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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS DO MAR PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS MARINHAS TROPICAIS JÚLIA NUNES RABELO CONCENTRAÇÃO DE MERCÚRIO TOTAL NAS RAIAS Hypanus americanus e Hypanus guttatus E AVALIAÇÃO DE RISCO PELO SEU CONSUMO FORTALEZA 2017 JÚLIA NUNES RABELO CONCENTRAÇÃO DE MERCÚRIO TOTAL NAS RAIAS Hypanus americanus e Hypanus guttatus E AVALIAÇÃO DE RISCO PELO SEU CONSUMO Documento de Qualificação apresentada ao curso de Mestrado em Ciências Marinhas Tropicais do Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Marinhas Tropicais. Área de concentração: Utilização e Manejo de Ecossistemas Marinhos e Estuarinos. Orientador: Prof. Dr. Luiz Drude de Lacerda Co-Orientador: Prof. Dr. Vicente Vieira Faria FORTALEZA 2017 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará Biblioteca Universitária Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a) R114c Rabelo, Júlia Nunes. Concentração de mercúrio total nas raias Hypanus americanus e Hyanus guttatus e avaliação de risco pelo seu consumo / Júlia Nunes Rabelo. – 2017. 61 f. : il. color. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Instituto de Ciências do Mar, Programa de Pós-Graduação em Ciências Marinhas Tropicais, Fortaleza, 2017. Orientação: Prof. Dr. Luiz Drude de Lacerda. Coorientação: Prof. Dr. Vicente Vieira Faria . 1. Contaminação . 2. Dasyatidae . 3. Consumo alimentar. 4. Mercúrio. I. Título. CDD 551.46 JÚLIA NUNES RABELO CONCENTRAÇÃO DE MERCÚRIO TOTAL NAS RAIAS Hypanus americanus e Hypanus guttatus E AVALIAÇÃO DE RISCO PELO SEU CONSUMO Documento de Qualificação apresentada ao curso de Mestrado em Ciências Marinhas Tropicais do Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Marinhas Tropicais. Área de concentração: Utilização e manejo de ecossistemas marinhos e estuarinos. BANCA EXAMINADORA ________________________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Drude de Lacerda (presidente) Universidade Federal do Ceará– UFC ________________________________________________________________ Prof. Dr. Luis Ernesto Arruda Bezerra (membro interno) Universidade Federal do Ceará– UFC ________________________________________________________________ Prof. Dr. Guelson Batista da Silva (membro externo) Universidade Federal Rural do Semiárido - UFERSA Dedico este trabalho à minha família; meus pais Gilberto e Ana Cristina e minha irmã Cecilia. Vocês são o início, o fim e o meio. AGRADECIMENTOS Inicialmente, agradeço a todos as forças Cósmicas e Divinas que nos acompanham, protegem e dão forças para continuar. Aos grandes professores, responsáveis por esse trabalho: Ao meu orientador Prof. Dr. Luiz Drude pela oportunidade imensurável de fazer parte do seu grupo de pesquisa, conhecimento, pela confiança e por ter me proporcionado um trabalho engrandecedor em todos os sentidos. Ao meu co-orientador Prof. Dr. Vicente Faria pelo incentivo frequente, direcionamento durante o mestrado, conselhos e refinamento no processo da redação científica. Ao Prof. Dr. Guelson Batista por todo auxílio durante o mestrado e por aceitar participar da banca examinadora deste trabalho. Ao Prof.ª. Luis Ernesto Arruda Bezerra pela disponibilidade e por aceitar participar da banca examinadora deste trabalho. A Prof.ª. Drª Rozane Marins, coordenadora do Laboratório de Biogeoquímica Costeira, por disponibilizar o espaço para realização da pesquisa e por todo auxílio e conhecimento adquirido. A minha família e amigos: Aos meus pais Gilberto e Ana Cristina por serem os responsáveis pela minha paixão pela ciência e pelo mar, por todo incentivo, pela formação, pela presença em todos os momentos, pelo amor e confiança. A minha irmã Cecilia e cunhado Gabriel por todos os momentos juntos, por todo amor e inspiração Ao Diego Lehder por ser abrigo e fonte restauradora de energia, por todos os sonhos compartilhados, pelo amor. A minha família de coração: Natalia Lemke, Camila Marques e Wanessa Rodrigues pela amizade pra vida toda. A todos que compõe O Casulo- escola de dança, pelos momentos marcantes que só a arte é capaz de proporcionar. Ao corpo técnico: Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), pela bolsa de fomento social. Ao INCT/MCTI, pelo apoio financeiro às análises realizadas. Ao Prof. Wanderley Rodrigues Bastos e ao Laboratório de Biogeoquímica Ambiental da Universidade de Rondônia – UNIR, pelas análises de metil-Hg. Ao Prof. Carlos Eduardo de Rezende e ao Laboratório de Ciências Ambientais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, pelas análises de isótopos estáveis. A todos os colegas do Laboratório de Biogeoquímica Costeira, profissionais por quem tenho grande admiração. Em especial ao Victor Lacerda e Ana Paula Benigno pela parceria e amizade desde o primeiro dia de pós-graduação. A todos os colegas do Laboratório de Evolução e Conservação de Vertebrados Marinhos (EVOLVE), por todo conhecimento compartilhado e apoio. A Isabela Abreu, secretária do PPGCMT por estar sempre disponível a tirar todas as dúvidas, pelo carinho e por toda ajuda. A todos os colegas, técnicos e professores do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR) por todos os momentos compartilhados. A todos do Departamento de Engenharia de Pesca da Universidade Federal do Ceará pela formação, convívio e pelos meus primeiros passos na vida acadêmica. A todos vocês, todo meu amor e gratidão! Que todos os seres sencientes possam se beneficiar. O MAR "Me deste a paisagem das águas litorâneas e as espumas se estendendo sobre a areia me mostraste a nudez e o encanto das praias solitárias a preamar e a vazante e o teu perfil de mastros e gaivotas me deste a magia do horizonte uma vela solta ao vento e um barco de papel para os meus sonhos mas nunca me mostraste a extensão azul dos teus domínios e nem um indício sequer dos teus enigmas." Manoel de Andrade RESUMO As duas espécies de raias de maior consumo humano no nordeste brasileiro são as raias-manteiga Hypanus americanus e Hypanus guttatus. Visto que estas duas espécies são predadoras generalistas de topo da cadeia alimentar, seu consumo (normalmente em forma de muqueca) pode causar contaminação por mercúrio (Hg). Diferentes hábitos alimentares podem causar variação da concentração de Hg nos organismos estudados, sendo necessário diferenciar, de forma consistente, estes hábitos. O método mais indicado para tal identificação é o uso de isótopos estáveis de Carbono (δC13) e Nitrogênio (δN15), uma vez que as razões isotópicas refletem a dieta assimilada pelo predador ao longo do seu ciclo vital. Diante disso, o presente estudo teve como objetivo determinar a concentração de mercúrio total (Hg-tot), metil mercúrio (metil-Hg) e os valores de δC13 e δN15 das espécies de raias estudadas. Exemplares das duas espécies foram coletadas durante desembarques pesqueiros entre março e julho de 2015 na praia do Icaraí, no município de Caucaia, Ceará. No total, foram obtidos 12 espécimes de H. americanus e 17 de H. guttatus. A determinação da concentração de Hg-tot foi realizada, inicialmente,através de digestão ácida de 0,5 g de músculo liofilizado de cada exemplar. Em seguida, procedeu-se a quantificação por espectrofotômetro de absorção atômica por geração de vapor frio (CV-AAS) no modelo NIC RA-3. Houve diferença significativa entre as duas espécies tanto no comprimento (U= 3,963, p= 0,0001), quanto na concentração de mercúrio total (U= 2,613, p= 0,0045). H. guttatus apresentou correlação positiva, significativa entre o tamanho dos indivíduos e a concentração de Hg, tornando possível estimar a concentração de Hg em indivíduos de tamanhos diferentes dos coletados neste estudo. H. americanus não apresentou este comportamento. As concentrações médias de δC13 e δN15 para as duas espécies, sugerem que ambas se alimentam de presas de nível trófico mais elevado a medida em que possuem comprimentos maiores. Para ambas as espécies, a porcentagem de Metil-Hg no músculo foi, em média, de 100% quando comparado ao Hg-tot. Apesar dos valores médios de concentração de Hg apresentarem-se baixos para ambas as raias, as duas espécies tiveram valores máximos de Hg acima do limite estabelecido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que é de 1.000 ng g-1, em peso úmido, para espécies predadoras. Em H. americanus esse valor foi de 1.197 ng g-1 e de 1.089 ng g-1 para H. guttatus. O valor de exposição diária média para as duas espécies não é susceptível de causar efeitos adversos para os consumidores. Porém os resultados desse estudo sugerem que os níveis de mercúrio total em raias utilizadas em pratos tradicionais podem apresentar risco, quanto maior for a frequência do seu consumo, não sendo incentivado seu consumo semanal para os dois grupos de consumidores: população em geral e grupo de risco. Palavras-chave: Contaminação, Dasyatidae, Consumo alimentar, Mercúrio ABSTRACT Two species rays of major human consumption in northeastern Brazil are Hypanus americanus and Hypanus guttatus. Since these two species