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2011-dis-pobatista

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ 
CENTRO DE HUMANIDADES 
DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA 
 
 
 
 
 
PATRÍCIA DE OLIVEIRA BATISTA 
 
 
 
 
 
 
A TOPONÍMIA CEARENSE NO SÉCULO XIX 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FORTALEZA 
2011 
PATRÍCIA DE OLIVEIRA BATISTA 
 
 
 
 
 
A TOPONÍMIA CEARENSE NO SÉCULO XIX 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Linguística da Universidade 
Federal do Ceará, como requisito parcial à 
obtenção do título de Mestre em Linguística. 
Área de concentração: Linguística. 
 
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Emilia Maria Peixoto 
Farias. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FORTALEZA 
2011 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação 
Universidade Federal do Ceará 
Biblioteca de Ciências Humanas 
 
 
B337t Batista, Patrícia de Oliveira. 
A toponímia cearense no século XIX / Patrícia de Oliveira Batista. – 2011. 
143 f. : il. color., enc. ; 30 cm. 
 
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, 
Departamento de Letras Vernáculas, Programa de Pós-Graduação em Linguística, Fortaleza, 2011. 
Área de Concentração: Linguística. 
Orientação: Profa. Dra. Emilia Maria Peixoto Farias. 
 
1.Nomes geográficos – Ceará – Séc.XIX. 2.Toponímia. I. Título. 
 
CDD 918.1310014 
 
 
PATRÍCIA DE OLIVEIRA BATISTA 
 
 
 
 
 
A TOPONÍMIA CEARENSE NO SÉCULO XIX 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Linguística da Universidade 
Federal do Ceará, como requisito parcial à 
obtenção do título de Mestre em Linguística. 
Área de concentração: Linguística. 
 
Aprovada em: ___/___/______. 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
________________________________________ 
Prof.ª Dr.ª Emilia Maria Peixoto Farias (Orientadora) 
Universidade Federal do Ceará (UFC) 
 
_________________________________________ 
Prof. Prof. Dr. Antonio Luciano Pontes 
Universidade Estadual do Ceará (UECE) 
 
_________________________________________ 
Prof.ª Dr.ª Maria Elias Soares 
Universidade Federal do Ceará (UFC) 
 
_________________________________________ 
Prof.ª Dr.ª Maria do Socorro Silva de Aragão (Suplente) 
Universidade Federal do Ceará (UFC) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À minha mãe, Irene. 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço primeiramente a Deus, por tudo. 
À minha família, pelo apoio em todos os meus desafios. 
À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Emilia Maria Peixoto Farias, pelo 
profissionalismo com que me conduziu desde o período de iniciação científica, pela 
orientação criteriosa e pelas palavras valiosas de incentivo. 
Aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Linguística, 
em especial à Prof.ª Dr.ª Maria Elias Soares, pelas críticas fundamentais, tanto durante suas 
aulas, como no exame de qualificação do projeto de pesquisa. 
Ao Prof. Dr. Antonio Luciano Pontes, pelas importantes críticas e sugestões para 
o desenvolvimento deste trabalho. 
À Prof.ª Dr.ª Maria do Socorro Silva de Aragão, pela contribuição com sugestões 
bibliográficas. 
Ao Prof. Dr. Expedito Eloísio Ximenes, pelo incentivo no desenvolvimento desta 
pesquisa, pelas valiosas informações compartilhadas e, sobretudo, por ter me contagiado com 
o seu apreço pela Filologia e pela Linguística Histórica. 
À Prof.ª Dr.ª Rosemeire Selma Monteiro-Plantin, por ter me acolhido no Estágio 
de Docência no curso de Letras durante o curso de Mestrado. 
Aos mestres e amigos dos grupos de pesquisa Tradições Discursivas do Ceará 
(TRADICE) e Práticas de Edição de Textos do Estado do Ceará (PRAETECE), pelo ambiente 
familiar com que acolhem todos os seus integrantes e pelos momentos de aprendizado. 
Aos amigos do Programa de Pós-Graduação em Linguística e do Curso de Letras, 
pelo convívio saudável e pelas críticas e sugestões. 
Aos funcionários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do 
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), pela atenção especial no fornecimento de 
informações e documentos para esta pesquisa. 
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo 
incentivo financeiro necessário ao desenvolvimento deste trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“O valor de um topônimo transcende, 
certamente, ao próprio momento do batismo, 
na medida que se presta a um fim utilitário – a 
identificação dos lugares. Mais evidente se 
torna esse aspecto, quando houver uma 
“adequação” entre o nome escolhido e o local 
por ele designado. Um topônimo que se revista 
de tais caracteres tende a se tornar 
insubstituível, no seio da comunidade, porque 
lhes exprime a „marca da história‟” (DICK, 
1992, p. 207). 
 
 
 
RESUMO 
 
A Toponímia é a ciência que estuda os nomes próprios de lugares. Os estudos toponímicos 
têm se revelado de grande importância para o resgate de características culturais, ideológicas 
e linguísticas dos grupos humanos que habitaram ou habitam um dado lugar, bem como para a 
recuperação de aspectos físicos do próprio lugar. Com base nessas considerações, o objetivo 
deste trabalho foi descrever a motivação toponímica de 54 nomes de lugares que aparecem 
registrados nos 67 autos de querela editados por Ximenes (2006) e traçar o perfil 
toponomástico do Ceará oitocentista até os dias atuais, a fim de identificar as possíveis 
mudanças toponomásticas ocorridas ao longo do tempo. Os fundamentos teóricos e os 
procedimentos metodológicos que nortearam esta pesquisa tiveram como base as 
contribuições de Dick (1992), que descreveu um modelo taxionômico toponímico, o qual 
apresenta 27 taxes, sendo 11 de natureza física e 16 de natureza antropocultural. Os dados 
foram registrados em fichas lexicográfico-toponímicas que constituem o modelo proposto por 
Dick (2004). Verificou-se que 53% dos topônimos são de natureza antropocultural e 47% são 
de natureza física. A partir de pesquisa bibliográfica e documental, foi possível reconstituir 
importantes aspectos históricos, geográficos, culturais e linguísticos do Ceará por meio da 
análise de seus topônimos. 
 
Palavras-chave: Lexicologia. Toponímia. Motivação toponímica. Toponímia cearense. 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
Toponymy is the science of proper names of places. Toponymic studies have proved great 
importance for the rescue of cultural, ideological and linguistic features of groups of humans 
who lived or live in a given place, as well as for the recovery of the physical aspects of the 
place itself. Based on these considerations, the aim os this study was to describe the 
toponymic motivation of 54 place names out of the 67 ones recorded in the records of 
complaint edited by Ximenes (2006) and to describe the toponomastic profile of Ceará from 
nineteenth century to the present days, in order to identify possible toponomastic changes 
occurring over time. The theoretical fundaments and methodological procedures that guided 
this research was based on the contributions of Dick (1992), who described a taxonomic 
toponymic model featuring 27 taxes, out of which 11 are physical natured and 16 are of 
antropocultural nature. Data were recorded in lexical-toponymic cards which is the model 
proposed by Dick (2004). It was found that 53% of the toponyms are of antropocultural nature 
and 47% are of physical nature. From literature and documental research, it was possible to 
reconstruct important aspects of history, geography, culture and linguistics of Ceará through 
the analysis of its place names. 
 
Keywords: Lexicology. Toponymy. Toponymic motivation. Toponymy of Ceara. 
 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 
 
Ficha 1 – Modelo de ficha lexicográfico-toponímica .............................................. 51 
Ficha 2 – Modelo de fichalexicográfico-toponímica preenchida ............................ 52 
Ficha 3 – Ficha lexicográfico-toponímica adaptada ................................................. 53 
Ficha 4 – Ficha lexicográfico-toponímica adaptada e preenchida ........................... 53 
Gráfico 1 – Distribuição dos topônimos nas categorias de natureza física e 
antropocultural .......................................................................................... 
 
62 
Gráfico 2 – Distribuição dos topônimos em taxes léxico-semânticas de natureza 
física ......................................................................................................... 
 
63 
Gráfico 3 – Distribuição dos topônimos em taxes léxico-semânticas de natureza 
antropocultural .......................................................................................... 
 
66 
Quadro 1 – Municípios da Mesorregião 1 (Noroeste Cearense) ................................. 46 
Quadro 2 – Municípios da Mesorregião 2 (Norte Cearense) ...................................... 47 
Quadro 3 – Municípios da Mesorregião 3 (Região Metropolitana de Fortaleza) ........ 48 
Quadro 4 – Municípios da Mesorregião 4 (Sertões Cearenses) .................................. 48 
Quadro 5 – Municípios da Mesorregião 5 (Jaguaribe) ................................................ 49 
Quadro 6 – Municípios da Mesorregião 6 (Centro-Sul Cearense) .............................. 49 
Quadro 7 – Municípios da Mesorregião 7 (Sul Cearense) .......................................... 50 
Quadro 8 – Classificação e definição dos topônimos de natureza física ..................... 55 
Quadro 9 – Classificação e definição dos topônimos de natureza antropocultural ..... 55 
Quadro 10 – Classificação léxico-semântica dos topônimos cearenses do século XIX 59 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 12 
2 BREVE CRONOLOGIA DOS ESTUDOS TOPONÍMICOS ................. 16 
3 TOPONÍMIA: princípios teóricos .............................................................. 27 
3.1 A atividade humana de nomeação ............................................................. 27 
3.2 Lexicologia, Onomástica e Toponímia: definições ................................... 28 
3.3 Toponímia e interdisciplinaridade ............................................................. 31 
3.4 O topônimo .................................................................................................. 34 
3.4.1 O signo linguístico, o signo toponímico e a questão da motivação ............ 34 
3.4.2 Origem e importância ................................................................................... 38 
3.4.3 Estrutura ....................................................................................................... 40 
3.5 Classificação léxico-semântica dos topônimos .......................................... 42 
3.5.1 Taxes de natureza física ............................................................................... 42 
3.5.2 Taxes de natureza antropocultural .............................................................. 43 
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................ 44 
4.1 A pesquisa documental ............................................................................... 44 
4.2 A pesquisa bilbiográfica …………………………..……….………….…. 44 
4.3 Técnicas para coleta e delimitação do corpus ………………………...… 45 
4.4 Classificação dos topônimos em Meso e Microrregioes ……………… 45 
4.5 Instrumento de registro e arquivamento dos dados …………………… 51 
4.6 Classificação dos topônimos em taxes ....................................................... 54 
4.6.1 Taxes de natureza física ............................................................................... 55 
4.6.2 Taxes de natureza antropocultural .............................................................. 55 
4.7 Procedimentos e critérios para análise dos dados .................................... 56 
5 A TOPONÍMIA CEARENSE EM DOCUMENTOS DO SÉCULO 
XIX ............................................................................................................... 
 
