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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
FACULDADE DE DIREITO
COORDENAÇÃO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
Coordenação de Atividades Complementares e Monografia Jurídica
EMELLIN LAYANA SANTOS DE OLIVEIRA
O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO:
OS TRATADOS SOBRE O LIMITE TERRITORIAL ENTRE O AMAPÁ
E A GUIANA FRANCESA
Fortaleza
2
2008
EMELLIN LAYANA SANTOS DE OLIVEIRA
O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO:
OS TRATADOS SOBRE O LIMITE TERRITORIAL ENTRE O
AMAPÁ E A GUIANA FRANCESA
Monografia apresentada ao Curso de Direito
da Universidade Federal do Ceará (UFC),
como requisito parcial para obtenção do grau
de Bacharela em Direito, sob a orientação de
Nélida Astézia Castro Cervantes.
Fortaleza-Ceará
2008
3
EMELLIN LAYANA SANTOS DE OLIVEIRA
O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO:
OS TRATADOS SOBRE O LIMITE TERRITORIAL ENTRE O
AMAPÁ E A GUIANA FRANCESA
Monografia apresentada ao Curso de Direito
da Universidade Federal do Ceará (UFC)
adequada e aprovada para suprir exigência
parcial inerente à obtenção do grau de
Bacharela em Direito.
 
Aprovada em 21 de novembro de 2008.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
PROFA. MESTRA NÉLIDA ASTÉZIA CASTRO CERVANTES
Orientadora
Universidade Federal do Ceará - UFC
________________________________________________________
PROF. MESTRE DANILO SANTOS FERRAZ
Universidade Federal do Ceará - UFC 
_______________________________________________________
ADV. E ESP. PEDRO JACKSON MELO COLARES
Universidade de Fortaleza - Unifor
4
“Não importa o que nos tornemos ou onde podemos
chegar, pois, para que sejamos grandes homens,
nunca podemos esquecer quem realmente somos ou
de onde viemos”.
(Palavras do Imperador Japonês ao Chefe do Exército
Americano no período de reconstrução do Japão após a
Segunda Guerra Mundial)
5
DEDICATÓRIA
Dedico esta monografia, primeiramente, a Deus que me concedeu força, coragem
e determinação para trilhar este tortuoso caminho de engrandecimento acadêmico e
profissional, o qual se finda, por enquanto, em minha formatura.
Também dedico esta monografia a minha família que, mesmo aqueles
geograficamente distantes, permaneceram ao meu lado sem titubear, acreditando sempre em
minha vitória. Aos meus avós, Manoel Ferreira dos Santos e Maria José Silva dos Santos; aos
meus pais, Ivelise do Socorro Santos de Oliveira e Sérgio Augusto Gurjão de Oliveira; aos
meus tios, Cláudia Gomes, Ricardo Santos, Ivana Santos, Jairo Gomes, Silvana Silva e Flávio
Roberto Gonçalves; aos meus irmãos, Evellin de Oliveira e Laron de Oliveira; ao meu eterno
namorado e incansável companheiro, Perfirio Mendes; e aos irmãos adquiridos nesta união:
Lucas Mendes, Eulino Mendes, Osvaldo Mendes, Thalita Sabóia e Lai Mendes. Dedico a
todos vocês esta monografia.
Não posso deixar de oferecer os frutos gloriosos deste trabalho de final de curso a
professores especiais, que acreditaram em meu potencial acadêmico e apostaram alto em
minha vitória: Nélida Astézia Castro Cervantes, Raimundo Bezerra Falcão, Emmanuel
Teófilo Furtado, Newton de Menezes Albuquerque e Danilo Santos Ferraz.
Incluo nesta dedicatória todos os Procuradores, servidores, funcionários e
estagiárias da Procuradoria Federal no Ceará - AGU. Aos queridos companheiros de trabalho
do escritório Colares & Colares Advogados Associados: Dr. Colares, Paixão, Pedro Jackson,
Natasha e Vanessa. E aos inesquecíveis colegas do Núcleo de Defesa da Mulher, na
Defensoria Pública do Estado do Ceará, em especial Aninha, Dra. Ana Cristina, Dra. Regina e
Michele.
Por último, mas não menos importantes, aos meus amigos, que são a família a
qual Deus me permitiu escolher, sem os quais este fim de curso não seria tão prazeroso:
Andressa Matos, Cleiton Matos, Elaise Landim, Gamaliel Pina, Lizomar do Nascimento,
Maíra Rebouças, Marlus Nicodemos, Romana Vieira, Safira Nila, Simony Rebouças, Vanessa
Martins, Virgínia Matos, Willy Ocôba, Yandira D’Almeida e a minha querida professora
Mônica.
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por me ter abençoado e colocado em minha vida pessoas tão
importantes, que me motivaram e nunca me permitiram perder a vontade de lutar por meus
sonhos.
Mãe, agradeço-lhe pela vida e pelas palavras de apoio; Pai, obrigada por nunca
me desamparar e por me fazer sentir tão segura quando nos falamos, o que faz parecer que a
distância entre o Pará e o Ceará é desconsiderável.
Meus queridos avós, sou grata pelos carinhos, pela moradia e por estarem sempre
presente nos momentos de alegria e de tristeza. A vida não nos permitiu muitas regalias, mas
os senhores foram mestres em demonstrar como é importante buscar os nossos sonhos, por
mais que eles pareçam tão distantes de nós. E, para que eu pudesse ser uma Bacharela em
Direito, os senhores foram imprescindíveis, nunca deixando faltar para mim e para meus
irmãos o alimento do corpo, as refeições, e o do espírito, a educação.
Meus adoráveis tios, sou muito agradecida por estarem ao meu lado como amigos,
apoiando meus atos e sendo condescendentes com meus erros.
Meus irmãos, obrigada por fazerem parte da minha vida.
Devo dedicar um parágrafo especial a Perfirio Mendes, namorado incomparável,
com quem chorei quando pensei que não conseguiria; com quem sorri quando percebi que eu
era capaz de vencer. O homem que não abandona, está sempre ali para apoiar e estimular com
suas palavras tão cheias de sabedoria que mascaram tão tenra idade. Companheiro constante,
namorado eterno e homem perfeito para uma mulher com muitos sonhos e tantos objetivos.
Sou extremamente grata por tudo que me ensinaste e por teres me escolhido como tua
namorada.
À professora Nélida, mulher ocupada e dedicada a tudo a que se propõe realizar,
sou grata pelo tempo disponibilizado para orientar-me neste trabalho de final de curso. Aos
professores Raimundo Bezerra Falcão, Emmanuel Teófilo Furtado e Newton de Menezes
Albuquerque, agradeço profundamente pela confiança depositada em mim, comprometendo-
me de nunca os decepcionar como estudante. Ao professor Danilo Ferraz, obrigada por sua
compreensão quase paterna e por sua presença providencial em minha banca, nunca me
esquecerei de seu ato generoso.
7
Tenho também de agradecer aos Procuradores da AGU, em especial Dr. Eduardo
Dias, Dra. Mônica Falcão, Dra. Janaína Castelo Branco e Dra. Izabel Medeiros, e ao Dr.
Pedro Jackson Melo Colares do Escritório de Advocacia Colares & Colares, pessoas
competentes com as quais tive a honra de trabalhar e por quais nutro respeito e admiração, em
virtude dos excelentes profissionais que são e dos professores de prática jurídica que se
tornaram para mim.
Meus agradecimentos são imensuráveis aos meus amigos. Cada um, a sua
maneira, encheu meu coração de esperança e de alegria nos momentos mais difíceis desta
jornada. Entretanto, tenho obrigação de citar o nome daqueles cuja atuação em minha vida foi
imprescindível. Por isso, sou grata a: Andressa, por sua sagacidade incomparável; Safira, por
sua inteligência indiscutível; Romana, por sua presença constante; Elaise, por sua calma
inigualável; Maíra, por sua sinceridade precisa; Simony, por sua alegria contagiante; Yandira,
por seus ensinamentos profundos; Willy, por seu carisma contundente; e Gamaliel, por sua
fraternidade cativante.
Agradeço aqueles que participaram da minha história e torceram por minhas
conquistas: Afonso, Agnelo, Aladji, Alfa, Aninha, Aquilino, Bibiza, Caintch, Cizário,
Clarissa, Cleiton, Cornélio, Débora, Dr. Agapito, Dr. Márcio, Dr. Moaceny, Dr. Paulo, Dr.
Radier, Dr. Reginaldo, Dr. Roberto, Dra. Caroline, Dra. Cristiane, Dra. Leila, Dra. Luciana,
Dra. Mariana, Dra. Valéria, Edvige, Emi, Estelita, Euclides, Eulino, Fábio, Fabiano, Franci
Lílian, Francisco, Giorgina, Herley, Israel, João Lucas, Jéssica, Joana, João Paulo, Johnata,
Lai, Lizomar, Loran,Lucas, Ludmila, Marcelo, Marcondes, Mariana, Mário, Madi, Marlus,
Natália, Natasha, Nino, Paixão, Patrícia, Prof. Amilton, Prof. Júlio Sampaio, Profa. Mônica,
Profa. Rejeane, Ramon, Regina, Renne, Silvinho, Socorro, Suely, Tarcício, Thalita, Thiago,
Tiago, Vanessa, Virgínia e Viviana.
8
RESUMO
Desde a época da Colonização, as potências européias disputam as terras situadas
na Região conhecida como Contestado Franco-brasileiro, pois além de estas representarem
enriquecimento rápido, em virtude da descoberta de ouro na localidade, representam,
outrossim, a navegalibidade na maior bacia hidrográfica brasileira, a do Amazonas. Assim,
durante duzentos anos, a França disputou com Portugal e, após a independência, com o Brasil
a posse das terras da mencionada região. Tratados foram assinados, mas nenhum surtiu o
efeito desejado, seja pelo descumprimento de seus termos, seja pela ausência de ratificação e
até de conhecimento do tratado por uma das partes. A questão só se encontrou definitivamente
resolvida através da Arbitragem Internacional, que findou o conflito, dando ganho de causa ao
Brasil e estipulou o limite territorial entre o atual estado do Amapá e a recente Província da
Guiana Francesa.
PALAVRAS-CHAVES: Contestado. Conflito. Tratado. Arbitragem.
9
ABSTRACT
Since the era of Colonization, the European powers contend the land located in
the region known as Contestado Franco-Brasileiro, as well as they represent enrichment fast,
due to the discovery of gold in the location, they represent the right to navigate the largest
river basin in Brazil, the Amazon. Thus, for two hundred years, France disputed with Portugal
and, after independence, with Brazil the possession of the lands of that region. Treaties were
signed, but none have the desired effect, whether for breach of his terms, is the absence of
ratification or even knowledge of the treaty by one party. The only question has been finally
resolved through the International Arbitration, which ended the conflict by winning at stake to
Brazil and stipulated the territorial boundary between the current state of Amapá and the
recent Province of French Guiana.
KEY WORDS: Contestado. Conflict. Treaty. Arbitration.
10
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................11
2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS...................................................................................13
3. OS TRATADOS SOBRE A REGIÃO CONTESTADA................................................. 18
3.1. O que são Tratados..........................................................................................................18
3.2. As Etapas de Formação dos Tratados............................................................................23
3.3. O Processo de Internalização dos Tratados...................................................................26
3.4. Os Tratados sobre a Fronteira entre Brasil e França.................................................. 28
3.3.1. Tratado de 04 de março de 1700.....................................................................................28
3.3.2. Tratado de 18 de julho de 1701.......................................................................................29
3.3.3. Tratado de Ultrecht.........................................................................................................30
3.3.4. Tratado de 1797..............................................................................................................31
3.3.5. Tratado de Badajóz.........................................................................................................31
4. O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO..................................................................33
4.1. A formação da Região.....................................................................................................33
4.2. A neutralização da Área..................................................................................................34
4.3. A invasão à Região Contestada.......................................................................................36
4.4. O fim do Contestado Amapaense...................................................................................39
5. A ARBITRAGEM E O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO.............................41
5.1. A Resolução de Conflitos por meio da Arbitragem......................................................41
5.2. O Laudo Arbitral sobre a Região Contestada...............................................................45
5.3. O Laudo Suíço e a Legislação Atual...............................................................................47
6. CONCLUSÃO.....................................................................................................................50
REFERÊNCIAS......................................................................................................................52
ANEXOS..................................................................................................................................55
11
1. INTRODUÇÃO
No estudo do Direito Internacional, depreende-se que Tratados são atos de
vontade de Pessoas Jurídicas de Direito Internacional, que expressam mútuo consentimento
para a consecução de um objetivo comum.
Da expressão “mútuo consentimento” entende-se que as duas partes devem
concordar com o pacto firmado, não podendo existir vício neste consentimento. Por isso, os
Tratados têm força de lei entre as partes, princípio da pacta sunt servanda, haja vista terem
sua origem na vontade de cada um dos acordantes, o que importa na obrigatoriedade de seu
cumprimento.
Acontece que, na concretude de sua aplicação, os Tratados podem ser
descumpridos. Isto ocorre porque sua execução é “questão de boa fé”, recaindo no âmbito da
independência dos Estados a executoriedade de um Tratado, cuja desobediência é sancionada
através da responsabilidade internacional.1
Tais descumprimentos são mais incidentes em regiões onde há conflitos, pois os
Estados beligerantes estão em “desacordo sobre certo ponto de direito ou de fato” 2. Logo, a
fim de garantir o cumprimento de termos outrora acordados, bem como dirimir divergências
de ordem internacional, criaram-se meios de solucionar conflitos pacificamente, que podem
ser: diplomáticos, políticos ou jurisdicionais.
Dentre os meios jurisdicionais, destaca-se a arbitragem, que consiste na escolha
de um número ímpar de indivíduos, escolhidos livremente pelas partes, para determinar qual
pretensão será procedente3.
Diante do exposto, esta monografia jurídica tem como objetivo analisar o litígio
internacional originado pela disputa das terras compreendidas pelo chamado Contestado
Franco-brasileiro, a fim de que se possa compreender os meios utilizados para se determinar o
limite geográfico da parte setentrional brasileira.
1 MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15ª ed., ver. e aum. Rio
de Janeiro: Editora Renovar, 2004, p. 254.
2 REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10ª ed. ver. e atual. São Paulo: Editora
Saraiva, 2005, p. 335.
3 CRETELLA JÚNIOR, José; CRETELLA NETO, José. 1000 Perguntas e Respostas de Direito Internacional
Público e Privado: para provas da Faculdade de Direito, para concursos públicos, 9ª ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2007, p. 113.
12
O estudo tem como marco inicial a assinatura do Tratado de Tordesilhas, em
1494, que dividiu o mundo em dois domínios: o de Portugal e o da Espanha, pois foi a esta,
inicialmente, a quem pertenceu a região na qual ainda ocorreriam várias contendas sobre a
legitimidade de sua posse.
Em seguida, será vislumbrada a questão a partir da entrada dos brasileiros na
disputa das terras em comento, a qual se deu em 1822 com a Independência, tomando-se
como base teórica para as proposiçõesaventadas o direito dos tratados e as diferentes formas
de resolução de conflitos 
Os efeitos e resultados deste episódio da História amapaense, portanto, serão
aprofundados na medida em que for feita a correlação doutrinária e tratadista, cujo respaldo
será norteado pelas diversas áreas do Direito, tais quais: a Constitucional, a Civil e a
Internacional.
Buscar-se-á formular neste trabalho um entendimento mais completo sobre a
realidade desta região, bem como sobre as normas que asseguram ao Brasil o domínio das
terras do antigo Contestado Franco-brasileiro, através do maior acervo bibliográfico existente
sobre a matéria.
Por fim, ao descrever os conflitos ocorridos no território pertencente ao atual
Estado do Amapá, levantar-se-ão hipóteses que podem ser aplicadas a eventuais litígios que
tenham como origem a questão de fronteira entre Estados, norteando-se sempre pelas formas
de solução pacífica de conflitos aceitas pelo hodierno Direito Internacional. E, da comparação
entre as Constituições de 1891 e de 1988, sedimentar-se-á o real motivo de a arbitragem ter
sido o meio escolhido para findar as desavenças estatais sobre a propriedade do Contestado
Franco-brasileiro.
13
2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS
O Amapá é o Estado-membro com menor desenvolvimento econômico no País,
apesar de possuir reserva natural superior a da maioria dos outros Estados federados. A
explicação para o atrofiamento da economia e para a manutenção de uma área de preservação
ambiental que ocupa sessenta e cinco por cento do Estado não se pode encontrar na atual
História amapaense.
Este ente da Federação, localizado no extremo norte do Brasil, já foi palco de
muitos conflitos, que por vezes colocaram em risco a própria ocupação brasileira naquele
território. Portugueses, espanhóis, holandeses e, principalmente, franceses buscaram
reconhecer como suas as terras que hoje pertencem ao Estado do Amapá, seja pela lucrativa
venda dos produtos advindos da Floresta Amazônica, seja pelo desejo de enriquecimento
rápido através da extração de minerais valiosos.
O interesse europeu nesta região foi tanto que ela tornou-se território neutro,
mantendo-se assim até a descoberta das jazidas de ouro, as quais motivaram as contendas pelo
domínio das terras chamadas de Contestado Franco-brasileiro.
A partir desse momento, a discussão que se sobressalta é a quem pertenceria
aquele lucrativo solo no meio da selva amazônica. A disputa em comento teve como atores
principais, inicialmente, Portugal e França, sendo aquele substituído pelo Brasil após a
independência desta colônia em 1822.
A questão sobre a propriedade do Contestado Franco-brasileiro teve início há
muito tempo, mais especificamente com a expansão marítima européia, cujos pioneiros são
Portugal e Espanha.
Portugal, que foi o primeiro país europeu a consolidar sua independência política,
iniciou a sua expansão marítima no final do século XV, promovendo o conhecido périplo
africano. Enquanto isso, a Espanha, representada por seus monarcas Fernando e Isabel,
resolveu aceitar o desafio do genovês Cristovão Colombo e patrocinou a viagem deste em
busca de novas terras, descobrindo nessa navegação a América.
