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1 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 3 2 ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL NO ÂMBITO DA ESF/APS ....................... 4 3 EQUIPE MULTIPROFISSIONAL E ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL .......... 6 3.1 Elaboração do projeto terapêutico singular no apoio matricial de saúde mental 9 3.2 Roteiro para discussão de casos em apoio matricial de saúde mental 9 4 PSICOPATOLOGIA .................................................................................. 11 5 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA .................................................................... 13 5.1 DIMENSÃO DUPLA DO SINTOMA PSICOPATOLÓGICO: INDICADOR E SÍMBOLO AO MESMO TEMPO .................................................... 14 6 TRANSTORNOS NEUROLÓGICOS ........................................................ 16 6.1 Um pouco sobre a histeria .................................................................. 17 7 TRANSTORNO BIPOLAR ........................................................................ 20 7.1 Hipomania .......................................................................................... 23 7.2 A prevenção de novos episódios de mania ........................................ 23 8 TRANSTORNO DE PERSONALIDADE.................................................... 24 9 DEPRESSÃO ............................................................................................ 27 9.1 Fisiopatologia da depressão ............................................................... 28 9.2 Etiologia da depressão ....................................................................... 29 9.3 Fatores psicossociais, econômicos e culturais ................................... 29 9.4 Depressão e disfunção sexual ........................................................... 31 2 10 O IMPACTO DE PROBLEMAS DE SAÚDE MENTAL E DE PSIQUIATRIA NA FAMÍLIA .............................................................................................................. 32 11 A CRIANÇA, O IDOSO E O ADULTO – DIFERENTES PATOLOGIAS PSIQUIATRÍCAS. ...................................................................................................... 36 11.1 O grupo de familiares e o cuidado com o portador de sofrimento psíquico 38 11.2 O que é família? .............................................................................. 40 11.3 A lógica da Atenção Básica à saúde e os recursos para o trabalho com a família enquanto protagonista do cuidado .................................................. 41 12 REFERÊNCIAS ..................................................................................... 43 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL NO ÂMBITO DA ESF/APS Fonte: amenteemaravilhosa.com.br Nas últimas décadas, na opinião de Correia, Barros e Colvero (2011) temos acompanhado várias transformações no modelo de atenção em saúde mental, que priorizam ações voltadas para a inclusão social, cidadania e autonomia das pessoas portadoras de transtornos mentais. Entretanto, estas mudanças têm encontrado obstáculos para superar o modelo biomédico e hospitalocêntrico no campo da saúde mental. Neste contexto, identifica-se o protagonismo do movimento social de profissionais, usuários e familiares que têm favorecido ao longo do processo mudanças na legislação e a proposição de novos modelos de atenção em saúde mental. O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é um serviço estratégico para promover a desospitalização, aqui entendida enquanto oferta de serviços territoriais, compatíveis com os princípios da Reforma Psiquiátrica e com as diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental. Porém, os CAPS e a oferta de serviços na abordagem 5 psicossocial não são, ainda, suficientes para a cobertura da demanda de saúde mental nas diversas realidades do país (CORREIA; BARROS; COLVERO, 2011). Nos últimos anos, o Ministério da Saúde, através das políticas de expansão, formulação, formação e avaliação da Atenção Básica, vem estimulando ações que remetem a dimensão subjetiva dos usuários e aos problemas mais graves de saúde mental da população neste nível de atenção. A Estratégia Saúde da Família (ESF), tomada enquanto diretriz para reorganização da Atenção Básica no contexto do Sistema Único de Saúde - SUS, tornou-se fundamental para a atenção das pessoas portadoras de transtornos mentais e seus familiares; com base no trabalho organizado segundo o modelo da atenção básica e por meio ações comunitárias que favorecem a inclusão social destas no território onde vivem e trabalham (CORREIA; BARROS; COLVERO, 2011). Em diferentes regiões do país, exemplifica Correia, Barros e Colvero (2011), experiências exitosas vão demonstrando a potência transformadora das práticas dos trabalhadores da atenção básica, mediante a inclusão da saúde mental na atenção básica por meio do matriciamento, como por exemplo, das equipes de apoio ao Programa Saúde da Família-NASF. Entretanto, muito ainda precisa ser implementado para avançarmos na perspectiva da construção da rede de atenção em saúde mental mediante a articulação de serviços que devem operar na lógica territorialização, corresponsabilização e da integralidade das práticas em saúde mental. Diante deste quadro, tem por objetivo identificar e analisar na produção científica as ações realizadas pelos profissionais da equipe de saúde da família na atenção à saúde mental. Desse modo, esperamos que este trabalho possa fazer repensar a assistência em saúde mental na atenção básica e contribuir para a prática dos trabalhadores das equipes de saúde da família frente aos portadores de transtornos mentais e seus familiares (CORREIA; BARROS; COLVERO, 2011). 6 3 EQUIPE MULTIPROFISSIONAL E ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL Fonte: http:www.nutes.ufpe.br Matriciamento ou apoio matricial é um novo modo de produzir saúde em que duas ou mais equipes, num processo de construção compartilhada, criam uma proposta de intervenção pedagógico-terapêutica. No processo de integração da saúde mental à atenção primária na realidade brasileira, esse novo modelo tem sido o norteador das experiências implementadas em diversos municípios, ao longo dos últimos anos (CORREIA; BARROS; COLVERO, 2011, p. 1). Esse apoio matricial, formulado por Gastão Wagner Campos (1999 apud Correia, Barros e Colvero 2011), tem estruturado em nosso país um tipo de cuidado colaborativo entre a saúde mental e a atenção primária. Tradicionalmente, os sistemas de saúde se organizam de uma forma vertical (hierárquica), com uma diferença de autoridade entre quem encaminha um caso e quem o recebe, havendo uma transferência de responsabilidade ao encaminhar. A comunicação entre os dois ou mais níveis hierárquicos ocorre, muitas vezes, de formaprecária e irregular, geralmente por meio de informes escritos, como pedidos de parecer e formulários de 7 contrarreferência que não oferecem uma boa resolubilidade. A nova proposta integradora visa transformar a lógica tradicional dos sistemas de saúde: encaminhamentos, referências e contrarreferências, protocolos e centros de regulação. Os efeitos burocráticos e pouco dinâmicos dessa lógica tradicional podem vir a ser atenuados por ações horizontais que integrem os componentes e seus saberes nos diferentes níveis assistenciais. Na horizontalização decorrente do processo de matriciamento, o sistema de saúde se reestrutura em dois tipos de equipes: Equipe de referência; Equipe de apoio matricial. Na situação específica do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, refere Correia, Barros e Colvero (2011) as equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF) funcionam como equipes de referência interdisciplinares, atuando com uma responsabilidade sanitária que inclui o cuidado longitudinal, além do atendimento especializado que realizam concomitantemente. E a equipe de apoio matricial, no caso específico desse guia prático, é a equipe de saúde mental. Segundo Campos e Domitti (2007, p. 400 apud Correia, Barros e Colvero 2011), a relação entre essas duas equipes constitui um novo arranjo do sistema de saúde: Apoio matricial e equipe de referência são, ao mesmo tempo, arranjos organizacionais e uma metodologia para gestão do trabalho em saúde, objetivando ampliar as possibilidades de realizar-se clínica ampliada e integração dialógica entre distintas especialidades e profissões. O apoio matricial é distinto do atendimento realizado por um especialista dentro de uma unidade de atenção primária tradicional. Ele pode ser entendido com base no que aponta Figueiredo e Campos (2009): “um suporte técnico especializado que é ofertado a uma equipe interdisciplinar em saúde a fim de ampliar seu campo de atuação e qualificar suas ações”. 