Buscar

Situação das Trabalhadoras Domésticas no Brasil

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 67 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 67 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 67 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS
FACULDADE NACIONAL DE DIREITO
A SITUAÇÃO DAS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS NO BRASIL
INGRID DE ANDRADE RODRIGUES
RIO DE JANEIRO
2020.2
2
INGRID DE ANDRADE RODRIGUES
A SITUAÇÃO DAS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS NO BRASIL
Monografia de final de curso, elaborada
no âmbito da graduação em Direito da
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como pré-requisito para obtenção do grau
de bacharel em Direito, sob a orientação
da Professora Dra. Mariana Trotta
Dallalana Quintans
RIO DE JANEIRO
2020.2
3
CIP - Catalogação na Publicação
4
INGRID DE ANDRADE RODRIGUES
A SITUAÇÃO DAS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS NO BRASIL
Monografia de final de curso, elaborada
no âmbito da graduação em Direito da
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como pré-requisito para obtenção do grau
de bacharel em Direito, sob a orientação
da Professora Dra. Mariana Trotta
Dallalana Quintans
Data da Aprovação: 01/06/2021
Banca Examinadora:
_______________________________________
Orientadora:
Mariana Trotta Dallalana Quintans
_______________________________________
Membro da Banca
Philippe Oliveira de Almeida
_______________________________________
Membro da Banca
Renata Versiani
5
Aos amores da minha vida: Isonete, Célinho, Leda (in memorian) e Iracema e todas as
mulheres que mantêm seus lares através do trabalho doméstico.
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus e meus Guias por toda a saúde, força e proteção. Aos meus incríveis
e maravilhosos pais, que sempre se esforçaram e abdicaram muito pela minha educação, sem
vocês eu jamais chegaria até aqui. Agradeço a minha irmãzinha Kassia por me amar todos
esses anos.
Ao meu namorado Tiago que me enche do mais puro amor todos os dias da minha
vida. Ao Henrique, irmão que Nacional me deu, sem você essa faculdade não faria sentido. A
minha grande e incrível amiga Mariana Cruz, que entende como é morar quilômetros da
faculdade e compartilha seu grande amor por mim.
A minha incrível, sensacional e querida Isabelle Dessimoni que por mim deveria ser a
diretora dessa faculdade (Junto ao Goiano). A minha pista de dança Mariana Chrysostomo,
obrigada por tudo.
Aos meus gatos Nina, Liv, Jujuba, Pirulita, Pretinha e Amarelo por toda companhia
nas noites de ansiedade.
Agradeço à minha orientadora, Mariana Trotta, por todos os aprendizados na
faculdade e, especialmente, por não me deixar desistir de concluir essa graduação.
Por fim, agradeço a mim mesma por não desistir de construir um futuro melhor para
minha família e para mim e ir contra todas as previsões negativas que eram feitas para a
minha vida. Eu venci.
7
RESUMO
A presente monografia tem como objetivo apresentar a situação das trabalhadoras
domésticas brasileiras e um recorte sobre como a Pandemia de Covid-19 agravou a
vulnerabilidade dessas mulheres, seja no ambiente laboral (casa de uma família) ou no trajeto
para o trabalho. Nesse segmento, o presente trabalho abordará uma breve análise histórica do
surgimento do emprego doméstico no Brasil, mostrando a forma de como este é um reflexo
do período de escravidão no país na atualidade, mantendo os mesmos padrões. Será feita uma
análise da luta das mulheres negras para conquistar e garantir direitos para a categoria,
tamanha a desvalorização desta no Brasil. Por fim, serão apresentadas propostas com
possíveis soluções para uma segurança de emprego digna para essas trabalhadoras a partir do
ponto de vista dos filhos dessas mulheres.
Palavras-chave: Trabalho doméstico - resquícios de escravização - Covid-19 - Racismo
Estrutural.
8
ABSTRACT
This monography has the objective to present the situations of Brazilians’ domestic
workers and a cutting from how the COVID-19 Pandemic aggravated this women’s
vulnerability both at work environment (family's house) and on commute to work. On this
segment, the present work will approach a brief historical analysis of the domestic work's
appearance in Brazil showing how it's a reflection from slavery on the country on present
keeping the same pattern. It will analyse the black women's fight to conquer the category's
rights such is the devaluation. Finally, it will be presented proprosal with possible solutions to
ensure security and dignity for this workers from the point of view from their children.
Keywords: domestic work - slavery's remnant - covid-19 - structered racism.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
QUEM SÃO AS TRABALHADORAS DOMÉSTICA NO BRASIL 14
1.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA SITUAÇÃO DAS MULHERES
EM EMPREGO DOMÉSTICO NO BRASIL 14
1.2 RACISMO E AS EMPREGADAS DOMÉSTICAS 19
1.3 GÊNERO, CLASSE E RAÇA DAS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS 23
PROCESSO DE LUTA E RECONHECIMENTO DE DIREITOS DAS
TRABALHADORAS DOMÉSTICAS 27
2.1 LAUDELINA DE CAMPOS MELLO: UMA VIDA DE LUTA PELAS
DOMÉSTICAS 28
2.2 A IMPORTÂNCIA DO MOVIMENTO NEGRO DE MULHERES PELO
RECONHECIMENTO DOS DIREITOS DAS DOMÉSTICAS 31
2.3 A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72: BUSCA POR AMPLIAÇÃO DE
DIREITOS DAS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS 35
2.4 LUTA EM VÃO? 38
OS IMPACTOS DA PANDEMIA DA COVID -19 NA VIDA DAS MULHERES
TRABALHADORAS DOMÉSTICAS. 40
3.1 CASOS DE ABUSOS SOFRIDOS POR TRABALHADORAS DOMÉSTICAS E
VIOLAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS 40
3.2 SAÚDE DAS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS 44
3.3 CASO MIGUEL E O RACISMO ESTRUTURAL 45
3.4 AÇÕES DE COMBATE A VULNERABILIDADE DAS TRABALHADORAS
DOMÉSTICAS DIANTE A PANDEMIA DE COVID-19 47
3.4.1. A atuação do FENATRAD na luta por segurança de direitos das trabalhadoras
domésticas na Pandemia da Covid-19. 47
3.5 O EMPREGO DOMÉSTICO E A ESCRAVIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA:
RELATO DE CASOS MARCANTES NO BRASIL 49
10
3.5.1 Caso Alto Pinheiros, São Paulo 50
3.5.2 Caso Madalena 51
3.6 Escutar quem vive na pele: a carta manifesto dos filhos e filhas das trabalhadoras
domésticas. 56
CONCLUSÃO 59
REFERÊNCIAS 62
11
INTRODUÇÃO
Antes de começar oficialmente, gostaria da licença acadêmica para explicar brevemente
meus motivos pessoais para a escolha do presente tema a partir da minha perspectiva.
Como filha de uma mulher que já trabalhou como manicure, babá, cuidadora de idosos
e majoritariamente doméstica, cresci vendo minha mãe chegando do trabalho exausta, cheia
de reclamações das patroas e até então, com o local social no qual eu e minha família nos
encontramos, considerava tudo isso normal, “coisa de gente rica”.
Por considerar tudo que minha mãe e todas as mulheres que trabalham no ramo do
serviço doméstico têm é comum, nunca entendi exatamente a reclamação e hoje entendo que
nem minha mãe sabia o nível de abusos que ela enfrentava todos os dias sendo doméstica de
mulheres de classe média/alta na região de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.
Minha maior preocupação sempre foi com minha mãe não perder o emprego, pois
somos pobres, minha mãe doméstica e meu pai pedreiro na época - hoje auxiliar de serviços
gerais, não subimos na escala social -, e sendo pobres com poucas oportunidade de emprego,
sempre tive muito medo de minha mãe ficar desempregada e assim não termos o básico para
sobreviver. Com isso, me recordo de sempre conversar com minha mãe, a orientando que
esquecesse certas coisas que seus patrões faziam e assim, manter o emprego.
Meu pensamento começou a mudar a partir da educação, mais precisamente em
04/04/2016, data do meu primeiro dia de aula na Faculdade Nacional de Direito da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, a minha maior conquista. Chegar a esse momento foi
fruto da dedicação dos meus pais que lutaram pela minha escolaridade, oportunidade que eles
não tiveram.
Minha vivência na Nacional de Direito não foi fácil. Na primeira aula de uma
professora em específico, minha turma presenciou uma cena lamentável feita por ela, onde
não esconde seu preconceito por mim e os demais alunos cotistas.
Tirando certos episódios, ser aluna da Nacional também me proporcionou uma
formação social que me deixa muito orgulhosa. A partir das aulas de sociologia jurídica em
12
conjunto com as aulas de direito constitucionale penal, comecei a perceber que o que eu
considerava como tratamento normal das patroas para minha mãe nada mais era do que uma
série de abusos. Abusos que minha mãe aguentou por muitos anos para manter meus estudos
até aqui.
Passei a entender a refletir sobre todas as reclamações rotineiras de trabalho da minha
mãe e agora, com um olhar crítico e entendendo desigualdade social, racismo, patriarcado,
divisão sexual do trabalho, escravização e diversas mazelas sociais presentes na formação do
Brasil, entendi que o emprego doméstico precisa ser estudado, analisado a partir de quem
viveu na pele e assim, articular -e principalmente agir- para a realização de efetivas mudanças.
Agora, ajudo minha mãe a diferenciar o que faz parte do seu trabalho e o que é abuso e não
permito mais que ela se submeta às situações nas quais enfrentava para me sustentar.
Esse trabalho é minha tentativa, como filha de doméstica, de me redimir por essas
mulheres que sofreram tantas atrocidades nesse emprego e principalmente, minha mãe, e por
quando criança eu entender que abuso é coisa normal de gente rica e que para manter um
emprego se deve aguentar calada.