58 
5.1 Perfil toponomástico do Ceará no século XIX .......................................... 60 
5.2 Percurso toponomástico e taxionômico dos nomes de lugares cearenses 69 
5.2.1 Percurso toponomástico dos denominativos de vilas .................................. 70 
5.2.2 Percurso taxionômico dos denominativos de vilas ...................................... 78 
5.2.3 Percurso toponomástico dos denominativos de povoações ......................... 80 
5.2.4 Percurso taxionômico dos denominativos de povoações ............................ 87 
 
5.2.5 Percurso toponomástico dos denominativos de serras ............................... 88 
5.2.6 Percurso taxionômico dos denominativos de serras ................................... 89 
5.2.7 Percurso toponomástico dos denominativos de ribeiras e rios ................... 90 
5.2.8 Percurso taxionômico dos denominativos de ribeiras e rios ...................... 91 
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................. 92 
 REFERÊNCIAS .......................................................................................... 95 
 APÊNDICES ................................................................................................ 102 
 APÊNDICE A – Corpus extraído dos 67 Autos de Querela ......................... 103 
 APÊNDICE B – Fichas lexicográfico-toponímicas dos topônimos 
cearenses do século XIX ............................................................................... 
 
115 
 
 
 
 
 
 
 
12 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
O ato de nomear é uma atividade humana tão antiga quanto a própria linguagem, 
por meio do qual são registradas e perpetuadas características culturais, sociais e linguísticas 
dos indivíduos nomeadores. O denominativo de lugar, por sua vez, desde os tempos mais 
remotos, orienta o homem na ocupação dos espaços geográficos e na demarcação de seu 
território. 
A Toponímia, subárea da Onomástica, investiga os nomes próprios de lugares e, 
de forma interdisciplinar, os aspectos extralinguísticos que subsidiam o ato denominativo, 
aspectos históricos, geográficos e sociais, por exemplo. 
No Brasil, os primeiros estudos em Toponímia concentravam-se na etimologia das 
palavras de língua indígena, com vistas a uma reconstituição também de natureza histórica e 
geográfica. Dick (2006, p. 94), quando traça o panorama dos primeiros estudos sobre 
Toponímia no Brasil, mostra que, no início, devido às condições de colonização, os estudos 
concentravam-se “[...] mais nas línguas da terra, especialmente no tupi antigo, do que no 
próprio elenco denominativo do português.” Interessava às pesquisas tradicionais a 
perspectiva descritiva da língua, tendo como base suas características etimológicas e 
morfológicas e os dados da significação dos nomes geográficos. 
Considerado o pioneiro, Sampaio (1901)1 destacou-se na investigação toponímica 
brasileira com a publicação de sua obra O tupi na geografia nacional, em que apresenta um 
estudo sobre a influência do tupi nos topônimos brasileiros (TIZIO, 2009). 
Posteriormente, surgem os trabalhos de Cardoso (1961)2, como a publicação 
Toponímia Brasílica, elaborada a partir de investigações sobre a influência das línguas karib e 
arawak na toponímia da Amazônia. 
Outro importante colaborador para os estudos toponímicos no Brasil foi Drumond 
(1965)3, que pesquisou os topônimos de origem bororo da região Centro-Oeste. Em sua obra 
Contribuição do bororo à toponímia brasílica, evidencia a ausência de sistematicidade 
metodológica na investigação toponímica e sinaliza que os estudos toponímicos brasileiros 
feitos até então tinham como base os nomes de origem tupi. 
Atualmente, a Toponímia busca, entre outros objetivos,recuperar as motivações 
 
1
 SAMPAIO, Teodoro. O tupi na geografia nacional. 1901. 
2
 CARDOSO, Armando Levy. Toponímia Brasílica. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, v. 09, 
1961, 475p. (Coleção General Benício). 
3
 DRUMOND, Carlos. Contribuição do bororo à toponímia brasílica. São Paulo: Instituto de Estudos 
Brasileiros/USP, 1965. 
13 
 
que influenciaram a constituição dos nomes de lugares, relacionadas às circunstâncias de 
formação dos espaços ocupados pelo homem, contribuindo para a elucidação de informações 
valiosas sobre a memória social de grupos humanos. Os topônimos, na condição de registros 
vivos da cultura de um povo, comprovam a riqueza lexical de uma língua, já que neles são 
preservados valores, crenças e tradições que marcaram uma sociedade. 
Nessa perspectiva, a partir do levantamento de bibliografia sobre estudos 
toponímicos no estado do Ceará, observamos que as investigações sobre o seu perfil 
toponomástico são escassas frente à tradição de pesquisas em Toponímia desenvolvidas em 
outros estados brasileiros, principalmente no que diz respeito à busca da motivação semântica 
dos topônimos contemporâneos aos períodos mais remotos da ocupação do território cearense. 
A partir disso, sentimos que um trabalho voltado para um período histórico 
específico, neste caso o início do século XIX, poderia ampliar o conhecimento sobre a 
realidade toponímica cearense, bem como resgatar os aspectos socioculturais preservados em 
seus topônimos. 
Diferentemente da maioria das pesquisas toponímicas, que partem de registros 
hodiernos para se recuperar o passado dos lugares, o nosso ponto de partida é o próprio 
passado, documentos oitocentistas denominados autos de querela. Acreditamos que quanto 
mais próximos forem esses documentos da época de ocupação da Capitania do Ceará mais 
informações eles podem nos revelar sobre as circunstâncias de ocupação e o contexto 
motivacional do ato denominativo do espaço ocupado. 
Nossa escolha por registros do século XIX justifica-se, primeiramente, por 
pertencerem a um período da história do Brasil caracterizado pela circulação de grande 
volume de documentos públicos e oficiais. Trata-se de manuscritos originais e muitos deles 
sem uma cópia, de onde advém a importância das edições paleográficas e filológicas que 
garantem a preservação desses documentos antigos. 
Os autos de querela são documentos que pertencem à esfera judicial, nos quais 
estão registrados diferentes tipos de crimes ocorridos na Capitania do Siará Grande. Neles há 
informações diversas sobre a vida e os costumes das pessoas do século XIX, bem como 
informações sobre a situação geográfica, política, social, administrativa e cultural da colônia 
de um modo geral. 
A escolha por autos de querela deve-se ao fato de esses registros já se 
encontrarem editados e publicados, conforme normas de edição semidiplomática adotadas por 
Ximenes (2006) para conservação de informações o mais próximo possível dos manuscritos. 
Nesta perspectiva, o presente estudo insere-se em um ciclo de investigações 
14 
 
filológicas na dimensão linguística, que busca caracterizar a língua quanto aos seus aspectos 
paleográficos, textuais, discursivos, lexicais, para citar alguns, recuperados em documentos 
antigos. Estudos dessa natureza vêm sendo desenvolvidos por pesquisadores como Ximenes 
(2004, 2006, 2009), responsável por impulsionar, no Ceará, as pesquisas em Filologia, e por 
outros pesquisadores que compõem os grupos de pesquisa Tradições Discursivas do Ceará 
(TRADICE) e Prática de Edição de Textos do Estado Ceará (PRAETECE). O TRADICE, 
enquanto integrante do Projeto para a História do Português Brasileiro (PHPB), tem como 
objetivo reconstituir a história linguístico-social do Brasil, por meio da caracterização de 
diferentes práticas discursivas atinentes aos diferentes períodos da história da nossa língua. Já 
o PRAETECE tem como objetivo a preservação de documentos e edição de textos para 
estudos da língua portuguesa e da história social e cultural do estado do Ceará. 
Diante do exposto, objetivamos nesta pesquisa: (i) descrever a origem e a 
motivação de 54 nomes de lugares cearenses coletados em documentos do século XIX; (ii) 
classificar os topônimos com base nas categorias taxionômicas de natureza física e 
antropocultural propostas por Dick (1992); (iii) analisar qualitativa e quantitativamente os 
topônimos de acordo com as taxes de natureza física e antropocultural; (iv) traçar o percurso 
onomástico dos 54 topônimos a fim de resgatar a história de mudança desses denominativos. 
As hipóteses que orientaram esta pesquisa são: (i) os topônimos cearenses 
refletem aspectos da realidade sócio-histórica do período em que ocorreu a nomeação; (ii) o 
léxico toponímico de lugares cearenses do século XIX tem como base taxes de natureza física 
e antropocultural; (iii) qualitativamente, o resgate de informações históricas sobre o território 
cearense contribui sobremaneira para o esclarecimento das mudanças toponomásticas, bem 
como da causa motivacional de cada denominação; (iv) quantitativamente, as taxes de 
natureza antropocultural se sobrepõem às de natureza física. 
Nosso trabalho está organizado em sete capítulos: o primeiro, Introdução, 
apresenta a motivação da pesquisa e os objetivos delineados nesta investigação; o segundo, 
Breve cronologia dos estudos toponímicos, apresenta as principais investigações toponímicas 
realizadas em diferentes países, no Brasil e, especificamente, no Ceará, de modo que 
conheçamos a literatura produzida sobre o tema. 
O terceiro capítulo, Toponímia: princípios teóricos, apresenta os aspectos da 
atividade humana de nomeação; os conceitos relacionados à Lexicologia, à Onomástica e à 
Toponímia; os aspectos interdisciplinares existentes entre Toponímia e outras áreas do 
conhecimento; os fenômenos linguísticos concernentes ao signo toponímico e a classificação 
léxico-semântica dos topônimos. 
15 
 