8 Matriciamento não é: • encaminhamento ao especialista • atendimento individual pelo profissional de saúde mental • intervenção psicossocial coletiva realizado apenas pelo profissional de saúde mental. No dizer de Correia, Barros e Colvero (2011) o matriciamento deve proporcionar a retaguarda especializada da assistência, assim como um suporte técnico-pedagógico, um vínculo interpessoal e o apoio institucional no processo de construção coletiva de projetos terapêuticos junto à população. Assim, também se diferencia da supervisão, pois o matriciador pode participar ativamente do projeto terapêutico. O matriciamento constitui-se numa ferramenta de transformação, não só do processo de saúde e doença, mas de toda a realidade dessas equipes e comunidades. Quando solicitar um matriciamento? • Nos casos em que a equipe de referência sente necessidade de apoio da saúde mental para abordar e conduzir um caso que exige, por exemplo, esclarecimento diagnóstico, estruturação de um projeto terapêutico e abordagem da família. • Quando se necessita de suporte para realizar intervenções psicossociais específicas da atenção primária, tais como grupos de pacientes com transtornos mentais. • Para integração do nível especializado com a atenção primária no tratamento de pacientes com transtorno mental, como, por exemplo, para apoiar na adesão ao projeto terapêutico de pacientes com transtornos mentais graves e persistentes em atendimento especializado em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). • Quando a equipe de referência sente necessidade de apoio para resolver problemas relativos ao desempenho de suas tarefas, como, por exemplo, dificuldades nas relações pessoais ou nas situações especialmente difíceis encontradas na realidade do trabalho diário. 9 3.1 Elaboração do projeto terapêutico singular no apoio matricial de saúde mental O Projeto Terapêutico Singular (PTS) é um recurso de clínica ampliada e da humanização em saúde. Segundo Carvalho e Cunha (2006), o uso do termo “singular” em substituição a “individual”, outrora mais utilizado, baseia-se na premissa de que nas práticas de saúde coletiva e em especial na atenção primária é fundamental levar em consideração não só o indivíduo, mas todo o seu contexto social (CORREIA; BARROS; COLVERO, 2011). Os projetos podem ser familiares, coletivos e até territoriais, o que restringe o uso da palavra “individual”. E ainda que o centro de um projeto terapêutico singular seja, de fato, um indivíduo apenas, olhar para os cuidados de alguém em especial na saúde mental exige um foco abrangente que incluiu o seu entorno familiar e territorial. Essa concepção é extremamente importante para um matriciador quando ele aborda algum caso com a equipe de referência (CORREIA; BARROS; COLVERO, 2011, p. 1). 3.2 Roteiro para discussão de casos em apoio matricial de saúde mental • Motivo do matriciamento • Informações sobre a pessoa, a família e o ambiente • Problema apresentado no atendimento • nas palavras da pessoa Guia Prático De Matriciamento Em Saúde Mental • visão familiar • opinião de outros • História do problema atual • início • fator desencadeante • manifestações sintomáticas 10 • evolução • intervenções biológicas ou psicossociais realizadas • compartilhamento do caso (referência e contrarreferência) • Configuração familiar (genograma) • Vida social • participação em grupos • participação em instituições • rede de apoio social • situação econômica • Efeitos do caso na equipe interdisciplinar • Formulação diagnóstica multiaxial Durante a coleta dessas informações e no diálogo com a Equipe de Saúde da Família (ESF), é muito importante não fazer julgamentos bruscos, cuidando sempre para reforçar atitudes positivas, especialmente aquelas que denotem autonomia com responsabilidade e clareza técnica. Além disso, em toda discussão devemos buscar uma formulação diagnóstica, lembrando que na saúde mental os diagnósticos são frequentemente temporários e que, mais importante do que acertar o código diagnóstico, é compreender a situação em suas várias facetas (CORREIA; BARROS; COLVERO, 2011, p. 1). 11 4 PSICOPATOLOGIA Fonte: maestrovirtuale.com É possível constatar, ao longo dos séculos, que o homem se empenhou em encontrar axiomas sobre si mesmo e sobre o mundo que o circunda. Neste processo de construção de conhecimento, houve avanços e retrocessos. As concepções sobre psicopatologia oscilaram entre as diversas dimensões apresentadas, ocorrendo, na contemporaneidade, um retorno à valorização das explicações etiológicas de cunho anatomofisiológicas (MORAES; MACEDO, 2018, p. 1). O termo psicopatologia foi criado por Jeremy Benthan, em 1817. Psyché significa alma; páthos, sofrimento ou doença; e lógos, estudo ou ciência. No entanto, Esquirol e Griesinger, com seus trabalhos publicados, respectivamente, na França (em 1837) e na Alemanha (em 1845), é que são considerados os criadores da psicopatologia (CHENIAUX, 2015). A psicopatologia é uma disciplina científica que estuda a doença mental em seus vários aspectos: suas causas, as alterações estruturais e funcionais relacionadas, os métodos de investigação e suas formas de manifestação (sinais e sintomas). Comportamento, cognição e experiências subjetivas anormais constituem 12 as formas de manifestação das doenças mentais.Segundo Jaspers, “o objeto da psicopatologia é o fenômeno psíquico, mas só os patológicos”. Contudo, a distinção entre o normal e o patológico em medicina é bastante imprecisa. Podemos citar pelo menos três critérios de normalidade, todos considerados insuficientes: o subjetivo, o estatístico e o qualitativo (CHENIAUX, 2015). De acordo com Cheniaux (2015) o critério subjetivo de normalidade, está doentequem sofre ou se sente doente. Na síndrome maníaca, contraditoriamente, o paciente sente-se muito bem e, apesar disso, está enfermo. Pelo critério estatístico ou quantitativo , normal é sinônimo de comum, ou significa próximo à média. Em contraposição a isso, no entanto, a cárie representa uma patologia muito frequente; e uma pessoa que possui um quoeficiente intelectual (QI) muito alto não é considerada doente. Já segundo o critério qualitativo, normal é aquilo adequado a determinado padrão funcional considerado ótimo ou ideal. A crítica que se faz a esse critério é que ele se baseia em normas socioculturais arbitrárias, as quais podem variar de um local para outro e modificar-se através do tempo. Logo, a psicopatologia configura-se como um conceito amplo e complexo, que pode ser compreendido por vários ângulos e direções, incluindo distintas disciplinas além das “psi”, tais como sociologia, direito, filosofia, história, entre outras. Esses saberes, embora não necessariamente reconhecidos pelo domínio e propriedade na abordagem deste assunto, contribuem significativamente para a compreensão dos vários espectros do conceito. Essa pluralidade conceitual, porém, não pode ser confundida com uma mistura equivocada de teorias, evidenciando-se a necessidade de que se assuma qual concepção teórica sustenta a definição do sofrimento emocional utilizada (MORAES; MACEDO, 2018). 