Nesse sentido, como base nas contribuições da epistemologia feminista negra,
defendida por autoras como Lélia Gonzalez, parte da minha experiência como filha de
empregada doméstica para refletir academicamente sobre o tema.
Dessa forma, o presente trabalho visa abordar o emprego doméstico no Brasil e como
essa atividade carrega uma carga histórica de heranças coloniais, machistas e
consequentemente racistas. O tema já previamente estabelecido e acordado teve que ser
modificado haja vista a Pandemia de Covid-19, situação na qual jamais imaginei enfrentar na
minha vida e que acarretou uma piora expressiva na relação de trabalho das empregadas
domésticas. Com isso, o trabalho irá abordar o trabalho doméstico e os abusos enfrentados
pela categoria ao longo de anos em busca de reconhecimento de direito e como todos esses
direitos arduamente conquistados são desrespeitados na prática pelos empregadores.
13
O primeiro capítulo analisa quem são as mulheres que em maioria integram o trabalho
doméstico no Brasil através de dados do IPEA1, com uma breve análise do contexto histórico
e colonial que se integra ao emprego doméstico que mantém até hoje heranças do período de
escravização. Trata também do racismo muito forte na categoria do trabalho doméstico que é
predominantemente realizado por mulheres negras. Termina fazendo uma análise de gênero,
classe e raça dessas trabalhadoras.
O segundo capítulo trabalha o processo de reconhecimento e inclusão de direitos para as
trabalhadoras domésticas, com destaques à Laudelina de Campos Melo, pioneira na luta por
reconhecimento de direitos pelas domésticas. Trata também a importante e crucial
participação dos movimentos sociais, em especial o movimento de mulheres negras, na
inclusão de direitos trabalhistas para as domésticas na Constituição Federal e a luta pela
ampliação desses direitos em relação aos demais trabalhadores na Emenda Constitucional
nº72.
O terceiro capítulo vai tratar dos impactos da Pandemia de Covid-19 na vida das
trabalhadoras domésticas e como aumentou a situação de vulnerabilidade das mesmas. Serão
tratados casos de abuso contra trabalhadoras domésticas que ganharam grande repercussão na
mídia pelos requintes de crueldade dos empregadores. Também será abordado a questão da
saúde das trabalhadoras domésticas na pandemia e ações de sindicatos e associações de
empregadas domésticas por direitos e assistência social a essas trabalhadoras visando a
proteção do emprego. Por fim, o terceiro capítulo se encerra com um pedido de medidas de
proteção para as domésticas durante os tempos de pandemia.
Concluindo, faço uma reflexão sobre todo o exposto indicando e incentivando as
denúncias via canais oficiais contra trabalho escravo e assistência jurídica para domésticas
que se sentirem lesadas por seus empregadores.
1 PINHEIRO, L. et al. Os Desafios do Passado no Trabalho Doméstico do Século XXI: reflexões para o caso
brasileiro a partir dos dados da PNAD Contínual. Brasília: Ipea, nov. 2019. 35 p. il. (Texto para Discussão, n.
2.528). Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2528.pdf>. Acesso em:
24/04/2021.
https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2528.pdf
14
1. QUEM SÃO AS TRABALHADORAS DOMÉSTICA NO BRASIL
Neste primeiro capítulo será abordado como surgiu o trabalho doméstico no Brasil e
como esse trabalho sofre com os resquícios de escravização herdados pelo período de
colonização do Brasil. Será mostrado como o tratamento dos empregadores para com suas
trabalhadoras domésticas são carregados de heranças e saudosismo dessa época da história
brasileira e os reflexos na vida dessas mulheres hoje.
Será também realizada uma análise dessas trabalhadoras domésticas em relação à raça,
gênero e classe e como e como tudo isso advém do período de escravização perpetuado pelo
racismo estrutural2 presente em nossa sociedade.
1.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA SITUAÇÃO DAS
MULHERES EM EMPREGO DOMÉSTICO NO BRASIL
O trabalho doméstico no Brasil, em comparação a outros países, vai muito além de ser
apenas mais uma forma de laborar. O Brasil é um país com grande desigualdade social, fruto
de anos de escravidão da população negra e esses fatores geram consequências nos empregos
mais comuns as classes menos privilegiadas, dentre eles, o do empregado doméstico.
Ter uma empregada hoje é um status social herdado pelo período de escravidão do
Brasil. Conforme trabalhado por Juliane Teixeira3, ter uma empregada doméstica e tratá-la de
modo diferente de como se trata qualquer outro trabalhador de categoria diversa é um
resquício de escravidão bem explícito dentre todos que ainda circulam livremente e cada vez
mais fortes na sociedade brasileira.
3 TEIXEIRA, J. C.; CARRIERI, A. P. . As Patroas sobre as Empregadas: Discursos Classistas e Saudosistas
das Relações de Escravidão. In: BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. SECRETARIA DE POLÍTICAS
PARA AS MULHERES.. (Org.). 8º Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero: redações, artigos científicos e
projetos pedagógicos premiados. 1ed.BRASÍLIA: Presidência da República, Secretaria de Políticas para as
Mulheres., 2013, v. 8, p. 31-68. Disponível em:
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/arquivo/sobre/publicacoes/publicacoes
/2013/2013_spm_8premio_livro_web.pdf. Acesso em: 24/04/2021.
2 ALMEIDA, S. Racismo Estrutural. 7. ed. São Paulo: Jandaíra, 2021, p. 50.
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/arquivo/sobre/publicacoes/publicacoes/2013/2013_spm_8premio_livro_web.pdf
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/arquivo/sobre/publicacoes/publicacoes/2013/2013_spm_8premio_livro_web.pdf
15
O status social aqui é bem marcante quando entendemos o conceito de se ter uma
doméstica mesmo quando não é necessário ter. Famílias com mais recursos financeiros e
consequentemente melhor qualidade de vida não podem ‘’perder tempo’’ realizando tarefas
domésticas. O homem não pode por ser homem e provedor, já a mulher branca com condições
não pode pois tem quem faça, a doméstica, que é paga para isso.
Pessoas com recursos financeiros pagam uma doméstica pelo simples fato de não querer
realizar seus afazeres e não querer cuidar do seu próprio lar, porque é mais fácil pagar uma
empregada. É o que Helena Hirata4 afirma ao trabalhar Joan Tronto, teórica do care que
aborda a ética do cuidado, afirma quando diz que as famílias que possuem mais recursos
financeiros recebem cuidados independentemente de suas necessidades. Mesmo que fique em
casa e tenha tempo para, uma socialite ou um empreendedor não podem perder tempo com
afazeres domésticos.
Entender que o emprego doméstico é uma categoria que sofre com resquícios do tempo
de escravização da população negra não é algo que carece de muita análisepara se chegar a
essa conclusão analítica. Com o ‘’fim’’ da escravidão no Brasil em 1888 não houve sequer
uma tentativa de realização de políticas públicas de realocamento e assistência aos pretos e
pretas.
Os livros de história do Brasil ensinam que foram libertos e só, após a abolição vida e
história dos negros do Brasil acaba sem nenhuma análise posterior do que aconteceu com
essas pessoas além do corriqueiro quilombos e favelas. Os negros foram largados sem
emprego, sem casa, sem uma estrutura digna não para recomeçar e sim para começar uma
vida.
O fim da escravização não anulou o racismo, apenas fez com que esses libertos não
tivessem a chance de estar no mercado de trabalho de forma igualitária, como dito por Jamile
Araújo em artigo para o site Brasil de Fato5:
5 ARAÚJO, J. “A abolição veio e não libertou”. O 13 de maio deve ser um dia de denúncia e luta para acumular
forças rumo à realização da verdadeira abolição. Brasil de Fato, Salvador, 13 de maio de 2017. Seção: Opinião.
Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2017/05/13/artigo-a-abolicao-veio-e-nao-libertou. Acesso em:
18/05/2021.
4 HIRATA, H. Gênero, classe e raça Interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais . Tempo
Social, [S. l.], v. 26, n. 1, p. 61-73, 2014. DOI: 10.1590/S0103-20702014000100005. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/84979. Acesso em: 18 maio. 2021.
https://www.brasildefato.com.br/2017/05/13/artigo-a-abolicao-veio-e-nao-libertou
16
A abolição, da forma que foi feita, não alterou as péssimas condições de vida do
negro, tampouco o inseriu de forma igualitária, na sociedade capitalista que se
gestava, a fim de reparar as consequências do passado de escravização. Pelo
contrário, sem qualquer tipo de reparação, indenização ou política social, os negros
ficaram “a própria sorte” ou “próprio azar”. E em grande parte, sem uma alternativa
de trabalho, moradia, saúde e alimentação, ou seja, de sobrevivência6.
Assim, a desigualdade social sempre esteve presente na história dos negros no Brasil e
se perpetua até hoje com reflexos vívidos na vida dessa população e aqui, em especial, para as
empregadas domésticas negras.
Com isso, podemos ver que o grande número de mulheres negras e domésticas hoje
advém do fato de, nos tempos de escravização, ser esse o papel dessas mulheres que ficavam
na casa grande, o de realizar as tarefas domésticas, cuidar das crianças, das refeições. Com a
Lei Áurea e sem oportunidades de emprego, muitos escravos continuaram na casa de seus
antigos donos, realizando a mesma tarefa que realizavam antes da abolição, seja por receber
um valor ínfimo, seja para apenas ter um teto e comida para sobreviver.
O grande número de mulheres negras no âmbito do trabalho doméstico, de acordo com
Rodrigo Vargas et. al em refenrência a obra de Suel Kofes, advém também do fato em que,
após a escravidão, houve a mantenção de empregos a população negra quem fossem no estilo
mandar e obedecer7, e que essas atividades eram baseadas pela cor, onde as pessoas somente
cabiam trabalhos braçais nos quais recebiam ordens de superiores brancos, mantendo assim a
hierarquização presente nos tempos de escravização.