O quarto capítulo, Procedimentos metodológicos, trata das diretrizes de execução 
desta pesquisa; do instrumento de registro e arquivamento dos dados; da classificação dos 
topônimos em taxes e dos procedimentos e critérios para análise dos dados. 
O quinto capítulo, A Toponímia cearense em documentos do século XIX, 
apresenta a análise e a discussão do enquadramento dos topônimos no modelo taxionômico 
proposto por Dick (1992), que taxes são mais recorrentes e as transformações toponomásticas 
de cada lugar, encerrando com a descrição das singularidades do perfil toponímico cearense 
oitocentista. 
Posteriormente, são apresentadas as Considerações finais, seguidas das 
Referências e dos Apêndices, em que constam as fichas lexicográfico-toponímicas de todos os 
topônimos analisados e o detalhamento do corpus. 
Nesta perspectiva, o presente estudo pretende contribuir para a ampliação e o 
enriquecimento dos estudos toponímicos no Ceará seguindo uma tendência histórica, para o 
incentivo à realização de trabalhos filológicos e paleográficos fidedignos aos documentos 
manuscritos, necessários à reconstituição do passado da nossa língua, bem como para o 
aprofundamento das teorias sobre modelos taxionômicos toponímicos recentemente 
desenvolvidos e para a confirmação de sua aplicabilidade. 
16 
 
2 BREVE CRONOLOGIA DOS ESTUDOS TOPONÍMICOS 
 
Os estudos sobre nomes próprios de lugar mostram que esses designativos além 
de constituírem o léxico comum de uma língua, também são responsáveis pela preservação de 
valores culturais e ideológicos pertencentes a uma determinada comunidade geográfica. 
Revestido de importância linguística e extralinguística, o topos tem sido objeto de reflexão ao 
longo dos séculos. Apresentamos, a seguir, alguns trabalhos realizados sob o âmbito da 
Onomástica e da Toponímia em diferentes partes do mundo, no Brasil e, especificamente, no 
Ceará. 
Como corpodisciplinar sistematizado, a Toponímia, ciência que estuda os nomes 
próprios de lugar, surgiu na Europa, mais particularmente na França, por volta de 1878, com 
Auguste Longnon, responsável por introduzir os primeiros estudos regulares na École 
Pratique des Hautes-Études e no Colégio de França. Após a morte de Longnon, alguns de 
seus alunos publicaram, por volta de 1912, a obra Les noms de lieu de la France, a partir do 
curso ministrado pelo professor (DICK, 1992). 
Em 1922, Albert Dauzat, por ocasião de uma conferência na mesma École 
Pratique, retomou os estudos toponímicos interrompidos com a morte de Longnon. Em sua 
Chronique de Toponymie, Dauzat reuniu uma bibliografia com diversas fontes e trabalhos até 
então publicados sobre nomes antigos de lugares. 
Segundo Dick (1992, p.1), com vistas à sistematização dos processos de 
investigações toponímicas, Dauzat organizou o I Congresso Internacional de Toponímia e 
Antroponímia, em 1938, reunindo vinte e um países. As propostas de estudos contempladas 
no evento podem ser assim resumidas: realização periódica de congressos internacionais de 
Toponímia e Antroponímia; criação de uma Sociedade Internacional de Toponímia e 
Antroponímia; criação, nos países que não possuírem, de departamentos oficiais para a 
elaboração de glossários de nomenclatura geográfica e sistematização dos processos de 
pesquisas. 
O segundo Congresso Internacional de Toponímia e Antroponímia também foi em 
Paris, em 1947, e o terceiro em Bruxelas, em 1949. De acordo com Lillo (1995), a partir daí 
organizou-se um Comitê Internacional de Ciências Onomásticas, que fundou a revista 
Onoma. Simultaneamente, surge a revista Onomástica, editada por Dauzat, a qual foi 
posteriormente conhecida pelo nome de Revue Internationale d’Onomastique. 
Com o passar do tempo, as pesquisas em Toponímia disseminaram-se por diversas 
partes do mundo. Na Europa, destacaram-se as contribuições de Pospelov, que descreveu três 
17 
 
modelos de “orientação temática” que marcaram as pesquisas na antiga União Soviética: 
problemas gerais de teoria toponímica e de métodos de pesquisas geográficas; os nomes 
geográficos da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS); nomes geográficos de 
países estrangeiros. Pospelov destacou as contribuições do Instituto de Linguística da 
Academia de Ciências da Ucrânia e a Sociedade Geográfica Russa, os quais possuem 
Comissões Toponímicas (DICK, 1992). 
No que concerne aos estudos toponímicos na Espanha, podemos destacar o 
trabalho de Nieto Ballester (1997), que, em seu Breve diccionario de topónimos españoles, 
apresenta uma análise significativa de topônimos espanhóis influenciados por diferentes 
etnias: pré-romanos, relacionados aos topônimos que já existiam antes da romanização da 
península Ibérica; latino-românicos, trazidos pelos romanos; moçárabes, palavras 
remanescentes da língua latina falada nos territórios dominados pelos árabes; germânicos, 
surgidos no período de enfraquecimento do Império Romano na Península Ibérica; e árabes, 
topônimos trazidos a partir do século VIII quando se iniciou o domínio árabe na Espanha. 
Sobre estudos de topônimos portugueses, podemos destacar os trabalhos de 
Vasconcelos (1931)4 e Carvalhinhos (2003, 2004, 2005, 2007). Vasconcelos (1931), em sua 
obra Opúsculos – Vol. III, sugere uma divisão dos estudos dos nomes geográficos em três 
níveis: classificação por línguas, estudo das transformações fonéticas e da formação 
gramatical do topônimo e divisão dos nomes em categorias segundo as causas que os 
originaram (TIZIO, 2008, p. 20). 
Carvalhinhos (2003, 2004, 2005, 2007) vem somar importantes contribuições no 
que concerne aos estudos toponímicos de Portugal. Em Onomástica e lexicologia: o léxico 
toponímico como catalisador e fundo de memória. Estudo de caso: os sociotopônimos de 
Aveiro (Portugal), Carvalhinhos (2003) analisa topônimos portugueses que denominam 
profissões, instituições, delimitações de terras ou aspectos da vida rural. Os topônimos 
analisados demonstraram uma tendência conservadora na toponímia do país, além da 
permanência de arcaísmos, palavras cujo surgimento provável terá sido no século XVI, e 
predominância de topônimos que refletem a relação entre o homem e a terra e as atividades 
agrícolas. 
Em A onomástica e o resgate semântico: as antas, Carvalhinhos (2004) apresenta 
um estudo sobre a lexia anta, que em Portugal refere-se a um monumento de pedra e no Brasil 
de animal, e discute sobre a importância do contexto extralinguístico como forma de 
esclarecer as interpretações sobre a motivação de dado topônimo. 
 
4
 VASCONCELOS, José Leite de. Opúsculos. v. III. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1931. 
18 
 
Em Hierotoponímia portuguesa: os nomes de Nossa Senhora, Carvalhinhos 
(2005) analisa os 1.195 hierotopônimos referenes à entidade Nossa Senhora e propõe uma 
subcategorização semântica, a fim de identificar a motivação do segundo elemento, isto é, o 
título específico dado a Nossa Senhora. Nesta perspectiva, a pesquisadora identificou que os 
títulos atribuídos a Nossa Senhora refletem o estado de espírito dos devotos (Senhora dos 
Aflitos, Senhora da Piedade), objetos ou fatos sagrados, lugares e elementos físicos referentes 
à natureza (Nossa Senhora dos Olivais, Senhora das Areias, Senhora da Estrela, Senhora do 
Vale, Senhora da Fonte) etc. 
Carvalhinhos (2007), em seu artigo Arcaísmos morfológicos na toponímia de 
Portugal, analisa alguns topônimos presentes na região portuguesa de Aveiro a fim de 
exemplificar casos de arcaísmos morfológicos, representados por sufixos em desuso na 
atualidade, os quais remetem, pelo menos, ao século X. A autora esclarece que pela natureza 
cristalizada dos morfemas estes auxiliam na recuperação do significado dos topônimos, 
evidenciando informações concernentes a épocas pretéritas do lugar estudado. 
Em relação às pesquisas toponímicas sobre a África, Dick (1992, p. 3) descreve 
que foram realizados os seguintes estudos: a forma de registro dos topônimos nativos, 
considerando-se a heterogeneidade linguística; um apanhado geral sobre a toponímia sul-
africana; a toponímia berbere no Saara Ocidental; a grafia dos topônimos marroquinos e a 
formação dos nomes tribais dos berberefones do Marrocos. 
Em relação à Ásia, Dick (1992, p. 3) apresenta os estudos sobre a toponímia da 
Turquia, os quais procuraram descrever a influência dos topônimos da Ásia-Média sobre a 
Ásia-Menor, em virtude da migração, e a relação entre Toponímia e vida social em Istambul. 
No que concerne aos estudos toponímicos no continente americano, destacam-se 
os trabalhos desenvolvidos nos Estados Unidos e no Canadá, principalmente em virtude de 
nesses países existirem diversos pesquisadores e órgãos especializados em Toponímia. 
Nos Estados Unidos, destaca-se a revista Names, publicada oficialmente pela 
American Name Society, fundada em 1951, em Detroit. Alguns dos principais objetivos desta 
revista são: estudar a etimologia, a origem, o significado e a aplicação das mais diversas 
categorias de nomes (geográfico, pessoal, científico, comercial e popular); divulgar os 
resultados desses estudos e conscientizar o povo americano sobre a importância dos nomes 
em todos os campos do conhecimento humano. 
Um dos colaboradores da revista Names é George Stewart, autor da obra Names of 
the land e de A classification of place names, em que apresenta nove categorias 
discriminativas sobre os mecanismos de nomeação dos lugares. 
19 
 