Esta descoberta suscitou conflitos de interesses entre as supracitadas potências,
culminando na proclamação da Bula Intercoetera do papa espanhol Alexandre VI, que
desempenhou a função de árbitro internacional nessa lide. Irresignado com a decisão e
14
acusando o árbitro de beneficiar o seu país de origem, Portugal pleiteou a assinatura de um
tratado diretamente com a Espanha a fim de obter mais influência nas terras do “Novo
Mundo”. Assim, em julho de 1494, foi ratificado pelas duas partes signatárias o Tratado de
Tordesilhas, que ampliava a distância da linha divisória do mundo entre as duas citadas
nações para 370 léguas a partir da ilha de Cabo Verde, ampliando, por conseguinte, o domínio
territorial luso. 4
O primeiro documento oficial, portanto, que configurou a posse espanhola das
terras do Amapá foi o Tratado de Tordesilhas. Entretanto, a divisão estipulada pelo
mencionado documento não foi respeitada pelos países que iniciavam sua organização política
na Europa e tentavam também sua expansão marítima. Como exemplos dessas novas
potências têm-se a Inglaterra, a Holanda e a França, cabendo ao monarca desta a célebre frase
de irresignação na qual alegava “não ter visto no testamento de Adão a divisão do mundo
entre as potências ibéricas”. 5
Nesse contexto, os hispânicos estimularam a saída da Europa de várias
embarcações com sua bandeira, cujo objetivo era conhecer as terras além-mar e expandir o
seu domínio. Entre os navegadores que participaram dessa aventura com fito de conhecer e
tomar posse, podem ser destacados Américo Vespúcio e Vicente Yáñes Pinzón, os quais
tiveram sua atuação comentada por alguns historiadores amapaenses, como se ver abaixo:
Em 1499, Américo Vespúcio, participando da expedição de Alonso de Hojeda, sob
as ordens dos reis católicos Fernando e Isabel, percorreu o litoral amapaense
conforme a carta-documento por ele escrita, na qual narra sua passagem por aquela
área, atravessando a linha do equador, passando pelas ilhas Cavianas de Dentro, dos
Porcos e do Pará, estas fazendo frente aos Municípios de Macapá, Santana e
Mazagão.
Além do navegador Américo Vespúcio, houve outro, Vicente Yáñes Pinzón, que em
janeiro de 1500, a serviço da Espanha, percorrendo o Rio Oiapoque, o que veio
culminar mais tarde, na célebre questão fronteiriça com a Guiana Francesa.
Depreende-se do texto supracitado que, servindo à Espanha, o navegador Vicente
Yáñes Pinzón chegou ao norte do Cabo Orange, navegando no atual Rio Oiapoque, dando a
este seu próprio nome à época.
Mister faz destacar que ainda hoje existem contradições a respeito da chegada do
referido navegador em 1499 nas terras amapaenses, fato que é afirmado por muitos estudiosos
4 COSTA, Luís César Amad; MELLO, Leonel Itaussu. História do Brasil, 11ª ed. São Paulo: Editora Scipione,
1999, p. 27.
5 RENÔR, João. Os Momentos da Amazônia. Macapá: Imprensa Oficial, 1998, p. 189.
15
da História do Amapá. Todavia, oficialmente, tem-se que Pinzón aportou naquela região em
janeiro de 1500 e realizou contato com os índios predominantes ali, a comunidade Palikur,
denominando aquele território de “Costa Palicúria”.
Citada costa teve sua posse dada a Vicente Pinzón como presente por sua
importante atuação na expansão espanhola. Entretanto, o navegador hispânico não exerceu
seus direitos de posse daquela região devido a fatores adversos, tais quais: a distância
geográfica e a localização inexata.
Sobre o período compreendido entre os anos de 1500 e 1600 pouco se sabe da
História do Amapá. Isso porque para compreender os antecedentes históricos amapaenses,
deve-se considerar a dificuldade de ocupação e colonização daquela área, que é entrecortada
por rios e imersa na densa floresta amazônica (ver Anexo A), além de, à época, ser povoada
por diversas tribos indígenas. Logo, oportuno é o resumo que os historiadores Paulo Dias
Morais e Ivoneide Santos do Rosário6 fizeram sobre o mencionado período, senão veja:
Após descoberto o Brasil, Portugal estava mais preocupado com suas transações
comerciais com as Índias. Enviou para a nova terra expedições exploradoras,
expedições guarda-costas e somente em 1530 é que veio a expedição exploradora de
Martin Afonso de Souza. Mas a terra descoberta era grande demais e foi então
criado o Sistema de Capitanias Hereditárias, que também não logrou êxito. Veio a
experiência de governadores-gerais. A experiência de governos bipartidos com um
governo no norte, na Bahia e outro no sul, no Rio de Janeiro, e a colonização
efetiva não chega ao extremonorte do Brasil. (Grifos Nossos).
Depois do início da colonização do Brasil e com a implantação do Sistema das
Capitanias (1534) por D. João III, os espanhóis procuraram explorar seus domínios
situados abaixo do Equador (extremo norte do Brasil).
Foram feitas as primeiras concessões de terras em 1544. Carlos V, da Espanha,
entrega as terras amapaenses ao explorador e navegador Francisco Orellana, as quais
receberam o nome de Adelantado de Nueva Andaluzia, primeiro nome oficial que
recebeu o município do Amapá, sendo que a região do Cabo Norte (Pará, Maranhão
e as Guianas) era conhecida como Província de Tucujus. Havia três grupos
indígenas: os Aruaques, os Caraíbas e Tupis-Guaranis. Eram civilizações primitivas
vivendo basicamente da caça e da pesca, com o cultivo insipiente de raízes
(mandioca) e a coleta de frutos.
Entretanto, o insucesso das expedições espanholas (inclusive as de Orellana) fez
com que os espanhóis perdessem o interesse em explorar as terras do setentrião
brasileiro e despertasse nos portugueses aquela ambição. É assim que, no ano de
1546, Luiz de Melo e Silva passa pela boca do Amazonas e, com o rei de Portugal,
D. João III, em 1553, consegue também concessão dessas imensas terras, incluindo
o Amapá. Em 1578, com a morte do rei de Portugal, D. Sebastião, e por também não
haver deixado herdeiros para ocupar o trono português, assumiu a coroa seu tio-avô,
o cardeal D. Henrique, o qual, dois anos após haver assumido trono, portanto em
1580, veio a falecer.
6 MORAIS, Paulo Dias; ROSÁRIO, Ivoneide Santos. Amapá: de capitania a território. Macapá: JM Editora
Gráfica, 1998. P. 15-16.
16
Ainda em 1580, assumiu o trono português Felipe II. Tem início o período do
domínio espanhol, que se estendeu até 1640. Portugal e suas colônias passaram para
o jugo da Espanha, formando a União Ibérica ou União Peninsular. Deste modo, o
Brasil passou a pertencer à Espanha.
Com o início da União Ibérica, os portugueses sentiram-se livres para circular nas
terras antes sob o domínio espanhol. Os lusos lançaram-se em busca de vultosas riquezas
escondidas entre a densa floresta equatorial, a fim de monopolizar o seu domínio, obtendo
êxito em seu objetivo por certo tempo, entretanto outros países europeus despertaram para a
importância econômica das terras situadas na região setentrional do território sul-americano e
passaram a disputar com os portugueses a posse das mesmas. Dentre estes países, merece
destaque a França.
Os franceses, que antes haviam demonstrado interesse em instalarem-se na região
Nordeste do atual território brasileiro, começaram a atentar para a região Amazônica e suas
riquezas. Em 1605, o Governo da França recebeu a concessão das terras da ilha de Mocambo,
a qual denominou Caiena, por Henrique IV, o que possibilitou o povoamento daquela
localidade, bem como o início da colonização francesa na região norte da América do Sul.
Foi em 1615, contudo, que se efetivou a instalação daquele povo europeu na ilha
de Maracá, localizada no litoral amapaense, na qual houve um aumento na quantidade de
colonos em conseqüência à expulsão dos franceses nas terras localizadas no atual Estado do
Maranhão, onde tentaram criar a “França Equinocial”.
Visando instigar uma política de defesa e aumentar a segurança no território que
lhe pertencia, Portugal, em 1660, iniciou a construção de fortes em Macapá e nas margens do
rio Paru, evitando, assim, maiores investidas dos francos (ver anexo F). Estas construções
serviram ao seu fim até 1679, quando o marquês De Ferroles (Pierre Elenor de La Ville)
tornou-se Governador da Guiana. Referido nobre possuía como principal pretensão trazer para
o domínio francês toda a região que estava sob o controle português, em especial a Capitania
do Cabo Norte.
Os ideais daquele marquês obtiveram apoio do monarca da França, Luiz XIV, o
qual incentivou a política agressiva de expansão das tropas francesas frente ao território luso.
Assim, em 1697, as referidas tropas apoderaram-se da Fortaleza de Santo Antônio e de Paru
sob o argumento de que aquela área pertenceria ao rei francês, segundo a teoria do uti
17
possidetis7, em que o direito de um país a um território era fundado na efetiva e prolongada
ocupação, não sendo necessário nenhum título para tanto.
Após diversas batalhas travadas, os portugueses conseguiram fazer com que o
exército francês recuasse até Caiena. Contudo, o interesse franco naquelas terras subsistiu à
expulsão, sendo, portanto, imprescindível para atenuar a tensão naquela área a atuação da
diplomacia.
Nessa esteira, foi escolhido o diplomata português Roque Monteiro Paim para
discutir, a favor dos interesses lusos, os aspectos jurídicos em relação à posse e o domínio da
região disputada. O autor Arthur César Ferreira Reis ressalta em sua obra parte da
argumentação do mencionado diplomata, da qual se aprecia um trecho:
O domínio e a posse têm suas diferenças, que se unem em um só sentido. O domínio
requer título, e não pode haver nada mais justo que o que tem a Coroa de Portugal.
A posse consiste no ânimo e no fato que se possui, e esta esteve sempre igualmente
no mesmo estado do Brasil, esta coroa, seja povoando, seja domesticando os gentios,
pondo marcos e fazendo divisões das mesmas terras, doando umas e senhoreando
outras. 8
O discurso supra fazia alusão ao Tratado de Tordesilhas, que seria o título de
domínio português e a alguns períodos históricos usados como prova fática da posse
portuguesa, tais quais: a União Ibérica, a criação do Estado do Maranhão e a instituição da
Capitania do Cabo Norte.
Mesmo com muitos debates sobre o real domínio das terras em destaque, Portugal
e França assinaram diversos tratados que os obrigavam a retirar suas tropas da Região
Contestada, determinando a neutralização da área. Isto significava que nenhuma das partes
poderia erguer fortificações, instalar vilas ou construir feitorias, apenas era lícito o trânsito
livre naquele território.
Como era de costume nessa época, os mencionados tratados não foram
cumpridos, o que desencadeou outros acontecimentos os quais serão analisados à luz do
Direito Internacional nos capítulos que se seguem.
7 De acordo com alguns historiadores, mencionada teoria foi argumentada tanto por portugueses, quanto por
franceses, pois nenhum deles desejava ser desapropriado do espaço em que co-habitavam.
8 REIS, Arthur César Ferreira. Limites e Demarcações na Amazônia Brasileira: A fronteira Colonial com a
Guiana Francesa. Volume I, Reedição. Macapá: Imprensa Oficial, 1993.
18
3. OS TRATADOS SOBRE A REGIÃO CONSTESTADA
3.1. O QUE SÃO TRATADOS.
Segundo o artigo 2º, I, a, da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados9 de
1969 (ver Anexo B), estes são “um acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e
regido pelo Direito Internacional, que conste de um instrumento único, quer de dois ou mais
instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação particular”. Em 1986, em outra
edição da mencionada Convenção, ficou estabelecido que o direito de firmar tratados poderia
ser exercido por outros sujeitos que não os Estados e suas organizações intergovernamentais.10
Assim, do texto supra, pode-se entender que tratados são acordos entre duas ou
mais pessoas jurídicas de Direito Internacional, que devem seguir, portanto, regras de cunho
contratualista ou normativa, o que se chama, respectivamente, de tratados-contratos e
tratados-leis. Isso significa que as cláusulas desses acordos fazem lei entre as partes
signatárias, as quais devem seguir dois princípios muito importantes para o Direito Civil e o
Direito Internacional, quais sejam: pacta sunt servanda e boa-fé.
O primeiro refere-se ao fato de um tratado que esteja em vigor vincular as partes,
devendo ser por elas cumprido, sob pena de represálias dispostas em seu termo. O segundo
ressalta uma característicado direito tratadista, que é o consentimento das partes em
submeterem-se às determinações ratificadas, tendo que as fazer de espontânea vontade e
aplicá-las da maneira melhor possível.
Citados princípios receberam guarida também pelo Código Civil Brasileiro, o qual
dispõe em seu artigo 422 o seguinte: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”.
9 Explica o autor Ian Brownlie (in Princípios de Direito Internacional Público, 4ª edição. Lisboa: Oxford
University Press, 1997) que esta Convenção foi aberta à assinatura em 23 de maio de 1969, entrando em vigor
em 27 de janeiro de 1980 e possuindo trinta e cinco Estados como partes. Afirma, ainda, que esta Convenção não
é declarativa do Direito Internacional, nem se afirma como tal, segundo o seu preâmbulo. Suas disposições são
normalmente consideradas como uma fonte originária, como as alegações orais perante o Tribunal Internacional
de Justiça demonstraram no caso da Namíbia, constituindo um código completo das áreas mais importantes do
Direito dos Tratados.
10 ACIOLLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. 11ª ed., revisado pelo Embaixador
Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva. São Paulo: Editora Saraiva, 1991, p. 120.
19
Com base nos princípios em comento, pode-se inferir que os tratados devem ser
aplicados de forma mais completa, pois seus termos interagem entre si, devendo, logo, “ser
interpretado de boa-fé, segundo o sentido comum atribuível aos termos dos tratados em seu
contexto e à luz de seu objeto e finalidade” 11. Neste mesmo sentido, comenta o autor
Hildebrando Aciolly12 o que abaixo se destaca:
Se num tratado bilateral redigido em duas línguas houver discrepância entre os dois
textos que fazem fé, cada parte contratante é obrigada apenas pelo texto em sua
própria língua, salvo disposição expressa em contrário. Com o objetivo de evitar
semelhantes discrepâncias é comum a escolha de uma terceira língua que fará fé.
A questão poderá tornar-se mais complexa no caso dos tratados multilaterais
firmados sob os auspícios das Nações Unidas nos quais diversas línguas podem
fazer fé, como é o caso da Convenção sobre o Direito dos Tratados que menciona o
chinês, o espanhol, o francês, o inglês e o russo, sendo que a Convenção de 1986
menciona ainda o árabe. A Convenção sobre o Direito dos Tratados adota uma
norma interpretativa que, infelizmente, não pode ser considerada satisfatória, pois
‘presume que os termos do tratado têm o mesmo sentido nos diversos textos
autênticos’.
Tendo em vista a abrangência e a aplicabilidade dos tratados, para que estes sejam
válidos, faz-se necessária a constituição de elementos imprescindíveis a sua existência, como:
a capacidade jurídica daquele que o pratica, habilitação dos agentes signatários,
consentimento mútuo e objeto lícito13.
Assim, para que um tratado seja válido, impõe-se como primeira condição a
capacidade das partes contratantes, que normalmente é reconhecida “aos Estados soberanos,
às organizações internacionais, aos beligerantes, à Santa Sé e a outros entes internacionais” 14.
A doutrina abalizada de Celso D. Albuquerque Mello15 acrescenta, ainda, outros entes que
podem ocasionalmente firmar tratados, como Estados vassalos e Estados-membros, senão
veja:
Pode-se acrescentar que os Estados dependentes ou os membros de uma federação
também podem concluir tratados internacionais em certos casos especiais; os
Estados vassalos e protegidos possuem o direito de convenção quando autorizados
pelos suseranos ou protetores. O Direito Interno (Constituição) pode dar aos estados
federados este direito, como ocorre na Suíça, na Alemanha Ocidental e na URSS. O
governo federal no Brasil não será responsável se um Estado membro da federação
concluir um acordo sem que seja ouvido o Poder Executivo Federal e nem seja
aprovado pelo Senado. [...] É comum se afirmar que a colônias não possuem direito
de convenção, o que na verdade é a regra geral, mas que comporta exceção: algumas
11 O texto em destaque corresponde ao artigo 31 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados.
12 ACIOLLY, Hildebrando. Ob. Cit., p. 34.
13 CRETELA JÚNIOR, José; CRETELA NETO, José. Ob. Cit., p. 15.
14 MELLO, Celso D. de Albuquerque.Ob. Cit., p. 214.
15 Idem. Ob. Cit., p. 214-215.
20
colônias da Commonwealth (Cingapura) receberam autorização para concluir
determinados tipos de tratados. Entretanto os territórios sob tutela possuíam o
“treaty-making power”. Para se verificar se um Estado dependente possui ou não o
direito de convenção, é necessário um exame em cada caso, porque a situação do
dependente é fixada pelo dominante. A própria História, neste particular, pouco nos
esclarece, uma vez que a evolução tem modificado a noção de capacidade das partes
contratantes nos tratados internacionais [...].
Outro caso interessante é o das denominadas coletividades fronteiriças que não têm
competência para agirem no campo externo. Entretanto, na França, uma lei de 1982
permite ao conselho regional decidir, com a autorização do governo, uma
cooperação transfronteira com as “coletividades estrangeiras descentralizadas” com
que tenha uma fronteira comum. Em 1980 foi concluída uma convenção européia
para promover a cooperação transfronteira entre coletividades de Estados diferentes.
Outra condição é a habilitação dos agentes signatários, que ocorre através da
apresentação da carta de “plenos poderes”, a qual deverá ser firmada pelo Chefe de Estado ou
pelo Ministro das Relações Exteriores. Assim, os agentes habilitados são chamados de
“plenipotenciários”, pois se encontram aptos a negociar e concluir tratados. Entretanto,
podem-se apontar casos em que tais agentes estão dispensados dos plenos poderes, como os
chefes de Estado e de Governo, ministros das Relações Exteriores e chefes de missão
diplomática junto ao Estado em que se encontram acreditados.
