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TRANSMISSÃO DE PREÇOS E INTEGRAÇÃO DE MERCADOS DE GÁS NATURAL NA EUROPA CONTINENTAL Rafael Garaffa Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento Energético, COPPE, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Planejamento Energético. Orientadores: Alexandre Salem Szklo André Frossard Pereira de Lucena Rio de Janeiro Fevereiro de 2016 TRANSMISSÃO DE PREÇOS E INTEGRAÇÃO DE MERCADOS DE GÁS NATURAL NA EUROPA CONTINENTAL Rafael Garaffa DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO INSTITUTO ALBERTO LUIZ COIMBRA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA DE ENGENHARIA (COPPE) DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS EM PLANEJAMENTO ENERGÉTICO. Examinada por: Prof. Alexandre Salem Szklo, D.Sc. Prof. André Frossard Pereira de Lucena, D.Sc. Prof. José Gustavo Féres, D.Sc. Prof. Helder Queiroz Pinto Junior, Ph.D. RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL FEVEREIRO DE 2016 Garaffa, Rafael Transmissão de Preços e Integração de Mercados de Gás Natural na Europa Continental / Rafael Garaffa – Rio de Janeiro: UFRJ/COPPE, 2016. XV, 195 p.: 29,7 cm. Orientadores: Alexandre Salem Szklo André Frossard Pereira de Lucena Dissertação (mestrado) - UFRJ/COPPE /Programa de Planejamento Energético, 2016. Referências Bibliográficas: p. 128-136 1. Gás Natural. 2. Integração de Mercados: Europa. 3. Transmissão de Preços. I. Szklo, Alexandre Salem et al. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE, Programa de Planejamento Energético. III. Título. iii Para Antonio Idaló Neto, em memória, meu eterno Mestre. iv AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço à minha família, agora ampliada com a chegada do pequeno Joaquim, a quem devo a alegria contida nas entrelinhas. O caminho até aqui não teria sido feito sem Clara, minha mulher, e sem minha mãe, Beth. É a elas a quem devo o meu maior agradecimento: a Clara, por me escolher diariamente para estar ao seu lado; e a Beth, por seu amor e apoio incondicionais. Agradeço a Abadia, Barrige, Camila, Cilene, Dudu, Fernando, Fialho, Jeni, Paulo, Paloma, Ruth, Roberto Lent e Salma (em memória), por tanto carinho e incentivo. Sou imensamente grato ao meu orientador, Alexandre Szklo, e ao meu co-orientador, André Lucena. Em pouco tempo de trabalho conjunto, tive o privilégio de conviver com seus exemplos de profissionalismo, retidão, excelência e capacidade na transmissão de conhecimento. Além de tantas qualidades, agora carrego duas novas amizades. Quero agradecer aos demais professores do Programa de Planejamento Energético (PPE), que tanto contribuíram em minha formação. Um agradecimento especial ao Professor Roberto Schaeffer, por seu exemplo e dedicação. Muito obrigado à toda equipe do PPE, pelo apoio prestado sempre eficiente e atencioso. Um agradecimento muito especial a Rudi Rocha de Castro pela amizade, incentivo e sábias orientações sempre. A Felipe Dias e ao professor Antonio Licha, pelo aprendizado e confiança. Muito obrigado aos novos amigos do PPE, mestrandos e doutorandos, e a toda equipe do Cenergia. Agradeço especialmente a Alex Koberle, Bruno Cunha, Esperanza González, Joana Portugal, Mauro Chavez Rodriguez, Pedro Rochedo, Raul Miranda, Rodrigo Milani e Talita Borges pelo apoio e troca de conhecimento, que tanto contribuíram para esta dissertação. Muitíssimo obrigado aos meus amigos de longa data pela torcida e carinho: André Wagner, Bernardo Bezerra, Dimitri Szerman, Fábio Bento, Fátima da Silva, Gabriel Ulyssea, Karla Coelho, Lipe Carvalho, Luiza Baldan, Margarida Quadro, Mayra Juruá, Rafael Bacha, Rodrigo Borges, Rodrigo Scofield e Thiago Renault. Por fim, quero agradecer a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo fomento no período março de 2014 a fevereiro de 2015, e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - FAPERJ pelo fomento Bolsa Nota 10 – E-01/2015 (Processo no E-26/200.428/2015) no período março de 2015 a fevereiro de 2016. v Resumo da Dissertação apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Ciências (M.Sc.) TRANSMISSÃO DE PREÇOS E INTEGRAÇÃO DE MERCADOS DE GÁS NATURAL NA EUROPA CONTINENTAL Rafael Garaffa Fevereiro/2016 Orientadores: Alexandre Salem Szklo André Frossard Pereira de Lucena Programa: Planejamento Energético O mercado de gás natural europeu evoluiu por meio de contratos de fornecimento de longo prazo indexados ao preço do petróleo. Ao longo dos anos 2000, o processo de liberalização conduzido pela Comissão Europeia (CE) levou ao desenvolvimento de mercados regionais de curto prazo (spot) baseados nos hubs. A CE almeja a formação de um único mercado de gás natural integrado através de mercados de curto prazo regionais. Qual o papel dos hubs neste processo? Esta dissertação testa a hipótese de que a liberalização resultou em um maior grau de integração entre os mercados regionais da Europa continental, levando à convergência de preços nos moldes da Lei do Preço Único (LOP). Para tanto, é avaliado o grau de integração dos mercados spot (entre 2013 e 2014) e industrial (entre 1991 e 2014) de Alemanha, Bélgica, França e Holanda, assim como a dinâmica de transmissão de preços entre estes mercados. Testes estatísticos e modelos (lineares e não lineares) autorregressivos (VAR e TVAR) e de correção de erros (VEC e TVEC) são aplicados. Os modelos permitem a caracterização de relações de integração, regimes de preços, identificação de custos de transação e oportunidades de arbitragem entre mercados. Os resultados mostram um alto grau de integração entre os mercados alemão, belga e holandês. O diferencial de preços do mercado alemão em relação aos demais é mais bem representado por relações não lineares. O hub TTF exerce um papel de referência, porém são necessários avanços para a formação de um mercado único liberalizado na Europa. vi Abstract of Dissertation presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements for the degree of Master of Science (M.Sc.) NATURAL GAS MARKET INTEGRATION AND PRICE TRANSMISSION IN CONTINENTAL EUROPE Rafael Garaffa February/2016 Advisors: Alexandre Salem Szklo André Frossard Pereira de Lucena Department: Energy Planning The presence of long-term contracts indexed to the oil price is a key feature of the evolution of the natural gas industry in Europe. The liberalization process conducted by the European Commission (EC) over the 2000’s led to the development of short-term regional markets based on hubs. The aim of the EC is to establish a single and integrated natural gas market. What is the role played by these hubs in this context? This dissertation tests the hypothesis that the liberalization process implies in greater degree of market integration, leading to regional price convergence, as stated by the Law of One Price (LOP). To do so, it assesses the price transmission dynamics and the degree of integration of the spot market (between 2013 and 2014) and of the industrial market (from 1991 to 2014) of Germany, Belgium, France and the Netherlands. Statistical tests, linear and nonlinear autoregressive and error correction models (VAR, TVAR, VEC and TVEC) are applied. These models allow to identify cointegration relations, price regimes, transaction costs and arbitrage opportunities between these markets. Results show a high degree of integration between German, Belgian and Dutch markets. Price differentials implies nonlinear behavior in German market. The TTF hub plays a leading role, but further development is required for a single liberalized market in continental Europe. vii SUMÁRIO INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1 MERCADO DE GÁS NATURAL EUROPEU . . . . . . . . . . 9 1.1 Histórico do Mercado de Gás Natural Europeu . . . . . . . . 9 1.1.1 Exploração e Produção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 1.1.2Transporte e Distribuição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 1.2 Transformação da Indústria de Gás Natural Europeia . . . . 24 1.2.1 Processo de Liberalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 1.2.2 Mercados Regionais e os Hubs . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 1.2.3 Estrutura Contratual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 2 PROCEDIMENTO METODOLÓGICO PARA AVALIAÇÃO DE COINTEGRAÇÃO E TRANSMISSÃO DE PREÇOS . . . 49 2.1 Revisão do Estado da Arte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 2.1.1 Lei do Preço Único . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 2.1.2 Modelos Não Lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 2.2 Procedimento Metodológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 2.2.1 Mercados Analisados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 2.2.2 Fluxograma Metodológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 2.3 Modelo Vetor Autorregressivo (VAR) . . . . . . . . . . . . . . 64 2.3.1 Análise da Estacionariedade em Séries Temporais . . . . . . . 64 2.3.2 Demais Testes Aplicados ao Modelo VAR(p) . . . . . . . . . 67 2.3.3 Diagnóstico dos Resíduos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 2.4 Modelo de Correção de Erros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 viii 2.4.1 Teste de Cointegração de Johansen . . . . . . . . . . . . . . . 72 2.5 Modelos com Limiar (Threshold) . . . . . . . . . . . . . . . . 73 3 RESULTADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 3.1 Mercado Spot . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 3.1.1 Apresentação e Tratamento dos Dados . . . . . . . . . . . . . 79 3.1.2 Testes de Raiz Unitária e Cointegração . . . . . . . . . . . . 81 3.1.3 Modelos de Correção de Erro . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 3.2 Mercado Industrial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 3.2.1 Apresentação e Tratamento dos Dados . . . . . . . . . . . . . 93 3.2.2 Testes de Raiz Unitária e Cointegração . . . . . . . . . . . . 