De acordo com Dick (1992, p. 25), embora seja plausível a tentativa de 
sistematização de uma classificação toponímica, a aplicabilidade das categorias propostas por 
Stewart pode não satisfazer a todos os casos, pois alguns topos podem não ocorrer em todos 
os sistemas onomásticos, de forma a limitar o emprego das taxes. 
No Canadá, destaca-se o Grupo de Estudos de Coronímiae de Terminologia 
Geográfica, que existe desde 1966 e que, embora seja associado ao Departamento de 
Geografia da Universidade de Laval (Québec), pretende integrar todas as áreas que se 
interessam pelo tema, principalmente a linguística, a história e a antropologia. 
Sobre os estudos toponímicos no Chile, podemos citar o trabalho de Lillo (1995), 
que analisou os topônimos pré-hispânicos e hispânicos da região de La Araucanía, no sul do 
país, aprofundando os estudos toponímicos ao privilegiar a busca pela motivação inicial que 
influenciou o denominador no momento em que batizou os lugares estudados. Os topônimos 
estudados por Lillo (1995) são em sua maioria de origem mapuche5, seguidos pelos 
topônimos de colônias europeias não hispânicas e, posteriormente, os nomes de origem 
hispânica. Os topônimos hispânicos caracterizam-se pela presença da “cruz”, da “espada” e 
do “diabo”. No caso dos topônimos mapuches, destacam-se nomes relacionados ao meio 
natural (morfotoponímia) e cultural (mitotoponímia). 
No que diz respeito às pesquisas toponímicas no Brasil, destacamos as 
importantes contribuições de Dick (1980)6 e Santos (1983). Em sua tese de doutoramento 
intitulada A motivação toponímica. Princípios teóricos e modelo taxeonômicos, Dick (1980) 
estudou as principais motivações semânticas dos topônimos e propôs um modelo de 
taxionomias léxico-semânticas que têm servido de modelo para diversas pesquisas (DICK, 
1992). 
Santos (1983), por sua vez, apresenta uma rica bibliografia de 169 trabalhos sobre 
Toponímia. A obra divide-se em duas partes: Toponímia Geral, relacionada à Geografia, à 
Cartografia, à categorização dos nomes de cidades e rios brasileiros; e Linguística Geral, que 
aborda a questão dos nomes de lugares relacionados à cultura indígena e ao folclore 
brasileiro. 
Seguindo o percurso histórico de pesquisas brasileiras sobre Toponímia, é 
possível mencionar outros importantes trabalhos de Dick. Na obra A motivação toponímica e 
 
5 Segundo Lillo (1995), “o nome mapuche designa o conjunto de tribos indígenas que viviam dos dois lados da 
Cordilheira dos Andes e falavam um mesmo idioma, mapudungun, que tinham os mesmos costumes, crenças e 
organização intena”. 
6
 DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral. A motivação toponímica. Princípios teóricos e modelos 
taxionômicos. Tese de Doutoramento. FFLCH-USP, 1980. 
20 
 
a realidade brasileira (1990), a pesquisadora apresenta o processo de transformação da 
toponímia brasileira, sob uma perspectiva fonética, bem como discute sobre os principais 
modelos taxionômicos que servem de referência para pesquisadores na atualidade. 
Em Toponímia e Antroponímia no Brasil. Coletânea de estudos, Dick (1992) 
apresenta algumas reflexões sobre o desenvolvimento da Toponímia no Brasil, desde os 
primeiros estudos às perspectivas de pesquisas futuras, discute sobre a estrutura, a função do 
signo toponímico e o problema das taxionomias toponímicas, bem como apresenta breves 
trabalhos a respeito dos topônimos de origem indígena e africana, dos aspectos funcionais da 
Antroponímia e do Atlas Toponímico do Estado de São Paulo. 
Dick (1996) apresenta a relação entre Toponímia e Dialetologia para o estudo da 
linguística geral. A autora afirma que para o esclarecimento da estrutura dos registros 
onomásticos é importante relacioná-los aos estratos dialetais e etnolinguísticos da região 
pesquisada. 
Em A Motivação Etno-toponímica. Perspectivas Sincrônicas e Diacrônicas, Dick 
(1998b) discute sobre a motivação toponímica, pautada como verbalização de ideias, 
pensamentos, sentimentos e simbolismos religiosos, por exemplo, a qual resulta de um 
pensamento particularizante de indivíduos isolados ou de um grupo social. 
Dick (1999), em seu artigo Contribuição do léxico indígena e africano ao 
português do Brasil, apresenta os principais campos de interferência indígena no vocabulário 
do Português Brasileiro (PB) analisados a partir de um corpus que corresponde ao período do 
quinhentismo ao setecentismo. As principais influências léxicas de origem indígena aparecem 
na: fitonímia, zoonímia, hidronímia, geomorfonímia, ergonímia e, menos recorrente, 
noonímia ou cultura espiritual. Quanto ao contato do PB com as línguas africanas, verificam-
se os seguintes campos léxico-semânticos: fitonímia, zoonímia, litonímia, toponímia, 
hieronímia (deuses e cultos) e outros relacionados a festas, danças, moléstias, doenças etc. 
Dick (2006) apresenta alguns aspectos conceituais de Toponímia e um breve 
percurso do desenvolvimento dessa área de investigação no Brasil, com o objetivo de 
introduzir estudantes no conhecimento científico dos estudos onomásticos e toponímicos. 
Posteriormente, apresenta os métodos e as fontes para a pesquisa toponímica. 
O estudo apresentado por Dick (2006), o caso do projeto Atlas Toponímico do 
Estado de Minas Gerais – ATEMIG, segue a realização da proposta-matriz do Atlas 
Toponímico do Brasil – ATB dividida em três etapas: a análise dialetológica dos designativos 
de unidades municipais, tendo como referência as camadas linguísticas que influenciaram o 
português brasileiro, a portuguesa, a indígena e a africana; o levantamento dos acidentes 
21 
 
geográficos dos municípios (rios, lagoas, serras, bairros, vilas, sítios etc.), a classificação 
segundo o modelo tipológico taxionômico para se chegar ao traço motivador comum do 
município; e, por último, a representação cartográfica dos dados levantados. 
Dick (2007a) faz referência a topônimos dos séculos XVI ao XVIII registrados 
por August Saint-Hilaire, em sua viagem às nascentes do São Francisco no início do século 
XIX. Neste aspecto, este trabalho se aproxima com o que estamos desenvolvendo por estudar 
topônimos registrados em documentos de sincronias distantes. 
Em seu artigo A terminologia nas ciências onomásticas. Estudo de caso: o 
Projeto ATESP, Dick (2007b) apresenta um breve percurso histórico dos estudos 
onomásticos, faz considerações a respeito da terminologia toponímica de natureza 
taxionômica e retoma reflexões que ela fez em estudos anteriores para defender a natureza 
terminológica dos topônimos e dos antropônimos. 
Seguindo uma perspectiva histórica, destaca-se o estudo de Santos e Seabra 
(2009), que, a partir de dois mapas históricos, o “Mapa da Capitania de Minas Gerais com as 
Divisas de suas Comarcas” (1778) e a “Carta Geográfica da Capitania de Minas Gerais” 
(1804), analisam os topônimos de assentamentos da população da Comarca do Serro Frio, 
território que envolve municípios das mesorregiões geográficas do Jequitinhonha, Norte de 
Minas e Metropolitana de Belo Horizonte. Nesse estudo, constatou-se uma maior 
produtividade de topônimos de natureza física, os hidrotopônimos e os litotopônimos. 
No Brasil, atualmente, para a coleta e o registro de dados toponímicos, os 
pesquisadores se utilizam de diferentes fontes, que incluem desde cartas topográficas, 
arquivos de órgãos oficiais, a relatos orais de moradores e documentos diversos. A maioria 
das pesquisas visa a contribuições teóricas para o refinamento de modelos taxionômicos de 
classificação dos topônimos, resgatando informações sócio-históricas, etimológicas, 
etnolinguísticas e culturais, tanto de natureza sincrônica como diacrônica. Muitas dessas 
pesquisas são utilizadas como fonte de dados na elaboração de atlas linguísticos de cidades e 
regiões. 
Na Região Sudeste, uma das mais produtivas no que concerne a estudos em 
Toponímia, destacam-se os trabalhos de Lopes (2008), Fazzio (2008), Tizio (2008) e Tizio 
(2009). Lopes (2008) analisou 177 topônimos que denominam acidentes geográficos físicos e 
humanos da zona rural de São João Batista da Glória (MG), fazendo o resgate histórico-
social, utilizando, inclusive, relatos orais com pessoas dos lugres estudados. 
Fazzio (2008) estudou a relação entre as escolhastoponímicas e a realidade 
sociocultural e linguística dos habitantes de Promissão (SP) no momento da nomeação. 
22 
 
