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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO COORDENAÇÃO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO Coordenação de Atividades Complementares e Monografia Jurídica EMELLIN LAYANA SANTOS DE OLIVEIRA O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO: OS TRATADOS SOBRE O LIMITE TERRITORIAL ENTRE O AMAPÁ E A GUIANA FRANCESA Fortaleza 2 2008 EMELLIN LAYANA SANTOS DE OLIVEIRA O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO: OS TRATADOS SOBRE O LIMITE TERRITORIAL ENTRE O AMAPÁ E A GUIANA FRANCESA Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharela em Direito, sob a orientação de Nélida Astézia Castro Cervantes. Fortaleza-Ceará 2008 3 EMELLIN LAYANA SANTOS DE OLIVEIRA O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO: OS TRATADOS SOBRE O LIMITE TERRITORIAL ENTRE O AMAPÁ E A GUIANA FRANCESA Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC) adequada e aprovada para suprir exigência parcial inerente à obtenção do grau de Bacharela em Direito. Aprovada em 21 de novembro de 2008. BANCA EXAMINADORA _________________________________________________________ PROFA. MESTRA NÉLIDA ASTÉZIA CASTRO CERVANTES Orientadora Universidade Federal do Ceará - UFC ________________________________________________________ PROF. MESTRE DANILO SANTOS FERRAZ Universidade Federal do Ceará - UFC _______________________________________________________ ADV. E ESP. PEDRO JACKSON MELO COLARES Universidade de Fortaleza - Unifor 4 “Não importa o que nos tornemos ou onde podemos chegar, pois, para que sejamos grandes homens, nunca podemos esquecer quem realmente somos ou de onde viemos”. (Palavras do Imperador Japonês ao Chefe do Exército Americano no período de reconstrução do Japão após a Segunda Guerra Mundial) 5 DEDICATÓRIA Dedico esta monografia, primeiramente, a Deus que me concedeu força, coragem e determinação para trilhar este tortuoso caminho de engrandecimento acadêmico e profissional, o qual se finda, por enquanto, em minha formatura. Também dedico esta monografia a minha família que, mesmo aqueles geograficamente distantes, permaneceram ao meu lado sem titubear, acreditando sempre em minha vitória. Aos meus avós, Manoel Ferreira dos Santos e Maria José Silva dos Santos; aos meus pais, Ivelise do Socorro Santos de Oliveira e Sérgio Augusto Gurjão de Oliveira; aos meus tios, Cláudia Gomes, Ricardo Santos, Ivana Santos, Jairo Gomes, Silvana Silva e Flávio Roberto Gonçalves; aos meus irmãos, Evellin de Oliveira e Laron de Oliveira; ao meu eterno namorado e incansável companheiro, Perfirio Mendes; e aos irmãos adquiridos nesta união: Lucas Mendes, Eulino Mendes, Osvaldo Mendes, Thalita Sabóia e Lai Mendes. Dedico a todos vocês esta monografia. Não posso deixar de oferecer os frutos gloriosos deste trabalho de final de curso a professores especiais, que acreditaram em meu potencial acadêmico e apostaram alto em minha vitória: Nélida Astézia Castro Cervantes, Raimundo Bezerra Falcão, Emmanuel Teófilo Furtado, Newton de Menezes Albuquerque e Danilo Santos Ferraz. Incluo nesta dedicatória todos os Procuradores, servidores, funcionários e estagiárias da Procuradoria Federal no Ceará - AGU. Aos queridos companheiros de trabalho do escritório Colares & Colares Advogados Associados: Dr. Colares, Paixão, Pedro Jackson, Natasha e Vanessa. E aos inesquecíveis colegas do Núcleo de Defesa da Mulher, na Defensoria Pública do Estado do Ceará, em especial Aninha, Dra. Ana Cristina, Dra. Regina e Michele. Por último, mas não menos importantes, aos meus amigos, que são a família a qual Deus me permitiu escolher, sem os quais este fim de curso não seria tão prazeroso: Andressa Matos, Cleiton Matos, Elaise Landim, Gamaliel Pina, Lizomar do Nascimento, Maíra Rebouças, Marlus Nicodemos, Romana Vieira, Safira Nila, Simony Rebouças, Vanessa Martins, Virgínia Matos, Willy Ocôba, Yandira D’Almeida e a minha querida professora Mônica. 6 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por me ter abençoado e colocado em minha vida pessoas tão importantes, que me motivaram e nunca me permitiram perder a vontade de lutar por meus sonhos. Mãe, agradeço-lhe pela vida e pelas palavras de apoio; Pai, obrigada por nunca me desamparar e por me fazer sentir tão segura quando nos falamos, o que faz parecer que a distância entre o Pará e o Ceará é desconsiderável. Meus queridos avós, sou grata pelos carinhos, pela moradia e por estarem sempre presente nos momentos de alegria e de tristeza. A vida não nos permitiu muitas regalias, mas os senhores foram mestres em demonstrar como é importante buscar os nossos sonhos, por mais que eles pareçam tão distantes de nós. E, para que eu pudesse ser uma Bacharela em Direito, os senhores foram imprescindíveis, nunca deixando faltar para mim e para meus irmãos o alimento do corpo, as refeições, e o do espírito, a educação. Meus adoráveis tios, sou muito agradecida por estarem ao meu lado como amigos, apoiando meus atos e sendo condescendentes com meus erros. Meus irmãos, obrigada por fazerem parte da minha vida. Devo dedicar um parágrafo especial a Perfirio Mendes, namorado incomparável, com quem chorei quando pensei que não conseguiria; com quem sorri quando percebi que eu era capaz de vencer. O homem que não abandona, está sempre ali para apoiar e estimular com suas palavras tão cheias de sabedoria que mascaram tão tenra idade. Companheiro constante, namorado eterno e homem perfeito para uma mulher com muitos sonhos e tantos objetivos. Sou extremamente grata por tudo que me ensinaste e por teres me escolhido como tua namorada. À professora Nélida, mulher ocupada e dedicada a tudo a que se propõe realizar, sou grata pelo tempo disponibilizado para orientar-me neste trabalho de final de curso. Aos professores Raimundo Bezerra Falcão, Emmanuel Teófilo Furtado e Newton de Menezes Albuquerque, agradeço profundamente pela confiança depositada em mim, comprometendo- me de nunca os decepcionar como estudante. Ao professor Danilo Ferraz, obrigada por sua compreensão quase paterna e por sua presença providencial em minha banca, nunca me esquecerei de seu ato generoso. 7 Tenho também de agradecer aos Procuradores da AGU, em especial Dr. Eduardo Dias, Dra. Mônica Falcão, Dra. Janaína Castelo Branco e Dra. Izabel Medeiros, e ao Dr. Pedro Jackson Melo Colares do Escritório de Advocacia Colares & Colares, pessoas competentes com as quais tive a honra de trabalhar e por quais nutro respeito e admiração, em virtude dos excelentes profissionais que são e dos professores de prática jurídica que se tornaram para mim. Meus agradecimentos são imensuráveis aos meus amigos. Cada um, a sua maneira, encheu meu coração de esperança e de alegria nos momentos mais difíceis desta jornada. Entretanto, tenho obrigação de citar o nome daqueles cuja atuação em minha vida foi imprescindível. Por isso, sou grata a: Andressa, por sua sagacidade incomparável; Safira, por sua inteligência indiscutível; Romana, por sua presença constante; Elaise, por sua calma inigualável; Maíra, por sua sinceridade precisa; Simony, por sua alegria contagiante; Yandira, por seus ensinamentos profundos; Willy, por seu carisma contundente; e Gamaliel, por sua fraternidade cativante. Agradeço aqueles que participaram da minha história e torceram por minhas conquistas: Afonso, Agnelo, Aladji, Alfa, Aninha, Aquilino, Bibiza, Caintch, Cizário, Clarissa, Cleiton, Cornélio, Débora, Dr. Agapito, Dr. Márcio, Dr. Moaceny, Dr. Paulo, Dr. Radier, Dr. Reginaldo, Dr. Roberto, Dra. Caroline, Dra. Cristiane, Dra. Leila, Dra. Luciana, Dra. Mariana, Dra. Valéria, Edvige, Emi, Estelita, Euclides, Eulino, Fábio, Fabiano, Franci Lílian, Francisco, Giorgina, Herley, Israel, João Lucas, Jéssica, Joana, João Paulo, Johnata, Lai, Lizomar, Loran,Lucas, Ludmila, Marcelo, Marcondes, Mariana, Mário, Madi, Marlus, Natália, Natasha, Nino, Paixão, Patrícia, Prof. Amilton, Prof. Júlio Sampaio, Profa. Mônica, Profa. Rejeane, Ramon, Regina, Renne, Silvinho, Socorro, Suely, Tarcício, Thalita, Thiago, Tiago, Vanessa, Virgínia e Viviana. 8 RESUMO Desde a época da Colonização, as potências européias disputam as terras situadas na Região conhecida como Contestado Franco-brasileiro, pois além de estas representarem enriquecimento rápido, em virtude da descoberta de ouro na localidade, representam, outrossim, a navegalibidade na maior bacia hidrográfica brasileira, a do Amazonas. Assim, durante duzentos anos, a França disputou com Portugal e, após a independência, com o Brasil a posse das terras da mencionada região. Tratados foram assinados, mas nenhum surtiu o efeito desejado, seja pelo descumprimento de seus termos, seja pela ausência de ratificação e até de conhecimento do tratado por uma das partes. A questão só se encontrou definitivamente resolvida através da Arbitragem Internacional, que findou o conflito, dando ganho de causa ao Brasil e estipulou o limite territorial entre o atual estado do Amapá e a recente Província da Guiana Francesa. PALAVRAS-CHAVES: Contestado. Conflito. Tratado. Arbitragem. 9 ABSTRACT Since the era of Colonization, the European powers contend the land located in the region known as Contestado Franco-Brasileiro, as well as they represent enrichment fast, due to the discovery of gold in the location, they represent the right to navigate the largest river basin in Brazil, the Amazon. Thus, for two hundred years, France disputed with Portugal and, after independence, with Brazil the possession of the lands of that region. Treaties were signed, but none have the desired effect, whether for breach of his terms, is the absence of ratification or even knowledge of the treaty by one party. The only question has been finally resolved through the International Arbitration, which ended the conflict by winning at stake to Brazil and stipulated the territorial boundary between the current state of Amapá and the recent Province of French Guiana. KEY WORDS: Contestado. Conflict. Treaty. Arbitration. 10 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................11 2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS...................................................................................13 3. OS TRATADOS SOBRE A REGIÃO CONTESTADA................................................. 18 3.1. O que são Tratados..........................................................................................................18 3.2. As Etapas de Formação dos Tratados............................................................................23 3.3. O Processo de Internalização dos Tratados...................................................................26 3.4. Os Tratados sobre a Fronteira entre Brasil e França.................................................. 28 3.3.1. Tratado de 04 de março de 1700.....................................................................................28 3.3.2. Tratado de 18 de julho de 1701.......................................................................................29 3.3.3. Tratado de Ultrecht.........................................................................................................30 3.3.4. Tratado de 1797..............................................................................................................31 3.3.5. Tratado de Badajóz.........................................................................................................31 4. O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO..................................................................33 4.1. A formação da Região.....................................................................................................33 4.2. A neutralização da Área..................................................................................................34 4.3. A invasão à Região Contestada.......................................................................................36 4.4. O fim do Contestado Amapaense...................................................................................39 5. A ARBITRAGEM E O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO.............................41 5.1. A Resolução de Conflitos por meio da Arbitragem......................................................41 5.2. O Laudo Arbitral sobre a Região Contestada...............................................................45 5.3. O Laudo Suíço e a Legislação Atual...............................................................................47 6. CONCLUSÃO.....................................................................................................................50 REFERÊNCIAS......................................................................................................................52 ANEXOS..................................................................................................................................55 11 1. INTRODUÇÃO No estudo do Direito Internacional, depreende-se que Tratados são atos de vontade de Pessoas Jurídicas de Direito Internacional, que expressam mútuo consentimento para a consecução de um objetivo comum. Da expressão “mútuo consentimento” entende-se que as duas partes devem concordar com o pacto firmado, não podendo existir vício neste consentimento. Por isso, os Tratados têm força de lei entre as partes, princípio da pacta sunt servanda, haja vista terem sua origem na vontade de cada um dos acordantes, o que importa na obrigatoriedade de seu cumprimento. Acontece que, na concretude de sua aplicação, os Tratados podem ser descumpridos. Isto ocorre porque sua execução é “questão de boa fé”, recaindo no âmbito da independência dos Estados a executoriedade de um Tratado, cuja desobediência é sancionada através da responsabilidade internacional.1 Tais descumprimentos são mais incidentes em regiões onde há conflitos, pois os Estados beligerantes estão em “desacordo sobre certo ponto de direito ou de fato” 2. Logo, a fim de garantir o cumprimento de termos outrora acordados, bem como dirimir divergências de ordem internacional, criaram-se meios de solucionar conflitos pacificamente, que podem ser: diplomáticos, políticos ou jurisdicionais. Dentre os meios jurisdicionais, destaca-se a arbitragem, que consiste na escolha de um número ímpar de indivíduos, escolhidos livremente pelas partes, para determinar qual pretensão será procedente3. Diante do exposto, esta monografia jurídica tem como objetivo analisar o litígio internacional originado pela disputa das terras compreendidas pelo chamado Contestado Franco-brasileiro, a fim de que se possa compreender os meios utilizados para se determinar o limite geográfico da parte setentrional brasileira. 1 MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15ª ed., ver. e aum. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2004, p. 254. 2 REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10ª ed. ver. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p. 335. 3 CRETELLA JÚNIOR, José; CRETELLA NETO, José. 1000 Perguntas e Respostas de Direito Internacional Público e Privado: para provas da Faculdade de Direito, para concursos públicos, 9ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007, p. 113. 12 O estudo tem como marco inicial a assinatura do Tratado de Tordesilhas, em 1494, que dividiu o mundo em dois domínios: o de Portugal e o da Espanha, pois foi a esta, inicialmente, a quem pertenceu a região na qual ainda ocorreriam várias contendas sobre a legitimidade de sua posse. Em seguida, será vislumbrada a questão a partir da entrada dos brasileiros na disputa das terras em comento, a qual se deu em 1822 com a Independência, tomando-se como base teórica para as proposiçõesaventadas o direito dos tratados e as diferentes formas de resolução de conflitos Os efeitos e resultados deste episódio da História amapaense, portanto, serão aprofundados na medida em que for feita a correlação doutrinária e tratadista, cujo respaldo será norteado pelas diversas áreas do Direito, tais quais: a Constitucional, a Civil e a Internacional. Buscar-se-á formular neste trabalho um entendimento mais completo sobre a realidade desta região, bem como sobre as normas que asseguram ao Brasil o domínio das terras do antigo Contestado Franco-brasileiro, através do maior acervo bibliográfico existente sobre a matéria. Por fim, ao descrever os conflitos ocorridos no território pertencente ao atual Estado do Amapá, levantar-se-ão hipóteses que podem ser aplicadas a eventuais litígios que tenham como origem a questão de fronteira entre Estados, norteando-se sempre pelas formas de solução pacífica de conflitos aceitas pelo hodierno Direito Internacional. E, da comparação entre as Constituições de 1891 e de 1988, sedimentar-se-á o real motivo de a arbitragem ter sido o meio escolhido para findar as desavenças estatais sobre a propriedade do Contestado Franco-brasileiro. 