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Leticia-Bellia

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Prévia do material em texto

o CONSUMO DOS MORADORES DA BARRA D A TlruCA 
UMA ETNOGRAFIA SOBRE NOVOS RICOS CARIOCAS 
LEIlClA BlDONE BELLlA 
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro 
COPPEAD - Instituto de Pós-Graduação em Administração 
Mestrado em Administração 
Orientador: Prof Df. Everardo P. Guimarães Rocha 
Rio de Janeiro 
2000 
li 
o CONSUMO DOS MORADORES DA BARRA DA TUUCA: 
UMA ETNOGRAFIA SOBRE NOVOS RICOS CARIOCAS 
Leticia Bidone Bellia 
Dissertação submetida ao corpo docente do COPPEAD da Universidade Federal do Rio de 
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre. 
Aprovada por: 
rof. Everardo P. illuimarães Rocha, D. Se. 
I 
Presidente da Banea 
J 
Prof. Bernardo Jablonski, D. Se. 
C:�;?:/iC 
Pro{ Ana Carolina Duarte da Fonseca, D. Se. 
Rio de Janeiro, RJ 
2000 
111 
Bellia, Leticia Bidone. 
o consumo dos moradores da Barra da Tijuca: uma etnografia sobre novos 
ricos cariocas. / Leticia Bidone Bellia. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 
2000. 
viii, 116 p. 
Tese - Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPEAD, 2000. 
I. Marketing. 2. Antropologia. 3. Tese (Mestr. - UFRJ/COPPEAD). I. 
Título. 
IV 
'Sorria, você está na Barra. ' 
Outdoor na entrada da Barra da Tijuca. 
Em especial, dedico esta dissertação à minha sobrinha e afilhada Mariana, 
uma linda moradora da Barra de apenas 3 meses de idade. 
v 
AGRA DEClMEN TOS 
Ritos de passagem são manifestações culturais que representam transições no 
status social de um indivíduo. Alguns dos ritos de passagem mais evidentes da nossa 
sociedade estão as festas de debutantes com todo o simbolismo da transformação de 
uma menina em mulher; assim como os trotes a que os calouros são submetidos a cada 
início de ano letivo - rito de agregação -, fechando o ciclo que começou no vestibular -
rito de separação. Dentro de uma lista quase infinita de ritos que compartilhamos, está a 
defesa de dissertações de mestrado. Esta é a coroação de uma fase de grandes esforços 
que só são bem sucedidos pela dedicação de quem assina a dissertação, devidamente 
amparado por várias pessoas muito queridas que, de forma mais ou menos anônima, 
colaboram para que o feito seja concretizado. Por isso gostaria de agradecer todo o 
apoio que recebi em diversos momentos, seja na vida, no dia-a-dia do mestrado ou na 
elaboração desta dissertação, vindo de familiares e amigos que me acompanharam. 
Obrigada ao meu pai, Vitor, que me ensinou desde pequena que 'primeiro vem a 
obrigação e depois a diversão'. A!:\Tadeço à minha mãe, Iára, que me mostrou que essa 
frase também diz que a diversão é necessária. Um carinho muito !:\Tande aos meus 
irmãos, Vitor e Luisa, que também já começam a buscar seus caminhos na área 
acadêmica. Muito obrigada ao Fabio, que com seu carinho me apoiou e incentivou a 
seguir em frente. 
Ao querido Everardo Rocha, meu professor em três ocasiões diferentes e que 
não poderia deixar de ser meu orientador, dedico todo meu respeito e admiração. Ao 
Carlos e à DanielIe da Biblioteca, pela ajuda e pelas incontroláveis risadas no final do 
expediente. À Cid a, Carlos e Eva da Secretaria Acadêmica, por toda a paciência. À Elza 
Aldeias, verdadeiro 'anjo da guarda' dos ex-coppeadianos no mercado de trabalho. Aos 
professores Úrsula Wetzel e Agrícola Bethlem, que me selecionaram para o mestrado 
no COPPEAD e abriram esta oportunidade na minha vida. 
Aos companheiros da Turma 98 do mestrado do COPPEAD pela amizade e pela 
troca intelectual. À todos os informantes que com paciência e generosidade tomaram 
possível esta dissertação, meu muito obrigado. 
VI 
Bellia, Leticia Bidone. O consumo dos moradores da Barra da Tijuca: uma 
etnografia sobre novos ricos cariocas. Orientador: Prof Dr. Everardo P. Guimarães 
Rocha. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2000. Dissertação. (Mestrado em 
Administração). 
O objetivo principal deste estudo é o entendimento, através do método 
etnográfico, do comportamento de consumo dos moradores do bairro da Barra da Tijuca 
e do processo de socialização do consumidor residente nesta região, seu perfil de 
consumo atual e suas tendências de consumo futuro. Os habitantes da Barra pertencem a 
um segmento muito interessante do mercado carioca devido ao seu alto poder aquisitivo 
e pela valorização dada ao conforto, o que os torna grandes consumidores dos mais 
variados produtos e serviços. 
Para a Antropologia, os objetos e práticas presentes em uma sociedade são 
símbolos através dos quais esta sociedade fala sobre si mesma e, assim, servem ao 
entendimento de uma realidade culturalmente constituída. Ao abordar e analisar temas 
relativos ao perfil de consumo de um determinado grupo social urbano como o dos 
moradores da Barra da Tijuca, sob a ótica antropológica de consumo, esta dissertação 
traz uma importante contribuição para o marketing brasileiro no sentido de desvendar a 
lógica intrínseca do comportamento de consumo deste nicho de mercado. 
Vll 
Bellia, Leticia Bidone. o consumo dos moradores da Barra da Tijuca: uma 
etnografia sobre uovos ricos cariocas. Orientador: Prof Dr. Everardo P. Guimarães 
Rocha. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2000. Dissertação. (Mestrado em 
Administração). 
The mam objective of this study is to understand, usmg ethnography, the 
consumption behaviour of the inhabitants of the borough of Barra da Tijuca, in Rio de 
Janeiro, and to present how the socialization of this group of customers happens, their 
consumption profile and their consumption trends for the future. This group under 
analysis is part of a very interesting market segment in Rio due to its high buying 
potential and its overvaluing of comfort and well being. These features make them 
potential buyers of a wide range of products and services. 
To the Anthropology, the objects present and practices within a society are the 
symbols through which this society describes itself Thus, they build a material culture 
that is the basis for the understanding of a culturally based reality. By analysing subjects 
related to the consumption behaviour of an specific urban social group such as the new 
wealth people in Barra da Tijuca, under an anthropologic scope of consumption, this 
study brings an important contribution for the brazilian marketing in a sense of 
discovering the existing logics of the consumtion behaviour of this segment of the 
market. 
VIII 
SUMÁRIO 
1. INTRODUCÃO .................................................................................................................. 1 
2. A ETNOGRAFIA COMO METODOLOGIA DE TRABALHO DE CAMPO ................. 7 
3. ENTENDENDO O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR COMO UMA 
MANIFESTACÃO CUL TURAL ........................................................................................... 9 
3.1. TEORIAS SOBRE O CONSUMO MODERNO ............................................................ 9 
3.2. A PUBLICIDADE NA PERSPECTIVA DA ANTROPOLOGIA DO CONSUMO •...•. 9 
3.3. ANTROPOLOGIA E COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR ....................••........ 9 
4. OS NOVOS RICOS COMO CONSUMIDORES ...•.......................................................... 9 
5. OS MORADORES POR ELES MESMOS: O DISCURSO DOS INFORMANTES ....... 9 
5.1. OS JOVENS MORADORES DA BARRA ..................................................................... 9 
5.2. A PERSONALIZAÇÃO QUE UN1FORMIZA .............................................................. 9 
5.3. LEALDADE À MARCA E FATOR DE LINHAGEM .................................................. 9 
5.4. MOMENTO DO CICLO DE VIDA E PERFIL DE CONSUMO .................................. 9 
6. CONCLUSÃO E TEMAS PARA PESOUISAS FUTURAS ............................................. 9 
ANEXO: NOTAS HISTÓRICAS SOBRE O BAIRRO CARIOCA DA BARRA DA 
TIJUCA .................................................................................................................................. 9 
REFERÊNCIAS BI BLIOGRÁFICAS ..................................................................................9 
l. INTRODUÇÁO 
o objeto desta pesqUisa é entender alguns dos elementos centrais que 
caracterizam o comportamento de consumo de um grupo específico de pessoas da nossa 
sociedade: os moradores da Barra da Tijuca. Além de identificar práticas de consumo 
recorrentes neste grupo, será alvo de atenção a descoberta de peculiaridades que 
denotem a identidade própria do grupo, capazes de diferenciá-lo dos demais grupos 
existentes no espaço social do qual é parte integrante. 
A principal questão abordada é como os jovens moradores da Barra da Tijuca -
membros de famílias que alcançaram a riqueza através do sucesso na vida profissional, 
e não por herança ou casamento - vivenciam e praticam as suas experiências de 
consumo. Alguns estudos já foram realizados sobre os novos ricos de diversos países, 
principalmente dos Estados Unidos da América; no entanto este tipo de material ainda é 
escasso no Brasil. Como os novos ricos formam um grupo de alto poder aquisitivo 
fortemente voltado para o consumo e, em alguns casos, para a ostentação, é do interesse 
das organizações produtoras de bens e serviços o entendimento das motivações que 
influenciam o comportamento de consumo de tal grupo e qual é o perfil de consumo 
resultante, a fim de elaborarem estratégias de marketing, promoção e propaganda que de 
fat.o sensibilizem o novo rico enquanto consumidor e formador de opinião. 
Para descrever o comportamento de consumo dos jovens moradores da Barra, é 
preciso desvendar o universo simbólico que os mesmos constróem a fim de delimitar 
suas identidades estabelecendo diferenças e conformidades em relação aos demais 
grupos que compartilham o mesmo espaço social. Assim, esta dissertação evidencia as 
semelhanças e variações dos comportamentos de consumo revelados pelos informantes 
da pesquisa, em busca de peculiaridades que distingam este grupo e contribuam para o 
melhor conhecimento geral a respeito destes consumidores que vêm particularmente se 
destacando em nossa sociedade devido à sua maior ascensão às camadas de alto poder 
aquisitivo. 