Tizio (2008) analisou os nomes atribuídos ao rio Tietê (SP), desde seus 
hidrotopônimos aos aglomerados urbanos distribuídos ao longo de toda a sua extensão, 
verifica como esses nomes foram dados e por quais alterações eles passaram ao longo do 
tempo e conclui com uma proposta de lei para normalização da nomeação de hidrelétricas e 
logradouros públicos no Brasil. 
Em seu trabalho de doutoramento, Tizio (2009) analisa os nomes dos loteamentos 
que deram origem a oitenta bairros de Santo André, a partir do estudo toponímico em uma 
perspectiva diacrônico-contrastiva, a fim de se alcançar fatores que levaram à fixação desses 
nomes. 
Em Minas Gerais, destacamos o trabalho de Santos e Seabra (2009), no qual 
analisam os topônimos de assentamentos da população da Comarca do Serro Frio, território 
que envolve municípios das mesorregiões geográficas do Jequitinhonha, Norte de Minas e 
Metropolitana de Belo Horizonte. 
Na Região Sul, destacam-se os trabalhos de Zamariano (2006), Toponímia 
paranaense do período histórico de 1648 a 1853, que investiga os nomes dos municípios 
paranaenses fundados nesse período; e de Moreira (2006), A toponímia paranaense na rota 
dos tropeiros: Caminho das Missões e Estrada de Palmas, que analisa a influência do ciclo 
econômico do Tropeirismo registrada em topônimos paranaenses. 
Na Região Centro-Oeste, merece destaque a diversidade dos estudos toponímicos, 
como os de: Santos (2005), que analisou os topônimos que constituem o município de Barra 
do Garças, localizado na microrregião do Médio Araguaia (MT); Dargel e Isquerdo (2005), 
que analisaram os estratos linguísticos referentes aos acidentes geográficos do Bolsão Sul-
mato-grossense; Maeda (2006), referente aos nomes de Fazendas localizadas no Pantanal Sul-
mato-grossense; e Carvalho (2010), que analisou os topônimos de córregos, ribeiras, rios, 
serras etc, que constituem a mesorregião Sudeste Mato-grossense. 
Na Região Norte, mencionamos os trabalhos de Sousa (2007a), que aplicou os 
procedimentos metodológicos descritos em Dick (1992, 2001) para a elaboração do atlas 
toponímico do Estado do Acre; Carneiro (2007), que descreveu a realidade toponímica do 
território Wapixana (RR) a partir de aspectos dialetológicos; e Andrade (2006), que analisou 
cerca de 1.350 topônimos de origem indígena, registrados em 127 cartas topográficas do 
estado do Tocantins. 
Na Região Nordeste, destaca-se o trabalho de Curvelo (2009), intitulado 
Topônimos maranhenses: testemunhos de um passado ainda presente. Neste trabalho, a 
pesquisadora descreve o léxico onomástico dos 217 topônimos do estado do Maranhão, 
23 
 
distribuídos em cinco mesorregiões, com o objetivo de investigar a motivação toponomástica 
desses designativos e determinar qual das categorias taxionômicas, a de natureza física ou a 
de natureza antropocultural, prevalece na ação nomeadora maranhense. Além disso, a autora 
estabelece o percurso onomástico dos 217 topônimos e agrupa-os em quatro sincronias: 1600, 
1700, 1800 e 1900. 
Quanto ao estudo dos topônimos baianos, podemos citar o trabalho de Oliveira 
(2008), intitulado Iconicidade toponímica na Chapada Diamantina: estudo de caso, no qual 
são analisados 108 topônimos designativos de sítios turísticos na área conhecida como 
Circuito do Diamante. Diferentemente de outros trabalhos que seguem o modelo 
metodológico do ATB, em Oliveira (2008) os signos toponímicos são analisados quanto as 
suas propriedades semânticas e icônicas. 
No que diz respeito aos atlas toponímicos desenvolvidos ou em desenvolvimento 
no país, destacamos o Projeto Atlas Toponímico do Brasil: parte geral e variantes regionais - 
ATB, coordenado pela professora Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick, da Faculdade de 
Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 
A proposta inicial do ATB foi ampliar o estudo toponímico a todos os estados do 
país seguindo a metodologia já adotada no desenvolvimento do Projeto ATESP – Atlas 
Toponímico do Estado de São Paulo, que partia de uma pesquisa cartográfica dos 573 
municípios que constituíam o Estado na época do levantamento. As cartas consultadas para o 
desenvolvimento do ATESP foram elaboradas pelo Instituto Geológico do Estado ou pela 
Prefeitura de São Paulo, além disso, também foram consultados, como fontes 
complementares, documentos históricos referentes aos locais investigados. 
Também estão vinculados ao ATB o Atlas Toponímico do Estado de Minas 
Gerais – Projeto ATEMIG; o Atlas Toponímico do Estado do Mato Grosso do Sul – Projeto 
ATEMS; o Atlas Toponímico do Tocantins – ATT ; o Atlas Toponímico de Origem Indígena 
do Tocantins – Projeto ATITO; o Atlas Toponímico da Amazônia Ocidental Brasileira – 
Projeto ATAOB e o Atlas Toponímico do Estado do Ceará – Projeto ATEC7. Além destes, 
estão previstos os levantamentos cartográficos dos Estados da Paraíba, Maranhão e Goiás. 
No projeto ATEMIG, são investigados os nomes de cidades mineiras distribuídas 
em 10 Mesorregiões que compõem o Estado, com cerca de 850 municípios. 
O ATEMS, coordenado pela professora Aparecida Negri Isquerdo, da 
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, integra mais duas Instituições de Ensino 
 
7
 Sobre o ATEC, encontramos pouquíssimas referências e publicações, todas demonstrando ser ainda um projeto 
embrionário. 
24 
 
Superior, a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul e a Universidade Federal de 
Grande Dourados, além da rede municipal de ensino de Mato Grosso do Sul e de Goiás. De 
caráter interinstitucional, o ATEMS é uma variante do ATB e objetiva a catalogação, a 
análise e a cartografação da toponímia oficial do estado. A base de dados do ATEMS já 
contém cerca de 7.000 topônimos. 
O ATT, coordenado pela professora Karylleila dos Santos Andrade, tem por 
objetivo o estudo da motivação dos designativos de lugar registrados em cartas municipais. 
Além do estudo dialetológico, são investigadas a etimologia, a estrutura gramatical e a 
correção fonêmica dos topônimos coletados. 
Na elaboração do ATITO, também sob a coordenação da professora Karylleila 
dos Santos Andrade, foram investigados topônimos de origem indígena de natureza física (rio, 
córrego, ribeirão) e antropocultural (fazenda, sítio, chácara etc.). Os resultados parciais 
indicam que a língua tupi prevalece na motivação dos 1.350 topônimos identificados nas 
cartas topográficas do Estado do Tocantins. 
O ATAOB, sob a coordenação do professor Alexandre de Melo Sousa, da 
Universidade Federal do Acre, tem sido desenvolvido desde 2006. O ATAOB tem como 
objetivo geral traçar o perfil toponímico do Estado do Acre, a partir dos designativos de lugar 
registrados em cartas topográficas oficiais. 
Em relação ao estado do Ceará, não identificamos ainda pesquisas sistemáticas 
sobre a motivação toponímica e as análises de categorias taxionômicas, já que a maior parte 
dos estudos reporta-se à origem, à etimologia e às transformações toponomásticas dos 
designativos de lugar. 
Ao longo do tempo, muitos pesquisadores buscaram dados em registros oficiais 
do estado, sejam eles atuais ou concernentes a épocas distantes. Diante da dificuldade de 
coletar os topônimos em mapas cartográficos, os nomes eram retirados de cartas régias, datas 
de concessão de sesmarias, ofícios e portarias, já que o passado revela a ausência de uma 
tradição em elaborar cartas topográficas sobre o Ceará, devido a sua ocupação tardia em 
relação às demais capitanias do país, iniciada somente nos primeiros anos do século XVIII. 
De acordo com Jucá Neto (2010), o Ceará, em virtude da ausência de atrativos 
econômicos e por ainda pertencer à Capitania de Pernambuco até 1799, teve pouca 
visibilidade inclusive nos registros cartográficos. No fim do século XVII e no séculoXVIII, o 
Ceará foi registrado como terra inóspita, e durante os anos setecentos ainda não possuía uma 
demarcação oficial de suas fronteiras territoriais. 
O primeiro registro cartográfico do Ceará de que se tem notícia foi elaborado pelo 
25 
 
engenheiro e naturalista João da Silva Feijó, em Capitania do Ceará; Dividida/pelo Campo 
Illuminado de cor, em que aparecem registradas as vilas de Fortaleza, Arronches, Messejana, 
Soure, Aquiraz, Aracati, Icó, Crato, Campo Maior, Sobral, Granja, Vila Nova del Rei, Viçosa 
e Montemor o Novo (JUCÁ NETO, 2010). 
Em 1812, também de autoria de Feijó, foi elaborada a Carta Topographica / da / 
Capitania do Ceará / que a / SAR / o Príncipe Regente / Nosso Senhor / Dedica / Luiz Barba 
Alardo de Menezes, em que aparecem registradas 16 vilas cearenses, Aquiraz, Aracati, 
Arronches, São Bernardo, Campo Maior, Crato, Fortaleza, Granja, Icó, São João do Príncipe, 
Messejana, a Vila Nova d‟El Rei, Sobral, Soure, Monte Mor-o-Novo D‟América e Vila 
Viçosa Real (JUCÁ NETO, 2010). 
Apesar dos esforços de Feijó, os registros não eram precisos. Em alguns casos, 
havia vilas registradas na primeira carta e omitidas em outras. Além disso, os registros 
cartográficos não davam conta de todos os acidentes geográficos contemporâneos à sua 
elaboração. Dessa forma, os documentos manuscritos conseguiam suprir as informações 
referentes aos mais diversos espaços que constituíam o território cearense. 
Muitos nomes de lugares, com suas localizações e transformações, foram 
registrados em documentos da esfera judicial e administrativa, por exemplo, e foram 
recuperados e preservados em estudos de diversos pesquisadores que deixaram um legado 
inquestionável sobre a história do Ceará, dentre os quais é inegável a contribuição de Studart 
(1923, 1924) e Seraine (1946, 1947, 1948, 1961). 
Nas edições de número XXXVII e XXXVIII, da Revista do Instituto do Ceará, 
Studart (1923), a pedido da Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro, em comemoração ao 
1º centenário da Independência do Brasil, apresenta um artigo, dividido nos dois volumes 
mencionados, sobre a Geographia do Ceará, no qual faz todo um resgate histórico sobre a 
ocupação do território cearense, desde as primeiras visitas, às concessões de sesmarias, dos 
primeiros governadores a criação das vilas que constituíam o espaço cearense. O pesquisador 
apresenta uma relação de cerca de 160 mapas e cartas topográficas que registravam o espaço 
brasileiro, de modo geral, e alguns o território cearense, principalmente a sua costa. 
Na segunda parte do artigo, publicada em 1924, Studart apresenta detalhes da 
geografia do Ceará, desde informações sobre aspectos físicos, constituição geológica, à 
descrição de enseadas, bahias, portos, lagos, lagoas, montanhas, serras, rios e riquezas 
minerais, além de fazer um percurso das cidades cearenses, retomando fatos a época da 
criação das vilas e povoados. 
Seraine (1948), em seu artigo Contribuição à toponímia cearense (continuação), 
26 
 