are top predators, their consumption (usually in the form of fish stew) can cause mercury (Hg) contamination. Different feeding habits can cause variation of the Hg concentration in the studied species, and it is necessary to differentiate, in a consistent manner, these habits. The most indicated method for such identification is the use stable carbon and nitrogen isotopes, since the isotopic ratios reflect the diet assimilated by the predator over the life cicle. The present study aimed at determining the concentration of total mercury (Hg-tot), methyl-Hg and the values of δC13 and δN15 in two species of rays. Specimens were collected during fishing landings between March and July 2015 at Praia do Icaraí, in the municipality of Caucaia, Ceará. In total, 12 organisms of H. americanus and 17 H. guttatus were obtained. The determination of the Hg-tot concentration was initially performed by acid digestion of 0.5 g of lyophilized muscle tissue of each specimen and quantification through cold vapor atomic absorption spectrophotometry (CV-AAS) in the Model NIC RA-3 spectrophotometer. There was significant differences between the two species both in length (U = 3.963, p < 0.05), and in the concentration of total mercury (U = 2.613, p < 0.05). H. guttatus presented a significant positive correlation, between the size of individuals and the Hg concentration, making it possible to estimate the concentration of Hg in individuals of different sizes of those collected in this study. H. americanus did not present this behavior. The average concentrations of δC13 and δN15 for the two species, suggests that they both feed practically on the same food items. Therefore, they are in the same trophic position. For both species, the percentage of methyl-Hg in the muscle tissue was, on average, of 100% when compared to the Hg-tot. Although Hg's average concentration values are low for both rays, both species had maximum values of Hg above the limit established by the National Sanitary Surveillance Agency (ANVISA), which is 1,000 ng g-1, in wet weight, for predatory species. In H. americanus this value was 1,197 ng g-1 and 1,089 ng g-1 for H. guttatus. The average daily exposure for the two species is not likely to cause adverse effects to consumers. However, the results of this study suggest that the levels of total mercury in streaks used in traditional dishes may be at risk, the greater the frequency of their consumption,not being encouraged their weekly consumption for both groups of consumers: general population and risk group. Keywords: Contamination, Dasyatidae, Food consumption, Mercury LISTA DE FIGURAS Figura 1. Ciclo global do mercúrio. ............................................................................ 16 Figura 2. Indivíduos das espécies de raias Hypanus americanus e Hypanus guttatus. .................................................................................................................................. 23 Figura 3. Local de amostragem: praia do Icaraí, município de Caucaia, Ceará. ..... 288 Figura 4. Exemplares representativos das espécies de raias coletadas: Hypanus americanus: (a) região dorsal, (b) região ventral; Hypanus guttatus: (c) região dorsal, (d) região ventral. Exemplares coletadas durante desembarque pesqueiro na praia do Icaraí, Caucaia - CE. Fonte: Guelson Batista da Silva. ........................................ 29 Figura 5. Distribuição de classes de largura de disco das raias Hypanus americanus e H. guttatus amostrados em Caucaia, CE, de março a julho de 2015. .................... 30 Figura 6. Equações de frequência de consumo por semana e mês. ......................... 34 Figura 7. Box-plot da variação de concentração de Hg total das amostras coletadas de Hypanus americanus e H. guttatus....................................................................... 38 Figura 8. Box-plot da variação de tamanho dos indivíduos coletados de Hypanus americanus e H. guttatus........................................................................................... 38 Figura 9. Gráficos de regressão linear entre concentração de mercúrio total e largura do disco (LD) de ambas as espécies coletadas. ....................................................... 40 Figura 10. Relação entre os valores de δC13 e δN15 nas espécies Hypanus americanus e Hypanus guttatus. ............................................................................... 42 Figura 11. Gráfico de regressão linear entre a concentração de Hg total e δN15 de ambas as espécies de raias coletadas. ..................................................................... 43 Figura 12. Gráfico de regressão linear entre a concentração de Hg total e δC13 de ambas as espécies de raias coletadas. ..................................................................... 44 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Esquema global das principais fontes de exposição humana ao mercúrio e suas respectivas rotas de exposição. ........................................................................ 18 Tabela 2. Concentrações de Hg total nos materiais certificados DORM-2 e ERM-CE 278 K e suas respectivas recuperações. ................................................................... 32 Tabela 3. Concentração de mercúrio total em peso úmido e dados biométricos para os indivíduos da espécie de raia Hypanus americanus.. ........................................... 36 Tabela 4. Concentração de mercúrio total em peso úmido e dados biométricos para os indivíduos da espécie de raia Hypanus guttatus. ................................................. 37 Tabela 5. Concentração de Isótopos (δC13 e δN15) em amostras aleatórias de Hypanus americanus e Hypanus guttatus. ................................................................ 41 Tabela 6. Concentração de mercúriototal em peso úmido em indivíduos de raias Hypanus americanus e H. guttatus comparado com raias de outras localidades. .... 47 Tabela 7. Concentração de metil mercúrio (peso úmido) em amostras de Hypanus americanus e Hypanus guttatus. ............................................................................... 49 Tabela 8. Número de refeições das espécies amostradas para grupo geral (70kg) e grupo de risco, por semana e por mês. ..................................................................... 51 SUMÁRIO Resumo ....................................................................................................................... 8 Sumário ..................................................................................................................... 15 1 Introdução ......................................................................................................... 16 2 Hipótese científica ............................................................................................. 26 3 Objetivos ........................................................................................................... 27 3.1 Objetivo Geral ............................................................................................... 27 3.2 Objetivos Específicos ................................................................................... 27 4 Metodologia ...................................................................................................... 28 4.1 Amostragem ................................................................................................. 28 4.2 Quantificação de mercúrio total .................................................................... 30 4.3 Curva de calibração e validação de método ................................................. 31 4.4 Quantificação mercúrio orgânico .................................................................. 32 4.5 Isótopos Estáveis .......................................................................................... 33 4.6 Cálculo de exposição humana ...................................................................... 33 4.7 Análise estatística ......................................................................................... 35 5 Resultados e discussões .................................................................................. 36 5.1 Dose e limite de segurança de exposição humana ao Hg ............................ 47 6 Considerações finais ......................................................................................... 54 7 Referências bibliográficas. ................................................................................ 