96 3.2.3 Modelos Autorregressivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 4 DISCUSSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106 4.1 Mercado Spot . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106 4.1.1 Não Linearidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 4.2 Mercado Industrial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 4.2.1 Não Linearidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . 124 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128 APÊNDICE A – Códigos R Utilizados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 APÊNDICE B – Modelos VAR Rejeitados . . . . . . . . . . . . . . . . 154 APÊNDICE C – Material Complementar aos Resultados . . . . . . . 163 ix LISTA DE FIGURAS 1 Demanda por Gás Natural na UE-28 – 1990 a 2014. Valores em bilhões de metros cúbicos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 1.1 Rede de Gasodutos Europeia e Corredores de Fornecimento. . . . . . . 11 1.2 Produção de Gás Natural do Campo de Groningen, Holanda - 1960 a 2012. Valores em bilhões de metros cúbicos. . . . . . . . . . . . . . . . 12 1.3 Produção, Consumo e Comércio Internacional de Gás Natural na União Soviética – Período 1955–2001. Valores em bilhões de metros cúbicos. . 16 1.4 Cadeia de Valor do Gás Natural – Processo Físico e Mercados. . . . . . 20 1.5 Composição e Poder Calorífico Superior dos diferentes tipos de gás natural. Valores em Megajoules por metro cúbico. . . . . . . . . . . . . 21 1.6 Capacidade de Armazenamento Instalada e Em Construção – Países Selecionados – Ano 2014. Valores em bilhões de metros cúbicos . . . . 22 1.7 Exportações de Gás Natural para Países da UE-27 por Gasoduto e GNL em 2014. Valores em bilhões de metros cúbicos, % sobre o total e HHI. 25 1.8 Volumes Anuais Comercializados por Hub – 2011 a 2014. Valores em bilhões de metros cúbicos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 1.9 Quantidade de Contratos Futuros para 1 mês Comercializados pela ICE – jan/2013 a mar/2014. Comparação NBP vs. TTF. . . . . . . . . . . 37 1.10 Preço Médio Anual do Gás Natural na Alemanha (importação) vs. NBP Spot (índice Heren) – 1996 a 2014. Valores em US$ por MMBTU. . . . 40 2.1 Consumo Médio Anual de Gás Natural entre 1993 e 2013 – Países Selecionados. Valores em bilhões de metros cúbicos. . . . . . . . . . . . 60 2.2 Fluxograma – Procedimento Metodológico. . . . . . . . . . . . . . . . . 62 2.3 Cálculo do Valor do Limiar para o Modelo TVEC – Grid Search. . . . . 76 x 3.1 Boxplot das Séries de Preços dos hubs. Valores em Euros/MWh. . . . . 80 3.2 Quebra Estrutural da Série de Preços hubs. Valores em Euros/MWh. . 84 3.3 Séries de Preços Diários de Referência dos hubs – abril de 2013 a dezembro de 2014. Valores em Euros/MWh . . . . . . . . . . . . . . . 86 3.4 Preços Industriais para França, Bélgica, Alemanha e Holanda. Valores em Euros/MWh. Período 1991 a 2014. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 3.5 Boxplot das Séries de Preços Industriais – Alemanha, Holanda, Bélgica e França. Valores em Euros/MWh. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 3.6 Modelo TVAR para BG-NL. Valores em Euros/MWh. . . . . . . . . . . 104 3.7 Modelo TVAR para GE-NL. Valores em Euros/MWh. . . . . . . . . . . 104 4.1 Oportunidades de Arbitragem entre NCG e TTF. Valores em Euros/MWh. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 4.2 Oportunidades de Arbitragem entre NCG e ZTP. Valores em Euros/MWh. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114 C.1 Histograma e Gráfico Q-Q – VECM ZTP-TTF . . . . . . . . . . . . . . 185 C.2 Histograma e Gráfico Q-Q – VECM NCG-TTF . . . . . . . . . . . . . 186 C.3 Histograma e Gráfico Q-Q – VECM NCG-ZTP . . . . . . . . . . . . . 187 C.4 Histograma e Gráfico Q-Q – TVECM ZTP-TTF . . . . . . . . . . . . . 188 C.5 Histograma e Gráfico Q-Q – TVECM NCG-TTF . . . . . . . . . . . . 189 C.6 Histograma e Gráfico Q-Q – TVECM NCG-ZTP . . . . . . . . . . . . . 190 C.7 Histograma e Gráfico Q-Q – Modelo VAR BG-NL . . . . . . . . . . . . 191 C.8 Histograma e Gráfico Q-Q – Modelo VAR GE-NL . . . . . . . . . . . . 192 C.9 Histograma e Gráfico Q-Q – Modelo VAR BG-GE . . . . . . . . . . . . 193 C.10 Histograma e Gráfico Q-Q – Modelo TVAR BG-NL . . . . . . . . . . . 194 C.11 Histograma e Gráfico Q-Q – Modelo TVAR GE-NL . . . . . . . . . . . 195 xi LISTA DE TABELAS 1.1 Tarifas de Transporte entre os Pontos de Entrega do NCG, GPL e TTF. Valores em Euros/MWh para o mês de outubro (2007 a 2010) e média do período. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 1.2 Participação da Gazpron em Joint Ventures por País. Valores em % . . 45 1.3 Alternativas de Precificação para o Mercado de Gás Natural da Europa Continental. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 2.1 Revisão da bibliografia sobre transmissão de preços e integração de mercados de gás natural. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 2.2 Pontos de Conexão Físicos entre os hubs ZTP, TTF, NCG e PEG . . . 59 2.3 Aspectos, Dinâmica, Tipo de Variável e Fontes de Não-Linearidades em Integração de Mercados e Transmissão de Preços. . . . . . . . . . . . . 75 3.1 Testes de Raiz Unitária em Nível e Primeira Diferença das Séries de Preços hubs. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 3.2 Testes Bivariados de Johansen para Preços Spot de Referência - 10/2008 a 12/2014. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 3.3 Teste de Raiz Unitária de Zivot e Andrews para Séries de Preços hubs. Estatística t e Data da Quebra Estrutural das Séries. . . . . . . . . . . 83 3.4 Estatísticas Descritivas da Amostra - Mercado Spot. . . . . . . . . . . . 85 3.5 Testes de Causalidade de Granger - Mercado Spot. . . . . . . . . . . . . 87 3.6 Critérios de Informação de Akaike, Bayes e Hannan-Quinn paraModelos Estimados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 3.7 Modelos VEC para Preços Spot . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 3.8 Modelos TVEC para Preços Spot . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 xii 3.9 Testes de Hansen e Seo para Modelos 4, 5 e 6 – Cointegração Linear vs. Cointegração com Limiar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 3.10 Testes de Raiz Unitária em Nível e Primeira Diferença das Séries de Preços Industriais – Alemanha, Holanda, Bélgica e França. . . . . . . . 96 3.11 Testes Bivariados de Johansen entre Bélgica, França, Alemanha e Holanda. Preços Industriais – 1991 a 2014. . . . . . . . . . . . . . . . . 97 3.12 Testes de Raiz Unitária de Zivot e Andrews para Séries de Preços Industriais – Alemanha, Holanda, Bélgica e França. Valor da Estatística t e Data da Quebra Estrutural das Séries. . . . . . . . . . . 98 3.13 Estatísticas Descritivas da Amostra – Mercado Industrial. . . . . . . . . 98 3.14 Testes de Causalidade de Granger – Mercado Industrial. . . . . . . . . 99 3.15 Critérios de Informação de Akaike, Bayes e Hannan-Quinn para Modelos Estimados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 3.16 Modelos VAR para Preços Industriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 3.17 Modelos TVAR para Preços Industriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 3.18 Testes LR Bivariados de linearidade para Alemanha, Bélgica e Holanda – Linear Autorregressivo vs. Autorregressivo com Limiar. . . . . . . . . 105 4.1 Testes Bivariados de Johansen entre Bélgica, Alemanha e Holanda. Preços Industriais – 2000 a 2014. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 xiii LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACER Agency for the Cooperation of Energy Regulators ADF Augmented Dickey Fuller ARCH Autoregressive Conditional Heteroscedasticity BG Bélgica CE Comissão Europeia CP Curto Prazo CEGH Central European Gas Hub ENTSOG European Network of Transmission System Operators for Gas ERS Elliott, Rothenberg e Stock FR França GE Germany (Alemanha) GLP Gás Liquefeito de Petróleo GNL Gás Natural Liquefeito GPL Gaspool HHI Índice Herfindahl-Hirschman JB Jarque-Bera KPSS Kwiatkowski–Phillips–Schmidt–Shin LEBA London Energy Brokers Association LM Lagrange Multiplier xiv LP Longo Prazo LOP Law of One Price LR Likelihood Ratio MMBTU Milhões de British Thermal Unit MWh Megawatt-hora NBP National Balancing Point NCG NetConnect Germany NL Netherlands (Holanda) OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo PEG Point d’Échange de Gaz PSV Punto di Scambio Virtuale TIGF Total Infrastructures Gaz France TTF Title Transfer Facility TVAR Threshold Vector Autorregressive TVEC Threshold Vector Error Correction UE União Europeia VAR Vector Autorregressive VEC Vector Error Correction ZA Zivot e Andrews ZEE Zeebrugge hub ZTP Zeebrugge Trading Point xv INTRODUÇÃO Durante as décadas de 1960 e 1970, o uso do gás natural se consolidou na matriz energética europeia. Com o choque do petróleo, em 1973, os contratos de fornecimento baseados em preços fixos e custos de produção (cost plus) foram substituídos por mecanismos de precificação de longo prazo indexados a outras fontes energéticas, levando à reformulação da estrutura de precificação do fornecimento de gás natural. Ao longo destas décadas, predominou na indústria de gás natural europeia uma estrutura verticalmente integrada baseada em monopólios naturais constituídos por empresas nacionais. A partir do contrachoque do petróleo, em 1986, esta estrutura passou a ser contestada pelo paradigma da liberalização dos mercados, que compreendia medidas favoráveis à livre competição e à redução de preços aos consumidores. Em meados da década de 1980, Adelman et al. (1986, p. 3-12) destacaram a importância da formação de um mercado de curto prazo para o gás natural europeu, de sorte que o processo de transmissão de preço entre mercados resultasse em maior transparência da estrutura de precificação. On the other hand, in Western Europe, the price relevant to supply