement size and the obvious 32 concentration of population. A wall surrounded many of the towns and cities in the Ancient Near East.Sometimes even a section of a city had its own wall. Because the city walls can sometimes be seen with very little excavation, the size of a city is often (as below) given as the approximate area inside the walls. In many cases this may be far too small, as it has frequently been shown that large suburbs surrounded the walled cities. However, owing to a lack of proper studies it is often not possible to give other figures (Pedersén et al. 2010). Em português: “Existem algumas características comuns nas cidades do Oriente Próximo Antigo, além de tamanho do assentamento e a concentração óbvia da população. Uma muralha cerca muitas das vilas e cidades no Oriente Próximo Antigo. Às vezes até mesmo uma secção de uma cidade tinha seu próprio muro. Porque os muros da cidade às vezes podem ser vistos com muito pouca escavação, o tamanho de uma cidade é muitas vezes é dado como a área aproximada dentro das muralhas. Em muitos casos, pode ser muito pequeno, pois tem sido frequentemente mostrado que os grandes subúrbios cercavam as cidades. No entanto, devido à falta de estudos adequados, muitas vezes não é possível dar outros números.” Isso mostra a importância de se desenvolver os estudos em relação aos muros e como os as muralhas eram amplamente difundidas pelas sociedades do Oriente Médio no período. “The long-term excavations of the Hittite capital Hattusha (200 ha, c. 1250 BC) have unearthed city walls, with sections of the city having their own walls,open spaces, and public buildings such as temples, palaces, and administration buildings. A recent find of the largest storage facilities in the Ancient Near East in the form of silos for 7000–10000 m3 barley shows the administrative facilities to secure the sustainability of the population. 26 Assyrian capitals in northern Mesopotamia during the Neo-Assyrian period 800–600 BC were relocated essentially from south to north along the Tigris: first Assur (80 ha), followed by Kalah (modern Nimrud, 380 ha), Dur-Sharrukin (320 ha) and finally Nineveh (700 ha) (Pedersén et al. 2010). Em 33 português: “As escavações de longo prazo da capital hitita Hattusha (200 ha, cerca de 1250 a.C.) desenterraram as muralhas da cidade, com partes da cidade com suas próprias paredes, espaços abertos e edifícios públicos como templos, palácios e edifícios administrativos. Uma recente descoberta das maiores instalações de armazenamento no antigo Oriente Próximo, sob a forma de silos para 7000-10000 m3 de cevada, mostra as instalações administrativas para garantir a sustentabilidade da população. 26 Capitais assírias no norte da Mesopotâmia durante o período neo-assírio 800- 600 a.C. foram realojados de sul a norte ao longo do Tigre: primeiro Assur (80 ha), seguido por Kalah (Nimrud moderno, 380 ha), Dur-Sharrukin (320 ha) e finalmente Nineveh (700 ha).” Em relação ao material utilizado na construção dessas muralhas, em Jericó no período PPN, verificou-se a utilização de pedra na construção desses muros (Bar-Yosef 1986), porém um outro material largamente utilizado na época, para a construção de casas e muros menores eram os tijolos de barro (Nodarou et al. 2008). Na Figura 6 é possível visualizar os dois métodos de construção. 34 Figura 6. Muro de Jericó demonstrando a utilização de pedra e tijolo de barro. Fonte: bramanswanderings.com, acessado em 23 de fevereiro de 2017. 6.2 O muro da cidadela e a segregação social Outro tipo de muro que surgiu nessa época foram os muros das cidadelas. As cidadelas eram os locais onde os reis, a nobreza, os religiosos e os cientistas habitavam. Lembrando que se trata de um tempo em que ciência e religião caminhavam juntas. Na maioria das vezes estavam localizados nas áreas centrais das cidades e nas partes mais altas. Isso oferecia um caráter defensivo e uma maior centralidade urbana para essa área nobre da cidade. “As mais antigas cidades tinham em comum, além da localização nos vales dos grandes rios, uma organização dominante de caráter teocrático (o líder era rei e chefe espiritual), e um traço na sua estruturação interna do espaço: a elite sempre morava no centro. Isto servia tanto para facilitar o intercambio das ideias (que permitiam o exercício da dominação sobre as outras 35 classes sociais), como para ficarem menos expostas aos ataques externos,como destaca Gideon Sjoberg em seu texto Origem e evolução das cidades. ” (Sposito, 1988) Smith e Kafadarian (1996), também descrevem com maestria algumas cidadelas fortificadas da Idade do ferro, que hoje se encontram em território armênio, na Transcaucásia do Sul. Eles descrevem muralhas de pedras grandes