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VERSÃO ATUALIZADA 2020-2021 - v.3.01 (C) TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. USO EXCLUSIVO DOS ALUNOS DO CURSO. Introdução Esta é a apostila base referente ao módulo IV da parte teórica do Curso. Nesse módulo, vamos aprofundar alguns conceitos centrais que estruturam a clínica psicanalítica, isto é, começaremos a abordar a metapsicologia freudiana (ou seja, a psicanálise falando de si mesma, analisando-se enquanto método) e da relação entre analista e analisando. Para fins de realização de prova, a leitura da apostila de cada módulo é suficiente. Na fase final do Curso (Supervisão), isto é, após você concluir os 12 módulos teóricos, você terá encontros ao vivo por vídeo-conferência (transmissões ao vivo por vídeo), em que serão debatidos estudos de casos, a dinâmica da clínica psicanalítica e suas técnicas, bem como serão revisados alguns conceitos teóricos essenciais à melhor interpretação dos casos. Dedique-se ao máximo às leituras e demais materiais. Embora a formação on-line possibilite uma autonomia de tempo e andamento para a compreensão dos conteúdos, a qualidade da absorção e entendimento das temáticas, fundamentais à formação e prática profissional, dependem muito mais do comprometimento e seriedade com a qual você irá se dedicar. Aproveite bem os materiais e bons estudos! CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 1 http://www.psicanaliseclinica.com/ Módulo IV - O Método Psicanalítico Índice 1. A técnica da psicanálise para Freud 5 1.1. Freud e a Técnica da Psicanálise 5 1.2. A entrevista na psicanálise 7 2. O início da análise na psicanálise 11 2.1. Atos falhos para Freud 11 2.1.1. DEFINIÇÃO DE ATO FALHO 12 2.1.2. TIPOS DE ATOS FALHOS 14 2.1.2.1. ATOS FALHOS NA LINGUAGEM 14 2.1.2.2. ATOS FALHOS DE ESQUECIMENTO 16 2.1.2.3. ATOS FALHOS NO COMPORTAMENTO 17 3. Procedimentos de Análise 19 3.1. O Método da Associação Livre 20 4. TOPOGRAFIA DO APARELHO PSÍQUICO 26 4.1. Conceituação da Teoria Topográfica 27 4.1.1. Como representar a Teoria Topográfica? 29 4.2.1. O Consciente 29 4.2.2. O Pré-Consciente 36 4.2.3. O Inconsciente 39 4.3. Processo primário e processo secundário 45 4.4. Processos de funcionamento do Inconsciente 51 4.5. Topografia de Personalidade 56 5. Conceituação da Teoria Estrutural 58 5.1. Em que consiste a Teoria Estrutural? 58 CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 2 http://www.psicanaliseclinica.com/ 5.2.1. O Id 60 5.2.2. O Ego 64 5.2.3. O Superego 67 5.4. Uma representação visual para as duas tópicas 69 5.5.1. O Funcionamento do ID 71 5.5.2. O Funcionamento do Ego 75 5.5.3. O Funcionamento do Superego 80 5.5.4. A personalidade e sua dinâmica na Teoria Estrutural 83 6. Revisão 85 CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 3 http://www.psicanaliseclinica.com/ IMPORTANTE Estamos constantemente revisando e melhorando nosso material. Você está recebendo esta que é a nova versão da apostila do Módulo 4. Nossos materiais são revisados e melhorados com certa frequência. Recomendamos que, após concluir o Curso, você revise os módulos já estudados: servirá para você aprofundar seu aprendizado e para verificar novas versões de nossos materiais. Este material pertence ao Curso de Formação em Psicanálise Clínica (www.psicanaliseclinica.com). Sua divulgação paga ou gratuita não é permitida sem prévia autorização do nosso Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica (CNPJ 28.447.037/0001-81). Informe-nos qualquer uso não autorizado, pelo e-mail contato@psicanaliseclinica.com. Este material é parte das aulas do Curso de Formação em Psicanálise. Proibida a distribuição onerosa ou gratuita por qualquer meio, para não alunos do Curso. Os créditos às obras usadas como referências ou citações constam nas Referências Bibliográficas. CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 4 http://www.psicanaliseclinica.com/ mailto:contato@psicanaliseclinica.com https://drive.google.com/file/d/0BzB3Lb9sbna2SzVCYmYtbmh1N0k/view?usp=sharing http://www.psicanaliseclinica.com/ 1. A técnica da psicanálise para Freud Embora haja uma modificação dos conceitos teóricos de Freud ao longo de sua obra, dois pontos são mantidos no que concerne à sua importância: ● o papel central da sexualidade, que se origina desde a vida infantil; e ● o inconsciente. No que diz respeito à técnica da Psicanálise, após passar a adotar o método da associação livre, Freud não o abandona. Este método é, também, uma constante na obra de autores pós-freudianos. Ao associar livremente suas ideias, o paciente no decorrer do tratamento vai superando as suas resistências e deste modo os conteúdos do inconsciente são trazidos para a consciência. 1.1. Freud e a Técnica da Psicanálise O paciente neurótico é aquele no qual o conflito psíquico entre consciente e inconsciente é intenso. O recalque incide sobre o neurótico e sua satisfação é realizada nas “formações de compromisso”, principalmente por meio dos sintomas. Segundo Freud, a mola mestra da Psicanálise é a transferência, que é ambígua, ou seja, positiva e negativa: amor transferencial e hostilidade. CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 5 http://www.psicanaliseclinica.com/ A transferência é, então, a “permissão” que o analisando concede para que o analista esteja imerso na rede de significados do analisando, permitindo ao analista indagar e propor interpretações. É através da transferência, da inserção do psicanalista na cadeia de representações do paciente que o psicanalista pode, por meio da interpretação e construção, dar prosseguimento à análise. Como a doença inicial do paciente não é estática, com a transferência ela se transforma em neurose de transferência. Segundo Freud, “eliminar essa neurose equivale a eliminar a doença inicial”. A construção designa a atividade do analista de completar aquilo que foi esquecido a partir dos traços que foram deixados pelo paciente. A interpretação indica o desejo. A psicanálise se contrapõe à sugestão hipnótica na medida em que esta tenta solucionar os sintomas, e por outro lado o seu próprio emprego acarreta no encobrimento do recalque. A psicanálise é uma terapia causal, isto é, busca identificar evidenciar as relações entre causa e consequência, sendo: ● a causa: aquilo que está recalcado; ● a consequência: os sintomas ou os incômodos que o paciente relata. A Psicanálise se propõe identificar e remover suas causas; embora a Psicanálise não incida só sobre as raízes dos fenômenos, mas possa também refletir sobre as consequências (a forma de ver os sintomas, por exemplo). Deste modo, a Psicanálise com seu arcabouço teórico se insere no campo da ética, e, como tal, se revela a ética do impossível, já que não impõe uma determinada moral aos seus pacientes, mas deixa a cargo dos mesmos tomar a decisão por si mesmos. CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE- www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 6 http://www.psicanaliseclinica.com/ INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) Em algumas de nossas apostilas, indicaremos artigos relacionados aos assuntos do módulo. A leitura desses artigos é opcional para fins de prova, mas recomendamos que você busque sempre essas (e outras) fontes para se aprofundar nos temas abordados. ● Artigo: O que é o Método Psicanalítico? ● Artigo: 4 Etapas da Terapia Psicanalítica 1.2. A entrevista na psicanálise Também a Psicanálise se utiliza das entrevistas em seu método clínico, porém o faz com algumas peculiaridades em relação às teorias psicológicas. Vejamos alguns pontos centrais. Freud, em seus textos técnicos, menciona o hábito de praticar o que chamava de tratamento de ensaio. Este ocorria antes da análise propriamente dita, e nesta etapa Freud decidia se aceitaria ou não o paciente. Posteriormente, Lacan irá falar em entrevistas preliminares, que seriam correlatas ao tratamento de ensaio de Freud. Esta fase seria anterior ao paciente deitar-se no divã, ou seja, é a fase de estabelecimento do contrato psicanalítico. CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 7 https://www.psicanaliseclinica.com/o-que-e-metodo-psicanalitico/ https://www.psicanaliseclinica.com/etapas-terapia/ http://www.psicanaliseclinica.com/ O objetivo principal das entrevistas preliminares consiste em ● direcionar a transferência àquele analista