Destaca ainda o douto Celso D. Albuquerque Mello16 a perda da importância dos
plenos poderes após o desenvolvimento da ratificação. Isto porque aquela carta, além de
outros objetivos, visa evitar a obrigação imediata dos Estados signatários, sendo, por isso,
permitido que representantes de Estado iniciem negociações provisórias com o uso de plenos
poderes.
Como terceira condição para a validade do tratado, deve ser o objeto deste lícito e
possível, ou seja, não pode ser contrário à moral ou à lei, nem impossível de ser executado.
E, por fim, nenhum tratado terá validade se estiver ausente a quarta condição de
existência, que é o consentimento mútuo. Logo, a vontade de realizar o acordo deve advir de
todos os Estados que participam de sua elaboração, sem que haja nenhum vício neste
consentimento, tais quais: o erro, o dolo e a coação.
Há autores que indiquem outros vícios que poderiam eivar de nulidade o tratado,
mas isso dependerá da análise de cada caso e da aceitação dos outros entes signatários. Assim,
a corrupção do representante do Estado, pode ser argüida na fase de ratificação do tratado,
como aconteceu quando o Peru solicitou a nulidade do Tratado Salómon-Lozano por
encontrar-se em ditadura. Ainda, pode-se tentar anular um tratado que não for realizado com
16 MELLO, Celso D. de Albuquerque.Ob. Cit., p. 217.
21
base na igualdade jurídica, como fazem os delegados de blocos comunistas e os novos
países17.
Preenchidas as condições de validade de um tratado, este deve ser redigido,
transformando-se em um documento escrito, pois ele é um acordo formal, cujos termos
devem ser obedecidos por aqueles que o ratificam.
O douto embaixador Hildebrando Accioly18 enumera a ordem de redação que
normalmente os tratados seguem, senão veja:
[...] 1º) o preâmbulo, com a indicação das partescontratantes e, quase sempre, a dos
motivos ou objetivos do tratado; os nomes e títulos oficiais dos plenipotenciários
que negociaram e assinaram o tratado; e, finalmente, uma declaração de que os
plenipotenciários, depois de haverem apresentado ou trocado os respectivos plenos
poderes, “achados em boa e devida forma”, convieram nas disposições contidas no
tratado; 2º) o articulado, devidamente numerado, no qual se acham as disposições
ou estipulações do tratado; 3º) a declaração de que, para testemunho do acordado,
os plenipotenciários firmaram o tratado, - declaração seguida, muitas vezes, da
indicação do número de exemplares do instrumento e da língua ou línguas em que
este se acha redigido; 4º) a indicação do lugar e da data em que o tratado foi
assinado; 5º) as assinaturas dos plenipotenciários, com os respectivos selos, apostos
em lacre.
Encerradas as fases de ratificação, publicação e registro do tratado, este começa a
produzir efeitos entre as partes contratantes, em obediência ao preceito pacta tertiis nec nocet
nec prosunt, o qual significa que os tratados não beneficiam nem prejudicam terceiros.
Entretanto, mencionado preceito não é uma verdade absoluta.
Terceiros Estados podem tomar conhecimento de determinado tratado e resolver
ratificá-lo, aceitando seus termos e obrigando-se quanto à matéria por ele focada. Ainda,
mesmo que outros Estados não se obriguem aos tratados, nada impede que estes acarretem
conseqüências positivas ou negativas àqueles.
É importante, contudo, salientar que se as partes contratantes desejam a
participação de outro ente internacional no tratado, elas inserem uma cláusula de adesão ou
acessão. É admissível também que as partes signatárias reconheçam a terceiro Estado a
“faculdade de exprimir uma vontade correspondente à sua e, por conseguinte, de adquirir um
direito às vantagens ou privilégios conferidos pelo tratado” 19.
17 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Ob. Cit., p. 219. (manter padrão de letra)
18 ACCIOLY, Hildebrando. Ob. Cit., p. 122.
19 ACCIOLY, Hildebrando. Ob. Cit., p. 122.
22
 De qualquer forma, aqueles que se submetem às cláusulas tratadistas devem
cumpri-las em seu todo, exceto em caso de oposição de reservas, sendo possível, para garantir
a execução dos tratados, a imposição de certas represálias àquelas partes que desobedecem
aos termos acordados. Isso pode dar-se através da ocupação do território daquele Estado
desobediente, da garantia de rendas, de certas sanções de caráter econômico e da garantia de
terceiras potências.
É oportuno destacar que se há violação de caráter substancial a validade do
próprio tratado, este poderá ser dado como extinto ou suspenso pelos outros contratantes. Isso
ocorre principalmente em épocas de guerras e conflitos armados, que levam a cessação do
tratado por alteração ou não aplicação de termos essenciais à finalidade deste acordo
internacional.
Há outras causas que também podem determinar a extinção das obrigações
convencionadas, como a vontade comum, isto é, o consentimento mútuo; predeterminação ab-
rogatória, que é a existência de um termo o qual limita cronologicamente a validade do
tratado; decisão ab-rogatória superveniente, ou seja, a decisão unânime ou majoritária de pôr
fim ao tratado e seus efeitos; a execução integral do tratado; a verificação de uma condição
resolutória, prevista expressamente; a renúncia unilateral por parte do Estado que o tratado
beneficia de modo exclusivo; caducidade, quer dizer, quando o tratado deixa de ser aplicado
por um longo período ou quando se cria um costume contrário a ele; fato de terceiro, que é o
poder dado a um terceiro de terminar o tratado; impossibilidade de execução, a qual pode ser
física ou jurídica; e, a denúncia unilateral, que deve ser tácita ou expressamente prevista,
consistindo na comunicação de uma parte contratante as outras de sua intenção de considerar
findo o tratado ou de retirar-se do mesmo.
Após entendidas as generalidades do tratado, passa-se a análise de sua formação,
que segue regras bem específicas e imprescindíveis a sua entrada em vigor.
3.2. AS ETAPAS DE FORMAÇÃO DOS TRATADOS.
23
A primeira etapa para que um tratado se forme e, conseqüentemente, conclua-se é
a negociação. Nesta se discute o objeto do tratado e as condições para que ele seja firmado.
Em um tratado bilateral, normalmente, a negociação se desenvolve entre o
Ministro do Exterior ou seu representante e o agente diplomático estrangeiro. Nos tratados
multilaterais, por sua vez, ela se realiza em grandes conferências e congressos, nos quais
podem participar e discutir todos os Estados interessados no tema em foco.
Realizadas as negociações, elabora-se um texto escrito, que é o próprio tratado.
Passa-se, então, à segunda etapa, a colheita de assinaturas. Estas significam a
confirmação dos termos do compromisso, mas ainda não impõem a obrigatoriedade de
execução das cláusulas negociadas. É nesta fase que se encerra a participação dos
plenipotenciários.
Aréchaga, citado por Celso D. Albuquerque Mello em sua obra20, resume a
importância da assinatura da seguinte forma:
a) autentica o texto do tratado;
b) atesta que os negociadores estão de acordo com o texto do tratado;
c) os dispositivos referentes ao prazo para a troca ou o depósito dos
instrumentos de ratificação e a adesão são aplicadas a partir da assinatura;
d) os contratantes “devem se abster de atos que afetem substancialmente o
valor do instrumento assinado”. A Convenção de Viena (art. 18, b) abre uma
exceção para a obrigação de uma parte “não frustrar o objeto e finalidade de um
tratado”, que é a de que a “entrada em vigor de um tratado” não tenha sido
“retardada indevidamente”. Maresca assinala que nos tratados bilaterais uma parte
que tenha assinado o tratado e este não tenha entrado em vigor pode praticar atos
contrários ao tratado, desde que após a assinatura comunique previamente a outro
contratante que não mais concorda com o que ele assinara;
e) a assinatura pode ter valor político;
f) pode significar que o Estado reconhece as normas costumeiras tornadas
convencionais.
Seguindo a citada fase, inicia-se a etapa de aprovação parlamentar, que não ocorre
igualmente em todos os Estados. No Brasil, o Congresso deve se manifestar acerca dos termos
do contrato, aprovando totalmente, desaprovando por completo ou aprovando com reservas.
20 MELLO, Celso D. de Albuquerque.Ob. Cit., p. 226-227.
24
Conforme o artigo 2º. §1º, d, da Convenção de Viena, as reservas visam “excluir
ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em relação a esse Estado”. Para
o inconteste Francisco Rezek21 elas são “um qualitativo do consentimento”.
Para que sejam válidas, as reservas devem preencher duas condições. Uma é a
condição de forma, que é o dever de ela ser apresentada por escrito pelo Poder Executivo do
Estado. Outra é a condição de fundo, que é a aceitação da reserva pelos outros entes
comprometidos.
É importante ressaltar que as reservas não interferem na eficácia dos tratados, mas
representam, sobremaneira, o respeito internacional à soberania do Estado, o qual pode
rejeitar cláusulas que ele considere nociva, desde que estas não atinjam o próprio objetivo do
acordo. Todavia, em respeito ao princípio da reciprocidade, “os dispositivos a que se referem
a reserva não se aplicam entre os dois Estados” 22, mas as referidas cláusulas ainda subsistem
em relação aos demais contratantes.
Mister se faz destacar que, apesar de existirem correntes divergentes, a Convenção
de Viena decidiu que as reservas podem ser retiradas livremente, aplicando-se por completo o
tratado firmado, o que corresponde inteiramente aos interesses da sociedade internacional. O
mesmo ocorre com as objeções à reserva, as quaistêm retirada livre, mas a aceitação, por sua
vez, é irrevogável.
Com relação aos tratados que tratam sobre direitos humanos, as reservas não
podem ser opostas, pois estes tratados devem ser aplicados em sua íntegra devido à
universalidade dos direitos que defendem.
Seguindo a análise feita pelo tratado no âmbito interno dos Estados contratantes
vem a etapa de ratificação, que é “o ato jurídico administrativo mediante o qual o Chefe do
Estado que foi parte na celebração de um tratado, declara submeter-se às obrigações nele
estipuladas” 23.
Francisco Rezek 24 afirma sobre a competência para ratificar tratados o seguinte:
Não ao direito das gentes, mas à ordem constitucional interior de cada Estado
soberano, incube determinar a competência de seus órgãos para a assunção, em
nome do Estado, de compromissos internacionais – e, pois, para a ratificação de
21 REZEK, Francisco. Ob. Cit., p. 66
22 MELLO, Celso D. de Albuquerque.Ob. Cit., p. 250.
23 CRETELLA JÚNIOR, José; CRETELLA NETO, José. Ob. Cit., p. 17
24 REZEK, Francisco. Ob. Cit., p. 51
25
tratados, cuja negociação, à força de exemplar uniformidade entre as várias ordens
jurídicas, terá sido conduzida por agentes do Poder Executivo.
Assim, pode-se afirmar que é com a ratificação que o Estado demonstra
oficialmente concordar com os termos do tratado, obrigando-se a eles no âmbito
internacional. Nos tratados bilaterais, a ratificação é representada pela troca de instrumentos;
nos multilaterais, indica-se um Estado o qual ficará responsável pelo recebimento de todos os
instrumentos que comprovam a submissão dos contratantes ao acordo. É também nesta etapa
que as reservas opostas são conhecidas pelas demais partes.
Celso D. de Albuquerque Mello enumera em três as partes da ratificação, que são
a narratio, a dispositio e a corroboratio, conforme se depreende da explicação abaixo
colacionada:
A Convenção deve ser dada por escrito, conforme estipula o art. 5º da citada
Convenção de Havana. Todavia, é a legislação estatal que determina a forma
intrínseca do instrumento. O instrumento, como demonstração de sua resolução de
ratificar o tratado, termina pela transcrição do texto do tratado. A ratificação contém
três partes: a “narratio”, a “dispositio” e a “corroboratio”. A “narratio” é a parte
inicial, em que se historia o tratado, enunciam-se os Estados contratantes, menciona-
se a finalidade do tratado e termina pela transcrição do texto do tratado. A
“dispositio” é a parte em que se faz referência à ratificação propriamente dita. A
“corroboratio” é a parte em que “o signatário apresenta o instrumento como
demonstração de sua resolução de ratificar o tratado, ‘em fé de que’ o assina e
sela”.25
Atualmente, a fase que ora se comenta tem sido dispensada, só se sendo
imprescindível no caso de o próprio tratado exigi-la. Ainda, poderá ser dispensada a
ratificação quando o acordo dispuser sobre o cumprimento ou interpretação de tratados já
ratificados, quando tratar de assuntos meramente administrativos para os quais se preveja a
possibilidade de modificações ou quando focar o modus vivendi, ou seja, sobre atos já
tacitamente aceitos pelas partes.
Ultrapassada a ratificação e, na hipótese de não se especificar uma data, iniciada a
vigência do tratado, este deve ser registrado no Secretariado da Organização das Nações
Unidas - ONU e, logo que possível, publicado por este órgão. “O Secretariado fornece um
certificado de registro, que é redigido nas cinco línguas oficiais das ONU: francês, inglês,
espanhol, russo e chinês” 26.
25 MELLO, Celso D. de Albuquerque Mello. Ob. Cit., p. 232.
26 MELLO, Celso D. de Albuquerque Mello. Ob. Cit., p. 243.
26
Após a publicação, o tratado passa a ter completa validade e eficácia em nível
internacional, contudo, para que possa ser aplicável também em âmbito interno, deve ser
recepcionado pelas normas dos Estados contratantes, o que se passa a explanar no item
seguinte.
3.3. O PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS.
A fim de que os termos dos tratados sejam incorporados ao ordenamento jurídico
de seus países signatários, eles devem ser recepcionados pelas normas internas. Entretanto,
isso nem sempre ocorre de forma rápida, pois pode haver conflitos entre os dispositivos
tratadistas e os das leis internas, ou mesmo daqueles com os da própria Constituição.
Quanto a esse assunto a doutrina diverge, surgindo daí duas correntes de
pensamento: o monismo e o dualismo.
Os defensores do monismo, como Hans Kelsen, negam a existência de dois
sistemas jurídicos válidos e independentes. Assim, “as relações de direito interno e direito
internacional convergem, se superpõem e há que se encontrar um método que discipline estas
duas categorias dentro de uma única ordem jurídica” 27. Nessa esteira, surgiram três escolas
monistas as quais defendiam, respectivamente, a primazia do direito interno sobre o direito
internacional; a primazia deste em relação àquele; e, a equiparação desses dois direitos,
refugiando-se no critério cronológico para decidir quem prevaleceria.
Em relação ao dualismo, afirmava o seu mais destacado defensor, Triepel, que
direito interno e internacional são sistemas jurídicos distintos, que não se sobrepõe, mas
apenas se tangenciam.
No Brasil aceita-se que tratados cujos termos não afrontam nossa Constituição
podem ser recepcionados pelo direito interno, possuindo a mesma força e validade das leis
ordinárias. Para tanto, é necessário que o mencionado tratado passe por um processo de
“internalização”, ou seja, de incorporação dessas normas ao ordenamento jurídico brasileiro.
27 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado. Parte Geral, 7ª ed., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora
Renovar, 2003, p. 92.
27
O primeiro ato a ser feito é a redação de um documento pelo Ministro das
Relações Exteriores no qual se expõem os motivos que levam a aceitação e conseqüente
ratificação do tratado.
Tal documento deve ser enviado ao Presidente que, por sua vez, direcionará uma
mensagem à Câmara dos Deputados para analisar a possibilidade de “internalização” do
acordo internacional.
Na Câmara, as cláusulas tratadistas passarão pelo crivo de duas comissões: a
primeira de relações exteriores, que averiguará a aplicabilidade do tratado no âmbito
internacional; outra, de Constituição e Justiça, a qual realizará um controle prévio de
constitucionalidade.
Em seguida, realizar-se-á uma votação em Plenário que decidirá se a incorporação
do tratado será aprovada, rejeitada ou se deverá passar pela análise de outra comissão28. Se for
rejeitada, comunicar-se-á o Presidente e o Ministro das Relações Exteriores. Na hipótese de
aprovação, o tratado passará a ser averiguado pelas comissões do Senado Federal, o qual
também realizará sua votação em plenário.
Se for rejeitado, o Presidente e o Ministro das Relações Exteriores serão
comunicados e receberão os motivos que fundamentaram a reprovação. No caso de ser
aprovado, publicar-se-á um Decreto Legislativo, nos termos do art. 49, I, da Constituição
Federal, seguindo, então, para apreciação presidencial que poderá promulgar ou rejeitar o
tratado.
Rejeitando, os dispositivos terão validade no âmbito interno como Decreto
Legislativo. Aprovado, os termos do tratado serão publicados no Diário Oficial e passarão a
ter vigência em território nacional com força de lei ordinária.
Discutidos os aspectos concernentes aos tratados de forma geral, necessária é a
análise dos tratados assinados e, por vezes, ratificados sobre a fronteira entre Portugal, que em
1822 foi sucedido pelo Brasil, e França.
28 Só deverá o tratado ser direcionado a outra Comissão no caso de o assunto porele abrangido também ser de
interesse de outra comissão já existente.
28
3.4. OS TRATADOS SOBRE A FRONTEIRA ENTRE BRASIL E FRANÇA.
Mesmo com o empenho da diplomacia portuguesa para resolver o impasse quanto
ao limite territorial entre o seu domínio e o francês, os resultados dessas negociações não
alcançavam o objetivo precípuo dos diplomatas, qual seja: a garantia da inviolabilidade das
terras ditas portuguesas.
Vários foram os tratados assinados, mas nenhum deles conseguiu obstar os
conflitos armados pela região contestada.
Para a melhor compreensão do deslinde deste litígio franco-português e, por
sucessão, franco-brasileiro, mister se faz analisar os principais tratados sobre a questão em
comento.