13 5 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA Fonte: /www.brainscape.com Moraes e Macedo (2018) define-se a semiologia como a “ciência dos signos”. Entende-se como sinal qualquer estímulo emitido pelos objetos do mundo. Já o signo é um sinal provido de significado, que representa a ligação de um significante a um significado. Há três tipos de signos: os ícones, os indicadores ou índices e os símbolos. No caso do ícone, há uma semelhança entre o significante e o significado; por exemplo, o mapa do Brasil representando o nosso país. O indicador caracteriza-se pela existência de uma relação de contiguidade; por exemplo, fumaça significando fogo. Os sinais e sintomas clínicos são também indicadores: a febre indica a presença de uma infecção. No símbolo, no entanto, a relação é convencional e arbitrária. Por exemplo, o nome Brasil dado ao nosso país, a utilização do termo alucinação para designar determinada alteração da sensopercepção( Moraes e Macedo 2018). Semiótica ou semiologia médica no dizer de Moraes e Macedo (2018) é o estudo dos sinais e sintomas das enfermidades, estudo este que inclui a identificação das alterações físicas e mentais, a ordenação dos fenômenos observados e a 14 formulação de diagnósticos.Os sinais e sintomas representam os signos da psicopatologia e da medicina em geral. Os sintomas são subjetivos e aparecem nas queixas do paciente. Dor, o sentimento de tristeza e a escuta alucinatória, por exemplo, são sintomas. Já os sinais são objetivos, ou seja, são verificáveis pela observação direta. Eles podem ser detectados por outra pessoa, às vezes pelo próprio paciente. A flexibilidade cerácea (alteração da psicomotricidade), uma fácies de tristeza e o solilóquio (falar sozinho) são sinais. Importante ressaltar que para uma semiologia de qualidade ser desenvolvida é de extrema necessidade o conhecimento, por parte do farmacêutico, da fisiologia de órgãos e dos sistemas, pois a partir desse entendimento a avaliação semiológica poderá ser realizada com maior segurança (LEONARDI, 2020). Segundo Moraes e Macedo (2018) uma experiência psíquica anormal possui tanto forma como conteúdo, a forma se refere à estrutura em termos fenomenológicos por exemplo, delírio, e o conteúdo, ao “colorido” ou “recheio” da experiência por exemplo, estar sendo perseguido por marcianos. Por semiotécnica entendemos os procedimentos específicos e sistematizados de observação e coleta dos sinais e sintomas, assim como a interpretação destes. É bastante importante fazer uma distinção entre as alterações psicopatológicas quantitativas e as qualitativas. Tomando-se um exemplo da sensopercepção ao ouvir vozes quando não há ninguém falando (alucinações acústico-verbais) não representa uma audição mais intensa do que o normal, mas sim uma forma de ouvir qualitativamente diferente do normal (Moraes e Macedo 2018). 5.1 DIMENSÃO DUPLA DO SINTOMA PSICOPATOLÓGICO: INDICADOR E SÍMBOLO AO MESMO TEMPO Os sintomas médicos e psicopatológicos têm, como signos, uma dimensão dupla. Eles são tanto um índice (indicador) como um símbolo refere Saramago (2006) O sintoma como índice indica uma disfunção que está em outro ponto do organismo 15 ou do aparelho psíquico; porém, aqui a relação do sintoma com a disfunção de base é, em certo sentido, de contiguidade. A febre pode corresponder a uma infecção que induz os leucócitos a liberarem certas citocinas que, por sua ação no hipotálamo, produzem o aumento da temperatura. Assim, o sintoma febre tem determinada relação de contiguidade com o processo infeccioso de base (SARAMAGO, 2006). Além de tal dimensão de indicador, os sintomas psicopatológicos, ao serem nomeados pelo paciente, por seu meio cultural ou pelo médico, passam a ser “símbolos linguísticos” no interior de uma linguagem. No momento em que recebe um nome, o sintoma adquire o status de símbolo, de signo linguístico arbitrário, que só pode ser compreendido dentro de um sistema simbólico dado, em determinado universo cultural (SARAMAGO, 2006). Dessa forma, a angústia manifesta-se (e realiza-se) ao mesmo tempo como mãos geladas, tremores e aperto na garganta (que indicam, p. ex., uma disfunção no sistema nervoso autônomo), e, ao ser tal estado designado como nervosismo, neurose, ansiedade ou gastura, passa a receber certo significado simbólico e cultural (por isso, convencional e arbitrário), que só pode ser adequadamente compreendido e interpretado tendo-se como referência um universo cultural específico, um sistema de símbolos determinado. A semiologia psicopatológica, portanto, cuida especificamente do estudo dos sinais e sintomas produzidos pelos transtornos mentais, signos que sempre contêm essa dupla dimensão (SARAMAGO, 2006). 16 6 TRANSTORNOS NEUROLÓGICOS Fonte: medprev Histeria, transtornos somatoformes e sintomas somáticos: as múltiplas configurações do sofrimento psíquico no interior dos sistemas classificatórios, A história da histeria no domínio médico e psicanalítico tem oscilado na busca de entendimentos que possam ajudar a levar à sua superação. Contenção, morte, compreensão, nomeação e medicalização são momentos dessa história. Desde a hipótese de um útero que migrava pelo corpo e o desarranjava passando pelo momento de sua identificação mal (dita) com o comportamento de bruxas até sua explicação no pensamento freudiano e a mais recente dissolução de sua realidade nos múltiplos sintomas de um mal-estar difícil de ser nomeado, compreendido e tratado. A histeria parece agora desafiar os modos de entendimento classificatórios da atualidade (CATANI, 2014). Seu apagamento em favor dos transtornos somatoformes e/ou dos sintomas somáticos guarda uma esperança de que, enfim, se possa tratar esse tipo de 17 sofrimento ao referi-lo a sintomas e quadros muito específicos sobre os quais se pode operar intervenções localizadas. A precisão das novas classificações impõe uma grande fragmentação e dispersão da percepção de modalidades de sofrimento que atingem os indivíduos de maneiras muito complexas e fugidias, refratárias mesmo a esse tipo de compreensão. Talvez o que se ganhe em transparência possa justamente vir a funcionar como obstáculo para a compreensão fértil da questão. O presente trabalho objetivo apresentar as diferentes maneiras de nomear a histeria observadas ao longo do tempo (CATANI, 2014, p. 1). Segundo Catani (2014) recorre a dois sistemas classificatóriosdo campo na psiquiatria para compreender as interferências e os motivos para essas transformações. Como se sabe, a histeria já existe muito antes dos escritos de Freud do mesmo modo que outras tentativas de nomeações do mal-estar subjetivo, ainda que as classificações do ponto de vista psiquiátrico tenham aparecido apenas posteriormente. Para entender como ocorreu a incorporação e a supressão da histeria nos sistemas psiquiátricos classificatórios, julga-se fundamental retomar as formas pelas quais esse funcionamento psíquico foi descrito nos diversos contextos até chegar aos dois principais sistemas conhecidos mundialmente hoje, a Classificação Internacional de Doenças (cid) e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 6.1 Um pouco sobre a histeria A histeria não foi algo que ocupou apenas os clínicos gerais e psicanalistas, mas também pelo menos psicólogos, psiquiatras e neurologistas exemplifica Catani (2014) no quadro de cada especialidade, o tipo de entendimento para aquele fenômeno e a maneira de referir-se a ele de forma direta ou indireta variou. Por exemplo: doença cerebral primitiva, idiopática e não simpática, psicastênico, histereopilepsia, histeria traumática, psicose histérica, sintomas somáticos, 18 transtornos somatoformes, personalidade histriônica, psiconeurose, psicogênico, reação conversiva, reação dissociativa, personalidade instável, entre outros. Além das formas populares de nomear os fenômenos que envolviam algum tipo de comportamento ou modo de pensar exagerado, esses acontecimentos eram nomeados como frescuras e pitis nervosos e/ou histéricos. Cabe reiterar que se o nome da histeria foi sendo alterado, principalmente pela psiquiatria, as maneiras de identificar e estabelecer o diagnóstico também sofreram variação. Mas voltemos um pouco na história. Na origem o termo histeria era usado para se referir ao útero (hystera). Desde o Egito Antigo, estas manifestações corporais já eram descritas, embora tenham sido nomeadas desse modo anos mais tarde. Na Antiguidade, com Hipócrates (460 a.C.-377 a.C.), pensava-se que a histeria atingia apenas as mulheres (CATANI, 2014). O fato dos sintomas manifestarem-se como sufocação fez com que os estudiosos deduzissem que se tratava de uma ação migratória do útero pelo corpo, produzindo sensações de “nós”, “engasgos”, “sufocamentos”. Platão (427 a.C.-327 a.C.), se apoiou nas considerações de Hipócrates e concluiu que essas manifestações eram formas do útero irritado clamar por relações sexuais Histeria, transtornos somatoformes e sintomas somáticos. Para reverter esses sintomas recomendava-se: gravidez, relações e trabalhos manuais (Roudinesco & Plon, 1998 apud CATANI, 2014). Na Idade Média, essa explicação relacionada ao útero perde força devido à forte influência religiosa da época. A Igreja justificava os sintomas como ação do diabo, que se apropriaria do corpo das mulheres pecadoras e feiticeiras, que eram punidas por seus comportamentos (CATANI, 2014). A histeria foi associada, assim, às más condutas, e no Renascimento as mulheres histéricas foram queimadas nas fogueiras da Inquisição para servirem de exemplo à população e prevenir atitudes pecaminosas. Observou-se, naquela época, que as noções e descrições de doenças já não eram mais suficientes para entender esse sofrimento com isto, novamente as explicações do útero, como sede das manifestações, destacam-se (Kaufmann, 1996 apud CATANI, 2014). 