55 16 1 INTRODUÇÃO A contaminação das zonas costeiras tem sido uma questão frequentemente investigada em estudos ambientais. Dentre as principais fontes de contaminação estão os metais traço, com especial destaque ao mercúrio (Hg) (LACERDA; MALM, 2008). O mercúrio é o único metal em estado líquido à temperatura ambiente e apresenta-se em diferentes formas químicas. As mais representativas são: as espécies inorgânicas, tais como o mercúrio elementar (Hg0), íon mercúrico (Hg2+) e íon mercuroso (Hg22+); além das orgânicas, como metilmercúrio (CH3Hg+) e dimetilmercúrio [(CH3)2Hg]. A especiação do mercúrio em ambientes aquáticos é influenciada por interações com a biota e complexos orgânicos e inorgânicos presentes na coluna d’água e sedimentos (MIRANDA et al., 2007). O ciclo do mercúrio engloba todos os compartimentos ambientais. A grande quantidade emitida pelas atividades humanas durante o último século ainda é, em diversas situações, sujeita à remobilização através de processos antrópicos e naturais e através de variações climáticas globais e mudanças no uso do solo (Figura 1) (LACERDA; MALM, 2008). Figura 1. Ciclo global do mercúrio. Fonte: adaptado de Mason; Fitzgerald; Morel, (1994). 17 Embora variáveis, as diferentes estimativas de emissões de Hg para a atmosfera global sugerem um total de aproximadamente 6.000 t ano-1; cerca de 2.000 t ano-1 correspondentes à volatilização natural do Hg presente nos oceanos, aproximadamente 1.000 t ano-1 correspondentes à reemissão de superfícies terrestres e 3.000 t ano-1 às emissões antrópicas. Dentre as principais fontes antrópicas encontram-se as indústrias química e eletroeletrônica, além da queima de combustíveis fósseis (LACERDA; SANTOS; MARINS, 2007). Na atmosfera, aproximadamente 95% do mercúrio total encontra-se no estado elementar, uma vez que o Hg0 é lentamente oxidado para o mercúrio inorgânico (Hg2+). O ozônio é provavelmente o principal oxidante neste processo, juntamente com HClO, HSO3- e OH. O carreamento do Hg da atmosfera para a superfície da Terra ocorre principalmente através da deposição seca e úmida. O tempo de residência do Hg0 na atmosfera é da ordem de anos, o suficiente para que possa ser distribuído sobre o planeta antes de retornar à terra, lagos, mar, e ao gelo. O Hg inorgânico pode ocorrer em águas naturais na forma oxidada (Hg+2) ou combinado com outros elementos como cloro (HgCl2) ou enxofre (HgS). (MOREL; KRAEPIEL; AMYOT, 1998). Apesar da considerável redução das fontes pontuais e da implementação de uma legislação ambiental mais rígida, as fontes difusas ainda necessitam de controle e adequação ao desenvolvimento sustentável da região costeira brasileira (MARINS et al., 2004). Dessa forma, a estimativa do risco ambiental ao Hg requer uma compreensão das vias de exposição aos diferentes níveis tróficos do ecossistema e aos seres humanos (BAEYENS et al., 2003). É necessário, além de determinar quanto de Hg está presente no meio ambiente, também quantificar as formas reativas do Hg e suas biodisponibilidades (CHRISTENSEN, 1995). Assim, cada estado de oxidação e espécie química tem características toxicocinéticas próprias, além de seus respectivos efeitos na saúde (tabela 1). 18 Tabela 1. Esquema global das principais fontes de exposição humana ao mercúrio e suas respectivas rotas de exposição. Mercúrio Fontes Rotas de exposição Eliminação Toxicidade Hg0 Mineração artesanal de ouro; Amálgamas dentárias; Crematórios; Termômetros; Remédios populares; Vulcões; Combustão; Incineração de resíduos; Habitação em antigos rejeitos Inalação Urina e fezes Sistema Nervoso Central (SNC) Rim Pulmões Pele (acrodinia em crianças) Hg2+ Alimentos cultivados em locais contaminados; Tiomersal; Cosméticos; Medicina popular; Lâmpadas; Fotografia; Desinfetantes Ingestão; Absorção dermal Urina SNC Rim Trato Gastrointestinal Pele (acrodinia em crianças MeHg Peixes Conservantes Fungicidas Ingestão; Parental; Transplacentário Fezes SNC Cardiovascular Fonte: Adaptado de Bose-O’Reilly et al., (2010) O vapor de Hg é considerado perigoso, pois é facilmente absorvido nos pulmões. Além disso, quando dissolvido na corrente sanguínea, difunde-se para todos os tecidos do corpo. Sua alta mobilidade deve-se ao fato de ser um gás leve monoatômico e lipossolúvel (GOYER; CLARKSON, 1996). Os níveis de Hg no sangue e na urina são indicadores de exposição recente. Avaliados de forma gradativa, esses indicadores são utilizados para monitoramento 19 biológico após exposição ocupacional ao vapor de Hg e de compostos inorgânicos de Hg (KAZANTZIS, 2002). Assim, os seres humanos são, principalmente, expostos ao Hg0 através da inalação. Porém, com poucas exceções, as populações em geral têm uma exposição muito baixa ao mercúrio elementar, sendo estas, frequentemente, relacionadas a usos deliberados, como práticas ocupacionais, tratamentos dentários e usos folclóricos/culturais. Para a maioria das pessoas, o maior risco de contaminação está relacionado ao Hgorgânico, principalmente representado pelo metilmercúrio, cuja exposição mais significativa ocorre através do consumo de pescado (GOCHFELD, 2003). O metilmercúrio (CH3Hg+), também abreviado como metil-Hg, é a forma orgânica mais importante do ponto de vista da exposição humana (GOYER; CLARKSON, 1996). Dentro das células, o Hg pode se ligar a uma variedade de sistemas enzimáticos, incluindo os de microssomas e mitocôndrias, produzindo lesões celulares não específicas ou morte celular. O Hg possui uma afinidade particular com sítios de ligação contendo grupos sulfídricos. Nas células do fígado, o metilmercúrio forma complexos solúveis de glutationa, que são secretados na bílis e reabsorvidos do trato gastrointestinal. Também ao formar o complexo metilmercúrio-cisteína, o mesmo acessa as células endoteliais da barreira hemato-encefálica, atingindo o sistema nervoso (GOYER; CLARKSON, 1996). Um amplo espectro de efeitos adversos tem sido observado devido à exposição ao Hg, geralmente variando em função da dose de exposição ao metil-Hg. Os desastres ocorridos em Minamata no Japão e no Iraque, por exemplo, causaram exposições altas nas populações locais, resultando em mortes e danos neurológicos devastadores. Os bebês expostos in utero ao metil-Hg durante esses episódios nasceram com deficiência severas, tais como: retardo mental, convulsões, paralisia cerebral, cegueira e surdez (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 2000). Mesmo em baixas concentrações, a exposição ao Hg pode causar sintomas neurológicos e psicológicos. Estes incluem tremores, alterações na 20 personalidade, agitação, ansiedade, distúrbios do sono, perda de memória, demência, déficit de atenção, depressão e comprometimento da audição e da visão. Ao contrário das formas inorgânicas, o Hg orgânico pode causar efeitos irreversíveis e, em doses elevadas, pode levar à morte (JÄRUP, 2003; ZAHIR et al., 2005). O consenso geral é a de que a exposição ao Hg, nas suas várias formas, deve ser, de maneira geral, minimizada. O principal foco de preocupação com a exposição ambiental de metil-Hg, ainda que em baixo nível, permanece no seu potencial para causar comprometimento neurológico do desenvolvimento das crianças ainda no útero ou em fase de amamentação (HOLMES; JAMES; LEVY, 2009). Acredita-se que o risco da transferência de metil-Hg é particularmente mais elevado durante a gestação, diminuindo durante a lactação (SAKAMOTO et al., 2002). O Hg orgânico é convertido do inorgânico em compostos mais estáveis e é bioacumulativo. Assim, a transferência trófica do Hg ao longo da cadeia alimentar é, reconhecidamente, um importante processo de incorporação, bioacumulação e biomagnificação desse elemento-traço por animais aquáticos (KEHRIG et al., 2009). A bioacumulação de mercúrio ocorre dentro de um mesmo nível trófico devido à assimilação do Hg presente em alimentos e no ambiente circundante. Nos ecossistemas aquáticos, bactérias sulfato redutoras convertem Hg inorgânico em metil-Hg, que é facilmente assimilado por organismos. Os organismos na base da teia alimentar, tais como o fitoplâncton, concentram metil-Hg e Hg inorgânico diretamente da água, carreando essas espécies para os níveis mais altos de consumidores. Nota-se que as teias alimentares aquáticas tendem a ter mais níveis tróficos do que redes terrestres e, portanto, atingindo concentrações mais elevadas de metil-Hg (SCHNEIDER et al., 2013). O primeiro surto bem documentado de intoxicação aguda com metil-Hg por consumo de peixe contaminado ocorreu em 1953 em Minamata, no Japão. O metil-Hg foi lançado em águas residuais, como subproduto de uma indústria de fertilizante local. Como a pesca nessa região do Mar de Shiranui nunca foi restrita, as pessoas que viviam em áreas costeiras foram expostas ao metil-Hg 21 por ingestão de peixe contaminado, por quase 20 anos. Foram observadas perturbações graves no desenvolvimento mental e motor em todos os casos de intoxicação fetal por metil-Hg. Já nos casos adultos, os casos mais graves apresentaram mutismo acinético (EKINO et al., 2007). Uma vez que a principal via de exposição humana ao metil-Hg ocorre através do consumo de peixes e derivados, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), determinou através da portaria nª 685, de 27 de Agosto de 1998, os níveis máximos permitidos de mercúrio total (Hg-tot) em pescado (BRASIL, 1998). Esta portaria estabelece que os valores para peixes não predadores e predadores são de 500 e 1.000 ng.g-1, em peso úmido, respectivamente. Internacionalmente, a Organização Mundial de Saúde - OMS (Word Health Organization - WHO) considera que a única faixa considerada segura seria apenas a de 500 ng.g-1 (WHO, 2008). Espécies de peixes predadores, de grande porte e de longa vida, tendem a acumular mais metil-Hg do que espécies não predadoras ou de curto período de vida (RENZONI, ZINO; FRANCHI, 1998). Assim, o consumo de elasmobrânquios, como tubarões e raias, representam uma das principais vias de exposição humana ao Hg. Entretanto, embora existam numerosos estudos sobre a biologia e ecologia alimentar de elasmobrânquios na costa do Brasil, principalmente focando as espécies de raias, inclusive com um aumento significativo de trabalhos na última década, acompanhando uma tendência mundial (AGUIAR; VALENTIN, 2010), poucos são aqueles que quantificam a concentração de Hg nessas raias. Esta situação ressalta a importância de estudos voltados ao estudo da distribuição de Hg nesse grupo de elasmobrânquios. Os poucos estudos envolvendo raias das ordens Myliobatiformes, Rhinobatidae, Rajidae e Dasyatidae, entretanto, encontraram concentrações de Hg consideradas altas no músculo de juvenis e adultos das espécies estudadas (GUTIERREZ-MEJIA; LARES; SOSA-NISHIZAKI, 2009; RUELAS-INZUNZA et al., 2013; HORVAT; DEGENEK; LIPEJ, 2014). Gutierrez-Mejia; Lares; Sosa-Nishizaki (2009) e Ruelas-Inzunza et al. (2013) reportaram concentrações de Hg em raias coletadas no Golfo da 22 Califórnia, no México, enquanto que Horvat; Degenek; Lipej (2014), quantificaram as concentrações de Hg em raias coletadas no Golfo de Trieste, uma baía do Mar Adriático, no extremo norte do Mar Mediterrâneo. Em todos esses estudos as concentrações de Hg mensuradas foram diretamente proporcionais ao tamanho dos indivíduos coletados e as concentrações medidas em espécies de Dasyatidae apresentaram valores acima de 1.000 ng.g-1 em peso seco, fundamentando assim, a necessidade de ênfase nessas espécies. O conhecimento atual sobre a fauna de elasmobrânquios do Ceará ainda é incipiente, se considerada a extensão da costa e a importância desse grupo como elemento de destaque no sistema trófico dos ambientes marinhos, sobretudo tropicais e subtropicais. Na costa do Estado de Ceará foram registrados 8 ordens, 21 famílias, 27 gêneros e 42 espécies de elasmobrânquios. Tubarões estão representados por quatro ordens (50% das ordens de Elasmobranchii do Ceará), 12 famílias (57,1%), 17 gêneros (62,9%) e 30 espécies (71,4%). As raias compreendem quatro ordens (50%), nove famílias (42,9%), 10 gêneros (37,1%) e 12 espécies (28,6%) (GADIG et al., 2000). Dentre as espécies de raias encontradas, a família Dasyatidae destaca- se como importante recurso da pesca artesanal local, principalmente as espécies Hypanus americanus e Hypanus guttatus (Figura 2). Ambas são consideradas espécie-alvo na pesca com linha de mão. Ainda, H. guttatus é bastante capturada como fauna acompanhante na pesca com rede de espera (SILVA; BASÍLIO; NASCIMENTO, 2007). 23 Figura 2. Indivíduos das espécies de raias Hypanus americanus e Hypanus guttatus. Fonte: (FISHBASE, 2016) É importante ressaltar que algumas espécies de peixes cartilaginosos tiveram suas nomenclaturas alteradas durante o projeto ChondrichthyanTree of Life, financiado pela US National Science Foundation. Seus objetivos principais incluíam produzir um inventário taxonomicamente robusto da fauna e reavaliar a classificação destes peixes usando técnicas morfológicas e moleculares. Assim, Dasyatis foi subdividida em seis gêneros: Bathytoshia, Dasyatis, Hemitrygon, Megatrygon, Telatrygon e Hypanus. Logo as espécies antes conhecidas como Dasyatis americana e Dasyatis guttata, passam a ser denominadas de Hypanus americanus e Hypanus guttatus, respectivamente (LAST et al., 2016). A espécie Hypanus americanus encontra-se desde Nova Jersey nos Estados Unidos até o Brasil, ocorrendo em quase toda a costa brasileira e também no Arquipélago de Fernando de Noronha. Enquanto isso, Hypanus gutattus é encontrada desde o México e das Índias Ocidentais ao sul do Brasil (MENNI; STEHMANN, 2000). Hypanus guttatus diferencia-se das outras espécies do gênero pela forma típica da ponta do focinho, a qual é projetada para fora do contorno anterior do disco cerca de 1,4 vezes o tamanho do espaço interorbital. H. americanus se diferencia das outras espécies similares pela forma rombóide da parte anterior do disco e também pela posição de seu espinho sobre a cauda (BIGELOW; SCHROEDER, 1953 apud SILVA, 2005). Ambas as espécies são classificadas quanto ao desenvolvimento embrionário como vivíparos aplacentários com fertilização interna, o que requer o contato íntimo entre os sexos por meio de um órgão copulador, os cláspers. 24 O embrião é nutrido pelas reservas vitelínicas e, em seguida, por uma substância chamada de leite uterino proveniente do trofonemata. Porém, o desenvolvimento gonadal pode não ser um critério consistente o bastante para definir o início da maturidade sexual, pois as maturidades funcional e fisiológica reprodutivas nem sempre coincidem (WOURMS, 1977; SILVA et al., 2007). No caso das raias, estima-se o tamanho individual médio da primeira maturidade sexual através da largura do disco (LD). Assim o tamanho de primeira maturação sexual para H. americanus é de 60-70 cm de LD para machos e 80-90 cm para fêmeas. Já a capacidade fisiológica de reprodução para H. guttatus é atingida nas classes de 60-70 cm de LD para fêmeas e 50- 60 cm LD para machos (SILVA et al., 2007). Em cativeiro, observou-se que H. americanus gera de três a cinco neonatos, que dura em torno de 175,4 dias de cerca de 20 cm de LD por gestação e 500 g. O tamanho e peso médio destes neonatos foram de 23,8 ± 0,2 cm de LD e 505,9 ± 10,7 g, respectivamente (HENNINGSEN, 2000). A presença de uma variedade de itens alimentares pertencentes a diferentes grupos animais sugere que as raias Hipanus americanus e H. gutattus sejam predadores oportunistas, capturando as presas que estão mais disponíveis e abundantes em seu habitat (SILVA; VIANA; FURTADO-NETO, 2001). Dessa forma, ambas podem apresentar altas concentrações de Hg. Diferentes hábitos alimentares entre espécies, assim como flutuações sazonais dos seus estados fisiológicos são fatores responsáveis por uma parte estatisticamente significativa da variação da concentração de Hg nos organismos estudados (SVOBODOVA et al., 1999). Dessa forma, é importante caracterizar os itens alimentares dos organismos estudados, assim como o tempo de exposição do animal ao Hg (KASPER et al., 2007) A análise de fezes de animais vivos e, principalmente, do conteúdo estomacal de indivíduos mortos são os método mais tradicionais nos estudos sobre a variedade alimentar de uma espécie. Outra opção relativamente recente é através do uso de isótopos estáveis, átomos de um determinado elemento que possuem o mesmo número de prótons, mas diferem quanto ao número de massa. Os isótopos mais utilizados nesses estudos são o carbono 25 (δ13C) e o nitrogênio (δ15N). A principal vantagem do método é que as razões isotópicas refletem a dieta efetivamente assimilada pelo predador ao longo do ciclo vital (BISI; LAILSON-BRITO; MALM, 2012). Assim, assume-se que as assinaturas isotópicas dos tecidos de um consumidor estão em equilíbrio com a assinatura isotópica de sua dieta (BOECKLEN et al., 2011). Dada a importância das raias na alimentação humana no litoral do Ceará e de serem capazes de acumular concentrações elevadas de Hg, o presente estudo teve como objetivo determinar a concentração de Hg-tot, metil-Hg e isótopos estáveis de carbono (δ13C) e de nitrogênio (δ15N) nas raias Hypanus americanus e H. guttatus capturadas na costa oeste do estado do Ceará, inferindo se as mesmas representam algum risco de contaminação humana através de seu consumo. 26 2 HIPÓTESE CIENTÍFICA Por serem organismos predadores e generalistas de topo de cadeia, a concentração de Hg total na musculatura das raias Hypanus americana e H. guttatus encontra-se acima do permitido pela legislação para consumo humano e dessa forma, apresentam risco toxicológico às populações consumidoras desses peixes. 27 3 OBJETIVOS 3.1 Objetivo Geral - Avaliar o risco de contaminação por Hg nos consumidores de pratos à base de raias do gênero Hypanus. 3.2 Objetivos Específicos - Quantificar as concentrações de Hg-tot e metil-Hg na musculatura das raias Hypanus americanus e Hypanus guttatus; - Quantificar as concentrações de isótopos estáveis de Carbono (δC13) e Nitrogênio (δN15) nas espécies estudadas. - Inferir sobre o efeito da dieta das raias nas concentrações de Hg e metil-Hg. - Quantificar a ingestão de Hg pela população consumidora através da ingestão das espécies de raias estudadas. 