Juliane Teixeira8 explica que essa relação das empregadoras com suas domésticas e as
formas de tratamento a elas dadas são uma espécie de “saudosismo’’ dos tempos de
escravização. As empregadas não são mais as fiéis e leais propriedades que eram na época do
8 TEIXEIRA, J. C.; CARRIERI, A. P. . As Patroas sobre as Empregadas: Discursos Classistas e Saudosistas
das Relações de Escravidão. In: BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. SECRETARIA DE POLÍTICAS
PARA AS MULHERES.. (Org.). 8º Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero: redações, artigos científicos e
projetos pedagógicos premiados. 1ed.BRASÍLIA: Presidência da República, Secretaria de Políticas para as
Mulheres., 2013, v. 8, p. 31-68. Disponível em:
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/arquivo/sobre/publicacoes/publicacoes
/2013/2013_spm_8premio_livro_web.pdf. Acesso em: 24/04/2021
7 FIGUEIRA, Hector Luiz Martins; VARGAS, Rodrigo Gindre. DO ESCRAVO DE FORNO E FOGÃO AO
EMPREGADO DOMÉSTICO: uma análise crítica sobre a aplicabilidade da Lei Complementar n. 150/2015.
Revista do Curso de Direito da Uniabeu, v. 10, n. 1, p. 91-110, 2018. Disponível em:
https://revista.uniabeu.edu.br/index.php/rcd/article/view/3269. Acesso em: 24/04/2021.
6 Ibidem
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/arquivo/sobre/publicacoes/publicacoes/2013/2013_spm_8premio_livro_web.pdf
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/arquivo/sobre/publicacoes/publicacoes/2013/2013_spm_8premio_livro_web.pdf
https://revista.uniabeu.edu.br/index.php/rcd/article/view/3269
17
Brasil colônia e, uma vez que não existe mais a oficialidade de se ter um escravo, tem-se a
inovação, cria-se novos modos de perpetuação das práticas racistas e de relação de poder do
período de escravização no modo como os empregadores tratam suas trabalhadoras
domésticas. Isso tudo fruto de uma sociedade construída na base do racismo e desigualdade
social.
A autora nos dá um exemplo clássico muito presente nas tardes das famílias brasileiras:
a boa, fiel, pobre e simples empregada, sempre ali, de avental, lenço no cabelo, aparecendo
somente em cenas do jantar da família principal ou cuidados dos filhos de seus patrões como
se mãe fossem e claro, sendo representada por uma mulher negra.
De uma certa maneira ja está enraizado na sociedade o papel dos negros nas novelas, o
de serviçal, especial em relação a mulher negra, que é a empregada doméstica. Quando
pensamos na figura da doméstica automaticamente vem em mente uma Tia Nastácia9. Em
relação ao negro na dramaturgia, o cineasta Zoel Zito Araújo afirma10:
Nenhum dos grandes atores negros parece ter escapado do papel de escravo ou
serviçal na história da telenovela brasileira, mesmo aqueles que quando chegaram à
televisão já tinham um nome solidamente construído no teatro ou no cinema, como
Ruth de Souza, Grande Otelo, Milton Gonçalves e Lázaro Ramos11.
Justamente por essa relação de 338 anos de escravização e todo o racismo que sempre
existiu desde o Brasil Colônia, que o país tem essa relação com o emprego doméstico. Essa é
a razão da Tia Nastácia vir em mente quando se pensa em uma empregada doméstica, essa é a
razão das domésticas nas novelas terem sempre as mesmas características pois às mulheres
negras são automaticamente associados aos empregos do ramo doméstico, como dito por
Jamile Cruz:
O pensamento colonial produziu nesse sentido a imagem da mulher negra e do
homem negro intrinsecamente ligado a trabalhos manuais, de força e servis,
naturalizando a idéia de que estes nasceram sobretudo para executar estas funções.
Deste modo a mulher negra nascera para ser mucama, ama de leite, cozinheira,
arrumadeira, lavadeira, costureira dentre outros, possuindo para isso dotes inatos, ao
11 Ibidem
10 ARAÚJO, Joel Zito. O negro na dramaturgia, um caso exemplar da decadência do mito da democracia racial
brasileira. Revista Estudos Feministas, v. 16, n. 3, p. 979-985, 2008. Disponível em:
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2008000300016&script=sci_arttext. Acesso em: 27/04/2021.
9 CHAVES, Jader Santos. “UM PÉ NO TANQUE E OUTRO NA COZINHA”: ESTIGMA E PRECONCEITO
RACIAL NA OBRA “HISTÓRIAS DE TIA NASTÁCIA” DE MONTEIRO LOBATO. Disponível em:
http://www.congressods.com.br/terceiro/images/trabalhos/GT2/pdfs/jader_santos.pdf. Acesso em: 27/04/ 2021.
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2008000300016&script=sci_arttext
http://www.congressods.com.br/terceiro/images/trabalhos/GT2/pdfs/jader_santos.pdf
18
contrário do branco que de igual forma nasceu para mandar, gerenciar e dominar12.
A figura da mulher negra e doméstica sempre existiu desde a colonização, é
basicamente obrigatório para as famílias com maiores recursos financeiros ao longo da
história ter sua “criadagem’’, são herançasherdadas da escravização, da colonização europeia,
das relações de poder e status social.
As famílias ricas não podem perder tempo com afazeres domésticos, eles não nasceram
para isso, são gerações de bisnetos, netos e filhos que foram criados por babás e empregadas e
assim, continuam com as mesmas práticas sendo repassadas de pais para filhos, ensinando
perpetuando práticas racistas para a nova geração de abastados. E essas práticas são bem
nítidas e naturalizadas pela sociedade: como o quarto de empregada, o elevador de serviço, o
próprio uniforme de doméstica13.
O tratamento dado para a empregada doméstica de “que é como se fosse da família” é
manchado de racismo, machismo e desvalorização. A doméstica tem que usar roupa branca,
cuidar das crianças, da casa, do cachorro, ficar num quartinho em anexo da mansão ou num
quarto sem ventilação perto da área de serviço, fazer um trabalho excepcional, servir bem as
visitas e ao mesmo tempo ser invisível.
Em relação ao quarto da empregada, segundo James Houlston, citado por Nanah
Vieira14:
Tanto no projeto como no uso, essa área de serviço faz apelo ao mais atávico dos
valores da classe média: a cozinha do apartamento continua a ser a cozinha da
casa-grande, um lugar afastado do espaço de vida do patrão; é o lugar dos
empregados, raramente o da dona de casa: a empregada continua a ser uma escrava
cuja presença é malvista nas áreas da família; e seu pequeno quarto com a porta
abrindo para o tanque de lavar roupa no corredor de serviço ainda é a senzala15.
Com essa análise, foi possível fazer uma análise sobre a trabalhadora doméstica de
15 Nanah Vieira apud HOULSTON, 1993, p.188
14 VIEIRA, Nanah Sanches. O trabalho da babá: trajetórias corporais entre o afeto, o objeto e o abjeto. 2014.
Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/16822. Acesso em: 18/05/2021.
13 RIBEIRO, S. Sua empregada nunca foi e nunca será da família. Marie Claire. São Paulo, 16/02/2019.
Disponível em:
https://revistamarieclaire.globo.com/Blogs/BlackGirlMagic/noticia/2019/02/sua-empregada-nunca-foi-e-nunca-s
era-da-familia.html. Acesso em: 25/04/2021.
12 DA CRUZ, Jamile Campos. O Trabalho doméstico ontem e hoje no Brasil: legislação, políticas públicas e
desigualdade. Anais do Seminário Nacional da Pós-Graduação em Ciências Sociais-UFES, v. 1, n. 1, 2011.
Disponível em: https://periodicos.ufes.br/snpgcs/article/view/1632. Acesso em: 27/04/2021.
https://repositorio.unb.br/handle/10482/16822
https://revistamarieclaire.globo.com/Blogs/BlackGirlMagic/noticia/2019/02/sua-empregada-nunca-foi-e-nunca-sera-da-familia.html
https://revistamarieclaire.globo.com/Blogs/BlackGirlMagic/noticia/2019/02/sua-empregada-nunca-foi-e-nunca-sera-da-familia.html
https://periodicos.ufes.br/snpgcs/article/view/1632
19
acordo com as raízes coloniais presentes na relação de emprego dados a essa categoria, onde
os resquícios de escravização se mostram presentes e repassados de geração em geração.
1.2 RACISMO E AS EMPREGADAS DOMÉSTICAS
É necessário fazer algumas ponderações sobre a situação das empregadas domésticas
na sociedade brasileira e como os resquícios da escravização das pessoas negras e a forma de
abolição formal refletem em atitudes racistas na nossa sociedade atual, em especial na
categoria do emprego doméstico que é predominantemente feminino, negro16 e realizado pelas
mulheres das classes menos abastadas.
De Acordo com Creuza Maria Oliveira em entrevista concedida ao Jornal Diário
Gaúcho17, o trabalho doméstico é desvalorizado por ser um trabalho braçal e realizado por
mulheres se comparado ao trabalho intelectual de uma pessoa com graduação, o que torna o
cenário de desvalorização ainda mais alarmante para classe das trabalhadoras domésticas que
sofrem com preconceitos e estimações por não terem uma graduação, já que o emprego
doméstico “qualquer um pode fazer”.