19 Sydenham (1624-1689 apud CATANI, 2014) com base na teoria dos humores oferece uma significativa contribuição etiológica para os desequilíbrios nervosos, que se configuravam como doenças que abalavam a dimensão emocional da vida do sujeito. Essas patologias foram classificadas em dois tipos: histeria e hipocondria. A histeria foi explicada como um acontecimento desencadeado por emoções violentas (quadro agudo) e mais comum na população feminina. Já a hipocondria foi configurada por estados prolongados de tristeza (quadro crônico) e que acometia geralmente a população masculina. Ainda no século xviii, na tentativa de melhor circunscrever a histeria, foram sendo registradas as características das mulheres histéricas como forma de traçar perfis. As especificações incluíam: mulheres sensuais, morenas, temperamento nervoso, boca grande, olhos vivos e negros, muito cabelo e excesso de fluxo menstrual. A imagem que circulava a respeito dessas mulheres era a de que elas eram intensas e perigosas, para si e para os outros, sendo capazes de produzir faíscas e combustão espontânea de seu próprio corpo. Essa justificativa se devia ao fato de muitas mulheres consideradas histéricas terem sido encontradas carbonizadas (Pollo, 2003 apud CATANI, 2014). Por muito tempo, a histérica ficou conhecida como uma mulher sensual que se entregava aos prazeres sexuais, no entanto, para desmentir isto, muitos autores escreveram a respeito das características e peculiaridades dessas pacientes. Dentre os teóricos, destaca-se Briquet, que se valeu de 430 observações clínicas, inclusive como forma de comprovar que essas mulheres sofriam exatamente por não serem capazes de se entregarem às satisfações sexuais. Briquet não teria se afastado em absoluto da noção de que a histeria era de origem nervosa, mas entendia esse tipo de funcionamento também como uma predisposição hereditária. Foi o primeiro a ponderar que a histeria possuía leis próprias determinadas por ações vitais (Trillat, 1991 apud CATANI, 2014). 20 7 TRANSTORNO BIPOLAR Fonte: atarde.uol.com.br Pelo menos 5% da população geral já apresentou mania ou hipomania. A irritabilidade e sintomas depressivos durante episódios de hiperatividade breves e a heterogeneidade de sintomas complicam o diagnóstico. Doenças neurológicas, endócrinas, metabólicas e inflamatórias podem causar uma síndrome maníaca. Às vezes, a hipomania ou a mania são diagnosticadas de forma errada como normalidade, depressão maior, esquizofrenia ou transtornos de personalidade, ansiosos ou de controle de impulsos. O lítio é a primeira escolha no tratamento da mania, mas ácido valpróico, carbamazepina e antipsicóticos atípicos são também frequentemente utilizados (MORENO; MORENO; RATZKE, 2005). A eletroconvulsoterapia está indicada na mania grave, psicótica ou gestacional refere o autor acima, a maioria dos estudos controlados para a profilaxia de episódios maníacos foi realizada com lítio e mais estudos são necessários para investigar a eficácia profilática do valproato, da olanzapina e de outras medicações. O tratamento 21 e a profilaxia da hipomania foram pouco estudados e, de modo geral, seguem as mesmas diretrizes usadas para a mania. Evidências experimentais recentes têm sugerido que a esquizofrenia compartilha algumas características etiológicas e fisiopatológicas com os transtornos de humor (TH), particularmente o TB19. Parece natural, por consequência, que a prevalência e o padrão de SNS nesses dois grupos de transtornos psiquiátricos fossem comparados. No entanto, apesar de SNS serem o foco de inúmeras pesquisas em esquizofrenia, relativamente poucos trabalhos dedicaram-se ao seu estudo no TB. Alguns dos autores utilizaram pacientes com diferentes TH agrupados indiscriminadamente como grupos de comparação, ao lado de controles saudáveis, para a observação da prevalência de SNS em pacientes com esquizofrenia. Os resultados desses trabalhos são interessantes em diversos aspectos: a média de prevalência de SNS foi diferente entre controles e pacientes com esquizofrenia, mas poucas diferenças foram observadas entre esses pacientes e indivíduos com TH; alguns SNS particulares apresentavam frequências diferentes entre pacientes com TH e pacientes com esquizofrenia, e pacientes especificamente com TB apresentavam mais SNS do que controles20. Um dosprimeiros estudos a investigar essa associação foi conduzido por Nasrallah et al apud PEDROSO et al., 2010) que observaram SNS em pacientes em mania e pacientes com esquizofrenia em fase aguda. Esses autores verificaram que SNS eram mais comuns tanto nos pacientes com esquizofrenia quanto nos pacientes em mania em comparação a controles, sem diferenças significativas entre os pacientes com esquizofrenia e aqueles em mania. Manschreck e Ames, em um estudo similar, observaram que pacientes com TH apresentaram mais disfunções motoras e sensoriais em comparação a grupos de controle, porém não encontraram diferenças entre pacientes com esquizofrenia em fase adulta (PEDROSO et al., 2010). Do ponto de vista de MORENO, MORENO e RATZKE (2005) o transtorno bipolar (TB) é um dos quadros nosológicos mais consistentes ao longo da história da 22 medicina e as formas típicas (euforia, mania, depressão) da doença são bem caracterizadas e reconhecíveis, permitindo o diagnóstico precoce e confiável. A mania é o mais característico dos episódios e, apesar de frequente e incapacitante (é o que mais resulta em internações agudas em virtude das graves mudanças de comportamento e conduta que provoca), é pouco estudada e diagnosticada. A hipomania, sua forma mais leve, era praticamente desconhecida pela maioria dos clínicos, sendo confundida com a normalidade ou transtornos de personalidade borderline, histriônico, narcisista ou anti-social. Nos últimos anos, o interesse nestes quadros aumentou, com maiores pesquisas em diagnóstico, neurobiologia, epidemiologia e tratamento. Apesar disso, a identificação de pacientes pertencentes ao amplo grupo de bipolares, embora de suma importância clínica, social e econômica, e apesar da terapêutica disponível, continua sendo pouco ou tardiamente diagnosticado e inadequadamente tratado. A mania afeta o humor e as funções vegetativas, como sono, cognição, psicomotricidade e nível de energia. Em um episódio maníaco clássico, o humor é expansivo ou eufórico, diminui a necessidade de sono, ocorre aumento da energia, de atividades dirigidas a objetivos (por exemplo, o paciente inicia vários projetos ao mesmo tempo), de atividades prazerosas, da libido, além de inquietação e até mesmo agitação psicomotora. O pensamento torna-se mais rápido, podendo evoluir para a fuga de idéias. O discurso é caracterizado por prolixidade, pressão para falar e tangencialidade (MORENO; MORENO; RATZKE, 2005). As idéias costumam ser de grandeza, podendo ser delirantes. Geralmente a crítica está prejudicada e os ajuizamentos emitidos se afastam da realidade do paciente. A maior dificuldade no diagnóstico ocorre em episódios em que há irritabilidade, ideias delirantes paranoides, agitação psicomotora e sintomas depressivos com labilidade afetiva. Quando sintomas depressivos estão presentes em grande quantidade, o quadro é denominado de episódio misto ou até mesmo de depressão agitada. Não há consenso sobre o número de sintomas necessários para 23 esta diferenciação. Há muito tempo se conhecem os estágios de agravamento na evolução natural desses episódios quando não tratados. 7.1 Hipomania A hipomania é um estado semelhante à mania, porém mais leve. Em geral, é breve, durando menos de uma semana. Há mudança no humor habitual do paciente para euforia ou irritabilidade, reconhecida por outros, além de hiperatividade, tagarelice, diminuição da necessidade de sono, aumento da sociabilidade, atividade física, iniciativa, atividades prazerosas, libido e sexo e impaciência. O prejuízo ao paciente não é tão intenso quanto o da mania. A hipomania não se apresenta com sintomas psicóticos, nem requer hospitalização. No DSM-IV a duração mínima de quatro dias é necessária para a confirmação do diagnóstico. Os sintomas são os mesmos da mania e também exclui como hipomania aquela induzida por antidepressivos. A CID-10 cita apenas “vários dias” como necessários para preencher o critério de hipomania. Um estudo de validação epidemiológica prospectiva demonstrou que até mesmo um dia já é suficiente para o diagnóstico de hipomania, sendo a duração modal de dois dias (Angst, 1998 apud MORENO, MORENO e RATZKE (2005). 