is hard to discern, in part because natural gas is sold to distributors and large end users at prices that are considered proprietary, and in part because there is no short term market by which to gain reliable information. And suppliers are willing to offer much more natural gas for long term sales than buyers are willing to take. Apesar das pressões pela reformulação da indústria de gás natural, e de alguns mecanismos regulatórios instaurados no início da década de 1990, a formalização do processo de liberalização do mercado de gás natural europeu ocorreu apenas, em 1998, com a Diretiva 98/30 da Comissão Europeia (CE). Ao longo da década de 2000, no âmbito de novas reformas regulatórias, este processo 1 se intensificou e deu origem a mercados de curto prazo (spot) baseados em hubs1. As crises de fornecimento do gás natural russo, ocorridas em 2006 e 2009, serviram como alerta a muitos países europeus sobre a importância da segurança energética. As crises se configuraram como janelas de oportunidade política para a afirmação de um discurso comum aos países-membro da Comissão Europeia, em uma estratégia de minimização de custos, para a formação de um mercado único de gás natural na Europa (MALTBY, 2013; GILARDONI et al., 2008). Nos últimos anos, a queda da produção dos campos do Mar do Norte e do campo de Groningen2 trouxe maior necessidade de importações, o que tem contribuído para a ampliar o grau de dependência dos países europeus. Em 2014, a razão entre as importações líquidas de gás natural divididas pelo consumo total (considerando estoques) doa países da UE-283 ultrapassou 65% (EUROSTAT, 2015a). Até o momento, a necessidade adicional de gás natural tem sido atendida pelo crescimento da produção norueguesa e pela oferta russa. O equilíbrio, porém, não ocorre somente pelo lado da oferta. Os anos seguintes à crise econômica de 2008 apresentaram forte redução da demanda. Além da queda no efeito atividade decorrente da crise, que resultou em migração de parte do parque industrial europeu para outras regiões, a redução na demanda também esteve associada à menor intensidade energética na indústria, a partir de 2003 (HONORÉ, 2014). A Figura 1 mostra que, após diversos anos de crescimento contínuo, houve uma reversão na tendência de crescimento e, em 2013, a demanda caiu para um 1Hubs são centros de interconexão físicos e/ou pontos de comercialização virtuais de uma rede ou atividade. 2Em 2015, a produção do campo de Groningen foi limitada a 27 bilhões de metros cúbicos anuais em função de uma decisão judicial, devido aos abalos sísmicos ocasionados pela exploração de gás natural (ICIS, 2015). 3Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Polônia, Portugal, República Tcheca, Romênia, Suécia. A UE-27 não considera a Croácia, incluída em julho de 2013 (EUROSTAT, 2015b). 2 patamar inferior a 500 bilhões de metros cúbicos anuais com volumes próximos a 410 bilhões de metros cúbicos para o ano de 2014. Em média, a repartição desta demanda permaneceu bem equilibrada entre os diferentes setores: residencial/comercial (35%), industrial (30%), geração elétrica (30%) e outros (5%) (EUROSTAT, 2015b; EUROGAS, 2014). Figura 1: Demanda por Gás Natural na UE-28 – 1990 a 2014. Valores em bilhões de metros cúbicos. Fonte: Eurostat (2015b) e Eurogas (2014). Em um cenário de estabilização da demanda no patamar atual, ou mesmo considerando uma pequena recuperação nos próximos anos, é provável que a oferta de gás natural excedente do mercado europeu seja direcionada a outros mercados, como o asiático. Esta é a estratégia adotada pela Rússia, com a Gazprom, que é responsável por cerca de 70% da produção de gás natural russa, desenvolvendo projetos para ampliar a oferta por gasodutoao mercado chinês, enquanto outras empresas, como a Rosneft, ampliam parcerias internacionais para atendimento à demanda asiática por GNL (MAREŠ e LARYŠ, 2012; GAZPROM, 2016). Caso contrário, em um cenário de severas restrições ao uso de combustíveis 3 fósseis, com o deslocamento do petróleo da matriz energética europeia, o forte crescimento da demanda por gás natural reforçaria a necessidade de investimentos para ampliação da oferta. Esta é a visão defendida por Adelman (2002, p. 187): Natural gas is increasingly free of control in Europe and Asia, as it has been in North America. Its growth will displace oil. Gas deposits now isolated and unused will be exploited for out-shipment in pipelines, in tankers as LNG and as light products from the newly proved gas-to-liquids conversion. Embora estudos recentes apontem o gás natural como uma fonte capaz de realizar a transição a uma matriz de baixo carbono (MOHAREB e KENNEDY, 2014; BIROL et al., 2013; LEE et al., 2012), ainda não está claro qual será seu papel nesta transição. De acordo com Economides e Wood (2009), o gás natural ocupará cada vez mais espaço na matriz energética mundial, com a abertura de novos mercados e o crescimento da capacidade de produção e transporte. Entretanto, a expansão da oferta de gás natural está relacionada a elevados investimentos em infraestrutura de transporte, para atendimento a mercados (em grande parte) cativos, e com a presença de custos irrecuperáveis4 associados a ativos específicos. A viabilidade dos investimentos em infraestrutura, e da expansão da oferta, está intrinsicamente relacionada à estrutura de precificação. Historicamente, o mercado de gás natural europeu evoluiu por meio da contratação de longo prazo baseada em cláusulas take-or-pay5. A partir da década de 1960, os contratos de exportação do gás do campo de Groningen, na Holanda, tornaram-se o referencial do mercado europeu. Em uma época em que a oscilação do preço internacional do petróleo não era um problema, a indexação do preço de venda aos principais produtos substitutos – notadamente, o petróleo e seus derivados, como óleos leves e pesados – assegurou a rentabilidade necessária para a expansão da malha 4Custos irrecuperáveis (sunk costs) são aqueles que uma firma é incapaz de recuperar ao deixar o mercado, seja com a venda ou o reúso de um ativo. Isto é, os custos, uma vez incorridos, não podem ser recuperados, o que impõe barreiras à saída do mercado (BAUMOL et al., 1982). 5Pela cláusula take-or-pay, o comprador assume a obrigação de pagar por uma quantidade mínima de gás natural contratada, independente do volume efetivamente retirado (MATHIAS, 2008). O objetivo é preservar o equilíbrio físico e econômico-financeiro do contrato. 4 de transporte de gás natural europeia (KONOPLYANIK, 2012). Com o processo de liberalização do mercado, as formas de contratação do fornecimento tradicionalmente estabelecidas em contratos de longo prazo passaram a ser contestadas pelo desenvolvimento de mercados regionais de curto prazo baseados nos hubs. Em alguns casos, as companhias produtoras têm flexibilizado determinadas cláusulas contratuais, o que tem levado a modelos híbridos de contratação do fornecimento. No entanto, em seu Relatório Anual de 2014, a Statoil ASA (2015, p. 43) aponta que, embora realize comercialização no mercado spot, parte substancial de seus contratos ainda é de longo prazo: Statoil transports and markets approximately 70% of all NCS (Norwegian Continental Shelf) gas and has a growing US gas position. A significant proportion of Statoil’s gas sales contracts are sold under long-term contracts that typically run for 10 to 20 years or more. These sales are carried out with large industrial customers, power producers and local distribution companies. In addition gas is sold through short-term contracts and trading on European liquid marketplaces both in the UK and on the European Continent. Por outro lado, a Comissão Europeia segue com o processo de reformas regulatórias para a formação de um mercado único e integrado de gás natural na Europa. A mudança para um sistema de comercialização por entrada e saída (entry- exit), precificado em base spot pela relação de equilíbrio entre oferta e demanda, coloca em campos opostos os interesses e estratégias das principais companhias produtoras e da CE (YAFIMAVA, 2013; KRATOCHVÍL e TICHỲ, 2013). Diante deste quadro de transformações no mercado europeu, surgem algumas questões que são objeto de análise desta dissertação. O aumento dos índices de comercialização nos mercados de curto prazo tem levado à integração de mercados regionais? Qual o papel dos hubs neste processo? Há oportunidades de arbitragem entre os hubs? Os preços spot definem os preços do mercado industrial? Destarte, o objetivo geral desta dissertação é realizar uma análise sobre as implicações do processo de liberalização conduziado pela Comissão Europeia para 5 o mercado de gás europeu6, no qual a formação de um mercado (spot) atua como forma de contestação dos contratos de longo prazo indexados ao preço do petróleo. Para tanto, lança a hipótese de que o processo de liberalização resulta em um maior grau de integração entre mercados regionais da Europa continental, levando à convergência de preços nos moldes da Lei do Preço Único (LOP). Em decorrência deste objetivo geral, surge a necessidade de definir o seguinte objetivo específico: avaliar o processo de transmissão de preços e o grau de integração entre os mercados da Europa continental. Para tal, são empregados modelos de forma reduzida que permitem a distinção das relações de integração de curto e longo prazo entre mercados cointegrados; a identificação dos custos de transação e oportunidades de arbitragem associadas a estes mercados; e a identificação de diferentes regimes de preço. Além deste capítulo introdutório e de um capítulo final com conclusões e recomendações, outros quatro capítulos compõem a estrutura desta dissertação. O Capítulo 1 descreve o processo de formação histórica do mercado de gás natural na Europa, a partir dos três principais corredores de fornecimento estabelecidos ao longo das décadas de 1960 e 1970. Em seguida, aborda o processo de liberalização conduzido pela Comissão Europeia, para a formação de um mercado único de gás natural europeu. As transformações da estrutura contratual e da precificação do gás natural são tratadas como consequência deste processo. Ao final, o capítulo enfatiza o papel dos hubs no estabelecimento de um modelo de transporte de entrada e saída centrado em zonas únicas de comercialização, contrapondo-o aos interesses dos principais fornecedores, como a Rússia, na manutenção de contratos indexados ao preços do petróleo e seus derivados. Trata-se, portanto, da contextualização do problema. 