2 
A relevância deste estudo é ratificada pelos dados publicados no Anuário 
Estatístico da Cidade do Rio de Janeiro, divulgado pelo IplanRlO (Empresa Municipal 
de Informática e Planejamento S.A.) contemplando os anos de 1993 e 1994, segundo os 
quais a Barra da Tijuca já possuía 98.229 moradores, igualmente distribuídos entre 
homens e mulheres. A faixa etária dos moradores do bairro até aquele momento era 
basicamente jovem, segundo pode ser observado no gráfico abaixo: 
Distribuição por Faixa Etária dos 
Moradores da Barra da Tijucal RJ 
6.995 
lI! 00 -14 anos t.15 -29 anos 
030 - 44 anos 
045-59anos � 
• 60 anos ou mais 
-_ . . -
Fonte: Empresa Municipal de Infonnática e Planejamento S.A. - lplanRIO (Anuário Estatlstico da Cidade do Rio de Janeiro, 1993/ 1994) 
De acordo com a mesma fonte, a Barra da Tijuca possuía, em 1991, 27. 582 
chefes em domicílios particulares permanentes, dos quais 8.505 (30,8 %) com 
rendimento acima de 20 salários mínimos (valor máximo considerado pela fonte). Para 
se ter uma idéia da importância destes números, é importante considerar os números 
totais do Município: eram até então \.560.338 chefes em domicílios particulares 
permanentes, dos quais apenas 83� 735 (5,4%) recebiam mais de 20 salários mínimos de 
rendimento. Destes, 10,16% moravam na Barra da Tijuca. 
Como dados mais recentes ainda não estão disponíveis no Iplan, algumas 
matérias jornalísticas podem ser consideradas na formação de uma imagem mais 
consistente das condições sócio-econômicas dos moradores da Barra da Tijuca neste 
final de década. Dados do CIEE - Centro de Integração Empresa-Escola - publicados 
no jornal O Globol indicam a existência de mais de 130 mil habitantes na Barra, bairro 
I Jornal O Globo, 11/07/99, Caderno Barra, p. 15. 
3 
que, segundo a mesma fonte, abriga 8.058 empresas, sendo 53 indústrias, 2.180 
estabelecimentos comerciais e 5.825 na área de serviços. 
Conforme outra reportagem, desta vez publicada na Veja Rio (PINHO, 1999), o 
bairro tem uma média de 850 carros para cada I. 000 habitantes, mais que a média 
americana, que é de 700. Em algumas ruas da Barra, como determinados trechos da 
Avenida Lúcio Costa (antiga Semambetiba), o número sobe para 2.000 carros por 1.000 
habitantes. Na mesma matéria, o pesquisador Paulo Cezar Martins Ribeiro, doutor em 
Engenharia de Tráfego e chefe do programa de Engenharia de Transportes da COPPEI 
UFRJ, declara que o limite da utilização prática é de 500 carros por 1.000 habitantes. A 
mesma reportagem ainda traz a informação dada por Cláudio Neves, vice-presidente da 
Plarcon2, que afirma que o crescimento populacional da Barra da Tijuca é de 4,23% ao 
ano, e o tráfego aumenta em uma percentagem maior: 6% no mesmo período. 
A Barra da Tijuca é um bairro de desenvolvimento relativamente recente no Rio 
de Janeiro e tem atrai do como novos moradores pessoas que conquistaram uma boa 
situação financeira a partir do próprio trabalho e vêem na Barra a oportunidade de viver 
em segurança, dentro de suas dezenas de condomínios fechados, com o privilégio de ter 
por perto a praia e inúmeros centros comerciais e de lazer. Aliás, esta é uma grande 
caractenstica do bairro. É na Barra que estão os mega-empreendimentos de shoppings, 
hipermercados e centros de lazer que atraem não só os moradores locais como também 
pessoas de todo o Grande Rio. Tal gigantismo pode ser facilmente percebido através de 
alguns poucos exemplos: o Barrashopping possui 165.372 metros quadrados de área 
construída, enquanto o shopping e centro empresarial Downtown tem 24 mil metros 
quadrados (TORRES, 1999). Vários restaurantes temáticos têm se estabelecido no 
bairro, como o Rock in Rio Café, que funciona desde 1997 com um investimento inicial 
de R$ 8 milhões e atrai mensalmente 40 mil pessoas. Já o Outback - cujo tema é a 
Austrália - atende a 30 mil clientes por mês só na unidade da Avenida das Américas3 
Entre os novos empreendimentos lançados na Barra está o segundo maior Hard Rock 
Café do mundo - o maior localiza-se em Orlando, Flórida -, com 5.200 metros 
2 Empresa de Construção Civil c Incorporação pertencente a Tjong Hiong Oei, o 'Chinês da Barra', um 
dos maiores proprietários de terrenos no bairro. 
3 Jornal O Globo, 05/08/99,Cadcmo Barra, p. 4.1. 
4 
quadrados de área construída e capacidade para 450 pessoas sentadas, para o qual foi 
destinado um investimento de R$ 8 milhões, com geração de cerca de 300 empregos 
diretos. A casa tem atraído mais de mil pessoas por dia4 e está localizada dentro do 
centro comercial Cittá América, que possui 283 mil metros quadrados. Até o final do 
ano 2000, a previsão é de que este novo shopping tenha 150 lojas em funcionamento$ 
Ainda com relação a empreendimentos recentes na Barra, está o primeiro shopping de 
entretenimento do Rio de Janeiro, o New York City Center (MAGALHÃES, 1999), que 
trouxe consigo novidades como os cinemas de última geração UCI e também a casa de 
jogos eletrônicos Gameworks - onde alguns de seus 250 jogos foram criados por Steven 
Spielberg- que sozinha recebeu 25 milhões de reais de investimento e é a primeira filial 
fora do território american06 Com uma área de 3.500 metros quadrados, a loja 
Gameworks tem capacidade para receber até duas mil pessoas. As salas de cinema têm 
se renovado no bairro e atraído muitos freqüentadores. São 43 salas na região que 
atraem até 80 mil espectadores em determinadas semanas. O conjunto de salas do 
Cinemark foi inaugurado em julho de 1998 e num período de dois anos e meio já 
recebeu cerca de 1,5 mi lhão de pessoas. Só no mês de julho de 1999, 140 mil pessoas 
foram às 12 salas. O recorde de freqüência em salas de cinema ocorreu em janeiro de 
2000, quando em uma única semana as salas do UCI - inauguradas em novembro do 
ano anterior - atraiu 52 mil pagantes 7 Para enfrentar a concorrência, os cinemas do 
grupoSeveriano Ribeiro localizados no Barrashopping e no shopping Via Parque 
tiveram seus preços reduzidos; mas mesmo assim as salas do Barrashopping não 
resistiram e foram fechadas ao público após 19 anos de atividade. Como shopping não é 
tudo, há o exemplo da Casa de Cultura Estácio de Sá, que foi inaugurada em maio de 
1998 e conta com uma freqüência média mensal de 12.500 pessoas (GONDlM, 1999). 
No entanto, apesar de tanto empenho em apostar nestes novos empreendimentos 
de porte e outros menores, a Associação dos Lojistas em Shopping Centers do Rio de 
Janeiro (Aloserj) declarou em matétia do jornal O Globo que as vendas apresentaram 
4 Mil pessoas por dia no Hard Rock. Jornal O Globo, 28/09/2000, Caderno Barra, p. 23. 
5 Idem. 
6 Steven Spiclberg investe em complexo gigante de videogames na Barra. Iornal O Globo, 20/10/1999, 
Caderno Barra, p. 29. 
7 Dados sobre as salas de cinema da Barra publicados no Jornal O Globo, J 6/0312000, Caderno Barra, p. 
20. 
5 
queda de 20% no primeiro quadrimestre de 1999 em relação a igual período de 1998 
(NASCIMENTO, 1999). Por isso fica claro que embora os executivos percebam um 
potencial de consumo voltado para a região da Barra da Tijuca, eles não têm 
informações qualitativas que os orientem sobre a melhor forma de conquistar os 
clientes, sejam moradores da Barra ou vindos de outros bairros. Como para tudo deve 
existir um começo, atendendo em parte a esta necessidade evidente, este estudo procura 
desvendar o comportamento de consumo dos jovens moradores da Barra por meio do 
viés antropológico. Assim, este estudo é um esforço de utilizar a metodologia chamada 
etnografia para conhecer o comportamento deste grupo consumidor que pode ser alvo 
do investimento de empresários dos mais diferentes ramos. 
Dentre as várias técnicas de abordagem e coleta de dados oferecidas pela 
metodologia científica a fim de captar representações, estilos, práticas e valores 
relacionados ao universo do consumo de diferentes grupos, escolheu-se para este estudo 
a técnica de etnografia, tradicional nos estudos de grupo da Antropologia Social, a fim 
de mostrar como as ferramentas desenvolvidas por esta disciplina podem contribuir para 
a Pesquisa de Marketing voltada para o comportamento do consumidor. 
A etnografia, segundo os teóricos da Antropologia, pode ser definida como a 
descrição densa do ethos de um determinado grupo, captando as estruturas de 
significação presentes em seu discurso social, que deve ser interpretado e registrado de 
formas pesquisáveis (GEERTZ, 1978). A Antropologia tem por princípio assumir a 
posição e o ponto de vista do outro, a fim de estudá-lo por todos os meios disponíveis. 
Respeitando estas premissas, o escopo deste trabalho é a descrição do perfil de consumo 
dos jovens moradores da Barra, a partir da captação da visão que eles possuem sobre 
este tema e do entendimento do peso relativo que a prática de consumir tem em seu 
cotidiano. 