7.2 A prevenção de novos episódios de mania Há dois tipos de estudos medicamentosos de longa duração no transtorno bipolar: os estudos de prevenção de recaída e de profilaxia conceitua MORENO, MORENO e RATZKE (2005) o primeiro é feito em pacientes que responderam de forma aguda à determinada medicação, a qual é mantida por pelo menos seis meses, nos quais se pesquisa o potencial de prevenção de recaídas ou de retorno dos sintomas do episódio para o qual foi indicado o tratamento agudo. O segundo, de profilaxia, investiga pacientes remitidos (eutímicos) para observar se a medicação 24 realmente previne novos episódios. Pacientes em mania toleram tratamentos agudos e, quando os sintomas remitem, as queixas de efeitos adversos aumentam. Isso pode se dever ao aumento nos níveis plasmáticos ou à variação de percepção estado-dependente. De qualquer forma, mudanças na dosagem e outras intervenções podem ser úteis para evitar rejeição ao tratamento. O tratamento usado na fase aguda deve ser mantido no tratamento de manutenção. As doses devem ser corrigidas e monitoradas no início e a intervalos de uma a duas semanas e, ao atingir- se a estabilização, a dose deve ser mantida por longo período ou pela vida toda. Para pacientes que apresentam recaída sintomatológica maníaca na vigência do tratamento, o primeiro passo é o de otimizar a dose, assegurando-se de que os níveis plasmáticos estejam na faixa terapêutica ou, se necessário, usar níveis nos limites superiores destes (WGBD, 2004 apud MORENO, MORENO e RATZKE (2005). 8 TRANSTORNO DE PERSONALIDADE Fonte: www.vittude.com 25 Quando os traços da personalidade das pessoas são inflexíveis e mal ajustados, causando um funcionamento significativamente comprometido ou sofrimento subjetivo, eles constituem-se como uma classe de transtorno da personalidade, caracterizados pela má adaptação social e qualificando-os como problema de saúde, necessitando conhecer sua definição, prevalência, etiologia, diagnóstico e intervenção terapêutica. Esta teoria é uma considerável parcela do pensamento científico atual sobre os Transtornos de Personalidade (TP) (SOARES, 2010). A cultura influencia a formação da personalidade, expressando-se por meio de valores pessoais refere Soares (2010) o envolvimento dos valores no diagnóstico de TP é inevitável, pois a cultura humana sempre refletirá uma ampla escala de valores, que estarão sempre interferindo no julgamento clínico realizado no diagnóstico dos subtipos de TP. É importante compreender que os padrões de vida e julgamentos estão envolvidos com os níveis de autocuidado socialmente aceitáveis e culturalmente definidos, assim como buscar o equilíbrio entre a autonomia individual e o controle social exercido pelo Estado por meio de políticas sociais e de saúde. No entanto, o paradigma psiquiátrico vem sendo questionado desde toda a trajetória do movimento da Reforma Psiquiátrica e, mais acentuadamente, no movimento da antipsiquiatria, quanto a sua eficácia e real capacidade de ajuda a vários tipos de transtornos mentais, como os TP, por exemplo. Desta forma, a medicalização da diferença tornou-se um tema amplamente debatido e perfeitamente cabível para a discussão dos critérios diagnósticos usados nos TP tipo B, em foco aqui, o tipo Antissocial e Borderline, uma vez que há muita controvérsia quanto sua classificação e intervenções terapêuticas úteis para atender este tipo de sofrimento psíquico (SOARES, 2010, p. 1). Os transtornos Antissocial e Borderline possuem particularidades em sua classificação diagnóstica e na prática profissional que os tornam polêmicose complexos, na visão de Soares (2010) conforme os diversos estudos analisados, que 26 serão apresentados aqui, partindo-se de dois pressupostos básicos que visam a debater os conceitos subsidiadores dos respectivos: - Critérios diagnósticos e das intervenções propostas para os TP do tipo Antissocial e Borderline compreendidos, como transtorno mental, mas sugerindo-se mudanças nos critérios diagnósticos, arcabouços teóricos e métodos de avaliação e intervenção; - Critérios diagnósticos para os TP do tipo Antissocial e Borderline não os caracterizando como transtornos mentais, mas, sim, problemas morais, mas não descrevem intervenções claras dentro dessa perspectiva. Desta forma, é de fundamental importância para o enfermeiro e sua equipe de enfermagem refletir, de forma aprofundada, sobre os temas apresentados neste estudo, uma vez que são considerados os casos mais complexos na área de Psiquiatria e Saúde Mental. O enfermeiro em perspectiva de trabalho interdisciplinar e corresponsável pelos cuidados prestados aos clientes sobre seus cuidados, também deve acompanhar as discussões e reflexões a respeito do tema (SOARES, 2010). 27 9 DEPRESSÃO Fonte: ans.gov.br A depressão é uma resposta comum aos problemas de saúde e constitui um problema frequentemente não-diagnosticado na população de pacientes. As pessoas podem ficar deprimidas em consequência de lesão ou doença e podem estar sofrendo de uma perda anterior, que é o componente de um novo problema de saúde ou podem procurar o cuidado de saúde para queixas somáticas que são manifestações corporais de depressão (SMELTZER; BARE 2005 apud Rocha e Souza 2019). Muitas pessoas experimentam depressão, mas procuram tratamento para queixas somáticas. As principais queixas somáticas dos pacientes que enfrentam a depressão são a cefaleia, dor nas costas, dor abdominal, fadiga, indisposição, ansiedade e desejo sexual diminuído ou problemas com o desempenho sexual (STUART; LARAIA, 2000 Apud SMELTZER; BARE 2005). 28 Essas sensações são, com frequência, manifestações de depressão. A depressão não é diagnosticada em aproximadamente metade das vezes e se mascara como problemas de saúde física (CARSON, 1999 Apud SMELTZER; BARE 2005 apud Rocha e Souza (2019 Rocha e Souza (2019). Pessoas com depressão também exibem um mau desempenho e altas taxas de absenteísmo no trabalho e na escola. Os sintomas específicos da depressão clínica incluem os sentimentos de tristeza, inutilidade, fadiga e culpa e dificuldade em se concentrar ou tomar decisões. As alterações no apetite, ganho ou perda de peso, distúrbios do sono e retardo psicomotor ou agitação também são comuns. Com frequência, os pacientes apresentam pensamentos recorrentes sobre a morte ou suicídio, ou empreenderam tentativas de suicídio (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2000 Apud SMELTZER; BARE 2005 apud Rocha e Souza (201). É feito um diagnóstico de depressão clínica quando uma pessoa se apresenta com, pelo menos, 5 dos 9 critérios diagnósticos para depressão e infelizmente, apenas 1 dentre 3 pessoas deprimidas é adequadamente diagnosticada e tratada de forma apropriada (SMELTZER; BARE 2005 apud Rocha e Souza (2019). 9.1 Fisiopatologia da depressão Existem dados sugestivos de que as alterações do sistema dos neurotransmissores podem ocorrer como consequência de mudanças no número, assim como na sensibilidade dos neurorreceptores pré e pós-sinápticos no sistema nervoso central, sem que haja, obrigatoriamente, alterações na quantidade do próprio neurotransmissor. A hipótese baseada na deficiência de neurotransmissores tem sido, pois, substituídas por hipóteses mais enfocadas nos neuroreceptores. Portanto, as hipóteses atuais orbitam em torno dos neuroreceptores, os quais ao invés de estruturas rígidas apresentam neuroplasticidade, se adaptando e respondendo as alterações dos neurotransmissores (FREITAS et. al., 2006 apud Rocha e Souza (2019). 29 Em relação aos fatores da genética, a possibilidade de ocorrência de depressão maior entre familiares de primeiro grau de deprimidos é três vezes maior do que nos não deprimidos. Em gênero a correlação chega a 40% (FREITAS et. al., 2006 apud Rocha e Souza (2019). 