específico; simultaneamente, serve para ● elaborar uma hipótese diagnóstica, a produção de um sintoma analítico – o qual não é necessariamente aquele do qual o sujeito chega se queixando – e a produção de uma demanda de análise propriamente (Quinet, 1991; Ariadne, 1998). As entrevistas preliminares marcam que o início de uma análise não se dá com a entrada do paciente no consultório do analista. É o fim das entrevistas preliminares que cumpre a função de estabelecer um corte, marcando a entrada no discurso analítico. Numa primeira vista, essa diferença pode não ser facilmente perceptível, pois as entrevistas preliminares seguem as mesmas regras da análise: também nas entrevistas preliminares o sujeito deve associar livremente, isto é, mencionar livremente “o que lhe vier à cabeça”. Contudo, não se interpreta o discurso do paciente durante as entrevistas; neste momento o analista fala o mínimo possível, apenas o suficiente para que o sujeito prossiga em seu discurso. Isto porque está em jogo a questão diagnóstica: deixa-se o paciente falar para que uma hipótese possa ser formulada acerca da estrutura do sujeito (neurose, perversão, psicose), e também porque é próprio paciente quem introduz os significantes que irão “guiar” sua análise. É neste momento que o analista decide se irá ou não acatar aquela demanda de análise. “O fato de receber alguém em seu consultório não significa que o analista o tenha aceito em análise” (Quinet, 1991, p.15). O analista pode recusar-se a autorizar uma análise se, por exemplo, percebe uma estrutura psicótica (devido aos riscos de desencadeamento de CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 8 http://www.psicanaliseclinica.com/ um surto, pelo qual terá que se responsabilizar), ou porque o paciente já se encontra num estágio que o analista acha por bem não levar adiante – lembremo-nos daquela máxima que uma análise só vai até o ponto onde foi a análise do analista. Vamos reforçar este aspecto: o analista, após formado, segue em análise, isto é, deve ser ele analisando de outro psicanalista. Se o analista não enfrenta suas questões e se depara com um paciente cujas demandas vão além daquelas que o próprio analista já estudou e analisou em si mesmo (junto a outro profissional), dizemos que a análise foi além do ponto de análise do analista, este analista não estará apto para aceitar aquele paciente. As entrevistas preliminares servem também para que se configure o sintoma analítico enquanto tal. O sintoma do qual o sujeito chega ao consultório se queixando expressa, geralmente, uma demanda de cura, ou de amor (no sentido de “dedicar uma atenção”), mas não uma demanda de análise: esta deverá ser produzida através da retificação subjetiva. Quando o sujeito procura o analista, ele se apresenta a este através de seu sintoma: um significante. Por exemplo, se a demanda do paciente é um angústia insuportável, este é o significante a partir do qual a entrevista partirá. É este significante que irá representar o paciente, num primeiro momento, ao menos, para o analista. O paciente é esta angústia. O analista, por sua vez, é um outro significante, um significante qualquer fabricado pelo analisando em sua fantasia. Por exemplo, o analisando pode atribuir ao analista um significante de autoridade, ou de alguém que irá resolver suas dores, ou de alguém que não levará o paciente a lugar nenhum: essas ideias são criadas pelo paciente em decorrência de sua trajetória, de sua formação mental e deste contato inicial com o psicanalista. Assim, o sujeito, no início do processo, acredita que o analista detém um saber ou um poder de cura, e coloca o analista no lugar de autoridade, que Lacan denominou de Sujeito Suposto Saber. CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 9 http://www.psicanaliseclinica.com/ Se no início do processo a demanda do sujeito é a de se desvencilhar, de se curar de um sintoma, a retificação subjetiva fará com que o sintoma inicial passe ao estatuto de sintoma analítico (ou seja, um sintoma que agora estabelece o vínculo entre analista e analisando), constituindo uma demanda de análise propriamente dita, endereçada àquele analista específico. Ao mesmo tempo, estabelece-se a transferência, simbólica, em relação ao analista, fenômeno fundamental para que se dê uma análise. Ao se configurar o sintoma analítico, este passa a ser um enigma a ser decifrado pelo sujeito, um enigma que aponta para sua divisão. É o que se chama de histericização do discurso. É como se a energia afetiva do paciente voltasse menos para o sintoma em si e mais para o sintoma analítico e para a forma como ele ajudou a criar o vínculo de transferência com o analista. Assim, resumidamente, as entrevistas preliminares cumprem as seguintes funções: ● instaurar a transferência num nível simbólico; ● implicar (isto é, comprometer) o sujeito no sintoma, para que se configure um sintoma analítico; ● retificar a demanda, transformando a demanda de amor ou de cura em demanda de análise; ● colocar o sujeito a questionar-se sobre seu sintoma, histericizando seu discurso e ● permitir a elaboração, por parte do analista, de uma hipótese diagnóstica. CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO- pág. 10 http://www.psicanaliseclinica.com/ INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: O que é Entrevista Psicanalítica? ● Artigo: Tipos de entrevistas na Psicanálise 2. O início da análise na psicanálise Quando dizemos que uma pessoa está fazendo análise, queremos dizer que esta pessoa está fazendo um tratamento clínico com psicanálise, ou seja, ela faz terapia com um psicanalista. Neste texto, você aprenderá como é o início de um processo de análise, e falaremos também sobre a diferença entre demanda e desejo. Utilizaremos a teoria de Freud e algumas elaborações de Jacques Lacan, fazendo referência principalmente a Jacques Alain Miller. 2.1. Atos falhos para Freud CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 11 https://www.psicanaliseclinica.com/entrevista-psicanalitica/ https://www.psicanaliseclinica.com/entrevista-na-psicanalise/ http://www.psicanaliseclinica.com/ Em 1901, Freud publicou mais uma obra que viria a se tornar mundialmente conhecida: A Psicopatologia da Vida Cotidiana. Após publicar no ano anterior (1900), A Interpretação dos Sonhos, o criador da psicanálise expandiu as suas teses sobre o inconsciente para englobar comportamentos do dia-a-dia. Se até então ele havia comprovado a existência do inconsciente, do desejo e da repressão (ou recalque) nos sonhos e nos sintomas dos neuróticos, o seu objetivo com a obra de 1901 foi mostrar como o inconsciente aparece em erros e falhas cotidianas, os chamados atos falhos. 2.1.1. DEFINIÇÃO DE ATO FALHO Segundo a definição de LAPLANCHE & PONTALIS, o ato falho: “É o ato em que o resultado explicitamente visado não é atingido, mas se vê substituído por outro. Fala-se de atos falhos não para designar o conjunto das falhas da palavra, da memória e da ação, mas para as ações que habitualmente o sujeito consegue realizar bem, e cujo fracasso ele tende a atribuir apenas à sua distração ou ao acaso. Freud demonstrou que os atos falhos eram, assim como os sintomas, formações de compromisso* entre a intenção consciente do sujeito e o recalcado.” Observe que Freud dá ao erro um valor de dado. Isto é, quando vemos o erro como um simples erro ou simples acaso, podemos simplesmente julgá-lo como erro, mas não tiramos nenhum aprendizado dele, o que só acontece quando atribuímos ao erro uma dignidade científica, isto é, encaramos-o como um dado. CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 12 http://www.psicanaliseclinica.com/ Em português, utilizamos o termo ato falho para designar: ● erros na linguagem (escrita, fala, leitura), ● erros de memória (esquecimentos) e ● erros no comportamento (tropeçar, cair, quebrar, etc). Em inglês, estes erros ficaram conhecidos como Freudian Slips ou parapraxis. Esses erros não seriam por acaso, mas sim sinais das formações de compromisso (vínculo) entre o inconsciente e o consciente. É um tipo de “sem querer” mas “querendo”: conscientemente, a pessoa julgaria não querer cometer tal erro de linguagem, memória ou comportamento; mas, inconscientemente, haveria uma explicação causal. Em alemão, a língua de certa forma traz uma unidade entre esses erros através do prefixo ver-. ● Erros na fala (versprechen), ● Erros na escrita (verschreiben), ● Erros de leitura (verlesen), ● Erros de memória ou esquecimentos (vergessen), ● Erros no comportamento ou ações desastradas (vergreifen). Ainda de acordo com LAPLANCHE & PONTALIS, "... disso se deduz que, em outro plano, o chamado ato falho é um ato bem-sucedido: o desejo inconsciente realiza-se nele, muitas vezes, de uma forma bastante clara. A expressão “ato falho” traduz a palavra alemã Fehlleistung, que para Freud engloba não apenas ações stricto sensu, mas todo tipo de erros, de lapsos na palavra e no funcionamento psíquico. (...) Note-se que antes de Freud o conjunto desses fenômenos marginais da vida cotidiana não tinha sido agrupado nem conotado por um mesmo conceito; foi a sua teoria que fez surgir a noção". CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 13 http://www.psicanaliseclinica.com/ Tais erros não são apenas erros, falhas sem significado. Se investigarmos o porquê de acontecerem, veremos que – por um outro ponto de vista – o erro é um acerto indireto. A famosa frase do pequeno Shakespeare (Chespirito), criador do personagem Chaves, expressa muito bem: “Foi sem querer, querendo”. Um ato falho foi sem querer (conscientemente falando) mas também foi querendo (inconscientemente). 