3.3.1. Tratado de 04 de março de 1700.
Os portugueses fixaram-se de fato na região do Contestado Franco-brasileiro em
1688, formando a guarnição da Fortaleza de Santo Antônio. Contudo, sua presença nesta
localidade não emparreirou o projeto francês de aumentar o seu domínio colonial, tomando
posse das terras do Cabo Norte.
Assim, em 1697, Luís XIV ordenou que uma expedição militar expandisse a
fronteira da colônia sul-americana francesa até o Rio Amazonas. As tropas portuguesas, sob o
comando do Capitão-general Antônio de Albuquerque, reagiram bruscamente à tomada do
Forte de Santo Antônio de Macapá pelos francos, conseguindo expulsar os invasores que
tiveram de retornar a Caiena.
Os lusos, que desejavam ao máximo evitar conflitos armas por não possuir
homens suficientes para colocar em batalha, e os francos, que se encontravam em uma
situação delicada na Europa devido à sucessão do trono na Espanha, decidiram assinar o
Tratado de 04 de março de 1700, o chamado Tratado Provisional, o qual neutralizou a região
contestada, sendo proibido inclusive o estabelecimento de colonos portugueses ou franceses
naquele território.
29
Foi a partir daí que os portugueses assinaram com os franceses o Tratado
Provisional de 04 de março de 1700, pelo qual ficava neutra a área de conflito da
Capitania do Cabo Norte onde tantos franceses como portugueses ficavam proibidos
de ocupar as ditas terras. Pelo mesmo tratado ficaram suspensas as posses de ambos
os lados, além de estarem proibidas de levantar novas fortificações ou estabelecer
núcleos de população enquanto o assunto não fosse solucionado. Do mesmo modo,
os nativos que lá vivessem deveriam ter seu direito de moradia preservado. Seria
proibida a escravização, apenas consentindo-se que, os missionários portugueses e
franceses os procurassem a serviço da cristandade. Esses missionários seriam
sempre os que já estivessem no local.29
Referido tratado, politicamente, “foi desfavorável a Portugal, pois foi uma
negação de todo um esforço de soldados, missionários e dos próprios colonos que tinham
descoberto, dominado e garantido a soberania portuguesa” 30.
O verdadeiro objetivo desse tratado era evitar as guerrilhas armadas e garantir a
paz naquele território, por isso se optou por deixar pendente a questão do limite territorial.
3.3.2. Tratado de 18 de julho de 1701
Em verdade, este não é um novo tratado, mas apenas o Tratado Provisional com
oposição de reservas e inserção de aditivos, tal qual a cláusula na qual se determinava que até
o final do ano de 1701, as duas coroas deveriam colher as informações necessárias para
viabilizar um consenso sobre quem teria realmente o direito de posse das terras em discussão.
Os franceses, entretanto, não respeitaram nenhum dos dois acordos firmados,
continuando a incursionar pela região. Este desrespeito era fruto da irresignação francesa pela
participação de Portugal ao lado da Inglaterra, Holanda e Áustria na Guerra Sucessória da
Espanha contra esta e a França.
Os portugueses, por sua vez, requereram a anulação dos dois tratados, argüindo a
ineficácia e a falta de obrigatoriedade dos mesmos. Ainda, solicitaram que sua aliada
européia, a Inglaterra, interviesse na questão para ajudar nas negociações com os francos.
O Tratado provisional subsistiu mesmo com a celebração de outros tratados sobre
a região, tendo validade concomitante.
29 MORAIS, Paulo Dias; MORAIS; Jurandir Dias; ROSÁRIO, Ivoneide Santos. História do Amapá: o Amapá
na mira estrangeira. Macapá: JM Editora Gráfica, 2006, p. 47.
30 RENÔR, João. Ob. Cit., p. 183
30
3.3.3. Tratado de Ultrecht
Com a intervenção da rainha inglesa nas negociações, foi assinado, em 11 de abril
de 1713, o Tratado de Ultrecht entre Portugal e França (ver Anexo C), o qual estabeleceu o
Rio Oiapoque como limite territorial entre Brasil e a Guiana Francesa.
Novamente, houve desrespeito dos franceses às cláusulas contratadas, por
entenderem que este tratado foi condescendente com os interesses portugueses, o que levou a
continuação de incursões francesas na área.
Na verdade, o que os francos almejavam era ter territórios à margem do Rio
Amazonas, pretensão esta que tiveram de renunciar em favor de melhores relações na Europa.
Contudo, por definir claramente a fronteira entre as colônias portuguesa e francesa na
América do Sul, os franceses buscavam alguma forma de burlar o tratado.
Nessa esteira, o governador de Caiena propôs ao governador do Estado do
Maranhão e Grão-Pará uma aproximação comercial entre Belém e Caiena. Comunicando o
Conselho Ultramarino, este refutou totalmente a proposta, pois o Tratado de Ultrecht proibia
toda e qualquer relação mercantil dos colonos lusos com os franceses.
Diante das sorrateiras investidas francesas em direção ao domínio português, o rei
de Portugal criou as tropas guarda-costas, responsáveis pela segurança dos colonos e dos
missionários. Contudo, essas tropas não frearam o ímpeto expansionista dos francos.
Os franceses só começaram a ser combatidos com eficiência em 19 de julho de
1722, quando assumiu o governo do Estado do Maranhão e Grão-Pará o Capitão-general João
Maia da Gama.
Percebendo que seus esforços de tomar posse clandestinamente das terras
setentrionais portuguesas seriam inexpressíveis, os franceses decidiram, então, suscitar a
dúvida sobre a verdadeira localização do Rio Oiapoque.
É importante ressaltar que era plenamente conhecida a posição geográfica do Rio
Oiapoque, na época conhecido como “Japoc” ou Vicente Pinzón, por portugueses e franceses,
sendo, portanto, o questionamento sobre a sua localização apenas uma tentativa francesa de,
na assinatura de outro tratado, obter mais vantagens territoriais.
31
3.3.4. Tratado de 1797
O Barão do Rio Branco em suas memórias31 destaca que, apesar de saber-se
precisamente a localização do Rio Oiapoque (Ver Anexo A), já se sabia que este rio nascia na
Serra de Tumucumaque e se dirigia em linha pouco sinuosa para Noroeste até sua boca no
oceano.
A dúvida suscitada pelos franceses, portanto, apenas expressava a fraqueza lusa
frente aos acontecimentos históricos da Europa à época, que acabaram trazendo a família real
portuguesa ao Brasil em decorrência da invasão de Portugal pelo exército de Napoleão
Bonaparte. Entretanto, mister se faz destacar que, apesar dessa situação na Europa, na
América do Sul, os portugueses conseguiram ainda manter, por certo tempo, sua força de
dominação, ocupando por um período a Guiana Francesa.
O aumento do poder de Napoleão Bonaparte na Europa, entretanto, fez com que
Portugal saísse da área de colonização francesa na América do Sul e ainda fizesse concessões
quanto à fronteira com a Guiana.
Assim, em 1797, foi assinado o tratado de paz na região, o qual estabelecia como
limite territorial entre o domínio português e o francês o Rio Calçoene, que se localiza entre o
Rio Araguari e o Rio Oiapoque. Contudo, esse tratado não foi ratificado pelo governo de
Portugal. 
3.3.5. Tratado de Badajóz
Sob forte pressão da França, em 1801, Portugal aceitou assinar o Tratado deBadajóz, o qual determinava que o limite das terras do Cabo Norte teria como marco o Rio
Araguari (ver Anexo A), desde sua foz até a nascente. Ainda, Portugal deveria pagar à França
31 JORGE, Arthur Guimarães de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do Brasil: uma introdução às obras do
Barão do Rio Branco. Brasília: Senado Federal, 1999, p. 55.
32
o equivalente a 15 (quinze) milhões de francos-ouro pelo tempo que passou com a posse das
terras cujos verdadeiros donos seriam os franceses.
Em setembro do mesmo ano a França propôs a assinatura do Tratado de Madri, no
qual os portugueses deveriam ceder ainda mais o seu domínio para os franceses, pois neste
tratado estipulava-se que a fronteira seguiria do Rio Araguari até o Rio Carapanatuba, que
deságua no Rio Amazonas. Todavia, em 1802, o Tratado de Amiens restaurou a fronteira ao
Rio Araguari.
Mencionados tratados foram considerados nulos pelo Príncipe Regente Dom João,
haja vista o Tratado de Madri não ter sido ratificado por Portugal e o Tratado de Amiens nem
ter chegado ao conhecimento português.
Em represália às atitudes francesas, os portugueses invadiram o domínio francês,
tomando posse da Guiana em 1809. Em decorrência da derrota de Napoleão na Europa, os
países europeus, reunidos no Congresso de Viena, decidiram que a Guiana deveria ser
restituída à França até o limite do rio Oiapoque, em respeito ao Tratado de Ultrecht.
Em 1822, o Brasil fica independente de Portugal, herdando de sua antiga
metrópole a questão fronteiriça mal resolvida.
33
4. O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO
Com a independência do Brasil, os conflitos sobre o limite territorial no norte do
País persistiram, ficando ainda mais intensos a partir de 1832, com a retomada da política
expansionista francesa pelo monarca Luís Felipe.
Ainda, para aguçar as divergências sobre a Região do Contestado Franco-
brasileiro, o irlandês Warden criou uma falsa latitude ao Rio Oiapoque, colocando-o na
posição em que se encontra o Rio Araguari. Isso propiciou maiores incursões francesas no
território brasileiro.
Para buscar uma solução pacífica, clamou-se pela neutralização da área, que se
manteve assim até a descoberta de ouro em 1894 em Calçoene, no cerne na região contestada.
Com o aumento do interesse pelas terras localizadas entre o Rio Oiapoque e Rio
Araguari, urgia uma resolução definitiva para a contenda territorial, a qual se findou com o
Laudo Arbitral do monarca suíço, em 1º de dezembro de 1900.
Para a melhor compreensão da sentença arbitral, é importante analisar mais
atentamente a região e suas controvérsias, que nem os tratados, como já visto, conseguiram
findar.
4.1. A FORMAÇÃO DA REGIÃO
Em verdade, a formação da região conhecida como Contestado Franco-brasileiro
começou com a assinatura do Tratado de Tordesilhas, que deu início às disputas pela posse
deste território.
Historicamente, entretanto, esta região se forma com a neutralização da área
situada entre o Rio Oiapoque e o Rio Araguari, em 1841, que se torna um território de mútua
convivência entre franceses e brasileiros.
34
O Contestado Franco-brasileiro propriamente dito é uma área de livre acesso entre
Portugal e França, cujo objetivo era a espera mais propícia de um acordo que realmente
surtisse efeitos e determinasse a quem pertenceria aquelas terras disputadas há anos.
4.2. A NEUTRALIZAÇÃO DA ÁREA
Em 1835, no norte do Brasil, eclodiu uma revolta regencial conhecida como
Cabanagem. Para acabar com este movimento, o Governo Brasileiro deslocou diversas tropas
aos locais onde se encontravam os focos revolucionários, descuidando da fronteira litigiosa.
Assim, aproveitando-se da redução da vigilância brasileira, os franceses
construíram uma fortificação nas imediações do atual município do Amapá, mais
precisamente numa localidade banhada pelo lago Ramudo.
O Governo Imperial brasileiro não sabia da instalação da guarnição militar
francesa na área, só tomando conhecimento deste fato quando um posto militar português,
comandado pelo capitão Harris descobriu os invasores.
Para tentar amenizar a situação, muitos diplomatas brasileiros foram enviados à
França para relembrar aquele governo dos termos acordados no Tratado de Ultrecht, bem
como para demonstrar que a permanência da guarnição francesa em território brasileiro
constituir-se-ia em um ato ilegal. No entanto, de nada adiantaram os esforços da diplomacia
pátria, restando a Dom Pedro II, em 1840, criar uma colônia militar na localidade para evitar
maiores expansões francesa.
Em 1891, após muitas negociações, os franceses aceitaram sair da região ocupada
sob a condição de neutralização da área, a qual poderia ser usufruída por franceses e
brasileiros. Ainda, ficou acordado que seriam providenciadas as negociações a respeito da
fixação de um limite territorial definitivo entre França e Brasil.
Desta feita, a área em comento passou a se chamar oficialmente de Contestado
Franco-brasileiro, tendo um representante no Brasil, morando em Belém, e outro da França,
morando em Caiena. Como sede do Contestado foi indicada a vila do Espírito Santo do
Amapá.
A partir de 1850, importantes ações governamentais foram promovidas na região
amazônica visando diminuir a presença estrangeira e assegurar a soberania brasileira em todo
35
território nacional. Logo, orientada a definir todos os impasses quanto às fronteiras pátrias, a
diplomacia brasileira norteou suas defesas no princípio do uti possidetis, ou seja, “a posse dá
direito ao território”. 32
Como critério para a definição de fronteiras, a diplomacia imperial adotou o
princípio do uti possidetis pelo qual era de soberania de cada país o território no qual
tinha instalações oficiais ou de seus cidadãos, quando da independência das
metrópoles. O princípio do uti possidetis foi levantado, pela primeira vez, por
Alexandre de Gusmão na negociação do Tratado de Madri (1750), mas foi motivo
de dúvidas sobre sua conveniência, por parte das autoridades do Império do Brasil,
nos anos 1830 e 1840, até ser adotado como norma da diplomacia brasileira com a
ascensão do Visconde de Uruguai, Paulino José Soares de Souza, ao cargo de
Chanceler, em 1849.33
Para negociar sobre a resolução da questão de limites, foi enviado como Ministro
em missão especial junto ao governo de Napoleão III, em dezembro de 1854, Paulino José de
Souza, o Visconde de Uruguai. Contudo, apesar de seu empenho, não foi resolvida
definitivamente a questão de limites, pois a divergência principal com o negociador francês
era sobre o entendimento do imperador da França, que só via como único limite possível o
Rio Araguari.
Tentando não romper as negociações, o representante brasileiro resolveu pausar as
argumentações diante da insistência francesa de que o Rio Vicente Pinzón não seria o Rio
Oiapoque, mas o Araguari. Retornou ao Brasil em 1856 o Visconde do Uruguai, sem êxito
nas propostas lançadas ao governo francês.
A questão ficou adormecida por 20 (vinte) anos, convivendo pacificamente os
dois povos no Contestado Franco-brasileiro. No entanto, em 1886, um grupo de aventureiros,
formado por brasileiros e crioulos da Guiana Francesa e liderado pelo geógrafo francês Julles
Gross, fundou a República do Cunani na área que compreendia o Contestado. Historiadores
amapaenses defendem que, em verdade, esta república foi uma iniciativa francesa visando à
criação de uma localidade independente do Brasil e sob proteção da França.
A República de Cunani tornou-se vergonhosa para a monarquia francesa, porque
se consubstanciava em uma afronta direta ao acordo de neutralização da área. Por isso, a
reação do governo francês ao tomar conhecimento deste episódio foi desaprová-lo por
32 MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Direito Internacional Americano: estudo sobre a contribuição
de um direitoregional para a integração econômica. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1995, p. 176.
33 DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. Rio Branco e a Consolidação da Amazônia Brasileira: A
Questão do Amapá. Disponível em: ‹http://www.upis.br/revistamultipla/multipla11.pdf#page=75›.
36
completo, extinguindo a republiqueta, cassando direitos políticos e administrativos e
confiscando bens dos participantes em Paris.
Mas a questão ainda não havia encerrado. Em 1892, houve nova tentativa em dar
continuidade do estado de Cunani, formando o que viria a ser a 2ª República. O
idealizador dessa nova ilegalidade foi o francês naturalizado brasileiro Adolfo,
Brezet, residente em Belém, o qual foi obrigado a desistir da pretensão, pois as
autoridades paraenses logo interromperam, enviando soldados a Cunani para
aprisionar os participantes de tal aventura.34
Esquecidas as Repúblicas de Cunani e restabelecida a paz na região contestada,
outro foi o motivo de preocupação do Governo Brasileiro. Em 1894, garimpeiros paraenses
descobrem ouro em Calçoene, acirrando a disputa sobre a posse do território que passou a ser
chamado pelos aventureiros que lá chegavam de “El Dorado Brasileiro”.
Em conseqüência ao deslocamento populacional intenso ao Contestado e a
proximidade deste a Caiena, em relação à Belém, iniciou-se um processo de dominação
cultural e econômica da área pela França. Entretanto, com relação à organização social e
política, a região contestada expandia-se de forma precária.
O poder francês na região foi tanto que o representante da França, Eugene
Voissien, chegou a proibir o acesso de brasileiros às minas, o que só poderia ser feito por
franceses ou crioulos da Guiana.
Em resposta aos atos da autoridade francesa, os brasileiros solicitaram que
Voissien fosse deposto de seu cargo e formaram uma Assembléia Geral, a qual optou pela
formação de uma Junta Governativa chamada Triunvirato. Esta Junta compilou um conjunto
de leis que deveriam ser seguidas pelos moradores da região contestada, não importando sua
nacionalidade, restabelecendo-se a neutralidade do Contestado Franco-brasileiro.
4.3. A INVASÃO À REGIÃO CONTESTADA
Com a instalação do governo triúnviro, a França temia perder as terras e o poder
conquistado na Região Contestada, por isso resolveu indicar como governador francês na
34 RAIOL. Osvaldino da Silva. A utopia da terra na fronteira da Amazônia: a geografia e o conflito pela
posse da terra do Amapá. Macapá: Editora Gráfica O Dia, 1992. p. 79.
37
localidade de Cunani um ex-escravo brasileiro conhecido como Trajano. Este, inebriado pela
autoridade decorrente de seu cargo, resolveu desrespeitar as decisões emitidas pelo governo
triúnviro, afirmando que só estava subordinado à jurisdição francesa.
Para complicar a situação, o representante oficial da França no Contestado passou
a não hastear mais a bandeira do Brasil naquele território, deixando tremular apenas a
bandeira francesa, o que foi considerada uma afronta à nacionalidade brasileira.
Em represália aos abusos ocorridos em Cunani, o novo presidente do Triunvirato,
Francisco Xavier da Veiga Cabral, o “Cabralzinho”, manda uma expedição militar à referida
vila para trazer Trajano à vila do Amapá a fim de que este explicasse seus atos de desonra aos
símbolos do Brasil. Em face de sua desobediência, o representante francês foi levado à força
pela expedição brasileira, que também apreendeu as armas e a bandeira francesa.