A dissertação é composta por seIs capítulos, incluindo esta introdução. ° 
capítulo a se!,llJir apresenta com maior detalhamento a metodologia adotada neste 
estudo, assim como um resumo de etnografia� voltadas para o estudo do consumo já 
realizadas no Brasil e exterior. ° terceiro capítulo traz a revisão bibliográfica, iniciando 
pelas teorias clássicas sobre o surgimento do fenômeno do consumo moderno, com 
ênfase naquelas que abordam o comportamento de consumo do novo rico. No decorrer 
6 
desta dissertação ficará clara a diferença entre o mundo teórico e a vivência prática, pois 
esta última traz maior complexidade do que a teoria consegue explicar. Segue-se a 
apresentação de estudos que tratam do significado da publicidade no nosso dia-a-dia, 
procurando compreender como se processa o diálogo existente entre este mundo 
fantástico e a realidade. A última parte da revisão bibliográfica expõe trabalhos que 
abordam o enlace entre a Antropologia e o Comportamento do Consumidor, trazendo 
contribuições importantes para o pensamento e prática do Marketing. No capítulo quatro 
inícia-se a discussão sobre o consumo dos novos ricos, trazendo resultados de pesquisas 
estrangeiras e introduzindo informações sobre o bairro da Barra da Tijuca e seus 
moradores. A fala dos entrevistados toma forma no quinto capítulo, remetendo-nos 
muitas vezes a teorias expostas em capítulos anteriores, ora confirmando colocações dos 
autores e várias vezes apresentando contrapontos às teorias sobre o consumo dos novos 
ricos. A conclusão traz os principais pontos de toda a análise, além de indicações de 
estudos futuros que poderão aumentar o conhecimento disponível sobre o 
comportamento do consumidor brasileiro. 
7 
2. A ETNOGRAFIA COMO METODOLOGIA DE TRABALHO DE CAMPO 
As diferentes metodologias possíveis para o estudo do comportamento do 
consumidor podem ser classificadas em duas abordagens gerais: a positivista e a 
interpretativista. Tal distinção só é possível devido às diferenças existentes em seus 
processos de concepção e condução de pesquisas científicas, 
A corrente positivista é a mais difundida no campo da Administração, e 
considera a realidade vigente como uma verdade absoluta cuja existência e 
desenvolvimento independem de nossas percepções (HUDSON, OZANNE, 1988). O 
meio encontrado para o entendimento desta verdade é o de transportar alguns de seus 
elementos para fora do seu contexto usual, com o objetivo de analisá-los em ambientes 
que permitam a observação e o controle de variáveis avaliadas como relevantes para o 
entendimento do fenômeno, A aplicação desta metodologia em um estudo sobre o 
comportamento do consumidor pode ser feita, por exemplo, através da apresentação 
gradativa de diversas informações a um grupo de conswnidores potenciais, permitindo 
que os pesquisadores possam registrar e posteriormente avaliar as reações 
comportamentais que ocorrerem. Conhecida a relação de causa e efeito, segue-se uma 
generalização dos resultados da pesquisa, a fim de gerar leis que poderão ser aplicadas 
em um número infinito de fenômenos semelhantes, independentemente do tempo e do 
contexto envolvidos. Nas palavras de Hudson e Ozanne (1988:510), "( .. . ) a explanação 
de um fenômeno - a demonstração de uma associação sistemática de variáveis - deve 
também possibilitar ao pesquisador a execução de algum nível de predição ( .. )".8 
Este ponto de vista não é compartilhado pelos interpretativistas, que são 
incrédulos quanto a possibilidade de reduzir situações altamente complexas a uma 
relação de causa e efeito. Por isso, em vez de tentar determinar leis gerais, estes 
pesquisadores procuram entender as razões, motivações e significados do fenômeno 
estudado (HUDSON, OZANNE, 1988). Segundo a abordagem interpretativista, a 
realidade é dependente da percepção dos seus estudiosos, e por isso não é única. 
Sendo assim, faz mais sentido estudá-la de forma holística, e não pelo seu 
8 Tmdução livre da autora 
8 
desmembramento, ou seja, é precIso levar em consideração o contexto em que os 
comportamentos humanos ganham forma para corretamente interpretá-los. Isso indica 
uma busca pelo entendimento de determinado conjunto de atitudes a partir do ponto de 
vista de quem as toma (HUDSON, OZANNE, 1988). 
Também vale a pena ressaltar de que forma o modo de condução da pesquisa 
difere nas duas abordagens. No caso dos positivistas, as técnicas de coleta de dados 
dependem da experimentação simulada em laboratório para que se tenha pleno controle 
das variáveis, informações e ordem temporal dos eventos. Durante a coleta de dados, é 
adotada uma distância proposital na relação entre os pesquisadores e pesquisados, o que 
segundo os positivistas serve para garantir o rigor científico do estudo. Os 
interpretativistas utilizam a análise descritiva de observações participantes e a pesquisa 
de documentos e outros registros que permitam uma percepção holística do fenômeno, 
garantindo o máximo de confiabilidadequanto ao seu contexto natural. As técnicas 
adotadas estimulam uma interação dos estudiosos com os informantes da pesquisa, o 
que faz com que o indivíduo analisado participe mais ativamente do estudo, 
colaborando para uma construção cooperativa das questões, idéias e significados 
envolvidos em seu comportamento (HUDSON, OZANNE, 1988). 
Não cabe aqui iniciar uma discussão sobre a possível supremacia de determinada 
corrente sobre outra. Mesmo Hudson e Ozanne (1988:509) reconhecem que o 
positivismo e o interpretativismo não passam de rótulos que servem para evidenciar a 
existência de duas abordagens gerai s de pesquisa que diferem em suas suposições e 
objetivos. A intenção final que levou à citação das diferenças existentes entre as 
abordagens positivista e interpretativista nesta dissertação é de situar a metodologia de 
trabalho de campo aqui adotada - a etnogrqfia - como mais alinhada com a segunda 
corrente. 
A etnografia é uma forma de pesqUIsa de campo originada e amplamente 
difundida na Antropologia que assume o ponto de vista daqueles que formam o objeto 
de estudo, a fim de desvendar a lógica cultural que influencia as diferentes facetas de 
seu comportamento. A adoção do ponto de vista dos informantes não é tarefa fácil, e 
surgiu de grandes discussões teóricas no âmbito da Antropologia que resultaram no 
conceito de relativização. Rocha (1994:20) ilustra tal conceito da seguinte forma: "( . .. ) 
9 
quando o significado de um ato é visto não na sua dimensão absoluta mas no contexto 
em que acontece: estamos relativizando. Quando compreendemos o outro nos seus 
próprios valores - e não nos nossos - estamos relativizando (. . .)", e acrescenta: 
"Relativizar é não transformar a diferença em hierarquia, em superiores e inferiores, em 
bem e mal, mas vê-la na sua dimensão de riqueza por ser diferença ( . . .)" (ROCHA, 
1994:20). 
O surgimento do pensamento relativizador foi motivado pela percepção da 
existência do que é denominado na Antropologia de etnocentrismo. Rocha (1994:7) não 
se omite e também oferece uma definição para este conceito: "Etnocentrismo é uma 
visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os 
outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossas definições do que é a 
existência" . 
É claro que esta mudança radical de pensamento não ocorreu de uma hora para 
outra. Entre o etnocentrismo e a relativização, a Antropologia adotou outras lógicas de 
percepção e interpretação das diferenças existentes entre as sociedades, a começar pelo 
Evolucionismo. Predominante em todo o século XIX, esta corrente tinha na noção de 
progresso o seu fundamento, e defendia uma posição privilegiada para a sociedade do 
eu na escala de desenvolvimento humano. As sociedades dos outros eram, então, 
classificadas de acordo com a semelhança que guardavam em relação à sociedade do eu: 
quanto mais diferentes, menos evoluídas eram. Rocha coloca que os estudiosos desta 
fase "Postulavam uma unidade entre culturas como se todas tivessem de dar conta de 
problemas idênticos e que, mais cedo ou mais tarde, os 'primitivos' chegariam à formas 
da 'civilização'." (ROCHA, 1984:30). Fica evidente por todas estas descrições o viés 
fortemente etnocêntrico presente nesta primeira fase do pensamento antropológico. 
O segundo movimento, chamado de Escola Americana ou corrente difusionista, 
é o primeiro a perceber o valor do discurso do outro como fonte válida de entendimento 
do modus vivendi de seu grupo, e assim dá um passo importante no sentido do 
pensamento relativizador. Rocha escreve sobre Franz Boas, o principal expoente desta 
linha: 
"Foi ele o pnmelro a perceber a importância de estudar as culturas 
humanas nos seus particulares. Cada grupo produzia, a partir de suas 
condições históricas, climáticas, lingüísticas etc., uma determinada 
cultura que se caracterizava, então, por ser única e específica. Este 
relativismo cultural, essa pluralidade de culturas diferentes, visto por 
Boas é, se compararmos, uma ruptura importante do centramento, da 
absolutização da cultura do "eu" no pensamento evolucionista". 
(ROCHA, 198440) 
10 
Segundo esta nova lógica, o outro passou a ter o direito de contar a sua história 
sem a necessidade de fazê-Ia desembocar na avançada sociedade do eu (ROCHA, 
199443). Este rompimento do vínculo com os valores da sociedade do eu impele os 
antropólogos a relativizarem, entre outras coisas, a noção de tempo. Com isso, deixam 
de lado as narrações cronológicas e passaram a realizar estudos sincrônicos, o que 
simbolizou a ruptura entre Antropologia e História. 
O antropólogo, a partir deste momento, é obrigado viajar, precisa" ( . .. ) morar, 
experimentar, a existência junto ao "outro". Conhecer a diferença experimentando-se a 
si próprio como diferente, por estar, por períodos significativos de tempo, fazendo 
"trabalho de campo" no mundo do "outro" ( . . . )." (ROCHA, 1984:64). 
A introdução do trabalho de campo como metodologia de pesqUIsa na 
Antropologia foi feita por Malinowski, abrindo caminho para a comparação 
relativizadora. Rocha comenta: 
"A viagem de Malinowski e sua afirmação do trabalho de campo obriga a 
ida na direção do "outro". Ele mesmo, comparando com relativismo, 
aponta um caminho fundamental: o "outro" é, também, uma fonte 
possível de reflexão, de transformação até, da própria sociedade do 
"eu"". (ROCHA, 1984:73). 