Com isso, podemos concluir que o emprego doméstico no Brasil tem um perfil. Ele é
historicamente composto por mulheres, negras, com baixo nível de escolaridade e das classes
mais baixas. É um trabalho o onde é normalizado o ato de servidão é uma herança social dos
tempos de escravização, conforme Bertolin et al18:
Patroas e empregadas participam de uma relação de identidade mediada pela lógica
de servir aos outros como algo “natural”, embora essa relação de trabalho tenha dois
efeitos contraditórios: de um lado a questão de classe e de outro, a identidade de
gênero, raça/cor que é estabelecida entre as mulheres, que aponta para uma diferença
estrutural entre mulheres, que se apoia na profunda desigualdade que caracteriza as
18 BERTOLIN, P. T.M; ANDRADE, D. D; MACHADO, M.S. Mulher, sociedade e vulnerabilidade. Erechim:
Deviante, 2017. E-book. Disponível em:
https://www.editoradeviant.com.br/wp-content/uploads/2017/06/mulhersociedadeevulnerabilidade.pdf. Acesso
em: 06/05/2021.
17 OLIVEIRA, C. M. O trabalho braçal não é valorizado: depoimento. [26 de junho, 2015]. Porto Alegre: Jornal
Diário Gaúcho. Entrevista concedida ao Diário Gaúcho. Disponível
em:https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2015/06/o-trabalho-bracal-nao-e-valorizado-diz-lider-nacional-
das-domesticas-4789079.html. Acesso em: 25/04/2021.
16 PINHEIRO, L. et al. Os Desafios do Passado no Trabalho Doméstico do Século XXI: reflexões para o
caso brasileiro a partir dos dados da PNAD Contínual. Brasília: Ipea, nov. 2019. 35 p. il. (Texto para
Discussão, n. 2.528). Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2528.pdf>.
Acesso em: 24/04/2021.
https://www.editoradeviant.com.br/wp-content/uploads/2017/06/mulhersociedadeevulnerabilidade.pdf
https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2015/06/o-trabalho-bracal-nao-e-valorizado-diz-lider-nacional-das-domesticas-4789079.html
https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2015/06/o-trabalho-bracal-nao-e-valorizado-diz-lider-nacional-das-domesticas-4789079.html
https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2528.pdf
20
relações sócio-raciais no Brasil.
O Texto Para Discussão nº 2528 do IPEA19, traz dados sobre o trabalho doméstico no
Brasil com uma análise sociodemográfica, racial e de gênero. Dados disponibilizados pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em conjunto com PNAD Contínua,
mostram que o emprego doméstico é predominantemente feminino20. Em 2018, 6,2 milhões
de pessoas estavam ocupadas na categoria do serviço doméstico, sendo que desse total, mais
de 4 milhões, sendo 63% do total de trabalhadores domésticos, compostos por mulheres
negras.
Como já trabalhado, o emprego doméstico é protagonizado em maioria por mulheres
negras pelo fator histórico do Brasil ser um dos últimos países a abolir a escravidão sem dar
nenhuma assistência a essa população, o que trás reflexos na sociedade até os dias atuais.
Então, é um emprego realizado pela mulher negra pelos resquícios de escravização e das
tarefas domésticas como sendo coisas de mulher.
Os baixos níveis de escolaridade e renda dessas mulheres também se dá pelo contexto
histórico desigualdade política, econômica e jurídica21. Quando se tem um conjunto como o
abordado, emprego característico de mulher negra, pobre e sem estudo pode-se chegar a uma
conclusão lógica que implique no resultado dessa carga histórica dos tempos de colonização;
o racismo.
Silvio Almeida em sua obra explica três esferas do racismo, a individualista, a
institucional e por fim, a estrutural que seria um conjunto de todas as formas de racismo. O
racismo individualista é tratado como uma patologia ou irracionalidade , um ato individual
daquela pessoa em específico, ou seja, um ato isolado. Esse racismo individualista22 seria
tratado pela justiça com aplicações de leves sanções civis e penais, não admitiria o racismo
em si, somente uma espécie de preconceito e, dessa forma: “não haveria sociedades ou
instituições racistas, mas indivíduos racistas, que agem isoladamente ou em grupo”. Com
22 Ibidem, p. 36.
21 ALMEIDA, S. Racismo Estrutural. 7. ed. São Paulo: Jandaíra, 2021,p. 50.
20 PINHEIRO, L. et al. Os Desafios do Passado no Trabalho Doméstico do Século XXI: reflexões para o
caso brasileiro a partir dos dados da PNAD Contínual. Brasília: Ipea, nov. 2019. 35 p. il. (Texto para
Discussão, n. 2.528). Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2528.pdf>.
Acesso em: 24/04/2021.
19 PINHEIRO, L. et al. Os Desafios do Passado no Trabalho Doméstico do Século XXI: reflexões para o
caso brasileiro a partir dos dados da PNAD Contínual. Brasília: Ipea, nov. 2019. 35 p. il. (Texto para
Discussão, n. 2.528). Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2528.pdf>.
Acesso em: 24/04/2021.
https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2528.pdf
https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2528.pdf
21
isso, o ato racista de um empregador não seria um problema da sociedade em si, somente
específico daquele empregador e, por isso, normalizado.
Já o racismo institucional23, seria a concepção de que o racismo não seria somente um
comportamento individualista e sim como as instituições funcionam, dando privilégios e
criando desvantagens para certos grupos da sociedade exclusivamente pela sua raça, o que em
relação ao emprego doméstico, explica o porquê desse emprego ser caracterizado como de
mulheres negras. Dessa forma, Silvio Almeida explica que “o que se pode verificar até então
é que a concepção institucional do racismo trata o poder como elemento central da relação
racial. Com efeito, o racismo é dominação”.
Por fim, o racismo estrutural, conceito trabalhado por Silvio Almeida em obra
homônima onde “o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo
“normal” com que se constituem as relações políticas econômicas, jurídicas e até
familiares”24. Toda essa carga histórica em conjunto ao racismo estrutural se faz presente na
construção do Brasil como sociedade, acarretando grandes problemas diários a serem
enfrentados por essas mulheres no seu emprego dia após dia.
A vida das trabalhadoras domésticas é muito dura, causando impactos físicos e
psicológicos nessas mulheres, predominantemente negras e sem escolaridade, mães, avós,
irmãs, filhas que pertencem às classes mais pobres. Para quem se encontra socialmente
inserido nas classes menos favorecidos é extremamente comum ter até mais de 3 domésticas
no círculos familiar e por muitas vezes, infelizmente, é comum normalizar certas condutas de
abuso feitos pelos ''patrões'' para com as domésticas pois estamos habituados, como
sociedade, a aceitar tudo que os mais favorecidos fazem para mantermos os nossos empregos,
uma relação de ‘’submissão’’. Submissão essa que, como já trabalhada, vem do resquício da
escravização.
O fato da naturalização do tratamento para com as domésticas é algo tão enraizado e tão
natural presente em nossa sociedade que às vezes no dia a dia, acabamos por reproduzir tais
tratamentos como por exemplo as expressões cotidianas: “hoje é dia de Maria’’, “Maria tá de
folga hoje’’.
24 Ibidem, p. 50.
23 ALMEIDA, S. Racismo Estrutural. 7. ed. São Paulo: Jandaíra, 2021, p. 40.
22
Para o empregador, em especial as mulheres brancas empregadoras, ter uma empregada
ali, de branco, cuidando de seus filhos, de sua casa e empurrando o carrinho de seu bebê no
shopping é status social, é demonstrar que mesmo não trabalhando e tendo tempo para cuidar
da casa e de seus filhos é mais fácil contratar alguém que faça esse serviço pois, uma
socialite, uma família que tenha boas condições financeiras jamais poderia perder tempo com
limpeza, isso é coisa de doméstica. É demonstrar o poder aquisitivo de se ter uma doméstica,
uma babá para os filhos, um jardineiro, um motorista.
Como analisado por Lélia Gonzalez (1984, p. 235)25, a mulher negra que exerce a
função de doméstica ou babá simplesmente é a mãe, pois além de todos os afazeres
domésticos, cuida das crianças, ensina a falar, conta histórias, acalenta o sono da noite,
enquanto a mãe apenas gera a criança, não fazendo seu papel de mãe pois já paga alguém
para realizar essa tarefa pois, “a branca, a chamada legítima esposa, é justamente a outra que,
por impossível que pareça, só serve prá parir os filhos do senhor. Não exerce a função
materna. Esta é efetuada pela negra. Por isso a ‘mãe preta’ é a mãe”.
Muitas vezes, essas mulheres não fazem o mínimo de cuidados com seus próprios
filhos e essas crianças acabam tendo referência materna nas empregadas domésticas porém,
ao tempo que vão tomando conhecimento e amadurecimento, vão sendo ensinados pela
família a tratar a doméstica de forma desigual, formando uma geração de pessoas que
desvalorizam essas domésticas, perpetuando o pensamento desigual e racista, demonstrando o
status social de se ter uma doméstica.
No contexto da escravização no Brasil veremos escravas cuidado da casa, dos patrões,
dos filhos dos patrões - até porque não tinha oportunidade de cuidar dos seus próprios filhos
-, tinham um quarto na casa grande perto da cozinha pois era lá que passavam boa parte do
dia.
Ao conversar com domésticas não é raro escutar as situações de violações de direitos e
da dignidade que as mesmas enfrentam, como: ter que usar roupa específica; não assinarem a
25 GONZALES, L. Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 1984, p.
223-244. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4584956/mod_resource/content/1/06%20-%20GONZALES%2C%20L
%C3%A9lia%20-%20Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira%20%281%29.pdf. Acesso em: 25/04/2021.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4584956/mod_resource/content/1/06%20-%20GONZALES%2C%20L%C3%A9lia%20-%20Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira%20%281%29.pdf
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4584956/mod_resource/content/1/06%20-%20GONZALES%2C%20L%C3%A9lia%20-%20Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira%20%281%29.pdf
23
Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS); ter o quarto de empregada como único
local na casa onde podem “ficar a vontade”; trabalhar sempre a mais do que o horário
estabelecido sem hora extra; ir a shopping e eventos para cuidar das crianças; só comer na
cozinha uma comida específica e em talheres específicos; não poder circular em determinadas
áreas da casa se não for para limpeza; negar faltas justificadas para questões de saúde e se
eventualmente acontecer, fazer desconto salarial ou compensação; tratamentos degradantes e
nomes pejorativos; agressões físicas e psicológicas e; em níveis extremos, o cárcere privado.