publicado na edição LXII da Revista do Instituto do Ceará, apresenta um panorama sobre os 
primeiros estudos em toponímia no Estado. Este artigo é a segunda parte de outro publicado 
com mesmo título no volume anterior, o de número LXI, no qual apresenta um levantamento 
de designativos indígenas de localidades cearenses. 
Seraine (1948) aponta dados preciosos, pois resgata a memória linguística e 
cultural do povo cearense. O pesquisador mostra informações etimológicas e históricas das 
principais vilas, como Acaraú, Aquiraz, Baturité, Crateús, Caucaia, Icó, Ipu, Uruburetama etc. 
Além disso, apresenta as leis que autorizaram a elevação e transferência das vilas e as 
possíveis mudanças toponomásticas ocorridas nesse processo. 
Em Topônimos de Portugal no Ceará, Seraine (1961) apresenta um levantamento 
de topônimos de origem portuguesa que substituíram nomes indígenas vigentes até o início do 
século XIX e descreve o processo de mudança toponomástica dessas localidades, revelando as 
leis e decretos régios que instituíram tais mudanças. 
Falcão (1993) publicou o Pequeno Atlas Toponímico do Ceará, no qual 
apresentava os topônimos de 200 povoados, 672 distritos e 184 municípios cearenses. Nesse 
estudo, o pesquisador apresenta uma substanciosa coletânea dos nomes de lugares do Ceará e 
faz um levantamento das principais leis e decretos nacionais e estaduais que normatizaram a 
ação denominativa de lugares ao longo da história. Nessa obra, são apresentadas, também, em 
alguns topônimos, características etimológicas e notas sobre a história política e social 
relevantes para a compreensão do nome do lugar, além da localização das meso e 
microrregiões cearenses contemporâneas à publicação da obra. 
Destacamos, ainda, a elaboração o trabalho de Sousa (2007b), que analisou a 
toponímia das praias cearenses, cuja descrição mostrou haver predominância de topônimos de 
natureza física nesse ambiente geográfico estudado. 
A partir dos trabalhos apresentados, identificamos uma bibliografia escassa em 
relação à toponímia cearense. Muitos trabalhos apresentam apenas uma lista de topônimos, 
seguidos de suas etimologias e do contexto histórico em que surgiram. Face à pesquisa 
desenvolvida por Sousa (2007b), fazem-se necessários, portanto, outros estudos que 
investiguem a motivação toponímica dos denominativos cearenses, fundamentados nos 
modelos teóricos e metodológicos norteadores das pesquisas toponímicas recentemente 
desenvolvidas ou em desenvolvimento. 
Nesta perspectiva, no próximo capítulo, apresentamos os princípios teóricos da 
Toponímia, a natureza interdisciplinar, os fenômenos linguísticos concernentes aos topônimos 
e o modelo de classificação léxico-semântica dos topônimos. 
27 
 
3 TOPONÍMIA: princípios teóricos 
 
3.1 A atividade humana de nomeação 
 
Por meio da linguagem, o conhecimento, os costumes e as crenças são registrados 
e perpetuados de geração a geração, de modo a constituírem a memória individual e social dos 
grupos humanos. A ação de nomear as coisas tem acompanhado o homem no curso de sua 
existência e é uma atividade linguística indispensável a qualquer grupo social, por permitir ao 
homem apropriar-se, de forma simbólica, da realidade. 
Para Biderman (2001, p. 13), a nomeação da realidade “[...] pode ser considerada 
como a etapa primeira no percurso científico do espírito humano de conhecimento do 
mundo.” É pelo processo de nomeação que o homem registra seu conhecimento não apenas 
sobre aspectos biofísicos, como também sobre valores pessoais e sociais que emergem do 
universo que o cerca. 
Os nomes auxiliam o homem a se organizar no tempo, no espaço ou em seu 
grupo, pois são responsáveis por ordenar os dados da experiência humana e armazená-los em 
categorizações linguísticas. Nesta perspectiva, a nomeação é a atividade responsável pela 
geração do léxico das línguas naturais, pois, como afirma Biderman (2001, p. 13), “[...] ao 
reunir os objetos em grupos, identificando semelhanças e, inversamente, discriminando os 
traços distintivos que individualizam esses seres e objetos em entidades diferentes, o homem 
foi estruturando o mundo que o cerca, rotulando essas entidades discriminadas.” 
É por meio desses rótulos que o homem interage com a realidade. Dessa forma, 
diferentes grupos humanos classificaram a realidade de acordo com suas experiências, 
inseridos em contextos culturais distintos. Segundo Biderman (1998c, p. 179), 
 
[...] o vocabulário exerce um papel crucial na veiculação do significado, que é, afinal 
de contas, o objeto da comunicação lingüística. [...] o léxico é o lugar da estocagem 
da significação e dos conteúdos significantes da linguagem humana. [...] no aparato 
lingüístico da memória humana, o léxico é o lugar do conhecimento sob o rótulo 
sintético de palavras – os signos lingüísticos. 
 
O léxico é uma forma de registrar o conhecimento do universo que nos cerca, pois 
está diretamenterelacionado ao processo de nomeação e à apreensão cognitiva da realidade. 
Para Sapir (1961, p. 21), “O léxico de uma língua é que mais nitidamente reflete o 
ambiente físico e social dos falantes.” Dessa forma, o léxico representa um campo especial de 
depósito dos valores socioculturais de um povo, pois “[...] em certo sentido, a trama de 
padrões culturais de uma civilização está indicada na língua em que essa civilização se 
28 
 
expressa.” (SAPIR, 1961, p.21). 
Notemos que esse raciocínio coincide com a colocação de Biderman (1998a, p. 
12) de que o léxico é considerado um patrimônio vocabular das línguas naturais. 
 
Para as línguas de civilização, esse patrimônio constitui um tesouro cultural abstrato, 
ou seja, uma herança de signos lexicais herdados e de uma série de modelos 
categoriais para gerar novas palavras. Os modelos formais dos signos lingüísticos 
preexistem, portanto, ao indivíduo. No seu processo individual de cognição da 
realidade, o falante incorpora o vocabulário nomeador das realidades cognoscentes 
juntamente com os modelos formais que configuram o sistema lexical 
(BIDERMAN, 1998a, p. 12). 
 
Assim, o léxico assume diferentes papeis, pois nomeia ao mesmo tempo que 
designa, descreve, sugere, delimita etc. De acordo com Biderman (1998b, p. 112), “[...] 
quando o referente é um objeto da realidade física, a nomeação pode chegar a um grau 
máximo de identidade entre palavra e coisa referida praticamente identificando o nome com 
seu referente. É o caso dos nomes próprios, sobretudo topônimos.” 
 
3.2 Lexicologia, Onomástica e Toponímia: definições 
 
A ciência que estuda o léxico de uma língua é a Lexicologia. Segundo Biderman 
(2001, p. 16), “A Lexicologia, ciência antiga, tem como objetos básicos de estudo e análise a 
palavra, a categorização lexical e a estruturação do léxico.” 
O léxico, o objeto de estudo da Lexicologia, constitui-se, para Biderman (1998a, 
p. 11), como “[...] uma forma de registrar o conhecimento do universo.” A palavra, portanto, 
não é apenas uma forma de identificação, mas um registro que assegura a existência de um 
referente extralinguístico, que até o momento do batismo tinha sua existência despercebida 
pelo homem. 
Segundo Vilela (1994, p. 10), “A Lexicologia costuma ser definida como a 
ciência do léxico de uma língua [...] e tem como objeto o relacionamento do léxico com os 
restantes subsistemas da língua, incidindo, sobretudo, na análise da estrutura interna do 
léxico, nas suas relações e inter-relações.” 
Identificando a possibilidade de relacionar o léxico de línguas diferentes, Houaiss, 
Villar e Franco (2009, p. 1750) definem a Lexicologia como 
 
[...] parte da lingüística que estuda o vocábulo quanto ao seu significado, 
constituição mórfica e variações flexionais, sua classificação formal ou semântica 
em relação a outros vocábulos da mesma língua, ou comparados com os de outra 
língua, em perspectiva sincrônica ou diacrônica. 
 
29 
 
A Onomástica, por sua vez, representa um dos campos de investigação da 
Lexicologia. Para Dubois et al. (1993, p. 441), “Onomástica é o ramo da Lexicologia que 
estuda a origem dos nomes próprios. Divide-se, às vezes, esse estudo em antroponímia (que 
diz respeito aos nomes próprios de pessoa) e toponímia (que diz respeito aos nomes de 
lugar).” 
Esse posicionamento assemelha-se à colocação de Dick (2001, p. 81), para quem 
“o sistema onomástico utiliza-se dos mesmos constituintes disponíveis no léxico virtual de 
uma língua”, ou seja, as palavras que inicialmente integram o léxico de uso comum na língua 
passam à categoria de nomes próprios, ou topônimos, ao nomearem lugares. 
Na mesma perspectiva, Dick (1992) define a palavra toponímia como sendo de 
origem nas palavras gregas topos (lugar) e onyma (nome), significando “nome de lugar”, ou 
seja, a ciência que estuda a origem e a significação dos nomes de lugares. A pesquisadora 
considera que o estudo toponímico abrange os designativos geográficos de natureza física 
(rios, riachos, córregos, serra etc) e os de natureza antropocultural (aldeias, povoados, 
cidades, bairros, patrimônios etc). 
A Toponímia, como afirma Dubois et al. (1993, p. 590), “[...] é o ramo da 
Linguística que se ocupa da origem dos nomes de lugares, de suas relações com a língua do 
país, com as línguas de outros países ou com línguas desaparecidas.” 
Dick (1990, p. 22) considera que a toponímia representa algo além de um recorte 
do léxico da língua comum, é como um depósito de informações sócio-histórico-culturais. 
Dessa forma, os topônimos, 
 
[...] além de distinguirem, identificarem os acidentes de um determinado espaço 
geográfico, também se constituem como verdadeiros testemunhos históricos, 
podendo registrar fatos e ocorrências de momentos diferentes da vida de uma 
população, razão pela qual o nome adquire um valor que transcende ao próprio ato 
da nomeação. Assim, se a toponímia de uma região pode ser considerada como a 
crônica de um povo, registrando o presente para o conhecimento das gerações 
futuras, o topônimo configura-se como o instrumento dessa projeção temporal. 
(DICK, 1990, p. 22). 
 