A adoção do trabaJho de campo etnográfico pela Antropologia tomou tal vulto 
que acabou por ser disseminado para outras áreas do conhecimento. A grande vantagem 
que a etnografia apresenta é a possibilidade de contato direto com o grupo a ser 
11 
pesquisado, em uma sinergia que permite o entendimento de motivações que orientam o 
comportamento do grupo. Isto só é possível quando o pesquisador se envolve" ( .. . ) num 
processo profundamente relativizador de todo o conjunto de crenças e valores que lhe é 
familiar (. . . )" (DAMATTA,1987:143). Exatamente desta forma, a metodologia de 
trabalho de campo etnográfico objetiva coletar informações essencIaIs para o 
entendimento do grupo escolhido sem qualquer mediação. 
A etnografia é, reconhecidamente, um poderoso instrumento de pesquisa capaz 
de gerar uma descrição densa de um grupo que esteja sendo analisado seb'llndo a sua 
cultura e os comportamentos - inclusive de consumo - que lhe são peculiares. O que se 
entende por descrição densa nesta definição é a revelação de valores que estão por trás 
dos atos praticados pelos indivíduos deste grupo, para então estabelecer uma hierarquia 
de estruturas significantes segundo as quais as atitudes são produzidas, percebidas e 
interpretadas. Isso não é tão simples, como afirma Clifford Geertz. Segundo ele, o 
etnógrafo encontra à sua frente 
"( .. . ) uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas 
delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente 
estranhas, irregulares e inexplícitas, e que ele tem que, de alguma forma, 
primeiro aprender e depois apresentar." (GEERTZ, 1978:20). 
A etnografia vai muito além de um mero relato de dados superficiais, o que não 
passaria de "(. . . ) um catálogo telefônico cultural, onde a idéia de classificar e, 
sobretudo, de colecionar todos os costumes é um objetivo evidente (. . .)" (DAMATT A, 
1987:144), e se preocupa em fazer um relralo do sistema de significados construído 
pelo b'IUpo buscando desvendar a lógica de comportamento dos seus componentes. 
Existem dois movimentos no trabalho de campo que o etnógrafo deve realizar 
para conseguir desenvolver a plena percepção das diferenças e dos significados dos 
comportamentos adotados pelos membros de um grupo. O primeiro movimento é' a 
transformação de um elemento exótico para o pesquisador em familiar, isto é, o 
etnógrafo precisa se dedicar ao entendimento de alguns enigmas existentes em 
contextos sociais muito diferentes do seu. O segundo movimentoé inverso, exigindo 
que o pesquisador adote a perspectiva do estranhamento a fim de transformar o que lhe 
12 
é normalmente familiar em exótico. Isso envolve uma reflexão crítica sobre as regras 
existentes à luz das diferenças encontradas no grupo. É este duplo movimento que 
permite se chegar a uma rica descrição das situações ocorridas e o conseqüente 
questionamento dos valores reificados pelos mecanismos de legitimação vigentes 
(DAMATTA, 1987). 
Isso posto, cabe detalhar um pouco melhor o que pode ser entendido como 
familiar e o que é considerado exótico. Remetendo-nos a Velho (apud DAMATTA, 
1987), "(. . .) o que sempre vemos e encontramos pode ser familiar mas não é 
necessariamente conhecido, sendo o oposto também verdadeiro: pois o que não vemos e 
encontramos pode ser exótico mas, até certo ponto, conhecido (. .. )" . O que o autor aqui 
salienta é que não podemos cair na armadilha de considerar tudo o que parece familiar 
como próximo e íntimo, da mesma forma que nem tudo o que é exótico é 
necessariamente distante e desconhecido. Para DaMatta, questionar o real conhecimento 
do que é familiar é o início da prática da dúvida antropológica, base para o trabalho de 
campo (DAMATTA, 1987:162). 
O perigo dos elementos que sugerem familiaridade é a indução a análises 
superficiais quando o objeto de estudo são grupos sociais inseridos e organizados 
hierarquicamente na própria sociedade do pesquisador. Não seria razoável pressupor 
que os jovens moradores da Barra da Tijuca adotem necessariamente o mesmo 
comportamento de consumo que qualquer novo rico, seja brasileiro, americano, discreto 
ou espalhafatoso. É preciso considerar a provável existência de subgrupos entre os 
novos ricos e a diversidade de comportamento apresentada entre eles. Não faz sentido, 
também, apoiar qualquer tentativa de explicar os motivos da diferenciação existente 
com argumentos de base frágil, idéias preconcebidas ou historicamente justificadas que, 
por não abrirem espaço para qualquer forma de questionamento, não são capazes de 
enriquecer o conhecimento sobre o assunto abordado, perpetuando o lugar comum. O 
trabalho de campo etnográfíco percorre exatamente o caminho oposto, e as dúvidas que 
levanta formam seu grande diferencial, agregando valor aos métodos tradicionais de 
pesquIsa. 
O trabalho de campo etnográfíco tem, entre suas peculiaridades, a necessidade 
de interação entre pesquisador e informantes, afinal o ponto de partida para o estudo de 
13 
um determinado grupo é o ponto de vista dos seus componentes. É claro que o 
pesquisador também recorre à análise de materiais de estudo já produzidos sobre o 
assunto, no entanto a mediação com este conhecimento deve ser realizada pelo próprio 
informante em contato com o etnógrafo. Por isso, só existirá elnogrqfia se existir 
informantes e só haverá dados quando for estabelecido um processo de empatia entre 
estes e o investigador (DAMATTA, 1987). Geertz também está ciente desta realidade, e 
coloca que "os monólogos têm pouco valor aqui, pois não há conclusões a serem 
apresentadas; há apenas uma discussão a ser sustentada" (GEERTZ,1978:39). 
A etnografia busca fontes múltiplas de dados a fim de ter contato com diferentes 
perspectivas sobre o grupo estudado. Neste sentido, existem dois instrumentos básicos 
de coleta de dados: a observação de comportamento (observação participante) e o 
relatório verbal (escuta ativa). No primeiro caso, o pesquisador se propõe a observar as 
situações que naturalmente ocorrem no cotidiano do grupo, sem transportá-lo 
artificialmente para um ambiente de laboratório. É o etnógrafo que se desloca em busca 
do convívio com o grupo, tal qual a viagem proposta a partir deMalinowski. As 
observações podem englobar os mais diversos eventos diários, sendo que no caso deste 
estudo será focada especificamente a experiência de consumo. A observação 
participante tem a caracteristica de permitir a percepção de determinadas peculiaridades 
não traduzíveis no discurso do informante, por mais consciente que ele seja a respeito 
do seu comportamento de consumo. (ARNOULD, W ALLENDORF, 1994) 
o ponto-chave é que o observador participante dedica seu tempo a estar com o 
grupo de pessoas que estuda e a realizar atividades com ele. A tarefa deste pesquisador é 
descobrir o que é importante para os outros. Isto envolve tomar acessível o que 
normalmente é ocultado, isto é, o que está nos bastidores e as informações de senso 
comum, sob o ponto de vista do outro. A observação participante exige planos de ação 
específicos, que irão movimentar o observador no sentido do que é fácil de ser 
percebido até os aspectos que costumam ser encobertos. Sherry (1995: 183) cita cinco 
estratégias de ação que ajudam a acessar informações normalmente escondidas: parecer 
que sabe como consegui-Ias; usar informações de bastidores para conseguir mais 
informações de bastidores; usar os outros como professores; classificar os outros como 
14 
testemunhas, informantes e fontes de informações de bastidores; reivindicar que 
realmente necessita da informação. 
No entanto, dados provenientes de observações, por mais ricos que sejam, não 
permitem o acesso direto a interpretações e percepções, revelando pouco a respeito do 
estado interno dos indivíduos, isto é, seus pontos de vista. Assim, faz-se necessária, em 
um segundo momento, a realização de entrevistas em profundidade com os membros do 
grupo estudado. Ao abordar os informantes, o etnógrafo estará buscando as versões e 
interpretações dos indivíduos sobre suas próprias atitudes e comportamentos, gerando 
informações complementares às observações feitas em campo anteriormente 
(ARNOULD, W ALLENDORF, 1994). Estas entrevistas, para que sejam bem sucedidas, 
devem empregar a escuta ativa. Isto significa perceber o significado do que está sendo 
dito através do vocabulário utilizado pelo informante e suas inflexões de voz. Ao 
mesmo tempo, é saber ouvir as mensagens não-verbais (SHERRY, 1995). 
Tanto a observação quanto a entrevista foram utilizadas no desenvolvimento do 
estudo apresentado nesta dissertação. No caso das entrevistas, foi montado um roteiro 
semi-estruturado contendo algumas questões gerais sobre perfil de consumo. Com este 
roteiro foi possível concentrar os esforços nas informações relevantes para o 
entendimento do comportamento de consumo característico do grupo de jovens 
moradores da Barra, evitando a dispersão que poderia ocorrer em uma conversa 
meramente informal - que na verdade foi o tom adotado nas entrevistas, a fim de criar 
um clima propício para a ocorrência de declarações o mais coerentes possíveis com os 
sentimentos internos do informante. 
A fase de interpretação dos dados coletados na pesquisa de campo traz o grande 
desafio de combinar fatos de forma a estabelecer um todo lógico que descreva 
claramente o grupo analisado, sem que haja distorções de significados. Em vez de 
buscar padrões e convergências que sejam consistentes ao longo da aplicação de 
diversos testes, a etnogrcifia busca relatar em detalhe um fenômeno, incluindo nesta 
descrição as diferenças e divergências presentes na comparação entre as diversas 
perspectivas existentes sobre o grupo investigado - do pesquisador, dos informantes e 
dos materiais de estudo já existentes (ARNOULD, WALLENDORF, 1994). Neste 
estudo fica claro que o comportamento de consumo dos jovens moradores da Barra tem 
15 
caractelÍsticas bastante conservadoras se comparado com aquele descrito pelas teolÍas 
de consumo aplicadas aos novos ricos, fato que só veio à tona devido ao uso da 
etnografia como metodologia de pesquisa. 
o primeiro passo para descrever um grupo é a utilização de códigos como 
palavras, frases e símbolos que identifiquem um fenômeno recorrente no 
comportamento e discurso de diferentes informantes, mesmo que, de início, a sua 
importância não seja muito clara para o pesquisador. O segundo passo é abusca das 
diferenças existentes na percepção das fontes disponíveis a respeito do comportamento 
de consumo peculiar ao grupo em estudo. Tais diferenças, combinadas com os códigos 
descobertos na primeira etapa, dão origem à descrição densa do fenômeno (ARNOULD, 
WALLENDORF,1994). 