2.1.2. TIPOS DE ATOS FALHOS No livro A Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901), estudamos os três tipos de atos falhos, portanto: ● 1) Atos falhos na linguagem (fala, escrita, leitura); ● 2) Atos falhos de esquecimento (falha na memória); ● 3) Atos falhos no comportamento (cair, quebrar, derrubar, tropeçar, etc), enfim, perturbações do controle motor. Para ficar claro, vamos exemplificar os 3 tipos abaixo. 2.1.2.1. ATOS FALHOS NA LINGUAGEM São os atos falhos mais conhecidos. Um exemplo seria quando as pessoas chamam “ato fálico” (em vez do correto “ato falho”): é como se CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 14 http://www.psicanaliseclinica.com/ inconscientemente elas soubessem a justificativa fálica/sexual para um determinado comportamento. De volta à frase “isso foi um ato fálico”, vemos que a pessoa trocou a palavra “falho” por “fálico” (pênis). Um erro na fala que se, formos investigar, poderemos encontrar um significado inconsciente para ela. Cabem aqui duas críticas ao risco de generalizar tal entendimento, provas contrárias à aplicação do conceito de ato falho na linguagem. As pessoas podem não ter acesso (nem mesmo inconsciente) a esta troca de palavras. Pode ser, mesmo, um mero acaso ou erro linguístico: uma analogia é com um corretor ortográfico, que propõe trocas de palavras sem uma motivação inconsciente. Obviamente, dentro do contexto de terapia, e sem impor uma interpretação unívoca, o analista pode buscar motivações inconscientes ao fenômeno do ato falho. Em uma apresentação na faculdade, no primeiro período, uma aluna estava falando sobre Freud. Ela disse: “Foi assim que o Fraude”… Também teríamos que investigar porque a aluna considera o Freud uma fraude, mas é obviamente um exemplo de um ato falho. Agora, há que se pensar que, se a aluna não conhecia a pronúncia correta do nome de Freud, será que ela nutriria por Freud alguma desavença inconsciente, uma recusa de sua teoria como se essa recusa fosse um mecanismo de defesa? CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 15 http://www.psicanaliseclinica.com/ 2.1.2.2. ATOS FALHOS DE ESQUECIMENTO No Psicopatologia da Vida Cotidiana, Freud dá diversos exemplos dos três tipos deatos falhos. Logo no início, ele menciona e analisa um ato falho de esquecimento que aconteceu com ele mesmo. Visitando a catedral de Orvieto, ele se esquece do nome do pintor dos afrescos. Ele procura buscar em sua memória, os nomes que aparecem são Botticelli e Boltraffio, mas ele reconhece que ambos não são o nome correto. Uma outra pessoa lhe informa o nome: Signorelli, e Freud imediatamente reconhece-o como o nome correto. Analisando o porquê do esquecimento, ele vê que na conversa anterior falavam dos costumes na Bósnia e Herzegovina. O tema relacionado era da morte e da sexualidade. As palavras Herzegovina e Herr (“senhor” em alemão, “signor” em italiano, Signorelli), que estavam na conversa anterior interferiram na cadeia associativa e afetaram a sua memória. Um exemplo mais simples consiste quando esquecemos de ligar para alguém. O esquecimento é um erro, mas se formos investigar a fundo a causa do esquecimento, veremos que seria como se “uma parte” de nós não quisesse realmente ligar. O ato falho pode sugerir um componente inconsciente do desejo. Por isso, o ato falho é um erro, mas também um acerto (do ponto de vista do desejo inconsciente). CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 16 http://www.psicanaliseclinica.com/ 2.1.2.3. ATOS FALHOS NO COMPORTAMENTO O último tipo de ato falho (vergreifen) é traduzido para o português como equívocos na ação. Como mencionamos acima, são perturbações do controle motor que, se analisados, nos conduzem também a uma formação de compromisso entre o inconsciente e o consciente. No capítulo VIII da Psicopatologia, Freud nos dá o seguinte exemplo: “Em anos anteriores, quando eu visitava o paciente em domicílio com maior frequência que hoje, ocorria-me muitas vezes, ante a porta em que eu deveria bater ou tocar a campainha, tirar do bolso as chaves da minha própria casa e, logo em seguida, tornar a guardá-las, quase envergonhado. Quando considero os pacientes em cujas casas isso acontecia, sou forçado a supor que esse ato falho – apanhar minha chave em vez de tocar a campainha – tinha o sentido de uma homenagem à casa onde eu cometia esse erro. Era equivalente ao pensamento: ‘Aqui me sinto em casa’, pois só ocorria em lugares onde eu me havia afeiçoado ao doente” (É óbvio que não toco a campainha da minha própria casa). Um exemplo de uma pessoa dita “desastrada” também por ser um exemplo: ela pode não estar fazendo aquilo que inconscientemente ela gostaria de fazer, então o inconsciente vai de encontro a obstáculos. * * * CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 17 http://www.psicanaliseclinica.com/ É importante notar que, apesar das diferenças entre os três tipos de atos falhos, ele possuem uma unidade na linguagem, pois não só os atos falhos linguísticos (fala, escrita, leitura) são erros deste tipo. Quando nos esquecemos de um nome ao ter que apresentar uma pessoa ou não lembramos de enviar um e-mail, estamos vivenciando um conflito entre um traço mnêmico (um representante da pulsão ou um significante) e, igualmente, os atos falhos comportamentais são ocasionados por uma formação de compromisso entre dois significantes, um do lado do desejo e o outro do lado da repressão. Quais as implicações dos atos falhos durante a análise? O analista deve estar atento a sinais aparentemente casuais que o analisando lhe trouxer. Hábitos ditos como errados ou desastrados. Ou mesmo erros que o analisando realiza sem saber. E, daí, investigar (por meio de perguntas ao paciente, por exemplo) se determinado erro poderia estar sugerindo algum conteúdo inconsciente, recalcado, desejado. INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: Atos falhos: significado e exemplos CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 18 https://www.psicanaliseclinica.com/atos-falhos/ http://www.psicanaliseclinica.com/ 3. Procedimentos de Análise Os psicanalistas praticam técnicas específicas e que se valem, acessoriamente, de vários outros conhecimentos para atuar sobre a dinâmica humana definida como Psíquica e que se caracteriza por ser uma realidade absoluta de natureza não tangível e idiossincrática (individualizada). Falamos do não tangível apenas para, de saída, reforçarmos a dificuldade do nosso trabalho, pois se os males a que nos contrapomos são reais, tudo o mais que temos de considerar é impalpável e de complexo acesso, uma vez que lidamos com o emocional e um emocional, na maioria das vezes, desconhecido por ser inconsciente. Nós, psicanalistas, não usamos instrumentos e, tratando de pessoas, não as tocamos, não lhes ministramos qualquer droga e nem ao menos lhe damos conselhos e, no entanto, os procedimentos da psicanálise são capazes de provocar melhoras significativas e, para alguns casos, a cura para sintomas geradores de mal-estar. Daí dizermos que o nosso ofício é uma arte, desafiadora, é verdade, e que, por isso mesmo, exige de nós uma total dedicação, o