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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA HIDRÁULICA E AMBIENTAL CURSO DE ENGENHARIA AMBIENTAL EDILENE PEREIRA ANDRADE AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA DE HIDROGÉIS PARA APLICAÇÃO NA AGRICULTURA FORTALEZA 2016 EDILENE PEREIRA ANDRADE AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA DE HIDROGÉIS PARA APLICAÇÃO NA AGRICULTURA Monografia apresentada ao Curso de Engenharia Ambiental do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Engenharia Ambiental. Orientador: Prof. Dr. Suetônio Mota. Co-orientadora: Prof. Drª. Maria Cléa Brito de Figueiredo. FORTALEZA 2016 Balcão Retângulo Balcão Retângulo Balcão Retângulo Aos meus pais, Edna e Carlos. Aos meus irmãos Edicarla e Eric. Ao meu noivo, Mateus. AGRADECIMENTOS A Deus, por me dar forças quando tudo parecia mais difícil do que deveria estar. A minha família pelo apoio e suporte sempre. Ao meu noivo Mateus pelo seu apoio incondicional em todas as decisões, por todo seu amor, pelo seu entusiasmo e por sempre acreditar em mim. À Embrapa, pela oportunidade de estágio e pela excelente estrutura do trabalho. A Prof. Dra. Maria Cléa Brito de Figueiredo, pela confiança desde o primeiro dia que começamos a trabalhar. Também por ser sempre doce e por me passar tanto conhecimento. Ao professor Dr. Suetônio Mota por aceitar ser meu orientador neste trabalho e por suas excelentes aulas durante os 5 anos de graduação na UFC. Ao Professor Ronaldo Stefanutti pelos 5 anos de aprendizado e confiança. O senhor sabe da importância que teve na minha vida acadêmica. A Professora Ana Bárbara por despertar o desejo em mim em ser professora. A senhora é o maior exemplo de dedicação e empenho que podemos ter. Ao Professor André Bezerra por suas aulas completíssimas e pela sua didática de priorizar tudo. O senhor é um professor maravilhoso. Agradeço ao grupo de “ACVistas” da Embrapa, em especial ao Diêgo, por toda sua paciência me ajudando na resolução dos problemas que encontramos durante a realização do trabalho e por suas revisões neste trabalho. Ao Laboratório de Polímeros da UFC pela oportunidade de realizar parte do trabalho, em especial à Maslândia e Carol, por suas considerações valiosas e pelo seu amplo conhecimento. Aos meus amigos Gabriela, João Victor pela paciência e por sempre tornar meus dias mais leves. Aos amigos e colegas de curso, em especial Isa e Diana, pelas boas conversas, companheirismo e tira-dúvidas antes das provas. “Ás vezes é preciso dar um passo atrás no caminho que você acha que é certo para poder dar dois passos à frente no caminho que você tem certeza que é certo.” (Jonatas Persan) RESUMO Hidrogéis superabsorventes são polímeros hidrofílicos reticulados que têm a capacidade de sorver e manter em sua estrutura soluções aquosas sem se dissolverem. Os hidrogéis podem ser puros ou estar misturados com cargas minerais, dando origem aos compósitos que tanto diminuem os custos econômicos de produção, como agregam melhorias nas características físicas e químicas dos hidrogéis sintetizados. O objetivo deste trabalho é comparar os impactos ambientais, de dois processos de produção de hidrogéis superabsorventes em escala laboratorial: sistema A, produção do hidrogel copolimérico de acrilamida-acrilato de potássio (Pam Acril) e o sistema B, produção do compósito com casca de ovo (CalG20). Seguiram-se as normas NBR ISO 14040 e 14044 para a Avaliação do Ciclo de Vida. A fronteira dos sistemas desse trabalho abrange a produção dos hidrogéis (processos de síntese, lavagem e secagem) e dos insumos (água, energia e reagentes químicos). A unidade funcional utilizada foi um hidrogel com a capacidade de absorção de 1 L de água, implicando na necessidade de produzir 1,368 g do hidrogel PamAcril e 0,901 g do CalG20 como fluxos de referência. O programa utilizado foi o Sima Pro versão 8.0, e a base de dados foi a do Ecoinvent. Os métodos utilizados para a avaliação dos impactos ambientais foram: o ReCiPe na versão hierárquica, considerando os impactos de mudança climática, eutrofização, acidificação; Pfister, para o estudo de escassez hídrica e o USEtox, para análise dos impactos de toxicidade humana (cancerígena e não cancerígena) e ecotoxicidade. Os resultados desse estudo mostram que o hidrogel produzido no sistema A gera maior impacto ambiental quando comparado ao sistema B, em todas as categorias analisadas, causando cerca de duas vezes mais impacto. A análise de incerteza pelo método de Monte Carlo confirma os resultados com uma significância de mais de 95% em todas as categorias utilizadas para o estudo. Analisando separadamente as etapas em ambos os sistemas, os maiores impactos se devem ao consumo de energia na etapa de secagem e ao consumo de água na etapa de lavagem. Para redução dos impactos nos dois sistemas, sugere-se modificações na etapa de secagem. Palavras-chave: Impactos ambientais, acrilamida, casca de ovo, hidrogel ABSTRACT Superabsorbent hydrogels are crosslinked hydrophilic polymers that have the ability to absorb and retain aqueous solutions in their structure without dissolving themselves. The hydrogels may be pure or mixed with mineral fillers, creating the composites that decrease production cost and improve physical and chemical characteristics of the synthesized hydrogels. It can be found in eggshells in the form of calcite, implying their use in reducing the waste management expenses. This study aims compare the environmental impacts of two hydrogels superabsorbent production processes in laboratory scale: System A, copolymer hydrogel production of potassium acrylamide acrylate (Pam Acril) and system B, the composite production with bark egg (CalG20). This study is according to the ISO 14040 and 14044 standards for Life Cycle Assessment. The extension of this work system covers the production of hydrogels (synthesis processes, washing and drying) and inputs (water, energy and chemicals). The functional unit used was a hydrogel with the absorption of 1 liter capacity, requiring 1,368 g of hydrogel PamAcril and 0,901 g and of CalG20 as reference flows. The software used was version 8.0 Sima Pro, and the database was the Ecoinvent.The methods used for assessing the environmental impacts were: the recipe in hierarchical version, including the