28 4 METODOLOGIA 4.1 Amostragem A amostragem de exemplares das raias Hypanus americanus e H. guttatus foram realizadas na praia do Icaraí, no município de Caucaia, litoral oeste do Ceará (Figura 3). O período de amostragens ocorreu entre os meses de março a julho de 2015. Figura 3. Local de amostragem: praia do Icaraí, município de Caucaia, Ceará. Os exemplares de ambas as espécies foram adquiridos durante desembarques de pesca artesanal que operava com rede de espera e espinhel de fundo. As redes de espera utilizadas foram de nylon monofilamento apresentando 10 cm de malha e 50 m de comprimento. Já o espinhel era constituído de corda de polietileno de 8 mm de diâmetro na linha principal, nylon monofilamenar de 1,8 mm de diâmetro na linha secundária e 15 anzóis. O polvo foi utilizado como a isca principal. No entanto, também foram utilizados como isca os peixes boca mole (Larimus breviceps), solha (Solea solea) e 29 pescadinha (Macrodon ancylodon). No total, foram obtidos 12 espécimes de H. americanus e 17 de H. guttatus (Figura 4). Figura 4. Exemplares representativos das espécies de raias coletadas: Hypanus americanus: (a) região dorsal, (b) região ventral; Hypanus guttatus: (c) região dorsal, (d) região ventral. Exemplares coletadas durante desembarque pesqueiro na praia do Icaraí, Caucaia - CE. Fonte: Guelson Batista da Silva. A largura do disco (LD) dos indivíduos de H. americanus teve valor médio de 70,7 ± 14 cm. Indivíduos dessa espécie amostrados possuíam, principalmente, LD variando entre 60 e 80 cm (Figura 6). Quanto a H. guttatus, o valor médio do LD foi de 34,3 ± 17,8 cm. Esta espécie teve sua variação no LD relativamente bem distribuída, com uma leve concentração de indivíduos na classe de 10-20 cm de comprimento (Figura 5). 30 Figura 5. Distribuição de classes de largura de disco das raias Hypanus americanus e H. guttatus amostrados em Caucaia, CE, de março a julho de 2015. Os exemplares obtidos foram acondicionados em gelo e transportados em caixas térmicas resfriadas ao laboratório. Após realizada a biometria, uma amostra de tecido muscular de cada exemplar foi retirada e congelada. Posteriormente,as amostras foram seccionadas em subamostras de aproximadamente 20 g e novamente congeladas. As amostras foram então submetidas a liofilização durante cinco dias. Isto foi feito com o intuito de desidratar as amostras. Concluído o período de liofilização, cada amostra teve o seu peso (g) registrado. Com isto, pôde-se obter o teor de umidade. O teor de umidade é necessário para o cálculo das concentrações finais de Hg em peso úmido. O material seco (liofilizado) foi, então, macerado. Para isto, utilizou-se cadinho e pistilo de porcelana. O material já na forma de pó e homogeneizado foi então acondicionado em frascos de vidro. Este tipo de frasco foi escolhido por evitar umidade. 4.2 Quantificação de mercúrio total A determinação da concentração de Hg total nos tecidos seguiu a metodologia proposta por Adair e Cobb (1999). A pré-digestão ácida foi realizada utilizando-se 0,5 g de músculo liofilizado de amostras duplicadas em tubos de teflon e adicionando-se 10 mL de ácido nítrico (HNO3 65%). Após 1 hora, a digestão foi realizada a 200 ºC e por 30 minutos, utilizando-se um forno 31 de microondas MARS XPRESS, com potência de 800 Watts. Em seguida, para impedir a recomplexação do Hg com a matéria orgânica, 1 mL de peróxido de hidrogênio (H2O2) foi adicionado a cada tubo. Posteriormente, o extrato correspondente foi transferido para balão volumétrico de 100 mL, aferido com água destilada. Os teores de Hg-tot foram obtidos através da técnica de espectrometria de absorção atômica com geração de vapor a frio (CV-AAS), em um espectrofotômetro modelo NIC RA-3 da NIPON. O volume de 5 mL do extrato foi transferido ao tubo de ensaio conectado ao borbulhador do equipamento, com leitura realizada a 253,7 nm. O limite de detecção médio foi de 0,068 ng.g-1, obtido pela média dos resultados do triplo do desvio padrão de sete leituras dos brancos, multiplicado pelo fator específico determinado pela distribuição t de Student (3,14, gl 6) (EPA, 2000). Os resultados, obtidos em peso seco, foram convertidos em peso úmido. Para esta conversão foi utilizada a seguinte fórmula: [Hg] em peso úmido = [Hg] em peso seco * (100 - % umidade) / 100 Os valores em peso úmido foram então comparados ao valor máximo permitido estabelecido pela Agência Nacional de Saúde (ANVISA). 4.3 Curva de calibração e validação de método Uma curva de calibração foi utilizada para determinar a concentração das amostras a partir da solução padrão 1.000 mg L-1 de mercúrio da Merck®. Após sucessivas diluições em balões volumétricos de 100 mL, obteve-se a solução final de 5 ng mL-1. Uma nova curva de calibração foi feita para cada dia de análise, com pontos entre 0 e 25 ng de mercúrio e coeficiente de determinação (r²) médio de 0,9996. Os materiais certificados de referência utilizados foram de tecido muscular de tubarão Squalus sp. (dogfish) (DORM-2) e tecido de mexilhão 32 (ERM-CE 278 K), ambos liofilizados. Os padrões apresentaram valores de recuperação média acima de 70% (Tabela 2). Tabela 2. Concentrações de Hg total nos materiais certificados DORM-2 e ERM-CE 278 K e suas respectivas recuperações. Material certificado de referência Valor certificado (ng.g-1) Valor médio obtido (ng.g-1) Recuperação média (%) DORM-2 4460 3380 ± 225 74,22 ± 3,42 ERM-CE 278 K 71 64 ± 5 89,75 ± 7,12 4.4 Quantificação mercúrio orgânico A quantificação do metil-Hg foi realizada em onze amostras de ambas as espécies aleatoriamente selecionadas. A digestão destas amostras ocorreu em solução alcalina de 25% KOH/metanol com grau de HPLC, com adição de água Milli-Q. Após este procedimento, 30 µl da amostra foram transferidos para frasco âmbar, aos quais foram acrescidos 200 mL de solução tampão (NaC2H3O2 2M) para ajustar o pH a 4,9 e, em seguida, aferida novamente com água Milli-Q para o volume de 40 mL. Posteriormente, foi etilada com 50 µl de NaBEt4. O Metil-Hg foi quantificado utilizando-se cromatografia gasosa com detecção por espectrometria de fluorescência atômica ou GC-AFS (MERX™ Automated Metil Mercúrio Sistema Analítico, Brooks Rand) (BLOOM; FITZGERALD, 1988; LIANG; HORVAT, BLOOM, 1994). Os resultados foram expressos em peso úmido. 33 4.5 Isótopos Estáveis Considerando que a alimentação é a principal via de acumulação de Hg, foram também realizadas análises de isótopos estáveis para ambas as espécies. Mais precisamente, foram realizadas duas análises. Uma delas foi a de Carbono 13 (δ13C), para identificação da variedade alimentar. A outra foi a de Nitrogênio 15 (δ15N), para identificação da posição trófica. As mesmas amostras escolhidas anteriormente para análise de metil-Hg foram também utilizadas nas análises de isótopos estáveis. As análises isotópicas das amostras de tecido seco (0,5 mg) foram completadas num espectrômetro de massa ThermoQuest Finnigan Delta Plus (Finnigan MAT) acoplado a um analisador elementar. Os valores de referência para δ15N foi nitrogênio atmosférico. Já para o δ13C, o valor de referência foi o Pee Dee Belemnite (PDB). Os resultados foram expressos em partes por mil (‰). A precisão analítica foi de ± 0,3 ‰ para δ15N. Já para δ13C, a precisão foi de ± 0,2 ‰. A precisão analítica foi determinada por triplicatas para cada cinco amostras. A precisão para a composição elementar e isotópica foi determinada por um padrão certificado (Proteína OAS / Isotopo Cert 114859). 4.6 Cálculo de exposição humana Para avaliar o risco para a saúde associado à ingestão das raias utilizamos a equação (1) (NEWMAN, UNGER, 2002; LACERDA et al., 2016). I. HQ = E / RfD Onde HQ é o coeficiente de risco, E é o nível de exposição ou ingestão de Hg e RfD é a dose de referência para Hg (Hg = 0,47 μg / kg de peso corporal / dia). O nível de exposição (E) é calculado usando a equação (2) II. E = C * I / W 34 Onde C é a concentração de Hg (μg.g-1 de peso úmido); I é a taxa de ingestão per capita (35,6 g dia 1, utilizada em Sartori; Amancio (2012) e W é o peso médio de um adulto (70 kg). Na HQ menor que 1, o nível de exposição é menor do que a dose de referência; O que significa que a exposição diária a este nível não é susceptível de causar efeitos adversos para os consumidores. Foi estimada também a dose a qual a população estaria eventualmente exposta pelo consumo dessas espécies. Para isto, foram considerados os seguintes valores: (1) concentrações de Hg orgânico das amostras; e (2) consumo médio de pescado pela população em uma refeição. Tal porção será padronizada em 250 g, valor utilizado no trabalho de Vieira et al., (2015), assim como a fórmula adaptada apresentada na figura 6. Figura 6. Equações de frequência de consumo por semana e mês. Os consumidores foram subdivididos em dois grupos. O primeiro representando a população em geral. Já o segundo representou os grupos de risco (grávidas, lactantes e crianças). A ingestão diária máxima aceitável (RfD) de MeHg nesses grupos é de 100 e 50 ng diários para cada kg de peso corpóreo, respectivamente (EPA, 1997). 35 4.7 Análise estatística O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para averiguar se os dados de concentração de Hg obtidos possuíam distribuição normal. Como em ambas as espécies as concentrações de Hg não apresentaram distribuição normal, foi empregado o teste não paramétrico do coeficiente de correlação de Spearman para correlação entre a largura do disco e a concentração de Hg. Isto foi feito para se testar se houve bioacumulação de Hg nos tecidos musculares. Em seguida, para testar se as duas espécies diferiam quanto as concentrações de me Hg aplicou-se o teste de Man Whitney. Os testes estatísticos foram realizados utilizando-se o programa PAST. Já para a elaboração dos gráficos de frequência, regressãoe box plot, foi utilizado o software Excel. 