Charvein, governador da Guiana Francesa à época, reagiu imediatamente,
destacando uma guarnição militar cuja missão era ir à vila de Cunani averiguar a situação em
que se deu a prisão de Trajano e, em seguida, ir à vila do Amapá libertar o representante
francês, prender Cabralzinho e conduzir o presidente do Triunvirato à Caiena.
Assim, em 15 de maio de 1895, o barco de guerra intitulado “A canhoneira
Bengali”, que levava 130 soldados franceses e o comandante da tropa chamado Lunier,
navegou o rio Amapá Pequeno e aportou no cais da vila de Amapá. Após desembarcar no
povoado, o Capitão Lunier dirigiu-se a casa de Cabralzinho onde o encontrou com uma
milícia formada por quatorze homens com fins de resistir à invasão.
Mesmo com a diferença quantitativa de soldados, os brasileiros conseguiram
inúmeras baixas na tropa francesa, que teve seu capitão morto durante os tiroteios. Sem um
comandante e não obtendo sucesso no intento de prender o presidente do Triunvirato, as
tropas resolveram, então, atacar a população antes de retirar-se da localidade.
Os invasores ficaram enfurecidos com a baixa de sua tropa. Mas ao invés dos
franceses levarem Cabralzinho como refém, promoveram a chacina dos brasileiros
na Vila do Espírito Santo do Amapá. Assassinaram idosos, mulheres e crianças, num
total de 38 pessoas; deixaram 22 feridas e outras levaram como prisioneiras. Como
não bastasse, atearam fogo em várias casas e saquearam estabelecimentos
comerciais. As tropas invasoras retiraram-se e levaram Trajano na canhoneira
Bengali.35
35 MORAIS, Paulo Dias; MORAIS; Jurandir Dias; ROSÁRIO, Ivoneide Santos. História do Amapá: o Amapá
na mira estrangeira. Macapá: JM Editora Gráfica, 2006, p. 94.
38
Os historiadores noticiam que a verdadeira motivação para o massacre narrado
supra não era apenas o fato de os soldados franceses terem perdido a batalha, mas também o
interesse de levarem consigo a maior quantidade de metais valiosos que circulavam naquela
região desde a descoberta das minas de ouro em Calçoene.
O massacre que os franceses promoveram na Vila de Amapá contra sua população
humilde foi produto da violência, da dominação internacional pela posse da terra. E
deu-se, exatamente, depois da descoberta do ouro na área do então Contestado. A
certeza da exigência de riquezas no Contestado ascendeu as divergências franco-
brasileiras a patamares não experimentados. O ouro, sintetizando o jogo de
interesses político-econômicos, aparece, dessa maneira, como o grande propulsor do
conflito de 1895 que culminou no ataque francês, deixando um rastro de saques,
incêndios e mortes de mulheres, velhos e crianças. 36
Devido à investida francesa contra os moradores da vila do Amapá, Cabralzinho
notificou o então governador do Pará para que tomasse providências quanto à proteção da
Região do Contestado, evitando que essas terras fossem perdidas de vez pelos brasileiros no
caso de uma nova investida francesa. Tal fato tomou proporções transnacionais,
especialmente quando o governador de Caiena, “Monsieur” Charvein, ameaçou fuzilar os
prisioneiros do Brasil se o presidente do Triunvirato não se entregasse como prisioneiro à
Guiana.
A dimensão nacional e internacional do episódio foi dada pelo jornal “Diário de
Notícias”, que indicou Cabralzinho o verdadeiro herói na defesa da integridade territorial do
País, sendo o autor do tiro que matou o comandante da invasão francesa, Lunier. Isso
despertou o patriotismo brasileiro, fazendo com que a luta pela manutenção das terras do
Contestado como brasileiras não fosse apenas regional, mas uma luta de interesse da nação.
Nessa toada, as relações diplomáticas entre Brasil e França estavam tensas, sendo,
então, imprescindível a busca por uma resolução para aquele impasse que já perdurava há
muito tempo. O governo francês apurou o conflito, concluindo ser a responsabilidade do
massacre do governador de Caiena, “Monsieur” Charvein, o qual foi afastado de suas
atividades e foi compulsoriamente aposentado. O governo brasileiro, por sua vez, deu início
às negociações com as autoridades francesas a fim de indicar qual seria a forma para resolver
a questão do Contestado.
Após muita discussão, Brasil e França optaram por deixar à decisão da arbitragem
a solução da disputa da posse da região do Contestado.
36 RAIOL. Osvaldino da Silva. Ob.Cit., p. 84.
39
4.4. O FIM DO CONTESTADO AMAPAENSE
Em 10 de abril de 1897, os governos brasileiro e francês concordaram em indicar
o monarca da Suíça como o árbitro que deveria definir a questão do limite territorial entre o
Amapá e a Guiana Francesa.
Iniciada a preparação para a defesa da posse legítima das terras em questão junto
ao árbitro suíço, o Governo brasileiro encarregou José Maria Paranhos Júnior, o Barão do Rio
Branco, para elaborar uma “Memória justificativa dos direitos do Brasil na controvérsia de
fronteiras com a Guiana Francesa” a qual serviria como prova da legitimidade do Brasil. O
aludido diplomata elaborou a tese de defesa que, em seus dois volumes, contava com
inúmeros mapas e diversos documentos, comprovando que o Rio Oiapoque e Rio Vicente
Pinzón tratavam-se do mesmo rio, sendo, portanto, mais coerente que se restabelecesse a
fronteira traçada pelo Tratado de Ultrecht de 1713, qual seja: o Rio Oiapoque.
Por sua vez, o diplomata francês restringiu-se a argumentar que o Rio Oiapoque e
o Rio Vicente Pinzón não poderiam ser o mesmo rio, mas nenhum material comprobatório foi
colacionado a sua defesa. Ainda propôs que, no caso de afastada a hipótese por ele aventada,
dividir-se-ia a região do Contestado em duas, uma da França e outra do Brasil, tendo como
marco divisório o Rio Calçoene.
Em réplica, o representante brasileiro mostrou documentos portugueses os quais
demonstravam o conhecimento comum de que aquelas terras pertenciam ao domínio
português, passando a pertencer ao Brasil após sua independência em 1822.
Em 1º de dezembro de 1900, o Conselho de Sentença em Berna, na Suíça,
presidido pelo monarca Walter Houser decidiu favoravelmente ao Brasil, passando
definitivamente a posse das terras do Contestado aos brasileiros e determinando como limite
territorial entre o Amapá e a Guiana Francesa o Rio Oiapoque, tal qual o Tratado de Ultrecht.
O total de fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa demarcado é de 730 km2 e
232 m. Há sete marcos colocados em terra firme, mas se convencionou que o limite
de cada região será o talvegue (o que se chama de Amazônia de canal) do rio
Oiapoque. A causa dessa convenção vem ser a impossibilidade de se colocar os
40
marcos no meio do rio Oiapoque, face ao risco de erosão e mudança natural do
canal. 37
Em 25 de fevereiro de 1901, foi incorporado por meio de Decreto Legislativo o
território do Contestado Franco-brasileiro a antiga formação territorial do estado do Pará, haja
vista que o Amapá só passou a figurar como território federal em 13 de setembro de 1943,
tornando-se Estado-membro em 1988, com o advento da Constituição Cidadã.
37 MORAIS, Paulo Dias; MORAIS; Jurandir Dias; ROSÁRIO, Ivoneide Santos. Ob. Cit., p. 102-103.
41
5. A ARBITRAGEM E O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO
Em decorrência ao constante descumprimento dos tratados firmados, como foi
mostrado no capítulo anterior, decidiu-se buscar a Arbitragem para solucionar de vez a
questão do verdadeiro limite territorial entre Brasil e França.
O rei da Suíça foi escolhido o árbitro e sua decisão foi conhecida pelos
litigantes e pelo mundo em 1º de dezembro de 1900 (ver anexo D).
Antes de esmiuçar o laudo arbitral, sentença que pôs fim a questão do
Contestado Franco-brasileiro, é oportuno o estudo geral do instituto da Arbitragem, o que se
faz na subseção seguinte.
5.1. A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS POR MEIO DA ARBITRAGEM
Inicialmente, importante é definir o que são os conflitos internacionais, recorrendo
à abalizada doutrina de Francisco Rezek38, o qual destaca o conceito formulado pela Corte de
Haia, que afirma ser o conflito ou litígio internacional “todo desacordo sobre certo ponto de
direito ou de fato, toda contradição ou oposição de teses jurídicas ou de interesse entre dois
Estados”.
38 REZEK, Francisco. Ob. Cit., p. 335.
42
Pode-se afirmar, portanto, que os litígios internacionais não se limitam aos
conflitos armados, mas também abrangem as questões argumentativas e políticas. Na verdade,
essas são as que mais suscitam divergências, devido ao aumento da interação entre países
originada pela globalização, o que importa em choques de poderes soberanos e de leis e
costumes diferentes.
Mister se faz destacar que os litígios internacionais não se estabelecem apenas
entre dois Estados, podendo ser um desacordo entre vários Entes Soberanos, apesar de aquele
ser o caso de maior ocorrência.
Diante dessas controvérsias surgidas no desenrolar das relações internacionais,
foram criados meios visando soluções pacíficas, evitando a resolução armada, ou seja, a
guerra. Entretanto, não se pode deixar de pontuar que, apesar de hoje a guerra ser um ilícito
internacional, ela já foi considerada anteriormente um meio perfeitamente legítimo para findar
litígios internacionais.
O ilustre autor Ian Brownlie ensina o que abaixo se evidencia sobre a resolução de
litígios internacionais:
A resolução de litígios entre Estados através da função judicial representa apenas
uma faceta do enorme problema da manutenção da paz e da segurança
internacionais. Face à Carta das Nações Unidas, o uso da força pelos Estados
individuais como meio para resolver litígios não é admissível, sendo a resolução
pacífica o único meio de resolução disponível. Contudo, em Direito Internacional
geral não existe qualquer obrigação de resolver litígios, assentando os processos de
resolução por meio de procedimentos formais e jurídicos no consentimento das
partes.39 (sic)
Quanto à solução pacífica de pendências entre dois ou mais Estados soberanos, há
três meios que podem ser escolhidos livremente, pois entre eles não existe hierarquia, que são:
os diplomáticos, os políticos e os jurisdicionais.
Nos meios diplomáticos, o entendimento é direto entre as partes discordantes, sem
a intervenção de terceiros. Resolve-se o impasse quando “as partes transijam em suas
pretensões, ou quando uma delas acabe por reconhecer a validade das razões da outra”.40
Assim, como formas de resolução de litígios pela via diplomática, têm-se as negociações
diretas, os serviços amistosos, os bons ofícios, a mediação e o sistema ou regime de consulta.
39 BROWNLIE, Ian. Ob. Cit., p. 735.
40 REZEK, Francisco. Ob. Cit., p. 340.
43
Com relação aos meios políticos, estes se caracterizam por sua atuação em
conflitos cuja gravidade seja significativa para a sociedade internacional e por não requerer a
aceitação de todas as partes envolvidas na contenda para se fazer presente, ou seja, podem ser
requeridos à revelia dos outros entes litigantes. Como instâncias políticas destacam-se a
Assembléia Geral e o Conselho de Segurança da ONU, mas ainda podem ser avocadas outras
organizações de caráter regional e vocação política, tal qual a Organização dos Estados
Americanos.
Quanto aos meios jurisdicionais, são duas as vias comumente apresentadas para a
resolução pacífica por este meio, as soluções judiciais e a arbitragem. Nestas formas de
resolver litígios, James Leslie Brierly41 enfatiza que tanto os juízes quanto os árbitros estão
subordinados ao ordenamento jurídico, não possuindo poderes discricionários “que lhes
permitam pôr de lado as normas jurídicas existentes e decidir de acordo com a sua concepção
pessoal de eqüidade e da justiça”.
Nesse diapasão, pode-se definir arbitragem, nas palavras do douto Hildebrando
Accioly (1991, p. 247-248), como “um processo de resolver litígios internacionais, mediante
o emprego de certas normas jurídicas ou por intermédio de uma pessoa ou pessoas que as
partes litigantes escolhem livremente para esse fim”. Logo, conforme defende a doutrina em
geral, para o uso deste meio jurisdicional é necessário que o conflito telado seja passível de
ser resolvido juridicamente.
Em seu artigo publicado em um sítio da internete,Rodrigo Ferreira Santos e
Victor Paulo Kloeckner Pires42 definem arbitragem da forma como se destaca em seguida:
Derivada do latim “arbiter” (juiz, louvado, jurado), arbitragem significa, na
linguagem jurídica, o procedimento utilizado na solução de litígios e tem como
definição sumária e tradicional, segundo STRENGER, Guilherme Gonçalves (Do
Juízo Arbitral, RT 607, p. 31), “a técnica, pela qual a divergência pode ser
solucionada, por meio da intervenção de terceiro (ou terceiros, onde é chamado de
Juízo Arbitral), indicado pelas partes, onde se presume a confiança de ambas. Isto
tudo tendo por base a assinatura da cláusula compromissória ou do compromisso
arbitral, onde as partes confiam a alguém a condução dos trabalhos para
solucionar os conflitos. E, por fim uma decisão, livre de intervenções estatais,
destinadas a assumir eficácia de sentença judicial”.
41 BRIERLY, James Leslie, 1979 Apud DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional
Público. Rio de janeiro: Editora Forense, 2006, p. 183.
42 SANTOS, Rodrigo Ferreira; PIRES, Victor Paulo Kloeckner. Arbitragem Internacional: Uma análise à luz
da legislação brasileira. Disponível em: ‹http://www1.jus.com.br/doutrina/texto›.
44
Do exposto, pode-se inferir que a arbitragem tem como características precípuas:
o acordo de vontade das partes litigantes para a escolha de um ou mais árbitros, desde que
seja em quantidade ímpar, e a delimitação do objeto do litígio; e a obrigatoriedade da decisão,
que não é suscetível de recurso.
Da primeira característica, depreende-se o princípio fundamental da arbitragem,
que é a livre escolha do árbitro, que pode ser selecionado ad hoc ou dentre as pessoas
qualificadas as quais figuram na lista da Corte Permanente de Arbitragem.
Para que seja oficializada a arbitragem como meio de resolução do conflito e a
participação do árbitro escolhido pelas partes, faz-se necessária a celebração de um
compromisso arbitral. Neste estará definida a matéria da controvérsia, a designação do(s)
árbitro(s) e seu(s) respectivos(s) poder(es), bem como “a promessa formal de aceitação,
respeito e execução da futura sentença arbitral”. 43 
Convém lembrar que a arbitragem não precisa ser indicada como via pacífica
apenas quando o conflito já é existente. É possível, por meio de uma cláusula arbitral, que um
tratado determine à submissão de um eventual conflito entre os dois Estados contratantes à
apreciação de um árbitro previamente escolhido.
Uma vez que o conflito existe e as partes requerem a intervenção do árbitro no
litígio, dar-se-á início ao processo arbitral. No caso deste não está regulado no compromisso
arbitral ou não se encontrar completamente disposto, invocar-se-ão subsidiariamente as
disposições estipuladas sobre este assunto na Convenção de Haia.
De acordo com a referida Convenção, o processo consistirá em duas etapas: a
escrita e a oral. Nesta existirão debates orais entre as partes os quais só serão públicos se elas
assim o decidirem, mas as deliberações arbitrais serão sempre a portas fechadas. Naquela,
documentos serão apresentados pelas partes como prova da veracidade dos argumentos
aventados nos debates, concluindo-se esta etapa com a sentença prolatada pelo árbitro.
A sentença arbitral tem caráter definitivo, não se aceitando a interposição de
recurso, pois “o árbitro não se inscreve num organograma judiciário como aquele das ordens
jurídicas internas”.44
Salienta-se, contudo, que a obrigatoriedade da sentença arbitral não implica em
sua auto-executoriedade. Isto quer dizer que às partes incumbirá o seu fiel cumprimento, em
43 ACCIOLY, Hildebrando. Ob, Cit., p. 248. 
44 REZEK, Francisco. Ob. Cit., p. 352
45
respeito aos dois princípios importantes do direito internacional: o da pacta sunt servanda e o
da boa-fé.
Mesmo vigorando o princípio da irrecorribilidade da decisão arbitral, esta poderá
eventualmente ser anulada. Cretella Júnior e Cretella Neto enumeram as hipóteses limitadas
para se considerar a sentença de um árbitro internacional sem eficácia e sem obrigatoriedade,
senão veja:
a) excesso de poder dos árbitros; b) sentença proferida como resultado de fraude ou
deslealdade dos árbitros; c) quando os árbitros que proferiram a sentença forem
incapazes de fato e de direito; d) se não forem cumpridas as regras estipuladas pelas
partes, no compromisso arbitral, ou se forem violados princípios jurídicos
fundamentais, como o da ampla defesa; ou e) falta de fundamentação da sentença
arbitral.45
Afora as hipóteses acima indicadas, a sentença arbitral põe fim ao litígio levado a
sua apreciação, determinando a melhor solução para a controvérsia de forma definitiva e
permanente. Por isso, tem sido um meio de resolução de litígios adotado cada vez mais por
diversos países, como demonstram as estatísticas. De acordo com sítio da internete chamado
Direito Net, os Estados têm buscado cada vez mais a arbitragem, conforme os dados
dispostos:
Segundo dados da Projuris – Câmara de Mediação e Arbitragem Internacional a
Espanha é um dos países que mais utiliza a arbitragem como solução de conflitos,
cerca de 98% . Em seguida vem o México com resolução de 95% dos conflitos via
arbitragem; Japão com 92%; Portugal com 72% e Argentina com 63%. No Brasil a
arbitragem ainda é pouco utilizada [...].46
Do exposto, pode concluir que a tendência mundial é de optar pela arbitragem
como meio de resolução de controvérsias internacionais em detrimento dos outros meios,
devido ao caráter irrevogável de sua decisão.