9.2 Etiologia da depressão A etiologia da depressão é complexa e ainda não totalmente elucidada, havendo interações de múltiplos fatores como hereditariedade, alterações biológicas, fatores somáticos, psíquicos, sociais, econômicos, culturais entre outros, que atuariam em graus variados sobre uma personalidade predisposta a desenvolver a síndrome, a origem genética da depressão surgiu mediante a observação de ocorrência de casos de depressão maior em determinadas famílias, tal fato é menos aparente nas formas reativas ou neuróticas e as alterações biológicas desempenham papel importante na gênese das depressões maiores (PAPALÉO NETTO, 2002 apud Rocha e Souza (2019) . Para Papaléo Netto (2002 apud Rocha e Souza 2019), o fator somático diz respeito a algumas hipóteses, como, hipótese catecolamínica, segundo a qual a depressão seria decorrente da deficiência central de noradrenalina, a hipótese dopaminérgica e indolamínica, que afirmam ser depressão causada pela diminuição da serotonina central e por último a hipótese colinérgica que a explica pelo aumento da função colinérgica. A hipótese mais recente é a da hipersensibilidade dos receptores e os fatores psicossociais, econômicos e culturais que desempenham importância relevante na gênese deste distúrbio, por isso serão abordados separadamente. 9.3 Fatores psicossociais, econômicos e culturais A nossa civilização valoriza a capacidade do indivíduo de produzir e consumir, com isso exclui do idoso, que produz e consume pouco, sua importância social. As perdas são comuns entre os idosos. Perdas físicas, como diminuição da visão e da 30 audição, da força, da precisão manual, da flexibilidade, da rapidez na execução das tarefas, podem reduzir a capacidade do autocuidado, levando os também a perda da independência. A aposentadoria com redução de ganhos, a viuvez, o afastamento dos filhos, a morte de parentes e amigos podem causar ou contribuir para os sintomas depressivos (PAPALÉO NETTO, 2002 apud Rocha e Souza (2019). Os idosos apresentam muito medo da solidão, de ficar só, mesmo por instantes. Muitos quase não recebem a visita dos filhos, tentando justificar que estes têm seus problemas e que, portanto, falta-lhes tempo. A hipótese da permanência na própria casa em repouso é estressante para o idoso, fazendo-o utilizar a negação para diminuir a percepção de um ambiente que não lhe é agradável e que se sente impotente para sair (PAPALÉO NETTO, 2002 apud Rocha e Souza 2019). Papaléo Netto (2002 apud Rocha e Souza 2019) ressalta que é importante que o idoso mantenha uma ocupação de seu interesse, que exercite a mente e de preferência, que tenha remuneração adequada para que se sinta valorizado, devendo esta atividade ser feita em conjunto com outras pessoas, estimulando o convívio social. No que diz respeito à afetividade, o medo e a incerteza ante o desconhecido, dão lugar a grandes tensões, por outro lado, observa-se que os pacientes mostram dificuldades para dar vazão a seus desejos de viver e o temor de contrariar convenções sociais a respeito da idade. A depressão é, portanto, a falência do Eros, instinto de Vida, que se manifesta através de atitudes programadas e automáticas. Com o envelhecimento, as programações desaparecem, ficando as automações e diante de tantas limitações e medos, como medo da morte de familiares e amigos, medo de perda corporal, de sua independência e da solidão, torna-se necessária uma abordagem, mesmo que sumária, sobre a religião, sexualidade e morte, fatores eventualmente responsáveis por taismanifestações (PAPALÉO NETTO, 2002 apud Rocha e Souza 2019). 31 9.4 Depressão e disfunção sexual Seja qual for a sua etiologia, a depressão está presente em toda disfunção sexual. Desde o início, como origem ou fator desencadeante, ela pode caracterizar os mais diferentes quadros disfuncionais masculinos, como a disfunção erétil psicogênica. Para a maioria dos homens, a auto avaliação da masculinidade e da força está focada no pênis, na ereção e na função de ambos (SANTOS, 2010). Assim, a dificuldade de ereção repercute negativamente sobre a auto- imagem e sobre muitos domínios da qualidade de vida do homem refere Santos (2010) se há dúvidas quanto ao desempenho sexual, essas invadem o cotidiano, influenciando no rendimento profissional, nos relacionamentos sociais e familiares. Como consequência dessas dificuldades, o homem pode passar a evitar situações de intimidade com sua parceira, buscar se consolar no consumo excessivo de álcool e até mesmo pensar em suicídio. Por outro lado, a disfunção sexual de base orgânica não escapa ao comprometimento psíquico secundário, sendo agravada pela depressão que se impõe, implacável. A disfunção sexual, por sua vez, pode se constituir em uma condição adversa que precipita ou intensifica a depressão, especialmente entre aqueles que moram sozinhos, estabelecem relações afetivas conflituosas, estão passando por dificuldades econômicas ou têm baixo nível de instrução. Assim, a depressão é um importante fator de risco para a disfunção sexual, causando 32 sintomas como desinteresse, apatia, sensação de fadiga, entre outros que comprometem o desejo sexual. Por outro lado, o desempenho sexual insatisfatório pode agravar a depressão e gerar conflitos relacionais. Pode-se dizer que a depressão aumenta o risco para DE e vice-versa (Abdo, 2007 apud SANTOS, 2010), no âmbito internacional, alguns pesquisadores confirmaram um índice maior de depressão em homens com disfunção sexual. 10 O IMPACTO DE PROBLEMAS DE SAÚDE MENTAL E DE PSIQUIATRIA NA FAMÍLIA Fonte: jornaldebrasilia.com.br A doença mental surge como uma barreira que dificulta o contato do indivíduo com o ambiente em que está inserido, tornando-o alienado e na maioria das vezes privando-o de sua liberdade e da possibilidade do convívio com as pessoas. Para 33 Espinosa (2000, p. 18 apud Almeida, Felipes e Pozzo (2011), o transtorno mental pode ser entendido como uma alteração fisiológica ou orgânica e psicológica, ou ainda um desequilíbrio emocional causado por fatores externos ou internos. Segundo Vasconcelos (2002 apud antin e Klafke 2011), a reforma psiquiátrica busca transformar o paradigma de saber da saúde mental e a assistência prestada nessa área. Como os hospitais psiquiátricos produziram efeitos antiterapêuticos, foram adotadas novas estratégias, como serviços comunitários que atendem às demandas psicológicas e sociais do usuário em crise. Para esse autor o objetivo da reforma é renovar os cuidados prestados em saúde mental. Compreender a doença mental significa modificar e desconstruir ideologias, crenças e valores em relação a patologias mentais, utilizando princípios norteadores do processo de transformação institucional através da Reforma Psiquiátrica, Lei n 10.216 instituída em 06 de abril de 2001, que tem como proposta transformar o modelo assistencial de Saúde Mental através da construção de um novo estatuto social para pessoas portadoras de transtornos mentais respeitando os princípios fundamentais de cidadania (Murta, 2006 apud Almeida, Felipes e Pozzo 2011 ). Para falar sobre o cuidado em saúde mental no âmbito familiar é imprescindível que se faça uma apresentação da família moderna. Segundo Beltrame e Bottoli (2010 apud SANTIN; KLAFKE, 2011), a família moderna constitui-se através do progresso da vida privada, ou seja, a família assume um espaço maior em detrimento da sociedade. Assim, é importante considerar que, "a relação da família com o portador de transtorno mental é historicamente construída" (ROSA 2003, p. 28 apud SANTIN; KLAFKE, 2011), sendo que nem sempre foi vista como uma instituição capaz de acolher e cuidar de um familiar que adoece mentalmente. Nas sociedades pré-capitalistas, o cuidado com o louco era remetido à família; na sua inexistência, o louco tornava-se uma questão pública, de justiça ou de deliberação do rei (CASTEL, 1978 apud ROSA, 2003 apud SANTIN; KLAFKE, 2011). Já no século XX, com as transformações e os avanços de saberes como a psicanálise e o movimento de higiene mental, a família é vista de modo negativo, 34 sendo culpabilidade pelo surgimento de um portador de transtorno mental (ROSA, 2003 apud SANTIN; KLAFKE, 2011). Com a culpabilização da família a, em relação ao adoecimento psíquico, ocorre que o saber psiquiátrico, cada vez mais, procura afastar o paciente do ambiente familiar. Assim, ganham força as instituições psiquiátricas e a cultura do isolamento social do portador de sofrimento psíquico. Melman (2008) aponta outra justificativa para o procedimento de isolamento, considerando também necessário proteger a família da loucura e prevenir uma possível contaminação dos demais membros. De uma forma ou outra, a família entra para o rol das intervenções dos especialistas. Esse movimento se intensifica no século XX, principalmente com influência das teorias freudianas, que destacam a importância das relações familiares sobre o psiquismo dos sujeitos (ROSA, 2003). Ao penetrar no universo familiar, identificam na determinação da doença ou das disfunções a maneira como os pais conduzem a educação dos seus filhos. A ação psiquiátrica tendia a culpabilizar os pais pelas inadequações do comportamento da criança, orientando sua interpretação de conduta para a má educação ou para a doença (ROSA, 2003, p. 59). Conforme a mesma autora, nos anos de 1950, a intervenção na família passa a ocorrer pela observação sistemática, pela pesquisa e pela intervenção direta em seu meio, onde ganham destaque as investigações sobre o papel da mãe. Alguns autores também começam a dar importância para a função da patologia dentro do grupo familiar. O portador de transtorno mental passa a ser o paciente identificado, ou seja, o porta-voz das enfermidades de toda a família. Cada vez mais, o portador de transtorno mental é visibilizado em seu papel positivo, como um agente catalizador que adoece para proteger o grupo familiar, mantendo sua homeostase, ou é invalidado, rotulado e alçado a 'bode expiatório' com a mesma finalidade, impedindo que se processem mudanças nos padrões de relacionamento do grupo (ROSA, 2003, p. 61). 