impacts of climate change, eutrophication, acidification; Pfister, for the study of water scarcity and USEtox for analysis of the impacts of human toxicity (carcinogenic and not carcinogenic) and ecotoxicity. The results of this study show that the hydrogel produced in the system generates greater environmental impact when compared to the system B, in all analyzed categories, causing about two times more impact. The uncertainty analysis by Monte Carlo method check out the results with a significance of more than 95% in all categories used in the study. Separately analyzing the steps in both systems, larger impacts are due to energy consumption in the drying step and the water consumption by a washing step. To reduce the impact on the two systems, it is suggested modifications in the drying step. Key-words: Acrylamide, eggshell, environmental impacts, hydrogelLISTA DE FIGURAS Figura 1: Intumescimento de uma rede polimérica de um hidrogel hidrofílico ....................... 20 Figura 2: Interface existente entre um produto industrial e o meio ambiente .......................... 26 Figura 3: Ciclo de vida de um produto e seus impactos ambientais......................................... 26 Figura 4: As fases da ACV ....................................................................................................... 30 Figura 5: Etapas para construção do Inventário de Ciclo de Vida. .......................................... 33 Figura 6: Exemplo da etapa de Classificação e Caracterização de um estudo de ACV. .......... 38 Figura 7: Fases da interpretação dos resultados da ACV ......................................................... 43 Figura 8: Diferença entre os métodos de AICV ....................................................................... 45 Figura 9: Fronteira da ACV ...................................................................................................... 49 Figura 10: Síntese do Pam Acril ............................................................................................... 52 Figura 11: Pam Acril em repouso após síntese......................................................................... 53 Figura 12: Processo de lavagem do Pam Acril ......................................................................... 54 Figura 13: Hidrogel durante processo de secagem ................................................................... 56 Figura 14: Síntese do CalG20 ................................................................................................... 56 LISTA DE EQUAÇÕES Equação 1: Cálculo do indicador de midpoint para categoria de impacto m ........................... 37 Equação 2: Cálculo do indicador resultante para Escassez hídrica pelo Método de Pfister et al (2009) ....................................................................................................................................... 40 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Avaliação de impacto ambiental comparativa de produção de hidrogel nos sistemas A e B. ........................................................................................................................................ 62 Gráfico 2: Análise de incerteza pelo método de Monte Carlo, comparando os sistemas A e B. .................................................................................................................................................. 63 Gráfico 3: Resultado da avaliação de impacto ambiental da produção do hidrogel no sistema A. .............................................................................................................................................. 64 Gráfico 4: Resultado da avaliação de impacto ambiental da produção do hidrogel no sistema B. .............................................................................................................................................. 65 Gráfico 5: Comparação percentual entre produção do Pam Acril com e sem a etapa de secagem na estufa. .................................................................................................................... 67 Gráfico 6: Comparação percentual dos impactos causados na produção do CalG20 com e sem a etapa de secagem na estufa. ................................................................................................... 69 Gráfico 7: Análise de impactos do sistema A (Pam Acril) sem a etapa de secagem na estufa 70 Gráfico 8: Análise de impactos do sistema B (CalG20) sem a etapa de secagem na estufa .... 72 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Categorias de impacto, descrição, método e indicadores. ........................................ 36 Tabela 2: Métodos de AICV de acordo com a sua abordagem ................................................ 46 Tabela 3: Entradas e saídas dos processos unitários na produção de 1,368 g de hidrogel no sistema A. ................................................................................................................................. 59 Tabela 4: Entradas e saídas dos processos unitários na produção de 0,901 g de hidrogel no sistema B. ................................................................................................................................. 61 Tabela 5: Comparação quantitativa entre produção do Pam Acril com e sem a etapa de secagem na estufa. .................................................................................................................... 68 Tabela 6: Comparação quantitativa entre produção do CalG20 com e sem a etapa de secagem na estufa .................................................................................................................................... 69 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas ACV Avaliação do Ciclo de Vida AIA Avaliação de Impactos Ambientais AICV Avaliação de Impactos do Ciclo de Vida AT Acidificação Terrestre CH4 Gás Metano CO2 Gás Carbônico CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente CTUh Unidade Comparativa de Toxicidade Humana CTUe Unidade Comparativa de Toxicidade para Ecossistema ECO Ecotoxicidade ED Eutrofização de Águas Doces EIA Estudo de Impacto Ambiental EM Eutrofização Marinha EH Escassez Hídrica ICV Análise de Inventário do Ciclo de Vida MC Mudanças Climáticas PAG Potencial de Aquecimento Global N Nitrogênio N2O Óxido de Nitrogênio P Fósforo RIMA Relatório de Impacto Ambiental SO2 Óxido de enxofre THC Toxicidade Humana Cancerígena THNC Toxicidade Humana Não Cancerígena VF Verification Factor WSI Water Stress Index WTA Withdrawal to availability Sumário 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 16 2. OBJETIVOS........................................................................................................................ 