Portanto, como dito por Stephanie Ribeiro26,”sua empregada não é da família, seu
quartinho nos fundos não é caridade e ter uma negra limpando sua sujeira, vestindo branco e
carregando seus filhos é colonial. E se você paga “direitinho”, amor, não faz mais que a
obrigação’’.
1.3 GÊNERO, CLASSE E RAÇA DAS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS
Para analisar a questão do emprego doméstico no Brasil é necessário uma análise
interseccional27. Interseccionalidade, conceito trabalho por Kimberlé Crenshaw e aqui
utilizado o trabalho de Helena Hirata28, consiste inicialmente na intersecção de raça, gênero,
classe e sexualidade que estruturam as experiências de vida das mulheres negras. É o
cruzamento de diversas categorias que respeitam a individualidade de cada mulher pois
deve-se respeitar o ponto de partida, lugar social e vivências de cada mulher. Portanto, a
interseccionalidade visa formas de combate às opressões que múltiplas e cruzadas.
A partir da interseccionalidade, temos dentro do emprego doméstico três problemas
aplicados aos fatores raça, gênero e classe dessas mulheres.
28 HIRATA, H. Gênero, classe e raça Interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais . Tempo
Social, [S. l.], v. 26, n. 1, p. 61-73, 2014. DOI: 10.1590/S0103-20702014000100005. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/84979. Acesso em: 18 maio. 2021.
27 CRENSHAW, Kimberle W. (2004). A intersecionalidade na discriminação de raça e gênero. In: VV.AA.Cruzamento: raça e gênero. Brasília: Unifem. Disponível em:
https://we.riseup.net/assets/372740/Kimberle-Crenshaw.A-interseccionalidade..de-raza-y-geCC80nero.pdf.
Acesso em: 26/04/2021.
26 RIBEIRO, S. Sua empregada nunca foi e nunca será da família. Marie Claire. São Paulo, 16/02/2019.
Disponível em:
https://revistamarieclaire.globo.com/Blogs/BlackGirlMagic/noticia/2019/02/sua-empregada-nunca-foi-e-nunca-s
era-da-familia.html. Acesso em: 25/04/2021.
https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/84979
https://we.riseup.net/assets/372740/Kimberle-Crenshaw.A-interseccionalidade..de-raza-y-geCC80nero.pdf
https://revistamarieclaire.globo.com/Blogs/BlackGirlMagic/noticia/2019/02/sua-empregada-nunca-foi-e-nunca-sera-da-familia.html
https://revistamarieclaire.globo.com/Blogs/BlackGirlMagic/noticia/2019/02/sua-empregada-nunca-foi-e-nunca-sera-da-familia.html
24
O emprego doméstico é um trabalho predominantemente feminino, o que fica bem
claro quando compreendemos a questão da divisão sexual do trabalho29 e como ela é também
uma forma de divisão social do trabalho.
Divisão sexual do trabalho30 consiste no fato de que para homens e mulheres são
atribuídos diferentes cargos e responsabilidades, única e exclusivamente por conta de seu
sexo biológico. Essa divisão é bem nítida pois, de uma maneira histórica em nossa sociedade,
temos homens em trabalhos de relevante fator social e produtivos e as mulheres em empregos
com caráter reprodutivo, ou seja, temos aqui a imposição da mulher bela, recatada e do lar31.
Nesse sentido, temos as mulheres, no caso em questão mulheres negras, sendo a
maioria da categoria do emprego doméstico que aqui é majoritário para mulheres a partir do
ponto de vista da divisão sexual do trabalho dentro da ótica de separação de trabalho entre
homens e mulheres e hierarquização pois, o trabalho da mulher é desvalorizado em
comparação ao trabalho exercido pelo homem32.
A divisão sexual do trabalho acaba acarretando um outro (dentre os vários) problemas a
serem enfrentados por essas mulheres: a dupla jornada de trabalho.
As mulheres que exercem o emprego doméstico enfrentam a dupla jornada pois, após
um dia inteiro de trabalho com cuidados do lar de seus patrões (isso quando não dormem no
trabalho e só retornam ao lar aos finais de semana ou até de 15 em 15 dias), tem que chegar
em casa e cuidar de sua própria casa e família, sendo um esforço muito desgastante pois,
como sabemos, “é um trabalho de mulher”.
32 KERGOAT, Danièle. Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. In: HIRATA, H. et al (org.).
Dicionário Crítico do Feminismo. Editora UNESP : São Paulo, 2009, p. 67–75. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4098403/mod_resource/content/1/Kergoat%20p.67-75%20in%20Dicio
nario_critico_do_feminismo%202009.pdf. Acesso em: 25/04/2021
31 LINHARES, J. Marcela Temer: bela, recatada e “do lar”. Veja Online, São Paulo, 2016. Disponível em:
https://veja.abril.com.br/brasil/marcela-temer-bela-recatada-e-do-lar/. Acesso em: 27/04/2021.
30KERGOAT, Danièle. Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. Trabalho e cidadania ativa para
as mulheres: desafios para as políticas públicas. São Paulo: Coordenadoria Especial da Mulher, p. 55-63,
2003.
29 KERGOAT, Danièle. Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. In: HIRATA, H. et al (org.).
Dicionário Crítico do Feminismo. Editora UNESP : São Paulo, 2009, p. 67–75. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4098403/mod_resource/content/1/Kergoat%20p.67-75%20in%20Dicio
nario_critico_do_feminismo%202009.pdf. Acesso em: 25/04/2021.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4098403/mod_resource/content/1/Kergoat%20p.67-75%20in%20Dicionario_critico_do_feminismo%202009.pdf
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4098403/mod_resource/content/1/Kergoat%20p.67-75%20in%20Dicionario_critico_do_feminismo%202009.pdf
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4098403/mod_resource/content/1/Kergoat%20p.67-75%20in%20Dicionario_critico_do_feminismo%202009.pdf
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4098403/mod_resource/content/1/Kergoat%20p.67-75%20in%20Dicionario_critico_do_feminismo%202009.pdf
25
A divisão sexual do trabalho não fica registrada somente no ambiente de trabalho em si,
ela também gera reflexos nas relações familiares internas onde os trabalhos domésticos ficam
por conta das mulheres que aqui, após uma longa jornada de exploração, tem que realizar
tudo de novo, gerando ainda mais exaustão nessas mulheres.
Toda essa divisão é devido ao mundo patriarcal33 no qual estamos inseridos, onde o
homem assume uma posição de privilégios em relação a mulher no que diz respeito a divisão
sexual do trabalho, manchado por racismo34. Por vivermos em um país totalmente desigual,
essas mulheres por muitas vezes não possuem outra opção a não ser se sujeitar a muitas
situações degradantes para manter o emprego que traz subsistência para sua família
principalmente em se tratando de famílias uniparentais35.
Em sua obra Racismo Estrutural, Silvio Almeida36 explica que as mulheres negras são
historicamente “empurradas” aos serviços essenciais que não produzem valor econômico,
como babás e domésticas recebendo consequentemente salários mais baixos, o que é fruto de
um país desigual sem proteção social para a categoria.
É o que Crenshaw37 afirma ser quando diz “subordinação estrutural”, são mulheres
marginalizadas com poucos recursos que acabam não tendo muitas opções e recorrem ao
trabalho doméstico e “cuidando primeiramente de suas famílias e, depois, das famílias e
necessidades das patroas’”38, fruto da divisão sexual do trabalho e machismo de gerações
presentes na sociedade.
Com isso, as mulheres negras, pobres e com pouca escolaridade seguem sendo o rosto
38 CRENSHAW, Kimberle W. (2004). A intersecionalidade na discriminação de raça e gênero. In: VV.AA.
Cruzamento: raça e gênero. Brasília: Unifem. Disponível em:
https://we.riseup.net/assets/372740/Kimberle-Crenshaw.A-interseccionalidade..de-raza-y-geCC80nero.pdf.
Acesso em: 26/04/2021.
37 CRENSHAW, Kimberle W. (2004). A intersecionalidade na discriminação de raça e gênero. In: VV.AA.
Cruzamento: raça e gênero. Brasília: Unifem. Disponível em:
https://we.riseup.net/assets/372740/Kimberle-Crenshaw.A-interseccionalidade..de-raza-y-geCC80nero.pdf.
Acesso em: 26/04/2021.
36 ALMEIDA, S. Racismo Estrutural. 7. ed. São Paulo: Jandaíra, 2021.
35 MARIN, Angela; PICCININI, Cesar Augusto. Famílias uniparentais: a mãe solteira na literatura. Psico, v. 40,
n. 4, 2009. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/revistapsico/article/view/2683/4927.
Acesso em: 27/04/2021.