máximo de horas de estudo, o máximo de pesquisas, o máximo de trocas com as comunidades de trocas entre profissionais. Segundo Freud, “Os processos psíquicos são, em si mesmos, inconscientes e os processos conscientes são atos isolados, frações da vida psíquica total. Os processos da vida psíquica inconsciente, são dominados, na maior parte, pelas tendências que podem ser qualificadas de sexuais, no sentido restrito ou lato do termo. Este último pressuposto é, na realidade, a característica fundamental da Psicanálise, que consiste, essencialmente, na tentativa de explicar a vida inteira do homem e não só aquela privativa ou individual, mas também a CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 19 http://www.psicanaliseclinica.com/ pública e a social, recorrendo a uma única força que é o instinto sexual ou libido, no sentido técnico deste termo.” Temos que ter sempre presente que, mesmo sendo dedicadamente estudiosos, jamais teremos atingido o grau desejável de conhecimento, pois nunca nos firmaremos num diagnóstico a partir do estudo de peças anatômicas, nem de filmes radiográficos, nem de exames laboratoriais, nem da descoberta de novas drogas, nem de testes psicométricos, uma vez que o nosso paciente é um ser humano ímpar, que veio de um ambiente familiar ímpar e que se desenvolveu ajustando-se às condições ímpares, influenciadas pela maneira ímpar como ele entendeu o que atuou sobre ele de forma continuada ou então lhe aconteceu por uma fração de segundo, num abrir e fechar de olhos. 3.1. O Método da Associação Livre Teremos oportunidade de aprofundar outros aspectos da clínica psicanalítica, como transferência, contratransferência e resistência. Faremos isso nos módulos seguintes e nos estudosde casos práticos na etapa de Supervisão do nosso Curso. Por ora, convém abordar a essência da clínica psicanalítica, que é a técnica ou método da associação livre. Vimos nos módulos anteriores que Freud substituiu a primazia da sugestão hipnótica em favor da associação livre. Isso significa dizer que a associação livre passa a ser o método psicanalítico por excelência, o que permanecerá durante toda a trajetória de Freud. Em outras palavras, a CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 20 http://www.psicanaliseclinica.com/ associação livre é a forma mais notadamente psicanalítica para conduzir uma sessão de análise. O paciente fala e, falando, já há um alívio psicofísico, pelo simples fato da mobilização mecânica descarregar parte da tensão psíquica. Mas, além deste aspecto quantitativo, há a dimensão qualitativa, isto é, do conteúdo: falando o que lhe vier na cabeça (sem autocensura, sem censuras do analista e sem censuras das representações sociais ou morais), o paciente “distrai” seus mecanismos de defesa, permitindo aflorar aspectos inconscientes. Nesse sentido, não há certo ou errado, não há “perder o foco”. Ou melhor, Freud diria que “perder o foco” é exatamente a chave para encontrar o inconsciente. Afinal, os sonhos, os atos falhos e os chistes são exemplos desses ricos “erros”. Nós nos basearemos na contribuição de LAPLANCHE & PONTALIS, para aprofundarmos a reflexão sobre a associação livre. A associação livre é, portanto, um método que consiste em exprimir indiscriminadamente todos os pensamentos que ocorrem ao espírito, quer a partir de um elemento dado (palavra, número, imagem de um sonho, qualquer representação), quer de forma espontânea. O processo de associação livre é constitutivo da técnica psicanalítica. Não é possível definir uma data exata de sua descoberta, que se deu de modo progressivo entre 1892 e 1898, e por diversos caminhos. Como é demonstrado pelos Estudos sobre a histeria (Freud, 1895), a associação livre emana de métodos pré-analíticos de investigação do inconsciente que recorriam à sugestão e à concentração mental do paciente em uma determinada representação; a procura insistente do elemento patogênico desaparece em proveito de uma expressão espontânea do paciente (entenda melhor este aspecto lendo os comentários de Freud ao caso CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 21 http://www.psicanaliseclinica.com/ Emmy Von N., abaixo sintetizado). Os Estudos sobre a histeria põem em evidência o papel desempenhado pelos pacientes nesta evolução. Paralelamente, Freud utiliza o processo de associação livre na sua auto-análise e particularmente na análise dos seus sonhos. Aqui, é um elemento do sonho que serve de ponto de partida para a descoberta das cadeias associativas que levam aos pensamentos 38 do sonho. As experiências anteriores à Freud consistiam no estudo das reações e dos tempos de reação (variáveis segundo o estado subjetivo) a palavras indutoras. Isto é, o analista sugeria algumas palavras e o analisando respondia rapidamente, com o que lhe vinha à cabeça. Jung põe em evidência o fato de que as associações que assim se produzem são determinadas pela totalidade das idéias em relação a um acontecimento particular dotado de uma coloração emocional, totalidade à qual dá o nome de complexo. Freud, em A história do movimento psicanalítico (1914), admite o interesse dessas experiências “para se chegar a uma confirmação experimental rápida das constatações psicanalíticas e para mostrar diretamente ao estudante esta ou aquela conexão que um analista apenas pode relatar”. Talvez convenha ainda fazer referência a uma fonte que o próprio Freud indicou em Uma nota sobre a pré-história da técnica analítica (1920): o escritor Ludwig Börne, que Freud leu na juventude, recomendava, para alguém “se tornar um escritor original em três dias”, escrever tudo o que ocorre ao espírito, e denunciava os efeitos da autocensura sobre as produções intelectuais. Essas ideias, sem dúvidas, influenciaram a livre associação de Freud, que, depois, aproveitaria a noção da livre expressão de ideias como forma de minimizar a autocensura. Além disso, Freud não focaria no processo de induzir o paciente com palavras sugestivas de forma aleatória, mas sim aproveitando CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 22 http://www.psicanaliseclinica.com/ de conteúdos trazidos pelo próprio analisando (seus sonhos, seus atos falhos, seus desejos relatados etc.). No mais das vezes, a iniciativa das escolhas sobre o que falar se originavam do próprio analisando, sendo o analista alguém que faz apontamentos curtos, em geral na forma de perguntas que provocam no analisando o sentido por trás de suas associações. Nesse sentido, a título de conclusão, o termo “livre” na expressão “associação livre” exige as seguintes observações: ● Mesmo nos casos em que o ponto de partida é fornecido por uma palavra indutora (experiência de Zurique) ou por um elemento do sonho (método de Freud em A interpretação de sonhos, 1900), pode-se considerar que é “livre” o desenrolar das associações, na medida em que esse desenrolar não é orientado e controlado por uma intenção seletiva; ● Essa “liberdade” acentua-se no caso de não ser fornecido qualquer ponto de partida. É nesse sentido que se fala de regra de associação livre como sinônimo de regra fundamental para a Psicanálise. ● Na verdade, não se deve tomar liberdade no sentido de uma indeterminação: a regra de associação livre visa em primeiro lugar eliminar a seleção voluntária dos pensamentos, ou seja, segundo os termos da primeira tópica freudiana, pôr fora de jogo a censura dos processos secundários (entre o consciente e o pré-consciente). A associação livre ajudaria a revelar, assim, as defesas inconscientes, quer dizer, a ação da primeira censura (entre o pré-consciente e o inconsciente), a censura daquilo que está mais profundamente recalcado. ● Por fim, o método das associações livres destina-se a pôr em evidência uma ordem determinada do inconsciente: “Quando as representações-metas conscientes são abandonadas, são CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 23 http://www.psicanaliseclinica.com/ representações-metas ocultas que reinam sobre o curso das representações”, diz Freud. Explicando esta última frase de Freud: uma ideia fixa trazida à terapia (por exemplo, uma fobia específica) é uma representação consciente, isso pode ir se relacionando a outras ideias (livremente associadas), de modo a sugerir um sistema de funcionamento psíquico que motivaria a fobia e todo aquele constructo, até então oculto. Verifique esta ideia sobretudo no que