6Particularmente, o mercado britânico não foi avaliado porque seu processo de liberalização é anterior ao conduzido pela Comissão Europeia, razão pela qual a análise está voltada para a Europa continental. 6 A revisão do estado da arte sobre integração de mercados de gás natural e transmissão de preços, no âmbito da LOP, é o objeto inicial do Capítulo 2. Trata-se de um campo de estudos com largo desenvolvimento na área da Economia Agrícola, devido às análises de preços de commodities, e que, pode ser ampliado por investigações no campo da Economia da Energia. A partir da definição dos conceitos de integração de mercados e transmissão de preços na literatura científica, é proposto um procedimento metodológico para testar a hipótese sobre integração de mercados regionais lançada. Em seguida, são apresentados os mercados spot e industrial de Alemanha, Bélgica, França e Holanda selecionados para a análise. Como encerramento do capítulo, são descritos os testes estatísticos empregados, assim como os modelos (lineares e não lineares) autorregressivos (VAR e TVAR) e de correção de erros (VEC e TVEC) utilizados. A rotina computacional desenvolvida noprograma R Studio para a análise dos dados e o desenvolvimento dos modelos é apresentada no APÊNDICE A – Códigos R Utilizados. O escopo do Capítulo 3 é apresentar a base de dados, os testes estatísticos empregados e os resultados dos modelos estimados para os mercados spot e industrial analisados. O APÊNDICE B – Modelos VAR Rejeitados – reporta os resultados dos modelos autorregressivos rejeitados, enquanto o APÊNDICE C – Material Complementar aos Resultados – traz resultados adicionais aos testes de raiz unitária, além de histogramas e gráficos utilizados para a análise da normalidade dos resíduos. O Capítulo 4 traz a análise e discussão dos resultados dos modelos estimados para os mercados spot e industrial, à luz da hipótese sobre integração e transmissão de preços proposta. São abordadas as implicações dos resultados dos modelos para os mercados de gás natural selecionados, as oportunidades de arbitragem e regimes de preço identificados, assim como limitações nos modelos escolhidos. O capítulo 7 procura debater as formas de contratação e precificação do gás natural emergentes do processo de liberalização do mercado de gás natural europeu, e avaliar qual o papel que exercem os hubs europeus sobre a formação do preço. 8 1 MERCADO DE GÁS NATURAL EUROPEU Caracterizar o processo de formação do mercado de gás natural na Europa é importante para a análise de transmissão de preços e integração de mercados desta pesquisa. A partir de três principais corredores de fornecimento estabelecidos ao longo da década de 1970, diversos países da Europa ampliaram a inserção do gás natural em suas matrizes energéticas. Desde então, uma densa estrutura de gasodutos foi desenvolvida, ampliando opções de oferta do produto e atingindo novos mercados. O processo de liberalização que vem sendo conduzido pela Comissão Europeia, desde a década de 1990, tem por objetivo integrar estes mercados e formar um mercado único de energia em toda a Europa. Este processo tem levado à transformação da estrutura contratual e da precificação do gás natural. O papel exercido pelos hubs, ou pontos de comercialização físicos e virtuais de gás natural, é um aspecto central neste processo. As seções a seguir apresentam, com maior detalhe, a formação do mercado de gás natural na Europa. 1.1 Histórico do Mercado de Gás Natural Europeu Na Europa, o uso do gás natural é um fenômeno recente. A origem do uso de combustíveis gasosos, contudo, remete ao final do século XVIII, quando diversos experimentos eram realizados para produção de gases a partir do carvão ou lenha. O sucesso destas experiências levou ao uso do gás manufaturado na iluminação pública (city gas)1. Em diversos países, como Inglaterra, Bélgica, França 1Em 1804, Frederick Winsor realizou a demonstração do uso do gás para iluminação, em Londres. Poucos anos depois, em 1812, estabeleceu a Gas Light and Coke Company, sendo uma das cerca de 200 empresas que, em 1829, forneciam gás manufaturado nas principais cidades britânicas (WILLIAMS, 1981). 9 e Holanda, o crescimento da população urbana2 resultou em maior demanda por serviços energéticos. A iluminação a gás, até então, oferecia melhor qualidade, o que fez com que o número de fornecedores crescesse rapidamente nos principais centros urbanos – a Inglaterra, ao fim do século XIX, chegou a contar com mais de 700 empresas fornecedores de gás (RUTTER e KEIRSTEAD, 2012). Com a difusão do bulbo elétrico na iluminação pública, o gás manufaturado passou a sofrer forte concorrência e ganhou importância em outros usos, como cocção, aquecimento de água e de ambiente. Durante o século XX, a rede de gasodutos de baixa pressão constituída para o transporte e distribuição do gás manufaturado de baixo poder calorífico facilitou a transição ao gás natural. Além do acesso a recursos, isto se deu também devido ao desenvolvimento tecnológico, já que o avanço dos processos siderúrgicos levou à adoção de materiais mais resistentes e permitiu o transporte remoto de gás natural sob maior pressão. Entretanto, o desenvolvimento de sistemas nacionais de transporte e distribuição de gás natural, ocorreu, em maior escala, somente a partir do final da II Guerra Mundial. Peebles (1980, p. 119) destaca que, no caso holandês, esta transformação esteve associada à descoberta e ao desenvolvimento de uma grande região produtora: "To sum up, by the early 1960, just before the introduction of Groningen natural gas, the following broad patterns of gas supply and distribution had been built up in the Netherlands". 1.1.1 Exploração e Produção A descoberta de reservas de gás natural, na Europa, decorreu da busca por petróleo como fonte de energia substituta ao carvão. Além da Holanda, ao longo da década de 1970, Noruega, Argélia e União Soviética destacaram-se como os principais produtores, cujo excedente, resultou na formação de três grandes 2Em 1860, cerca de 50% da população inglesa já era urbana, enquanto que Holanda, Bélgica e França este percentual era de, no máximo, 25% (MALANIMA e VOLCKART, 2010). 10 corredores de fornecimento de gás natural, por gasoduto, para a Europa: (i) Norte – Groningen / Mar do Norte, (ii) Leste – Rússia; e (iii) Sul – Argélia. A Figura 1.1 mostra a rede de gasodutos europeia e do norte africano, com destaque para os três corredores de fornecimento. Figura 1.1: Rede de Gasodutos Europeia e Corredores de Fornecimento. Fonte: adaptado de Carvalho et al. (2014). As subseções a seguir descrevem brevemente a formação destas três rotas de fornecimento. 1.1.1.1 Corredor Norte – Groningen / Mar do Norte A descoberta de enormes reservas de gás no campo de Groningen, em 1959, na Holanda, transformou o mercado de gás natural europeu. Por se tratar de um campo terrestre de gás natural não-associado, seu desenvolvimento ocorreu rapidamente. A produção3, que teve início em 1963, atingiu patamares acima de 3Vale notar que o gás de Groningen possui grande quantidade de nitrogênio (cerca de 14%), reduzindo seu poder calorífico para cerca de 8.400 kcal/m2. 11 80 bilhões de metros cúbicos anuais durante a primeira metade da década de 1970 (Figura 1.2 abaixo). Figura 1.2: Produção de Gás Natural do Campo de Groningen, Holanda - 1960 a 2012. Valores em bilhões de metros cúbicos. Fonte: The Netherlands (2013). Com isso, houve sobreoferta de gás natural no mercado holandês e, ao final da década de 1960, a Holanda já exportava cerca de 50% de sua produção para outros mercados, como o alemão, o belga, o francês e o italiano. Inicialmente, em um período de queda dos preços da energia, os contratos de exportação foram firmados a preços fixos por períodos de 20 a 25 anos, o que favoreceu a recuperação do grande volume de investimentos realizado para a expansão das redes de transporte e distribuição. Contudo, depois do primeiro choque do petróleo, em 1973, os contratos foram revisados para que fossem incluídos mecanismos de precificação atrelados ao preço do petróleo que assegurassem maior flexibilidade ao preço de comercialização do gás natural (PEEBLES, 1980; CORRELJÉ, 2004). Além da obrigatoriedade mínima estabelecida pelas cláusulas take-or-pay, outras provisões foram introduzidas posteriormente, nestes contratos, como as cláusulas-destino (destination clauses) – para eliminar a possibilidade de arbitragem entre mercados com diferentes custos de transporte –, e a prática de revisões periódica dos preços – devido à volatilidade decorrente da indexação ao 12 preço do petróleo (ENERGY CHARTER SECRETARIAT, 2007). O interesse pela exploração e produção levou os países da região do Mar do Norte a firmaram acordos para estabelecer os limites de exploração de óleo e gás na plataforma continental4. Ao final de década de 1960 e início da década de 1970, a descoberta de grandes reservatórios nos campos Ekofisk, Frigg, Forties e Brent ampliou ainda mais o interesse das companhias petrolíferas pela exploração e produção no Mar do Norte. A rentabilidade destesprojetos atraiu novas empresas produtoras ao longo dos anos de 1970. O sucesso exploratório destes reservatórios resultou em aumento da oferta de gás associado, que foi direcionado para o mercado europeu, e para o qual Reino Unido e Noruega passaram a fornecer seu excedente de produção de gás natural. Entre 1993 e 1999, a entrada de cinco gasodutos em operação – Zeepipe I e II, Europipe I e II, e Franpipe – conectou a produção norueguesa, respectivamente, aos mercados belga, alemão e francês, coincidindo com o início da produção de grandes volumes do campo de Troll, em 1995 (ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION / U. S. DEPARTMENT OF ENERGY - EIA/DOE, 2015). Diferentemente da Noruega, o Reino Unido adotou uma estratégia de intensa depleção de suas reservas. Desde o ano 2000, o país registra declínio de sua produção de petróleo e gás natural, o que vem ampliando sua dependência energética. Atualmente, de acordo com British Petroleum (2015), a Noruega responde por cerca de 24% do gás consumido em países da UE-28, enquanto que o Reino Unido, somente 3% (CORRELJÉ, 2004; YERGIN, 2010). 