18 2.1 Objetivo Geral ........................................................................................................ 18 2.2 Objetivos específicos ............................................................................................... 18 3. REVISÃO DE LITERATURA .......................................................................................... 19 3.1 Hidrogéis.............................................................................................................................20 3.2 Hidrogéis e suas aplicações relacionadas à água ................................................. 21 3.2.1 Hidrogéis na purificação de água ........................................................................... 21 3.2.2 Hidrogéis na produção agrícola .............................................................................. 22 3.2.3. Casca do ovo de galinha .......................................................................................... 24 3.3 Avaliação do Ciclo de Vida .................................................................................... 25 3.3.1 Fases da ACV ........................................................................................................... 30 3.3.2 Objetivo e escopo......................................................................................................30 3.3.3 Análise de inventário do Ciclo de Vida (ICV) ........................................................ 32 3.3.4 Avaliação de Impactos do Ciclo de Vida (AICV) ................................................... 33 3.3.4.1 Elementos obrigatórios.............................................................................................. 34 3.3.4.2 Elementos opcionais .................................................................................................. 38 3.3.4.3 Categorias de impacto utilizadas .............................................................................. 38 3.3.4.3.1 Escassez hídrica ......................................................................................................... 39 3.3.4.3.2 Eutrofização ............................................................................................................... 40 3.3.4.3.3 Mudanças climáticas ................................................................................................. 40 3.3.4.3.4 Toxicidade ................................................................................................................. 41 3.3.4.3.5 Acidificação ............................................................................................................... 42 3.3.5 Interpretação dos resultados .................................................................................... 43 3.3.6 Métodos de avaliação da ACV .................................................................................. 44 3.3.7 Elaboração do Relatório e Revisão Crítica .............................................................. 47 4. MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................................. 47 4.1 Objetivos, escopo do estudo e unidade funcional .................................................. 49 4.2 Inventário: Coleta de dados ..................................................................................... 50 4.2.1 Materiais utilizados .................................................................................................... 51 4.2.2 Descrição do Sistema A ............................................................................................. 52 4.2.2.1 Síntese ......................................................................................................................... 52 4.2.2.2 Lavagem ..................................................................................................................... 54 4.2.2.3 Secagem ...................................................................................................................... 55 4.2.3 Descrição do Sistema B ............................................................................................. 56 4.2.3.1 Síntese ......................................................................................................................... 56 4.2.3.2 Lavagem ..................................................................................................................... 57 4.2.3.3 Secagem ...................................................................................................................... 57 4.3 Avaliação de impactos .............................................................................................. 57 4.4 Análise de cenários ................................................................................................... 58 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO .......................................................................................... 58 5.1 Análise do inventário do Sistema A ........................................................................ 58 5.2 Análise do inventário do Sistema B ........................................................................ 60 5.3 Avaliação de impactos .............................................................................................. 62 5.3.1 Comparação dos dois processos ................................................................................ 62 5.3.2 Pam Acril (Sistema A) ............................................................................................... 63 5.3.3 CalG20 (Sistema B) ................................................................................................... 65 5.4 DISCUSSÃO DE ALTERNATIVAS PARA REDUÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS NOS SISTEMAS A E B. .......................................................................................... 