5.2. O LAUDO ARBITRAL SOBRE A REGIÃO CONTESTADA
45 CRETELLA JÚNIOR, João; CRETELLA NETO, João. Ob. Cit., p. 115.
46UTILIZAÇÃO da arbitragem no mundo. Direito Net on line. Disponível em: ‹http://www.direitonet.com.br/›. 
46
Para decidir, inicialmente, em que termos a arbitragem dar-se-ia para a resolução
da questão de fronteiras entre Brasil e França, Carlos Alberto de Carvalho, Ministro das
Relações Exteriores do Presidente Floriano Peixoto, aconselhou-se com o Barão do Rio
Branco para que o tratado de arbitramento fosse redigido de forma a buscar mais benefícios
para o Brasil. Assim, Rio Branco salientou a necessidade de limitarem-se os poderes do
árbitro e de indicar com precisão o território em disputa.
O Barão destacou a importância da escolha de um árbitro único, haja vista os
trabalhos imperfeitos normalmente realizados por Tribunais e Comissões Arbitrais, o que
poderia prejudicar sobremaneira os interesses brasileiros. Por isso, o diplomata do Brasil
defendeu a indicação de um chefe de Estado, cujos poderes de árbitro estariam limitados no
tratado de arbitramento, no qual havia duas condições de suma importância: quanto ao limite
territorial, caberia ao árbitro apenas decidir qual era o verdadeiro: Rio Vicente Pinzón, se
Oiapoque ou Araguari, sendo vedada a proposição de resolução intermediária; quanto à
fronteira, a linha leste e oeste deveria ser determinada na escolha de uma das duas propostas
apresentadas pelas partes, ou se poderia indicar realizar um acordo com base nos princípios de
direito internacional concernentes a fronteiras indeterminadas. 47
As negociações para definir o tratado de arbitramento se iniciaram em Paris, onde
ficou evidente o receio da França em insistir demasiadamente em vantagens territoriais na
região contestada, pois isto poderia complicar suas relações com os aliados do Brasil, os
Estados Unidos e a Inglaterra. Com esta, o receio fundamentava-se na disputa que essas duas
potências tinham em relação a territórios coloniais na África e na Ásia, por isso os ingleses já
tinham declarado que preferiam ter por limítrofe o Brasil, pois os francos e suas idéias
expansionistas poderiam ameaçar o seu domínio na Guiana Inglesa. Aqueles, por sua vez,
estavam apegados à DoutrinaMonroe, cuja idéia principal consubstanciava-se na mensagem
do Presidente norte-americano James Monroe, abaixo transcrita, em que se defendia a não-
colonização e não-intervenção de países europeus nos governos e nos territórios das
Américas.
[...] um princípio no qual o direito e os interesses dos Estados Unidos estão
compreendidos que os continentes americanos, em razão da liberdade e da
independência que eles mantém não podem de agora em diante serem considerados
como suscetíveis de uma colonização futura por qualquer Potência européia.48 (sic)
47PRIMEIROS tratados de limites com a França. Governo do Amapá on line. Disponível em:
‹www4.ap.gov.br/Portal_Gea/historia/dadosestado.htm›.
48 MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Direito Internacional Americano: estudo sobre a contribuição
de um direito regional para a integração econômica. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1995, p. 42-43.
47
Assim, em conseqüência da difícil negociação, não houve consenso entre os
diplomatas brasileiro e francês, os quais transferiram a responsabilidade das transações para
General Dionísio Cerqueira, Ministro do Exterior do governo de Prudente de Morais, e o
Ministro da França Pichom, que se encontraram no Rio de Janeiro. Então, a conclusão deste
encontro foi a escolha do Presidente da Confederação Helvética, Suíça, como árbitro, cuja
sentença seria nos termos do tratado de arbitramento, não podendo interpor contra ela
apelação e sendo obrigatório o seu cumprimento pelas partes contratantes. Ainda, foi
concedido um ano para o governo suíço entregar sua decisão a respeito do Contestado Franco-
brasileiro.
Os franceses, tentando garantir sua permanência na região objeto do litígio,
tentaram aumentar os poderes do árbitro já nas apresentações de memórias para a comissão de
arbitramento, o que permitiria aos francos recorrer à transação na hipótese de sua
sucumbência. O protesto brasileiro foi rápido, alegando-se de forma contumaz o desrespeito e
descumprimento ao compromisso assinado e ratificado em 1897, o Tratado de Arbitramento
entre França e Brasil.
Passados os debates orais e as apresentações de documentos que sustentavam as
teses ventiladas ao Monarca Suíço, este, em 1º de dezembro de 1900, entregou ao governo da
França e do Brasil o seu laudo arbitral no qual constava a solução do impasse que já durava
duzentos anos. Nesta esteira, o árbitro deu causa ganha ao Brasil, acatando por completo as
propostas brasileiras quanto ao limite territorial, que seria o Rio Oiapoque, bem como quanto
à fronteira, a qual seria marcada pelo referido rio e as cabeceiras do Rio Coulé-Coulé e
Mapaoni (ver Anexo E).
5.3. O LAUDO SUÍÇO E A LEGISLAÇÃO ATUAL
Hoje há um consenso entre os estudiosos de Direito internacional que um ente,
para ser considerado Estado, deve conter três elementos principais: governo, população e
território. É neste último em que se deve discriminar de forma clara e precisa a fronteira e o
limite territorial.
48
Não compreende o território somente o espaço terrestre, o solo, mas inclui o
subsolo, o espaço aéreo, o mar territorial e a plataforma submarina. Devem esses
elementos territoriais ser definidos, cabendo referência à fronteira, região em que
dois ou mais Estados se encontram, e limites, que são traços ou linhas, retas ou
curvas, que os separam. 49 (grifo nosso).
A maior parte da demarcação dos atuais territórios existentes, entretanto, não foi e
ainda na atualidade não é feita de forma pacífica. Os Estados limítrofes tendem a disputar
cada lote de terra, tendo de recorrer-se a formas de resolução de conflitos para garantir a paz
na localidade disputada, bem como a segurança jurídica internacional, evitando-se uma
eventual guerra.
Assim, dentre as formas de resolução pacífica de conflitos destaca-se a arbitragem
que vem ganhando cada vez mais relevância nos dias correntes. Isto porque ela assegura a
obrigatoriedade e a perpetuidade de sua decisão, bem diferente dos tratados que, apesar das
tentativas de assegurar sua execução, são descumpridos ao mero alvedrio dos contratantes.
Deve-se acrescentar também que a globalização aumentou consideravelmente as
relações interestatais, que precisam de soluções rápidas e eficazes para os seus impasses,
evitando-se conflitos armados e desgaste social. 
Isso fez com que as arbitragens não ficassem restritas só a resolver os conflitos entre
os Estados, mas também propiciar a solução de litígios entre os Estados e
particulares estrangeiros. [...] Ademais, a arbitragem cresce em importância diante
da emergência dos fenômenos das integrações econômicas regionais, as quais
necessitam de soluções para os litígios por órgãos técnicos e mais atentos a
fenômenos econômicos que os Tribunais judiciários internos dos Estados-partes. 50
No Brasil, o antigo Código Civil, 1916, bem como os Códigos de Processo Civil
anteriores, 1939 e 1973, colocavam como requisito importante para que um Laudo Arbitral
tivesse efeito dentro do território pátrio, sua homologação judicial.
Tal panorama restou modificado com a promulgação e publicação da Lei nº
9.307/96, que deu novas feições à arbitragem no Brasil, como enumera Rodrigo Ferreira
Santos e Victor Paulo Kloeckner em seu artigo eletrônico entitulado “Arbitragem
Internacional: Uma análise à luz da legislação brasileira”.
49 DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Ob. Cit., p. 69.
50 SANTOS, Rodrigo Ferreira; PIRES, Victor Paulo Kloeckner. Arbitragem Internacional: Uma análise à luz
da legislação brasileira. Disponível em: ‹http://www1.jus.com.br/doutrina/texto›.
49
O advento da Lei 9.307/96 (Lei da Arbitragem) reformulou por completo o instituto,
trazendo como principais inovações a (1) dispensa de homologação judicial,
tornando-se a sentença arbitral título executivo judicial, conforme o art. 584, VI, do
CPC; (2) a eficácia negativa, que é a impossibilidade de se recorrer ao judiciário
após a convenção arbitral, onde o juiz tem o dever de extinguir o processo, como
prescreve o art. 267, VII, do CPC; e a (3) eficácia positiva, que refere-se à execução
específica da cláusula compromissória (no caso de a parte que se submeteu ao
compromisso arbitral se negar a aceitar convocação para tal, poderá a parte
contrária, conforme os arts. 6º e 7º da Lei de Arbitragem, interpelar judicialmente, o
que valerá como a convenção arbitral.
Alguns doutrinadores têm referido que as normas que dispensam a homologação
judicial, dando à cláusula compromissória eficácia positiva ou negativa, seriam
inconstitucionais à luz de inciso XXXV do art 5º da Constituição Federal, uma vez
que estariam excluindo do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito. Esta questão
foi decidida pelo STF, uma vez que este órgão rejeitou o incidente de
inconstitucionalidade, com vários argumentos: o principal deles diz que a exclusão
da apreciação do Judiciário se dá diretamente pela vontade das partes sobre direitos
disponíveis.
Em específica análise, a arbitragem nacional tem termos semelhantes à arbitragem
internacional, entretanto esta é mais restrita e sua decisão atinge a esfera jurídica de muitas
pessoas, o que lhe dar um caráter mais severo.
Nessa toada, o Laudo Arbitral Suíço sobre a Questão do Contestado Franco-
brasileiro teve de ser recepcionado pelas normas internas brasileiras, o que ocorreu através de
um Decreto Legislativo em 1901, anexando a Região Contestada ao estado do Pará. Hoje,
devido ao grau de interesse social, haja vista a quantidade de brasileiros que se viram
beneficiados com a incorporação oficial daquelas terras ao território brasileiro, ele deveria ser
recebido diretamente por nossa legislação, tal qual ocorre com os tratados sobre direitos
humanos.
50
6. CONCLUSÃO
A questão de limites territoriaissempre é delicada, pois envolve pessoas que,
culturalmente, têm as duas origens, no caso de fronteiras entre dois Estados.
No caso especifico do atual Estado do Amapá, os acontecimentos referentes à
questão do Contestado Franco-brasileiro contribuíram para enaltecer e consolidar a jovem
República Brasileira no seu aspecto territorial, mas não foi a completa expulsão francesa de
nosso território, pois na região a cultura e a língua se misturam, gerando um misto de
“crioulos franco-brasileiros” que dançam “Zuk” (música típica africana cantada em francês) e
falam “Patauá” (língua crioula francesa).
O que se pode ressaltar da questão estritamente territorial é a eficácia do laudo
arbitral, o qual garantiu a posse e a propriedade das terras do setentrião pátrio, que afastou
conflitos armados mais intensos pela disputa das terras amapaenses.
Sabe-se que os meios pacíficos de solução de conflitos internacionais têm sua
eficácia adstrita à vontade dos países em contenda. Assim, ainda que boas decisões, no
51
sentido lato da expressão, sejam construídas em comum acordo, ou mesmo propostas por um
terceiro ente, a solução depende do próprio Estado ofensor para ser efetivada.
Os tratados sobre a Região telada foram todos descumpridos pela rival européia,
que mesmo assinando-os e ratificando-os, ainda se via descontente com os limites traçados,
buscando a posse completa daquelas terras com o fito de alcançar o Rio Amazonas e lá ter
livre navegabilidade.
Conclui-se, portanto, que a Arbitragem seria realmente o único meio de resolução
pacífica de conflitos que definiria de vez o impasse entre portugueses, sucedidos por
brasileiros, e franceses.
A obrigatoriedade e a irrecorribilidade de sua sentença foram fortes fatores que
garantiram a eficácia da aplicação da decisão arbitral, a qual foi respeitada na íntegra por
brasileiros e franceses, que não discutiram mais sobre o limite territorial e a fronteira
determinada.
Como visto, representa a arbitragem uma verdadeira revolução no campo da
solução de disputas fora dos tribunais, sendo necessário o delineamento e delimitação das
normas internacionais em prol da unificação dos conceitos e pensamentos a respeito,
principalmente, das questões entre Estados.
Há cem anos, o Barão do Rio Branco, Ministro das Relações Exteriores,
conseguiu que fossem estabelecidos os limites territoriais, demarcando as fronteiras da
Guiana Francesa. A demarcação das terras, porém, não significou a separação dos povos que
continuaram se relacionando amistosamente. Nos últimos anos, a relação de cooperação entre
brasileiros e franceses vem se fortalecendo dia-a-dia. O espírito de cooperação amapaense foi,
e continua sendo, objeto de atenção de várias personalidades nacionais e internacionais.51
51 CONTESTADO franco-brasileiro. Governo do Amapá on line. Disponível em:
‹www4.ap.gov.br/Portal_Gea/historia/dadosestado-contestado.htm›.
52
REFERÊNCIAS
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‹http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Milene%20Dantas%20Cavalcante.pdf›.
COSTA, Luís César Amad; MELLO, Leonel Itaussu. História do Brasil, 11ª ed. São Paulo:
Editora Scipione, 1999.
53
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Público. Rio de janeiro:
Editora Forense, 2006.
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: Parte Geral. 7ª ed. ampl. E atual. Rio
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Brasileira: A Questão do Amapá. Disponível em:
‹http://www.upis.br/revistamultipla/multipla11.pdf#page=75›.
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Solução Privada de Controvérsias. Disponível em:
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JORGE, Arthur Guimarães de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do Brasil: uma
introdução às obras do Barão do Rio Branco. Brasília: Senado Federal, 1999.
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brasileira e as convenções internacionais. Disponível em: ‹www.arbitragem.com.br›.
MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Volume
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____________, Direito Internacional Americano: estudo sobre a contribuição de um
direito regional para a integração econômica. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1995.
MORAIS, Paulo Dias; MORAIS; Jurandir Dias; ROSÁRIO, Ivoneide Santos. História do
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___________; ROSÁRIO, Ivoneide Santos. Amapá: de capitania a território. Macapá: JM
Editora Gráfica, 1998.
RAIOL. Osvaldino da Silva. A utopia da terra na fronteira da Amazônia: a geografia e o
conflito pela posse da terra do Amapá. Macapá: Editora Gráfica O Dia, 1992.
REIS, Arthur César Ferreira. Limites e Demarcações na Amazônia Brasileira: A fronteira
Colonial com a Guiana Francesa. Volume I, Reedição. Macapá: Imprensa Oficial, 1993.
54
RENÔR, João. Os Momentos da Amazônia. Macapá: Imprensa Oficial, 1998.
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar, 10ª ed. ver. E atual.
São Paulo: Editora Saraiva, 2005.
SANTOS, Rodrigo Ferreira; PIRES, Victor Paulo Kloeckner. Arbitragem Internacional:
Uma análise à luz da legislação brasileira. Disponível em:
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SCHOLAI, Tatiana. Panorama da Arbitragem Internacional. Disponível em:
‹http://jusvi.com/artigos/35350›.
2. SÍTIOS DE INTERNETE CONSULTADOS:
CONTESTADO franco-brasileiro. Governo do Amapá on line. Disponível em:
‹www4.ap.gov.br/Portal_Gea/historia/dadosestado-contestado.htm›.
PRIMEIROS tratados de limites com a França. Governo do Amapá on line. Disponível em:
‹www4.ap.gov.br/Portal_Gea/historia/dadosestado.htm›.
RESOLUÇÃO Pacífica de Conflitos. Tribunais Arbitrais Internacionais Especializados.
Disponível em: ‹http://tribunaisespecializados.blogspot.com/2007/09/da-soluo-pacfica-das-
controvrsias.html›.
UTILIZAÇÃO da arbitragem no mundo. Direito Net on line. Disponível em:
‹http://www.direitonet.com.br/›.
55
ANEXOS
56
ANEXO A – Mapa do Estado do Amapá
57
(Fonte: www.rootsweb.ancestry.com/~brawgw/ap/mapaap.html)
ANEXO B – Preâmbulo da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969
58
 Os Estados Partes na presente Convenção,
Considerando o papel fundamental dos tratados na história das relações
internacionais,
Reconhecendo a importância cada vez maior dos tratados como fonte do Direito
Internacional e como meio de desenvolver a cooperação pacífica entre as nações, quaisquer
que sejam seus sistemas constitucionais e sociais,
Constatando que os princípios do livre consentimento e da boa fé e a regra pacta
sunt servanda são universalmente reconhecidos,
Afirmando que as controvérsias relativas aos tratados, tais como outras
controvérsias internacionais, devem ser solucionadas por meios pacíficos e de conformidade
com os princípios da Justiça e do Direito Internacional,
Recordando a determinação dos povos das Nações Unidas de criar condições
necessárias à manutenção da Justiça e do respeito às obrigações decorrentes dos tratados,
Conscientes dos princípios de Direito Internacional incorporados na Carta das
Nações Unidas, tais como os princípios da igualdade de direitos e da autodeterminaçãodos
povos, da igualdade soberana e da independência de todos os Estados, da não-intervenção nos
assuntos internos dos Estados, da proibição da ameaça ou do emprego da força e do respeito
universal e observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos,
Acreditando que a codificação e o desenvolvimento progressivo do direito dos
tratados alcançados na presente Convenção promoverão os propósitos das Nações Unidas
enunciados na Carta, que são a manutenção da paz e da segurança internacionais, o
desenvolvimento das relações amistosas e a consecução da cooperação entre as nações,
Afirmando que as regras do Direito Internacional consuetudinário continuarão a
reger as questões não reguladas pelas disposições da presente Convenção,
Convieram no seguinte: [...].