4Reino Unido e Noruega firmaram acordo, em 1965, enquanto que Dinamarca, Holanda e Alemanha, o fizeram em 1969. 13 1.1.1.2 Corredor Leste – Rússia Além da oferta de gás natural proveniente do corredor Groningen / Mar do Norte, o corredor leste foi fundamental para a consolidação do gás natural na matriz energética europeia. Na antiga União Soviética, o gás natural fora descoberto associado ao petróleo, na região de Baku, no Mar Cáspio, na década de 1870. De acordo com Peebles (1980), poucos anos depois da Revolução de Outubro, em 1917, cerca de 130 milhões de metros cúbicos de gás natural eram consumidos na União Soviética, sendo que, com a introdução dos planos quinquenais soviéticos, em 1928, o consumo ultrapassou 300 milhões de metros cúbicos. Ainda, segundo Peebles (1980), em 1946, com a inauguração da primeira linha troncal de longa distância, ligando Saratov a Moscou (788 km de extensão), o consumo interno ultrapassou 4 bilhões de metros cúbicos anuais. O programa de modernização da infraestrutura do governo de Nikita Kruschev, a partir da metade da década de 1950, levou a União Soviética a intensificar as buscas por petróleo no próprio território e o sucesso exploratório resultou em uma maior expansão do sistema de transporte e distribuição de gás natural. Em 1956, a construção do gasoduto troncal Stavropol – Moscou (com 1.256 km de extensão) marcou a criação do sistema unificado de distribuição, fazendo com que o consumo triplicasse em, aproximadamente, quatro anos – de 10,4 bilhões de metros cúbicos de gás natural, em 1955, para 29,9 bilhões de metros cúbicos, em 1959 (PEEBLES, 1980; VICTOR e VICTOR, 2006). Na segunda metade da década de 1960, o gás natural, que sempre esteve em segundo plano diante da busca por petróleo, assumiu maior importância com descoberta de grandes reservas na região da Sibéria. Segundo Peebles (1980), sua participação na energia primária total produzida cresce de 2%, em 1955, para 17%, em 1968, o que se reflete em um crescimento da rede troncal de gasodutos superior a 50 mil km, entre 1960 e 1970. Desde então, até o início da década de 1990, a rede 14 é continuamente ampliada e alcança mais de 200 mil km de linhas troncais, com diâmetros entre 100 e 140 centímetros5. Os gasodutos atravessavam territórios que faziam parte da União Soviética, como Bielorrússia e Ucrânia, ou estavam sob forte influência da política soviética, como a Tchecoslováquia, reduzindo os riscos associados à interrupção do fornecimento do gás soviético a outros mercados (VICTOR e VICTOR, 2006). A conexão dos campos do oeste da Sibéria (Zapolyarnoye, Urengoy e Yamburg) à rede de transporte e distribuição, além de atender ao crescimento do mercado interno, permitiu a exportação de gás natural, principalmente, a partir do primeiro choque do petróleo, quando a União Soviética ampliou suas exportações para o mercado europeu – entre 1968 e 1977, foram assinados 11 contratos de exportação de gás para mercados da Europa ocidental, tendo como referência os contratos de exportação do campo de Groningen (PEEBLES, 1980; VICTOR e VICTOR, 2006). Figura 1.3 mostra o forte crescimento dos mercados interno e externo de gás natural, na União Soviética, desde a segunda metade da década de 1950. É interessante notar a presença de importações do Afeganistão e do Irã, durante a década de 1970. Este volume complementava a produção interna para atendimento, principalmente, da indústria e da geração termelétrica. 5Segundo Kennedy (1993), este sistema atendia a mais de 500 campos produtores e envolvia 376 estações de compressão, 46 estações de armazenamento subterrâneas e 6 plantas de processamento de gás natural. 15 Figura 1.3: Produção, Consumo e Comércio Internacional de Gás Natural na União Soviética – Período 1955–2001. Valores em bilhões de metros cúbicos. Nota: As fontes consultadas não informam sobre o volume de perdas e queima em flare. Não há como dirimir se os dados de produção/consumo são líquidos ou brutos. Fonte: adaptado de Peebles (1980) e Victor e Victor (2006). Durante a segunda metade da década de 1970, com a sobreoferta de gás natural proveniente dos campos da Sibéria, a União Soviética se firma como exportadora líquida de gás natural. As exportações que, inicialmente, estavam concentradas em poucos países, como Áustria, Polônia e Tchecoslováquia, rapidamente alcançaram grandes mercados, como o alemão (oriental e ocidental), italiano, búlgaro e francês, ampliando a importância do gás natural na balança comercial soviética e consolidando seu papel na geopolítica energética europeia. A independência das Repúblicas soviéticas, em 1991, elevou o número de países pelos quais são transitados volumes de gás natural até o mercado europeu, alterando sua geopolítica energética. Contudo, isto não impediu a Rússia de se 16 consolidar como o principal fornecedor ao mercado europeu. Em 2006, a Gazprom renovou os contratos de longo prazo com seus principais clientes europeus – OMV, ENI, E.ON-Ruhrgas e Gaz de France – com prazos de duração entre 20 e 30 anos (ENERGY CHARTER SECRETARIAT, 2007). Atualmente, de acordo com British Petroleum (2015), o país responde por cerca de 36% do volume de gás natural consumido nos países da UE-28. 1.1.1.3 Corredor Sul – Argélia A formação de um corredor sul de fornecimento de gás natural para a Europa esteve, inicialmente, ligada ao desenvolvimento do mercado italiano. Desde a década de 1950, a Itália expandira sua rede de gasodutos de transporte, em função das descobertas de volumes de gás não associado ao longo do vale do rio Pó, que atravessa a região norte do país. A busca por outras fontes de recursos levou à italiana ENI – empresa criada a partir da AGIP, em 1953, sob o comando de Enrico Mattei6 – a uma rápida internacionalização. Diversos acordos comerciais com países produtores, como Egito, Irã, Marrocos e Líbia, foram estabelecidos ao longo das décadas de 1950 e 1960. Durante a década de 1970, acordos de importação de gás natural também foram estabelecidos com Holanda e União Soviética (HAYES, 2006). Os contratos de comercialização realizados com a Argélia contribuíram para a formação de outra importante rota de fornecimento do gás natural para a Europa. Em 1964, a Argélia inaugurou sua primeira planta comercial de GNL (gás natural liquefeito) para abastecer os mercados britânico e francês. A partir da década de 1970, com nacionalização e o domínio da Sonatrach7 sobre a produção de óleo e gás do país, os investimentos em infraestrutura de transporte foram ampliados. A 6Para maiores detalhes sobre a história da empresa ver Pozzi (2003). 7A Sonatrach é a NOC – National Oil Company – argelina. A companhia foi fundada em 1963 e, a partir de 1971, com a nacionalização das reservas, passou a controlar todas as etapas da cadeia de petróleo na Argélia. Nos anos seguintes, devido a um forte programade investimentos, a Sonatrach ampliou a produção, alcançando a internacionalização, tornando-se uma grande empresa exportadora. 17 Argélia diversificou suas exportações de GNL para outros mercados. Em 1973, a ENI firmou um contrato de fornecimento de 11,75 bilhões de metros cúbicos com a Sonatrach, por um período de 25 anos. O primeiro fornecimento de gás argelino para a Itália ocorreu dez anos depois, em 1983, devido a atrasos no projeto para a construção do gasoduto TransMed, que liga o campo argelino de Hassi R’Mel a Sicília, na Itália. A demora nas negociações para a realização de um acordo comercial que assegurasse a passagem do gasoduto pela Tunísia também contribuiu para o atraso no fornecimento. De acordo com Hayes (2006, p. 11), devido a dificuldades com os projetos de GNL na Argélia, a opção pelo gasoduto tornou-se viável economicamente para a Sonatrach: The pipeline option was also strongly favored by Sonatrach and the Algerians. Their costly experience with LNG exports in the 1970s made a pipeline appear an attractive option. A pipeline from the Hassi R’Mel gas field to the Tunisian border was shorter than a new pipeline to the Northern Mediterranean coast to deliver gas to an LNG liquefaction terminal (Skikda, Arzew, or some new plant). Most importantly, at the end of a Transmed pipe would be a cash payment from ENI—not a multi-billion dollar investment in a liquefaction terminal. Neste sentido, a autonomia política e financeira da ENI e da Sonatrach foram decisivas para a conclusão do projeto TransMed. Atravessar o canal da Sicília com três gasodutos de 20 polegadas, 155 km de extensão, a uma profundidade de 610 metros representava, à época, um desafio técnico para as duas empresas envolvidas no projeto. Durante a década de 1990, o gasoduto Maghreb-Europa (MEG) foi construído ligando a Argélia a Córdoba, na Espanha. Em 2004, foi concluído o Greenstream, ligando a Líbia a Itália; e, em 2011, o Medgaz, que ligou a Argélia a Almeria, na Espanha. Há, ainda, outros projetos, como o Galsi, ligando a Argélia a Itália, via Sardenha, e o Trans Saharan, desde a Nigéria até a Argélia. Atualmente, a Argélia fornece cerca de 9% do gás consumido nos países da UE-28, por gasoduto e por GNL (BRITISH PETROLEUM, 2015). 