Para realizar com sucesso uma descrição etnográfica, o pesquisador precisa ter 
uma boa dose de criatividade e insight no momento da interpretação dos fatos, 
adicionando a ela um certo subjetivismo - um aspecto ainda controverso para aqueles 
que acreditam na idealização do rigor cientifico nas disciplinas sociais. No entanto, é 
subjetivismo da interpretação que dá densidade à descrição, e por isso não deve ser 
desprezado pelos pesquisadores, mesmo que haja algum temor de serem criticados por 
não estarem fazendo ciência (DAMATTA, 1987). 
Como toda metodologia, a etnografia tem suas limitações, que devem ser 
consideradas tanto pelo pesquisador que a aplica quanto por aqueles que utilizam as 
informações geradas por ela. A primeira restrição a ser feita diz respeito à empatia que 
deve ser alimentada entre o investigador e seus informantes durante a pesquisa. É 
preciso atentar para a possibilidade do excessivo envolvimento entre eles, o que 
comprometeria o senso crítico do pesquisador, afetando, por conseguinte, a neutralidade 
necessária para perceber as diferentes nuances de uma situação observada ou relatada. É 
preciso estar com eles e entender seus pontos de vista sem se tomar um deles. No caso 
desta dissertação, a entrevistadora pôde constatar a existência do distanciamento 
analítico necessário ao receber respostas diferentes daquelas que esperava para questões 
sobre certos aspectos do consumo do grupo, o que gerou o estranhamento daquilo que a 
princípio era familiar, movimento essencial para o etnógrafo. 
16 
Uma outra limitação diz respeito à fragilidade das tentativas de generalização 
dos resultados da pesquisa. Sair do específico para o genérico pode ser muito perigoso, 
princípalmente quando a investigação versa sobre o comportamento de consumo de um 
grupo com fronteiras bem delimitadas, como no estudo aqui apresentado. Nas palavras 
de Geertz (J 978:35), "qualquer generalidade que consegue alcançar surge da delicadeza 
de suas distinções, não da amplidão de suas generalizações". Ao revelar o 
comportamento de consumo conservador de um sub-grupo de novos ricos, em 
contraposição ao comportamento apresentado pelas teorias de consumo conspícuo, este 
estudo ressalta exatamente o perigo das generalizações teóricas. É claro que as teorias 
existentes se aplicam a casos mais específicos - os novos ricos das colunas sociais -, 
mas não a todos os membros da nova sociedade endinheirada da Barra da Tijuca. 
Nos últimos anos, algumas revistas cíentíficas especializadas em marketing têm 
publicado artigos que relatam os resultados da aplicação do método etnogràfico no 
estudo e descrição do comportamento social e de consumo de integrantes de 
determinados grupos urbanos. Estas etnogrcifias muitas vezes constataram que hábitos 
sociais e padrões de consumo comuns podem se tomar motivos para união de certas 
pessoas em um grupo, formando uma identidade própria que acaba por diferenciar seus 
integrantes dos demais membros da sociedade. 
Nesta parte da dissertação serão apresentados alguns destes artigos, selecionados 
entre outros da Base de Dados ABI9/ Infonn, que indexa mais de 1.200 títulos de 
periódicos estrangeiros nas áreas de Administração, Marketing e Negócios, incluindo a 
base Business Periodical on Disc, que arrola cerca de 500 títulos com texto integral dos 
artigos 10 Também serão citados alguns exemplos de estudos utilizando a etnografia e 
outras ferramentas típicas da Antropologia extraídos de uma coletânea reunida por 
Sherry, Ir. (1995), além de dissertações de mestrado já defendidas no COPPEADIUFRJ. 
Os autores dos artigos que serão apresentados a seguir utilizaram uma 
combinação de instrumentos de coleta e registro de dados para realizar o estudo 
etnográfico de consumo em grupos urbanos. Inevitavelmente, o primeiro instrumento 
9 ABI significa 'Abstracts Business Index'. 
17 
utilizado foi a observação direta dos eventos, proporcionando uma perspectiva dos fatos 
na forma wmo se desenrolavam na vida prática. Estas observações foram feitas de 
maneiras variadas, dependendo do estudo, podendo contar com a participação total do 
pesquisador na situação investigada ou não. A entrevista em profundidade também 
aparece em todos os estudos etnográficos, caracterizando a busca dos pesquisadores por 
dados sobre as percepções dos integrantes dos grupos a respeito das situações sociais e 
hábitos de consumo compartilhados. Em alguns casos, foram tiradas fotografias de 
objetos, ambientes e encontros dos integrantes dos grupos, para servirem como 
complementos às notas de campo. A investigação documental foi utilizada em alguns 
estudos como fonte secundária a fim de possibilitar uma primeira aproximação 
exploratória com o objeto da etnografia. No relato das etnogrqfias percebe-se, também, 
uma organização dos resultados a partir de temas conceituais, sem qualquer privilégio 
da ordem cronológica da ocorrência dos fatos no dewrrer da pesquisa. 
A seguir estão resumidos cinco estudos etnográficos. O primeiro investiga o 
ritual de consumo do dia de Ação de Graças, importante data comemorativa norte­
americana. O segundo estudo procura explicar o comportamento de praticantes de pára­
quedismo. A terceira elnogrqfia se concentra nos proprietários de motos Harley­
Davidson. Em se!,'llida será apresentado um estudo que examina o processo de seleção 
de presentes em uma loja freqüentada por pessoas da alta classe média norte-americana. 
Por fim, teremos uma pesquisa sobre a mecânica de lealdade à marca e padrões de 
consumo que são passados dentro de uma família, geração pós geração, a cada 
indivíduo que dela faz parte. 
O Dia de Ação de Graças é um feriado nacional celebrado nos EUA na última 
quinta-feira de novembro. A motivação para este dia é o agradecimento de todas as 
conquistas alcançadas durante o ano. Wallendorf e Amould (J991) analisam em seu 
estudo detalhes do ritual seguido pelas famílias americanas neste dia, com ênfase em 
aspectos como o consumo abundante de alimentos compartilhado pelos participantes, o 
processo de seleção de convidados, o paradoxo do universalismo e particularismo 
existente na comemoração, os valores de trabalho na preparação da celebração e a noção 
la Informações retiradas do Relatório CAPES para o ano base de 1998, produzido pela COPPElUFRJ 
18 
de evitar desperdício, além do papel exercido pelos produtos fabricados e os produzidos 
em casa. 
Através da apresentação destes temas conceituais, o estudo etnográfico do Dia 
de Ação de Graças demonstrou como os norte-americanos usam rituais de consumo para 
construir sua cultura, além de apresentar a forma como ocorre o culto à abundância de 
bens materiais e o processo de reaquisição do comando do processo produtivo através 
da afirmação de valores e hábitos particulares frente aos esforços homogenizadores dos 
meios de produção de massa. 
Outro estudo, desta vez baseado no comportamento dos pára-quedistas, foi 
realizado por Celsi, Rose e Leigh (1993), e teve como objetivo entender os motivos que 
levam pessoas ao consumo voluntário de atividades de alto risco, para o que foi 
utilizado o método etnográfico. As informações levantadas servem como orientação 
para a crescente indústria de produção de artigos voltados para este público, que cada 
vez mais tem aumentado em número de participantes. 
Durante a investigação, os pesquisadores demonstraram especial interesse na 
descrição dos comportamentos e experiências típicas dos integrantes de um grupo de 
pára-quedistas, buscando observar, registrar e interpretar os aspectos da subcultura deste 
grupo. 
Os autores encontraram três temas conceituais para organizaros relatos sobre o 
grupo de pára-quedistas, sendo o primeiro deles o processo de aquisição de experiência 
na atividade de pára-quedismo. O segundo tema conceitual refere-se ao processo 
evolutivo dos motivos que levam uma pessoa a se engajar em um esporte de alto risco e, 
posteriormente, continuar participando e ganhando experiência em tal atividade. O 
último tema conceitual citado diz respeito à percepção dos participantes sobre o risco 
inerente á atividade de pára-quedismo. 
O universo simbólico que envolve o grupo de pára-quedistas abordado pelos 
etnógrafos pôde ser melhor entendido a partir deste estudo. Foram interligados os 
constructos que compõem esta subcultura, revelando a interdependência existente entre 
(p.8). 
1 9 
o processo de aquisição de experiências práticas, o conjunto de razões que levam o 
indivíduo a integrar-se no grupo e a percepção que os pára-quedistas compartilham a 
respeito do risco inerente à prática desse esporte. 
Já o estudo etnográfico de Schouten e Mcalexander (1995) teve como objetivo 
investigar a subcultura de consumo dos denominados new bikers, representados pelos 
proprietários das motocicletas Harley-Davidson. O interesse dos pesquisadores pelo 
estudo foi despertado pela possibilidade de existência de um grupo homogêneo e 
distinto dos demais membros da sociedade, não apenas por comungar de uma mesma 
atividade ou estilo de vida, mas também por compartilhar a adoração por um produto de 
uma marca bem definida. Para executar o estudo, os pesquisadores tiveram que eleger 
alguns lugares para realização de sua investigação, que no caso foram: os encontros de 
proprietários de Harley-Davidson, clubes de confraternização, rallies anuaIs e as 
residências dos informantes. Como forma de complementação das informações 
coletadas através do comportamento e relatos dos integrantes do grupo, os 
investigadores também realizaram entrevistas com diretores da empresa fabricante das 
motocicletas e revendedores. 