Freud nos relata da sua pacienteEmmy Von N. Respondendo à solicitação insistente de Freud, que busca a origem de um sintoma, ela lhe diz “... que não deve ficar sempre perguntando de onde vem isto ou aquilo, mas deixá-la contar o que tem para contar” (Estudo sobre a histeria, 1895). Sobre a mesma doente, Freud nota que ela parece ter-se apropriado do seu processo”: “As palavras que me dirige [...] não são tão inintencionais como parecem; reproduzem antes com fidelidade as recordações e as novas impressões que agiram sobre ela desde a nossa última conversa e emanam muitas vezes, de modo inteiramente inesperado, de reminiscências patogênicas de que ela se liberta espontaneamente pela palavra.” (idem) CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 24 http://www.psicanaliseclinica.com/ INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: O Método da Associação Livre em Psicanálise ● Artigo: Associação Livre para Freud e a Psicanálise ● Artigo: Freud, Charcot e a Hipnose na paciente Emmy Von N. CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 25 https://www.psicanaliseclinica.com/metodo-da-associacao-livre-em-psicanalise/ https://www.psicanaliseclinica.com/associacao-livre-freud/ https://www.psicanaliseclinica.com/freud-charcot-e-a-hipnose-na-paciente-emmy/ http://www.psicanaliseclinica.com/ 4. TOPOGRAFIA DO APARELHO PSÍQUICO A teoria psicanalítica tem a particularidade de não considerar os atos psíquicos da mesma maneira que o faz a psicologia clássica. A Psicanálise estuda como elementos justapostos e associados. A Psicanálise concebe a vida psíquica como evolução incessante de forças elementares, antagônicas, compostas ou resultantes, com um conceito dinâmico do psiquismo. Fala-se de duas tópicas freudianas, sendo ● a primeira (topográfica) aquela em que a distinção principal é feita entre inconsciente, pré-consciente e consciente, e ● a segunda (estrutural) a que distingue três instâncias: o id, o ego e superego. O termo “topográfico” significa uma teoria dos lugares, vem do grego topos (singular) ou topoi (plural), que quer dizer “lugar” / “lugares”. A hipótese freudiana de uma tópica psíquica tem origem em todo um contexto científico de debates, avaliações, observações que vai de 1891 a 1900, quando Freud apresenta a primeira concepção tópica do aparelho psíquico no capítulo VII de A Interpretação de Sonhos (1900). CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 26 http://www.psicanaliseclinica.com/ 4.1. Conceituação da Teoria Topográfica Em que consiste esta teoria? Freud propôs dividir o aparelho psíquico. De acordo com esta Teoria, devem existir três partes que fundamentam nosso sistema mental, cada uma delas se caracterizando por sua relação com a consciência. Vamos apresentar a caracterização, segundo Freud: ● Sistema Ics: Inconsciente. ● Sistema Pcs: Pré-Consciente. ● Sistema Cs: Consciente. O primeiro sistema, chamado Inconsciente (Ics), abrange os elementos psíquicos cuja acessibilidade à consciência é muito difícil ou impossível. Ou seja, não podemos trazer ao nível racional, “lúcido”, ao nível da nossa concentração ativa. O segundo sistema, denominado Pré-consciente (Pcs), compreende os elementos mentais prontamente acessíveis à consciência. Como exemplo, as coisas em que não estamos pensando agora, mas que podemos pensar assim que quisermos. São fatos não conscientes ao momento atual, mas que não foram recalcados ou “esquecidos”, e que poderemos levá-los à conciência conforme haja uma mobilização mental para isso. O terceiro sistema, chamado Consciente (Cs), inclui tudo que é consciente em determinado momento. Entretanto, considera-se que todo material que fora consciente, no momento seguinte passa para o pré-consciente. Consideramos, também, que certas experiências, conscientes, ao serem vencidas, em parte são gravadas no pré-consciente, enquanto outra parte é recalcada no inconsciente. CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 27 http://www.psicanaliseclinica.com/ Entre os sistemas Ics e Pcs, opera uma censura intersistêmica que faculta ao Pcs excluir elementos indesejáveis do sistema Ics e recusar-lhes o ingresso no sistema Cs. A idéia central da Teoria Topográfica é de que o aparelho psíquico pode ser dividido em sistemas baseando-se na relação entre os mesmos e a consciência. Quando nos perguntamos sobre o nível de consciência que temos de certos fatos ou atos, estamos inseridos nas questões freudianas da Primeira Tópica. INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: As Três Instâncias do Aparelho Psíquico CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 28 https://www.psicanaliseclinica.com/instancias-psiquicas/ http://www.psicanaliseclinica.com/ 4.1.1. Como representar a Teoria Topográfica? Concebemos uma figura única constituída de camadas, sendo a mais estreita atribuída ao sistema Cs. Um pouco mais abaixo aparece uma camada igualmente estreita, que atribuímos ser o sistema Pcs. O centro da figura, a parte maior em termos cúbicos, compreendemos ser o sistema Ics. Assim, o inconsciente passa a ser o miolo e a parte mais importante do aparelho mental. 4.2.1. O Consciente O consciente é o sistema de percepção para as impressões que nos absorvem no momento e deve ser considerado como um sistema sensorial situado no limite entre o interno (da pessoa) e o externo (do mundo), com capacidade para perceber processos de uma ou outra procedência. CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 29 http://www.psicanaliseclinica.com/ Freud, em sua teoria metapsicológica, usa a expressão sistema percepção – consciência (Pc – Cs). [Nota: aqui Pc significa Percepção, não confundir com Pcs: Pré-Consciente]. Do ponto de vista funcional, o sistema percepção – consciência opõe-se ao sistema de traços mnésicos que são o inconsciente e pré-consciente. Do ponto de vista econômico, caracteriza-se pelo fato de dispor de uma energia livremente móvel. Isto é, a energia consciente (mecanismo do foco e da atenção) do indivíduo pode tratar de centenas ou milhares de assuntos durante um único dia. Para LAPLANCHE & PONTALIS, “Segundo a teoria metapsicológica de Freud, a consciência seria função de um sistema, o sistema percepção-consciência (Pc-Cs). Do ponto de vista tópico, o sistema percepção-consciência está situado na periferia do aparelho psíquico, recebendo ao mesmo tempo as informações do mundo exterior e as provenientes do interior, isto é, as sensações que se inscrevem na série desprazer-prazer e as revivescências mnésicas [da memória]. Muitas vezes Freud liga a função percepção-consciência ao sistema pré-consciente, então designado como sistema pré-consciente-consciente(Pcs-Cs). (...) A teoria psicanalítica se constitui recusando definir o campo do psiquismo pela consciência, mas nem por isso considerou a consciência como um fenômeno não essencial. Freud criticou a psicologia behaviorista (comportamentalista) exatamente por ela considerar exclusivamente a dimensão do consciente: “Uma tendência extrema, como por exemplo a do behaviorismo, nascida na América, pensa poder estabelecer uma psicologia que não tenha em conta este fato fundamental!” (FREUD, Compêndio da Psicanálise, 1938). CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 30 http://www.psicanaliseclinica.com/ É muito importante que o psicanalista perceba este aspecto essencial da Teoria e Prática Clínica da Psicanálise. ● Para muitas escolas da psicologia, das ciências humanas e das ciências naturais, o ser humano é uma única coisa, uma coisa só, indivíduo, indivisível, dono de suas vontades e responsável por todos os seus atos. Para essas correntes teóricas, o sujeito seria unicamente consciente. ● Para a Psicanálise, o sujeito é dividido, cindido. A ideia de haver um inconsciente é a ideia discordar do sujeito unívoco das escolas que mencionamos no parágrafo anterior. O sujeito não é senhor de si. É, ao mesmo tempo, sujeito e sujeitado: por suas memórias, por sua trajetória, pelas imposições sociais, por seus relacionamentos, por suas experiências durante o desenvolvimento psicossexual, por seus desejos etc. Mas, ainda assim, não é possível dizer que o sujeito é puramente inconsciente, já que a Psicanálise considera também a dimensão consciente. Se você tem alguma dúvida de que o ser humano é um sujeito dividido, propomos uma experiência empírica, pela qual você certamente já passou. Você está estudando e, paralelamente, surge o desejo pelo prazer (de estar descansando ou passeando ou fazendo qualquer outra atividade que lhe dê mais prazer). O seu “eu” agora está dividido, correto? Mentalmente, você formaliza uma frase imperativa: “Continue estudando!”