18 1.1.2 Transporte e Distribuição O sistema de gasodutos troncais do norte europeu surgiu próximo aos centros de consumo. A topografia e alta densidade populacional da região dificultaram a expansão deste sistema, implicando em maior investimento por quilômetro de rede, quando comparado a outros sistemas, como o norte-americano. Ainda assim, em função da proximidade entre os mercados e da sobreferta inicial, trata-se de um sistema transnacional desde sua concepção. No início da década de 1970, a rede troncal de gasodutos europeia contava com cerca de 40 mil quilômetros de extensão, com destaque para o denso sistema do norte holandês, construído entre 1964 e 1967, para escoar a produção do campo de Groningen e dos campos em desenvolvimento no Mar do Norte (HAFERKAMP, 1971). A formação dos três corredores de fornecimento descritos acima está diretamente ligada ao desenvolvimento destas redes de transporte. A Figura 1.4 ilustra como o transporte é o componente central da cadeia de valor do gás natural, conectando regiões produtoras (processo físico) e consumidoras (mercados). 19 Figura 1.4: Cadeia de Valor do Gás Natural – Processo Físico e Mercados. Fonte: adaptado de Midthun e Tomasgard (2010). O gás natural que chega ao mercado europeu é formado, essencialmente, por metano (gás seco). A riqueza do gás natural está nos hidrocarbonetos associados, que são separadas em unidades de tratamento e processamento. Em seguida, diferentes subprodutos do gás natural serão destinados a mercados específicos, como a indústria petroquímica, por exemplo. A Figura 1.5 abaixo mostra a composição do gás natural de acordo com o poder calorífico. 20 Figura 1.5: Composição e Poder Calorífico Superior dos diferentes tipos de gás natural. Valores em Megajoules por metro cúbico. Fonte: adaptado de Gassco (2015). O papel central exercido pelo transporte de gás natural levou à formação de uma indústria de rede caracterizada pela necessidade de investimentos iniciais elevados e não recuperáveis. A infraestrutura, que envolve dutos, estações de compressão e bombeamento, dificilmente é reaproveitada, o que implica em custos irrecuperáveis (sunk costs). Por sua vez, esta estrutura de custos repercute diretamente sobre a precificação do gás natural e sobre as formas de contratação do seu fornecimento para os mercados. A típica cadeia de valor para o gás natural compreende, essencialmente, cinco etapas: i. Exploração, desenvolvimento e extração (produção); ii. Tratamento e processamento; iii. Entrega do produto à rede de transporte ou liquefação; iv. Transporte, armazenamento e fornecimento a grandes consumidores; e v. Distribuição, armazenamento e fornecimento a demais consumidores. A atual infraestrutura europeia para transporte de gás natural é extensa e interconectada (EUROPEAN NETWORK OF TRANSMISSION SYSTEM 21 OPERATORS FOR GAS - ENTSOG, 2015). Além da rede gasodutos8, países com capacidade de armazenamento instalada, como Alemanha e Itália, são capazes de atenuar efeitos sazonais e de dependência de fontes externas (Figura 1.6). Figura 1.6: Capacidade de Armazenamento Instalada e Em Construção – Países Selecionados – Ano 2014. Valores em bilhões de metros cúbicos Fonte: Gas Infrastructure Europe - GIE (2015). Historicamente, o segmento de transporte se estabeleceu como um monopólio natural9. Com poucas exceções, como a Alemanha, cada país possuía uma única empresa nacional como prestadora de serviço neste segmento da cadeia. Contratos de longo prazo foram estabelecidos entre transportadores e produtores, com duração entre 15 e 20 anos. A obrigatoriedade de pagamento em casos de retirada abaixo do volume contratado (take-or-pay) permitiu a redução do risco associado aos investimentos na expansão da infraestrutura de transporte do gás 8O armazenamento nos próprios gasodutos line packing é realizado por aumento de pressão e permite a compensação de volumes no curto prazo, assegurando equilíbrio de oferta e demanda. 9Monopólios naturais são característicos em atividades com presença de economias de escopo e escala, como o transporte. O mercado não comporta mais de uma firma operando em escala e escopo eficientes, tornando desejável a existência de um só agente monopolista, com subaditividade na função de custos (MATHIAS, 2008). Para uma discussão aprofundada sobre subaditividade de custos e a teoria de mercados contestáveis, ver Baumol et al. (1982). 22 natural (CORRELJÉ, 2004). A propriedade dos ativos de transporte envolveu, invariavelmente, a presença de diversos agentes, dentre os quais destacavam-se as companhias produtoras10. Os altos preços do petróleo no período 1975-1985 favoreceram a obtenção de margens superiores aos custos de produção e transporte, gerando uma renda extraordinária que, em parte, foi capturada por transportadores. Radetzki (1999) destaca que, apesar da estrutura societária diluída entre os agentes, o grau de integração vertical não estimulava a redução das margens no segmento de transporte. Quanto ao segmento de distribuição, monopólios locais foram estabelecidos por meio de acordos de fornecimento exclusivo entre distribuidores e pequenos consumidores. Contratos de médio prazo, com duração entre 1 e 5 anos, entre transportadores e os distribuidores asseguravam a prática de preços ao consumidor inferiores ao limite máximo dos principais substitutos do gás natural, como o óleo combustível e outros derivados de petróleo. Desta forma, com a precificação net-back11, o estímulo à substituição do gás natural por outros energéticos era reduzido, sobretudo nos setores industrial e elétrico, pois o setor residencial aproxima-se de um mercado cativo (CORRELJÉ, 2004). Portanto, a partirda formação dos três corredores de fornecimento mencionados, as condições contratuais estabelecidas nos segmentos de transporte e distribuição permitiram a rápida expansão do uso do gás natural aos principais mercados da Europa ocidental. A proximidade entre estes mercados levou ao estabelecimento de redes transnacionais de transporte e distribuição de gás natural. Atualmente, de acordo com Bjørnmose et al. (2009), apenas os países 10Haferkamp (1971) destaca que, com exceção da CEL (Central European Line) de propriedade exclusiva da ENI, as companhias de transporte da Europa ocidental estavam estruturadas como holdings. 11Na precificação net-back, o preço do gás natural é definido em função do preço de suas fontes energéticas substitutas. 23 Bálticos e a Finlândia são considerados sistemas isolados dentro da rede da UE-27, além de regiões com pouco desenvolvimento de infraestrutura de transporte, como o norte da Polônia e a parte central da Suécia. 1.2 Transformação da Indústria de Gás Natural Europeia A indústria de gás natural europeia se constituiu a partir de monopólios naturais no segmento de transporte. A integração vertical com o upstream e o fornecimento baseado em contratações de longo prazo indexadas a preços de energéticos substitutos favoreceram uma rápida expansão da malha de dutos. Com o desenvolvimento da indústria, três rotas de fornecimento de gás natural, por gasoduto, e uma quarta rota de gás natural liquefeito se tornaram os principais corredores de abastecimento ao mercado europeu. O avanço da tecnologia de liquefação do gás natural ampliou o número de novos fornecedores – Qatar, Argélia e Nigéria responderam por cerca de 84% das exportações de GNL para a Europa, em 2014 (BRITISH PETROLEUM, 2015). No entanto, a oferta de gás natural para a Europa segue, majoritariamente, por duto. De acordo com British Petroleum (2015), esta oferta, em 2014, representou 88% do volume de gás natural consumido na Europa, sendo que Rússia, Noruega, Holanda e Argélia totalizam, aproximadamente, 86% desta oferta (Figura 1.7). 24 Figura 1.7: Exportações de Gás Natural para Países da UE-27 por Gasoduto e GNL em 2014. Valores em bilhões de metros cúbicos, % sobre o total e HHI. Fonte: British Petroleum (2015). A Figura 1.7 mostra um mercado atualmente dominado por dois países – Rússia e Noruega – que, se somados a Holanda e Argélia, detêm cerca de 80% do fornecimento ao mercado europeu. Trata-se de um oligopólio com uma relativamente alta concentração de mercado. O exame do índice Herfindahl-Hirschman (HHI), a partir dos dados da Figura 1, resulta em um valor de 2.197 pontos12. Pela teoria econômica tradicional, firmas que atuam em mercados perfeitamente competitivos praticam preços que igualam o custo marginal de produção. Preços praticados acima de custos marginais são característicos de mercados pouco competitivos. No limite, em termos de concentração de mercado, 12O índice mede a concentração de mercado e é obtido pela fórmula HHI = ∑n i s 2 i , onde si é o percentual de mercado de cada firma i, e n o número total de firmas. O HHI varia de zero a 10.000 pontos, sendo que valores acima de 2.500 indicam alta concentração de mercado; valores entre 1.500 e 2.500, relativa concentração; e valores abaixo de 1.500, baixa concentração (U. S. DEPARTMENT OF JUSTICE e FEDERAL TRADE COMMISSION, 2010). 