36 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES Para obtenção das concentrações de Hg em peso úmido, necessária para comparar aos limites exigidos pela ANVISA, foi necessário converter as concentrações de Hg-tot de peso seco para peso úmido. Os teores médios de umidade de tecido muscular para Hypanus americanus e H. guttatus foram de 76,57 e 76,46 %, respectivamente. Todas as amostras de ambas as raias Hypanus americanus e H. guttatus apresentaram concentração de Hg acima do limite de detecção do método. Para H. americanus a concentração de mercúrio total variou de 185 ± 8 à 1.198 ± 141 ng.g-1 em peso úmido (Tabela 3). Por sua vez, H. guttatus variou de 0,4 ± 0,3 à 1.089 ± 52 ng.g-1 em peso úmido (Tabela 4). Tabela 3. Concentração de mercúrio total em peso úmido e dados biométricos para os indivíduos da espécie de raia Hypanus americanus.. Hypanus americanus Amostras Conc. Hg total DesvPad Sexo LD (cm) Peso (kg) (ng.g-1) peso úmido RDA01 910 47 m 75 10 RDA02 200 13 m 69 10 RDA03 836 36 m 75 12 RDA04 397 35 m 72 10 RDA05 295 14 m 74 10 RDA06 1.198 141 m 70 10 RDA07 203 21 f 91 22,5 RDA08 249 14 m 70 12 RDA09 305 14 m 75 8,8 RDA10 270 20 m 74 10 RDA11 233 5 m 73 10 RDA12 185 8 m 30 0,7 37 Tabela 4. Concentração de mercúrio total em peso úmido e dados biométricos para os indivíduos da espécie de raia Hypanus guttatus. Hypanus guttatus Amostras Conc. Hg total (ng.g-1) peso úmido DesvPad Sexo LD (cm) Peso (kg) RDG01 1.089 52 f 72 11, RDG02 237 141 m 54 6 RDG03 37 2 NR 19 0,15 RDG04 951 67 m 54 6 RDG05 90 5 f 37 1,5 RDG06 0,4 0,3 f 18 0,14 RDG07 11 1 NR 18 0,15 RDG08 12 1 f 10 0,11 RDG09 1 0,2 f 17 0,15 RDG10 17 3 NR 46 0,19 RDG11 56 2 f 33 1 RDG12 15 2 NR 25 0,38 RDG13 39 1 NR 20 0,21 RDG14 56 2 m 17 0,13 RDG15 766 16 m 46 2,6 RDG16 103 4 m 42 2,3 RDG17 644 31 m 52 4,5 *NR = Não registrado. Utilizando o teste de Shapiro-Wilk (W) foi observado que as espécies H. americanus e H. guttatus não apresentam distribuição normal (p < 0,05) do comprimento e das concentrações de Hg. Em seguida, com o teste não paramétrico de Mann Whitney (U), observou-se que houve diferença significativa na concentração de Hg total entre as espécies (U= 2,546, p= 0,011), onde H. americanus teve maior variação média no teor de mercúrio total em peso úmido, em comparação com Hypanus gutattus, representado na figura 7. 38 Figura 7. Box-plot da variação de concentração de Hg total das amostras coletadas de Hypanus americanus e H. guttatus.. As amostras obtidas de Hypanus americanus apresentaram apenas uma fêmea, enquanto H. guttatus não obteve definição de sexo em variadas amostras. Dessa forma, a largura do disco tornou-se a variável mais significativa para ser relacionada a variação de concentração de Hg-tot (Figura 8). Figura 8. Box-plot da variação de tamanho dos indivíduos coletados de Hypanus americanus e H. guttatus. 39 O box-plot da variação de comprimento das raias corrobora para demonstrar que o número amostral de H. americanus compreendeu uma faixa de comprimento mais limitada do que H. guttatus, apresentando diferença significativa (U= 3,963, p= 0,0001). A maior amplitude amostral de Hypanus guttatus torna essa espécie melhor representada quando comparada à H. americanus, pois apresenta indivíduos jovens e adultos. Assim, como a amostragem, para as duas espécies de Hypanus, apresentou frequência de tamanho variado, a mediana das concentrações de Hg torna-se mais representativa do que a média. Sendo assim, a mediana obtida para H. americanus é até 4 vezes maior que a mediana calculada para H. guttatus, em peso úmido, e foram respectivamente de 283 ± 17 e 56 ± 2 ng.g-1. Este resultado pode refletir o tamanho maior (aproximadamente duas vezes maior) de H. americanus em relação a H. guttatus. Após tais verificações, a quantificação de Hg-tot para cada espécie foi relacionada com a largura do disco dos indivíduos. Através do gráfico da figura 9, observa-se que ambas as espécies apresentaram bioacumulação, com os indivíduos maiores apresentando concentrações mais elevadas de Hg, porém a regressão linear para H. americanus não foi significativa (p= 0.6756), enquanto H. guttatus apresentou resultado de p < 0,05 (p = 0.0003). Assim, o aumento da concentração de Hg no tecido muscular de H. guttatus aumentará, em taxas constantes, com o aumento do tamanho do indivíduo 40 Figura 9. Gráficos de regressão linear entre concentração de mercúrio total e largura do disco (LD) de ambas as espécies coletadas. O valor de r próximo a zero para Hypanus americanus sugere a não existência de correlação linear entre as variáveis, provavelmente devido ao grande número de indivíduos na mesma classe de tamanho, entre 70 e 80 cm de LD. Outro fator poderia ser uma possível mudança na dieta alimentar entre os juvenis e adultos. Bezerra et al., (2012), discutem essas hipóteses de alterações na concentração de Hg em tecidos da espécie de tartaruga marinha Chelonia mydas coletados no litoral do Estado do Ceará. A figura 9 sugere, alternativamente, a existência de dois grupos de concentrações de Hg nos dois diferentes grupos de tamanhos de H. guttatus, indivíduos menores, com LD < 50 cm, apresentam concentrações bem mais baixas de Hg total (< 100 ng.g-1); enquanto que para Hypanus americanus, as concentrações distribuem-se em apenas um grupo nos indivíduos de LD sempre maiores que 70 cm. Da mesma forma que o padrão encontrado na tartaruga C. mydas, este padrão sugere fortemente alteração na dieta alimentar entre indivíduos jovens e adultos em H. guttatus, . 41 Dessa forma, as concentrações de Hg nos peixes podem variar de acordo com fatores bióticos e abióticos. Portanto, o hábito alimentar, o estágio de vida, o tamanho e sexo são importantes para o entendimento dos níveis do metal nesses organismos. Além disso, parâmetros como o pH, temperatura, condutividade e oxigênio dissolvido podem influenciar não somente a absorção do Hg pelo peixe quanto sua biodisponibilidade (KASPER et al., 2007). Considerando que a diferença na concentração de Hg nas espécies podem ocorrer devido à sua alimentação e nível trófico, foram analisados isótopos estáveis de δC13 e δN15 em amostras aleatórias para as duas espécies de raias (tabela 5). Tabela 5. Concentração de Isótopos (δC13 e δN15) em amostras aleatórias de Hypanus americanus e Hypanus guttatus. Amostra C (%) δC13 N (%) δN15 H ypanus am ericanus RDA02 39,75 -14,29 14,38 8,71 RDA03 46,60 -14,42 16,27 12,68 RDA06 42,28 -13,87 15,33 13,64 RDA07 41,11 -15,21 15,39 11,88 RDA10 41,61 -15,45 15,31 10,04 Média 42,27 -14,65 15,34 11,39 RDG01 44,04 -13,88 16,34 13,00 H ypanus gutattus RDG03 40,71 -14,98 14,51 10,33 RDG04 40,79 -15,32 14,13 11,08 RDG07 39,21 -14,31 13,85 8,71 RDG14 40,76 -14,83 14,27 10,83 RDG15 43,42 -13,70 14,58 13,87 Média 41,88 -14,58 14,97 11,35 As concentrações médias de δC13 e δN15 nas duas espécies, sugerem que ambas, coletadas na mesma região, alimentam-se praticamente de itens alimentares de mesmo nível trófico. Portanto, encontram-se na mesma posição trófica (figura 10). Assim, os itens alimentares e a posição trófica não justificariam a diferença nas concentrações de Hg apresentada entre as espécies. 42 Figura 10. Relação entre os valores de δC13 e δN15 nas espécies Hypanus americanus e Hypanus guttatus. A composição isotópica de um consumidor é enriquecida por um fator de 3‰ a 4‰ para nitrogênio e de menos de 1 ‰ a 1‰ para carbono em relação à sua dieta (PETERSON, 1987; DI BENEDITTO et al., 2011). O cálculo de nível trófico pode ser determinado em relação ao δN15 do fitoplâncton, considerado como linha de base da cadeia. Logo, o nível trófico é igual ao δN15do consumidor subtraído do δN15 do fitoplâncton, divididos pelo fator de enriquecimento trófico médio 3,4‰, utilizado para homogeneizados musculares de componentes da rede alimentar para ecossistemas marinhos (FISK et al., 2001; DI BENEDITTO et al., 2011). Assim, as raias do presente trabalho, encontram-se entre consumidores secundários e terciários. Seus níveis tróficos, baseados nos cálculos de suas dietas, são de 3,5 ± 0 e 2,6 ± 0.3 para H. americanus e H. gutattus, respectivamente (FISHBASE, 2016). 43 Figura 11. Gráfico de regressão linear entre a concentração de Hg total e δN15 de ambas as espécies de raias coletadas. As espécies H. americanus e H. gutattus não apresentam resultados estatisticamente significativos quando associados a concentração de mercúrio total e δN15 (Figura 11). Porém, observa-se que ambas apresentam a tendência de indivíduos com maiores concentrações de Hg também possuírem maiores valores de δN15, estando em níveis tróficos mais elevados. Estes resultados confirmam que indivíduos maiores das duas espécies se alimentam de presas de níveis tróficos mais elevados, dando suporte a hipótese da diferença de alimentação para explicar as diferenças observadas nas concentrações de Hg, particularmente em H. guttatus. 