ANEXO C - O Primeiro Tratado de Ultrecht
59
Dom João, por graça de Deos, Rey de Portugal:
Faço saber aos que esta minha Carta virem, que havendo todas as Potências que concorreram
para a presente guerra, concordado em que na Villa de Utrecht se formasse hum Congresso de
todos os Plenipotenciários dellas, para nelle se conferirem os pontos, e meios proporcionados
para pôr fim às hostilidades, concordaram e ajustaram hum Tratado de Paz entre as Coroas de
França e de Portugal, pela maneira seguinte:
EM NOME DA SANTISSIMA TRINDADE
Havendo a Providencia Divina disposto os ânimos do muito Alto e muito Poderoso Príncipe
Luís XIV, pela graça de Deus Rey Christianíssimo de França, do muito Alto poderoso
Príncipe Dom João, o V, pela graça de Deos Rey de Portugal, convieram nos artigos
seguintes:
ART. I
Haverá huma Paz perpetua, huma verdadeira amizade, e huma firme e boa correspondência
entre Sua Magestade Christianíssima, seus Descendentes, Sucessores e Herdeiros, todos seus
Estados e vassallos, de huma parte, e Sua Magestade Portuguesa, seus Descendentes,
Successores e Herdeiros, todos seus Estados e vassallos, da outra, [...].
ART. II
Haverá de huma e outra parte hum inteiro esquecimento de todas as hostilidades,[...]. 
ART. III
Todos os prisioneiros de guerra, por huma e outra parte se restituirão promptamente, [...]. 
ART. IV 
[...]
ART. VIII
A fim de prevenir toda a occasião de discórdia, que poderia haver entre os vassallos da Coroa
de França e os da Coroa de Portugal, Sua Magestade Christianíssima desistirá para sempre,
como presentemente desiste por este Tratado pelos termos mais fortes qualquer direito e
pretenção que póde, ou poderá ter sobre a propriedade das Terras chamada do Cabo do
Norte, e Situadas entre o Rio das Amazonas e o de Japoc ou de Vicente Pinsão, sem
reservar, ou reter porção alguma das ditas terras, para que ellas sejam possuidas daqui em
diante por Sua Magestade Portugueza. 
60
ART. IX
Em consequência do Artigo precedente, poderá Sua Magestade Portugueza fazer reedificar os
fortes de Araguari e Camaú, ou Massapá, e os mais que foram demolidos em execução do
Tratado Provisional feito em Lisboa aos 4 de Março de 1700 [...].
ART. X
Sua Magestade christianíssima reconhece pelo presente Tratado, que as duas margens do Rio
das Amazonas, assim Meridional como Septentrional, pertencem em toda a Propriedade,
Domínio e Soberania a Sua Magestade Portuguesa, e promette que nem elle nem seus
Descendentes, Successores e Herdeiros farão jamais alguma pretenção sobre a Navegação e
uso do dito Rio, com qualquer pretexto que seja. 
ART. XI
Da mesma maneira que Sua Magestade Christianíssima desiste em seu nome, e de seus
Descendentes, Successores e Herdeiros, de toda a pretenção sobre a Navegação e uso do Rio
das Amazonas, cede de todo o direito que pudesse ter sobre algum outro Domínio de Sua
Magestade Portuguesa tanto na America, como em outra parte do mundo. 
ART. XII
E como he para recear que haja novas dissenções entre os Vassallos da Coroa de França e os
da Coroa de Portugal, com a occasião do Commercio, que os moradores de Cayena podem
intentar no Maranhão e na entrada do Rio das Amazonas, Sua Magestade Christianíssima
promette por si, seus Descendentes, Successores e Herdeiros, que não consentirá que os ditos
moradores de Cayena, nem quaesquer outros seus Vassallos vão commerciar nos lugares
acima nomeados, e que lhes será absolutamente prohibido passar o Rio de Vicente Pinsão,
para fazer commercio, e resgatar escravos das Terras do Cabo do Norte, como também
promete Sua Magestade Portugueza por si, seus Descendentes, Successores e Herdeiros, que
nenhum dos seus Vassallos irão commerciar a Cayena. 
ART. XIII 
[...]
ART. XIX
As ratificações do presente Tratado, dadas em boa, e devida forma, se trocarão de ambas as
partes dentro do termo de 50 dias a contar do dia da assignatura, ou mais cedo se for possível. 
61
Em fé do que, e em virtude das Ordens, e Plenos poderes que nós abaixo assignados
recebemos de nossos Amos, El Rey Christianíssimo, e El Rey de Portugal, assignamos o
presente Tratado e lhe fizemos pôr os sellos de nossas Armas. Feito em Utrecht a 11 de Abril
de 1713. 
(L.S.) Huxelles. ______________ (L.S.) Conde de Tarouca. 
(L.S.) Menages. ______________ (L.S.) Dom Luis da Cunha
ANEXO D - Cronologia sobre o Laudo Suíço
02 DE MAIO DE 1895 - o presidente do Triunvirato do Amapá, em resposta a
solicitação da população de Cunani, em carta de 25 de abril de 1895, comunica a referida
62
comunidade que providenciou a prisão de Trajano e seus compassas, através do Major Felix
Antônio de Souza, do Exército Defensor do Amapá.
15 DE MAIO DE 1895 - o governador de Caiena, Monsieur Charvein,
encarrega o capitão Lunier que, ao comando da canhoneira Bengali, chega ao Amapá com
oitenta “gendarmes” da Legião Estrangeira com a intenção de forçar Cabralzinho a soltar
Trajano. A invasão à vila de Amapá, sede do Triunvirato, deixa um saldo de dezenas de
mortos e feridos do lado brasileiro, alguns soldados do lado francês, e a morte do Capitão
Lunier pelos comandados de Cabralzinho. O conflito demorou menos de duas horas e os
franceses fugiram na canhoneira, pois a maré estava baixa e seu navio poderia ficar
prejudicado.
26 DE MAIO DE 1895 - o Jornal “O PAIZ”, do Rio de Janeiro, é o primeiro a
noticiar o conflito ocorrido, na versão da imprensa francesa.
30 DE MAIO DE 1895 - o jornal “A PROVÍNCIA” do Pará relata pela
primeira vez, e com atraso de quinze dias, o conflito ocorrido no Amapá.
30 DE MAIO DE 1895 - o governador da Guiana Francesa, Monsieur
Charvein, envia ao Governo Francês notícias contraditórias sobre o conflito ocorrido no
Contestado, tentando justificar o envio de força à vila de Amapá. A notícia foi publicada no
jornal “O DEMOCRATA”, primeira página.
06 DE JUNHO DE 1895 - o jornal “DIÁRIO DE NOTÍCIAS” narra a
preocupação do Ministro Francês, presidente do Conselho de Ministros da França, em
resolver a questão do Amapá de forma pacífica entre a França e o Brasil. Desde junho de
1895, iniciam-se as negociações entre os governos da França e do Brasil, referente à questão
contestada.
11 DE JUNHO DE 1895 - os jornais franceses como o “LE TEMPS”
começaram a produzir artigos referentes à questão do Amapá, dando um cunho de possível
vitória para o lado brasileiro.
18 DE JUNHO DE 1895 - o jornal do “COMMERCIO” publica nesta data
notícias a respeito do Governador de Caiena, Monsieur Charvein, que manda um telegrama ao
Ministro da Fazenda, noticiando versões diferentes sobre Cabralzinho.
63
27 DE JUNHO DE 1895 - o jornal “O DEMOCRATA” de Belém, Pará,
divulga declarações de um engenheiro militar francês sobre a importância estratégica da
região Contestada do Amapá.
25 DE SETEMBRO DE 1895 - o governador Charvein, principal responsável
do massacre de Lunier ao Amapá, em 15 de maio, é demitido e substituído por Lamothe, que
recebe autorização para devolver imediatamente asbandeiras brasileiras e os prisioneiros
encarcerados, para partirem no primeiro navio a sair de Caiena.
25 DE NOVEMBRO DE 1895 - o cientista Emilio Goeldi, enviado à região
contestada do Amapá, faz um relatório ao Ministro das Relações Exteriores sobre a situação
da fronteira e as conseqüências do massacre francês no Amapá.
10 DE ABRIL DE 1897 - Brasil e França assinam um acordo para decisão da
Questão do Amapá.
02 DE DEZEMBRO DE 1898 - é instalada na vila de Cunani, a comissão
mista franco-brasileira.
1º DE DEZEMBRO DE 1900 - o presidente da Suíça, Confederação
Helvética, Walter Hauser, expede o Laudo Suíço, dando ganho de causa ao Brasil na questão
do Contestado Franco-brasileiro.
ANEXO E – Laudo Suíço: Transcrição de Trechos em Português.
64
Vistos os fatos acima,
O Conselho Federal Suíço, na sua qualidade de árbitro chamado pelo Governo
da República Francesa e pelo Governo dos Estados Unidos do Brasil, segundo o Tratado de
Arbitramento de 10 de abril de 1897, a fixar na fronteira da Guiana Francesa e do Brasil
apura, decide e pronuncia:
Artigo I – Conforme o sentido preciso do Artigo 8º do Tratado de Ultrecht, o
rio Oiapoque ou Vicente Pinzón é o Oiapoque que desemboca imediatamente a Oeste do
Cabo de Orange e que por seu talvegue forma a linha lindeira.
Artigo II – A partir da cachoeira principal deste rio Oiapoque até a fronteira
holandesa, a linha de divisão das águas da Bacia Amazônica, que nesta região é constituída da
quase totalidade pela linha do fastígio da Serra de Tumucumaque, forma o limite interior.
Assim, assentado em Berna em nossa sessão de 1º de dezembro de 1900, a
presente sentença, revestida do selo da Confederação Suíça, será expedida em três exemplares
franceses, três exemplares alemães. Um exemplar francês e um alemão serão comunidados a
cada uma das duas partes pelos cuidados de nossa repartição política; o terceiro exemplar
francês e o terceiro alemão serão depositados nos arquivos da Confederação Suíça. Em nome
do Conselho Federal Suíço
O presidente da Confederação, Walter Hauser; o chanceler da Confederação
Klinger.
(tradução em português do Barão do Rio Branco).
ANEXO F - Fortificações Históricas do Estado do Amapá
65
As redes de fortificações do Amapá eram, na sua maioria, constituídas por simples
postos ou pequenos redutos, os quais, devido à fragilidade de sua construção, quase ruíram
por completo, restando somente as edificações mais sólidas. Dentre estas figuras, a fortaleza
de São José de Macapá, considerada o melhor, maior e mais importante monumento histórico
do Estado, do Brasil e da América do Sul.
As fortificações mais importantes são: Forte de Cumaú; Forte de Santo Antônio
de Macapá; Vigia do Curiaú.
1. FORTE DE CUMAÚ
Depois que os portugueses se apossaram dos fortes de Torrego, nos rios
Manacapuru e Filipe, entre os rios Matapi e Manacapuru (hoje Rio Vila Nova), um reduto
mais seguro e mais resistente, os ingleses enviados oficialmente à Amazônia alojaram-se na
Região de Macapá, onde fundaram o Forte de Cumaú ou Massapá, com a ajuda dos índios
Nhengaybos, Aruan e Tucuju. Em 10 de março de 1631, aportou em Santa Maria de Belém,
Feliciano Coelho de Carvalho, nomeado ao cargo de vice-governador e grão-pará com a
missão de continuar a lutar contra os invasores no grande vale amazônico. Em 1632, chefiava
uma expedição guerreira, cuja finalidade era expulsar os invasores ingleses e parar nas
imediações no Forte do Cumaú. Deu ordens aos capitães Ayres Chinchorro e Pedro Baião de
Abreu. Ergue-se um lugar estratégico, uma trincheira para iniciarem os ataques ao
aquartelamento dos súditos de Carlos I, da Dinastia de Studart. Na noite de nove de julho, o
capitão Pedro Baião, acompanhado de seus soldados, de cinco mil índios, apoderou-se do
Forte de Cumaú, onde os ingleses que haviam resistido à ofensiva portuguesa foram mortos e
aprisionados. O comandante da expedição Roger Frey não estava presente no combate,
porque foi ao encontro de uma nau de socorro, bastante equipada com material bélico.
Feliciano Coelho, ciente da atitude de Roger Frey, ordenou ao capitão Ayres Chinchorro que
fosse ao encontro do navio inglês, era o dia 14 de julho de 1632. O capitão tratou de executar
as ordens do seu comandante, ma o fez com o auxílio dos índios flecheiros (Tucuju), os quais,
em suas canoas, abordaram os navios ingleses, todavia, foram vencidos pelos lusitanos.
66
Ayres, Chinchorro e Roger Frey confrontaram-se no tombadilho da nau inglesa e de espada
em punho iniciaram o duelo. Ao final, o comandante súdito de Carlos I é derrotado,
sucumbido pela espada mortal do português. A vitória portuguesa já era previsível: o Forte de
Cumaú foi arrasado. Feliciano Coelho retorna, então, para Belém no navio tomado por Roger
Frey com a artilharia e os despojos da fortificação vencida. Dessa forma, os ingleses perderam
a sua última batalha nas terras do Amapá. Atualmente, este forte pertence ao município de
Santana.
2. FORTE DE SANTO ANTÔNIO DE MACAPÁ
A presença francesa, ou melhor, a presença dos guianos (membros de uma tribo
indígena) despertou nos portugueses a idéia de construir uma fortificação para a defesa da
região de Macapá, que o Rei de Portugal, Dom Pedro I (1683-1706), através da Carta-régia de
21 de dezembro 1666, facultou ao governador Gomes Freire de Andrade a escolha de um
local para construir a respectiva fortaleza então em projeto. No ano de 1688, o governador do
Maranhão e grão-pará, capitão Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho (filho de
Feliciano Coelho) adotando as instruções do Governador-geral do Brasil, mandou levantar
essa fortificação, a qual recebeu o nome de Santo Antônio de Macapá. Em 31 de março de
1697, portanto, nove anos após a fundação do forte, o marquês Deferroles, seguindo
determinação do Governador de Caiena é, acima de tudo, ordens do Rei da França (Luiz
XIV), desrespeita o acordo de paz, expulsa os militares lusitanos da margem esquerda do rio
Amazonas. Com tudo isso, sem muitas dificuldades, pois, para se apossar da fortaleza em
questão, não necessitou de nenhuma artilharia. O forte localiza-se nas proximidades da atual
rodovia Salvador Diniz, que liga o Distrito de Fazendinha ao Porto de Santana, na
embocadura do Igarapé da Fortaleza. O governador do Maranhão e grão-pará, Antônio
Albuquerque de Carvalho, que nesse momento achava-se inspecionando a Praça de Gurupá.
Sabedor da tomada desse forte organizou, sob o comando de Francisco de Sousa Fundão, uma
expedição militar constituída de 160 soldados, 150 índios flecheiros com destino a Macapá,
seguida mais tarde, um minguado reforço, liderado por José Muniz de Mendonça. Vigiava a
fortificação uma guarnição de quarenta e três homens, entre oficiais e soldados. Em 28 de
julho de 1697, os portugueses realizaram o primeiro ataque para a retomada da fortaleza, mas
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foram rechaçados a bala pelos inimigos. Francisco de Sousa Fundão, analisando o fracasso da
primeira investida, pensou em retirar sua tropa. Entretanto, não teve a equiescência de João
Muniz, que considerava a idéia absurda, pois o propósito da expedição era tomar o forte, a
qualquer custo. Por causa da determinação de João Muniz, os portugueses recuperaram, em
seguida, a fortaleza de Santo Antônio de Macapá. Deste modo, conforme previsto em lei,
precisamente no artigo 1 do tratado provisional de 4 de março de 1600, sancionado pelos
portugueses e franceses, a fortaleza deveria ser demolida conforme este acordo bilateral –
pelo qual foi neutralizado território com a Guiana Francesa – ficou acertado que se deveria:
desamparar e demolir, por el-Rei de Portugal, os fortes de Araguari e Cumaú e retirar a gente
e tudo o mais que neles houver e as aldeias de índios que os acompanham e formarem, ao
serviço e uso dos ditos fortes, e depois da ratificação do tratado provisional, achando-semais
alguns fortes pela margem do rio Amazonas, para o Cabo do Norte e Costa do mar até a foz
do rio Oiapoque, se demoliram igualmente os de Araguari e do Cumaú. (Reis, Artur Sérgio,
1993). Apesar das determinações, atendendo ao pedido do governador do Pará, Fernando
Carrilho, o forte de Santo Antônio de Macapá não foi demolido. Contudo, a fortaleza não
recebeu a dívida na intenção de pouco a pouco foi se transformando em ruína. Além do mais,
pelo seu aspecto arquitetônico de pouca resistência, não oferecia segurança, no caso de nova
invasão.
Sua construção foi levantada por volta de 1763, mas a sua planta de fortificação
só ficou pronta 75 anos depois quando se estudavam as fortificações de Macapá, por
determinação do governador de maranhão e grão-pará, Fernando da Costa de Ataíde Teive.
3. VIGIA DO CURIAÚ
Ao norte da cidade de São José de Macapá, lança-se no rio Amazonas o igarapé,
chamado nas cartas geográficas desde os tempos coloniais o rio Curiaú. O governador do
grão-pará, Capitão-general João de Abreu Castello Branco, autorizou a instauração de um
destacamento militar em Macapá. Uma pequena unidade comandada pelo capitão Antônio
Gonçalves, que havia enviado ao Rei de Portugal, D. João VI, propondo erguer, por sua conta,
uma fortificação na foz do Curiaú, dizendo estar interessado apenas em ser seu comandante
com posto vitalício. A proposta foi aceita pelo governador do grão-pará, mas o monarca
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português manifestou-se contrário Somente em seis de março de 1761, o governador do
Maranhão e grão-pará, Bernardo de melo e Castro, veio a Macapá para a benção da igreja de
São José de Macapá. Aproveitou a ocasião para autorizar a concessão da construção da
fortaleza de São José de Macapá e que fosse construída uma Vigia na parte direita do rio
Curiaú, na confluência com o rio Amazonas. Foi construída uma residência para o corpo da
guarda e uma guarita, a uma distância de 70 braços do rio ou 150 metros de terra firme, em
cima de um banco de lodo por uma ponte.