66 6. CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 72 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 74 APÊNDICE A ........................................................................................................................ 84 APÊNDICE B ........................................................................................................................ 85 APÊNDICE C ........................................................................................................................ 86 APÊNDICE D ....................................................................................................................... 87 APÊNDICE E ....................................................................................................................... 88 APÊNDICE F ....................................................................................................................... 89 APÊNDICE G ....................................................................................................................... 90 APÊNDICE H ....................................................................................................................... 91 APÊNDICE I ........................................................................................................................ 92 APÊNDICE J ........................................................................................................................ 93 APÊNDICE K ....................................................................................................................... 94 APÊNDICE L ....................................................................................................................... 95 APÊNDICE M ...................................................................................................................... 96 APÊNDICE N ....................................................................................................................... 97 APÊNDICE O ....................................................................................................................... 98 APÊNDICE P ....................................................................................................................... 99 16 1. INTRODUÇÃO Hidrogéis superabsorventes são polímeros reticulados que têm a capacidade de sorver e manter em sua estrutura soluções aquosas com uma massa centenas e até milhares de vezes maiores que a sua, sem perda de sua estrutura química por solubilização e/ou degradação de suas cadeias hidrofílicas (FEKETE et al., 2014). A essa capacidade de elevada absorção de água dá-se o nome de intumescência. Segundo Wang e Boogher (1987), os hidrogéis são usados desde a década de 80 como condicionadores de solos, onde sua alta capacidadede absorção de água em um curto intervalo de tempo e liberação lenta são características muito atrativas para uso na agricultura. Além disso, por liberar lentamente essa água acumulada, torna-se um aliado para sistemas de irrigação, melhorando a eficiência do uso de água na agricultura. Essas propriedades associadas ao hidrogel são bastante relevantes quando se trata de ambientes com elevados índices de escassez, como, por exemplo, o semiárido brasileiro. Quando puros os polímeros mostram propriedades que muitas vezes não correspondem às especificações técnicas que deveriam ter os produtos finais fabricados a partir deles (LIMA, 2007). Soma-se a isso o fato de possuírem um alto custo de produção. Assim, cargas minerais têm sido utilizadas em misturas com os mais variados tipos de polímeros, misturas estas chamadas compósitos, que têm por finalidade diminuir os custos e, mais importante, agregar melhorias nas características físicas e químicas dos produtos que serão fabricados (BOTELHO, 2006). Esses minerais têm a capacidade de aumentar tanto a resistência mecânica das matrizes poliméricas quanto a capacidade de absorção desses materiais (ZHANG e WANG, 2007). Talco, pirofilita, calcita, dolomita, caulinita, esmectita, muscovita, quartzo, wollastonita e barita são os principais minerais utilizados como cargas em polímeros no Brasil, devido à abundância na natureza. Estes minerais apresentam baixos custos de extração e fragmentação e seus preços no mercado são relativamente baixos. O carbonato de cálcio, principal componente da calcita, é um dos materiais mais absorventes que existem na natureza (FAN, 2007). A casca de ovo é composta por 94% de carbonato de cálcio, na forma de calcita e, como a maioria dos resíduos industriais, ela é descartada no ambiente, com potencial de gerar poluição do meio (MURAKAMI et al, 2007; IYER e TORKELSON, 2014). 17 Assim como todo produto, o hidrogel tem potencial de gerar impactos ambientais, sendo necessário identificar os aspectos ambientais relacionados ao ciclo de vida desse produto para indicar alternativas de produção menos impactantes, evitando-se problemas antes da sua produção em escala industrial. É importante identificar e comparar os vários processos viáveis de produção de hidrogel e, dessa maneira, poder “escolher” aquele que causará menor impacto na natureza e nos seus recursos. Uma maneira de avaliar os impactos ambientais relacionados ao ciclo de vida de um produto, sejam positivos ou negativos no meio ambiente, é utilizando a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV). A ACV é uma metodologia que determina os impactos causados no meio ambiente por um produto, processo e serviço, levando em consideração todos os processos produtivos e de consumo relacionados ao produto. Um estudo utilizando a ACV mostra o impacto potencial causado pelo produto, processo ou serviço. Além do mais, essa metodologia está em constante evolução devido a atual importância de assuntos relacionados ao meio ambiente, sendo por isso largamente utilizada por empresas e governos para dar suporte a suas decisões. 18 2. OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral Identificar os impactos ambientais causados por dois processos de produção de hidrogéis, em escala experimental, para aplicação na agricultura e definir qual processo é o que provoca menor impacto no meio ambiente. 