13 2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS O Amapá é o Estado-membro com menor desenvolvimento econômico no País, apesar de possuir reserva natural superior a da maioria dos outros Estados federados. A explicação para o atrofiamento da economia e para a manutenção de uma área de preservação ambiental que ocupa sessenta e cinco por cento do Estado não se pode encontrar na atual História amapaense. Este ente da Federação, localizado no extremo norte do Brasil, já foi palco de muitos conflitos, que por vezes colocaram em risco a própria ocupação brasileira naquele território. Portugueses, espanhóis, holandeses e, principalmente, franceses buscaram reconhecer como suas as terras que hoje pertencem ao Estado do Amapá, seja pela lucrativa venda dos produtos advindos da Floresta Amazônica, seja pelo desejo de enriquecimento rápido através da extração de minerais valiosos. O interesse europeu nesta região foi tanto que ela tornou-se território neutro, mantendo-se assim até a descoberta das jazidas de ouro, as quais motivaram as contendas pelo domínio das terras chamadas de Contestado Franco-brasileiro. A partir desse momento, a discussão que se sobressalta é a quem pertenceria aquele lucrativo solo no meio da selva amazônica. A disputa em comento teve como atores principais, inicialmente, Portugal e França, sendo aquele substituído pelo Brasil após a independência desta colônia em 1822. A questão sobre a propriedade do Contestado Franco-brasileiro teve início há muito tempo, mais especificamente com a expansão marítima européia, cujos pioneiros são Portugal e Espanha. Portugal, que foi o primeiro país europeu a consolidar sua independência política, iniciou a sua expansão marítima no final do século XV, promovendo o conhecido périplo africano. Enquanto isso, a Espanha, representada por seus monarcas Fernando e Isabel, resolveu aceitar o desafio do genovês Cristovão Colombo e patrocinou a viagem deste em busca de novas terras, descobrindo nessa navegação a América. Esta descoberta suscitou conflitos de interesses entre as supracitadas potências, culminando na proclamação da Bula Intercoetera do papa espanhol Alexandre VI, que desempenhou a função de árbitro internacional nessa lide. Irresignado com a decisão e 14 acusando o árbitro de beneficiar o seu país de origem, Portugal pleiteou a assinatura de um tratado diretamente com a Espanha a fim de obter mais influência nas terras do “Novo Mundo”. Assim, em julho de 1494, foi ratificado pelas duas partes signatárias o Tratado de Tordesilhas, que ampliava a distância da linha divisória do mundo entre as duas citadas nações para 370 léguas a partir da ilha de Cabo Verde, ampliando, por conseguinte, o domínio territorial luso. 4 O primeiro documento oficial, portanto, que configurou a posse espanhola das terras do Amapá foi o Tratado de Tordesilhas. Entretanto, a divisão estipulada pelo mencionado documento não foi respeitada pelos países que iniciavam sua organização política na Europa e tentavam também sua expansão marítima. Como exemplos dessas novas potências têm-se a Inglaterra, a Holanda e a França, cabendo ao monarca desta a célebre frase de irresignação na qual alegava “não ter visto no testamento de Adão a divisão do mundo entre as potências ibéricas”. 5 Nesse contexto, os hispânicos estimularam a saída da Europa de várias embarcações com sua bandeira, cujo objetivo era conhecer as terras além-mar e expandir o seu domínio. Entre os navegadores que participaram dessa aventura com fito de conhecer e tomar posse, podem ser destacados Américo Vespúcio e Vicente Yáñes Pinzón, os quais tiveram sua atuação comentada por alguns historiadores amapaenses, como se ver abaixo: Em 1499, Américo Vespúcio, participando da expedição de Alonso de Hojeda, sob as ordens dos reis católicos Fernando e Isabel, percorreu o litoral amapaense conforme a carta-documento por ele escrita, na qual narra sua passagem por aquela área, atravessando a linha do equador, passando pelas ilhas Cavianas de Dentro, dos Porcos e do Pará, estas fazendo frente aos Municípios de Macapá, Santana e Mazagão. Além do navegador Américo Vespúcio, houve outro, Vicente Yáñes Pinzón, que em janeiro de 1500, a serviço da Espanha, percorrendo o Rio Oiapoque, o que veio culminar mais tarde, na célebre questão fronteiriça com a Guiana Francesa. Depreende-se do texto supracitado que, servindo à Espanha, o navegador Vicente Yáñes Pinzón chegou ao norte do Cabo Orange, navegando no atual Rio Oiapoque, dando a este seu próprio nome à época. Mister faz destacar que ainda hoje existem contradições a respeito da chegada do referido navegador em 1499 nas terras amapaenses, fato que é afirmado por muitos estudiosos 4 COSTA, Luís César Amad; MELLO, Leonel Itaussu. História do Brasil, 11ª ed. São Paulo: Editora Scipione, 1999, p. 27. 5 RENÔR, João. Os Momentos da Amazônia. Macapá: Imprensa Oficial, 1998, p. 189. 15 da História do Amapá. Todavia, oficialmente, tem-se que Pinzón aportou naquela região em janeiro de 1500 e realizou contato com os índios predominantes ali, a comunidade Palikur, denominando aquele território de “Costa Palicúria”. Citada costa teve sua posse dada a Vicente Pinzón como presente por sua importante atuação na expansão espanhola. Entretanto, o navegador hispânico não exerceu seus direitos de posse daquela região devido a fatores adversos, tais quais: a distância geográfica e a localização inexata. Sobre o período compreendido entre os anos de 1500 e 1600 pouco se sabe da História do Amapá. Isso porque para compreender os antecedentes históricos amapaenses, deve-se considerar a dificuldade de ocupação e colonização daquela área, que é entrecortada por rios e imersa na densa floresta amazônica (ver Anexo A), além de, à época, ser povoada por diversas tribos indígenas. Logo, oportuno é o resumo que os historiadores Paulo Dias Morais e Ivoneide Santos do Rosário6 fizeram sobre o mencionado período, senão veja: Após descoberto o Brasil, Portugal estava mais preocupado com suas transações comerciais com as Índias. Enviou para a nova terra expedições exploradoras, expedições guarda-costas e somente em 1530 é que veio a expedição exploradora de Martin Afonso de Souza. Mas a terra descoberta era grande demais e foi então criado o Sistema de Capitanias Hereditárias, que também não logrou êxito. Veio a experiência de governadores-gerais. A experiência de governos bipartidos com um governo no norte, na Bahia e outro no sul, no Rio de Janeiro, e a colonização efetiva não chega ao extremonorte do Brasil. (Grifos Nossos). Depois do início da colonização do Brasil e com a implantação do Sistema das Capitanias (1534) por D. João III, os espanhóis procuraram explorar seus domínios situados abaixo do Equador (extremo norte do Brasil). Foram feitas as primeiras concessões de terras em 1544. Carlos V, da Espanha, entrega as terras amapaenses ao explorador e navegador Francisco Orellana, as quais receberam o nome de Adelantado de Nueva Andaluzia, primeiro nome oficial que recebeu o município do Amapá, sendo que a região do Cabo Norte (Pará, Maranhão e as Guianas) era conhecida como Província de Tucujus. Havia três grupos indígenas: os Aruaques, os Caraíbas e Tupis-Guaranis. Eram civilizações primitivas vivendo basicamente da caça e da pesca, com o cultivo insipiente de raízes (mandioca) e a coleta de frutos. Entretanto, o insucesso das expedições espanholas (inclusive as de Orellana) fez com que os espanhóis perdessem o interesse em explorar as terras do setentrião brasileiro e despertasse nos portugueses aquela ambição. É assim que, no ano de 1546, Luiz de Melo e Silva passa pela boca do Amazonas e, com o rei de Portugal, D. João III, em 1553, consegue também concessão dessas imensas terras, incluindo o Amapá. Em 1578, com a morte do rei de Portugal, D. Sebastião, e por também não haver deixado herdeiros para ocupar o trono português, assumiu a coroa seu tio-avô, o cardeal D. Henrique, o qual, dois anos após haver assumido trono, portanto em 1580, veio a falecer. 6 MORAIS, Paulo Dias; ROSÁRIO, Ivoneide Santos. Amapá: de capitania a território. Macapá: JM Editora Gráfica, 1998. P. 15-16. 16 Ainda em 1580, assumiu o trono português Felipe II. Tem início o período do domínio espanhol, que se estendeu até 1640. Portugal e suas colônias passaram para o jugo da Espanha, formando a União Ibérica ou União Peninsular. Deste modo, o Brasil passou a pertencer à Espanha. Com o início da União Ibérica, os portugueses sentiram-se livres para circular nas terras antes sob o domínio espanhol. Os lusos lançaram-se em busca de vultosas riquezas escondidas entre a densa floresta equatorial, a fim de monopolizar o seu domínio, obtendo êxito em seu objetivo por certo tempo, entretanto outros países europeus despertaram para a importância econômica das terras situadas na região setentrional do território sul-americano e passaram a disputar com os portugueses a posse das mesmas. Dentre estes países, merece destaque a França. Os franceses, que antes haviam demonstrado interesse em instalarem-se na região Nordeste do atual território brasileiro, começaram a atentar para a região Amazônica e suas riquezas. Em 1605, o Governo da França recebeu a concessão das terras da ilha de Mocambo, a qual denominou Caiena, por Henrique IV, o que possibilitou o povoamento daquela localidade, bem como o início da colonização francesa na região norte da América do Sul. Foi em 1615, contudo, que se efetivou a instalação daquele povo europeu na ilha de Maracá, localizada no litoral amapaense, na qual houve um aumento na quantidade de colonos em conseqüência à expulsão dos franceses nas terras localizadas no atual Estado do Maranhão, onde tentaram criar a “França Equinocial”. Visando instigar uma política de defesa e aumentar a segurança no território que lhe pertencia, Portugal, em 1660, iniciou a construção de fortes em Macapá e nas margens do rio Paru, evitando, assim, maiores investidas dos francos (ver anexo F). Estas construções serviram ao seu fim até 1679, quando o marquês De Ferroles (Pierre Elenor de La Ville) tornou-se Governador da Guiana. Referido nobre possuía como principal pretensão trazer para o domínio francês toda a região que estava sob o controle português, em especial a Capitania do Cabo Norte. Os ideais daquele marquês obtiveram apoio do monarca da França, Luiz XIV, o qual incentivou a política agressiva de expansão das tropas francesas frente ao território luso. Assim, em 1697, as referidas tropas apoderaram-se da Fortaleza de Santo Antônio e de Paru sob o argumento de que aquela área pertenceria ao rei francês, segundo a teoria do uti 17 possidetis7, em que o direito de um país a um território era fundado na efetiva e prolongada ocupação, não sendo necessário nenhum título para tanto. Após diversas batalhas travadas, os portugueses conseguiram fazer com que o exército francês recuasse até Caiena. Contudo, o interesse franco naquelas terras subsistiu à expulsão, sendo, portanto, imprescindível para atenuar a tensão naquela área a atuação da diplomacia. Nessa esteira, foi escolhido o diplomata português Roque Monteiro Paim para discutir, a favor dos interesses lusos, os aspectos jurídicos em relação à posse e o domínio da região disputada. O autor Arthur César Ferreira Reis ressalta em sua obra parte da argumentação do mencionado diplomata, da qual se aprecia um trecho: O domínio e a posse têm suas diferenças, que se unem em um só sentido. O domínio requer título, e não pode haver nada mais justo que o que tem a Coroa de Portugal. A posse consiste no ânimo e no fato que se possui, e esta esteve sempre igualmente no mesmo estado do Brasil, esta coroa, seja povoando, seja domesticando os gentios, pondo marcos e fazendo divisões das mesmas terras, doando umas e senhoreando outras. 8 O discurso supra fazia alusão ao Tratado de Tordesilhas, que seria o título de domínio português e a alguns períodos históricos usados como prova fática da posse portuguesa, tais quais: a União Ibérica, a criação do Estado do Maranhão e a instituição da Capitania do Cabo Norte. Mesmo com muitos debates sobre o real domínio das terras em destaque, Portugal e França assinaram diversos tratados que os obrigavam a retirar suas tropas da Região Contestada, determinando a neutralização da área. Isto significava que nenhuma das partes poderia erguer fortificações, instalar vilas ou construir feitorias, apenas era lícito o trânsito livre naquele território. Como era de costume nessa época, os mencionados tratados não foram cumpridos, o que desencadeou outros acontecimentos os quais serão analisados à luz do Direito Internacional nos capítulos que se seguem. 7 De acordo com alguns historiadores, mencionada teoria foi argumentada tanto por portugueses, quanto por franceses, pois nenhum deles desejava ser desapropriado do espaço em que co-habitavam. 8 REIS, Arthur César Ferreira. Limites e Demarcações na Amazônia Brasileira: A fronteira Colonial com a Guiana Francesa. Volume I, Reedição. Macapá: Imprensa Oficial, 1993. 18 3. OS TRATADOS SOBRE A REGIÃO CONSTESTADA 3.1. O QUE SÃO TRATADOS. Segundo o artigo 2º, I, a, da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados9 de 1969 (ver Anexo B), estes são “um acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, que conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação particular”. Em 1986, em outra edição da mencionada Convenção, ficou estabelecido que o direito de firmar tratados poderia ser exercido por outros sujeitos que não os Estados e suas organizações intergovernamentais.10 Assim, do texto supra, pode-se entender que tratados são acordos entre duas ou mais pessoas jurídicas de Direito Internacional, que devem seguir, portanto, regras de cunho contratualista ou normativa, o que se chama, respectivamente, de tratados-contratos e tratados-leis. Isso significa que as cláusulas desses acordos fazem lei entre as partes signatárias, as quais devem seguir dois princípios muito importantes para o Direito Civil e o Direito Internacional, quais sejam: pacta sunt servanda e boa-fé. O primeiro refere-se ao fato de um tratado que esteja em vigor vincular as partes, devendo ser por elas cumprido, sob pena de represálias dispostas em seu termo. O segundo ressalta uma característicado direito tratadista, que é o consentimento das partes em submeterem-se às determinações ratificadas, tendo que as fazer de espontânea vontade e aplicá-las da maneira melhor possível. Citados princípios receberam guarida também pelo Código Civil Brasileiro, o qual dispõe em seu artigo 422 o seguinte: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”. 9 Explica o autor Ian Brownlie (in Princípios de Direito Internacional Público, 4ª edição. Lisboa: Oxford University Press, 1997) que esta Convenção foi aberta à assinatura em 23 de maio de 1969, entrando em vigor em 27 de janeiro de 1980 e possuindo trinta e cinco Estados como partes. Afirma, ainda, que esta Convenção não é declarativa do Direito Internacional, nem se afirma como tal, segundo o seu preâmbulo. Suas disposições são normalmente consideradas como uma fonte originária, como as alegações orais perante o Tribunal Internacional de Justiça demonstraram no caso da Namíbia, constituindo um código completo das áreas mais importantes do Direito dos Tratados. 10 ACIOLLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. 11ª ed., revisado pelo Embaixador Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva. São Paulo: Editora Saraiva, 1991, p. 120. 19 Com base nos princípios em comento, pode-se inferir que os tratados devem ser aplicados de forma mais completa, pois seus termos interagem entre si, devendo, logo, “ser interpretado de boa-fé, segundo o sentido comum atribuível aos termos dos tratados em seu contexto e à luz de seu objeto e finalidade” 11. Neste mesmo sentido, comenta o autor Hildebrando Aciolly12 o que abaixo se destaca: Se num tratado bilateral redigido em duas línguas houver discrepância entre os dois textos que fazem fé, cada parte contratante é obrigada apenas pelo texto em sua própria língua, salvo disposição expressa em contrário. Com o objetivo de evitar semelhantes discrepâncias é comum a escolha de uma terceira língua que fará fé. A questão poderá tornar-se mais complexa no caso dos tratados multilaterais firmados sob os auspícios das Nações Unidas nos quais diversas línguas podem fazer fé, como é o caso da Convenção sobre o Direito dos Tratados que menciona o chinês, o espanhol, o francês, o inglês e o russo, sendo que a Convenção de 1986 menciona ainda o árabe. A Convenção sobre o Direito dos Tratados adota uma norma interpretativa que, infelizmente, não pode ser considerada satisfatória, pois ‘presume que os termos do tratado têm o mesmo sentido nos diversos textos autênticos’. Tendo em vista a abrangência e a aplicabilidade dos tratados, para que estes sejam válidos, faz-se necessária a constituição de elementos imprescindíveis a sua existência, como: a capacidade jurídica daquele que o pratica, habilitação dos agentes signatários, consentimento mútuo e objeto lícito13. Assim, para que um tratado seja válido, impõe-se como primeira condição a capacidade das partes contratantes, que normalmente é reconhecida “aos Estados soberanos, às organizações internacionais, aos beligerantes, à Santa Sé e a outros entes internacionais” 14. A doutrina abalizada de Celso D. Albuquerque Mello15 acrescenta, ainda, outros entes que podem ocasionalmente firmar tratados, como Estados vassalos e Estados-membros, senão veja: Pode-se acrescentar que os Estados dependentes ou os membros de uma federação também podem concluir tratados internacionais em certos casos especiais; os Estados vassalos e protegidos possuem o direito de convenção quando autorizados pelos suseranos ou protetores. O Direito Interno (Constituição) pode dar aos estados federados este direito, como ocorre na Suíça, na Alemanha Ocidental e na URSS. O governo federal no Brasil não será responsável se um Estado membro da federação concluir um acordo sem que seja ouvido o Poder Executivo Federal e nem seja aprovado pelo Senado. [...] É comum se afirmar que a colônias não possuem direito de convenção, o que na verdade é a regra geral, mas que comporta exceção: algumas 11 O texto em destaque corresponde ao artigo 31 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. 12 ACIOLLY, Hildebrando. Ob. Cit., p. 34. 13 CRETELA JÚNIOR, José; CRETELA NETO, José. Ob. Cit., p. 15. 14 MELLO, Celso D. de Albuquerque.Ob. Cit., p. 214. 15 Idem. Ob. Cit., p. 214-215. 20 colônias da Commonwealth (Cingapura) receberam autorização para concluir determinados tipos de tratados. Entretanto os territórios sob tutela possuíam o “treaty-making power”. Para se verificar se um Estado dependente possui ou não o direito de convenção, é necessário um exame em cada caso, porque a situação do dependente é fixada pelo dominante. A própria História, neste particular, pouco nos esclarece, uma vez que a evolução tem modificado a noção de capacidade das partes contratantes nos tratados internacionais [...]