e pequenas (que se encaixariam nos espaços entre as grandes), além de um alinhamento com o terreno acidentado onde elas se encontram. Outra característica interessante que se repete na medida em que estudamos as cidadelas são as cidades com muros externos e internos; os primeiros defendem a cidade dos invasores estrangeiros e o segundo defende os nobres tanto dos estrangeiros como das classes sociais mais baixas da cidade. No entanto, em relação à forma da cidade, vale lembrar que as cidades do levante e mesopotâmia, diferentemente das da Armênia estavam localizadas sobretudo em planícies, desse modo em sua grande maioria possuíam muralhas tanto internas, como externas, com as próprias ruas orientadas em linhas retas perpendiculares, como é possível observar na Figura 7. 36 Figura 7. Babilônia – Planta do Núcleo Interno. Fonte BENEVOLO, Leonardo 1983. História da Cidade Os habitantes da cidadela eram aqueles que concentravam a riqueza e os alimentos e o conhecimento. Por isso podiam viver sem a necessidade de produzir alimentos ou realizar qualquer tipo de trabalho. Assim tinham tempo de se dedicar a religião, ciência e a guerra. Trata-se de um modelo de divisão social que se desenvolveu à medida que o fenômeno da urbanização se desenvolveu tanto no Oriente Médio como China, Índia, mediterrâneo e Américas andina e central. Abaixo encontra-se um modelo de organização espacial típico desse tipo de cidade (Figura 8). 37 Figura 8. Organização socioespacial das cidades na idade dos metais. 6.3 Os muros e a ideia de propriedade Os primeiros abrigos surgem com a função de criar um ambiente que defende as pessoas das intempéries, da chuva e da ameaça de predadores, além de criar um ambiente confinado que pode ser climatizado através da utilização de uma fogueira. O desenvolvimento de estruturas de habitação constitui-se numa invenção essencial para a ocupação de novas áreas do globo e para a manutenção e o desenvolvimento da nossa espécie. No início no Neolítico, ou PPN os abrigos se desenvolveram e começaram a contar com os muros feitos dos mais distintos materiais como pedra, madeira, e até no nono milênio a.C. já haviam tijolos de barro. Porém foi só no quinto milênio a.C. que alguns povos desenvolveram melhor a técnica de produção da cerâmica e da argila temperada, assim começou-se a utilizar 38 tijolos de barro retangulares e com tamanho padronizado para a construção de casas e até muros também (Oates 1990). Eles cercavam a área de habitação e desse modo ofereciam uma melhor e mais duradoura opção de construção. Essa seria uma perfeita explicação funcionalista a respeito desse fenômeno, no entanto questões ligadas a psicologia, como por exemplo, a privacidade também motivaram a construção de moradias por todo o planeta. Assim algumas diferenças culturais em relação a constituição familiar moldaram as diferentes formas com que os abrigos eram construídos e utilizados no passado. Hoje a cultura ocidental está baseada no núcleo familiar da família uni nuclear, porém existem muitas outras culturas com constituição familiar distinta e isso faz com que existam diferentes interpretações em relação à privacidade, família e consequentemente construção de habitações. Para Dunnell (1982) “, as abordagens evolucionistas e ecológicas emprestadas das ciências biológicas não eram moldadas de forma a explicar sistemas simbólicos e motivacionais” Indo mais fundo nos pensadores da psicologia ambiental podemos entender que “A pessoa tem propriedades ambientais tanto quanto características psicológicas individuais (…) Não há ambiente físico que não seja envolvido por um sistema social e inseparavelmente relacionado a ele (…) A influência do ambiente físico no comportamento varia de acordo com a conduta em questão (…) O ambiente tem valor simbólico.” (Ittelson, et al. 1974). Assim pode- se constatar que essa questão é muito mais complexa e subjetiva, que necessita assim de um enfoque pós processual. 39 7 Discussão A partir das informações apresentadas nos capítulos de resultados, podemos compreender como as sociedades podem se desenvolver de formas diversas e que para compreender as diferenças é necessário buscar informações não só relacionadas ao ambiente onde elas vivem, como compreender toda a subjetividade presente nas interpretações que o homem faz sobre a sociedade e a natureza. Também pudemos problematizar a respeito dos muros e muralhas. Assim, as classificamos em relação a sua função e analisamos quais seriam as possíveis consequências desses muros nas sociedades do passado. Binford (1968) a partir da teoria do médio alcance apresenta que podemos entender o passado através do presente. Assim podemos relacionar algumas muralhas recentes ou até mesmo