34 ALMEIDA, S. Racismo Estrutural. 7. ed. São Paulo: Jandaíra, 2021.
33LERNER, Gerda; TUSELL, Mónica. La creación del patriarcado. Barcelona: Crítica, 1990. Disponível em:
https://www.libroesoterico.com/biblioteca/Varios/VARIOS%203/151595186-La-Creacion-Del-PATRIARCADO.
pdf. Acesso em: 18/05/2021.
https://we.riseup.net/assets/372740/Kimberle-Crenshaw.A-interseccionalidade..de-raza-y-geCC80nero.pdf
https://we.riseup.net/assets/372740/Kimberle-Crenshaw.A-interseccionalidade..de-raza-y-geCC80nero.pdf
https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/revistapsico/article/view/2683/4927
https://www.libroesoterico.com/biblioteca/Varios/VARIOS%203/151595186-La-Creacion-Del-PATRIARCADO.pdf
https://www.libroesoterico.com/biblioteca/Varios/VARIOS%203/151595186-La-Creacion-Del-PATRIARCADO.pdf
26
do emprego doméstico no Brasil, enfrentando todas as consequências que a escravização
deixou como legado para as classes mais abastadas em relação ao tratamento com essas
domésticas, além da dupla jornada do trabalho em relação divisão sexual do trabalho onde os
homens seguem não se responsabilizando pelas tarefas domésticas39 e as empregadoras
brancas seguem tendo maior visibilidade no mercado de trabalho quando deixam toda a tarefa
domésticas para sua empregada e assim “apaziguar eventuais tensões e conflitos causados por
um estremecimento da divisãosexual tradicional do trabalho”40.
Além de todas essas questões que envolvem gênero, classe e raça dessas mulheres,
também temos problemas envolvendo o direito trabalhista e os retrocessos dos direitos
conquistados pelas domésticas.
Direitos esses que foram conquistados por mulheres negras que entendiam e entendem
da realidade e demanda da classe das trabalhadoras domésticas e que lutaram, insistiram e
mostraram sua voz para conquistar os direitos -embora desrespeitados- das trabalhadoras
domésticas, tendo o início dessa luta tomado mais força por volta dos anos 1980, de dentro de
coletivos feministas negros para a Constituinte.
40 PINHEIRO, L. et al. Vulnerabilidade das trabalhadoras domésticas no contexto da pandemia de
Covid-19 no Brasil. Brasília: Ipea, jun. 2020. (Nota Técnica, n. 75). Disponível em:
https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/200609_nt_disoc_n_75.pdf. Acesso em:
27/04/2021.
39 PINHEIRO, L. et al. Vulnerabilidade das trabalhadoras domésticas no contexto da pandemia de
Covid-19 no Brasil. Brasília: Ipea, jun. 2020. (Nota Técnica, n. 75). Disponível em:
https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/200609_nt_disoc_n_75.pdf. Acesso em:
27/04/2021.
https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/200609_nt_disoc_n_75.pdf
https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/200609_nt_disoc_n_75.pdf
27
2. PROCESSO DE LUTA E RECONHECIMENTO DE DIREITOS DAS
TRABALHADORAS DOMÉSTICAS
Além de todas as questões trabalhadas que envolvem gênero, classe e raça dessas
mulheres, existem os problemas envolvendo o direito trabalhista e a retrocessos dos direitos
lentamente conquistados pelas domésticas através da luta dos coletivos de mulheres negras
aos longos dos anos 1970 e 1980 em especial na Assembleia Nacional Constituinte (ANC) de
1987/1988.
Neste capítulo, será abordado inicialmente a luta pioneira de Laudelina de Campos
Mello nos direitos das empregadas domésticas e como foi reconhecido o trabalho doméstico
como vínculo trabalhista com uma breve análise de sua vida militando em prol da categoria a
partir da Dissertação de Mestrado de Elisabete Aparecida Pinto41.
Em seguida, será trabalhado como os direitos das empregadas domésticas foram
reconhecidos na Constituição Federal através do seu art. 7º, parágrafo único. Esses direitos
foram conquistados através de pressão popular daquelas que entendem e sofrem na pele todas
as problemáticas envolvidas no emprego doméstico: mulheres negras.
Será abordado também o roll do art. 7º que somente obteve maiores direitos para as
trabalhadoras domésticas com a Emenda Constitucional nº 72, explicando como os direitos
dessas trabalhadoras foi pela primeira vez implementado e como ocorreu a mudança do art. 7º
em relação a ”igualdade” de direitos das empregadas domésticas para com os trabalhadores
rurais e urbanos.
O foco será o trabalho de Benedita da Silva, que foi eleita Deputada Constituinte, que
em conjunto com Jurema Batista e Lélia Gonzalez, levaram em pauta, junto aos movimentos
sociais e especial o das mulheres negras, questões primordiais e essenciais para sociedade na
época pós Ditadura Empresarial Militar como: racismo, direito dos indígenas, das pessoas
com deficiência, homossexuais e trabalhadoras domésticas.
41PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, genero e educação: a trajetoria de vida de D. Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). 1993. 2v. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de
Educação, Campinas, [SP. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/253758. Acesso
em: 18/05/2021.
http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/253758
28
2.1 LAUDELINA DE CAMPOS MELLO: UMA VIDA DE LUTA PELAS
DOMÉSTICAS
Em se tratando de trabalho doméstico e luta por direitos, se fala Laudelina de Campos
Mello, mulher negra que dedicou sua vida militante na categoria sendo a pioneira na luta e
conquista dos primeiros direitos das domésticas, principalmente em relação ao
reconhecimento do trabalho doméstico como vínculo empregatício. Para contar a história de
Laudelina, será utilizado a dissertação de mestrado de Elisabete Aparecida Pinto42.
Nascida em 1904 em Poços de Caldas, Minas Gerais, somente 18 anos após a
“abolição” em 1888, Laudelina começou nas tarefas domésticas desde criança. Sabe-se que
aos 7 anos de idade ela já cuidava dos irmãos menores para a mãe trabalhar, tendo a atividade
de militante se iniciado aos 16 anos43 em organizações de movimento negro. Entre 16 e 17
anos, foi quando Laudelina começou “oficialmente” a trabalhar como doméstica, inicialmente
para a família do político e ex-presidente Juscelino Kubitschek.
Um marco na vida de atuação efetiva na militância foi a mudança de Laudelina de
Minas Gerais para Campinas, São Paulo em 1992 com 18 anos. Elisabete Pinto44 relata que
em São Paulo, inicialmente Laudelina trabalhou para uma família influente até o ano de 1924,
aos 20 anos. O tratamento recebido de seus empregadores era a típica relação com resquícios
de escravização presentes na nossa cultura racista: “minha relação com eles era mais
escravocrata mesmo, eu era copeira”45.
Do ano de 1924 até 1936 Laudelina trabalhou para diversas famílias influentes.
Elisabete conta que a consciência militante e política de Laudelina se consolidou oficialmente
em 1933, quando Laudelina chegou a fazer parte da Frente Negra Brasileira, associação de
45 Ibidem
44 PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, genero e educação: a trajetoria de vida de D. Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). 1993. 2v. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de
Educação, Campinas, [SP. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/253758. Acesso
em: 18/05/2021.
43 Quem foi Laudelina de Campos Melo, pioneira na luta por direitos de trabalhadores domésticos no Brasil.
BBC Brasil, 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-54507024. Acesso em: 18/05/2021.
42 PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, genero e educação: a trajetoria de vida de D. Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). 1993. 2v. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de
Educação, Campinas, [SP. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/253758. Acesso
em: 18/05/2021.
http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/253758
https://www.bbc.com/portuguese/geral-54507024
http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/253758
29
negros em São Paulo.
Promulgada a lei de sindicalização em 1931, Laudelina em 1936 buscou, antes da
criação da associação, a sindicalização para assim poder agir mais o lado político e não
somente o social que seria permitido em níveis de associação. Porém, a lei promulgada exigia
5 anos de associação firmada, entre outros requisitos, para finalmente se poder criar a
sindicalização. Com isso, após a influência e assentamento do pensamento político e crítico,
no ano de 1936, ano marco para o pioneirismo de Laudelina, ela e mais três militantes
formaram a primeira associação de trabalhadoras domésticas dia 08/07/1936 em Santos, São
Paulo.
A associação intitulada Associação das Empregadas Domésticas, tinha como objetivo
principal a proteção das trabalhadoras domésticas em um sentido de assistência social, o que
era viável em se tratando de associação, tudo sempre voltado com o objetivo final e principal:
a luta pela sindicalização. Como associação, Laudelina buscava equiparação de direitos com
os demais trabalhadores do país em relação aos direitos a eles concedidos. Com isso,
Elisabete narra a tentativa de sindicalização de Laudelina ainda no ano de 1936, - considero
importante a transcrição da fala de Laudelina explicando a tentativa de sindicalização e como
sua tentativa foi impedida por conta do cenário político da época -:
Com a estória do Sindicato, nós aproveitamos, a Associação Foi fundada dia 8 de
julho de 1.936, no dia 5 de setembro...ia haver um Congresso de trabalhadoresna
capital que era Rio de Janeiro, então o profº Geraldo Campos, aconselhou que se
fizesse um apanhado sobre as Leis das empregadas domésticas e o profº Lobato foi,
tirou das Leis Trabalhistas os parágrafos e os itens para montar a pauta do
Congresso. O Getúlio já tinha instituído as Leis Sindicais e ia haver o primeiro
Congresso, aliás era dirigido pelo avô do Collor. Naquela época ele era o 1º
Ministro do Trabalho do P.T.B.. As empregadas domésticas foram destituídas das
leis trabalhistas, nós estávamos criando um movimento para ver se conseguia o
registro do Sindicato… mas quando nós chegamos no Rio tinha sido suspenso o
Congresso, o Ministro do Trabalho que aliás era o… avô do Fernando Collor.
Naquela época falava-se muito em comunismo, os capitalistas e os banqueiros, eles
tinham pavor, então os capitalistas, os banqueiros, os milionários começaram a
criticar contra o encontro dos trabalhadores, que o encontro iria fomentar uma greve
contra os patrões, então foi suspenso… O profºGeraldo veio embora para São Paulo,
e eu fiquei no Rio para ver se entrava em contato com alguém, p´ra ver o que ia
resolver. Eu fiquei no Rio uns três a quatro dias, no terceiro...um dia eu consegui
com o secretário do Ministro, p´ra que ele deixasse eu falar com o Ministro.