Os resultados do estudo etnográfico também foram organizados por temas 
conceituais, mais exatamente: a estrutura do grupo pesquisado, o ethos (a existência do 
grupo pressupõe o compartilhamento de princípios e categorias culturais que sejam um 
reflexo de seus próprios valores e necessidades), o patriotismo, o machismo e a 
transformação da identidade do indivíduo conforme aprofunda sua integração em algum 
dos subgrupos de proprietários de HarJey-Davidson. 
O último tema conceitual abordado diz respeito ao esforço dos pesquisadores em 
relatar como os fabricantes e revendedores de motocicletas e aceSSÓrios Harley­
Davidson lidam com uma legião de adoradores que a marca atrai. 
Desta forma, o estudo ilustrou a existência de uma subcultura na sociedade 
norte-americana, constituída em tomo da marca de um único produto. Isto gerou o 
surgimento de um conjunto inter-relacionado de comportamentos e atividades 
peculiares adotadas pelo grupo a fim de reforçar a demarcação das fronteiras que 
separariam seus integrantes dos demais membros da sociedade. 
20 
McGrath (1989) também usou a etnogr�fia em campo a fim de analisar os 
fatores envolvidos na atividade de troca de presentes, a partir da perspectiva de uma loja 
de varejo. O processo considerado apresenta três estágios principais: a gestação - que 
engloba selecionar o artigo, pagá-lo, embrulhá-lo para presente -, a prestação ou entrega 
do presente ao destinatário, e a reformulação - quando o presente é utilizado, 
descartado, guardado ou trocado. 
O estudo se fixou no primeiro estágio e envolveu especificamente a época das 
festas natalinas. Como objetivos principais, essa investigação procura: descrever em 
detalhes a loja de presentes, dando ênfase aos fatores que transformam esse local em um 
espaço atrativo para a execução do estágio de gestação; entender a percepção que o 
proprietário e empregados têm do processo de seleção de presentes, e relatar a 
reformulação do conjunto de itens comercializados pela loja no decorrer do penodo do 
estudo. 
A interpretação etnográfica apresentou três temas conceituais principais: o 
ambiente criado no interior da loja para incentivar as vendas, a nítida distinção entre o 
padrão de comportamento adotado pelos vendedores na área pública da loja e aquele 
adotado nos espaços reservados somente para empregados, e a evolução da percepção 
dos processos de tomada de decisão que deram certo - o que antes era visto como uma 
influência do fator sorte, passou a ser considerado como um mérito da proprietária. 
Neste estudo etnográfico, a autora ofereceu uma descrição detalhada envolvendo as 
atividades diárias de uma loja de presentes, as percepções sobre o perfil de seus clientes, a 
relação entre proprietária, empregados e público, o ambiente e decoração da loja e a 
sofisticação dos processos de compra e seleção de pessoal . A etnogrqfia realizada 
contribuiu para um melhor entendimento do processo de transformação de uma concepção 
de empreendimento em um espaço privilegiado para o exercício da seleção de presentes. 
Num estudo voltado para entender a influência da história da família no 
consumo das pessoas, Barbara Olsen incorporou várias abordagens teóricas para 
interpretar o passado, e o passado no presente, no que se relaciona à biografia cultural 
das marcas e à lealdade à marca. Usando o método histórico para traçar padrões e outras 
tendências de comportamento, a abordagem funcionalista diacrônica oferece pistas 
21 
sobre como os objetos são adotados, seja por conveniência ou pelas suas várias 
utilidades sociais e ambientais (SHERRY, 1995 :245). 
A pesquisadora coloca que as marcas possuem utilidade simbólica e são 
adotadas pelo que comunicam ao usuário. Olsen analisou vários aspectos de lealdade à 
marca pelo consumidor nostálgico. O fator hereditário no consumo e na preferência por 
marcas foi traçado através da biografia cultural. A metodologia integra análise histórica 
de arquivos de dados com pesquisa etnográfica, observação participante e 
documentação de história de vida através de entrevistas em profundidade. 
O estudo de Olsen apontou que a rejeição consciente dos hábitos de compras dos 
pais ou marcas utilizadas durante a infância são uma forma de rebelião na qual os 
produtos ou hábitos rejeitados representam barreiras, comunicando simbolicamente uma 
fratura no relacionamento. Por outro lado, a replicação do comportamento de compra 
dos pais ata o laço emocional com o outro (SHERRY, 1995: 2681 269). Em poucas 
palavras, pode-se afirmar que as marcas refletem a percepção de quem queremos ser. 
Embora em fase ainda inicial de aplicação no Brasil, a etnografia tem aparecido 
em estudos produzidos por pesquisadores nacionais que discutem aspectos de Marketing 
e Comportamento do Consumidor. Carvalho (1 997) desenvolveu uma pesquisa 
etnogràfica sobre a simbologia dos objetos encontrados nas casas de jovens casais 
urbanos. Segundo o autor, os recém-casados tendem a expressar suas individualidades, 
ainda mais se ainda não tiverem filhos; isto é, mantém-se a existência de espaços 
predominantemente femininos - toda a casa - e masculinos - escritório. Os objetos 
também revelam sobre a identidade dos moradores, que em geral buscam a 
personalização da casa através da originalidade da decoração. Isso inclui recordações de 
momentos felizes que fazem parte da história do casal; aliás o hedonismo é um dos 
alicerces da lógica simbólica que envolve a aquisição de objetos decorativos neste caso. 
O perfil de consumo dos idosos foi o tema escolhido por Kubota (1999) para a 
sua etnografia. Seus entrevistados são moradores do Rio de Janeiro com mais de 
sessenta anos e pertencentes à classe média. Kubota notou a influência dos familiares e 
amigos no processo de compra, além de perfis de consumo diferentes para homens e 
mulheres. Neste estudo, os idosos mostraram que mantêm imutáveis vários hábitos de 
22 
consumo, ressaltaram as diferençasentre os símbolos de �1atus de sua juventude e os 
atuais, revelaram as percepções que têm sobre algumas marcas e também falaram sobre 
seus sonhos de consumo. 
Ballvé (2000) escolheu outra fase do ciclo de vida para estudar: a infância. Seu 
trabalho foi baseado em crianças matriculadas na 3" e 4" séries do nível elementar de 
uma escola da Zona Sul do Rio de Janeiro. A autora abordou a consciência que as 
crianças têm sobre própria idade, a construção da auto-imagem, como elas interpretam a 
mídia e as informações que recebem, o perfil de consumo e as estratégias econômicas 
destes consumidores-mirins. Este estudo mostra claramente como se dá as influências 
de compra e a socialização para o consumo em núcleos familiares que contam com a 
presença de crianças. 
Como ficou evidente após a apresentação destes resumos, para realizar um 
estudo sobre comportamento de consumo utilizando a etnogrcifia como metodologia de 
pesquisa de campo é preciso delimitar claramente o grupo que será estudado e 
determinar, de forma consistente, quais pessoas estarão aptas a atuar como informantes 
para a investigação. Esta dissertação foca o comportamento de consumo de um conjunto 
de pessoas bem definido em nossa sociedade - os moradores - e a seleção dos 
informantes que formam a amostra representante deste universo se deu levando em 
consideração os seguintes aspectos: são todos moradores de condomínios de classe 
média alta da Barra da Tijuca que acompanharam o percurso de suas famílias do 
subúrbio para a Barra, chegaram ao bairro ainda crianças ou adolescentes, estão na faixa 
etária entre 18 e 28 anos (muito representativa do bairro - conforme já visto no primeiro 
capítulo - e o que os toma grandes consumidores, desde já e numa perspectiva de longo 
prazo), acessibilidade (sem o que não é possível realizar as entrevistas e a observação 
participativa). 
A concentração e,te estudo em moradores anônimos da Barra da Tijuca, e não 
nos representantes óbvios dos emergentes que têm suas imagens veiculadas 
exaustivamente pelas diferentes mídias, dá-se devido á opção de apresentar uma análise 
do comportamento de consumo do morador comum do bairro, esta maioria que não 
aparece diariamente nas colunas sociais mas é geradora de grande volume de consumo; 
isto é, os clientes potenciais e diretos das empresas que atuam ou pretendem atuar na 
23 
região. Assim evita-se apresentar uma mera caricatura e agrega-se maior valor a esta 
análise. Por último, é preciso deixar claro que não foi utilizado qualquer tipo de 
procedimento estatístico, portanto a amostra possui características não probabilísticas. 
24 
3. ENTENDENDO O COMPORTAMENTO DO CONSUM1DOR COMO UMA 
MANIFESTAÇÃO CULTURAL 
A diferença fundamental entre o ser humano e as demais formas de vida está na 
sua capacidade de adotar comportamentos além da determinação imposta pela sua carga 
genética. Como coloca Sahlins (1979: 120), "o homem sente que a qualidade ideal de 
sua existência consiste em ocupar o mundo de símbolos e idéias - ou, como às vezes ele 
o chama, o mundo da mente ou do espírito". Cultura pode ser definida, então, como a 
relação dinâmica existente entre o homem, seus símbolos e o mundo. De forma 
semelhante, McCracken (1988) coloca que a cultura é formada pelas idéias e atividades 
através das quais interpretamos e construímos nossa visão de mundo. Assim, fica claro 
que a cultura se coloca entre os homens e as ações, os objetos e a natureza, atuando 
como uma lente da qual não podemos fugir e que influencia nossa forma de ver o 
ambiente que nos envolve. 
Rocha (1984) aborda o conceito de cultura associando-o à idéia de código, 
passando a atuar essencialmente como um sistema de comunicação. O autor coloca que 
a cultura atua como uma espécie de linguagem compartilhada entre os membros de uma 
mesma sociedade, que utilizam símbolos de diferentes tipos para trocar mensagens. Ao 
entender a cultura como um sistema de comunicação, Rocha assume que: 
"(. .. ) as culturas humanas constituem-se de conjuntos de verdades 
relativas aos atores sociais que nela aprenderam por que e como existir. 