25 está a situação de monopólio, na qual o preço praticado iguala a receita marginal da firma monopolista. A prática de preços superiores ao custo marginal de produção reflete o exercício de poder de mercado por parte das firmas. Em situações de monopólio natural, a regulação das estruturas de mercado se faz necessária para evitar o abuso do poder de mercado. Entretanto a indústria de gás natural é caracterizada por significativas barreiras à entrada e o processo de liberalização do mercado europeu buscou, desde o início, a alteração da estrutura de mercado de gás natural através de políticas regulatórias (Diretivas da CE). Para tanto, procurou promover a competição em um segmento da cadeia estabelecido tradicionalmente como monopólio natural, o segmento de transporte. As transformações fundamentais visaram a eliminação da integração vertical com empresas do upstream e a criação de zonas de comercialização (físicas e virtuais) que assegurassem a formação de mercados regionais de contratação de curto prazo líquidos e transparentes. Os resultados desta pesquisa, em linha com outros estudos (RENOU-MAISSANT, 2012; GROWITSCH et al., 2013), confirmam o avanço destas políticas nos últimos anos. 1.2.1 Processo de Liberalização Durante as décadas de 1980 e 1990, os mercados de energia elétrica e gás natural passaram por severas transformações estruturais. A Inglaterra foi o primeiro país a realizar reformas que tinham como objetivo a liberalização dos mercados e compreendiam medidas favoráveis à livre competição, tais como a privatização de utilities13, a quebra de monopólios e a criação de agentes reguladores. O processo de liberalização do mercado de gás natural britânico teve início com o Gas Act14, de 1986, e culminou com a introdução da competição no setor residencial, em 1995, 13Utilities são companhias que prestam serviços públicos de rede como fornecimento de água, eletricidade, gás natural, coleta de lixo, telefonia. Estas empresas são responsáveis pela manutenção de infraestruturas associada a estes serviços e, usualmente, constituíram-se como monopólios naturais. 14Acesso ao texto completo em <http://www.legislation.gov.uk/ukpga/1986/44/contents>. 26 http://www.legislation.gov.uk/ukpga/1986/44/contents através de um novo Gas Act15. A total liberalização do mercado, em todos os segmentos, a partir de 1998, concluiu este processo (HEATHER, 2010). Por um lado, o paradigma do livre mercado nos setores de infraestrutura britânicos influenciou economias em todo o mundo. Para as economias da Europa continental, esta influência não foi diferente, no entanto, as mudanças não foram imediatas. Para Radetzki (1999), as estruturas estabelecidas durante a formação da indústria se mantiveram ao longo da década de 1990, mesmo com a queda de preços decorrente do contrachoque do petróleo, em 1986, e os questionamentos por parte de governos e consumidores sobre as condições do mercado. Sem embargo, a difusão de turbinas a gás contribuiu decisivamente para a aproximação dos mercados elétrico e de gás natural, influenciando no processo de reestruturação do mercado porvir. A mudança do paradigma tecnológico, rapidamente, influenciou a esfera institucional e, em 1991, a Comissão Europeia (CE) aboliu a Diretiva 75/244, de 1975, que, até então, restringia o uso de gás natural na geração elétrica. Por outro lado, vale notar que, ao longo da década de 1990, a indústria de gás natural já atravessava um processo de reestruturação societária que resultou na transformação do papel de seus agentes tradicionais. Este processo envolveu: reestruturações societárias das NGC – National Gas Companies –, o surgimento de novas empresas de transmissão e distribuição, a criação de joint ventures no upstream e no downstream (entre companhias exportadoras e importadoras, e entre companhias de gás e do setor elétrico), e o início da participação de grandes consumidores como importadores. Envolveu, ainda, o surgimento de novos atores (convencionais e não-convencionais) na indústria, como novas empresas transportadoras e comercializadoras, através da diversificação de investimentos fora da Europa (ESTRADA, 1996). A indissociabilidade entre estes dois movimentos – uma nova doutrina de 15Acesso ao texto completo em <http://www.legislation.gov.uk/ukpga/1995/45/contents>. 27 http://www.legislation.gov.uk/ukpga/1995/45/contents liberalização de mercado e a transfiguração dos agentes na indústria – pode ser caracterizada, por exemplo, pela construção do gasoduto Interconnector. O gasoduto, inaugurado em 1998, estabeleceu a conexão física entre os terminaisde Bacton, na Inglaterra, e Zeebruge, na Bélgica, permitindo o transporte bidirecional de 20 bilhões de metros cúbicos anuais de gás natural entre os mercados britânico e da Europa continental. A joint venture para sua construção envolveu a participação de diferentes empresas16 que assumiram uma estratégia de diversificação e internacionalização do investimento, influenciadas pela regulação liberalizante da Comissão Europeia. As expectativas pela formação de um mercado único e liberalizado na Europa continental se somavam à possibilidade de oferta de gás natural de menor custo do (livre) mercado britânico. Esta oferta poderia afetar o mercado europeu e contribuir para acelerar sua liberalização (FUTYAN, 2006). Depois das primeiras diretivas relativas ao transporte de gás natural (Diretivas 90/377/CEE e 91/296/CEE, do Conselho Econômico Europeu), a formalização do processo de liberalização do mercado de gás natural europeu ocorreu, em 1998, com a publicação da Diretiva 98/30, da CE, que estabeleceu regras comuns a seus Estados-membro para a formação de um mercado interno de gás natural (EUROPEAN COMMISION, 1998). A Diretiva tinha o objetivo de transformar a estrutura de mercado baseada em monopólios naturais em um mercado competitivo em todos os segmentos da cadeia. As metas para abertura do mercado previam, em termos de volume consumido, uma abertura de 20%, em 1998; de 28%, em 2003; e de 33%, em 2018. Para tanto, os Estados-membros deveriam especificar quais eram as centrais termelétricas e os clientes com consumo superior a 25 milhões de metros cúbicos anuais, de modo a atender os prazos estabelecidos para abertura. Os resultados, no entanto, não foram suficientes e o objetivo da CE em 16O consórcio inicial foi formado por British Gas (40%), BP (10%), Elf (10%), Conoco (10%), Distrigas (5%), Amerada Hess (5%), Ruhrgas (5%), National Power (5%) e Gazprom (10%). 28 constituir um livre mercado foi reforçado, em 2003, com a publicação da segunda diretiva para o mercado interno de gás natural. A Diretiva 2003/55 (EUROPEAN COMMISION, 2003) estipulou novas regras comuns e substituiu a Diretiva 98/30. As principais medidas desta norma referem-se à obrigatoriedade de independência jurídica de operadoras da rede de transporte (Transmission System Operators) em relação a outras atividades, e do acesso de terceiros à rede de transporte. Além disso, a Diretiva 2005/55 estabeleceu que os Estados-membro devem designar entidades reguladoras independentes para o mercado de gás natural. Entretanto, a Diretiva 2003/55 não exigia a separação da propriedade dos ativos e, passados alguns anos de sua publicação, notou-se que a norma não levou à separação efetiva dos operadores das redes de transporte. Assim, em 2009, a CE publicou a Diretiva 2009/73 que forma, em conjunto com a Diretiva 2009/72 e os Regulamentos 713, 714 e 715, o arcabouço de normas conhecido como Third Package para a criação de um mercado único de energia (EUROPEAN COMMISION, 2009). O Thrid Package estabeleceu regras para a separação dos ativos das redes de transporte dos operadores, fazendo com que os Estados-membro adotassem, de acordo com sua estrutura de mercado, um dos três modelos dispostos na norma: (i) separação da propriedade (unbundling); (ii) operador de rede independente; ou (iii) operador de transporte independente. Ainda no âmbito do Third Package, o Regulamento 715/2009 criou a ACER (Agency for the Cooperation of Energy Regulators), como a agência reguladora central para a promoção do mercado interno de energia europeu. Criou também a ENTSOG (European Network of Transmission System Operators for Gas) para a definição dos códigos de rede. Os sistemas de entrada-e-saída com compensação do volume de gás (balancing) realizada por meio de pontos de comercialização virtuais, por exemplo, é resultado do esforço destas novas agências. Em 2014, o Regulamento 312/2014/CE instituiu o código de rede que 29 define as regras de compensação, como encargos, responsabilidades, nomeação e pagamentos entre operadores de redes de transporte. No modelo proposto, os encargos de compensação atuam como incentivo, compartilhando a responsabilidade entre comercializadores e operadores de rede, para que seja mantido o equilíbrio físico entre oferta e demanda das redes nacionais. 1.2.2 Mercados Regionais e os Hubs A expectativa da União Europeia é de que o processo de liberalização resulte na completa integração entre os mercados regionais o que, de fato, ainda não ocorreu. Neste sentido, a integração emerge como uma estratégia de menor custo para os países da UE-28. O objetivo é assegurar a prática de preços competitivos, sem pôr em risco a segurança do abastecimento. A formação de centros de interconexão e pontos de comercialização virtuais (hubs) é um aspecto central deste processo. O grau de desenvolvimento dos hubs está relacionado à existência de uma sólida infraestrutura de rede, o que envolve transporte, armazenamento e distribuição de gás natural, inclusive permitindo o acesso a outros mercados. Outros indicadores de desenvolvimento são a presença de liquidez e de um grande número de participantes, a transparência de informações, a existência de um sistema de compensação confiável, de mecanismos de negociação (brokers e bolsas) e de gerenciamento de risco financeiro. Heather (2012) examina o grau de desenvolvimento dos principais hubs da Europa e procura descrever o papel que assumem no processo de liberalização do mercado de gás natural. Para tanto, adota a seguinte categorização: 1. Comerciais (trading hubs): hubs que alcançaram certo nível de desenvolvimento e são utilizados para o gerenciamento de risco financeiro de carteiras com contratos de compra e venda de gás natural. Estes hubs têm como base plataformas virtuais de negociação, com número elevado de 30 participantes, e possuem bons indicadores de confiança, liquidez e transparência. 2. Trânsito (transit hubs): hubs que são pontos de negociação físicos, nos quais os participantes têm a opção de negociar volumes de gás. Seu principal objetivo, no entanto, é facilitar o trânsito de grandes volumes de gás para o transporte subsequente. 