. Outro caso interessante é o das denominadas coletividades fronteiriças que não têm competência para agirem no campo externo. Entretanto, na França, uma lei de 1982 permite ao conselho regional decidir, com a autorização do governo, uma cooperação transfronteira com as “coletividades estrangeiras descentralizadas” com que tenha uma fronteira comum. Em 1980 foi concluída uma convenção européia para promover a cooperação transfronteira entre coletividades de Estados diferentes. Outra condição é a habilitação dos agentes signatários, que ocorre através da apresentação da carta de “plenos poderes”, a qual deverá ser firmada pelo Chefe de Estado ou pelo Ministro das Relações Exteriores. Assim, os agentes habilitados são chamados de “plenipotenciários”, pois se encontram aptos a negociar e concluir tratados. Entretanto, podem-se apontar casos em que tais agentes estão dispensados dos plenos poderes, como os chefes de Estado e de Governo, ministros das Relações Exteriores e chefes de missão diplomática junto ao Estado em que se encontram acreditados. Destaca ainda o douto Celso D. Albuquerque Mello16 a perda da importância dos plenos poderes após o desenvolvimento da ratificação. Isto porque aquela carta, além de outros objetivos, visa evitar a obrigação imediata dos Estados signatários, sendo, por isso, permitido que representantes de Estado iniciem negociações provisórias com o uso de plenos poderes. Como terceira condição para a validade do tratado, deve ser o objeto deste lícito e possível, ou seja, não pode ser contrário à moral ou à lei, nem impossível de ser executado. E, por fim, nenhum tratado terá validade se estiver ausente a quarta condição de existência, que é o consentimento mútuo. Logo, a vontade de realizar o acordo deve advir de todos os Estados que participam de sua elaboração, sem que haja nenhum vício neste consentimento, tais quais: o erro, o dolo e a coação. Há autores que indiquem outros vícios que poderiam eivar de nulidade o tratado, mas isso dependerá da análise de cada caso e da aceitação dos outros entes signatários. Assim, a corrupção do representante do Estado, pode ser argüida na fase de ratificação do tratado, como aconteceu quando o Peru solicitou a nulidade do Tratado Salómon-Lozano por encontrar-se em ditadura. Ainda, pode-se tentar anular um tratado que não for realizado com 16 MELLO, Celso D. de Albuquerque.Ob. Cit., p. 217. 21 base na igualdade jurídica, como fazem os delegados de blocos comunistas e os novos países17. Preenchidas as condições de validade de um tratado, este deve ser redigido, transformando-se em um documento escrito, pois ele é um acordo formal, cujos termos devem ser obedecidos por aqueles que o ratificam. O douto embaixador Hildebrando Accioly18 enumera a ordem de redação que normalmente os tratados seguem, senão veja: [...] 1º) o preâmbulo, com a indicação das partescontratantes e, quase sempre, a dos motivos ou objetivos do tratado; os nomes e títulos oficiais dos plenipotenciários que negociaram e assinaram o tratado; e, finalmente, uma declaração de que os plenipotenciários, depois de haverem apresentado ou trocado os respectivos plenos poderes, “achados em boa e devida forma”, convieram nas disposições contidas no tratado; 2º) o articulado, devidamente numerado, no qual se acham as disposições ou estipulações do tratado; 3º) a declaração de que, para testemunho do acordado, os plenipotenciários firmaram o tratado, - declaração seguida, muitas vezes, da indicação do número de exemplares do instrumento e da língua ou línguas em que este se acha redigido; 4º) a indicação do lugar e da data em que o tratado foi assinado; 5º) as assinaturas dos plenipotenciários, com os respectivos selos, apostos em lacre. Encerradas as fases de ratificação, publicação e registro do tratado, este começa a produzir efeitos entre as partes contratantes, em obediência ao preceito pacta tertiis nec nocet nec prosunt, o qual significa que os tratados não beneficiam nem prejudicam terceiros. Entretanto, mencionado preceito não é uma verdade absoluta. Terceiros Estados podem tomar conhecimento de determinado tratado e resolver ratificá-lo, aceitando seus termos e obrigando-se quanto à matéria por ele focada. Ainda, mesmo que outros Estados não se obriguem aos tratados, nada impede que estes acarretem conseqüências positivas ou negativas àqueles. É importante, contudo, salientar que se as partes contratantes desejam a participação de outro ente internacional no tratado, elas inserem uma cláusula de adesão ou acessão. É admissível também que as partes signatárias reconheçam a terceiro Estado a “faculdade de exprimir uma vontade correspondente à sua e, por conseguinte, de adquirir um direito às vantagens ou privilégios conferidos pelo tratado” 19. 17 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Ob. Cit., p. 219. (manter padrão de letra) 18 ACCIOLY, Hildebrando. Ob. Cit., p. 122. 19 ACCIOLY, Hildebrando. Ob. Cit., p. 122. 22 De qualquer forma, aqueles que se submetem às cláusulas tratadistas devem cumpri-las em seu todo, exceto em caso de oposição de reservas, sendo possível, para garantir a execução dos tratados, a imposição de certas represálias àquelas partes que desobedecem aos termos acordados. Isso pode dar-se através da ocupação do território daquele Estado desobediente, da garantia de rendas, de certas sanções de caráter econômico e da garantia de terceiras potências. É oportuno destacar que se há violação de caráter substancial a validade do próprio tratado, este poderá ser dado como extinto ou suspenso pelos outros contratantes. Isso ocorre principalmente em épocas de guerras e conflitos armados, que levam a cessação do tratado por alteração ou não aplicação de termos essenciais à finalidade deste acordo internacional. Há outras causas que também podem determinar a extinção das obrigações convencionadas, como a vontade comum, isto é, o consentimento mútuo; predeterminação ab- rogatória, que é a existência de um termo o qual limita cronologicamente a validade do tratado; decisão ab-rogatória superveniente, ou seja, a decisão unânime ou majoritária de pôr fim ao tratado e seus efeitos; a execução integral do tratado; a verificação de uma condição resolutória, prevista expressamente; a renúncia unilateral por parte do Estado que o tratado beneficia de modo exclusivo; caducidade, quer dizer, quando o tratado deixa de ser aplicado por um longo período ou quando se cria um costume contrário a ele; fato de terceiro, que é o poder dado a um terceiro de terminar o tratado; impossibilidade de execução, a qual pode ser física ou jurídica; e, a denúncia unilateral, que deve ser tácita ou expressamente prevista, consistindo na comunicação de uma parte contratante as outras de sua intenção de considerar findo o tratado ou de retirar-se do mesmo. Após entendidas as generalidades do tratado, passa-se a análise de sua formação, que segue regras bem específicas e imprescindíveis a sua entrada em vigor. 3.2. AS ETAPAS DE FORMAÇÃO DOS TRATADOS. 23 A primeira etapa para que um tratado se forme e, conseqüentemente, conclua-se é a negociação. Nesta se discute o objeto do tratado e as condições para que ele seja firmado. Em um tratado bilateral, normalmente, a negociação se desenvolve entre o Ministro do Exterior ou seu representante e o agente diplomático estrangeiro. Nos tratados multilaterais, por sua vez, ela se realiza em grandes conferências e congressos, nos quais podem participar e discutir todos os Estados interessados no tema em foco. Realizadas as negociações, elabora-se um texto escrito, que é o próprio tratado. Passa-se, então, à segunda etapa, a colheita de assinaturas. Estas significam a confirmação dos termos do compromisso, mas ainda não impõem a obrigatoriedade de execução das cláusulas negociadas. É nesta fase que se encerra a participação dos plenipotenciários. Aréchaga, citado por Celso D. Albuquerque Mello em sua obra20, resume a importância da assinatura da seguinte forma: a) autentica o texto do tratado; b) atesta que os negociadores estão de acordo com o texto do tratado; c) os dispositivos referentes ao prazo para a troca ou o depósito dos instrumentos de ratificação e a adesão são aplicadas a partir da assinatura; d) os contratantes “devem se abster de atos que afetem substancialmente o valor do instrumento assinado”. A Convenção de Viena (art. 18, b) abre uma exceção para a obrigação de uma parte “não frustrar o objeto e finalidade de um tratado”, que é a de que a “entrada em vigor de um tratado” não tenha sido “retardada indevidamente”. Maresca assinala que nos tratados bilaterais uma parte que tenha assinado o tratado e este não tenha entrado em vigor pode praticar atos contrários ao tratado, desde que após a assinatura comunique previamente a outro contratante que não mais concorda com o que ele assinara; e) a assinatura pode ter valor político; f) pode significar que o Estado reconhece as normas costumeiras tornadas convencionais. Seguindo a citada fase, inicia-se a etapa de aprovação parlamentar, que não ocorre igualmente em todos os Estados. No Brasil, o Congresso deve se manifestar acerca dos termos do contrato, aprovando totalmente, desaprovando por completo ou aprovando com reservas. 20 MELLO, Celso D. de Albuquerque.Ob. Cit., p. 226-227. 24 Conforme o artigo 2º. §1º, d, da Convenção de Viena, as reservas visam “excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em relação a esse Estado”. Para o inconteste Francisco Rezek21 elas são “um qualitativo do consentimento”. Para que sejam válidas, as reservas devem preencher duas condições. Uma é a condição de forma, que é o dever de ela ser apresentada por escrito pelo Poder Executivo do Estado. Outra é a condição de fundo, que é a aceitação da reserva pelos outros entes comprometidos. É importante ressaltar que as reservas não interferem na eficácia dos tratados, mas representam, sobremaneira, o respeito internacional à soberania do Estado, o qual pode rejeitar cláusulas que ele considere nociva, desde que estas não atinjam o próprio objetivo do acordo. Todavia, em respeito ao princípio da reciprocidade, “os dispositivos a que se referem a reserva não se aplicam entre os dois Estados” 22, mas as referidas cláusulas ainda subsistem em relação aos demais contratantes. Mister se faz destacar que, apesar de existirem correntes divergentes, a Convenção de Viena decidiu que as reservas podem ser retiradas livremente, aplicando-se por completo o tratado firmado, o que corresponde inteiramente aos interesses da sociedade internacional. O mesmo ocorre com as objeções à reserva, as quaistêm retirada livre, mas a aceitação, por sua vez, é irrevogável. Com relação aos tratados que tratam sobre direitos humanos, as reservas não podem ser opostas, pois estes tratados devem ser aplicados em sua íntegra devido à universalidade dos direitos que defendem. Seguindo a análise feita pelo tratado no âmbito interno dos Estados contratantes vem a etapa de ratificação, que é “o ato jurídico administrativo mediante o qual o Chefe do Estado que foi parte na celebração de um tratado, declara submeter-se às obrigações nele estipuladas” 23. Francisco Rezek 24 afirma sobre a competência para ratificar tratados o seguinte: Não ao direito das gentes, mas à ordem constitucional interior de cada Estado soberano, incube determinar a competência de seus órgãos para a assunção, em nome do Estado, de compromissos internacionais – e, pois, para a ratificação de 21 REZEK, Francisco. Ob. Cit., p. 66 22 MELLO, Celso D. de Albuquerque.Ob. Cit., p. 250. 23 CRETELLA JÚNIOR, José; CRETELLA NETO, José. Ob. Cit., p. 17 24 REZEK, Francisco. Ob. Cit., p. 51 25 tratados, cuja negociação, à força de exemplar uniformidade entre as várias ordens jurídicas, terá sido conduzida por agentes do Poder Executivo. Assim, pode-se afirmar que é com a ratificação que o Estado demonstra oficialmente concordar com os termos do tratado, obrigando-se a eles no âmbito internacional. Nos tratados bilaterais, a ratificação é representada pela troca de instrumentos; nos multilaterais, indica-se um Estado o qual ficará responsável pelo recebimento de todos os instrumentos que comprovam a submissão dos contratantes ao acordo. É também nesta etapa que as reservas opostas são conhecidas pelas demais partes. Celso D. de Albuquerque Mello enumera em três as partes da ratificação, que são a narratio, a dispositio e a corroboratio, conforme se depreende da explicação abaixo colacionada: A Convenção deve ser dada por escrito, conforme estipula o art. 5º da citada Convenção de Havana. Todavia, é a legislação estatal que determina a forma intrínseca do instrumento. O instrumento, como demonstração de sua resolução de ratificar o tratado, termina pela transcrição do texto do tratado. A ratificação contém três partes: a “narratio”, a “dispositio” e a “corroboratio”. A “narratio” é a parte inicial, em que se historia o tratado, enunciam-se os Estados contratantes, menciona- se a finalidade do tratado e termina pela transcrição do texto do tratado. A “dispositio” é a parte em que se faz referência à ratificação propriamente dita. A “corroboratio” é a parte em que “o signatário apresenta o instrumento como demonstração de sua resolução de ratificar o tratado, ‘em fé de que’ o assina e sela”.25 Atualmente, a fase que ora se comenta tem sido dispensada, só se sendo imprescindível no caso de o próprio tratado exigi-la. Ainda, poderá ser dispensada a ratificação quando o acordo dispuser sobre o cumprimento ou interpretação de tratados já ratificados, quando tratar de assuntos meramente administrativos para os quais se preveja a possibilidade de modificações ou quando focar o modus vivendi, ou seja, sobre atos já tacitamente aceitos pelas partes. Ultrapassada a ratificação e, na hipótese de não se especificar uma data, iniciada a vigência do tratado, este deve ser registrado no Secretariado da Organização das Nações Unidas - ONU e, logo que possível, publicado por este órgão. “O Secretariado fornece um certificado de registro, que é redigido nas cinco línguas oficiais das ONU: francês, inglês, espanhol, russo e chinês” 26. 25 MELLO, Celso D. de Albuquerque Mello. Ob. Cit., p. 232. 26 MELLO, Celso D. de Albuquerque Mello. Ob. Cit., p. 243. 26 Após a publicação, o tratado passa a ter completa validade e eficácia em nível internacional, contudo, para que possa ser aplicável também em âmbito interno, deve ser recepcionado pelas normas dos Estados contratantes, o que se passa a explanar no item seguinte. 3.3. O PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS. A fim de que os termos dos tratados sejam incorporados ao ordenamento jurídico de seus países signatários, eles devem ser recepcionados pelas normas internas. Entretanto, isso nem sempre ocorre de forma rápida, pois pode haver conflitos entre os dispositivos tratadistas e os das leis internas, ou mesmo daqueles com os da própria Constituição. Quanto a esse assunto a doutrina diverge, surgindo daí duas correntes de pensamento: o monismo e o dualismo. Os defensores do monismo, como Hans Kelsen, negam a existência de dois sistemas jurídicos válidos e independentes. Assim, “as relações de direito interno e direito internacional convergem, se superpõem e há que se encontrar um método que discipline estas duas categorias dentro de uma única ordem jurídica” 27. Nessa esteira, surgiram três escolas monistas as quais defendiam, respectivamente, a primazia do direito interno sobre o direito internacional; a primazia deste em relação àquele; e, a equiparação desses dois direitos, refugiando-se no critério cronológico para decidir quem prevaleceria. Em relação ao dualismo, afirmava o seu mais destacado defensor, Triepel, que direito interno e internacional são sistemas jurídicos distintos, que não se sobrepõe, mas apenas se tangenciam. No Brasil aceita-se que tratados cujos termos não afrontam nossa Constituição podem ser recepcionados pelo direito interno, possuindo a mesma força e validade das leis ordinárias. Para tanto, é necessário que o mencionado tratado passe por um processo de “internalização”, ou seja, de incorporação dessas normas ao ordenamento jurídico brasileiro. 27 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado. Parte Geral, 7ª ed., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 92. 27 O primeiro ato a ser feito é a redação de um documento pelo Ministro das Relações Exteriores no qual se expõem os motivos que levam a aceitação e conseqüente ratificação do tratado. Tal documento deve ser enviado ao Presidente que, por sua vez, direcionará uma mensagem à Câmara dos Deputados para analisar a possibilidade de “internalização” do acordo internacional. Na Câmara, as cláusulas tratadistas passarão pelo crivo de duas comissões: a primeira de relações exteriores, que averiguará a aplicabilidade do tratado no âmbito internacional; outra, de Constituição e Justiça, a qual realizará um controle prévio de constitucionalidade. Em seguida, realizar-se-á uma votação em Plenário que decidirá se a incorporação do tratado será aprovada, rejeitada ou se deverá passar pela análise de outra comissão28. Se for rejeitada, comunicar-se-á o Presidente e o Ministro das Relações Exteriores. Na hipótese de aprovação, o tratado passará a ser averiguado pelas comissões do Senado Federal, o qual também realizará sua votação em plenário. Se for rejeitado, o Presidente e o Ministro das Relações Exteriores serão comunicados e receberão os motivos que fundamentaram a reprovação. No caso de ser aprovado, publicar-se-á um Decreto Legislativo, nos termos do art. 49, I, da Constituição Federal, seguindo, então, para apreciação presidencial que poderá promulgar ou rejeitar o tratado. Rejeitando, os dispositivos terão validade no âmbito interno como Decreto Legislativo. Aprovado, os termos do tratado serão publicados no Diário Oficial e passarão a ter vigência em território nacional com força de lei ordinária. Discutidos os aspectos concernentes aos tratados de forma geral, necessária é a análise dos tratados assinados e, por vezes, ratificados sobre a fronteira entre Portugal, que em 1822 foi sucedido pelo Brasil, e França. 