As culturas são 'versões' da vida; teias, imposições, escolhas de uma 
'política' dos significados que orientam e constróem nossas alternativas de 
ser e de estar no mundo. ( . . . )". (ROCHA, 1984:88-89) 
Entre os vários símbolos dessa linguagem compartilhada estão as práticas de 
consumo, focadas nesta dissertação. A forte relação entre cultura e consumo se baseia 
no fato de que o processo de consumir bens e serviços é moldado e dirigido por um 
forte viés cultural. Por sua vez, a cultura depende dos objetos e práticas de consumo 
para perpetuar os seus valores. McCracken (1988:77) evidencia esta afirmativa quando 
25 
diz que os produtos são criações e criadores do mundo culturalmente constituído. Isso 
significa que os produtos, além de sua funcionalidade, servem para que as pessoas 
expressem os valores culturais de sua sociedade, cultivem ideais, sustentem estilos de 
vida, construam noções sobre elas mesmas, criem e mantenham relações sociais. O 
entendimento do processo de consumir vai além da definição estreita de utilizar um bem 
ou dispor de um serviço, e inclui a interação - antes, durante e após o momento da 
compra - entre produto, indivíduo e sociedade. Essa abordagem permite uma discussão 
mais abrangente sobre o processo de consumir, onde sua definição está menos atida à 
satisfação de necessidades individuais e mais relacionada a uma visão de consumo 
enquanto fenômeno cultural (McCRACKEN, 1988). 
Seguindo o raciocínio destes autores, chega-se à conclusão de que os homens 
não consomem apenas por um desejo de suprir necessidades exclusivamente fisicas; 
senão a relação do homem com o produto estaria limitada às coisas como elas são, e a 
avaliação do valor e da utilidade deste mesmo produto consideraria apenas as suas 
propriedades objetivas. É exatamente a subjetividade que permite ao homem dar uma 
dimensão simbólica ao objeto. Quando um indivíduo seleciona e usa determinado 
produto, revela a intenção de distinplÍr-se socialmente dos demais. Através do objeto, o 
indivíduo está se engaj ando em uma determinada categoria cultural, tomando a sua 
opção visível e demonstrável para a sociedade da qual faz parte. Um bom exemplo é a 
forma de se vestir, que funciona como a materialização de import.antes coordenadas a 
respeito de uma pessoa no contexto da ocasião em que se encontra, transmitindo 
mensagens entre aqueles que não se conheciam previamente. (SAHLINS: 1979). 
A Antropologia do Consumo se dedica a entender essa relação de 
interdependência entre cultura e produtos de consumo. O uso dos conhecimentos 
produzidos por este campo do saber se justifica na medida em que percebemos o 
processo de consumir enquanto fenômeno cultural de uma sociedade. Para evidenciar 
esta importância, segue uma revisão dos estudos antropológicos que versam sobre o 
consumo moderno - suas origens e seus enigmas - e de sua relação com temas 
característicos da Antropologia, como totemismo, mito e ritual, aliando-os aos estudos 
encontrados sobre o grupo de novos ricos, no qual se enquadrariam os moradores da 
Barra, tema desta dissertação. 
26 
3 . 1 . TEORIAS SOBRE O CONSUMO MODERNO 
O economista americano Thorstein Veblen desenvolveu a teoria da classe ociosa 
no ano de 1 899, e com ela influenciou numerosos cientistas sociais em busca de 
explicações para o consumo moderno. Sua teoria será a primeira a ser apresentada não 
s6 porque é citada pelos demais autores como também porque traz os principais 
pensamentos que revelam as motivações de consumo do grupo aqui estudado. 
Veblen (1965) inicia sua exposição caracterizando o que ele chama de classe 
ociosa. Presente na história desde os estágios avançados da cultura bárbara, esta classe 
envolve os nobres, sacerdotes e a maioria de seus agregados. Uma de suas 
características básicas é a ocupaçãode seus participantes, predominantemente não­
industrial e, em geral, nas áreas de governo, hJUerra, religião e esportes. Como esclarece 
Veblen, isto é uma conseqüência da própria origem da classe ociosa, sedimentada em 
uma discriminação entre diversas funções, onde algumas passaram a ser consideradas 
dignas - compreendendo elementos de proeza ou façanha - e as outras, indignas -
atividades diárias e rotineiras, sem qualquer componente extraordinário. Assim, o 
trabalho adquire um caráter desagradável devido à indignidade a ele relacionada. 
A diferença inicial, que deu origem à divisão entre classe ociosa e classe 
trabalhadora, foi a distinção entre trabalho feminino e trabalho masculino. Da mesma 
forma, o tipo mais primitivo de propriedade foi a posse das mulheres pelos homens 
'capazes'. Com o tempo, o conceito de propriedade se estendeu e passou a incluir a 
propriedade dos produtos fabricados pelas mulheres, resultando daí a propriedade das 
coisas além da propriedade das pessoas. 
Aos poucos a atividade industrial foi substituindo a atividade predatória, e, 
conforme isto foi acontecendo, a acumulação de bens passou a atuar como o índice 
convencional de prepotência e de sucesso. Assim, com o crescimento da indústria, a 
posse de riquezas tomou-se a base mais eficaz e rotineira de conferir estima e reputação, 
segundo afirma o autor. 
27 
Logo que a propriedade se torna a base de estima popular, passa também a ser 
um requisito para o respeito próprio. Em comunidades onde o sistema vigente é o de 
posse privada de bens, cada indivíduo passa a pertencer a uma determinada classe de 
acordo com as suas posses. No entanto, Veblen defende que tais indivíduos preferem 
possuir mais que os outros membros da mesma classe, o que gera o seguinte ciclo: a 
pessoa acumula uma quantidade maior de riqueza e logo se acostuma a ela, de forma 
que a nova condição deixa de satisfazê-lo. Assim, cada padrão pecuniário atingido serve 
como ponto de partida para um novo critério de suficiência, para o qual o indivíduo se 
mobiliza acumulando ainda mais riquezas. 
No entanto, ser rico ou deter o poder não é suficiente para conquistar e manter a 
consideração alheia: é preciso patentear tal condição aos olhos de todos. Veblen afirma 
que a prova de riqueza não só acentua a importância de seu possuidor frente aos demais, 
mas também é útil na criaç.ão e preservação da própria satisfação. Sem tal prova, Veblen 
acredita que este indivíduo se sentiria diminuído em sua dignidade humana, mesmo sem 
qualquer consideração consciente da aprovação ou desaprovação de seus semelhantes. 
A repugnância dos membros das classes altas a trabalhos considerados servis 
traz em si a crença de que seria inevitável que este tipo de atividade contaminasse 
espiritualmente seus praticantes. A part.ir desta visão, as pessoas mais refinadas 
condenam lugares vulgares, casas baratas e ocupações produtivas corriqueiras, que 
seriam incompatíveis com uma vida "mental elevada" (VEBLEN, 1 965). O valor direto 
e subjetivo do ócio e outros sinais de riqueza é um reflexo de seu uso como um meio 
para a obtenção de respeito alheio. Uma vida ociosa é o mais simples e mais patente 
modo de demonstrar força pecuniária, e a condição fundamental é que o indivíduo 
ocioso possa viver, sem dificuldade, no conforto. Não precisar trabalhar, além de 
assumir características de honra e mérito, também se torna um requisito de decência. É a 
prova convencional de riqueza, marcando perante todos a posição social da pessoa. É 
importante deixar bem claro que a definição de ócio, como usada por Veblen, designa o 
tempo gasto em atividade não-produtiva devido ao sentimento da indignidade do 
trabalho produtivo, com a finalidade de demonstrar a capacidade pecuniária de viver de 
forma inativa. 
28 
Muitas vezes, o indivíduo quer mostrar que a sua ociosidade vem de longo 
periodo, e para isso recon-e a provas imateriais deste ócio, que se traduzem por talentos 
quase-eruditos ou quase-artísticos e de um conhecimento de processos e incidentes que 
não trazem vantagem direta à vida humana. Neste conjunto se incluem o conhecimento 
de línguas mortas, ciências ocultas, o uso correto da ortof,'Tafia, refinamentos no 
vestuário e mobília, participação em jogos e esportes que usam animais de raça como 
cães e cavalos de corrida. Além destes talentos, outros fatores mais ligados ao caráter do 
hábito fisico e da destreza também contam para a comprovação do ócio: ter boas 
maneiras e educação, conhecer normas de polidez e decoro, ou até mesmo de 
cerimonial. São formas interessantes de mostrar o ócio, já que necessitam de emprego 
não-produtivo de tempo, esforço e dinheiro para serem adquiridas, e são notadas de 
forma imediata e ostensiva por todos. Assim sendo, como o ócio é o meio convencional 
de se conseguir respeitabilidade pecuniária, adquirir uma certa dose de decoro é 
essencial a todos que aspiram a qualquer posição pecuniária. Veblen acentua que, 
gradualmente, o ócio conspícuo se transforma não só em um esforço contínuo para um 
requinte cada vez maior no comportamento, mas também em uma educação para o bom 
gosto e para desenvolver a sensibilidade quanto aos artigos que devem ser consumidos. 
Além de saber o que consumir, o membro da classe alta também deve conhecer a forma 
adequada de consumir os mais variados bens para que sua vida de ócio seja bem 
conduzida. Daí o surgimento das boas maneiras, que, ao lado dos modos de vida 
refinados, são sinais de conformidade com a norma de ócio e de consumo conspícuos. 
Em seguida, o autor introduz os conceitos de o ócio e o consumo vicáriosl l Para 
ISSO, ele parte de uma segunda divisão de trabalhol2 Alguns escravos passaram a 
assumir o serviço pessoal do senhor, enquanto os demais eram mantidos na produção 
industrial, afastados de qualquer relação imediata com o dono. Este processo gradual de 
isenção de tarefas industriais rotineiras normalmente se iniciava pela isenção da esposa, 
em geral de sangue nobre. Ter sangue nobre, neste momento, significa ter se distinguido 
por longo contato com a riqueza ou com contínuo privilégio. 