35 Os estudos sobre família ganham grande visibilidade na década de 1950, através do surgimento das terapias familiares, especialmente as de abordagem sistêmica que têm seus conceitos oriundos principalmente da teoria geral dos sistemas e da cibernética. De modo geral, o enfoque das terapias familiares recai sobre as mudanças nos padrões relacionais e de comunicação dentro do sistema familiar. Esses conceitos foram incorporados ao trabalho dos profissionais brasileiros, mas é a partir do movimento da Reforma Psiquiátrica que se passa a dar maior atenção à relação da família com o portador de sofrimento psíquico. A Reforma Psiquiátrica no Brasil foi bastante influenciada pelo modelo da psiquiatria democrática italiana de Franco Basaglia que preconizava o fim dos manicômios e a sua substituição por novos serviços de saúde mental que não reproduzissem a antiga ideologia psiquiátrica de controle e segregação (MELMAN, 2008, p. 58 SANTIN; KLAFKE, 2011, p. 1). Com as diversas mudanças de paradigmas na saúde mental, muda também a relação da família com o portador de transtorno mental, pois com a desinstitucionalização desses portadores de transtorno mental,a família começa a ser considerada no cuidado. Mais do que nunca, a família passa a ser objeto de estudo, surgindo diferentes visões sobre ela, conforme sua relação com o portador de transtorno mental. Dentre essas visões destacam- se: a família vista como mais um recurso, como uma estratégia de intervenção (SANT'ANA; FONTOURA, 1996 apud ROSA, 2003 apud SANTIN; KLAFKE, 2011, p. 1) A família como um lugar de possível convivência do portador de transtorno mental, mas não o único e nem obrigatório a família como sofredora, necessitando de assistência e suporte social (MOTTA, 1997 apud ROSA, 2003 apud SANTIN; KLAFKE, 2011, p. 1); a família como um sujeito de ação política e coletiva, construtor de cidadania e avaliador dos serviços de saúde e a família como provedora de cuidado, mas sempre com o auxílio dos serviços de saúde nos momentos de crise e não continuamente (VASCONCELOS, 1992 apud ROSA, 2003 apud SANTIN; KLAFKE, 2011, p. 1). 36 A relação e a implicação da família no provimento de cuidados com o portador de sofrimento psíquico passou por diferentes etapas, variando de acordo com a realidade sociocultural e econômica no decorrer do tempo e do espaço. 11 A CRIANÇA, O IDOSO E O ADULTO – DIFERENTES PATOLOGIAS PSIQUIATRÍCAS. Fonte: holiste.com.br A população brasileira vem passando, nas últimas décadas, por um processo acelerado de transição demográfica, com aumento significativo do segmento de idosos. Essa mudança demográfica, pela repercussão que tem para a sociedade como um todo, especialmente no contexto de desigualdade social, pobreza e fragilidade das instituições, traz uma série de demandas e desafios para pesquisadores e gestores dos sistemas de saúde 37 Em 2010, conceitua Borim et al. (2013) os idosos já representavam 7,4% da população brasileira, sendo o segmento de 80 anos e mais o que havia apresentado a maior taxa de crescimento (70%) na década anterior. Com o aumento da expectativa de vida dos idosos, crescem as prevalências de doenças crônicas, os riscos de limitações físicas, de perdas cognitivas, de declínio sensorial e de propensão a acidentes e a isolamento social. Além dos aspectos físicos, a saúde mental também é comprometida, com consequente deterioração da saúde dos idosos. Os quadros psiquiátricos nos idosos incluem, destacadamente, a demência, estados depressivos, transtornos ansiosos e mesmo quadros psicóticos, sendo, entretanto, a depressão o mais importante problema de saúde mental nessa faixa etária. Os sintomas psiquiátricos não psicóticos, incluídos no conjunto designado por transtorno mental comum, são caracterizados por sintomas como irritabilidade, fadiga, insônia, dificuldade de concentração, esquecimento, ansiedade e queixas somáticas. Os pacientes apresentam problemas agudos de ansiedade e depressão, com sintomas menos graves, associados a eventos estressantes da vida, com predomínio de sintomas somáticos em relação aos sintomas psicológicos. Os transtornos mentais comuns são frequentes nos pacientes que demandam os serviços de saúde, mas ao manifestarem-se por meio de queixas somáticas inespecíficas, apresentam-se subestimados entre os diagnósticos referidos. Se por um lado a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa e o texto da I Conferência Nacional dos Direitos do Idoso afirmam que a saúde mental é questão que deve ser levada em consideração pela sua alta prevalência, o subdiagnóstico dificulta o encaminhamento e o cuidado adequado dos transtornos mentais que acometem os idosos. O Self Reporting Questionnaire 20 (SRQ-20) é um instrumento desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para detecção de transtorno mental comum na população geral; ele foi submetido a um estudo de validação no Brasil, por Mari & Williams em 1986. Mais recentemente, Scazufca et al analisaram a validade do instrumento para a população idosa e sugeriram diferente ponto de corte para esse 38 grupo. Esse questionário tem sido amplamente utilizado em inquéritos de saúde de base populacional pelo fácil uso e custo reduzido. Estudos desenvolvidos com o SRQ- 20, em população de adultos incluindo idosos, apontaram que a prevalência de transtorno mental comum variou de 17% a 28,5% e encontraram associação positiva do mesmo com o sexo feminino, idade avançada, com menor renda e baixa (BORIM et al., 2013). 11.1 O grupo de familiares e o cuidado com o portador de sofrimento psíquico Os profissionais de saúde devem refletir sobre as intervenções junto ao sujeito em sofrimento psíquico e seus familiares, identificando as necessidades deste grupo. Para Navarini e Hirdes (2008 apud SILVA 2010), os profissionais devem trabalhar com o conceito de recuperação, um dos mais recentes acréscimos em reabilitação psiquiátrica, que significa a reformulação de aspirações de vida e eventual adaptação à doença. O cuidado familiar, segundo Marcon et al (2005 apud SILVA, 2010), é caracterizado pelas ações e interações no núcleo familiar e direcionado a cada um de seus membros, com o intuito de alimentar e fortalecer o crescimento, o desenvolvimento, a saúde e o bem-estar. A paciência é um dos atributos mais referidos pelos familiares no processo de cuidar, muitas vezes a associando a uma característica essencial nessa relação. A família busca desenvolver o cuidado com vistas a suprir as necessidades do familiar em sofrimento psíquico, utilizando-se de sentimentos de afeição e tolerância. Desta forma, percebemos uma ênfase nas falas ao relatarem a relação com o parente em sofrimento psíquico como difícil. É importante reconhecer que as relações familiares e os eventos ocorridos no interior da família são relevantes para o processo de cuidado, tendo em vista que a família é fonte de suporte, bem como de influência, e deve ser parte essencial de acolhimento e intervenção por parte dos profissionais de saúde (SILVA, 2010, p. 1). 