28 Só deverá o tratado ser direcionado a outra Comissão no caso de o assunto porele abrangido também ser de interesse de outra comissão já existente. 28 3.4. OS TRATADOS SOBRE A FRONTEIRA ENTRE BRASIL E FRANÇA. Mesmo com o empenho da diplomacia portuguesa para resolver o impasse quanto ao limite territorial entre o seu domínio e o francês, os resultados dessas negociações não alcançavam o objetivo precípuo dos diplomatas, qual seja: a garantia da inviolabilidade das terras ditas portuguesas. Vários foram os tratados assinados, mas nenhum deles conseguiu obstar os conflitos armados pela região contestada. Para a melhor compreensão do deslinde deste litígio franco-português e, por sucessão, franco-brasileiro, mister se faz analisar os principais tratados sobre a questão em comento. 3.3.1. Tratado de 04 de março de 1700. Os portugueses fixaram-se de fato na região do Contestado Franco-brasileiro em 1688, formando a guarnição da Fortaleza de Santo Antônio. Contudo, sua presença nesta localidade não emparreirou o projeto francês de aumentar o seu domínio colonial, tomando posse das terras do Cabo Norte. Assim, em 1697, Luís XIV ordenou que uma expedição militar expandisse a fronteira da colônia sul-americana francesa até o Rio Amazonas. As tropas portuguesas, sob o comando do Capitão-general Antônio de Albuquerque, reagiram bruscamente à tomada do Forte de Santo Antônio de Macapá pelos francos, conseguindo expulsar os invasores que tiveram de retornar a Caiena. Os lusos, que desejavam ao máximo evitar conflitos armas por não possuir homens suficientes para colocar em batalha, e os francos, que se encontravam em uma situação delicada na Europa devido à sucessão do trono na Espanha, decidiram assinar o Tratado de 04 de março de 1700, o chamado Tratado Provisional, o qual neutralizou a região contestada, sendo proibido inclusive o estabelecimento de colonos portugueses ou franceses naquele território. 29 Foi a partir daí que os portugueses assinaram com os franceses o Tratado Provisional de 04 de março de 1700, pelo qual ficava neutra a área de conflito da Capitania do Cabo Norte onde tantos franceses como portugueses ficavam proibidos de ocupar as ditas terras. Pelo mesmo tratado ficaram suspensas as posses de ambos os lados, além de estarem proibidas de levantar novas fortificações ou estabelecer núcleos de população enquanto o assunto não fosse solucionado. Do mesmo modo, os nativos que lá vivessem deveriam ter seu direito de moradia preservado. Seria proibida a escravização, apenas consentindo-se que, os missionários portugueses e franceses os procurassem a serviço da cristandade. Esses missionários seriam sempre os que já estivessem no local.29 Referido tratado, politicamente, “foi desfavorável a Portugal, pois foi uma negação de todo um esforço de soldados, missionários e dos próprios colonos que tinham descoberto, dominado e garantido a soberania portuguesa” 30. O verdadeiro objetivo desse tratado era evitar as guerrilhas armadas e garantir a paz naquele território, por isso se optou por deixar pendente a questão do limite territorial. 3.3.2. Tratado de 18 de julho de 1701 Em verdade, este não é um novo tratado, mas apenas o Tratado Provisional com oposição de reservas e inserção de aditivos, tal qual a cláusula na qual se determinava que até o final do ano de 1701, as duas coroas deveriam colher as informações necessárias para viabilizar um consenso sobre quem teria realmente o direito de posse das terras em discussão. Os franceses, entretanto, não respeitaram nenhum dos dois acordos firmados, continuando a incursionar pela região. Este desrespeito era fruto da irresignação francesa pela participação de Portugal ao lado da Inglaterra, Holanda e Áustria na Guerra Sucessória da Espanha contra esta e a França. Os portugueses, por sua vez, requereram a anulação dos dois tratados, argüindo a ineficácia e a falta de obrigatoriedade dos mesmos. Ainda, solicitaram que sua aliada européia, a Inglaterra, interviesse na questão para ajudar nas negociações com os francos. O Tratado provisional subsistiu mesmo com a celebração de outros tratados sobre a região, tendo validade concomitante. 29 MORAIS, Paulo Dias; MORAIS; Jurandir Dias; ROSÁRIO, Ivoneide Santos. História do Amapá: o Amapá na mira estrangeira. Macapá: JM Editora Gráfica, 2006, p. 47. 30 RENÔR, João. Ob. Cit., p. 183 30 3.3.3. Tratado de Ultrecht Com a intervenção da rainha inglesa nas negociações, foi assinado, em 11 de abril de 1713, o Tratado de Ultrecht entre Portugal e França (ver Anexo C), o qual estabeleceu o Rio Oiapoque como limite territorial entre Brasil e a Guiana Francesa. Novamente, houve desrespeito dos franceses às cláusulas contratadas, por entenderem que este tratado foi condescendente com os interesses portugueses, o que levou a continuação de incursões francesas na área. Na verdade, o que os francos almejavam era ter territórios à margem do Rio Amazonas, pretensão esta que tiveram de renunciar em favor de melhores relações na Europa. Contudo, por definir claramente a fronteira entre as colônias portuguesa e francesa na América do Sul, os franceses buscavam alguma forma de burlar o tratado. Nessa esteira, o governador de Caiena propôs ao governador do Estado do Maranhão e Grão-Pará uma aproximação comercial entre Belém e Caiena. Comunicando o Conselho Ultramarino, este refutou totalmente a proposta, pois o Tratado de Ultrecht proibia toda e qualquer relação mercantil dos colonos lusos com os franceses. Diante das sorrateiras investidas francesas em direção ao domínio português, o rei de Portugal criou as tropas guarda-costas, responsáveis pela segurança dos colonos e dos missionários. Contudo, essas tropas não frearam o ímpeto expansionista dos francos. Os franceses só começaram a ser combatidos com eficiência em 19 de julho de 1722, quando assumiu o governo do Estado do Maranhão e Grão-Pará o Capitão-general João Maia da Gama. Percebendo que seus esforços de tomar posse clandestinamente das terras setentrionais portuguesas seriam inexpressíveis, os franceses decidiram, então, suscitar a dúvida sobre a verdadeira localização do Rio Oiapoque. É importante ressaltar que era plenamente conhecida a posição geográfica do Rio Oiapoque, na época conhecido como “Japoc” ou Vicente Pinzón, por portugueses e franceses, sendo, portanto, o questionamento sobre a sua localização apenas uma tentativa francesa de, na assinatura de outro tratado, obter mais vantagens territoriais. 31 3.3.4. Tratado de 1797 O Barão do Rio Branco em suas memórias31 destaca que, apesar de saber-se precisamente a localização do Rio Oiapoque (Ver Anexo A), já se sabia que este rio nascia na Serra de Tumucumaque e se dirigia em linha pouco sinuosa para Noroeste até sua boca no oceano. A dúvida suscitada pelos franceses, portanto, apenas expressava a fraqueza lusa frente aos acontecimentos históricos da Europa à época, que acabaram trazendo a família real portuguesa ao Brasil em decorrência da invasão de Portugal pelo exército de Napoleão Bonaparte. Entretanto, mister se faz destacar que, apesar dessa situação na Europa, na América do Sul, os portugueses conseguiram ainda manter, por certo tempo, sua força de dominação, ocupando por um período a Guiana Francesa. O aumento do poder de Napoleão Bonaparte na Europa, entretanto, fez com que Portugal saísse da área de colonização francesa na América do Sul e ainda fizesse concessões quanto à fronteira com a Guiana. Assim, em 1797, foi assinado o tratado de paz na região, o qual estabelecia como limite territorial entre o domínio português e o francês o Rio Calçoene, que se localiza entre o Rio Araguari e o Rio Oiapoque. Contudo, esse tratado não foi ratificado pelo governo de Portugal. 3.3.5. Tratado de Badajóz Sob forte pressão da França, em 1801, Portugal aceitou assinar o Tratado deBadajóz, o qual determinava que o limite das terras do Cabo Norte teria como marco o Rio Araguari (ver Anexo A), desde sua foz até a nascente. Ainda, Portugal deveria pagar à França 31 JORGE, Arthur Guimarães de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do Brasil: uma introdução às obras do Barão do Rio Branco. Brasília: Senado Federal, 1999, p. 55. 32 o equivalente a 15 (quinze) milhões de francos-ouro pelo tempo que passou com a posse das terras cujos verdadeiros donos seriam os franceses. Em setembro do mesmo ano a França propôs a assinatura do Tratado de Madri, no qual os portugueses deveriam ceder ainda mais o seu domínio para os franceses, pois neste tratado estipulava-se que a fronteira seguiria do Rio Araguari até o Rio Carapanatuba, que deságua no Rio Amazonas. Todavia, em 1802, o Tratado de Amiens restaurou a fronteira ao Rio Araguari. Mencionados tratados foram considerados nulos pelo Príncipe Regente Dom João, haja vista o Tratado de Madri não ter sido ratificado por Portugal e o Tratado de Amiens nem ter chegado ao conhecimento português. Em represália às atitudes francesas, os portugueses invadiram o domínio francês, tomando posse da Guiana em 1809. Em decorrência da derrota de Napoleão na Europa, os países europeus, reunidos no Congresso de Viena, decidiram que a Guiana deveria ser restituída à França até o limite do rio Oiapoque, em respeito ao Tratado de Ultrecht. Em 1822, o Brasil fica independente de Portugal, herdando de sua antiga metrópole a questão fronteiriça mal resolvida. 33 4. O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO Com a independência do Brasil, os conflitos sobre o limite territorial no norte do País persistiram, ficando ainda mais intensos a partir de 1832, com a retomada da política expansionista francesa pelo monarca Luís Felipe. Ainda, para aguçar as divergências sobre a Região do Contestado Franco- brasileiro, o irlandês Warden criou uma falsa latitude ao Rio Oiapoque, colocando-o na posição em que se encontra o Rio Araguari. Isso propiciou maiores incursões francesas no território brasileiro. Para buscar uma solução pacífica, clamou-se pela neutralização da área, que se manteve assim até a descoberta de ouro em 1894 em Calçoene, no cerne na região contestada. Com o aumento do interesse pelas terras localizadas entre o Rio Oiapoque e Rio Araguari, urgia uma resolução definitiva para a contenda territorial, a qual se findou com o Laudo Arbitral do monarca suíço, em 1º de dezembro de 1900. Para a melhor compreensão da sentença arbitral, é importante analisar mais atentamente a região e suas controvérsias, que nem os tratados, como já visto, conseguiram findar. 4.1. A FORMAÇÃO DA REGIÃO Em verdade, a formação da região conhecida como Contestado Franco-brasileiro começou com a assinatura do Tratado de Tordesilhas, que deu início às disputas pela posse deste território. Historicamente, entretanto, esta região se forma com a neutralização da área situada entre o Rio Oiapoque e o Rio Araguari, em 1841, que se torna um território de mútua convivência entre franceses e brasileiros. 34 O Contestado Franco-brasileiro propriamente dito é uma área de livre acesso entre Portugal e França, cujo objetivo era a espera mais propícia de um acordo que realmente surtisse efeitos e determinasse a quem pertenceria aquelas terras disputadas há anos. 4.2. A NEUTRALIZAÇÃO DA ÁREA Em 1835, no norte do Brasil, eclodiu uma revolta regencial conhecida como Cabanagem. Para acabar com este movimento, o Governo Brasileiro deslocou diversas tropas aos locais onde se encontravam os focos revolucionários, descuidando da fronteira litigiosa. Assim, aproveitando-se da redução da vigilância brasileira, os franceses construíram uma fortificação nas imediações do atual município do Amapá, mais precisamente numa localidade banhada pelo lago Ramudo. O Governo Imperial brasileiro não sabia da instalação da guarnição militar francesa na área, só tomando conhecimento deste fato quando um posto militar português, comandado pelo capitão Harris descobriu os invasores. Para tentar amenizar a situação, muitos diplomatas brasileiros foram enviados à França para relembrar aquele governo dos termos acordados no Tratado de Ultrecht, bem como para demonstrar que a permanência da guarnição francesa em território brasileiro constituir-se-ia em um ato ilegal. No entanto, de nada adiantaram os esforços da diplomacia pátria, restando a Dom Pedro II, em 1840, criar uma colônia militar na localidade para evitar maiores expansões francesa. Em 1891, após muitas negociações, os franceses aceitaram sair da região ocupada sob a condição de neutralização da área, a qual poderia ser usufruída por franceses e brasileiros. Ainda, ficou acordado que seriam providenciadas as negociações a respeito da fixação de um limite territorial definitivo entre França e Brasil. Desta feita, a área em comento passou a se chamar oficialmente de Contestado Franco-brasileiro, tendo um representante no Brasil, morando em Belém, e outro da França, morando em Caiena. Como sede do Contestado foi indicada a vila do Espírito Santo do Amapá. A partir de 1850, importantes ações governamentais foram promovidas na região amazônica visando diminuir a presença estrangeira e assegurar a soberania brasileira em todo 35 território nacional. Logo, orientada a definir todos os impasses quanto às fronteiras pátrias, a diplomacia brasileira norteou suas defesas no princípio do uti possidetis, ou seja, “a posse dá direito ao território”. 32 Como critério para a definição de fronteiras, a diplomacia imperial adotou o princípio do uti possidetis pelo qual era de soberania de cada país o território no qual tinha instalações oficiais ou de seus cidadãos, quando da independência das metrópoles. O princípio do uti possidetis foi levantado, pela primeira vez, por Alexandre de Gusmão na negociação do Tratado de Madri (1750), mas foi motivo de dúvidas sobre sua conveniência, por parte das autoridades do Império do Brasil, nos anos 1830 e 1840, até ser adotado como norma da diplomacia brasileira com a ascensão do Visconde de Uruguai, Paulino José Soares de Souza, ao cargo de Chanceler, em 1849.33 Para negociar sobre a resolução da questão de limites, foi enviado como Ministro em missão especial junto ao governo de Napoleão III, em dezembro de 1854, Paulino José de Souza, o Visconde de Uruguai. Contudo, apesar de seu empenho, não foi resolvida definitivamente a questão de limites, pois a divergência principal com o negociador francês era sobre o entendimento do imperador da França, que só via como único limite possível o Rio Araguari. Tentando não romper as negociações, o representante brasileiro resolveu pausar as argumentações diante da insistência francesa de que o Rio Vicente Pinzón não seria o Rio Oiapoque, mas o Araguari. Retornou ao Brasil em 1856 o Visconde do Uruguai, sem êxito nas propostas lançadas ao governo francês. A questão ficou adormecida por 20 (vinte) anos, convivendo pacificamente os dois povos no Contestado Franco-brasileiro. No entanto, em 1886, um grupo de aventureiros, formado por brasileiros e crioulos da Guiana Francesa e liderado pelo geógrafo francês Julles Gross, fundou a República do Cunani na área que compreendia o Contestado. Historiadores amapaenses defendem que, em verdade, esta república foi uma iniciativa francesa visando à criação de uma localidade independente do Brasil e sob proteção da França. A República de Cunani tornou-se vergonhosa para a monarquia francesa, porque se consubstanciava em uma afronta direta ao acordo de neutralização da área. Por isso, a reação do governo francês ao tomar conhecimento deste episódio foi desaprová-lo por 32 MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Direito Internacional Americano: estudo sobre a contribuição de um direitoregional para a integração econômica. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1995, p. 176. 33 DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. Rio Branco e a Consolidação da Amazônia Brasileira: A Questão do Amapá. Disponível em: ‹http://www.upis.br/revistamultipla/multipla11.pdf#page=75›. 36 completo, extinguindo a republiqueta, cassando direitos políticos e administrativos e confiscando bens dos participantes em Paris. Mas a questão ainda não havia encerrado. Em 1892, houve nova tentativa em dar continuidade do estado de Cunani, formando o que viria a ser a 2ª República. O idealizador dessa nova ilegalidade foi o francês naturalizado brasileiro Adolfo, Brezet, residente em Belém, o qual foi obrigado a desistir da pretensão, pois as autoridades paraenses logo interromperam, enviando soldados a Cunani para aprisionar os participantes de tal aventura.34 Esquecidas as Repúblicas de Cunani e restabelecida a paz na região contestada, outro foi o motivo de preocupação do Governo Brasileiro. Em 1894, garimpeiros paraenses descobrem ouro em Calçoene, acirrando a disputa sobre a posse do território que passou a ser chamado pelos aventureiros que lá chegavam de “El Dorado Brasileiro”. Em conseqüência ao deslocamento populacional intenso ao Contestado e a proximidade deste a Caiena, em relação à Belém, iniciou-se um processo de dominação cultural e econômica da área pela França. Entretanto, com relação à organização social e política, a região contestada expandia-se de forma precária. O poder francês na região foi tanto que o representante da França, Eugene Voissien, chegou a proibir o acesso de brasileiros às minas, o que só poderia ser feito por franceses ou crioulos da Guiana. Em resposta aos atos da autoridade francesa, os brasileiros solicitaram que Voissien fosse deposto de seu cargo e formaram uma Assembléia Geral, a qual optou pela formação de uma Junta Governativa chamada Triunvirato. Esta Junta compilou um conjunto de leis que deveriam ser seguidas pelos moradores da região contestada, não importando sua nacionalidade, restabelecendo-se a neutralidade do Contestado Franco-brasileiro. 