44 Figura 12. Gráfico de regressão linear entre a concentração de Hg total e δC13 de ambas as espécies de raias coletadas. Enquanto isso, através do gráfico da figura 12, apesar de ambas as espécies também não apresentarem resultados estatisticamente significativos, observa-se que os indivíduos com maiores concentrações do Hg-tot estão associados a maiores valores de carbono 13. Os mesmos são indivíduos de maiores comprimentos para espécie de H. americanus, o que pode estar associado a um período maior de alimentação. Já para H. guttatus o mesmo não pode ser observado, pois os resultados apresentam-se dispersos. Apesar da importante aplicabilidade no uso de isótopos estáveis, ainda são incipientes os estudos focalizando a taxa de reposição dos tecidos biológicos, conhecida como taxa de turnover. No caso de espécies migratórias, a ausência desta informação, impede indicações mais claras dos locais de alimentação e até mesmo melhores esclarecimentos acerca da sua ecologia alimentar e rota migratória. Fatores intrínsecos, como tipo de tecido e o estágio de desenvolvimento; e extrínsecos como temperatura, podem influenciar essa taxa (MANETTA; BENEDITO-CECILIO, MARTINELLI, 2003). Os autores Logan; Lutcavage, (2010), compararam as taxas de turnover de isótopos de duas espécies de elasmobrânquios, a raia Potamotrygon motoro e o tubarão Carcharhinus plumbeus. Ambas espécies possuem diferentes 45 estratégias de vida, com taxas de crescimento igualmente baixas, porém apresentaram semelhantes taxas de renovação celular. Dessa forma, as duas espécies de Hypanus devem apresentar resultado semelhante, pois encontram-se na mesma familia Dasyatidae. Com relação aos itens alimentares, crustáceos e peixes ósseos são considerados os principais itens da dieta das raias marinhas que habitam regiões costeiras. Adicionalmente, moluscos, poliquetos, priapulidas, sipunculas e equinodermos também são identificados como fontes alimentares importantes, porém em menor frequência (AGUIAR; VALENTIN, 2010). Após analisar o conteúdo estomacal de H. guttatus capturadas na enseada do Mucuripe, Ceará, Silva et al. (2001) confirmaram que os crustáceos foram o grupo predominante na dieta desta espécie. Moluscos, anelídeos e peixes também foram encontrados, em menor proporção. Assim, a presença de uma variedade de itens alimentares pertencentes a diferentes grupos animais sugere que a raia H. guttatus seja um predador oportunista, capturando as presas que estão mais disponíveis e abundantes em seu habitat. Também observou-se que a sutil diferença entre as dietas de juvenis e adultos dessa espécie, pode ser consequência principalmente da capacidade dos animais adultos de capturarem presas de maior tamanho ou, ainda, da profundidade das águas, uma vez que os jovens foram capturados próximos à costa e os indivíduos adultos em maiores profundidades Os autores Neta; Almeida (2002), também observaram que os braquiúros (Callinectes sp.) são os principais itens alimentares das Hypanus guttatus capturadas no Maranhão. Seguidos de poliquetas, peixes e larvas de decápodos para jovens e adultos. Apesar de priapulida ter sido observado somente em adultos, os autores não constataram variações ontogenética ou sexual nos exemplares analisados, com a maioria dos itens alimentares sendo encontrados em ambos os sexos. Enquanto isso, para Hypanus americanus existe um uso diferenciado do habitat durante a ontogenia de indivíduos no arquipélago de Fernando de Noronha, Pernambuco. As praias são possivelmente utilizadas como áreas de berçário e as regiões recifais mais profundas, como áreas de alimentação para 46 adultos e subadultos da espécie. Esta distribuição reflete uma tendência das raias mais jovens para ocupar as áreas de praia rasas, enquanto indivíduos maiores se deslocam para águas mais profundas com características de recifes durante a ontogenia (AGUIAR; VALENTIM; ROSA, 2009). Sobre os itens alimentares, as raias Hypanus americanus das Bahamas possuem uma dieta ampla e são capazes de se alimentar de uma variedade abundante de peixes epibentônicos e invertebrados (GILLIAM; SULLIVAN; GILLIAM, 1993). Em Sergipe, na Praia do Mosqueiro, essas mesmas espécies de raias são capturadas em profundidades diferentes. Hypanus americanus é capturada em profundidades entre 35 e 40 metros, enquanto que H. guttatus é pescada em águas mais rasas, com cerca de 7 a 10 metros, inclusive no estuário do Rio Vaza Barris (MENESES; SANTOS; PEREIRA, 2005). Dessa forma, nota-se que ambas as espécies são predadores oportunistas, não escolhendo sua presa, alimentando-se assim do item mais disponível. A diferença entre as dietas de juvenis e adultos ocorre apenas no tamanho da presa capturada, maior à medida em que o indivíduo cresce. 47 5.1 Dose e limite de segurança de exposição humana ao Hg No presente trabalho, ambas as espécies apresentaram valores acima do permitido pela ANVISA. Os valores máximos obtidos foram de 1.198 ng g-1 para H. americanus e 1.089 ng g-1 para H. guttatus, ambas em peso úmido. Para os seguintes cálculos de exposição, foram utilizadas as médias das concentrações de Hg-tot, que foram de 440 e 242 ng.g-1 em peso úmido para Hypanus americanus e H. guttatus, respectivamente. Existem poucos trabalhos de concentração de mercúrio em raias, portanto a tabela 6, a seguir, compila resultados de Hg-tot, em peso úmido, em diferentes espécies de raias Tabela 6. Concentração média de mercúrio total em peso úmido em indivíduos de raias Hypanus americanus e H. guttatus comparado com raias de outras localidades. Ano Autor Local Tecidos Espécies Peso 2009 Gutierrez-Mejia et al México músculo 1 úmido Espécie N LD cm Local músculo (ng.g-1) Rhinoptera steindachneri 34 66,5 Baja California 60 Ano Autor Local Tecidos Espécies Peso 2013 Ruelas-Inzunza Noroeste do México músculo 10 úmido Familia Dasyatidae N LD cm Local músculo (ng.g-1) D. dipterura 24 46,3 ± 8,4 El Choyudo 280 D. dipterura 6 33,9 ± 5,1 Playa del Rey 850 D. longa 1 52,7 Playa del Rey 1340 Urolophus halleri 10 36,9 ± 7,1 El Português 410 Urolophus halleri 1 22 Playa del Rey 700 Urolophus spp. 1 22,8 Playa del Rey 1110 Familia Urotrygonidae N LD Local músculo (ng.g-1) Urotrygon chilensis 5 26,8 ± 1,4 Puerto Chale 160 Familia Rhinobatidae N LD Local músculo (ng.g-1) Rhinobatus productus 2 65 ± 15,5 El Português 270 Zapteryx exasperata 1 34,5 Puerto Chale 270 Familia Narcinidae N LD Local músculo(ng.g-1) 48 Narcine entemedor 1 28 El Português 30 Narcine entemedor 1 29 Puerto Chale 320 Familia Rajidae N LD Local músculo (ng.g-1) Raja velezi 1 83 El Portugues 340 Familia Gymnuridae N LD Local músculo (ng.g-1) Gymnura marmorota 1 50 Dautillos 210 Ano Autor Local Tecidos Espécies Peso 2013 Cisneros Alto Golfo da California México músculo 3 úmido Espécies N LD cm Local músculo (ng.g-1) Rhinobatus productus 45 de 43,5 a 70,5 Alto Golfo 60 Raja velezi 40 de 60 a 80 Punta Lobos 190 Gymnura marmorota 24 de 60 a 131 Punta Lobos 170 Ano Autor Local Tecidos Espécies Peso 2014 Horvart et al. Mar Adriático músculo 4 úmido Espécie N LD cm Local músculo (ng.g-1) Myliobatis aquila 5 310 ± 50 Golfo de Trieste 86 Pteromylaeus bovinus 17 727 ± 422 Golfo de Trieste 1.028 Dasyatis violacea 8 531 ± 61 Golfo de Trieste 871 Dasyatis pastinaca 1 455 Golfo de Trieste 400 Ano Autor Local Tecidos Espécies Peso 2016 Lacerda et al. Ceará - Brasil músculo 3 úmido Espécie N LD cm Local músculo (ng.g-1) Hypanus guttatus 1 84 Mucuripe 83,4 Ano Autor Local Tecidos Espécies Peso 2017 Este trabalho Ceará - Brasil músculo 3 úmido Espécie N LD cm Local músculo (ng.g-1) Hypanus americanus 12 70,7 Icaraí - CE 440 Hypanus guttatus 17 34,3 Icaraí - CE 242 A maioria das espécies listadas na tabela, apresentam valores médios abaixo do limite estabelecido pela ANVISA. As exceções, foram 3 espécies que possuíam apenas o valor de um único individuo, semelhante ao que ocorreu no presente trabalho para ambas as espécies estudadas. 49 Considerando que para calcular o risco na exposição humana são necessários os dados de Hg orgânico, as mesmas amostras selecionadas para isótopos também foram submetidas a análise de mercúrio orgânico, que em seguida foi comparado com a concentração de mercúrio total nas 12 amostras analisadas (tabela 7). Para ambas as espécies, a porcentagem de mercúrio orgânico no músculo foi, em média, de 100% quando comparado ao mercúrio total. Tabela 7. Concentração de metil mercúrio (peso úmido) em amostras de Hypanus americanus e Hypanus guttatus. Cód. Amostra Hg-T (ng.g-1) MeHg (ng.g-1) MeHg (%) Espécie RDA02 200 203 101 Hypanus am ericanus RDA03 836 941 112 RDA06 1197 1405 117 RDA07 203 196 96 RDA09 305 316 103 RDA10 270 253 93 Média 502 552 104 RDG01 1089 1311 120 H ypanus guttatus RDG03 37 54 148 RDG04 951 1132 119 RDG07 11 16 141 RDG14 56 49 87 RDG15 766 1055 137 Média 485 577 114 Suportando o resultado encontrado no presente trabalho, estudos com diferentes espécies de raias apontam que quase 100% do mercúrio encontrado no músculo desses indivíduos encontra-se na forma metilada (HORVAT et al., 2014). Visando um possível risco de contaminação da população humana por meio do consumo de pescado, a ANVISA estabeleceu os níveis máximos de mercúrio total permitidos nesses alimentos. Assim, para peixes predadores o valor máximo legislado é de 1.000 ng.g-1 em peso úmido, enquanto para os peixes não predadores.esse valor é reduzido a 500 ng.g-1 em peso úmido. 