Antes do descobrimento do Brasil, em 1499, Américo Vespúcio, participando da
expedição de Alonso de Hojeda – sob ordens dos reis católicos da Espanha Fernando e Isabel
(Castelo e Aragão) - percorreu o litoral amapaense, conforme carta- documento escrita por
esse navegador, na qual narra o momento em que sua expedição atravessa a linha do Equador,
passando pelas ilhas da Caviana, dos Porcos e do Pará, em frente do Município de Macapá,
hoje capital do Estado do Amapá. Portanto, antes de ser oficializado o nome Macapá,
Américo Vespúcio já havia passado em sua frente, através do rio Amazonas. A história da
cidade São José de Macapá, remonta aos idos coloniais e está relacionada à defesa e
fortificação das fronteiras do Brasil, bem como à preocupação em garantir a fixação do
homem em terras brasileiras, assegurando, assim, a soberania de Portugal nas terras
conquistadas. No extremo norte do Brasil, formou-se o primeiro núcleo de colonização
(1738), após vários conflitos com os franceses de Caiena. Este núcleo pertencia a então
província do Maranhão e Grão-Pará, cujo governador (João de Abreu Castelo Branco) enviou
destacamento militar para o local onde hoje se encontra a fortaleza de São José de Macapá.
Por falta de recursos financeiros, conservou o destacamento, sem, no entanto, procurar
desenvolvê-lo. Mas alertou ao rei de Portugal sobre a urgência de implementação de
povoamento e fortificação da foz do Amazonas. Francisco Pedro Gurjão, seu sucessor,
reiterou essas reivindicações. Apesar disto, o único mérito de D. João V, foi o de haver em
1748, oficialmente denominado a região de província dos Tucujus ou Tucujulândia,
mantendo, portanto, inalterada sua condição administrativa. No ano de 1751, o governador do
Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marquês de
Pombal, ministro de D. José I, continuou a colonização, trazendo algumas famílias (colonos)
vindas das ilhas de Açores, com o objetivo de iniciar uma pequena povoação e construir
barracos para servirem de alojamento aos soldados que iriam para lá. O povoado rapidamente
progrediu, mas a insalubridade do local vem a ser um grave problema para os colonos. Em
1752, grassa no povoado uma epidemia de cólera. A noticia chegou a Belém em 7 de março
69
daquele mesmo ano. Inesperadamente, Mendonça Furtado aporta na povoação, trazendo, além
medicamentos, o único médico que havia na capital e consegue controlar a moléstia.
Constituem as origens do Amapá, portanto, esses colonos degredados de Portugal (bandidos,
prostitutas, presos políticos ECT, negros africanos ou oriundos da Bahia e do rio de Janeiro,
além dos índios que já habitavam o local). Em 1761, inaugurava-se o mais antigo monumento
da cidade de Macapá: a Igreja de São José de Macapá. Foi o governador do Grão-Pará,
Mendonça Furtado que elevou Macapá, antes povoado, à categoria de Vila de São José de
Macapá, em 4 de fevereiro de 1758, na presença do povo Tucujuense, precisamente na praça
denominada de São Sebastião. Era necessário fortificar a vila. O então governador do Grão-
Pará e Maranhão, Fernando da Costa Ataíde Teive, autorizou, em 1764, a construção da
Fortaleza de São José de Macapá. Em 19 de março de 1782, foi inaugurada a maior
fortificação construída pelos portugueses no Brasil. A vila foi prosperando e se expandindo
em volta do forte. Era o ano de 1808. A família real chegara ao Brasil. D. João VI determina a
integração da Fortaleza de São José de Macapá à fronteira do Reino Unido de Portugal, Brasil
e Algarves. Em 7 de janeiro de 1835, eclode desta a cabanagem, revolta armada encabeçada
basicamente por humildes habitantes ribeirinhos que moravam em cabanas, daí o nome do
movimento. A noticia da eclosão desta revolta chega à Macapá, através do subcomandante da
fortaleza de São José, Francisco Pereira Brito, que se encontrava em Belém. A cabanagem,
sendo um movimento reformista composto por mestiços, não conseguiu a adesão dos
macapaenses, descendentes de antigos colonos portugueses (não miscigenados). O temor da
perda de privilégios os levou a formar uma frente de reação aos cabanos com o apoio das
Vilas de Gurupá, Monte Alegre, Santarém e Cametá. Providências militares foram tomadas
para conter o avanço na região. Em Macapá, a defesa da vila e seus domínios foram
organizados pelo presidente da Câmara Municipal, Manoel Antonio Picanço, e pelo Juiz de
Direito Manoel Gonçalves de Azevedo, pelo Promotor Público Estevão José Picanço e pelos
capitães Francisco Valente Barreto e José Joaquim Romão. Este último comandante da
Fortaleza de São José. A luta entre cabanos e tropas imperiais intensificava-se perseguidos no
Baixo-Amazonas, os vieirinhas, bem como na localidade de Furo de Beija-Flor. Em 20 de
dezembro de 1835, foram atacados por tropas macapaenses e mazaganenses e expulsos da
região. Somente no segundo reinado, através da Lei Provincial do Pará de n 281, Macapá foi
elevada à categoria de cidade, em 6 de setembro de 1856. No governo de Getúlio Vargas,
através do Decreto-lei n 5812, de 13 de setembro de 1943, foi criado o território Federal do
Amapá. A partir desta data o Amapá passou a ter governo próprio, embora nomeada pelo
Governo Federal. Em 31 de maio de 1944, Macapá foi promovida à categoria de capital do
70
território, hoje Estado do Amapá. Macapá é o município mais importante do Estado do
Amapá, pois configura a capital do estado do Amapá. Além de ser a sede do governo e demais
poderes que regem a administração, é o município mais estruturado, concentrando prédios de
arquitetura moderna e monumentos históricos. Macapá é a única capital brasileira que está
situada à margem do rio Amazonas e é cortada pela linha doEquador. A partir da
transformação do Amapá em Estado, atendendo preceitos da Constituição de 1988, ocorreram
substanciais mudanças em sua dinâmica especial. O esgotamento das jazidas manganíferas, de
fundamental importância para a economia do Estado, obrigou aos Governos, tanto estaduais
quanto federais, buscarem novas alternativas econômicas para o Amapá. O principal elemento
dessa tomada de decisão foi a criação pelo Governo do Federal da área de livre comércio de
Macapá e Santana em 1991. Apesar da suspensão do Imposto de Importação (II) e do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI), sobre as mercadorias estrangeiras, que se constituem
em grande perda na arrecadação do Estado, o setor terciário ainda é um dos maiores
alavancadores da economia estadual, além de propiciar vantagens também no campo social,
pois gera empregos para centenas de pessoas.
ANEXO G – A Colonização Africana no Amapá
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1. SONHO LUSO-MARROQUINO
 Durante o século XVI Portugal já fincara raízes em diferentes terras de além
mar. Pontos de comércio, colônias, foram sendo implantados na América, em terras d’África
e até mesmo no Oriente. 
As investidas portuguesas contra os mouros levaram à ocupação de diferentes
cidades da área meridional de Marrocos, à implantação de Mazagão, erguida na parte sul da
baía, bem junto ao mar. Aos poucos, no entanto, os mouros começavam a recuperar suas
cidades. Em março de 1541, Santa Cruz de Cabo de Gué caiu em poder dos mouros. A perda
deste baluarte compeliu o rei D. João III a determinar já em outubro daquele ano, o abandono
e a evacuação de Safim e Azamor. 
Alguns anos mais tarde, em 1550, Alcácer-Ceguer e Arzila foram abandonadas
pelos portugueses, restando a Portugal, de suas conquistas em Marrocos apenas Ceuta, Tânger
e Mazagão. Posteriormente, em 1662 Tânger, que permanecera portuguesa, foi cedida à
Inglaterra como parte do dote de casamento de D. Catarina com Carlos II. Assim, no final do
século XVII até meados do XVIII apenas Mazagão permaneceu como marco de resistência do
sonho lusitano em Marrocos
Mazagão nascera uma cidade litorânea, voltada para o comércio. Sua vocação de
concentrar riquezas contribuía para aumentar a cobiça de outros povos, com riscos de invasão
a que era submetida. Riscos aos quais se somavam os objetivos mouros de recuperar seu
território. Ainda por determinação de D. João III, a cidade Mazagão fora fortificada,
transformada em uma cidadela da qual se dizia inexpugnável. E de fato, esta cidadela resistiu
por mais de dois séculos, ainda que isolada por terra pelos contingentes marroquinos.
A partir de 1750 intensificaram-se os ataques mouros à praça portuguesa de
Mazagão. A partir de então se sucederam os cercos, os ataques sofridos por Mazagão: em
1751, 1752, 1753, 1754, 1756, 1760, e 1763. Neste último, a cidade se viu na iminência de ser
tomada. Mas foi em 1769 que um poderoso contingente de 8.000 homens montou o último
cerco à cidade. O transtorno, o perigo real, imposto pelos mouros que sitiavam a vila
72
portuguesa de Mazagão, levou o Rei D. José I a ordenar o abandono da praça e o embarque
imediato da população para Lisboa. 
Em 1769 já haviam se passado 256 anos desde que os portugueses fundaram
Mazagão. Muitas transformações haviam se operado nas relações entre os países, nas políticas
internas, nos produtos das colônias. E, no reinado de D. José, a política portuguesa assumia
novos rumos. Assim é que, ao tomar conhecimento do cerco que se montava a Mazagão, o
Rei decidiu pela transferência para o Brasil das 340 ali residentes.
2. NASCE UMA NOVA MAZAGÃO.
Mas não era Lisboa o destino final daquela população: as preocupações da coroa
portuguesa com a ocupação da Amazônia brasileira fizeram com que se integrasse a estratégia
de evacuação de Mazagão em Marrocos, com a implantação de uma Nova Mazagão na
Amazônia. A intensificação dos conflitos em Marrocos coincidiu com um período em que a
política portuguesa buscava intensificar o povoamento das fronteiras de sua colônia
americana. A exploração do ouro no Brasil exigia da coroa cuidados especiais com as vias
de acesso às minas. Seja para garantir terras potencialmente ricas em ouro, seja para evitar a
evasão, o contrabando do ouro, o controle de Amazonas preocupava Portugal. A região, o
Rio é, sobretudo, sua foz era alvo constante das incursões inglesas, holandesas e francesas.
Apenas com o povoamento e a fortificação de pontos estratégicos poderiam vir a
garantir a posse e o domínio do Amazonas. Assim é que, entre 1755 e 1759, durante o
governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado (governador do Grão Pará entre 1751 e
1758) foram fundadas cerca de 60 vilas e povoados no Estado do Grão-Pará, nas capitanias do
Pará e Rio Negro. Mas nos meados do século XVIII, parece que já não se mostrava muito
fácil arregimentar colonos voluntários para a América. Os dois problemas confluíram para a
solução: transplantar para a América a colônia de Marrocos.
“Com estas famílias ordena El Rei Nosso Senhor, que se estabeleça uma nova
Povoação na Costa septentrional das Amazonas, para se darem as mãos com o Macapá, e com
Vila Vistoza.”.
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A questão estratégica de defesa dos canais de acesso ao Amazonas, é evidente. A
vila de São José de Macapá, com a sua Fortaleza de São José, representava o foco da questão
de defesa do canal Norte do Rio. A guarnição de Macapá poderia vir a necessitar de reforços
em caso de assédio; nestas circunstâncias as vilas próximas responderiam em seu auxílio. 
Assim a Vila de Mazagão viria a integrar o sistema de apoio à Fortaleza de São José,
juntando-se às vilas de Macapá e Vila Vistoza da Madre de Deus, fundada em 1767 às
margens do rio Anauerapucu. 
O local da nova vila fora sugerido por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, em
carta que enviada a Ataíde Teive. De há muito, Teíve planejava instalar uma povoação nas
margens do Mutuacá. De início planejara ali assentar uma fazenda, uma povoação com
índios, “posto que tinha ótimos campos para currais”, como se refere em sua carta a João
Ignácio de Brityo e Abreu, Juiz de Fora do Pará, datada de 1758. Ainda com base nas
recomendações de Mendonça Furtado, o Governador, incumbir o ajudante engenheiro
Domingos Sambucetti de examinar ‘o sítio mais cômodo para o estabelecimento da villa’. 
Assim Sambucetti depois de estudos recomenda ao Governador um “terreno místico ao lugar
de Santa Ana do Rio Mutuacá”, como assinala na planta que fez. No local escolhido existia
um povoado do qual fez a planta, desenhando a nova vila sobre o povoado já existente. Este
povoado ali se instalara desde 1769. Fora constituído por um contingente indígena,
irregularmente ‘descido’ por Francisco Portilho, em 1753.
Impedido pelo Governador Teíve, de negociar os índios aprisionados, o ‘capitão’
cedeu à pressão e concordou em constituir um povoado com aquela gente. As margens do
Mutuacá foi o terceiro ponto buscado para o assentamento. Antes haviam ocupado uma área
na Ilha de Santana (1754) e posteriormente nas margens do Rio Anauerapucu (1756). As
primeiras áreas foram consideradas pouco salubres e em 1769 a população se transferiu para
as margens do Rio Mutuacá.
O projeto para a fundação de Vila Nova de Mazagão foi “desenhado sobre o
povoado já existente”, e previa a construção de mais de 500 casas. Da povoação indígena,
apenas a igreja foi considerada no plano de Sambucetti. As pequenas quadras do povoado
não foram integradas ao projeto, bem mais ambicioso, da Nova Mazagão.
Em 1770 chegaram a Belém as primeiras 340 famílias que deixaram a velha
Mazagão, no Marrocos. Deveriam se demorar pouco tempo em Belém. Parte destas
famílias iria constituir a Nova Mazagão, um povoado que a coroa portuguesa mandara o
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Governador do GrãoPará, Governador Ataíde Teíve, construir às margens do rio Mutuacá. 
Uma vila planejada, composta de muitas quadras que se distribuíam nas terras firmes às
margens do rio que a partir de então recebeu o nome da vila, Rio Mazagão. 
Também em 1770, (23 de janeiro) as obras da vila já haviam sido iniciadas. Mas,
na realidade, os trabalhos não correram tão céleres quanto seria da conveniência da Coroa.
Todos os serviços preliminares de desmatamento, limpeza e preparação do terreno certamente
consumiram um bom tempo. Havia ainda a questão de aquisição e transporte de material. 
Embora grande parte do material utilizado pudesse ser obtido nos arredores, como a palha do
buçu, para cobrir as casas, ou o barro para a taipa, possivelmente as pedras para a construção
da matriz e talvez de algumas das casas e, sobretudo a cal, teriam que vir de longe.
No início de 1773, as primeiras 56 casas já estavam concluídas; outras 36 já
construídas, faltavam ser caiadas; 25 casas também já levantadas, careciam ainda de reboco e
caiação; outras 17 haviam sido principiadas.
No final de 1773, 176 famílias, já haviam sido transferidas para a nova vila que se
fundara, especialmente para recebê-los: a Nova Mazagão, como ficou conhecida até 1880. 
Naquele ano, entre 4 de agosto e 4 de setembro, o governador João Pereira Caldas realizou
uma visita às vilas de Macapá, Vila Vistoza da Madre de Deus e Nova Mazagão. 
Nova Mazagão prosperou, tornando-se uma das grandes produtoras da região. 
Seus produtos, comerciados e transportados através do rio, iam abastecer Belém. Mas as
epidemias que no século XIX assolaram várias vilas e povoados no Brasil, não pouparam
Nova Mazagão. Em 1781 dezenas de pessoas morreram, vítimas de uma epidemia de
cólera. Desgostosos com a situação, e provavelmente atribuindo as moléstias aos ‘maus
ares’, a maior parte da população migrou.
Embora a epidemia tivesse sido controlada a partir de meados de 1882 muitos dos
sobreviventes, traumatizados com as mortes, transferiram-se definitivamente para outros
locais. No decorrer dos anos, poucos moradores permaneceram no local.
O foro de vila daquela que fora a Nova Mazagão desaparecera com a maior parte
da população; a antiga vila praticamente desapareceu. Uns poucos moradores
permaneceram, conta-se que na maioria negros. Posteriormente, com a constituição do
município de Mazagão implantou-se sua sede, uma nova cidade, a cerca de 20 km de distância
da antiga vila. Tão distante no tempo se estava de Mazagão de Marrocos, que a vila formada
no século XVIII passou a ser referida como Mazagão Velho. 
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3. Vocação para o ressurgimento
Hoje Mazagão Velho guarda memórias escondidas de seu antigo apogeu. As
memórias transmitidas através das gerações, remontam aos tempos de Marrocos, e são
revividas através de folguedos populares, de festas religiosas e profanas. O quanto resta do
traçado da antiga Nova Mazagão, não se sabe ao certo. Mas certamente existirão vestígios
daqueles tempos que poderão ser resgatados arqueologicamente. 
Quanto à migração da maioria de sua população, o abandono das casas, a perda de
seu status, teria alterado aquele traçado? Como a população remanescente teria
redimensionado o espaço? Como eram as construções das casas e das obras públicas de
então? Estas são algumas das perguntas que freqüentemente se fazem, cujas respostas
permitiram uma visão do que seriam as vilas planejadas para o Brasil. 
O que hoje se sabe da vida da Nova Mazagão, longe está de refletir de fato o que
foi a vida, o que foram as lutas para a adaptação de uma população transferida para uma
realidade tão distinta daquela a qual se acostumara na África. O que se sabe representa
apenas as linhas gerais dos eventos desta história. É necessário buscar em todas as fontes,
desde os documentos históricos oficiais, aos documentos eclesiásticos, aos documentos
arqueológicos, e até mesmo a história oral. Embora afastados no tempo por diversas
gerações, as memórias guardadas através das tradições podem representar pelo menos pistas a
serem seguidas nas pesquisas. 
A equipe do Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco
está no momento realizando pesquisas na área atendendo a solicitação do Governo do Estado
do Amapá, como ainda do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Os
trabalhos ainda não estão conclusos, mas sim, apenas iniciados. Esperamos que em próximas
campanhas possamos resgatar mais unidades funcionais desta cidade e contribuir para o seu
melhor entendimento.

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