da atualidade, com aquelas que estudamos nos capítulos anteriores. Os guetos que segregaram os Judeus dos cristãos na segunda guerra mundial e que hoje segregam os palestinos dos judeus em gaza, são um exemplo atual da utilização dos muros para segregação cultural e étnica de pessoas, onde se utilizam os muros para cercar uma área, quando se tem a intenção de alocar compulsoriamente as minorias. O muro de Berlim, que foi construído em 1961 e destruído em 1989 pela própria população, teve como função dividir dois modelos político-econômicos que concorriam no período. Assim ele dividiu tanto a cidade de Berlim como a Alemanha, separando um povo com mesma língua, costumes e nacionalidade. O muro que o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump deseja construir dividindo Os Estados Unidos do México e o que Israel constrói para entre o estado judeu e a Cisjordânia, separam espacialmente as pessoas de acordo com sua cultura religião e nacionalidade (Figura 9). 40 Figura 9. Muro dividindo Israel e Cisjordânia (Atual). Fonte: Viva Palestina. http://vivapalestina.com.br/o-muro-do-aparthide/ , acessado em 20 de fevereiro de 2017 Todos são exemplos que demonstram que o Ser Humano do Neolítico e Idade do Bronze não são tão diferentes de nós do século XXI. Isso pode ser visto como bom para arqueologia, na medida em que valida a teoria e o modo de se interpretar os achados arqueológicos da teoria do Médio Alcance, porém demonstra que a reprodução dos mecanismos de concentração de poder político e econômico e a aversão ao outro, ainda são fatores muito fortes nas sociedades de hoje. Vale lembrar que os únicos muros que devem “continuar de pé” são aqueles antigos que perderam a sua função segregacionista e ainda se encontram preservados em muitas cidades ao redor do globo. Eles são patrimônios arqueológicos, arquitetônicos e históricos e por isso tem grande valor cultural e assim devem ser preservados. Já os muros tanto físicos como mentais que tem a intenção de bloquear o caminho das pessoas por motivos preconceituosos como, 41 racismo e xenofobia, ou preconceitos sociais, somente privam a liberdade tanto de quem sofre na prática com eles, como de quem acredita nos muros como solução, e se fecha neles. 42 Conclusão O estudo das muralhas está sinergicamente ligado ao estudo da segregação socioespacial e da heterogeneidade dos povos humanos do planeta. Assim através dos seus capítulos esta monografia se propôs a analisar as questões ligadas às causas e consequências das construções dos muros em um período do passado histórico e espaço geográfico determinado. Junto a isso analisamos que embora o estudo tenha verificado questõesligadas ao passado, ainda no presente, é possível observar e interpretar esse tema. Isso ocorre pois, no passado, a heterogeneidade de estilos de vida foi um grande motivo para dividir as pessoas através dos muros e ainda nos dias de hoje alguns outros motivos ainda perduram. O muro ainda é utilizado como uma forma de diferenciar quem está dentro do muro e quem está fora. Relacionando as informações verificadas e se baseando em grandes autores da ciência foi possível compreender de forma abrangente o objeto de estudo. No entanto, acredito que uma verificação do assunto na escala de sítio, através de uma abordagem contextual; assessorada por trabalhos de campo e a utilização das novas ferramentas de sensoriamento remoto e GIS poderia contribuir com um grande avanço para este tema, que tem grande potencial como campo de estudo da arqueologia. Na atualidade as antigas muralhas são vistas como patrimônios históricos e arqueológicos, pois já perderam a função que motivou a construção das mesmas. Dessa forma encerro este trabalho com o desejo que os muros de hoje também se tornem história, e enaltecendo os grafites e as expressões artísticas que expressam demandas sociais, que tomam os muros das cidades nos dias de hoje. 43 Referências bibliográficas Akkermans P. M. M. G. 2014. The The northern Levant during the Neolithic period: Damascus and beyond. In: Steiner M. L. & Killebrew A. E. (eds.) The Oxford Handbook of the Archaeology of The Levant c. 8000-332 BCE, Oxford University Press, p.:134-146. Bar-Yosef O. 1968. The Walls of Jericho: An Alternative Interpretation. Current Anthropology, 27(2):157-162 Belfer-Cohen A. & Goring-Morris N. 2010. The initial Neolithic in the near east: Why is so difficult to deal with these PPNA. Journal of The Israel Prehistoric Society, 40: 1-18. Bellwood P. Gamble C. Le Blanc S. A. Pluciennik M. 2005. First Farmers, The Origins of Agricultural Societies. Blackwell Publishing, Malden, 379pp. Binford L. R. 1968. Archaelogical Perspectives. 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