50 Sabe-se que o consumo de peixes contaminados com compostos de mercúrio é a principal fonte potencial de exposição da população humana ao metil-Hg, principalmente quando os mesmos fazem parte dos postos mais altos da teia alimentar. Os elasmobrânquios, composto essencialmente por tubarões e raias, encontram-se normalmente no topo dessa teia e são apreciados em diversos pratos culinários. Dessa forma, esse grupo merece destaque nos estudos de contaminação por mercúrio, principalmente para as raias pela maior facilidade de obtenção através da pesca. A caracterização do risco para as populações humanas concentra-se cada vez mais na exposição ao metil-Hg ao longo da vida em vez da exposição aguda. Para este fim, pode ser definida uma dose de referência (RfD) como uma estimativa da exposição diária, sem um risco significativo de efeitos deletérios durante um tempo de vida. O RfD para metil-Hg foi determinada pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) como sendo 100 ng por kg de peso corporal por dia (BAEYENS et al., 2003). Assim, com relação aos cálculos de exposição humana ao mercúrio através do consumo das espécies estudadas, obteve-se no presente trabalho a dose de metil-Hg diária, semanal e mensal, além do limite de segurança dessa ingestão, através do número de refeições semanais e mensais. O cálculo de risco à saúde (HQ), foi de 0,48 e 0,26 para H. americanus e H. guttatus, respectivamente. Valores de HQ abaixo de 1 refletem que o nível de exposição ao mercúrio é menor do que a dose de referência. Isso significa que a exposição diária média a este nível não é susceptível de causar efeitos adversos para os consumidores. Considerando a média de peso corporal de um adulto de 70 kg, o valor total de mercúrio que pode ser consumido é de aproximadamente 7.000 ng.dia/adulto, 49.000 ng por semana e 210.000 ng por mês para grupo controle e para os grupos de risco são 3.500 ng.dia/adulto, 24.500 ng por semana e 105.000 ng por mês. Dessa forma, com relação aos cálculos de exposição humana ao Hg através do consumo das espécies estudadas, a tabela 8 apresenta o número de refeições à base dessas raias em dois grupos distintos. O primeiro 51 representando a população em geral e o segundo os grupos de risco, abrangendo grávidas, lactantes e crianças. Tabela 8. Número de refeições das espécies amostradas para grupo geral (70kg) e grupo de risco, por semana e por mês. Espécie consumida Grupo Geral Grupo de risco Semana Mês Semana Mês Hypanus americanos (Hg médio = 440 ng.g-1) 0 1 0 0 Hypanus guttatus (Hg médio = 242 ng.g-1) 0 3 0 1 Ambas as espécies apresentaram frequência de consumo semelhantes, não sendo incentivado seu consumo semanal para os dois grupos. Além disso, recomenda-se também que o grupo de risco evite o consumo mensal. No trabalho de Ruelas-Inzunza et al., (2013), realizado no México, nenhuma das sete espécies de raias estudadas possuía concentração de mercúrio capaz de causar efeitos adversos nos consumidores. Ainda assim, o mesmo enfatiza a necessidade de calcular as taxas reais de consumo de elasmobrânquios, principalmente relacionada aos pescadores e seus familiares, considerados grupos de risco No Brasil, trabalhos vem sendo realizados com foco no consumo de pescado e seu risco para a população. Os maiores valores são encontrados nos tecidos musculares de peixes carnívoros, mas apenas uma pequena percentagem ultrapassa o limite máximo recomendado pela legislação nacional. Ainda assim, considera-se que há risco associado a frequência do seu consumo (BOISCHIO; HENSHEL, 2000; FERREIRA et al., 2012; STORELLI; BARONE, 2013; AMARO et al., 2014; COSTA; LACERDA, 2014) (LACERDA et al., 2017). Concentrações de Hg observadas em peixes comercializados no mercado de Mucuripe, Fortaleza, CE, são relativamente baixas em comparação com outros mercados no Brasil e no exterior, variando de 14 a 509 ng.g-1 em peso úmido. Os níveis de exposição dos consumidores, considerando todas as 52 espécies analisadas foram muito mais baixos do que aqueles considerados de risco para os seres humanos. Porém, ressalta-se que indivíduos de grande porte de espécies carnívoras, como a Cavala (Scomberomorus cavala), apresentaram concentrações de Hg mais altas que os limites aceitáveis para o consumo humano (LACERDA et al., 2016). Pesquisas com outros organismos de elevada posição trófica também sugerem risco no consumo humano. A ingestão de carne e gordura de baleia piloto na vida adulta dos habitantes das Ilhas Faroé - Dinamarca foram significativamente associadas à Doença de Parkinson, sugerindo uma associação positiva entre a exposição do animal ao metil-Hg e poluentes orgânicos persistentes(POP) e o desenvolvimento dessa doença em seus consumidores (PETERSEN et al., 2008). Atuns da espécie Thunnus obesus também apresentaram resultado semelhantes. Pois, embora a concentração média para esta espécie tenha sido de 545 ng.g-1, os indivíduos de 30 kg ou mais de T. obesus apresentaram concentrações de Hg acima de 1.000 ng.g-1, superando, assim, os limites legais para o consumo humano (LACERDA et al., 2017). Considerando a contaminação por mercúrio em vários cenários relativos ao consumo de peixe, publicados na literatura, foram combinados o número de refeições e a quantidade de peixe ingerido, relacionados aos valores de Hg aceitos pela legislação internacional atual. Abrangendo todos os dados, conclui-se que mesmo uma única refeição (por semana) de 50 g de peixe com 840 ng g-1 de metil-Hg atingiria os níveis máximos de dose de referência (RfD) da EPA (VIEIRA et al., 2015) Avalia-se que no futuro, as emissões antropogênicas de mercúrio deverão aumentar, principalmente devido à expansão industrial e da combustão de carvão projetada na Ásia. Portanto, os níveis de Hg de peixe e a consequente exposição das populações humanas ao metil-Hg tendem a aumentar, uma vez que a produção de metil-Hg nos ecossistemas oceânicos é impulsionada pelo suprimento de mercúrio inorgânico disponível (VIEIRA et al., 2015) 53 Assim, esforços para reduzir emissões de mercúrio ao ambiente devem ser priorizados, pois com o constante aumento da população mundial, tal recurso alimentar nutritivo como pescado não deveria ser cogitados a ser retirado do consumo humano devido à poluição antropogênica (HYLANDER; GOODSITE, 2006). Dessa forma, os resultados desse estudo sugerem que os níveis de mercúrio total em raias utilizadas em pratos tradicionais podem apresentar risco, quanto maior for a frequência do seu consumo. Assim, as consequências diretas à saúde humana, em função do consumo de elasmobrânquios, precisam ser estudadas com maior veemência. 54 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Houve diferença significativa para as concentrações de mercúrio entre as espécies estudadas, quando consideradas as medianas. Os indivíduos amostrados da espécie Hypanus guttatus apresentaram uma distribuição de tamanho mais ampla, ocorrendo indivíduos de diferentes estágios de maturidade e apresentando uma regressão significativa, positiva entre o tamanho e a concentração de Hg, sugerindo que embora tenham hábitos alimentares similares, provavelmente consomem presas de diferentes níveis tróficos, como mostrado na diferença da razão 13C/15N entre indivíduos menores (juvenis) e maiores (adultos). Dessa forma, acredita-se que o aumento da concentração de mercúrio no tecido muscular de H. guttatus aumentará, em taxas constantes, ao longo do aumento do tamanho da mesma. Apesar dos valores médios de concentração de Hg apresentarem-se baixos para ambas as raias, as duas espécies tiveram valores máximos de Hg acima do limite estabelecido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). O valor de exposição diária média para as duas espécies não é susceptível de causar efeitos adversos para os consumidores. Porém os resultados desse estudo sugerem que os níveis de mercúrio total em raias utilizadas em pratos tradicionais podem apresentar risco, quanto maior for a frequência do seu consumo, não sendo incentivado seu consumo semanal para os dois grupos de consumidores. 55 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ADAIR, B. M.; COBB, G. P. Improved Preparation of Small Biological Samples for Mercury Analyssi using Cold Vapor Atomic Absorption Spectroscopy. Chemosphere, n. 12, v. 38, p. 2951–2958, 1999. AGUIAR, A.A.; VALENTIM, J. L.; ROSA, R. S. Habitat use by Dasyatis americana in a south-western Atlantic oceanic island. 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