Na mesma perspectiva, Dargel e Isquerdo (2005, s/p) salientam que a Toponímia 
não se detém apenas no estudo linguístico, ou seja, contrariam a concepção tradicional de que 
o estudo do topônimo limita-se à descrição intralinguística de busca da etimologia, da 
estrutura morfológica e do significado, pois se trata de uma “[...] disciplina de caráter aberto, 
inacabado, dinâmico e interdisciplinar.” 
Nieto Ballester (1997) considera que o estudo da origem dos nomes de lugares 
não é a única atribuição da Toponímia. O pesquisador espanhol afirma que 
30 
 
A toponímia (do grego topos, <<lugar>>, ónoma, <<nome>>) pode ser definida 
como o estudo da origem e significação dos nomes próprios de lugar, quer se trate 
de nomes próprios de núcleos de povoações (cidades, vilas, aldeias, etc), quer de 
nomes de regiões, de montes, de lagos, de mares, etc. Como tal disciplina científica 
é, por sua vez, uma parte dos estudos gerais de onomástica, disciplina esta que pode 
ser definida de forma mais geral como o estudo da origem e significação dos nomes 
próprios, sejam estes antropônimos (nomes próprios de pessoa), topônimos, 
etnônimos (nomes de povos ou estirpes) (NIETO BALLESTER, 1997, p. 11, 
tradução nossa)
8
. 
 
Esse posicionamento é claramente admitido pelo antropólogo e toponimista 
venezuelano Salazar-Quijada (1985), para quem a Toponímia representa “[...] o estudo 
integral, no espaço e no tempo, dos aspectos históricos, geográficos, econômicos, sócio-
antropológicos e lingüísticos, que permitiram e permitem que um nome de lugar tenha origem 
e subsista”. 
Nieto Ballester (1997, p. 12) também associa os estudos toponomásticos a outras 
áreas do conhecimento e acrescenta que a Toponímia se trata, essencialmente, de estudos 
linguísticos, por isso o pesquisador 
 
[...] deverá ter necessariamente importantes conhecimentos de fonética histórica, 
lexicologia, morfologia e dialetologia (entre outras áreas linguísticas) de uma ou 
mais línguas, em função do território estudado. Esta natureza linguística, contudo, 
não impede que sejamos bem conscientes do território em comum que a toponímia 
divide com outros estudos humanísticos. É importante dizer que da história do lugar, 
de sua economia, da flora e agricultura são absolutamente imprescindíveis em 
nossos estudos. A toponímia, portanto, necessita dos conhecimentos de todos estes 
campos de estudo e, por sua vez, proporciona dados de considerável valor a todos 
eles. (NIETO BALLESTER, 1997, p. 12, tradução nossa)
9
. 
 
O estudo toponímico está inserido no campo de investigação linguística, mas é 
importante que o pesquisador busque informações extralinguísticas relacionadas à história, à 
cultura e à geografia do território estudado para assegurar confiabilidade aos seus resultados 
no que dizrespeito, principalmente, à busca da motivação toponímia. É esta perspectiva 
extralinguística que caracteriza os estudos toponímicos atuais, em oposição ao tradicional 
 
8
 La toponimia (del griego topos, <<lugar>>, ónoma, <<nombre>>) puede ser definida como el estudio del 
origen y significación de los nombre propios de lugar, ya se trate de nombres propios de núcleos de población 
(ciudades, villas, aldeãs, etc.), nombres de regiones, de montes, de lagos, de mares, etc. Como tal disciplina 
científica es, a su vez, uma parte de los estudios generelaes de onomástica, disciplina ésta que puede ser 
definida más en general como el estudio del origen y significación de los nombres propios, ya sean éstos 
antropónimos (nombres propios de persona), topónimos, etnónimos (nombres de pueblos o estirpes) (NIETTO 
BALLESTER, 1997, p. 11). 
9
 [...] deberá tener necesariamente importantes conocimientos de fonética histórica, lexicologia, morfología y 
dialectología (entre otras parcelas lingüísticas) de una o más lenguas, en función del territorio estudiado. Esta 
natureza lingüística, con todo, no obsta para que seamos bien conscientes del territorio en común que la 
toponimia comparte con otros estudios humanísticos. Huelga decir que detalles de historia del lugar, de su 
economia, de flora y agricultura son absolutamente imprescindibles em nuestros estudios. La toponimia, pues, 
necesita de los conocimientos de todos estos campos de estudio y a su vez proporciona datos de considerable 
valor a todos ellos. 
31 
 
levantamento da origem e significação dos topônimos de um lugar. 
A partir das definições apresentadas anteriormente, percebemos que a Toponímia, 
atualmente, apresenta-se como um exercício interdisciplinar de investigação dos nomes de 
lugares. Apresentaremos a seguir alguns estudos toponímicos que seguiram este viés. 
 
3.3 Toponímia e interdisciplinaridade 
 
A Toponímia, atualmente, supera o caráter de mero diletantismo e abrange uma 
multiplicidade de perspectivas de investigação. Como afirma Dick (1992), “[...] é uma 
disciplina que se volta para a História, a Geografia, a Linguística, a Antropologia, a 
Psicologia Social e, até mesmo, à Zoologia, à Botânica, à Arqueologia, de acordo com a 
formação intelectual do pesquisador.” Nesta relação com outras áreas do conhecimento 
humano, a Toponímia “[...] recebe, ao mesmo tempo que lhes fornece, subsídios preciosos 
para suas configurações teóricas.” (DICK, 1992). 
No que concerne à relação entre Toponímia, Geografia e Cartografia, destacamos 
o trabalho de Santos (2005), que, preocupado com a problemática da padronização de nomes 
geográficos, sinaliza para a necessidade de criação de uma comissão de nomes geográficos no 
Brasil. Segundo o pesquisador, sob o viés geográfico, existe uma distinção entre topônimo e 
nome geográfico. O nome geográfico aparece como topônimo normalizado, padronizado que 
é usado como referência geográfica em registros cartográficos. 
De acordo com Dick (2007b, p. 463), inicialmente, a Toponímia utilizou o 
vocabulário de origem terminológico-geográfica, aplicado no processo de referencialização de 
acidentes geográficos. Nessa fase, o designativo de acidente geográfico era usado em função 
denominativa, como se fosse um nome, esse processo é chamado de toponimização do fato 
geográfico. Nesta circunstância, dispensava-se o uso de expressões substitutivas ou próprias, 
estabelecendo uma relação de iconicidade entre o referente e o signo toponímico. 
Na dimensão linguística, os topônimos podem ser estudados sob diferentes 
perspectivas: descrição dos estratos linguísticos registrados nos designativos de lugar, 
investigação sobre a motivação semântica dos topônimos, classificação taxionômica dos 
nomes, análise de taxes predominantes, descrição do percurso onomástico, relativo às 
mudanças de nomes (TAVARES, 2008). 
A partir das possibilidades de investigação das pesquisas toponímicas, observa-se 
que os estudos etnolinguísticos e dialetológicos são potencialmente enriquecedores. Ao 
diagnosticar estratos linguísticos diferentes em um conjunto de topônimos de um dado 
32 
 
território e ao relacioná-los aos povos que por lá passaram, serão evidenciados fatores 
culturais, linguísticos e sociais que constituem a memória social sobre um lugar, tornando os 
topônimos verdadeiros tesouros linguísticos testemunhos de sua história. 
Em Aspectos de Etnolinguística – a Toponímica carioca e paulistana – contrastes 
e confrontos, Dick (2003) propõe-se a fazer um estudo contrastivo simultâneo de duas 
regiões, diferentemente das práticas onomásticas comuns, em que se analisa uma área de cada 
vez. O objetivo do seu trabalho é verificar em que pontos os topônimos cariocas e paulistanos 
coincidem ou se diferem em dois campos, o geomorfonímico e hodonímico. Segundo a 
autora, 
 
na perspectiva sincrônica dos estudos contrastivos, a etnolinguística firmou-se como 
decorrência da necessidade de se entender as variantes e as invariantes sociais, bem 
como os níveis de linguagem que modelam os pensamentos e o modo de ser e de 
viver da população em análise. (DICK, 2003, s/p.). 
 
Observa-se, portanto, que a Toponímia serve-se dos dados etnolinguísticos e 
dialetológicos para descrever o léxico toponomástico. Dessa forma, complementa a linguista, 
 
O estudo da Toponímia brasileira, como parte aplicada da lingüística geral, envolve, 
principalmente, e antes de tudo, o reconhecimento dos estratos dialetais que 
estruturaram, no território, a forma de expressão vernacular. É desse ângulo maior, 
ou seja, do reconhecimento etnolinguístico das camadas superpostas que se poderá 
buscar, então, as diversidades gramaticais, semânticas e etnográficas dos registros 
onomásticos. (DICK, 2001, s/p). 
 