2.2 Objetivos específicos Inventariar dois processos de produção de hidrogel; Realizar a avaliação de impacto comparativa do hidrogéis desses dois processos; Identificar em qual etapa da produção se deram os maiores impactos; Propor melhorias na produção dos hidrogéis. 19 3. REVISÃO DE LITERATURA 3.1 Hidrogéis Hidrogéis são polímeros hidrofílicos reticulados que possuem capacidade de reter grandes quantidades de água ou solução salina em sua estrutura. Através de uma polimerização térmica em meio aquoso de ácido acrílico e divinilbenzeno, em 1938, iniciou-se a produção dos primeiros polímeros absorvedores de água (BUCHHOLZ, 1996). Os hidrogéis surgiram na década de 50 com uma capacidade de intumescimento variando entre 40 a 50%, e eram utilizados na oftalmologia na composição das lentes de contato. Em 1978, polímeros superabsorventes começaram a ser produzidos no Japão para uso em absorventes femininos; já na Alemanha, em 1980, foram empregados em fraldas descartáveis para crianças. As pontes de hidrogênio existentes nas suas ligações são as responsáveis pelas fortes interações entre o hidrogel e a água, sendo esse processo de intumescimento coordenado por fatores físicos e ambientais. Pode-se citar como fatores físicos favoráveis ao intumescimento a presença de forças de coesão, grupos hidrofílicos, baixa densidade de reticulação e flexibilidade da cadeia do polímero. Já as mudanças de pH, forças iônicas, temperatura, composição do solvente são fatores ambientais que prejudicam o processo de absorção de água pelo gel. O hidrogel intumesce por meio de uma ampliação de seu volume como consequência da retenção do líquido no interior da sua estrutura. À medida que a água é absorvida pelo hidrogel, passa a ocupar os espaços entre as cadeias poliméricas fazendo com que estas se estendam procurando uma nova configuração, dado que a presença da água no sistema provoca a expansão e a reorganização das cadeias. Dessa maneira, ocorre um fenômeno osmótico que direciona o solvente para o interior do hidrogel até que se atinja um equilíbrio e assim o hidrogel para de absorver água em sua estrutura (AOUADA, 2006). A Figura 1 exemplifica o intumescimento de uma rede polimérica hidrofílica, mostrando as interações entre as moléculas de água, através de ligações de hidrogênio, com os grupos hidrofílicos fixos na rede. 20 Figura 1: Intumescimento de uma rede polimérica de um hidrogel hidrofílico Fonte: RUDZINSKI et al. ( 2002) Os hidrogéis podem ser aplicados em diversos campos como, por exemplo: na indústria de alimentos como agentes espessantes (ARENAS, 2012), na oftalmologia compõem as lentes de contato (KLAUS et al.,1990) e substrato para engenharia de tecidos (KRSKO e LEBETA, 2005), e na odontologia estão presentes em implantes (FERNANDES, 2013). Além disso, são empregados no tratamento de queimaduras (KIYOZUMI et al., 2007), preenchimento de ossos esponjosos (ZHANG et al., 2009), substituição de cartilagens (LEONE et al., 2008), liberação controlada de fármacos (KARADAG et al., 2014), capacitores (LEE e WU, 2008), baterias (IWAKURA et al., 2005), sensores (YU et al., 2008), dispositivos ópticos e janelas inteligentes (AOUADA et al., 2006), entre outros. Polímeros reticulados com elevado grau de intumescimento em água ou solução salina podem ser elaborados a partir de macromoléculas com elevada tendência hidrofílica e alta flexibilidade, geralmente em combinação com cadeia de polieletrólito natural (OMIDIAN et al, 1999). As associações com poliacrilamida contendo certa quantidade de grupos ionizáveis na forma de unidades de ácido acrílico são as tendências mais favoráveis na pesquisa. A formação de hidrogéis pode ser realizada através de vários métodos físicos e químicos, sendo os mais comuns (PEPPAS e MIKOS, 1986): 21 Copolimerização e reticulação simultânea de um ou mais monômeros monofuncionais e um monômero multifuncional seguido de intumescimento em solvente apropriado. Reticulação de um homopolímero ou copolímero em solução ou no estado sólido, seguido do intumescimento em água ou fluido biológico. A capacidade de retenção de água no hidrogel depende da elasticidade da parede, da presença de grupos funcionais hidrofílicos (-OH, -COOH, -CONH2, -SO3H) na cadeia polimérica, do grau de reticulação e do nível de porosidade do material.A presença de sais solúveis também interfere na capacidade de retenção de água, sendo responsáveis pela diminuição da capacidade de retenção de água quando estiverem presentes em altas concentrações. As indústrias que processam polímeros têm usado quantidades crescentes de cargas minerais em misturas com polímeros. Paralelamente, diversos trabalhos de pesquisa têm sido realizados no intuito de entender os comportamentos destes compósitos (LIMA, 2007). Essas pesquisas têm o objetivo de estabelecer a proporção de carga mineral mais adequada para ser utilizada juntamente ao polímero, e, assim, conseguir uma melhoria das propriedades do polímero (PAOLI et al, 2002). Os carbonatos podem ser utilizados como cargas em polímeros, tendo o tamanho de grão abaixo de 45µm, conseguidos a partir da moagem de rochas calcárias. Essas rochas podem apresentar em sua composição apenas calcita (CaCO3) ou uma mistura de calcita e dolomita [CaMg(CO3)2]. A incorporação da carga mineral no polímero acarreta uma variedade de mudanças nas suas propriedades decorrentes do tipo de interação entre essas duas fases da mistura (LIMA, 2007). 3.2 Hidrogéis e suas aplicações relacionadas à água 3.2.1 Hidrogéis na purificação de água As indústrias e seus processos contribuem bastante para a contaminação de águas residuais com metais tóxicos (cromo, níquel, cobre, chumbo, mercúrio e zinco), sendo sua remoção um grande problema, pois a precipitação química por osmose reversa é incompleta. Desse modo, o desenvolvimento de hidrogéis com capacidade de remover íons metálicos 22 através de complexação e mecanismo de troca iônica pode ser considerado uma possível solução para esse problema. Os hidrogéis copoliméricos de metacrilato de glicidila-co-dimetacrilato de etilenoglicol com diferentes porosidades foram utilizados na retirada de Cu +2 , Cd +2 , Cr +3 sob condições de não competitividade (NASTASOVI et al., 2004). A remoção de íons metálicos de detritos e águas industriais também é um grande inconveniente, pois processos de precipitação convencionais não geram resultados satisfatórios e as resinas sintéticas de troca iônica têm custo