3. Transição (transition hubs): hubs que são baseados em plataformas virtuais de negociação, porém não atingiram um determinado nível de desenvolvimento. A maioria destes hubs realiza processos de compensação de volumes de seus mercados nacionais, entregando ou retirando volumes da rede. No entanto, não é claro se estes hubs se tornarão marcadores de preço em seus mercados. O primeiro e mais desenvolvido hub europeu é o NBP inglês. Ao detalhar a evolução do processo de comercialização do mercado inglês, Heather (2010) destaca a importância do NBP para a formação de um mercado líquido, transparente, em um contexto de livre competição, durante a segunda metade da década de 1990. O NBP foi criado com a promulgação do Código de Rede, em 1996, para realizar a compensação, em base diária, dos volumes de entrada e saída de gás natural da rede. No entanto, com a definiação das condições de comercialização para o gás natural através de um contrato padronizado – o NBP’97 –, o hub tornou-se uma zona de comercialização. Em poucos anos, o NBP se tornou o ponto de entrega dos contratos futuros de gás natural negociados na ICE ENDEX, o que ampliou siginificativamente o número de participantes. Ao longo dos anos 2000, diversos hubs foram estabelecidos nos principais mercados da Europa continental: ZEE-Bélgica (2000), TTF-Holanda (2003), PSV-Itália (2003), PEG-França (2004), CEGH-Áustria (2005), Gaspool-Alemanha (2009). As subseções a seguir apresentam, resumidamente, os principais hubs e 31 mercados regionais da Europa. 1.2.2.1 Alemanha Em relação ao mercado alemão, o processo de redução do número de zonas de comercialização teve início em 2005, quando foi promulgada a Lei de Energia (Energiewirtschaftsgesetz – EnWG) que, seguindo a diretriz europeia, estabeleceuo sistema de entrada-e-saída para o transporte e comercialização de gás natural. A partir de então, o número de zonas de comercialização foi, gradativamente, sendo reduzido – eram dezenove – até restarem duas zonas, o NCG e o Gaspool (GPL). O NCG surgiu, em 2008, da fusão das zonas de comercialização da Eon Gastransport (EGT) e da bayernets. O hub atende às regiões sul e (parte do) oeste da Alemanha, em uma área com mais de 500 redes de distribuição e 20 mil km de extensão, na qual são transportados cerca de 60% de todo o volume de gás natural comercializado na Alemanha. O restante é comercializado pelo GPL, que atende (parte da) região oeste e o norte da Alemanha. A composição acionária destes hubs envolve a participação de diversos operadores de transporte17 e, até o momento, não houve avanços em relação à possibilidade de criação de uma única zona de comercialização. Growitsch et al. (2013) aponta que, entre 2007 e 2010, houve redução dos custos de transporte entre as duas zonas, embora o mesmo não tenha ocorrido com tanta magnitude em relação ao hub holandês TTF (Tabela 1.1). 17Os acionistas do NCG são a bayernets, a Fluxys TENP, a GRTgaz, a Open Grid Europe, a terranets bw e a Thyssengas; enquanto que os acionistas do GPL são a GASCADE Gastransport, a Gastransport Nord, a Gasuine Detschland Transport Services, a Nowega e ONTRAS Gastransport. 32 Tabela 1.1: Tarifas de Transporte entre os Pontos de Entrega do NCG, GPL e TTF. Valores em Euros/MWh para o mês de outubro (2007 a 2010) e média do período. De Para out/07 out/08 out/09 out/10 Média NCG GPL 0,557 0,523 0,434 0,417 0,483 GPL NCG 0,619 0,582 0,483 0,453 0,534 GPL TTF 0,420 0,420 0,366 0,361 0,392 TTF GPL 0,409 0,409 0,338 0,334 0,373 NCG TTF 0,387 0,399 0,411 0,398 0,399 TTF NCG 0,486 0,498 0,429 0,397 0,453 Fonte: adaptado de Growitsch et al. (2013). 1.2.2.2 França O principal hub francês é o Point d’échange de Gaz Nord (PEG Norte). O mercado esteve dividido em três zonas de comercialização até abril de 2015, quando foi realizada a fusão entre os hubs PEG sul e TIGF, que atendiam a parte sul do país, criando o hub Trading Region South (TRS). A expectativa do órgão regulador francês (CRE) é que, até 2018, uma nova fusão unifique as zonas de comercialização sul e norte, criando um mercado único na França. No entanto, existem dificuldades operacionais relacionadas a gargalos de transporte entre as duas regiões, o que faz com que o sul possua menor liquidez, já que não comercializa os volumes de gás advindos do corredor norte de fornecimento para a Europa. 1.2.2.3 Bélgica O belga ZEE é, essencialmente, um hub físico ligado por gasoduto submarino aos mercados inglês e norueguês, o que lhe configura grande relevância para o mercado continental europeu18. Desde 2009, a operadora belga Fluxys tem 18Em março de 2015, a operadora Fluxys anunciou que firmou um contrato de 20 anos de duração para trânsito do GNL proveniente da península de Yamal, na Rússia, e atendimento ao mercado asiático. Durante o inverno, os navios metaneiros ficam impossibilitados de navegar pelo norte da Sibéria, com isso, o GNL, depois de passar pelo ZEE, será transportado ao mercado asiático através do canal de Suez. Para maiores detalhes, consultar <http://www.fluxys.com/belgium/en/ NewsAndPress/2015/150306_YamalLNG>. 33 http://www.fluxys.com/belgium/en/NewsAndPress/2015/150306_YamalLNG http://www.fluxys.com/belgium/en/NewsAndPress/2015/150306_YamalLNG estabelecido estratégias de negociação para que volumes do ZEE alcancem outros mercados por meio da plataforma virtual capsquare, e também, através da plataforma virtual Prisma. Em 2012, contudo, a Fluxys criou, em conjunto com a bolsa APX-ENDEX (atual ICE-ENDEX), o hub Zeebrugge Trading Point (ZTP) para atuar como o ponto de comercialização virtual único, adequando-se ao novo modelo de entrada-e-saída proposto para a Europa continental. Até o momento, coexistem os dois hubs – ZEE e ZTP, ambos operados pela Fluxys –, sendo o primeiro voltado para a comercialização física do gás natural, e o segundo, para a comercialização virtual, com zonas de entrada-e-saída definidas e regime de compensação dos volumes de gás. 1.2.2.4 Áustria Assim como o ZEE, o austríaco Central European Gas Hub (CEGH) era um hub físico até 2013, quando se tornou um ponto de comercialização virtual. Sua relevância esteve relacionada ao trânsito que exerce sobre o gás russo destinado aos mercados italiano (PSV) e alemão (NCG). Contudo, seu recente desenvolvimento – em 2014, foram comercializados 45 bilhões de metros cúbicos de gás natural no CEGH – o qualifica como o principal ponto de comercialização da Europa do Leste e Central. 1.2.2.5 Itália O hub Punto de Scambio Virtual (PSV) tem como operador a Snam Rete Gas. Nos últimos anos, a organização do modelo de compensação de volumes de gás através de plataforma P-Gas trouxe liquidez ao mercado, com incremento do número de participantes. No entanto, a bolsa de comercialização organizada pela Gestori dei Mercati Energetici (GME) ainda não está desenvolvida e os negócios 34 ocorrem, principalmente, através de contratos Over the Counter (OTC)19. 1.2.2.6 Holanda O hub holandês TTF sofreu importantes mudanças desde 2009 e, com a evolução dos últimos anos, tornou-se o principal hub da Europa continental em termos de liquidez e volume negociado. O novo modelo adotado, a partir de 2011, fez do TTF o ponto central da comercialização de todos os volumes de gás natural transportados pela rede holandesa. Além disso, estabeleceu um regime de compensação transparente, baseado em regras de mercado, com incentivo para equilíbrio entre oferta e demanda. As transformações fazem parte da estratégia do governo holandês de se tornar o mercado central de gás do noroeste europeu, ao qual os demais mercados estão conectados (gas roundabout). O fim das zonas de comercialização de alto e baixo poder calorífico (H-zone e L-zone) simplificou a comercialização. Esta medida atraiu novos participantes, como a GasTerra, que passou a comercializar seus volumes no hub, e favoreceu o serviço de transporte transfronteiriço oferecido pela Gasuine, ampliando o volume comercializado no TTF. Em 2014, de acordo com a London Energy Brokers Association - LEBA (2015), o TTF ultrapassou o National Balancing Point (NBP) inglês em termos de volume anual comercializado, conforme ilustra a Figura 1.8 a seguir. 19OTC são contratos bilaterais negociados diretamente entre as partes, sem intermediação, o que confere ao mercado OTC um caráter de menor transparência sobre os preços em relação às bolsas de comercialização (exchanges). 35 Figura 1.8: Volumes Anuais Comercializados por Hub – 2011 a 2014. Valores em bilhões de metros cúbicos. Fonte: London Energy Brokers Association - LEBA (2015), Huberator (2015). Ainda, segundo os cálculos publicados em Gasuine (2014), em 2013, o grau de liquidez do TTF (19,3) medido pela churn ratio20 também foi superior ao do NBP (18,3). Os demais hubs, no entanto, ainda apresentam baixos índices de liquidez: ZEE (4,3), NCG (3,4), GPL (3,1) e PEG (1,3). Apesar dos volumes comercializados e do grau de liquidez equivalentes, há uma grande diferença em relação ao volume diário de instrumentos financeiros negociados entre o NBP e o TTF. A Figura 1.9 mostra, para o período entre janeiro de 2013 e março de 2014, o volume de contratos futuros para 1 mês negociados na plataforma ICE, evidenciando a superioridade do NBP em relação ao TTF. De acordo com Miriello e Polo (2015), "NBP has transformed from a simple balancing platform to a gas trading point, where shippers can purchase and sell gas for sourcing purposes, and not merely for balancing". 20A churn ratio mede a quantidade média de transações que são realizadas antes da entrega definitiva do volume de gás ao comprador final. 36 Figura 1.9: Quantidade de Contratos Futuros para 1 mês Comercializados pela ICE – jan/2013 a mar/2014. Comparação NBP vs. TTF. Fonte: Miriello
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