4.3. A INVASÃO À REGIÃO CONTESTADA Com a instalação do governo triúnviro, a França temia perder as terras e o poder conquistado na Região Contestada, por isso resolveu indicar como governador francês na 34 RAIOL. Osvaldino da Silva. A utopia da terra na fronteira da Amazônia: a geografia e o conflito pela posse da terra do Amapá. Macapá: Editora Gráfica O Dia, 1992. p. 79. 37 localidade de Cunani um ex-escravo brasileiro conhecido como Trajano. Este, inebriado pela autoridade decorrente de seu cargo, resolveu desrespeitar as decisões emitidas pelo governo triúnviro, afirmando que só estava subordinado à jurisdição francesa. Para complicar a situação, o representante oficial da França no Contestado passou a não hastear mais a bandeira do Brasil naquele território, deixando tremular apenas a bandeira francesa, o que foi considerada uma afronta à nacionalidade brasileira. Em represália aos abusos ocorridos em Cunani, o novo presidente do Triunvirato, Francisco Xavier da Veiga Cabral, o “Cabralzinho”, manda uma expedição militar à referida vila para trazer Trajano à vila do Amapá a fim de que este explicasse seus atos de desonra aos símbolos do Brasil. Em face de sua desobediência, o representante francês foi levado à força pela expedição brasileira, que também apreendeu as armas e a bandeira francesa. Charvein, governador da Guiana Francesa à época, reagiu imediatamente, destacando uma guarnição militar cuja missão era ir à vila de Cunani averiguar a situação em que se deu a prisão de Trajano e, em seguida, ir à vila do Amapá libertar o representante francês, prender Cabralzinho e conduzir o presidente do Triunvirato à Caiena. Assim, em 15 de maio de 1895, o barco de guerra intitulado “A canhoneira Bengali”, que levava 130 soldados franceses e o comandante da tropa chamado Lunier, navegou o rio Amapá Pequeno e aportou no cais da vila de Amapá. Após desembarcar no povoado, o Capitão Lunier dirigiu-se a casa de Cabralzinho onde o encontrou com uma milícia formada por quatorze homens com fins de resistir à invasão. Mesmo com a diferença quantitativa de soldados, os brasileiros conseguiram inúmeras baixas na tropa francesa, que teve seu capitão morto durante os tiroteios. Sem um comandante e não obtendo sucesso no intento de prender o presidente do Triunvirato, as tropas resolveram, então, atacar a população antes de retirar-se da localidade. Os invasores ficaram enfurecidos com a baixa de sua tropa. Mas ao invés dos franceses levarem Cabralzinho como refém, promoveram a chacina dos brasileiros na Vila do Espírito Santo do Amapá. Assassinaram idosos, mulheres e crianças, num total de 38 pessoas; deixaram 22 feridas e outras levaram como prisioneiras. Como não bastasse, atearam fogo em várias casas e saquearam estabelecimentos comerciais. As tropas invasoras retiraram-se e levaram Trajano na canhoneira Bengali.35 35 MORAIS, Paulo Dias; MORAIS; Jurandir Dias; ROSÁRIO, Ivoneide Santos. História do Amapá: o Amapá na mira estrangeira. Macapá: JM Editora Gráfica, 2006, p. 94. 38 Os historiadores noticiam que a verdadeira motivação para o massacre narrado supra não era apenas o fato de os soldados franceses terem perdido a batalha, mas também o interesse de levarem consigo a maior quantidade de metais valiosos que circulavam naquela região desde a descoberta das minas de ouro em Calçoene. O massacre que os franceses promoveram na Vila de Amapá contra sua população humilde foi produto da violência, da dominação internacional pela posse da terra. E deu-se, exatamente, depois da descoberta do ouro na área do então Contestado. A certeza da exigência de riquezas no Contestado ascendeu as divergências franco- brasileiras a patamares não experimentados. O ouro, sintetizando o jogo de interesses político-econômicos, aparece, dessa maneira, como o grande propulsor do conflito de 1895 que culminou no ataque francês, deixando um rastro de saques, incêndios e mortes de mulheres, velhos e crianças. 36 Devido à investida francesa contra os moradores da vila do Amapá, Cabralzinho notificou o então governador do Pará para que tomasse providências quanto à proteção da Região do Contestado, evitando que essas terras fossem perdidas de vez pelos brasileiros no caso de uma nova investida francesa. Tal fato tomou proporções transnacionais, especialmente quando o governador de Caiena, “Monsieur” Charvein, ameaçou fuzilar os prisioneiros do Brasil se o presidente do Triunvirato não se entregasse como prisioneiro à Guiana. A dimensão nacional e internacional do episódio foi dada pelo jornal “Diário de Notícias”, que indicou Cabralzinho o verdadeiro herói na defesa da integridade territorial do País, sendo o autor do tiro que matou o comandante da invasão francesa, Lunier. Isso despertou o patriotismo brasileiro, fazendo com que a luta pela manutenção das terras do Contestado como brasileiras não fosse apenas regional, mas uma luta de interesse da nação. Nessa toada, as relações diplomáticas entre Brasil e França estavam tensas, sendo, então, imprescindível a busca por uma resolução para aquele impasse que já perdurava há muito tempo. O governo francês apurou o conflito, concluindo ser a responsabilidade do massacre do governador de Caiena, “Monsieur” Charvein, o qual foi afastado de suas atividades e foi compulsoriamente aposentado. O governo brasileiro, por sua vez, deu início às negociações com as autoridades francesas a fim de indicar qual seria a forma para resolver a questão do Contestado. Após muita discussão, Brasil e França optaram por deixar à decisão da arbitragem a solução da disputa da posse da região do Contestado. 36 RAIOL. Osvaldino da Silva. Ob.Cit., p. 84. 39 4.4. O FIM DO CONTESTADO AMAPAENSE Em 10 de abril de 1897, os governos brasileiro e francês concordaram em indicar o monarca da Suíça como o árbitro que deveria definir a questão do limite territorial entre o Amapá e a Guiana Francesa. Iniciada a preparação para a defesa da posse legítima das terras em questão junto ao árbitro suíço, o Governo brasileiro encarregou José Maria Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, para elaborar uma “Memória justificativa dos direitos do Brasil na controvérsia de fronteiras com a Guiana Francesa” a qual serviria como prova da legitimidade do Brasil. O aludido diplomata elaborou a tese de defesa que, em seus dois volumes, contava com inúmeros mapas e diversos documentos, comprovando que o Rio Oiapoque e Rio Vicente Pinzón tratavam-se do mesmo rio, sendo, portanto, mais coerente que se restabelecesse a fronteira traçada pelo Tratado de Ultrecht de 1713, qual seja: o Rio Oiapoque. Por sua vez, o diplomata francês restringiu-se a argumentar que o Rio Oiapoque e o Rio Vicente Pinzón não poderiam ser o mesmo rio, mas nenhum material comprobatório foi colacionado a sua defesa. Ainda propôs que, no caso de afastada a hipótese por ele aventada, dividir-se-ia a região do Contestado em duas, uma da França e outra do Brasil, tendo como marco divisório o Rio Calçoene. Em réplica, o representante brasileiro mostrou documentos portugueses os quais demonstravam o conhecimento comum de que aquelas terras pertenciam ao domínio português, passando a pertencer ao Brasil após sua independência em 1822. Em 1º de dezembro de 1900, o Conselho de Sentença em Berna, na Suíça, presidido pelo monarca Walter Houser decidiu favoravelmente ao Brasil, passando definitivamente a posse das terras do Contestado aos brasileiros e determinando como limite territorial entre o Amapá e a Guiana Francesa o Rio Oiapoque, tal qual o Tratado de Ultrecht. O total de fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa demarcado é de 730 km2 e 232 m. Há sete marcos colocados em terra firme, mas se convencionou que o limite de cada região será o talvegue (o que se chama de Amazônia de canal) do rio Oiapoque. A causa dessa convenção vem ser a impossibilidade de se colocar os 40 marcos no meio do rio Oiapoque, face ao risco de erosão e mudança natural do canal. 37 Em 25 de fevereiro de 1901, foi incorporado por meio de Decreto Legislativo o território do Contestado Franco-brasileiro a antiga formação territorial do estado do Pará, haja vista que o Amapá só passou a figurar como território federal em 13 de setembro de 1943, tornando-se Estado-membro em 1988, com o advento da Constituição Cidadã. 37 MORAIS, Paulo Dias; MORAIS; Jurandir Dias; ROSÁRIO, Ivoneide Santos. Ob. Cit., p. 102-103. 41 5. A ARBITRAGEM E O CONTESTADO FRANCO-BRASILEIRO Em decorrência ao constante descumprimento dos tratados firmados, como foi mostrado no capítulo anterior, decidiu-se buscar a Arbitragem para solucionar de vez a questão do verdadeiro limite territorial entre Brasil e França. O rei da Suíça foi escolhido o árbitro e sua decisão foi conhecida pelos litigantes e pelo mundo em 1º de dezembro de 1900 (ver anexo D). Antes de esmiuçar o laudo arbitral, sentença que pôs fim a questão do Contestado Franco-brasileiro, é oportuno o estudo geral do instituto da Arbitragem, o que se faz na subseção seguinte. 5.1. A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS POR MEIO DA ARBITRAGEM Inicialmente, importante é definir o que são os conflitos internacionais, recorrendo à abalizada doutrina de Francisco Rezek38, o qual destaca o conceito formulado pela Corte de Haia, que afirma ser o conflito ou litígio internacional “todo desacordo sobre certo ponto de direito ou de fato, toda contradição ou oposição de teses jurídicas ou de interesse entre dois Estados”. 38 REZEK, Francisco. Ob. Cit., p. 335. 42 Pode-se afirmar, portanto, que os litígios internacionais não se limitam aos conflitos armados, mas também abrangem as questões argumentativas e políticas. Na verdade, essas são as que mais suscitam divergências, devido ao aumento da interação entre países originada pela globalização, o que importa em choques de poderes soberanos e de leis e costumes diferentes. Mister se faz destacar que os litígios internacionais não se estabelecem apenas entre dois Estados, podendo ser um desacordo entre vários Entes Soberanos, apesar de aquele ser o caso de maior ocorrência. Diante dessas controvérsias surgidas no desenrolar das relações internacionais, foram criados meios visando soluções pacíficas, evitando a resolução armada, ou seja, a guerra. Entretanto, não se pode deixar de pontuar que, apesar de hoje a guerra ser um ilícito internacional, ela já foi considerada anteriormente um meio perfeitamente legítimo para findar litígios internacionais. O ilustre autor Ian Brownlie ensina o que abaixo se evidencia sobre a resolução de litígios internacionais: A resolução de litígios entre Estados através da função judicial representa apenas uma faceta do enorme problema da manutenção da paz e da segurança internacionais. Face à Carta das Nações Unidas, o uso da força pelos Estados individuais como meio para resolver litígios não é admissível, sendo a resolução pacífica o único meio de resolução disponível. Contudo, em Direito Internacional geral não existe qualquer obrigação de resolver litígios, assentando os processos de resolução por meio de procedimentos formais e jurídicos no consentimento das partes.39 (sic) Quanto à solução pacífica de pendências entre dois ou mais Estados soberanos, há três meios que podem ser escolhidos livremente, pois entre eles não existe hierarquia, que são: os diplomáticos, os políticos e os jurisdicionais. Nos meios diplomáticos, o entendimento é direto entre as partes discordantes, sem a intervenção de terceiros. Resolve-se o impasse quando “as partes transijam em suas pretensões, ou quando uma delas acabe por reconhecer a validade das razões da outra”.40 Assim, como formas de resolução de litígios pela via diplomática, têm-se as negociações diretas, os serviços amistosos, os bons ofícios, a mediação e o sistema ou regime de consulta. 39 BROWNLIE, Ian. Ob. Cit., p. 735. 40 REZEK, Francisco. Ob. Cit., p. 340. 43 Com relação aos meios políticos, estes se caracterizam por sua atuação em conflitos cuja gravidade seja significativa para a sociedade internacional e por não requerer a aceitação de todas as partes envolvidas na contenda para se fazer presente, ou seja, podem ser requeridos à revelia dos outros entes litigantes. Como instâncias políticas destacam-se a Assembléia Geral e o Conselho de Segurança da ONU, mas ainda podem ser avocadas outras organizações de caráter regional e vocação política, tal qual a Organização dos Estados Americanos. Quanto aos meios jurisdicionais, são duas as vias comumente apresentadas para a resolução pacífica por este meio, as soluções judiciais e a arbitragem. Nestas formas de resolver litígios, James Leslie Brierly41 enfatiza que tanto os juízes quanto os árbitros estão subordinados ao ordenamento jurídico, não possuindo poderes discricionários “que lhes permitam pôr de lado as normas jurídicas existentes e decidir de acordo com a sua concepção pessoal de eqüidade e da justiça”. Nesse diapasão, pode-se definir arbitragem, nas palavras do douto Hildebrando Accioly (1991, p. 247-248), como “um processo de resolver litígios internacionais, mediante o emprego de certas normas jurídicas ou por intermédio de uma pessoa ou pessoas que as partes litigantes escolhem livremente para esse fim”. Logo, conforme defende a doutrina em geral, para o uso deste meio jurisdicional é necessário que o conflito telado seja passível de ser resolvido juridicamente. Em seu artigo publicado em um sítio da internete,Rodrigo Ferreira Santos e Victor Paulo Kloeckner Pires42 definem arbitragem da forma como se destaca em seguida: Derivada do latim “arbiter” (juiz, louvado, jurado), arbitragem significa, na linguagem jurídica, o procedimento utilizado na solução de litígios e tem como definição sumária e tradicional, segundo STRENGER, Guilherme Gonçalves (Do Juízo Arbitral, RT 607, p. 31), “a técnica, pela qual a divergência pode ser solucionada, por meio da intervenção de terceiro (ou terceiros, onde é chamado de Juízo Arbitral), indicado pelas partes, onde se presume a confiança de ambas. Isto tudo tendo por base a assinatura da cláusula compromissória ou do compromisso arbitral, onde as partes confiam a alguém a condução dos trabalhos para solucionar os conflitos. E, por fim uma decisão, livre de intervenções estatais, destinadas a assumir eficácia de sentença judicial”. 41 BRIERLY, James Leslie, 1979 Apud DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Público. Rio de janeiro: Editora Forense, 2006, p. 183. 42 SANTOS, Rodrigo Ferreira; PIRES, Victor Paulo Kloeckner. Arbitragem Internacional: Uma análise à luz da legislação brasileira. Disponível em: ‹http://www1.jus.com.br/doutrina/texto›. 44 Do exposto, pode-se inferir que a arbitragem tem como características precípuas: o acordo de vontade das partes litigantes para a escolha de um ou mais árbitros, desde que seja em quantidade ímpar, e a delimitação do objeto do litígio; e a obrigatoriedade da decisão, que não é suscetível de recurso. Da primeira característica, depreende-se o princípio fundamental da arbitragem, que é a livre escolha do árbitro, que pode ser selecionado ad hoc ou dentre as pessoas qualificadas as quais figuram na lista da Corte Permanente de Arbitragem. Para que seja oficializada a arbitragem como meio de resolução do conflito e a participação do árbitro escolhido pelas partes, faz-se necessária a celebração de um compromisso arbitral. Neste estará definida a matéria da controvérsia, a designação do(s) árbitro(s) e seu(s) respectivos(s) poder(es), bem como “a promessa formal de aceitação, respeito e execução da futura sentença arbitral”. 43 Convém lembrar que a arbitragem não precisa ser indicada como via pacífica apenas quando o conflito já é existente. É possível, por meio de uma cláusula arbitral, que um tratado determine à submissão de um eventual conflito entre os dois Estados contratantes à apreciação de um árbitro previamente escolhido. Uma vez que o conflito existe e as partes requerem a intervenção do árbitro no litígio, dar-se-á início ao processo arbitral. No caso deste não está regulado no compromisso arbitral ou não se encontrar completamente disposto, invocar-se-ão subsidiariamente as disposições estipuladas sobre este assunto na Convenção de Haia. De acordo com a referida Convenção, o processo consistirá em duas etapas: a escrita e a oral. Nesta existirão debates orais entre as partes os quais só serão públicos se elas assim o decidirem, mas as deliberações arbitrais serão sempre a portas fechadas. Naquela, documentos serão apresentados pelas partes como prova da veracidade dos argumentos aventados nos debates, concluindo-se esta etapa com a sentença prolatada pelo árbitro. A sentença arbitral tem caráter definitivo, não se aceitando a interposição de recurso, pois “o árbitro não se inscreve num organograma judiciário como aquele das ordens jurídicas internas”.44 Salienta-se, contudo, que a obrigatoriedade da sentença arbitral não implica em sua auto-executoriedade. Isto quer dizer que às partes incumbirá o seu fiel cumprimento, em 43 ACCIOLY, Hildebrando. Ob, Cit., p. 248. 44 REZEK, Francisco. Ob. Cit., p. 352 45 respeito aos dois princípios importantes do direito internacional: o da pacta sunt servanda e o da boa-fé. Mesmo vigorando o princípio da irrecorribilidade da decisão arbitral, esta poderá eventualmente ser anulada. Cretella Júnior e Cretella Neto enumeram as hipóteses limitadas para se considerar a sentença de um árbitro internacional sem eficácia e sem obrigatoriedade, senão veja: a) excesso de poder dos árbitros; b) sentença proferida como resultado de fraude ou deslealdade dos árbitros; c) quando os árbitros que proferiram a sentença forem incapazes de fato e de direito; d) se não forem cumpridas as regras estipuladas pelas partes, no compromisso arbitral, ou se forem violados princípios jurídicos fundamentais, como o da ampla defesa; ou e) falta de fundamentação da sentença arbitral.45 Afora as hipóteses acima indicadas, a sentença arbitral põe fim ao litígio levado a sua apreciação, determinando a melhor solução para a controvérsia de forma definitiva e permanente. Por isso, tem sido um meio de resolução de litígios adotado cada vez mais por diversos países, como demonstram as estatísticas. De acordo com sítio da internete chamado Direito Net, os Estados têm buscado cada vez mais a arbitragem, conforme os dados dispostos: Segundo dados da Projuris – Câmara de Mediação e Arbitragem Internacional a Espanha é um dos países que mais utiliza a arbitragem como solução de conflitos, cerca de 98% . Em seguida vem o México com resolução de 95% dos conflitos via arbitragem; Japão com 92%; Portugal com 72% e Argentina com 63%. No Brasil a arbitragem ainda é pouco utilizada [...].46 Do exposto, pode concluir que a tendência mundial é de optar pela arbitragem como meio de resolução de controvérsias internacionais em detrimento dos outros meios, devido ao caráter irrevogável de sua decisão. 