elevado. Hidrogéis inteligentes, obtidos a partir de polímeros naturais estão sendo constantemente estudados para a remoção de íons metálicos de águas residuais. O intumescimento de hidrogéis copoliméricos à base de acrilamida e acrilato de sódio sofreu uma rápida variação de volume quando postos em soluções de Ni +2 e Ba +2 , provando que esses hidrogéis são fortes candidatos para remoção de íons bivalentes tóxicos de soluções aquosas (BAJPAI e JOHNSON, 2005). Hidrogéis de poliacrilamida modificada foram usados para a remoção dos metais pesados Cu +2 , Cd +2 e Pb +2 , os quais após serem reutilizados por regeneração não perderam a capacidade de absorção (KASGOZ, OZGUMUS e ORBAY, 2003). Indústrias de plásticos, de papel, de cosméticos e as têxteis utilizam corantes para dar cor aos seus produtos. Corantes esses que poluem a água bastando apenas uma quantidade bem pequena para dar uma coloração bem visível à água, podendo ser tóxico à vida aquática (DELVAL et al., 2005). Os corantes afetam a natureza da água e inibem a penetração da luz solar nos rios reduzindo as suas atividades fotossintéticas. Devido a isso, os efluentes desses tipos de indústrias precisam de tratamentos adequados para a remoção desses contaminantes. A remoção do corante Índigo Carmim de um meio aquoso foi proposta utilizando hidrogéis amino funcionalizado de acrilamida e ácido maléico e poli (N- hidroximetilacrilamida) com incorporação de grupos amina via reação de aminação (KASGÖZ, 2005, 2006). A remoção do corante catiônico Basic Blue 17 foi estudada empregando hidrogéis adsorventes de acrilamida e acrilato de sódio utilizando diferentes agentes de reticulação (UZUM e KARADAG, 2006). 3.2.2 Hidrogéis na produção agrícola Desde muito tempo o homem vem buscando formas de irrigação de plantas. Um 23 sistema que armazene água e, em seguida, libere para a planta de forma gradual é de grande valia. Elementos porosos podem ser utilizados como reservatórios e emissores de água. Um condicionador de solo é caracterizado por todo material natural ou sintético, que, quando adicionado ao solo, modifica de maneira favorável as suas características estruturais, na proporção que eleva sua capacidade de retenção de água, favorecendo a permeabilidade do solo e também as taxas de infiltração (KÄMPF e FERMINO, 1999). Hidrogéis superabsorventes ganham destaque devido sua característica de incorporar melhorias significativas nas propriedades do solo (NIMAH, RYAN e CHAUDHRY, 1983; WANG e BOOGHER, 1987). Dentre essas melhorias podem ser apontadas: Intensificação da capacidade de retenção de água do solo; Crescimento da capacidade de retenção de nutrientes móveis, como o nitrato, diminuindo consideravelmente a lixiviação desses nutrientes; Aumento do uso eficiente de água; Nos casos de plantios irrigados, há redução da frequência de irrigação diminuindo os custos com essa atividade; Melhoria da permeabilidade do solo e a infiltração à água. Assim, uma importante função para hidrogéis superabsorventes na agricultura é na área de tecnologia de liberação controlada de água que é fortemente dependente da estrutura química do hidrogel, do pH e da temperatura de intumescimento. Um sistema de liberação controlada por meio de uma matriz polimérica é bastante vantajoso, pois se utiliza uma quantidade muito menor do agente ativo, seja ele água ou um insumo químico (AOUADA, 2006). MARQUES et al. (2013) investigaram o uso de hidrogéis na irrigação de mudas de café. Os autores observaram que o uso do hidrogel proporcionou mudas de qualidade semelhantes ao método tradicional de irrigação. Thomas (2008) explicou que o hidrogel melhora a sobrevivência das mudas, pois permite que as raízes das plantas cresçam por dentro dos grânulos do polímero hidratado, com maior superfície de contato entre raízes, água e nutrientes. Em relação à contaminação do solo, os hidrogéis superabsorventes quando misturados com a terra, têm a capacidade de absorver parte da solução fertilizante em 24 partículas gelatinosas, em volta das quais as raízes podem crescer extraindo de forma gradativa os elementos nutrientes retidos na zona superficial do solo (ROSA, BORDADO e CASQUILHO, 2008). Os agroquímicos são utilizados para aumentar uma ocasional colheita. Entretanto, a aplicação convencional de agroquímicos pode resultar em contaminação da água do subsolo. Uma alternativa para contornar esse problema é realizar aplicações mais controladas, para que se reduzam as quantidades de agentes ativos, sem prejudicar sua eficiência. A substituição do método convencional de manejo de agroquímicos por sistemas de liberação controlada além de evitar o risco de saúde do agricultor, oferece também uma maneira de minimizar o desperdício do agente ativo (BAJPAI e GIRI, 2003). A combinação de agroquímicos com materiais poliméricos tem despertado grande interesse nas últimas décadas, objetivando obter formulações com propriedades de liberação controlada (KOK et al., 1999). Esses materiais poliméricos carregados intumescem e posteriormente liberam o composto carregado no ambiente em que se deseja, constituindo a base da tecnologia de liberação do agente ativo. Os objetivos das formulações de liberação controlada são a proteção do fornecimento do agente ativo para permitir a sua liberação automática no alvo a uma taxa controlada e manter sua concentração no sistema dentro de um limite ótimo sobre certo período de tempo, produzindo grande especificidade e constância (BAJPAI e GIRI, 2002). 