Sob a ótica dos estudos interdisciplinares, Dick (2008) apresenta em seu artigo A 
toponímia como meio de investigação linguística e antropocultural a relação entre 
Toponímia, Dialetologia e Etnolinguística. Segundo a pesquisadora, 
 
É pela conjunção dos diversos dialetos e falares presentes em um determinado 
território que se estrutura o léxico regional, considerando-se não só as tendências 
normalizadoras da língua-padrão como a presença de minorias étnicas ainda 
participativas ou, mesmo, como dado documental, se extintas. A Toponímia serve-
se, assim, dessa circunstância de base, equivalente ou próxima a um substrato 
vocabular, para aí deitar suas raízes, aproveitando-se do material lingüístico que 
mais se adéqüe à configuração dos conceitos que deve transmitir. (DICK, 2008, p. 
215-216). 
 
Nesta perspectiva, Dick (2008) constata que, por exemplo, em relação à toponímia 
oficial do Estado de Mato Grosso, existem pelo menos três estratos dialetais: o de origem 
ameríndia, representado por nomes bororos, do tronco Makro-jê; o de origem portuguesa, 
admitido desde o período de ocupação; e o de origem tupi, ou tupinambá, provavelmente 
estabelecido pelo índio nas bandeiras, ou por mamelucos e brasilianos falantes do dialeto. A 
pesquisadora admite que a Toponímia é responsável pela preservação de momentos históricos 
33 
 
vividos por um grupo e que, pela união ente Toponímia e Dialetologia, a tentativa de 
recuperar e compreender enunciados linguísticos de tempos pretéritos torna-se mais eficaz. 
Ainda no âmbito linguístico, a interface Toponímia e Lexicografia, embora menos 
privilegiada, surge como um campo valioso para os estudos onomásticos. Segundo Isquerdo e 
Castiglioni (2010, p. 295), 
 
é particularmente desafiadora a etapa relativa ao tratamento lexicográfico da 
toponímia, que implica na construção de um modelo de microestrutura, com base 
nos parâmetros gerais estabelecidos na metodologia geral do Projeto ATB, adequada 
a cada realidade regional e em consonância com os fundamentos da Lexicografia 
contemporânea. 
 
Contribuem para esta linha de análise nosestudos onomásticos os atlas 
toponímicos de cidades e regiões, os quais aceleram o processo de elaboração de obras 
lexicográficas por já apresentarem dados toponímicos sistematizados, a exemplo das fichas 
lexicográfico-toponímicas. 
Nesta perspectiva, encontra-se em fase inicial de elaboração o dicionário de 
topônimos sul-mato-grossenses que compõem o projeto ATEMS. Segundo Isquerdo e 
Castiglioni (2010, p. 303), a microestrutura dos verbetes sugerida para o Glossário de 
topônimos do Bolsão sul-mato-grossense, contém dados obrigatórios e optativos. 
São dados obrigatórios: topônimo, nome do acidente geográfico, tipo do acidente, 
localização, microrregião, taxionomia, origem, estrutura morfológica e nota, neste último 
item, a inserção de informações geográficas acerca do topônimo (localização no mapa, 
limites, etc.) configurou-se como obrigatória. E dados optativos: gentílicos, nomes anteriores, 
a variante lexical, a etimologia, o histórico, as informações enciclopédicas, o contexto e a 
remissiva. (ISQUERDO; CASTIGLIONI, 2010, p. 303). 
Sob a perspectiva das ciências do léxico, além da Lexicografia, muitos 
pesquisadores têm relacionado Onomástica à Terminologia. Segundo Braga (2008, p. 9), 
 
a Terminologia lida com conceitos, que fazem referência ao saber específico de uma 
área, enquanto a Onomástica lida com elementos mais culturais do que tecnológicos, 
com valores humanos, procurando demonstrar quais as influências sofridas para que 
certo nome fosse preferido ao invés de outro. 
 
Para a autora, as duas ciências também guardam semelhanças, como no que diz 
respeito ao direcionamento da análise, já que um nome de lugar pode vir a ser um termo e um 
termo pode tornar-se um nome de lugar. 
Ressaltamos, ainda, a relação entre Toponímia e Filologia, esta última se empenha 
na recuperação de documentos e textos diversos que constituem a memória escrita de um 
34 
 
povo, analisando os mais variados aspectos: linguístico, literário e sócio-histórico (SANTOS, 
2006, p. 79). Os textos editados por filólogos podem preservar verdadeiros tesouros 
linguísticos, sejam características ortográficas, sintáticas ou lexicais. 
Segundo Santos (2006, p. 79), 
 
a Filologia e a Linguística, portanto, têm mantido ao longo do tempo uma relação de 
complementaridade, ou seja, a Filologia textual, através do resgate e edição de 
textos, serve à Linguística, fornecendo subsídios que permitam caracterizar a língua 
atestada nos textos, estudando-os para obter os dados e classificá-los 
adequadamente, ocupando-se de explicar esses dados. 
 
Desse modo, a Filologia apresenta aos linguistas diversas possibilidades de 
estudo, tanto em perspectiva sincrônica, distante ou atual, como em perspectiva diacrônica. 
Para o campo de estudos do léxico, a Filologia pode contribuir com a recuperação de textos 
fidedignos a partir dos quais se pode identificar o estado da língua em uma determinada 
época, em seus aspectos fonético-fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos, bem 
como fornecer, para o caso específico da Toponímia, um corpus de denominativos de lugar 
que podem encontrar-se preservados apenas nestes documentos. 
Nesta perspectiva, a presente pesquisa tem como ponto de partida os 67 autos de 
querela editados por Ximenes (2006), a partir dos quais serão recuperadas características 
léxico-semânticas sobre os nomes de lugares que constituíam o território cearense no início 
do século XIX. Acreditamos que muitos registros toponímicos estão preservados nesses 
documentos e que eles podem revelar informações preciosas, tanto de natureza linguística, 
como histórica e social. 
 
3.4 O topônimo 
 
3.4.1 O signo linguístico, o signo toponímico e a questão da motivação 
 
Desde os tempos mais antigos, pesquisadores ocuparam-se do estudo da 
linguagem. Inicialmente associadas à filosofia, as reflexões sobre a natureza da linguagem 
apresentam perspectivas de análise complexas e distintas ao longo do tempo. Uma dessas 
reflexões diz respeito à ligação semântica entre objeto e nome. 
Segundo Carvalhinhos e Antunes (2007), a relação entre um objeto e seu nome já 
era questionada pelos gregos. No século II a.C., o gramático Dionísio, responsável pela 
elaboração da primeira gramática do mundo ocidental, descreveu o onoma como designativo 
de objetos, seres individuais e atividades humanas. 
35 
 
Carvalhinhos (2008) afirma que a questão do nome foi objeto de reflexão pelos 
gregos na Antiguidade. Os naturalistas, representados por Platão, acreditavam em uma 
correspondência intrínseca entre som e sentido. Já os convencionalistas, representados por 
Aristóteles, acreditavam que a relação semântica entre objeto e palavra advém de uma 
convenção, um contrato social. Esta última hipótese aproxima-se da noção de arbitrariedade 
do signo, formulada pelo linguista suíço Ferdinand de Saussure. 
As reflexões de Saussure mudaram o curso dos estudos linguísticos e o princípio 
da arbitrariedade do signo tem sido o centro de muitas discussões alimentadas por 
semanticistas, filósofos e linguistas. No início do século XX, Saussure apresenta a noção de 
linguagem como um sistema de signos. Para o linguista, o signo linguístico é composto por 
um significante, que é a “imagem acústica”, e um significado, que é o “conceito”. Nas 
palavras de Saussure (2006, p. 80)10, 
 
O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma 
imagem acústica. Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a 
impressão (empreinte) psíquica desse som, a representação dele nos dá o testemunho 
de nossos sentidos; tal imagem é sensorial e, se chegamos a chamá-la “material”, é 
somente neste sentido, e por oposição ao outro termo da associação, o conceito, 
geralmente mais abstrato. 
 
Essas duas faces do signo linguístico, significado e significante, são ambas 
psíquicas e é por meio de uma associação que elas estão unidas em nosso cérebro. Não existe 
signo linguístico sem significado e significante, pois esses elementos são indissociáveis. 
A relação entre significado e significante remete-nos a um dos princípios do signo 
linguístico formulados por Saussure, a questão da arbitrariedade. Essa arbitrariedade diz 
respeito apenas à ligação entre significado e significante, e não entre o signo e o objeto do 
mundo real. Dessa forma, para o linguista, “O laço que une o significante ao significado é 
arbitrário ou então, visto que entendemos por signo o total resultante da associação de um 
significante com um significado, podemos dizer mais simplesmente: o signo linguístico é 
arbitrário.” (SAUSSURE, 2006, p. 81). 
Ressalta ainda que o caráter arbitrário, ou imotivado, do signo linguístico não 
depende da livre escolha do indivíduo, uma vez que este signo é estabelecido em um grupo 
linguístico; portanto, o signo linguístico é social e convencional, ou seja, resulta de acordo 
coletivo entre os falantes. Este fato é exemplificado por Saussure pela ideia de “mar”, que não 
está ligada à sequência de sons m-a-r, ou seja, a ideia poderia ser representada por qualquer 
 
10
 A 1ª edição do Cours de Linguistique Générale, de Ferdinand de Saussure, é de 1916. Neste trabalho, 
utilizamos a 27ª edição, publicada em 2006, pela Editora Cultrix, São Paulo, traduzida por Antônio Chelini, 
José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 
36 
 
outra sequência. 
Embora a questão da imotivação seja admitida por muitos pesquisadores, 
Saussure não exclui totalmente a possibilidade de motivação do signo linguístico, para o 
linguista “[...] apenas uma parte dos signos é absolutamente arbitrária; em outras, intervém 
um fenômeno que permite reconhecer graus no arbitrário sem suprimi-lo: o signo pode ser 
relativamente motivado.” (SAUSSURE, 2006, p. 152). 
Em se tratando do signo toponímico em particular, Dick (1990, p. 34) sugere que 
 
“[...] o elemento linguístico comum, revestido,

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