(...)
Fui falar com o Ministro, mas não adiantou nada porque não havia possibilidade de
enquadramento da classe, as empregadas domésticas foram destituídas porque não
traziam economia para o país. Até hoje eles dizem que as empregadas domésticas
não trazem economia para o país.
(...)
30
de repente(são)elas que fazem a economia… Nós trazemos economia, ele saem pra
trabalhar, principalmente a classe média, ele têm que trabalhar fora e então passam a
escravizar a empregada doméstica46.
A grande conquista de Laudelina em transformar a associação em sindicato só veio
correr 52 anos após o início de tudo, em 1988 depois de anos de luta. Sobre a transformação
de associação em sindicato, Laudelina finalmente pode-se atuar politicamente e não só no
social. Nesse período, Laudelina se ausentou da militância, retornando em 1982, já com 78
anos.
Com esse resumo da atuação política e primordial da luta de Laudelina pela classe das
trabalhadoras domésticas -peço minhas escusas por ser um breve relato, Laudelina merece
livros sobre sua atuação-, fica demonstrado que o início da luta por reconhecimento e
inclusão de direitos às trabalhadoras domésticas começou com uma mulher negra, empregada
doméstica, que viveu na pele os resquícios de escravização presentes no trabalho doméstico e
dedicou sua vida pela causa.
Sua militância além da assistência para as mulheres, realizou as primeiras conquistas
políticas para categoria, entre elas, a do ano de 1972, quando foi sancionado a Lei 5.859 de
1972 reconhecendo o trabalho doméstico como função, estabelecendo assim a assinatura da
Carteira de Trabalho e Previdência Social, tudo isso fruto da luta de Laudelina pela
Categoria47 e passo crucial para o início da luta por reconhecimento e igualdade de direitos
em relação aos demais trabalhadores.
Após 86 anos de vida e luta, Laudelina de Campos Mello faleceu em 1991, deixando
seu histórico de luta em um legado que se perpetua até os dias atuais na luta pelos direitos das
trabalhadoras domésticas. Foi da luta de Laudelina que, em 1997 foi criada a Federação
Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD).
A FENATRAD é um conjunto de associações de trabalhadoras domésticas atuantes na
luta por reconhecimentos de direitos para a categoria, sendo uma organização dessa categoria.
47 Institucional. Fenatrad. Disponível em: https://fenatrad.org.br/institucional/. Acesso em: 18/05/2021.
46 PINTO, Elisabete Aparecida. Etnicidade, genero e educação: a trajetoria de vida de D. Laudelina de Campos
Mello (1904-1991). 1993. 2v. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de
Educação, Campinas, [SP. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/253758. Acesso
em: 18/05/2021.
https://fenatrad.org.br/institucional/
http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/253758
31
A atuação do FENATRAD não ficou somente no âmbito nacional, também se expandiu na
política internacional48, com atuação na 100ª Conferência Internacional do Trabalho da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizada em 2011, que resultou em seus
esforços na Emenda Constitucional nº 72, ampliando os direitos das domésticas.
No âmbito da pandemia, o FENATRAD atua tanto na luta social e política, militando
pela saúde das trabalhadoras domésticas que mesmo após anos de luta ainda se mantém
vulnerável, conforme será abordado no terceiro capítulo do presente trabalho49.
Dessa maneira, vemos o impecável desempenho de Laudelina de Campos Melo, mulher
negra mobilizada e organizada em seus coletivos e movimentos sociais, levando para a pauta
suas reivindicações das trabalhadoras domésticas.
2.2 A IMPORTÂNCIA DO MOVIMENTO NEGRO DE MULHERES PELO
RECONHECIMENTO DOS DIREITOS DAS DOMÉSTICAS
A partir de um olhar histórico, pode-se observar que os direitos dos trabalhadores
formalizados nos anos de 1940 deixaram de fora a categoria das empregadas domésticas50, em
consequência de sermos um país com princípios patriarcais baseados em racismo estrutural,
onde o homem é o provedor da família51. Isso por si só já configura um entrave nos direitos
das domésticas que, até aqui, não seriam de forma alguma reconhecidos.
Após essa formalização, o Brasil enfrentou lastimavelmente mais de 20 anos de
Ditadura Empresarial Militar, no qual a população, em especial a negra, sofreu com censura e
opressões. O período de redemocratização dos anos 1970 e 1980 foi importante na luta do
51 BERTOLIN, P. T.M; ANDRADE, D. D; MACHADO, M.S. Mulher, sociedade e vulnerabilidade. Erechim:
Deviante, 2017. E-book. Disponível
em:https://www.editoradeviant.com.br/wp-content/uploads/2017/06/mulhersociedadeevulnerabilidade.pdf.
Acesso em: 06/05/2021.
50 BERTOLIN, P. T.M; ANDRADE, D. D; MACHADO, M.S. Mulher, sociedade e vulnerabilidade. Erechim:
Deviante, 2017. E-book. Disponível em:
https://www.editoradeviant.com.br/wp-content/uploads/2017/06/mulhersociedadeevulnerabilidade.pdf. Acesso
em: 06/05/2021.
49 Institucional. Fenatrad. Disponível em: https://fenatrad.org.br/institucional/. Acesso em: 18/05/2021.
48 SOUZA DE ARAUJO, V.; BARROS DE OLIVEIRA, R. “CUIDA DE QUEM TE CUIDA” A LUTA DAS
TRABALHADORAS DOMÉSTICAS DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19 NO BRASIL. Revista
Trabalho Necessário, v. 19, n. 38, p. 126-151, 27 fev. 2021. Disponível em:
https://periodicos.uff.br/trabalhonecessario/article/view/48187. Acesso em: 18/05/2021.
https://www.editoradeviant.com.br/wp-content/uploads/2017/06/mulhersociedadeevulnerabilidade.pdf
https://www.editoradeviant.com.br/wp-content/uploads/2017/06/mulhersociedadeevulnerabilidade.pdf
https://fenatrad.org.br/institucional/
https://periodicos.uff.br/trabalhonecessario/article/view/48187
32
movimento de mulheres negras que puderam, finalmente, levantar a pauta de suas questões
em níveis nacionais e, dentro dessas pautas, o que um governo patriarcal e racista não fez, dar
direitos para as trabalhadoras domésticas.
Dessa forma, tendo em mente que o feminismo se mantinha dentro dos muros da
academia e não dava espaço para o debate de racismo, Lélia Gonzalez se tornou um destaque
no início desse movimento de mulheres negras que, após muita pressão e luta, iriam ter suas
demandas levadas à Constituinte e, consequentemente, gerando uma vitória para a categoria52.
Gonzales53, co-fundadora do MNU (Movimento Negro Unificado) entendia que o
feminismo (branco) não deixava espaço para o debate do racismo e da luta das mulheres
negras pois, essas mulheres brancas, teriam um esteriótipo formado em relação as mulheres
negras: o da mulher raivosa, agressiva, que não saberia levantar um debate acadêmico:
No meio do movimento das mulheres brancas, eu sou a criadora de caso, porque
elas não conseguiram me cooptar. No interior do movimento haviaum discurso
estabelecido com relação às mulheres negras, um estereótipo. As mulheres negras
são agressivas, são criadoras de caso, não dá para a gente dialogar com elas,
etc. E eu me enquadrei legal nessa perspectiva aí, porque para elas a mulher negra
tinha que ser, antes de tudo, uma feminista de quatro costados, preocupada com
as questões que elas estavam colocando54 (grifo nosso).
Com a necessidade de uma luta que fosse voltada para a questão da mulher negra na
sociedade levando em consideração a realidade dessas mulheres, surgiram grupos como
Reunião de Mulheres Negras Aqualtune (REMUNEA), Luiza Mahin e NZINGA.
O grupo NZINGA fundado por Lélia Gonzalez após sair da direção do Grupo Luiza
Mahin em 1982, é especial na luta das mulheres negras (não tirando de forma alguma os
outros movimentos anteriores que serviram de alicerce para as conquistas) pois era um
coletivo com enfoque nas discussões de raça e gênero voltado para mulheres pobres que
alcançou grande visibilidade nacional, o que possibilitou mais forças para o reconhecimento
54 Lélia Gonzales em entrevista ao JORNAL NACIONAL DO MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO, 1991, p.
09
53 MNU JORNAL. Entrevista Lélia Gonzalez. Jornal Nacional do Movimento Negro Unificado, Bahia, p. 8-9,
maio. jun. jul. de 1991. Disponível em:
http://blogueirasnegras.org/wp-content/uploads/2013/07/entrevista-lelia-mnu.pdf. Acesso em: 06/05/2021.
52 SANTOS, E. M. S. Movimento De Mulheres Negras No Rio De Janeiro: Amefricanidade,
Interseccionalidade E A Implementação De Políticas Públicas Na Constituinte De 1988. 2015. Monografia
(Bacharel em Direito) - Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio),
Rio de Janeiro.
http://blogueirasnegras.org/wp-content/uploads/2013/07/entrevista-lelia-mnu.pdf
33
das demandas das mulheres negras na constituinte55.
Após a criação do NZINGA, no ano de 1986 nasce Centro de Mulheres de Favela e
Periferia do Rio de Janeiro (CEMUFP), com participação de Benedita da Silva, onde
começaria de fato uma articulação e discussões sobre negritude e constituinte não só no Rio
de Janeiro e sim em patamares nacionais, sobretudo, as demandas das mulheres negras da
periferia em relação à educação, saúde e racismo56.