5.2. O LAUDO ARBITRAL SOBRE A REGIÃO CONTESTADA 45 CRETELLA JÚNIOR, João; CRETELLA NETO, João. Ob. Cit., p. 115. 46UTILIZAÇÃO da arbitragem no mundo. Direito Net on line. Disponível em: ‹http://www.direitonet.com.br/›. 46 Para decidir, inicialmente, em que termos a arbitragem dar-se-ia para a resolução da questão de fronteiras entre Brasil e França, Carlos Alberto de Carvalho, Ministro das Relações Exteriores do Presidente Floriano Peixoto, aconselhou-se com o Barão do Rio Branco para que o tratado de arbitramento fosse redigido de forma a buscar mais benefícios para o Brasil. Assim, Rio Branco salientou a necessidade de limitarem-se os poderes do árbitro e de indicar com precisão o território em disputa. O Barão destacou a importância da escolha de um árbitro único, haja vista os trabalhos imperfeitos normalmente realizados por Tribunais e Comissões Arbitrais, o que poderia prejudicar sobremaneira os interesses brasileiros. Por isso, o diplomata do Brasil defendeu a indicação de um chefe de Estado, cujos poderes de árbitro estariam limitados no tratado de arbitramento, no qual havia duas condições de suma importância: quanto ao limite territorial, caberia ao árbitro apenas decidir qual era o verdadeiro: Rio Vicente Pinzón, se Oiapoque ou Araguari, sendo vedada a proposição de resolução intermediária; quanto à fronteira, a linha leste e oeste deveria ser determinada na escolha de uma das duas propostas apresentadas pelas partes, ou se poderia indicar realizar um acordo com base nos princípios de direito internacional concernentes a fronteiras indeterminadas. 47 As negociações para definir o tratado de arbitramento se iniciaram em Paris, onde ficou evidente o receio da França em insistir demasiadamente em vantagens territoriais na região contestada, pois isto poderia complicar suas relações com os aliados do Brasil, os Estados Unidos e a Inglaterra. Com esta, o receio fundamentava-se na disputa que essas duas potências tinham em relação a territórios coloniais na África e na Ásia, por isso os ingleses já tinham declarado que preferiam ter por limítrofe o Brasil, pois os francos e suas idéias expansionistas poderiam ameaçar o seu domínio na Guiana Inglesa. Aqueles, por sua vez, estavam apegados à DoutrinaMonroe, cuja idéia principal consubstanciava-se na mensagem do Presidente norte-americano James Monroe, abaixo transcrita, em que se defendia a não- colonização e não-intervenção de países europeus nos governos e nos territórios das Américas. [...] um princípio no qual o direito e os interesses dos Estados Unidos estão compreendidos que os continentes americanos, em razão da liberdade e da independência que eles mantém não podem de agora em diante serem considerados como suscetíveis de uma colonização futura por qualquer Potência européia.48 (sic) 47PRIMEIROS tratados de limites com a França. Governo do Amapá on line. Disponível em: ‹www4.ap.gov.br/Portal_Gea/historia/dadosestado.htm›. 48 MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Direito Internacional Americano: estudo sobre a contribuição de um direito regional para a integração econômica. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1995, p. 42-43. 47 Assim, em conseqüência da difícil negociação, não houve consenso entre os diplomatas brasileiro e francês, os quais transferiram a responsabilidade das transações para General Dionísio Cerqueira, Ministro do Exterior do governo de Prudente de Morais, e o Ministro da França Pichom, que se encontraram no Rio de Janeiro. Então, a conclusão deste encontro foi a escolha do Presidente da Confederação Helvética, Suíça, como árbitro, cuja sentença seria nos termos do tratado de arbitramento, não podendo interpor contra ela apelação e sendo obrigatório o seu cumprimento pelas partes contratantes. Ainda, foi concedido um ano para o governo suíço entregar sua decisão a respeito do Contestado Franco- brasileiro. Os franceses, tentando garantir sua permanência na região objeto do litígio, tentaram aumentar os poderes do árbitro já nas apresentações de memórias para a comissão de arbitramento, o que permitiria aos francos recorrer à transação na hipótese de sua sucumbência. O protesto brasileiro foi rápido, alegando-se de forma contumaz o desrespeito e descumprimento ao compromisso assinado e ratificado em 1897, o Tratado de Arbitramento entre França e Brasil. Passados os debates orais e as apresentações de documentos que sustentavam as teses ventiladas ao Monarca Suíço, este, em 1º de dezembro de 1900, entregou ao governo da França e do Brasil o seu laudo arbitral no qual constava a solução do impasse que já durava duzentos anos. Nesta esteira, o árbitro deu causa ganha ao Brasil, acatando por completo as propostas brasileiras quanto ao limite territorial, que seria o Rio Oiapoque, bem como quanto à fronteira, a qual seria marcada pelo referido rio e as cabeceiras do Rio Coulé-Coulé e Mapaoni (ver Anexo E). 5.3. O LAUDO SUÍÇO E A LEGISLAÇÃO ATUAL Hoje há um consenso entre os estudiosos de Direito internacional que um ente, para ser considerado Estado, deve conter três elementos principais: governo, população e território. É neste último em que se deve discriminar de forma clara e precisa a fronteira e o limite territorial. 48 Não compreende o território somente o espaço terrestre, o solo, mas inclui o subsolo, o espaço aéreo, o mar territorial e a plataforma submarina. Devem esses elementos territoriais ser definidos, cabendo referência à fronteira, região em que dois ou mais Estados se encontram, e limites, que são traços ou linhas, retas ou curvas, que os separam. 49 (grifo nosso). A maior parte da demarcação dos atuais territórios existentes, entretanto, não foi e ainda na atualidade não é feita de forma pacífica. Os Estados limítrofes tendem a disputar cada lote de terra, tendo de recorrer-se a formas de resolução de conflitos para garantir a paz na localidade disputada, bem como a segurança jurídica internacional, evitando-se uma eventual guerra. Assim, dentre as formas de resolução pacífica de conflitos destaca-se a arbitragem que vem ganhando cada vez mais relevância nos dias correntes. Isto porque ela assegura a obrigatoriedade e a perpetuidade de sua decisão, bem diferente dos tratados que, apesar das tentativas de assegurar sua execução, são descumpridos ao mero alvedrio dos contratantes. Deve-se acrescentar também que a globalização aumentou consideravelmente as relações interestatais, que precisam de soluções rápidas e eficazes para os seus impasses, evitando-se conflitos armados e desgaste social. Isso fez com que as arbitragens não ficassem restritas só a resolver os conflitos entre os Estados, mas também propiciar a solução de litígios entre os Estados e particulares estrangeiros. [...] Ademais, a arbitragem cresce em importância diante da emergência dos fenômenos das integrações econômicas regionais, as quais necessitam de soluções para os litígios por órgãos técnicos e mais atentos a fenômenos econômicos que os Tribunais judiciários internos dos Estados-partes. 50 No Brasil, o antigo Código Civil, 1916, bem como os Códigos de Processo Civil anteriores, 1939 e 1973, colocavam como requisito importante para que um Laudo Arbitral tivesse efeito dentro do território pátrio, sua homologação judicial. Tal panorama restou modificado com a promulgação e publicação da Lei nº 9.307/96, que deu novas feições à arbitragem no Brasil, como enumera Rodrigo Ferreira Santos e Victor Paulo Kloeckner em seu artigo eletrônico entitulado “Arbitragem Internacional: Uma análise à luz da legislação brasileira”. 49 DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Ob. Cit., p. 69. 50 SANTOS, Rodrigo Ferreira; PIRES, Victor Paulo Kloeckner. Arbitragem Internacional: Uma análise à luz da legislação brasileira. Disponível em: ‹http://www1.jus.com.br/doutrina/texto›. 49 O advento da Lei 9.307/96 (Lei da Arbitragem) reformulou por completo o instituto, trazendo como principais inovações a (1) dispensa de homologação judicial, tornando-se a sentença arbitral título executivo judicial, conforme o art. 584, VI, do CPC; (2) a eficácia negativa, que é a impossibilidade de se recorrer ao judiciário após a convenção arbitral, onde o juiz tem o dever de extinguir o processo, como prescreve o art. 267, VII, do CPC; e a (3) eficácia positiva, que refere-se à execução específica da cláusula compromissória (no caso de a parte que se submeteu ao compromisso arbitral se negar a aceitar convocação para tal, poderá a parte contrária, conforme os arts. 6º e 7º da Lei de Arbitragem, interpelar judicialmente, o que valerá como a convenção arbitral. Alguns doutrinadores têm referido que as normas que dispensam a homologação judicial, dando à cláusula compromissória eficácia positiva ou negativa, seriam inconstitucionais à luz de inciso XXXV do art 5º da Constituição Federal, uma vez que estariam excluindo do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito. Esta questão foi decidida pelo STF, uma vez que este órgão rejeitou o incidente de inconstitucionalidade, com vários argumentos: o principal deles diz que a exclusão da apreciação do Judiciário se dá diretamente pela vontade das partes sobre direitos disponíveis. Em específica análise, a arbitragem nacional tem termos semelhantes à arbitragem internacional, entretanto esta é mais restrita e sua decisão atinge a esfera jurídica de muitas pessoas, o que lhe dar um caráter mais severo. Nessa toada, o Laudo Arbitral Suíço sobre a Questão do Contestado Franco- brasileiro teve de ser recepcionado pelas normas internas brasileiras, o que ocorreu através de um Decreto Legislativo em 1901, anexando a Região Contestada ao estado do Pará. Hoje, devido ao grau de interesse social, haja vista a quantidade de brasileiros que se viram beneficiados com a incorporação oficial daquelas terras ao território brasileiro, ele deveria ser recebido diretamente por nossa legislação, tal qual ocorre com os tratados sobre direitos humanos. 50 6. CONCLUSÃO A questão de limites territoriaissempre é delicada, pois envolve pessoas que, culturalmente, têm as duas origens, no caso de fronteiras entre dois Estados. No caso especifico do atual Estado do Amapá, os acontecimentos referentes à questão do Contestado Franco-brasileiro contribuíram para enaltecer e consolidar a jovem República Brasileira no seu aspecto territorial, mas não foi a completa expulsão francesa de nosso território, pois na região a cultura e a língua se misturam, gerando um misto de “crioulos franco-brasileiros” que dançam “Zuk” (música típica africana cantada em francês) e falam “Patauá” (língua crioula francesa). O que se pode ressaltar da questão estritamente territorial é a eficácia do laudo arbitral, o qual garantiu a posse e a propriedade das terras do setentrião pátrio, que afastou conflitos armados mais intensos pela disputa das terras amapaenses. Sabe-se que os meios pacíficos de solução de conflitos internacionais têm sua eficácia adstrita à vontade dos países em contenda. Assim, ainda que boas decisões, no 51 sentido lato da expressão, sejam construídas em comum acordo, ou mesmo propostas por um terceiro ente, a solução depende do próprio Estado ofensor para ser efetivada. Os tratados sobre a Região telada foram todos descumpridos pela rival européia, que mesmo assinando-os e ratificando-os, ainda se via descontente com os limites traçados, buscando a posse completa daquelas terras com o fito de alcançar o Rio Amazonas e lá ter livre navegabilidade. Conclui-se, portanto, que a Arbitragem seria realmente o único meio de resolução pacífica de conflitos que definiria de vez o impasse entre portugueses, sucedidos por brasileiros, e franceses. A obrigatoriedade e a irrecorribilidade de sua sentença foram fortes fatores que garantiram a eficácia da aplicação da decisão arbitral, a qual foi respeitada na íntegra por brasileiros e franceses, que não discutiram mais sobre o limite territorial e a fronteira determinada. Como visto, representa a arbitragem uma verdadeira revolução no campo da solução de disputas fora dos tribunais, sendo necessário o delineamento e delimitação das normas internacionais em prol da unificação dos conceitos e pensamentos a respeito, principalmente, das questões entre Estados. Há cem anos, o Barão do Rio Branco, Ministro das Relações Exteriores, conseguiu que fossem estabelecidos os limites territoriais, demarcando as fronteiras da Guiana Francesa. A demarcação das terras, porém, não significou a separação dos povos que continuaram se relacionando amistosamente. Nos últimos anos, a relação de cooperação entre brasileiros e franceses vem se fortalecendo dia-a-dia. O espírito de cooperação amapaense foi, e continua sendo, objeto de atenção de várias personalidades nacionais e internacionais.51 51 CONTESTADO franco-brasileiro. Governo do Amapá on line. Disponível em: ‹www4.ap.gov.br/Portal_Gea/historia/dadosestado-contestado.htm›. 52 REFERÊNCIAS 1. OBRAS CONSULTADAS: ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. 11ª ed., 8ª tiragem, ver. pelo Embaixador Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva. São Paulo: Editora Saraiva, 1991. BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. 4ª ed. Lisboa: Oxford University Press, 1997. BURATTO, Vicente Oliva. O Papel da Arbitragem nas Relações Internacionais. Disponível em: ‹http://www.juspodivm.com.br/›. CAVALCANTE, Milene Dantas. Conflitos Internacionais. Disponível em: ‹http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Milene%20Dantas%20Cavalcante.pdf›. COSTA, Luís César Amad; MELLO, Leonel Itaussu. História do Brasil, 11ª ed. São Paulo: Editora Scipione, 1999. 53 DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Público. Rio de janeiro: Editora Forense, 2006. DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: Parte Geral. 7ª ed. ampl. E atual. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006. DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. Rio Branco e a Consolidação da Amazônia Brasileira: A Questão do Amapá. Disponível em: ‹http://www.upis.br/revistamultipla/multipla11.pdf#page=75›. GLITZ, Frederico Eduardo Zenedin. A Arbitragem Internacional como Sistema de Solução Privada de Controvérsias. Disponível em: ‹http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp›. JORGE, Arthur Guimarães de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do Brasil: uma introdução às obras do Barão do Rio Branco. Brasília: Senado Federal, 1999. MARTINS, Adler. Arbitragem Internacional: Necessidade de integração entre a lei brasileira e as convenções internacionais. Disponível em: ‹www.arbitragem.com.br›. MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Volume I, 15ª ed. São Paulo: Editora Renovar, 2004. ____________, Direito Internacional Americano: estudo sobre a contribuição de um direito regional para a integração econômica. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1995. MORAIS, Paulo Dias; MORAIS; Jurandir Dias; ROSÁRIO, Ivoneide Santos. História do Amapá: o Amapá na mira estrangeira. Macapá: JM Editora Gráfica, 2006. ___________; ROSÁRIO, Ivoneide Santos. Amapá: de capitania a território. Macapá: JM Editora Gráfica, 1998. RAIOL. Osvaldino da Silva. A utopia da terra na fronteira da Amazônia: a geografia e o conflito pela posse da terra do Amapá. Macapá: Editora Gráfica O Dia, 1992. REIS, Arthur César Ferreira. Limites e Demarcações na Amazônia Brasileira: A fronteira Colonial com a Guiana Francesa. Volume I, Reedição. Macapá: Imprensa Oficial, 1993. 54 RENÔR, João. Os Momentos da Amazônia. Macapá: Imprensa Oficial, 1998. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar, 10ª ed. ver. E atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. SANTOS, Rodrigo Ferreira; PIRES, Victor Paulo Kloeckner. Arbitragem Internacional: Uma análise à luz da legislação brasileira. Disponível em: ‹http://www1.jus.com.br/doutrina/texto›. SCHOLAI, Tatiana. Panorama da Arbitragem Internacional. Disponível em: ‹http://jusvi.com/artigos/35350›. 2. SÍTIOS DE INTERNETE CONSULTADOS: CONTESTADO franco-brasileiro. Governo do Amapá on line. Disponível em: ‹www4.ap.gov.br/Portal_Gea/historia/dadosestado-contestado.htm›. PRIMEIROS tratados de limites com a França. Governo do Amapá on line. Disponível em: ‹www4.ap.gov.br/Portal_Gea/historia/dadosestado.htm›. RESOLUÇÃO Pacífica de Conflitos. Tribunais Arbitrais Internacionais Especializados. Disponível em: ‹http://tribunaisespecializados.blogspot.com/2007/09/da-soluo-pacfica-das- controvrsias.html›. UTILIZAÇÃO da arbitragem no mundo. Direito Net on line. Disponível em: ‹http://www.direitonet.com.br/›. 