3.2.3 Cascado ovo de galinha Em 2014, a produção nacional de ovos de galinha foi de 2,826 bilhões de dúzias, o maior número já registrado na série histórica da pesquisa, iniciada em 1997, representando um aumento de 3,1% em relação ao ano anterior (AGÊNCIA BRASIL, 2015). A casca de ovo é considerada resíduo classe II B, não perigoso e inerte. Atualmente, o método mais comum de destinação final para esse resíduo é a disposição em aterros por ser mais barato. Entretanto, devido aos níveis crescentes de impostos e restrições criadas para a utilização dos aterros, esta opção se torna cada vez menos atraente. Além disso, a casca do ovo é um resíduo que possui valor devido a sua composição, podendo ser aproveitada como matéria-prima para obtenção de produtos de alto valor agregado. A casca do ovo serve como base para desenvolvimento de produtos na 25 indústria cosmética, suplementos alimentares, bases biocerâmicas, fertilizantes, implantes ósseos e dentários, e como agentes antitártaro em cremes dentais (MURAKAMI, 2006). A casca de ovo é rica em minerais, tais como o carbonato de cálcio (94% do peso da casca), carbonato de magnésio (1%) e fosfato de cálcio (1%) (NEVES, 1998). Observa-se que o cálcio está presente em maior quantidade, sendo encontrado na forma de carbonato de cálcio na proporção de 40% biodisponível do produto em pó (PERES e WASZCZYNSKYJ, 2010). As cargas minerais têm sido utilizadas como carga em compósitos com os mais variados tipos de polímeros. Essas misturas têm como finalidade baratear os custos e, além disso, agregam melhorias das características físicas e químicas dos hidrogéis fabricados. Os trabalhos de Li e Wang (2005), Almeida Neto (2010) e Lima (2008) compararam o comportamento de hidrogéis com e sem mineral. Os resultados mostram que a incorporação de mineral aos hidrogéis reduz a porcentagem de perda na capacidade de absorção de água dos compósitos quando os mesmos são submetidos a cinco ciclos de intumescimento e secagem. Os materiais sem mineral têm uma porcentagem de perda média de 48,7%, enquanto que os compósitos perdem em média 35,3% de sua capacidade de absorção após 5 ciclos. 3.3 Avaliação do Ciclo de Vida Todo produto, não importa de que material seja feito, madeira, vidro, plástico, metal ou qualquer outro elemento, provoca um impacto no meio ambiente, seja em função de seu processo produtivo, das matérias-primas que consome, ou devido ao seu uso e disposição final (CHEHEBE, 1997). Segundo Chehebe (1997), a crescente preocupação com os impactos ambientais gerados pela provisão de bens e serviços à sociedade tem sido indutora do desenvolvimento de novas metodologias que visam auxiliar na compreensão, controle e/ou redução desses impactos. A Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) é uma dessas metodologias e considera todo o ciclo de vida do produto, desde a extração da matéria-prima utilizada na produção, passando pelo seu uso e finalizando com a disposição final do produto. A Figura 2 mostra a interface existente entre um produto industrial e o meio ambiente: 26 Figura 2: Interface existente entre um produto industrial e o meio ambiente Fonte: CHEHEBE (1997) A ACV é uma metodologia gerencial que avalia os impactos potenciais causados no meio ambiente por produtos, processos ou serviços. O enfoque gerencial da ACV constitui-se em uma forte tentativa de integração da Qualidade Tecnológica do Produto, da Qualidade Ambiental e do Valor Agregado para o consumidor e para a sociedade (CHEHEBE, 1997). O resultado de uma ACV é quantitativo, sendo contabilizados os fluxos de entrada e saída e os impactos ambientais potenciais associados a um produto ou processo durante todo o seu ciclo de vida. Em um estudo ACV identificam-se e quantificam-se os aspectos ambientais - elementos das atividades, produtos ou serviços de uma organização que podem interagir com o meio ambiente - e avalia os impactos - efeito de qualquer tipo de ação sobre o meio ambiente - potenciais associados a um produto, processo ou serviço causados ao meio ambiente atribuídos aos seus ciclos. O ciclo de vida de um produto, processo ou serviço envolve desde a extração de recursos naturais até a sua disposição final, como mostrado na Figura 3: Figura 3: Ciclo de vida de um produto e seus impactos ambientais 27 Fonte: USEPA (2001) Estudos de ACV tiveram início nas décadas de 60 e 70, nos Estados Unidos, para contabilização do uso cumulativo de energia e materiais. Naquela época esses estudos eram denominados Resourse and Environmental Profile Analysis. Um dos primeiros trabalhos realizados foi conduzido pelo Midwest Research Institute, a pedido da Coca-Cola, e consistia em uma avaliação para saber qual tipo de embalagem, plástico ou vidro, era melhor do ponto de vista ambiental. Embora nunca tenha sido publicada na integra devido ao seu caráter confidencial, essa pesquisa mostrou que o plástico não era pior que o vidro, como se imaginava na época (FERREIRA, 2004). Apesar de surgido nas décadas de 60 e 70, o aumento de estudos de ACV na Europa e nos Estados Unidos ocorreu a partir dos anos 90, evidenciado pelo número de workshops e fóruns organizados. Atualmente, essa metodologia continua em processo de desenvolvimento com o objetivo de incorporar mais categorias de impactos ambientais e reduzir incertezas dos estudos. A metodologia de ACV auxilia tanto pesquisadores no desenvolvimento de inovações de reduzidos impactos ambientais quanto às indústrias no aumento da eficiência dos seus processos, redução de custos e promoção do marketing verde de seus produtos. Além desses atores, o setor governamental pode se amparar nos resultados dos estudos de ACV para a elaboração de políticas públicas que incentivem práticas sustentáveis. O uso da ACV também é importante para mostrar a empresas, consumidores e governos que suas responsabilidades não estão limitadas à produção e à condução de processos, mas considerando todo o ciclo de vida do produto. Pode-se continuamente 28 identificar pontos críticos e oportunidades de melhorias nos processos produtivos de consumo e pós-consumo combinando-se de maneira mais eficiente aspectos econômicos e ambientais. Produtos e processos interagem com os setores econômicos e sociais no decorrer de seus ciclos de vida. Essa interação dos aspectos socioeconômicos com os aspectos ambientais transforma o conceito da ACV em uma análise da sustentabilidade do ciclo de vida de um produto ou processo, uma área de grande importância para indústrias e países que discutem o desenvolvimento sustentável (UNEP/SETAC, 2005). A ACV serve de subsídio às estratégias de marketing, como declarações ambientais ou esquemas de rotulagens, além de ajudar a evitar declarações simplistas de concorrentes não baseadas em uma análise mais ampla do sistema de produção (CHEHEBE, 1997). No Brasil, a ACV foi formalmente introduzida em 1993 com a criação de um subcomitê do Grupo de Apoio à Normalização (GANA) destinado particularmente à Avaliação do Ciclo de Vida. Já em 1998, as atividades passaram a ser controladas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que regulamenta o método através das normas NBR ISO 14000 (ABNT). As normas da série NBR ISO 14040 foram estruturadas da maneira a seguir: ABNT NBR ISO 14040 – Análise do Ciclo de Vida – Princípios e Práticas Gerais; ABNT NBR ISO 14041 – Análise do Ciclo de Vida – Definição do objetivo e escopo e Análise do Inventário; ABNT NBR ISO 14042 – Análise do Ciclo de Vida – Avaliação dos Impactos; ABNT NBR ISO 14043 – Análise do Ciclo de Vida – Interpretação dos Resultados; Atualmente essas Normas foram substituídas pelas Normas: ABNT NBR ISO 14040:2009 (Gestão Ambiental – Avaliação do Ciclo de Vida – Princípios e Estrutura); e ABNT NBR ISO 14044:2009 (Gestão Ambiental – Avaliaçãodo Ciclo de Vida – Requisitos e orientações). 