Todas essas mulheres em seus respectivos coletivos feministas negros tiveram um papel
primordial para a conquista dos direitos constitucionais garantidos as trabalhadora domésticas
hoje. Sem uma articulação coletiva e pressão política por reivindicação por direitos das
mulheres negras no passado, não seria possível, por exemplo, abrir uma demanda trabalhista
em face de um empregador que não cumpriu um acordo de trabalho com sua trabalhadora
doméstica.
Também no ano de 1986 ocorreram as eleições gerais para que fossem escolhidos os
parlamentares que iriam compor a Assembleia Nacional Constituinte, tomando posse em
1987. Cabe aqui destacar o papel de representatividade exercido por Benedita da Silva (PT)
pois foi através dela, que a demanda de reivindicação por direitos da classe das trabalhadoras
domésticas foi ouvida e levada para a Carta Magna.
Natália Neris57 em seu trabalho explica que durante o processo da constituinte houve
uma grande mobilização dos movimentos sociais para fazer com que suas demandas
chegassem a Assembleia Nacional Constituinte, que de fato fossem escutadas e incluídas no
texto constitucional, sendo essa mobilização feita através de apoio a candidatos e candidatas
negras - em especial, Benedita da Silva (PT)- e levando adiante suas putas em encontros dos
respectivos movimentos sociais:
57 SANTOS, N. N. S. A voz e a palavra do Movimento Negro na Assembléia Nacional Constituinte
(1987/1988): um estudo das demandas por direitos. São Paulo. 2015. Dissertação (Mestrado em Direito) -
Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, 2015.
56 SANTOS, E. M. S. Movimento De Mulheres Negras No Rio De Janeiro: Amefricanidade,
Interseccionalidade E A Implementação De Políticas Públicas Na Constituinte De 1988. 2015. Monografia
(Bacharel em Direito) - Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio),
Rio de Janeiro.
55 SANTOS, E. M. S. Movimento De Mulheres Negras No Rio De Janeiro: Amefricanidade,
Interseccionalidade E A Implementação De Políticas Públicas Na Constituinte De 1988. 2015. Monografia
(Bacharel em Direito) - Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio),
Rio de Janeiro.
34
Tem-se nesse período registros na imprensa negra (Boletim do Conselho Estadual
da Comunidade Negra de São Paulo) o incentivo ao voto à candidatos/as negros/as
(...)
E também o esforço em alertar a comunidade negra para a importância das eleições
daquele ano. Uma matéria do informativo do Nzinga - Coletivo de Mulheres Negras
de modo bastante didático discorre sobre a Constituição e Constituinte para seus
leitores/as58.
O papel de Benedita da Silva (PT) em prol das trabalhadoras domésticas foi notável à
época da Constituinte e é até hoje forte na memória dessas trabalhadoras. Benedita da Silva59
ao iniciar seu papel com representante das mulheres na constituinte afirma:
Meus principais projetos como deputada enfocavam os direitos da mulher e da
criança, negros e minorias. Lutei muito pela garantia do ensino gratuito, porque
considero a educação um direito fundamental. Também trabalhei pelo
reconhecimento profissional das empregadas domésticas e das trabalhadoras rurais.
Era a primeira mulher negra a entrar no Congresso e, mais uma vez, tive que me
impor para poder apresentar minhas propostas60.
Benedita da Silva além de ser representante da mulher negra sempre deixou claro em
seu papel como constituinte que era uma representante também dos homossexuais e das
empregadas domésticas, e em sua atuação na Assembleia Nacional Constituinte essas
trabalhadoras tiveram, finalmente, seu direito reconhecido com a então regulamentação do
trabalho doméstico61.
As mulheres negras obtiveram vitórias significativas na constituinte entre elas a
regulamentação do trabalho doméstico através do trabalho da Constituinte Benedita da Silva,
que foi parcialmente regulamentado através do art. 7º da Constituição Federal. Importante
ressaltar que aqui é dito parcialmente regulamentando tendo em vista que, para as domésticas
não foram concedidos todos os direitos dados aos demais trabalhadores.
É compreensível que uma categoria profissional que nunca antes tivera uma
61SANTOS, E. M. S. Movimento De Mulheres Negras No Rio De Janeiro: Amefricanidade,
Interseccionalidade E A Implementação De Políticas Públicas Na Constituinte De 1988. 2015. Monografia
(Bacharel em Direito) - Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio),
Rio de Janeiro.
60 SANTOS Apud BENJAMIN & MENDONÇA, 1997, p. 75
59 SANTOS, E. M. S. Movimento De Mulheres Negras No Rio De Janeiro: Amefricanidade,
Interseccionalidade E A Implementação De Políticas Públicas Na Constituinte De 1988. 2015. Monografia
(Bacharel em Direito) - Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio),
Rio de Janeiro.
58 SANTOS, N. N. S. A voz e a palavra do Movimento Negro na Assembléia Nacional Constituinte
(1987/1988): um estudo das demandas por direitos. São Paulo. 2015. Dissertação (Mestrado em Direito) -
Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, 2015.
35
regulamentação e sempre foi marginalizada devido os resquícios de escravização presentes no
emprego doméstico, comemore a vitória do reconhecimento de direitos e regulamentação da
trabalhadora doméstica porém, o art. 7º da Constituição Federal (Texto promulgado em
05/10/1988)62, não trouxe as domésticas pela igualdade de direitos aos trabalhadores urbanos
e rurais, o que só foi se realizar com a Emenda Constitucional nº 72 onde temos, novamente,
a atuação de Benedita da Silva pelas trabalhadoras domésticas.
Em seguida, serão abordadas as mudanças feitas com a implementação da Emenda
Constitucional nº 72para as trabalhadoras domésticas e, adiante, seus efeitos na prática.
2.3 A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72: BUSCA POR AMPLIAÇÃO DE
DIREITOS DAS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS
O texto constitucional promulgado em 05/10/198863 finalmente concedeu a categoria
das trabalhadoras domésticas alguns direitos após pressão e luta dos movimentos sociais em
principal ao movimentos de mulheres negras através da Deputada Constituinte Benedita da
Silva, onde o art. 7º da Constituição Federal concedia às domésticas:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos
termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros
direitos;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - fundo de garantia do tempo de serviço;
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender
às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo
coletivo;
VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem
remuneração variável;
VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor
da aposentadoria;
IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
63Ibidem
62 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/CON1988.asp.
Acesso em 07/05/2021.
https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/CON1988.asp
36
XI - participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e,
excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;
XII - salário-família para os seus dependentes;
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e
quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada,
mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de
revezamento, salvo negociação coletiva;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta
por cento à do normal;
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais
do que o salário normal;
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a
duração de cento e vinte dias;
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos,
nos termos da lei;
XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de
trinta dias, nos termos da lei;
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança;
XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou
perigosas, na forma da lei;
XXIV - aposentadoria;
XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até seis
anos de idade em creches e pré-escolas;
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a
indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
XXIX - ação, quanto a créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo
prescricional de:
a) cinco anos para o trabalhador urbano, até o limite de dois anos após a extinção
do contrato;
b) até dois anos após a extinção do contrato, para o trabalhador rural;
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de
admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de
admissão do trabalhador portador de deficiência;
XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre
os profissionais respectivos;
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de
dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de
aprendiz;
XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício
permanente e o trabalhador avulso.
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os
direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV,
bem como a sua integração à previdência social. (Constituição Federal, texto
promulgado em 05/10/1988) (grifo nosso)
Pode-se perceber que a então Constituição Federal promulgada não dava direitos iguais
às domésticas se comparado aos demais trabalhadores rurais e urbanos, concedendo a essas
trabalhadoras somente nove direitos dos trinta e quatro direitos garantidos aos demais
37
trabalhadores.
Para que ocorresse a ampliação dos direitos das empregadas domésticas seria necessário
o artigo da Constituição ser alterado para poder incluir mais direitos a essa categoria.
Novamente aqui, temos a luta de Benedita da Silva para a ampliação desses direitos na busca
de uma maior igualdade para a categoria, o que ocorreu com a promulgação da Emenda
Constitucional nº 72 em 2013.
A Emenda que teve como origem a PEC 66/2012, que teve como relatora Benedita da
Silva, mais conhecida como PEC das Domésticas, modificou o então parágrafo 7º da
Constituição Federal na qual se formulou uma ‘’extensão do conjunto dos direitos
trabalhistas às trabalhadoras domésticas’’64, na busca de uma certa equivalência aos outros
trabalhadores:
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os
direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII,
XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições
estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações
tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas
peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como
a sua integração à previdência social. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
72, de 2013) (Art. 7º da Constituição Federal)65
A nova redação do parágrafo único do art. 7º66 garante às trabalhadoras domésticas
importantes direitos como:
- proteção do salário na forma de acordo com a lei;
- duração do trabalho que não se não poderá ser superior a oito horas diárias e quarenta
e quatro semanais, podendo haver compensação e redução ante acordo ou convenção
coletiva de trabalho;
- remuneração do serviço extraordinário a hora de trabalho acordada, no mínimo, em
cinqüenta por cento à do normal;
- redução dos riscos inerentes ao trabalho,
- reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
66 Ibidem
65 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal:
Centro Gráfico, 1988.
64 BERTOLIN, P. T. M; ANDRADE, D. D; MACHADO, M.S. Mulher, sociedade e vulnerabilidade. Erechim:
Deviante, 2017. E-book. Disponível em:
https://www.editoradeviant.com.br/wp-content/uploads/2017/06/mulhersociedadeevulnerabilidade.pdf. Acesso
em: 06/05/2021.
https://www.editoradeviant.com.br/wp-content/uploads/2017/06/mulhersociedadeevulnerabilidade.pdf
38
- proibição de diferença de salários;
- proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do
trabalhador portador de deficiência;
- proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de
qualquer

Continue navegando