55 ANEXOS 56 ANEXO A – Mapa do Estado do Amapá 57 (Fonte: www.rootsweb.ancestry.com/~brawgw/ap/mapaap.html) ANEXO B – Preâmbulo da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 58 Os Estados Partes na presente Convenção, Considerando o papel fundamental dos tratados na história das relações internacionais, Reconhecendo a importância cada vez maior dos tratados como fonte do Direito Internacional e como meio de desenvolver a cooperação pacífica entre as nações, quaisquer que sejam seus sistemas constitucionais e sociais, Constatando que os princípios do livre consentimento e da boa fé e a regra pacta sunt servanda são universalmente reconhecidos, Afirmando que as controvérsias relativas aos tratados, tais como outras controvérsias internacionais, devem ser solucionadas por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da Justiça e do Direito Internacional, Recordando a determinação dos povos das Nações Unidas de criar condições necessárias à manutenção da Justiça e do respeito às obrigações decorrentes dos tratados, Conscientes dos princípios de Direito Internacional incorporados na Carta das Nações Unidas, tais como os princípios da igualdade de direitos e da autodeterminaçãodos povos, da igualdade soberana e da independência de todos os Estados, da não-intervenção nos assuntos internos dos Estados, da proibição da ameaça ou do emprego da força e do respeito universal e observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, Acreditando que a codificação e o desenvolvimento progressivo do direito dos tratados alcançados na presente Convenção promoverão os propósitos das Nações Unidas enunciados na Carta, que são a manutenção da paz e da segurança internacionais, o desenvolvimento das relações amistosas e a consecução da cooperação entre as nações, Afirmando que as regras do Direito Internacional consuetudinário continuarão a reger as questões não reguladas pelas disposições da presente Convenção, Convieram no seguinte: [...]. ANEXO C - O Primeiro Tratado de Ultrecht 59 Dom João, por graça de Deos, Rey de Portugal: Faço saber aos que esta minha Carta virem, que havendo todas as Potências que concorreram para a presente guerra, concordado em que na Villa de Utrecht se formasse hum Congresso de todos os Plenipotenciários dellas, para nelle se conferirem os pontos, e meios proporcionados para pôr fim às hostilidades, concordaram e ajustaram hum Tratado de Paz entre as Coroas de França e de Portugal, pela maneira seguinte: EM NOME DA SANTISSIMA TRINDADE Havendo a Providencia Divina disposto os ânimos do muito Alto e muito Poderoso Príncipe Luís XIV, pela graça de Deus Rey Christianíssimo de França, do muito Alto poderoso Príncipe Dom João, o V, pela graça de Deos Rey de Portugal, convieram nos artigos seguintes: ART. I Haverá huma Paz perpetua, huma verdadeira amizade, e huma firme e boa correspondência entre Sua Magestade Christianíssima, seus Descendentes, Sucessores e Herdeiros, todos seus Estados e vassallos, de huma parte, e Sua Magestade Portuguesa, seus Descendentes, Successores e Herdeiros, todos seus Estados e vassallos, da outra, [...]. ART. II Haverá de huma e outra parte hum inteiro esquecimento de todas as hostilidades,[...]. ART. III Todos os prisioneiros de guerra, por huma e outra parte se restituirão promptamente, [...]. ART. IV [...] ART. VIII A fim de prevenir toda a occasião de discórdia, que poderia haver entre os vassallos da Coroa de França e os da Coroa de Portugal, Sua Magestade Christianíssima desistirá para sempre, como presentemente desiste por este Tratado pelos termos mais fortes qualquer direito e pretenção que póde, ou poderá ter sobre a propriedade das Terras chamada do Cabo do Norte, e Situadas entre o Rio das Amazonas e o de Japoc ou de Vicente Pinsão, sem reservar, ou reter porção alguma das ditas terras, para que ellas sejam possuidas daqui em diante por Sua Magestade Portugueza. 60 ART. IX Em consequência do Artigo precedente, poderá Sua Magestade Portugueza fazer reedificar os fortes de Araguari e Camaú, ou Massapá, e os mais que foram demolidos em execução do Tratado Provisional feito em Lisboa aos 4 de Março de 1700 [...]. ART. X Sua Magestade christianíssima reconhece pelo presente Tratado, que as duas margens do Rio das Amazonas, assim Meridional como Septentrional, pertencem em toda a Propriedade, Domínio e Soberania a Sua Magestade Portuguesa, e promette que nem elle nem seus Descendentes, Successores e Herdeiros farão jamais alguma pretenção sobre a Navegação e uso do dito Rio, com qualquer pretexto que seja. ART. XI Da mesma maneira que Sua Magestade Christianíssima desiste em seu nome, e de seus Descendentes, Successores e Herdeiros, de toda a pretenção sobre a Navegação e uso do Rio das Amazonas, cede de todo o direito que pudesse ter sobre algum outro Domínio de Sua Magestade Portuguesa tanto na America, como em outra parte do mundo. ART. XII E como he para recear que haja novas dissenções entre os Vassallos da Coroa de França e os da Coroa de Portugal, com a occasião do Commercio, que os moradores de Cayena podem intentar no Maranhão e na entrada do Rio das Amazonas, Sua Magestade Christianíssima promette por si, seus Descendentes, Successores e Herdeiros, que não consentirá que os ditos moradores de Cayena, nem quaesquer outros seus Vassallos vão commerciar nos lugares acima nomeados, e que lhes será absolutamente prohibido passar o Rio de Vicente Pinsão, para fazer commercio, e resgatar escravos das Terras do Cabo do Norte, como também promete Sua Magestade Portugueza por si, seus Descendentes, Successores e Herdeiros, que nenhum dos seus Vassallos irão commerciar a Cayena. ART. XIII [...] ART. XIX As ratificações do presente Tratado, dadas em boa, e devida forma, se trocarão de ambas as partes dentro do termo de 50 dias a contar do dia da assignatura, ou mais cedo se for possível. 61 Em fé do que, e em virtude das Ordens, e Plenos poderes que nós abaixo assignados recebemos de nossos Amos, El Rey Christianíssimo, e El Rey de Portugal, assignamos o presente Tratado e lhe fizemos pôr os sellos de nossas Armas. Feito em Utrecht a 11 de Abril de 1713. (L.S.) Huxelles. ______________ (L.S.) Conde de Tarouca. (L.S.) Menages. ______________ (L.S.) Dom Luis da Cunha ANEXO D - Cronologia sobre o Laudo Suíço 02 DE MAIO DE 1895 - o presidente do Triunvirato do Amapá, em resposta a solicitação da população de Cunani, em carta de 25 de abril de 1895, comunica a referida 62 comunidade que providenciou a prisão de Trajano e seus compassas, através do Major Felix Antônio de Souza, do Exército Defensor do Amapá. 15 DE MAIO DE 1895 - o governador de Caiena, Monsieur Charvein, encarrega o capitão Lunier que, ao comando da canhoneira Bengali, chega ao Amapá com oitenta “gendarmes” da Legião Estrangeira com a intenção de forçar Cabralzinho a soltar Trajano. A invasão à vila de Amapá, sede do Triunvirato, deixa um saldo de dezenas de mortos e feridos do lado brasileiro, alguns soldados do lado francês, e a morte do Capitão Lunier pelos comandados de Cabralzinho. O conflito demorou menos de duas horas e os franceses fugiram na canhoneira, pois a maré estava baixa e seu navio poderia ficar prejudicado. 26 DE MAIO DE 1895 - o Jornal “O PAIZ”, do Rio de Janeiro, é o primeiro a noticiar o conflito ocorrido, na versão da imprensa francesa. 30 DE MAIO DE 1895 - o jornal “A PROVÍNCIA” do Pará relata pela primeira vez, e com atraso de quinze dias, o conflito ocorrido no Amapá. 30 DE MAIO DE 1895 - o governador da Guiana Francesa, Monsieur Charvein, envia ao Governo Francês notícias contraditórias sobre o conflito ocorrido no Contestado, tentando justificar o envio de força à vila de Amapá. A notícia foi publicada no jornal “O DEMOCRATA”, primeira página. 06 DE JUNHO DE 1895 - o jornal “DIÁRIO DE NOTÍCIAS” narra a preocupação do Ministro Francês, presidente do Conselho de Ministros da França, em resolver a questão do Amapá de forma pacífica entre a França e o Brasil. Desde junho de 1895, iniciam-se as negociações entre os governos da França e do Brasil, referente à questão contestada. 11 DE JUNHO DE 1895 - os jornais franceses como o “LE TEMPS” começaram a produzir artigos referentes à questão do Amapá, dando um cunho de possível vitória para o lado brasileiro. 18 DE JUNHO DE 1895 - o jornal do “COMMERCIO” publica nesta data notícias a respeito do Governador de Caiena, Monsieur Charvein, que manda um telegrama ao Ministro da Fazenda, noticiando versões diferentes sobre Cabralzinho. 63 27 DE JUNHO DE 1895 - o jornal “O DEMOCRATA” de Belém, Pará, divulga declarações de um engenheiro militar francês sobre a importância estratégica da região Contestada do Amapá. 25 DE SETEMBRO DE 1895 - o governador Charvein, principal responsável do massacre de Lunier ao Amapá, em 15 de maio, é demitido e substituído por Lamothe, que recebe autorização para devolver imediatamente asbandeiras brasileiras e os prisioneiros encarcerados, para partirem no primeiro navio a sair de Caiena. 25 DE NOVEMBRO DE 1895 - o cientista Emilio Goeldi, enviado à região contestada do Amapá, faz um relatório ao Ministro das Relações Exteriores sobre a situação da fronteira e as conseqüências do massacre francês no Amapá. 10 DE ABRIL DE 1897 - Brasil e França assinam um acordo para decisão da Questão do Amapá. 02 DE DEZEMBRO DE 1898 - é instalada na vila de Cunani, a comissão mista franco-brasileira. 1º DE DEZEMBRO DE 1900 - o presidente da Suíça, Confederação Helvética, Walter Hauser, expede o Laudo Suíço, dando ganho de causa ao Brasil na questão do Contestado Franco-brasileiro. ANEXO E – Laudo Suíço: Transcrição de Trechos em Português. 64 Vistos os fatos acima, O Conselho Federal Suíço, na sua qualidade de árbitro chamado pelo Governo da República Francesa e pelo Governo dos Estados Unidos do Brasil, segundo o Tratado de Arbitramento de 10 de abril de 1897, a fixar na fronteira da Guiana Francesa e do Brasil apura, decide e pronuncia: Artigo I – Conforme o sentido preciso do Artigo 8º do Tratado de Ultrecht, o rio Oiapoque ou Vicente Pinzón é o Oiapoque que desemboca imediatamente a Oeste do Cabo de Orange e que por seu talvegue forma a linha lindeira. Artigo II – A partir da cachoeira principal deste rio Oiapoque até a fronteira holandesa, a linha de divisão das águas da Bacia Amazônica, que nesta região é constituída da quase totalidade pela linha do fastígio da Serra de Tumucumaque, forma o limite interior. Assim, assentado em Berna em nossa sessão de 1º de dezembro de 1900, a presente sentença, revestida do selo da Confederação Suíça, será expedida em três exemplares franceses, três exemplares alemães. Um exemplar francês e um alemão serão comunidados a cada uma das duas partes pelos cuidados de nossa repartição política; o terceiro exemplar francês e o terceiro alemão serão depositados nos arquivos da Confederação Suíça. Em nome do Conselho Federal Suíço O presidente da Confederação, Walter Hauser; o chanceler da Confederação Klinger. (tradução em português do Barão do Rio Branco). ANEXO F - Fortificações Históricas do Estado do Amapá 65 As redes de fortificações do Amapá eram, na sua maioria, constituídas por simples postos ou pequenos redutos, os quais, devido à fragilidade de sua construção, quase ruíram por completo, restando somente as edificações mais sólidas. Dentre estas figuras, a fortaleza de São José de Macapá, considerada o melhor, maior e mais importante monumento histórico do Estado, do Brasil e da América do Sul. As fortificações mais importantes são: Forte de Cumaú; Forte de Santo Antônio de Macapá; Vigia do Curiaú. 1. FORTE DE CUMAÚ Depois que os portugueses se apossaram dos fortes de Torrego, nos rios Manacapuru e Filipe, entre os rios Matapi e Manacapuru (hoje Rio Vila Nova), um reduto mais seguro e mais resistente, os ingleses enviados oficialmente à Amazônia alojaram-se na Região de Macapá, onde fundaram o Forte de Cumaú ou Massapá, com a ajuda dos índios Nhengaybos, Aruan e Tucuju. Em 10 de março de 1631, aportou em Santa Maria de Belém, Feliciano Coelho de Carvalho, nomeado ao cargo de vice-governador e grão-pará com a missão de continuar a lutar contra os invasores no grande vale amazônico. Em 1632, chefiava uma expedição guerreira, cuja finalidade era expulsar os invasores ingleses e parar nas imediações no Forte do Cumaú. Deu ordens aos capitães Ayres Chinchorro e Pedro Baião de Abreu. Ergue-se um lugar estratégico, uma trincheira para iniciarem os ataques ao aquartelamento dos súditos de Carlos I, da Dinastia de Studart. Na noite de nove de julho, o capitão Pedro Baião, acompanhado de seus soldados, de cinco mil índios, apoderou-se do Forte de Cumaú, onde os ingleses que haviam resistido à ofensiva portuguesa foram mortos e aprisionados. O comandante da expedição Roger Frey não estava presente no combate, porque foi ao encontro de uma nau de socorro, bastante equipada com material bélico. Feliciano Coelho, ciente da atitude de Roger Frey, ordenou ao capitão Ayres Chinchorro que fosse ao encontro do navio inglês, era o dia 14 de julho de 1632. O capitão tratou de executar as ordens do seu comandante, ma o fez com o auxílio dos índios flecheiros (Tucuju), os quais, em suas canoas, abordaram os navios ingleses, todavia, foram vencidos pelos lusitanos. 66 Ayres, Chinchorro e Roger Frey confrontaram-se no tombadilho da nau inglesa e de espada em punho iniciaram o duelo. Ao final, o comandante súdito de Carlos I é derrotado, sucumbido pela espada mortal do português. A vitória portuguesa já era previsível: o Forte de Cumaú foi arrasado. Feliciano Coelho retorna, então, para Belém no navio tomado por Roger Frey com a artilharia e os despojos da fortificação vencida. Dessa forma, os ingleses perderam a sua última batalha nas terras do Amapá. Atualmente, este forte pertence ao município de Santana. 2. FORTE DE SANTO ANTÔNIO DE MACAPÁ A presença francesa, ou melhor, a presença dos guianos (membros de uma tribo indígena) despertou nos portugueses a idéia de construir uma fortificação para a defesa da região de Macapá, que o Rei de Portugal, Dom Pedro I (1683-1706), através da Carta-régia de 21 de dezembro 1666, facultou ao governador Gomes Freire de Andrade a escolha de um local para construir a respectiva fortaleza então em projeto. No ano de 1688, o governador do Maranhão e grão-pará, capitão Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho (filho de Feliciano Coelho) adotando as instruções do Governador-geral do Brasil, mandou levantar essa fortificação, a qual recebeu o nome de Santo Antônio de Macapá. Em 31 de março de 1697, portanto, nove anos após a fundação do forte, o marquês Deferroles, seguindo determinação do Governador de Caiena é, acima de tudo, ordens do Rei da França (Luiz XIV), desrespeita o acordo de paz, expulsa os militares lusitanos da margem esquerda do rio Amazonas. Com tudo isso, sem muitas dificuldades, pois, para se apossar da fortaleza em questão, não necessitou de nenhuma artilharia. O forte localiza-se nas proximidades da atual rodovia Salvador Diniz, que liga o Distrito de Fazendinha ao Porto de Santana, na embocadura do Igarapé da Fortaleza. O governador do Maranhão e grão-pará, Antônio Albuquerque de Carvalho, que nesse momento achava-se inspecionando a Praça de Gurupá. Sabedor da tomada desse forte organizou, sob o comando de Francisco de Sousa Fundão, uma expedição militar constituída de 160 soldados, 150 índios flecheiros com destino a Macapá, seguida mais tarde, um minguado reforço, liderado por José Muniz de Mendonça. Vigiava a fortificação uma guarnição de quarenta e três homens, entre oficiais e soldados. Em 28 de julho de 1697, os portugueses realizaram o primeiro ataque para a retomada da fortaleza, mas 67 foram rechaçados a bala pelos inimigos. Francisco de Sousa Fundão, analisando o fracasso da primeira investida, pensou em retirar sua tropa. Entretanto, não teve a equiescência de João Muniz, que considerava a idéia absurda, pois o propósito da expedição era tomar o forte, a qualquer custo. Por causa da determinação de João Muniz, os portugueses recuperaram, em seguida, a fortaleza de Santo Antônio de Macapá. Deste modo, conforme previsto em lei, precisamente no artigo 1 do tratado provisional de 4 de março de 1600, sancionado pelos portugueses e franceses, a fortaleza deveria ser demolida conforme este acordo bilateral – pelo qual foi neutralizado território com a Guiana Francesa – ficou acertado que se deveria: desamparar e demolir, por el-Rei de Portugal, os fortes de Araguari e Cumaú e retirar a gente e tudo o mais que neles houver e as aldeias de índios que os acompanham e formarem, ao serviço e uso dos ditos fortes, e depois da ratificação do tratado provisional, achando-semais alguns fortes pela margem do rio Amazonas, para o Cabo do Norte e Costa do mar até a foz do rio Oiapoque, se demoliram igualmente os de Araguari e do Cumaú. (Reis, Artur Sérgio, 1993). Apesar das determinações, atendendo ao pedido do governador do Pará, Fernando Carrilho, o forte de Santo Antônio de Macapá não foi demolido. Contudo, a fortaleza não recebeu a dívida na intenção de pouco a pouco foi se transformando em ruína. Além do mais, pelo seu aspecto arquitetônico de pouca resistência, não oferecia segurança, no caso de nova invasão. Sua construção foi levantada por volta de 1763, mas a sua planta de fortificação só ficou pronta 75 anos depois quando se estudavam as fortificações de Macapá, por determinação do governador de maranhão e grão-pará, Fernando da Costa de Ataíde Teive. 