1 1 Vicário: adj (lat vicariu) 1. Que fuz as vezes de outrem. ( ... ) - (Michaelis: Moderno Dicionário da 
Língua Portuguesa! São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998, p. 2 198. Editor: Waller Weiszflog). 
29 
Aqueles senhores com posição excepcional na comunidade e uma situação 
pecuniária privilegiada tinham à sua disposição servos especializados, que não se 
ocupavam de outra coisa senão sua tarefa principal. Para Veblen, estes escravos também 
serviam como ostentação, e por serem uma evidência de riqueza, as tarefas que 
assumiam tomaram-se cada vez menores, até o ponto em que suas funções passaram a 
ser meramente nominais. 
Veblen enfatiza a diferença fundamental existente entre a classe ociosa vicária e 
a classe ociosa propriamente dita. O ócio da classe de senhores, pelo menos 
ostensivamente, se caracteriza pelo seu êxito em evitar todo e qualquer trabalho; 
presumivelmente aumentando o bem-estar do senhor e a opulência de sua vida. Já o 
ócio da classe de criados domésticos isenta de trabalho produtivo, não visa 
primariamente o seu próprio conforto. É um ócio necessário e obrigatório, que passa 
normalmente por ser serviço especializado que tem por fim aumentar a opulência da 
vida de seu senhor. Veblen ainda ressalta que tanto o criado quanto a esposa, para que 
satisfaçam os requisitos do esquema de vida da classe ociosa, precisam ter uma atitude 
de subserviência. No caso dos criados, também devem demonstrar que foram 
devidamente treinados para tal subserviência e têm no seu exercício a prática necessária. 
Do contrário, demonstraria a incapacidade do patrão de pagar pelo tempo, esforço e 
treino de seus criados segundo as rigorosas normas de etiquetas. Veblen arremata: "( . . .) 
Quando o comportamento do criado indica falta de recursos do patrão, desaparece arazão principal de manter o criado, uma vez que a sua existência se destina a demonstrar 
a riqueza do patrão." (VEBLEN, 1965 :69) 
Veblen passa então a um detalhamento de sua visão sobre o consumo conspícuo, 
a partir da análise dos produtos disponíveis para este fim. Para o autor, alguns produtos 
- seja por sua natureza ou por sua raridade - tomaram-se tabus na sociedade industrial, 
sendo consumidos quase que exclusivamente pela classe superior. São destacadamente 
os produtos relacionados a luxo e conforto, incluindo alimentos e bebidas. A 
diferenciação cerimonial na alimentação se observa principalmente quanto ao uso de 
12 A pri meira forma de di visão do trabalho, como já citado, foi a divisão entre homens e mulheres, onde 
os primeiros se responsabilizavam por tudo qne incluía atos de façanha e as íJltimas assumiam as tarefas 
rotineiras. 
30 
bebidas intoxicantes e de narcóticos; artigos que, por serem dispendiosos, são 
considerados nobres e honoríficos. 
Assim, o que se observa é que à classe servil cabe consumir apenas o que é 
necessário à sua subsistência, enquanto os membros da classe alta consomem mais do 
que o mínimo necessário para a sua sobrevivência e também especializam seu consumo 
quanto à qualidade dos bens. Os artigos consumidos pela classe alta sofrem um processo 
gradual de melhoria em busca de maior eficiência, elaboração e perfeição na promoção 
de seu conforto e bem-estar pessoal. No entanto, este não é o fim principal de seu 
consumo. O movimento de inovação sofre também a influência do critério de 
respeitabilidade na determinação dos produtos que têm melhor possibilidade de 
sobrevivência. Como o consumo dos bens de maior excelência é considerado uma prova 
de riqueza, ele se toma honorífico; da mesma forma, a incapacidade de consumir na 
devida quantidade e qualidade se toma urna marca de inferioridade e de demérito 
(VEBLEN, 1965). 
A discriminação rigorosa quanto à excelência nos alimentos, na bebida e outros 
artigos passa logo a determinar a maneira de viver e também a educação e a atividade 
intelectual do indivíduo. Ele deixa de ser simplesmente o homem bem sucedido e passa 
a cultivar o gosto, já que se tomou imprescindível discriminar cuidadosamente entre o 
que é nobre e o que não possui valor nos bens de seu consumo. Assim ele se toma um 
connojsseur dos alimentos nobres de vários graus de mérito, das bebidas, dos adornos e 
vestuário adequados, dos jogos, da arquitetura e tantas outras categorias de produtos. 
Este cultivo do senso estético requer tempo e esforço; portanto, o indivíduo tende a 
transformar a sua vida de ócio num aprendizado mais ou menos árduo para uma vida 
correta de ócio ostensivo, como bem observa Veblen. 
Para o indivíduo ocioso, o consumo conspícuo de bens valiosos é um 
instrumento de respeitabilidade. Com o acúmulo de mais riqueza, ele se toma incapaz 
de, sozinho, demonstrar a própria opulência pelo consumo conspícuo. Por isso ele 
recorre aos amigos e concorrentes, aos quais oferece presentes valiosos e convida para 
festas e divertimentos dispendiosos. Veblen então enfatiza que o concorrente, com o 
qual o dono da festa quer instituir uma comparação de opulência, consome vicariamente 
3 1 
por seu anfitrião, atua como testemunha do consumo dos bens valiosos que o anfitrião 
tem em excesso e presencia o seu refinamento de etiqueta. 
À medida em que acumula riqueza, a classe ociosa desenvolve suas funções e 
sua estrutura, surgindo dentro dela novas divisões baseadas em um sistema mais ou 
menos elaborado de status e posições. Esta diferenciação se acentua ainda mais pela 
herança de riqueza e a conseqüente herança de fidalguia. A herança de .fidalguia traz 
forçosamente a herança de um ócio obrigatório, e pode ser de tal monta que se herda a 
vida de ócio sem o complemento de riqueza necessário para mantê-Ia dignamente, ou 
seja, pode-se herdar sangue nobre sem bens suficientes para possibilitar um consumo 
livre e fácil numa vida de respeitabilidade. Assim Veblen explica o aparecimento de 
uma classe de gentis-homens sem dinheiro. Estes gentis-homens de meia casta se 
classificam segundo um sistema de posições hierárquicas, onde aqueles que, pelo 
nascimento, pela riqueza ou por ambos, estão mais perto das camadas mais altas da 
classe ociosa são superiores aos que, pelo nascimento, estão mais afastados delas ou são 
pecuniariamente mais fracos. Como se trata obviamente de uma relação de troca, estes 
gentis-homens constituem-se em índices da posição de seus patronos, consumindo 
vicariamente a sua riqueza supérflua. A este respeito, Veblen deixa claro: 
"Em toda esta hierarquia de ócio vicário e consumo vicário, a 
regra é que todos os cargos devem ser exercidos de tal modo, ou em 
circunstâncias tais, ou ainda sob sinais de tal modo evidentes, que se 
saiba inequivocadamente de quem é o ócio ou o consumo a que se 
I igam os dependentes, a quem de direito pertence o resultante 
incremento de respeitabilidade". (VEBLEN, 1 965: 82) 
A utilidade do ócio e do consumo conspícuos, para fins de boa reputação, 
repousa no dispêndio: num caso, o dispêndio é de tempo e esforço; no outro, de bens. 
Ambos são métodos de demonstrar a posse da riqueza, e os dois são convencionalmente 
aceitos como equivalentes. Na base da conveniência, pode-se preferir uma forma ou 
outra em diferentes fases de desenvolvimento econômico; basta saber qual destes dois 
métodos provocará com maior eficiência uma reação nas pessoas cujas convicções se 
deseja afetar. Na opinião do autor, em um grupo pequeno, qualquer uma das estratégias 
surte efeito; no entanto, quando é preciso atingir um ambiente humano mais vasto, o 
32 
consumo passa a superar o ócio como meIo ordinário de decência. Veblen ainda 
acrescenta: "( . . . ) A fi m de impressionar esses observadores eremeros e a fim de manter 
a satisfação própria em face da observação deles, a marca da força pecuniária da pessoa 
deve ser gravada em caracteres que mesmo correndo se possa ler.(. .. )" . (VEBLEN, 
1965:90). 
Veblen defende que é muito mais dificil diminuir a escala de gastos já adotada 
do que estendê-Ia em resposta a um aumento de riqueza. Seu argumento é de que muitos 
dos itens consumidos habitualmente, quando analisados, revelam-se quase que 
inteiramente como desperdício, sendo, portanto, apenas honorários. No entanto, ao 
serem incorporados à escala de consumo decente, passam a integrar a vida do indivíduo 
de tal forma que se tornam tão dificeis de serem abandonados como quaisquer outros 
itens que conduzem diretamente ao conforto fisico pessoal, ou mesmo como os 
necessários à vida e à saúde. 
É notoriamente tão difícil abandonar um padrão de vida elevado como baixar um 
padrão que já é relativamente baixo, apesar de, no primeiro caso, a dificuldade ser de 
ordem moral, enquanto no último poderá significar redução material dos confortos 
físicos Mas, enquanto a regressão é dificil, um novo avanço nos gastos conspícuos é 
relativamente fácil, se processando quase que normalmente. Isto sugere que o padrão de 
vida, que em geral governa os nossos esforços, não é formado pelos gastos ordinários 
comuns já alcançados, mas sim pelo consumo ideal pouco além do nosso alcance, ou 
cujo alcance requer um certo esforço. O motivo que Veblen alega para isso é a 
competição, ou seja, o estímulo de uma comparação individual que nos instiga a 
sobrepujar àqueles que estamos habituados a considerar como pertencentes à nossa 
classe. O nosso padrão de decência nos gastos, assim como em outros meios de 
competição, é determinado pelo padrão de respeitabilidade que vigora na classe logo 
acima à nossa na escala social. 
As exigências da decência pecuniária tiveram um efeito de grande alcance no 
critério popular da beleza ou da utilidade dos bens de consumo. O autor coloca que a 
satisfação que deriva do uso e da contemplação de produtos caros e considerados belos 
é, em geral, uma satisfação

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