39 O cuidado despendido na crise pelo familiar também é o de internar. Tal atitude provavelmente se dá devido à falta de conhecimento para abordar na crise e evitar um desfecho desastroso. O familiar se vê, portanto na obrigação de entregar o parente a instituição que, para ele, contém os profissionais aptos ao cuidado. O adoecer abala o funcionamento familiar, e os integrantes podem sentir-se despreparados para lidar com a situação de sofrimento psíquico de um dos membros, sentindo-se incapacitada para intervir em situações inusitadas (BIELEMANN et al, 2009 apud SILVA, 2010, p. 1). O CAPS é identificado pelos familiares como local de apoio, principalmente quando o familiar precisa se ausentar para cumprir outras tarefas sob sua responsabilidade. Os sujeitos identificam o serviço como espaço onde os seus parentes recebem os cuidados adequados e permanecem sob vigilância. O CAPS estaria desta forma, reproduzindo o sentido de institucionalização do louco, com uma roupagem mais humanizada (SILVA, 2010, p. 1). SILVA (2010) alega que conhecer o tipo vivido de familiares de adultos em sofrimento psíquico levou-nos a refletir sobre a situação desse grupo no mundo social, suas experiências passadas e suas ações projetadas para o futuro. Através da fenomenologia de Alfred Schutz, pode-se perceber o sentido da ação subjetiva dos familiares no seu mundo da vida. Os familiares que cuidam de adulto em sofrimento psíquico mostraram os motivos porque realizam o cuidado, fazendo com que haja uma reflexão sobre a importância de considerar o familiar em sua totalidade nessa relação social de cuidado e interação no mundo social. No mundo cotidiano dos familiares de sujeitos em sofrimento psíquico é destaque a busca pelo bem-estar do parente sob seus cuidados. No relacionamento entre os membros da família, o familiar emprega recursos que acredita serem ideais na prática de cuidado. O cuidado integral, onde realizam diversastarefas básicas para suprir as necessidades dos familiares promovem o estabelecimento da relação de dependência (SILVA, 2010). 40 Os cuidados relatados pelos familiares são envolvidos por sentimento de tristeza, angústia e medo. O problema gerado pela instabilidade de comportamento do familiar constitui-se como fator desestruturador das relações intra-familiares. A angústia por parte de alguns familiares cuidadores, que devido a sua debilidade física provinda do processo de envelhecimento pensam sobre quem o substituirá no cuidado de seu parente, é mitigada pela tentativa de ver em outros familiares auxilio na continuidade desta tarefa, mas essa proposta nem sempre é aceita (SILVA, 2010). 11.2 O que é família? Antes de qualquer proposição de trabalho com família, Saúde (2013) refere que é necessário entender o que é família em sua complexidade, suspendendo juízos de valor, conceitos fechados, lineares e prontos, os quais produzem uma concepção reducionista de família. Pode ser útil compreender família como um sistema aberto e interconectado com outras estruturas sociais e outros sistemas que compõem a sociedade, constituído por um grupo de pessoas que compartilham uma relação de cuidado (proteção, alimentação, socialização), estabelecem vínculos afetivos, de convivência, de parentesco consanguíneo ou não, condicionados pelos valores socioeconômicos e culturais predominantes em um dado contexto geográfico, histórico e cultural. Cada família é uma família na medida em que cria os seus próprios problemas e estrutura as suas formas de relação, tendo suas percepções, seus vínculos e suas especificidades próprias. Não existe família enquanto conceito único; existem “configurações vinculares íntimas que dão sentimento de pertença, habitat, ideais, escolhas, fantasias, limites, papéis, regras e modos de se comunicar que podem (ou não) se diferenciar das demais relações sociais do indivíduo humano no mundo” (COSTA, 1999, p. 76 apud SAÚDE, 2013). Mas, “a família, seja ela qual for, tenha a configuração que tiver é, e será, o meio relacional básico para as relações no mundo, da norma à transgressão dela, da 41 saúde à patologia, do amor ao ódio” (COSTA, 1999, p. 78 apud SAÚDE, 2013). Cada família tem uma cultura própria em que circulam seus códigos: normas de convivência, regras ou acordos relacionais, ritos, jogos, crenças ou mitos familiares, com um modo próprio de expressar e interpretar emoções e comunicações. As ações são interpretadas em um contexto de emoções e de significados pessoais, familiares e culturais mais amplos. Tais emoções geram ações que formam o enredo do sistema familiar e constroem a história singular de cada família, que se transforma com o tempo, com a cultura e com as mudanças sociais. Dessa forma, o tema Família refere-se a uma realidade muito próxima a cada um de nós (SAÚDE, 2013). O significado, o sentido, os sentimentos despertados são diferentes de acordo com a experiência de cada um e sua história familiar. Isso, muitas vezes, dificulta a percepção e o entendimento dos profissionais de Saúde em relação às configurações familiares dos usuários, pois suas referências individuais, culturais e sociais são diferentes. O olhar, o escutar, o observar, o perceber e o entender a diversidade da forma de viver em família são fortemente influenciados pelas concepções de família, pelas crenças e valores de cada profissional, mas essas barreiras culturais e de comunicação podem ser enfrentadas a partir de uma abordagem que favoreça a reflexão, o diálogo, a escuta e o acolhimento do usuário (SAÚDE, 2013). 11.3 A lógica da Atenção Básica à saúde e os recursos para o trabalho com a família enquanto protagonista do cuidado A Estratégia Saúde da Família (ESF) no dizer de SILVA (2010) é um eixo estruturante da Atenção Básica à Saúde, concebe a família de forma integral e sistêmica, como espaço de desenvolvimento individual e grupal, dinâmico e passível de crises, inseparável de seu contexto de relações sociais no território em que vive. A família é, ao mesmo tempo, objeto e sujeito do processo de cuidado e de promoção da saúde pelas equipes de Saúde da Família como caracteriza SILVA 42 (2010) na ESF o vínculo entre os profissionais de Saúde, a família e a comunidade é concebido como fundamental para que as ações da equipe tenham impacto positivo na saúde da população. Esse vínculo de confiança vai sendo fortalecido por meio da escuta, do acolhimento, da garantia da participação da família na construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS), da valorização da família enquanto participante ativa do tratamento etc. Na metodologia de trabalho das equipes de SF, o cadastramento das famílias e o diagnóstico da situação de saúde da população permitem que os profissionais prestem atenção diferenciada às famílias em situação de risco, vulnerabilidade e/ou isolamento social. As famílias com pessoas em sofrimento psíquico intenso e usuárias de álcool e outras drogas necessitam de atenção especial, e um primeiro passo nesse sentido é instrumentalizar os agentes comunitários de Saúde (ACS) na identificação dessas situações. Vecchia e Martins (2009 apud SILVA 2010) ressaltam que a estratégia de atender prioritariamente as famílias com maiores dificuldades psicossociais é importante, desde que tal priorização não produza estigmatizações, levando em consideração o dinamismo e a complexidade da vida de cada família. A Estratégia Saúde da Família, por ter como ação as visitas mensais aos moradores de uma determinada área, possibilita que pessoas e famílias em situação de maior risco sejam atendidas. Podem ser pessoas que não comparecem às consultas, que não solicitam ajuda (por exemplo, as que fazem uso prejudicial de drogas), que sofrem atos de violência, que estão em risco de suicídio ou em cárcere privado. Enfim, pessoas que muitos necessitam e pouco ou nada demandam (LANCETTI, 2006 apud SILVA 2010). 43 12 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Ana Carla Moura Campos Hidalgo de; FELIPES, Lujácia; POZZO, Vanessa Caroline Dal. Scielo. O impacto causado pela doença mental na família, Porto, p. 1-4, 24 dez. 2011. BORIM, Flávia Silva Arbex et al. Scielo. Transtorno mental comum na população idosa: pesquisa de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil, [S. l.], p. 1-12, 11 jul. 2013. CATANI, Júlia. Pepsic. Histeria, transtornos somatoformes e sintomas somáticos: as múltiplas configurações do sofrimento psíquico no interior dos sistemas classificatórios, São Paulo, p. 1-20, 16 ago. 2014. CHENIAUX, Elie. Groupsgroups. Manual de Psicopatologia, Rio de Janeiro, p. 1- 230, 14 out. 2015. CORREIA, Valmir Rycheta; BARROS, Sônia; COLVERO, Luciana de Almeida. Scielo. Saúde mental na atenção básica: prática da equipe de saúde da família, São Paulo, p. 1-3, 8 out. 2011. 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