. Ora, se você não fosse dividido, precisaria lhe dar esta ordem? Claro que não, pois o seu desejo coincidiria exatamente com o que você estaria fazendo. Mas, ao dar uma ordem a si mesmo, na verdade você já se tornou dois: um “eu” racional/moral que demanda o estudo, um “eu” pulsional que demanda o prazer. A escolha teórica entre um sujeito indivíduo ou um sujeito dividido tem implicações em vários campos: nas artes, no direito, nas relações sociais, no mundo trabalho, no convívio interpessoal, nos processos de CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 31 http://www.psicanaliseclinica.com/ ensino-aprendizagem (educação), na política e, obviamente, no tipo de terapia e suas técnicas. Freud considera a consciência como uma função do sistema Pc-Cs e um dado da experiência individual que se oferece à intuição imediata, e não renova sua descrição. Quando se fala de consciência, todos sabem, imediatamente, por experiência, do que se trata. Para que um ato psíquico seja consciente, é necessário que percorra todos os níveis do sistema psíquico. O sonho, por exemplo, as representações de objetos pertencentes ao inconsciente devem associar-se às representações pré-conscientes correspondentes. Só depois de vencer a estrutura instalada entre os dois campos, entram em contato com esse sistema e chegam ao conhecimento do indivíduo. O sujeito não reage a todo estímulo. Tem-se impressão de que o sistema consciente conta com um dispositivo especial, capaz de protegê-lo de certas excitações que poderiam perturbar seu equilíbrio, que Freud chamou de detector ou amortecedor de estímulos. Se um estímulo externo é excessivamente intenso para o psiquismo, ele é captado pelo aparelho protetor amortecido e transmitido de forma econômica e gradual. Em síntese, o aparelho protetor recebe o estímulo do exterior, amortece-o e transmite-o gradualmente, evitando que o equilíbrio psíquico do organismo se perturbe. O amortecedor de excitações é o que capacita o sujeito regular sua vida psíquica, mediante uma distribuição econômica das cargas energéticas, o que lhe permite conservar o repouso e manter em equilíbrio adequado sua tensão energética. Apesar de não ser a instância única a escolher o que será recalcado, a consciência desempenha um papel importante na dinâmica: CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 32 http://www.psicanaliseclinica.com/ ● do conflito: evitação consciente do desagradável, regulação mais discriminadora do princípio de prazer; e ● do tratamento: função e limite da tomada de consciência. Observe que, para Freud, há duas visões principais sobre o consciente, e isso demandará a necessidade da formulação de uma teoria que inclua também o consciente: ● o Cs é apenas parte de nossos processos psíquicos, sendo que nossa vida mental é, de maioria, inconsciente; ● o Cs não é irrelevante, também não é irrelevante o fato de algo ser consciente ou não, já que a consciência marca o indivíduo e é preciso estudar porque algumas coisas são conscientes enquanto outras não. A ideia de que o Cs é a porta de entrada da percepção e é a conexão entre o universo interior e o universo exterior de um sujeito será mantida por Freud no decorrer de toda a sua obra. No fenômeno da consciência essa tese dá uma prioridade à percepção, e principalmente à percepção do mundo exterior: “O acesso à consciência está antes de mais nada ligado às percepções que os nossos órgãos sensoriais recebem do mundo exterior”, escreveu Freud. A questão se complexifica quando relacionamos a consciência com a memória e os processos de representações. Aí, são mobilizados elementos pré-conscientes e inconscientes que interferem a forma atual como a pessoa vê e recebe uma percepção. “Para que seja conferida uma qualidade [aos processos de pensamento], estes são associados, no homem, às recordações verbais, cujos restos qualitativos são suficientes para atrair a atenção da consciência; a partir daí um novo CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 33 http://www.psicanaliseclinica.com/ investimento móvel se dirige para o pensamento.” (FREUD, Estudos sobre a histeria) Ou seja, o “órgão” (como Freud chamava) do consciente percebe a realidade externa, mas essa precisa ser simbolizada, não pode ser apenas uma coisa. São as memórias (representadas por restos de palavras) pré-existentes que absorvem a percepção ao sistema psíquico do sujeito. Afirma Freud: “A regra biológica da atenção enuncia-se assim para o ego: quando aparece um indicador de realidade, o investimento de uma percepção que está simultaneamente presente deve ser sobre-investido”. Na segunda tópica, Freud vai relacionar o sistema Pc-Cs como sendo uma tarefa do ego. O egoprecisa investir ao máximo sua energia para novos fatos relevantes do mundo, como um mecanismo de sobrevivência (“regra biológica”). Podemos entender como duas ações principais do ego: 1) perceber de forma vívida (como vimos no parágrafo anterior); 2) amortecer o excesso de informações, como vimos quando falamos do sistema detector e amortecedor de estímulos. No início da obra freudiana, era possível supor que o consciente fazia o trabalho de “esquecer” o que seria insuportável lembrar, ou seja, que era o consciente (e somente ele) quem promovia o recalcamento. Mas, depois, houve uma “ênfase cada vez maior dada ao caráter pelo menos parcialmente inconsciente das defesas e da resistência que se exprimem no tratamento” (LAPLANCHE & PONTALIS). Na teoria do tratamento, a problemática da tomada de consciência e da sua eficácia permaneceu um tema primordial de reflexão na obra freudiana. Ou seja, mesmo tendo modificado muitas de suas ideias, permaneceu em Freud a CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 34 http://www.psicanaliseclinica.com/ noção de que a terapia deve permitir ao analisando “tomar consciência” de uma causa, e essa tomada de consciência promoveria a cura de seus sintomas. Porém, a passagem à consciência não implica por si só uma cura, pode não haver uma verdadeira integração do recalcado no sistema pré-consciente. Ou seja, não basta o psicanalista “contar” ao analisando que o sintoma Y é causado pelo fato X, que fora recalcado. É preciso que isso seja construído e que faça sentido ao analisando, por isso é preciso “todo um trabalho que dissipe as resistências que impedem a comunicação entre os sistemas inconsciente e pré-consciente, e capaz de estabelecer uma ligação cada vez mais estreita entre os traços mnésicos [memórias] inconscientes e a sua verbalização” (L&P). Este tempo para o analisando derrubar as resistências, incorporar o “aprendizado” ao seu pré-consciente para, só depois, verbalizar isso como uma tomada de consciência própria dele (analisando) é chamado por Freud de perlaboração. Sem este tempo, uma mera revelação interpretativa do analista ao analisando poderá ser um ato de prepotência do analista e (ainda que “verdadeira”) não será verdadeira ao analisando, porque não terá sido amadurecida enquanto tal pelo analisando. INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 35 https://www.psicanaliseclinica.com/consciente-pre-consciente-e-inconsciente/ http://www.psicanaliseclinica.com/ 4.2.2. O Pré-Consciente Termo utilizado por Freud no quadro da sua primeira tópica. Como substantivo, designa um sistema do aparelho psíquico nitidamente distinto do sistema inconsciente (Ics); como adjetivo, qualifica as operações e conteúdos desse sistema pré-consciente (Pcs). Estes não estão presente no campo atual da consciência e, portanto, são inconsciente no sentido “descritivo” do termo, mas distingue-se dos conteúdos do sistema inconsciente na medida em que permanecem de direito acessíveis à consciência (conhecimento e recordações não atualizados por exemplo). Ou seja, os conteúdos pré-conscientes estão disponíveis ao consciente, só não estão conscientes agora. Um exemplo: você se esqueceu do nome de uma pessoa, mas você tem certeza de você sabe o nome, apenas não se lembra dele agora. Quando o nome lhe é revelado por outra pessoa, você sabia que o nome existia na sua mente. O pré-consciente está localizado entre o consciente