3. VIGIA DO CURIAÚ Ao norte da cidade de São José de Macapá, lança-se no rio Amazonas o igarapé, chamado nas cartas geográficas desde os tempos coloniais o rio Curiaú. O governador do grão-pará, Capitão-general João de Abreu Castello Branco, autorizou a instauração de um destacamento militar em Macapá. Uma pequena unidade comandada pelo capitão Antônio Gonçalves, que havia enviado ao Rei de Portugal, D. João VI, propondo erguer, por sua conta, uma fortificação na foz do Curiaú, dizendo estar interessado apenas em ser seu comandante com posto vitalício. A proposta foi aceita pelo governador do grão-pará, mas o monarca 68 português manifestou-se contrário Somente em seis de março de 1761, o governador do Maranhão e grão-pará, Bernardo de melo e Castro, veio a Macapá para a benção da igreja de São José de Macapá. Aproveitou a ocasião para autorizar a concessão da construção da fortaleza de São José de Macapá e que fosse construída uma Vigia na parte direita do rio Curiaú, na confluência com o rio Amazonas. Foi construída uma residência para o corpo da guarda e uma guarita, a uma distância de 70 braços do rio ou 150 metros de terra firme, em cima de um banco de lodo por uma ponte. Antes do descobrimento do Brasil, em 1499, Américo Vespúcio, participando da expedição de Alonso de Hojeda – sob ordens dos reis católicos da Espanha Fernando e Isabel (Castelo e Aragão) - percorreu o litoral amapaense, conforme carta- documento escrita por esse navegador, na qual narra o momento em que sua expedição atravessa a linha do Equador, passando pelas ilhas da Caviana, dos Porcos e do Pará, em frente do Município de Macapá, hoje capital do Estado do Amapá. Portanto, antes de ser oficializado o nome Macapá, Américo Vespúcio já havia passado em sua frente, através do rio Amazonas. A história da cidade São José de Macapá, remonta aos idos coloniais e está relacionada à defesa e fortificação das fronteiras do Brasil, bem como à preocupação em garantir a fixação do homem em terras brasileiras, assegurando, assim, a soberania de Portugal nas terras conquistadas. No extremo norte do Brasil, formou-se o primeiro núcleo de colonização (1738), após vários conflitos com os franceses de Caiena. Este núcleo pertencia a então província do Maranhão e Grão-Pará, cujo governador (João de Abreu Castelo Branco) enviou destacamento militar para o local onde hoje se encontra a fortaleza de São José de Macapá. Por falta de recursos financeiros, conservou o destacamento, sem, no entanto, procurar desenvolvê-lo. Mas alertou ao rei de Portugal sobre a urgência de implementação de povoamento e fortificação da foz do Amazonas. Francisco Pedro Gurjão, seu sucessor, reiterou essas reivindicações. Apesar disto, o único mérito de D. João V, foi o de haver em 1748, oficialmente denominado a região de província dos Tucujus ou Tucujulândia, mantendo, portanto, inalterada sua condição administrativa. No ano de 1751, o governador do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, ministro de D. José I, continuou a colonização, trazendo algumas famílias (colonos) vindas das ilhas de Açores, com o objetivo de iniciar uma pequena povoação e construir barracos para servirem de alojamento aos soldados que iriam para lá. O povoado rapidamente progrediu, mas a insalubridade do local vem a ser um grave problema para os colonos. Em 1752, grassa no povoado uma epidemia de cólera. A noticia chegou a Belém em 7 de março 69 daquele mesmo ano. Inesperadamente, Mendonça Furtado aporta na povoação, trazendo, além medicamentos, o único médico que havia na capital e consegue controlar a moléstia. Constituem as origens do Amapá, portanto, esses colonos degredados de Portugal (bandidos, prostitutas, presos políticos ECT, negros africanos ou oriundos da Bahia e do rio de Janeiro, além dos índios que já habitavam o local). Em 1761, inaugurava-se o mais antigo monumento da cidade de Macapá: a Igreja de São José de Macapá. Foi o governador do Grão-Pará, Mendonça Furtado que elevou Macapá, antes povoado, à categoria de Vila de São José de Macapá, em 4 de fevereiro de 1758, na presença do povo Tucujuense, precisamente na praça denominada de São Sebastião. Era necessário fortificar a vila. O então governador do Grão- Pará e Maranhão, Fernando da Costa Ataíde Teive, autorizou, em 1764, a construção da Fortaleza de São José de Macapá. Em 19 de março de 1782, foi inaugurada a maior fortificação construída pelos portugueses no Brasil. A vila foi prosperando e se expandindo em volta do forte. Era o ano de 1808. A família real chegara ao Brasil. D. João VI determina a integração da Fortaleza de São José de Macapá à fronteira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Em 7 de janeiro de 1835, eclode desta a cabanagem, revolta armada encabeçada basicamente por humildes habitantes ribeirinhos que moravam em cabanas, daí o nome do movimento. A noticia da eclosão desta revolta chega à Macapá, através do subcomandante da fortaleza de São José, Francisco Pereira Brito, que se encontrava em Belém. A cabanagem, sendo um movimento reformista composto por mestiços, não conseguiu a adesão dos macapaenses, descendentes de antigos colonos portugueses (não miscigenados). O temor da perda de privilégios os levou a formar uma frente de reação aos cabanos com o apoio das Vilas de Gurupá, Monte Alegre, Santarém e Cametá. Providências militares foram tomadas para conter o avanço na região. Em Macapá, a defesa da vila e seus domínios foram organizados pelo presidente da Câmara Municipal, Manoel Antonio Picanço, e pelo Juiz de Direito Manoel Gonçalves de Azevedo, pelo Promotor Público Estevão José Picanço e pelos capitães Francisco Valente Barreto e José Joaquim Romão. Este último comandante da Fortaleza de São José. A luta entre cabanos e tropas imperiais intensificava-se perseguidos no Baixo-Amazonas, os vieirinhas, bem como na localidade de Furo de Beija-Flor. Em 20 de dezembro de 1835, foram atacados por tropas macapaenses e mazaganenses e expulsos da região. Somente no segundo reinado, através da Lei Provincial do Pará de n 281, Macapá foi elevada à categoria de cidade, em 6 de setembro de 1856. No governo de Getúlio Vargas, através do Decreto-lei n 5812, de 13 de setembro de 1943, foi criado o território Federal do Amapá. A partir desta data o Amapá passou a ter governo próprio, embora nomeada pelo Governo Federal. Em 31 de maio de 1944, Macapá foi promovida à categoria de capital do 70 território, hoje Estado do Amapá. Macapá é o município mais importante do Estado do Amapá, pois configura a capital do estado do Amapá. Além de ser a sede do governo e demais poderes que regem a administração, é o município mais estruturado, concentrando prédios de arquitetura moderna e monumentos históricos. Macapá é a única capital brasileira que está situada à margem do rio Amazonas e é cortada pela linha doEquador. A partir da transformação do Amapá em Estado, atendendo preceitos da Constituição de 1988, ocorreram substanciais mudanças em sua dinâmica especial. O esgotamento das jazidas manganíferas, de fundamental importância para a economia do Estado, obrigou aos Governos, tanto estaduais quanto federais, buscarem novas alternativas econômicas para o Amapá. O principal elemento dessa tomada de decisão foi a criação pelo Governo do Federal da área de livre comércio de Macapá e Santana em 1991. Apesar da suspensão do Imposto de Importação (II) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), sobre as mercadorias estrangeiras, que se constituem em grande perda na arrecadação do Estado, o setor terciário ainda é um dos maiores alavancadores da economia estadual, além de propiciar vantagens também no campo social, pois gera empregos para centenas de pessoas. ANEXO G – A Colonização Africana no Amapá 71 1. SONHO LUSO-MARROQUINO Durante o século XVI Portugal já fincara raízes em diferentes terras de além mar. Pontos de comércio, colônias, foram sendo implantados na América, em terras d’África e até mesmo no Oriente. As investidas portuguesas contra os mouros levaram à ocupação de diferentes cidades da área meridional de Marrocos, à implantação de Mazagão, erguida na parte sul da baía, bem junto ao mar. Aos poucos, no entanto, os mouros começavam a recuperar suas cidades. Em março de 1541, Santa Cruz de Cabo de Gué caiu em poder dos mouros. A perda deste baluarte compeliu o rei D. João III a determinar já em outubro daquele ano, o abandono e a evacuação de Safim e Azamor. Alguns anos mais tarde, em 1550, Alcácer-Ceguer e Arzila foram abandonadas pelos portugueses, restando a Portugal, de suas conquistas em Marrocos apenas Ceuta, Tânger e Mazagão. Posteriormente, em 1662 Tânger, que permanecera portuguesa, foi cedida à Inglaterra como parte do dote de casamento de D. Catarina com Carlos II. Assim, no final do século XVII até meados do XVIII apenas Mazagão permaneceu como marco de resistência do sonho lusitano em Marrocos Mazagão nascera uma cidade litorânea, voltada para o comércio. Sua vocação de concentrar riquezas contribuía para aumentar a cobiça de outros povos, com riscos de invasão a que era submetida. Riscos aos quais se somavam os objetivos mouros de recuperar seu território. Ainda por determinação de D. João III, a cidade Mazagão fora fortificada, transformada em uma cidadela da qual se dizia inexpugnável. E de fato, esta cidadela resistiu por mais de dois séculos, ainda que isolada por terra pelos contingentes marroquinos. A partir de 1750 intensificaram-se os ataques mouros à praça portuguesa de Mazagão. A partir de então se sucederam os cercos, os ataques sofridos por Mazagão: em 1751, 1752, 1753, 1754, 1756, 1760, e 1763. Neste último, a cidade se viu na iminência de ser tomada. Mas foi em 1769 que um poderoso contingente de 8.000 homens montou o último cerco à cidade. O transtorno, o perigo real, imposto pelos mouros que sitiavam a vila 72 portuguesa de Mazagão, levou o Rei D. José I a ordenar o abandono da praça e o embarque imediato da população para Lisboa. Em 1769 já haviam se passado 256 anos desde que os portugueses fundaram Mazagão. Muitas transformações haviam se operado nas relações entre os países, nas políticas internas, nos produtos das colônias. E, no reinado de D. José, a política portuguesa assumia novos rumos. Assim é que, ao tomar conhecimento do cerco que se montava a Mazagão, o Rei decidiu pela transferência para o Brasil das 340 ali residentes. 2. NASCE UMA NOVA MAZAGÃO. Mas não era Lisboa o destino final daquela população: as preocupações da coroa portuguesa com a ocupação da Amazônia brasileira fizeram com que se integrasse a estratégia de evacuação de Mazagão em Marrocos, com a implantação de uma Nova Mazagão na Amazônia. A intensificação dos conflitos em Marrocos coincidiu com um período em que a política portuguesa buscava intensificar o povoamento das fronteiras de sua colônia americana. A exploração do ouro no Brasil exigia da coroa cuidados especiais com as vias de acesso às minas. Seja para garantir terras potencialmente ricas em ouro, seja para evitar a evasão, o contrabando do ouro, o controle de Amazonas preocupava Portugal. A região, o Rio é, sobretudo, sua foz era alvo constante das incursões inglesas, holandesas e francesas. Apenas com o povoamento e a fortificação de pontos estratégicos poderiam vir a garantir a posse e o domínio do Amazonas. Assim é que, entre 1755 e 1759, durante o governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado (governador do Grão Pará entre 1751 e 1758) foram fundadas cerca de 60 vilas e povoados no Estado do Grão-Pará, nas capitanias do Pará e Rio Negro. Mas nos meados do século XVIII, parece que já não se mostrava muito fácil arregimentar colonos voluntários para a América. Os dois problemas confluíram para a solução: transplantar para a América a colônia de Marrocos. “Com estas famílias ordena El Rei Nosso Senhor, que se estabeleça uma nova Povoação na Costa septentrional das Amazonas, para se darem as mãos com o Macapá, e com Vila Vistoza.”. 73 A questão estratégica de defesa dos canais de acesso ao Amazonas, é evidente. A vila de São José de Macapá, com a sua Fortaleza de São José, representava o foco da questão de defesa do canal Norte do Rio. A guarnição de Macapá poderia vir a necessitar de reforços em caso de assédio; nestas circunstâncias as vilas próximas responderiam em seu auxílio. Assim a Vila de Mazagão viria a integrar o sistema de apoio à Fortaleza de São José, juntando-se às vilas de Macapá e Vila Vistoza da Madre de Deus, fundada em 1767 às margens do rio Anauerapucu. O local da nova vila fora sugerido por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, em carta que enviada a Ataíde Teive. De há muito, Teíve planejava instalar uma povoação nas margens do Mutuacá. De início planejara ali assentar uma fazenda, uma povoação com índios, “posto que tinha ótimos campos para currais”, como se refere em sua carta a João Ignácio de Brityo e Abreu, Juiz de Fora do Pará, datada de 1758. Ainda com base nas recomendações de Mendonça Furtado, o Governador, incumbir o ajudante engenheiro Domingos Sambucetti de examinar ‘o sítio mais cômodo para o estabelecimento da villa’. Assim Sambucetti depois de estudos recomenda ao Governador um “terreno místico ao lugar de Santa Ana do Rio Mutuacá”, como assinala na planta que fez. No local escolhido existia um povoado do qual fez a planta, desenhando a nova vila sobre o povoado já existente. Este povoado ali se instalara desde 1769. Fora constituído por um contingente indígena, irregularmente ‘descido’ por Francisco Portilho, em 1753. Impedido pelo Governador Teíve, de negociar os índios aprisionados, o ‘capitão’ cedeu à pressão e concordou em constituir um povoado com aquela gente. As margens do Mutuacá foi o terceiro ponto buscado para o assentamento. Antes haviam ocupado uma área na Ilha de Santana (1754) e posteriormente nas margens do Rio Anauerapucu (1756). As primeiras áreas foram consideradas pouco salubres e em 1769 a população se transferiu para as margens do Rio Mutuacá. O projeto para a fundação de Vila Nova de Mazagão foi “desenhado sobre o povoado já existente”, e previa a construção de mais de 500 casas. Da povoação indígena, apenas a igreja foi considerada no plano de Sambucetti. As pequenas quadras do povoado não foram integradas ao projeto, bem mais ambicioso, da Nova Mazagão. Em 1770 chegaram a Belém as primeiras 340 famílias que deixaram a velha Mazagão, no Marrocos. Deveriam se demorar pouco tempo em Belém. Parte destas famílias iria constituir a Nova Mazagão, um povoado que a coroa portuguesa mandara o 74 Governador do GrãoPará, Governador Ataíde Teíve, construir às margens do rio Mutuacá. Uma vila planejada, composta de muitas quadras que se distribuíam nas terras firmes às margens do rio que a partir de então recebeu o nome da vila, Rio Mazagão. Também em 1770, (23 de janeiro) as obras da vila já haviam sido iniciadas. Mas, na realidade, os trabalhos não correram tão céleres quanto seria da conveniência da Coroa. Todos os serviços preliminares de desmatamento, limpeza e preparação do terreno certamente consumiram um bom tempo. Havia ainda a questão de aquisição e transporte de material. Embora grande parte do material utilizado pudesse ser obtido nos arredores, como a palha do buçu, para cobrir as casas, ou o barro para a taipa, possivelmente as pedras para a construção da matriz e talvez de algumas das casas e, sobretudo a cal, teriam que vir de longe. No início de 1773, as primeiras 56 casas já estavam concluídas; outras 36 já construídas, faltavam ser caiadas; 25 casas também já levantadas, careciam ainda de reboco e caiação; outras 17 haviam sido principiadas. No final de 1773, 176 famílias, já haviam sido transferidas para a nova vila que se fundara, especialmente para recebê-los: a Nova Mazagão, como ficou conhecida até 1880. Naquele ano, entre 4 de agosto e 4 de setembro, o governador João Pereira Caldas realizou uma visita às vilas de Macapá, Vila Vistoza da Madre de Deus e Nova Mazagão. Nova Mazagão prosperou, tornando-se uma das grandes produtoras da região. Seus produtos, comerciados e transportados através do rio, iam abastecer Belém. Mas as epidemias que no século XIX assolaram várias vilas e povoados no Brasil, não pouparam Nova Mazagão. Em 1781 dezenas de pessoas morreram, vítimas de uma epidemia de cólera. Desgostosos com a situação, e provavelmente atribuindo as moléstias aos ‘maus ares’, a maior parte da população migrou. Embora a epidemia tivesse sido controlada a partir de meados de 1882 muitos dos sobreviventes, traumatizados com as mortes, transferiram-se definitivamente para outros locais. No decorrer dos anos, poucos moradores permaneceram no local. O foro de vila daquela que fora a Nova Mazagão desaparecera com a maior parte da população; a antiga vila praticamente desapareceu. Uns poucos moradores permaneceram, conta-se que na maioria negros. Posteriormente, com a constituição do município de Mazagão implantou-se sua sede, uma nova cidade, a cerca de 20 km de distância da antiga vila. Tão distante no tempo se estava de Mazagão de Marrocos, que a vila formada no século XVIII passou a ser referida como Mazagão Velho. 75 3. Vocação para o ressurgimento Hoje Mazagão Velho guarda memórias escondidas de seu antigo apogeu. As memórias transmitidas através das gerações, remontam aos tempos de Marrocos, e são revividas através de folguedos populares, de festas religiosas e profanas. O quanto resta do traçado da antiga Nova Mazagão, não se sabe ao certo. Mas certamente existirão vestígios daqueles tempos que poderão ser resgatados arqueologicamente. Quanto à migração da maioria de sua população, o abandono das casas, a perda de seu status, teria alterado aquele traçado? Como a população remanescente teria redimensionado o espaço? Como eram as construções das casas e das obras públicas de então? Estas são algumas das perguntas que freqüentemente se fazem, cujas respostas permitiram uma visão do que seriam as vilas planejadas para o Brasil. O que hoje se sabe da vida da Nova Mazagão, longe está de refletir de fato o que foi a vida, o que foram as lutas para a adaptação de uma população transferida para uma realidade tão distinta daquela a qual se acostumara na África. O que se sabe representa apenas as linhas gerais dos eventos desta história. É necessário buscar em todas as fontes, desde os documentos históricos oficiais, aos documentos eclesiásticos, aos documentos arqueológicos, e até mesmo a história oral. Embora afastados no tempo por diversas gerações, as memórias guardadas através das tradições podem representar pelo menos pistas a serem seguidas nas pesquisas. A equipe do Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco está no momento realizando pesquisas na área atendendo a solicitação do Governo do Estado do Amapá, como ainda do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Os trabalhos ainda não estão conclusos, mas sim, apenas iniciados. Esperamos que em próximas campanhas possamos resgatar mais unidades funcionais desta cidade e contribuir para o seu melhor entendimento.