e o inconsciente, e nele ficam as idéias, os pensamentos, experiências passadas e outras impressões que podem, com algum grau de esforço, ser trazidos à consciência. As impressões do mundo exterior também são radicadas no Pcs, em forma de representações fonéticas e verbais. É o sistema pré-consciente que leva as tendências e representações objetivas inconscientes à consciência, só que nesta função, associa-se em forma de representações verbais, adquiridos na realidade. Como o pré-consciente se relaciona com a realidade externa e também com o CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 36 http://www.psicanaliseclinica.com/ inconsciente, no decorrer do sonho, são usados fatos reais, uma idéia concebida em estado de vigília, a fim de expressar um desejo inconsciente. Enquanto o sistema inconsciente é regido pelo processo primário (inconsciente), o pré-consciente (também com suas leis próprias) é regido pelo processo secundário, que compreende: ● A elaboração de sucessão cronológica nas representações; ● A descoberta de uma relação lógica; ● O preenchimento de lacunas existentes entre idéias isoladas; ● A introdução do fator causal, ou seja, relação de coexistência e sucessão entre os fenômenos: relação causa-efeito. Durante o sono, essa tarefa se cumpre no pré-consciente, tal como acontece nos estados de vigília, em que a atividade se constitui o ato de pensar. Afirma NUMBERG: “As idéias pré-conscientes aparecem enxertadas nos impulsos inconscientes, e daí surge a necessidade de distinguir a essência da enfermidade daquilo que é o resultado da elaboração secundária”. Do ponto de vista metapsicológico, o sistema Pcs difere do Ics pelo fator da censura: ● Enquanto o Ics é inacessível ao Cs, não está construído sobre ideias lógicas do ponto de vista espacial e temporal, restando interditado ao Cs em função do recalque; ● O Pcs é acessível ao Cs, é construído sob a lógico espácio-temporal. ● O Ics pode passar para o Pcs, porém após processos de transformação. CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 37 http://www.psicanaliseclinica.com/ Enquanto na Primeira Tópica este conceito tem o status de um dos três pilares da psique humana, na Segunda Tópica Freud falará de “pré-consciente” apenas como adjetivo, para qualificar o que escapa à consciência atual mas que não se tornou inconsciente no sentido estrito do termo. Por ser um sistema psíquico, só é possível entender Pcs, Ics e Cs quando os comparamos entre si. Nesse sentido, o Pré-Consciente tem uma semelhança: ● do ponto de vista descritivo, com o Inconsciente: tanto o Pcs quanto o Ics não estão presentes na nossa consciência atual; ● do ponto de vista funcional, com o Consciente: tanto o Pcs quanto o Cs representam memórias que podem ser postas em palavras e que não foram recalcadas. Uma outra forma bastante interessante de entender o Pcs é identificarmos a diferença entre os dois tipos de censura: ● Primeira Censura ou Censura propriamente dita: barreira existente entre o Ics e Pcs, é uma transição complexa, porque há transformações que precisam ser feitas (o Ics não se revela tal como é, por ter suas leis e linguagens próprias); baseia-se no princípio da transformação(“deformando” os conteúdos que escapam do Ics); ● Segunda Censura: barreira existente entre o Pcs e Cs, é uma transição mais simples, sem transformações significativas, já que há coincidências entre a lógica Pcs e a lógica Cs; baseia-se no princípio da seleção (isto é, o Cs precisa atender suas necessidades atuais e vai buscar informações necessárias no Pcs). Quando a Psicanálise falar apenas “censura”, é a primeira censura que provavelmente estará sendo abordada (por isso é chamada de “censura CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 38 http://www.psicanaliseclinica.com/ propriamente dita”). Apesar disso, Freud diferenciou esses dois tipos de censura, exatamente para a melhor compreensão da dinâmica Ics - Pcs - Cs. INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: Recalque, Repressão e Censura 4.2.3. O Inconsciente O conceito de o inconsciente é empregado no sentido daquilo que nunca foi observado diretamente. Mas ao mesmo tempo é um conceito empírico (da experiência), pelo fato de representar uma indiferença imprescindível para explicar, de maneira lógica e sistemática, um grande número de observações. Será difícil, portanto, dar uma definição categórica de algo cuja a natureza só se desconhece intimamente e cujo conhecimento só se pode obter de forma indireta, mediante os dados que nos são fornecidos pelos sonhos, os atos falhos, os chistes, a associação livre, os testes projetivos e a história de sintomas neuróticos e psicóticos. CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 39 https://www.psicanaliseclinica.com/recalque-repressao-e-censura-para-a-psicanalise/ http://www.psicanaliseclinica.com/ Praticamente se conhece o inconsciente em expressão do pouco que chega (e chega distorcido) ao pré-consciente e ao consciente. Os psicanalistas não são os únicos que admitem a existência de um inconsciente: filósofos e os psicólogos admitem a existência de um inconsciente, mas muitos o fazem de modo negativo: aquilo que não é consciente e não é racionalizável, por isso ficando de fora do campo de saber de inúmeras ciências. Mas, para a Psicanálise, o inconsciente é psiquicamente positivo, ou seja, é algo em relação ao qual a teoria pode afirma o que é, e não só o que não é. Nesse sentido, o Ics é um sistema em constante evolução e investido de energia psíquica. Segundo o conceito de Freud, é simplista definir o inconsciente somente como o contrário do consciente, como dizia Lipps. Também é errôneo definir o Ics como o degradé ou o latente, como afirmam os filósofos da introspecção e da intuição. Pelo contrário, o Ics é o grau preparatório do consciente e, ainda mais exatamente, é o verdadeiro psiquismo, o psiquismo real (Freud), a maior parte da nossa vida psíquica é pertinente à instância Ics. Para LAPLANCHE & PONTALIS, “Se fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta freudiana, seria incontestavelmente na palavra inconsciente, pois em psicanálise é a estrutura psíquica que compreende os impulsos e sentimentos dos quais o indivíduo não tem consciência; é a pedra do fecho de toda teoria da psicanálise, em alemão é o não sabido.” O inconsciente é desconhecido para o indivíduo, mas partes de seu conteúdo podem, às vezes, passar à pré-consciência e daí virem manifestar no CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 40 http://www.psicanaliseclinica.com/ consciente. A maior parte dos textos freudianos anteriores à Segunda tópica associam o inconsciente àquilo que é recalcado (Ics = recalcado). Ao modo de atuar no inconsciente dá-se o nome de processo primário por ser a primeira forma de atuação, a mais primitiva do psiquismo. A teoria psicanalítica considera os processos psíquicos essencialmente inconscientes e que antes de chegarem a ser conscientes devem sofrer um complicado processo, que tem suas leis determinantes, regras de gramática especial e lógica primitiva que regem esse sistema, e que neste caso são as do processo primário. No processo primário devem-se considerar os elementos que atuam, levando-se em conta que no aparelho psíquico o que chega a ser consciente provém do inconsciente. Ou seja, existe uma dinâmica que, como tal, deve ser regras que a regem. No sentido 'tópico' ou funcional, isto é, como parte da estrutura psíquica da Primeira Tópica, o conceito de inconsciente designa um dos sistemas definidos por Freud no quadro desta 1a Tópica (modelo topográfico). É constituído por conteúdos recalcados aos quais foi recusado o acesso ao sistema pré-consciente e consciente pela ação do recalque. Não haveria inconsciente sem recalque, como só faz sentido dizer que haja recalque se houver um “lugar” (Ics) para onde recalcar. Podemos resumir do seguinte modo as características essenciais do Inconsciente como sistema (ou Ics): a) os seus 'conteúdos' são 'representantes' das pulsões, ou seja, estão em contato direto com energias psíquicas primitivas; b) estes 'conteúdos' são regidos por mecanismos específicos do processo primário, principalmente a condensação e o deslocamento (abordaremos esta temática no capítulo seguinte, neste Módulo); CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 41 http://www.psicanaliseclinica.com/ c) fortemente investidos pela energia pulsional, os conteúdos Ics procuram retornar à consciência e à ação; mas só podem ter acesso ao sistema Pcs-Cs nas formações de compromisso, depois de terem sido submetidos às deformações da censura. [formações de compromisso: quando se forma o vínculo entre um conteúdo recalcado no Ics e um sintoma perceptível no nível Pcs-Ics] d) os conteúdos Ics são, mais especialmente, desejos da infância que conhecem uma fixação no inconsciente. No quadro da Segunda tópica freudiana, o termo inconsciente é usado sobretudo na sua forma adjetiva: efetivamente, inconsciente deixa de ser o que é próprio de uma instância especial (como ocorre na 1a Tópica). Na Segunda tópica, “inconsciente” qualifica o id (principalmente) e o ego e o superego (em partes). Mas convém notar, conforme propõem LAPLANCHE & PONTALIS: ● as características atribuídas ao sistema Ics na primeira tópica são de um modo geral atribuídas ao id na segunda tópica; ● o bloco relativo a Pcs e Cs terá uma parte consciente e uma parte inconsciente na segunda tópica. O inconsciente freudiano brotou da experiência do tratamento. Este mostrou que o psiquismo não é redutível ao consciente e que certos 'conteúdos' só se tornam acessíveis à consciência depois de superadas certas resistências. Freud revelou que a vida psíquica era “... cheia de pensamentos eficientes embora inconscientes, e que era destes que emanavam os sintomas”, o que o levou a supor a existência de 'grupos psíquicos separados' (em três partes,como vimos) e, de modo mais geral, a admitir o inconsciente como um 'lugar psíquico' particular que deve ser concebido não como uma CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 42 http://www.psicanaliseclinica.com/ Segunda consciência, mas como um sistema que possui conteúdos, mecanismos e, talvez, uma 'energia' específica. Mas, quais serão esses conteúdos inconscientes, que tipo de “informação” há lá? No artigo O Inconsciente, Freud denomina-os 'representantes da pulsão'. A pulsão está fronteira entre corpo e mente, é o inconsciente que traz a energia da pulsão de fato para dentro da psique ou da mente. As representações inconscientes são dispostas em fantasias, histórias imaginárias em que a pulsão se fixa e que podemos conceber como verdadeiras encenações do desejo. Outro aspecto classicamente reconhecido é o do inconsciente relacionado àquilo que é infantil em nós, mas também aqui se impõe uma reserva. Nem todas as experiências infantis estão destinadas ao Ics. Para Freud, é pela ação do recalque infantil que se opera a primeira clivagem (separação) entre o inconsciente e o sistema Pcs-Cs. Sabe-se que o sonho foi para Freud o caminho por excelência da descoberta do inconsciente. Os mecanismos do sonho (deslocamento, condensação, simbolismo) evidenciados em A Interpretação de Sonhos (1900) são também constitutivos do processo primário e do Ics em geral e das formações que revelam o Ics (atos falhos, chistes, lapsos, sintomas etc.). Quando Freud procura definir o inconsciente como sistema, resume assim as suas característica específicas: ● é um processo primário e que é móvel (não se fixa a um objeto claro de desejo, característica de uma energia livre); ● tem ausência de negação ou de dúvida, por possuir um elevado de grau de certeza; ● é indiferente perante a realidade (tem sua própria realidade), e CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 43 http://www.psicanaliseclinica.com/ ● tem sua regulação exclusivamente pelo princípio de desprazer-prazer, não se baseia por preceitos morais (certo-errado). As considerações tópicas (isto é, do Ics, Pcs e Cs cada qual em seu lugar) não devem fazer-nos perder de vista o valor dinâmico do inconsciente freudiano, que o seu autor tantas vezes sublinhou. Devemos nas distinções tópicas o meio de explicar o conflito fenômenos do nosso aparelho psíquico, não vermos essas partes de uma forma dogmática e estanque. Sabe-se que, a partir de 1920, a teoria freudiana do aparelho psíquico foi profundamente remodelada. Foram introduzidas novas distinções tópicas que já não coincidiam com as do inconsciente, pré-consciente e consciente. Com efeito, se é verdade que reencontramos na instância do id as principais características do sistema Ics, também nas outras instâncias - ego e superego - há uma parte inconsciente. INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: O lado oculto da mente ● Artigo: Freud e o Inconsciente: um guia CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 44 https://www.psicanaliseclinica.com/lado-oculto-mente/ https://www.psicanaliseclinica.com/freud-e-o-inconsciente/ http://www.psicanaliseclinica.com/ 4.3. Processo primário e processo secundário São os dois modos de funcionamento do aparelho psíquico, tais como foram definidos por Freud. Podemos distingui-los radicalmente: a) do ponto de vista tópico (ou seja, do ponto de vista das partes que integram o modelo topográfico): ● o processo primário caracteriza o sistema inconsciente e ● o processo secundário caracteriza o sistema pré-consciente-consciente; b) do ponto de vista econômico-dinâmico: ● no processo primário, a energia psíquica escoa-se livremente, passando sem barreiras de uma representação para outra, segundo os mecanismos de deslocamento e condensação; tende a reinvestir plenamente as representações ligadas às vivências de satisfação constitutivas do desejo (alucinação primitiva); ● no processo secundário, a energia começa por estar “ligada” antes de se escoar de forma controlada; as representações são investidas de uma maneira mais estável, a satisfação é adiada, permitindo assim experiências mentais que põem à prova os diferentes caminhos possíveis da satisfação. c) do ponto de vista do princípio que rege cada processo: CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 45 http://www.psicanaliseclinica.com/ ● o processo primário rege-se pelo princípio do prazer, buscando satisfação imediata e evitar o desprazer; ● o processo secundário rege-se pelo princípio da realidade, buscando a sobrevivência (que é uma forma de satisfação no médio e longo prazo). Associe assim: Processos primários Processos secundários Instância Ics Instâncias Pcs e Cs Energia livre: passa de uma representação a outra, por meio de mecanismos de condensação e deslocamento. Energia ligada a representações mais fixas (estáveis). Busca a satisfação imediata, só se guia pelo mecanismo do prazer e de evitar o desprazer. Permite adiar a satisfação com base em critérios sociais/morais, buscando caminhos de compensação da satisfação (ex.: a segurança social é compensação para o sujeito abrir mão de fazer tudo o que deseja, pois, se o fizesse, seria socialmente punido). Princípio do prazer Princípio da realidade Os termos “primário” e “secundário” têm implicações temporais (o primário vem antes), e mesmo genéticas (o primário está mais ligado ao organismo, enquanto o secundário está ligado às experiências de vida). Estas implicações acentuam-se em Freud no quadro da segunda tópica, em que o ego é definido como resultado de uma diferenciação progressiva do id. Ou seja, o ego é um desenvolvimento tardio do id. Como o id (relacionado ao Ics) antecede o ego, os processos inconscientes são chamados de primários. CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com Todos os Direitos Reservados - MÓDULO 4 - O MÉTODO PSICANALÍTICO - pág. 46 http://www.psicanaliseclinica.com/ A questão, no entanto, está presente desde a primeira tópica. É assim que os dois tipos de processos parecem corresponder não apenas a modos de funcionamento ao nível das representações, mas a duas etapas na diferenciação do aparelho neurônico (formação física da mente) e mesmo na evolução do organismo. O processo primário é assim designado por ser o primeiro dos dois padrões de funcionamento mental no quadro da Teoria Topográfica. Desde os primeiros momentos da vida, quando o sistema Ics compreende praticamente a totalidade do aparelho psíquico, sua maneira de funcionar é, também, a única maneira de funcionar da mente. Um pouco mais tarde, começa a aparecer um meio de funcionamento diferente, a que se dá o nome de processo secundário. Para muitos intérpretes de Freud, os qualificativos primário e secundário, exprimem, apenas, uma conotação temporal e biológica, pelo que não se deve considerar
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