29 No passado, a abundância de estudos sobre o ciclo de vida dos produtos sem uma metodologia normalizada propiciou alguns exageros que quase comprometeram a imagem dessa metodologia de avaliação. Fase essa denominada por alguns autores como a fase de guerras das ACV’s. Uma comparação detalhada entre dois estudos de ACV sobre embalagens de papelão foi publicada em 1992 pela Ekvall, contratada pelo Swedish Paper and Packaging Group para descobrir as razões por trás dos resultados conflitantes entre o estudo suíço “Ökobilanz von Packstoffen” e o estudo sueco “Packaging and the Environment” feito por Chalmers Industriteknik (CHEHEBE,1997). Os dois estudos aparentemente sobre o mesmo tipo de embalagem e utilizando-se dos mesmos dados apresentavam consideráveis diferenças nos resultados, devido, principalmente, aos dados de entrada das unidades de processo. O caso relatado acima mostra a importância da qualidade dos dados utilizados em um estudo ACV. Assim, torna-se mais compreensível a razão pela qual as normas ISO 14040 e 14041 preocupam-se tanto com a questão da transparência e dos aspectos éticos do método. A metodologia de ACV não é restrita apenas a uma avaliação geral de toda a cadeia de impactos de um processo, o chamado do “berço-ao-túmulo”, podendo também ser realizada em certas etapas do ciclo de vida, como do “berço ao portão”, do “portão ao portão” e do “portão ao túmulo”. Os diferentes escopos de estudos de ACV são mais bem explicados a seguir de acordo com a norma ISO/TS 14048/2002: “do berço-ao-portão” (cradle-to-gate): Escopo que envolve extração de recursos, incluindo também algumas operações de fabricação ou operações de serviço, parando nesse ponto, não segue até o destino final. “do berço-ao-túmulo” (cradle-to-grave): Escopo que envolve todo o ciclo de vida do produto, processo ou serviço, indo desde a extração de matérias-primas até a sua disposição final. “do portão-ao-portão” (gate-to-gate): Esse escopo envolve um processo em que todas as fases de produção ocorrem dentro de um local (indústria). Processos que estejam fora dos portões do local definido não estão incluídos. No Brasil, a Avaliação de Impactos Ambientais (AIA) é parte do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), necessárias para obtenção das licenças ambientais das indústrias potencialmente poluidoras, segundo a CONAMA 237/97. O uso das ferramentas citadas acima combinados com ACV pode ajudar 30 na melhor qualidade dos estudos ambientais e na tomada de decisões por parte das empresas para a melhoria ambiental de seus processos e produtos. 3.3.1 Fases da ACV Segundo a ISO 14040/09, a ACV consiste em quatro fases (Figura 4): 1. Definição de Objetivo e Escopo; 2. Análise do Inventário do Ciclo de Vida (ICV); 3. Análise de Impacto Ambiental de Ciclo de Vida (AICV); 4. Interpretação de Resultados. Figura 4: As fases da ACV Fonte: ISO 14040/09 Além dessas quatro fases mencionadas anteriormente, acrescenta-se a elaboração do relatório e a revisão crítica do mesmo. Como é possível perceber, cada fase individual da ACV usa os resultados das outras fases, e a abordagem interativa entre as fases contribui para a compreensão e consistência tanto do estudo como dos resultados apresentados (HEIJUNGS et al, 1992). 3.3.2 Objetivo e escopo No primeiro passo de uma ACV, o objetivo e o escopo do estudo devem ser 31 determinados. Isto inclui uma exata formulação do que será investigado, e como esta investigação será realizada. Além disso, as fronteiras do sistema são escolhidas e discutidas (UNEP/SETAC, 2005). A Norma ISO 14040 preconiza que na fase de definição dos objetivos seja esclarecida de forma clara e inequívoca a utilização que se pretende dar aos resultados do estudo, a que tipo de audiência se destina e o processo de revisão crítica que se pretende adotar. Essas definições, que estabelecem a funcionalidade do sistema, devem ser dadas antes da formulação da metodologia a ser utilizada e, como influenciam no resultado final, representam uma etapa-chave de qualquer estudo de ACV (CHEHEBE, 1997). O escopo se refere à aplicabilidade geográfica, tecnológica e temporal do estudo. Deve-se definir quais os processos produtivos que serão considerados na avaliação, onde esses processos ocorrem e qual a idade aceitável dos dados coletados. Deve-se definir também como o estudo será atualizado, como a informação será trabalhada e onde os resultados serão aplicados. O objetivo de uma ACV deve incluir a aplicação pretendida, as principais razões para a realização do estudo e o público-alvo. De acordo com a ISO 14044:2006, o escopo do estudo identifica diversos elementos cruciais para a realização de um estudo em ACV. Em meio aos variados itens assinalados pela ISO, devem ser apontados e diretamente descritos os seguintes itens: O sistema de produto a ser estudado; Os limites do sistema de produto (fronteira); As funções do sistema de produto; A unidade funcional; Os procedimentos de alocação, quando necessária; As categorias de impacto a serem avaliadas; Métodos de análise de impacto de ciclo de vida e subsequente interpretação que será utilizada. O sistema de produto a ser estudado representa uma série de subsistemas (processos unitários) ligados entre si por fluxos de materiais ou de energia, que realizam uma ou mais funções definidas (ISO 14040:2006). Já os limites do sistema de produto ou a fronteira do sistema definem todos os processos e os fluxos ambientais de entrada e saída a 32 serem considerados no estudo da ACV. Embora a definição da fronteira do estudo seja uma decisão subjetiva, é muito importante definir com clareza os critérios adotados na sua demarcação. Os limites da ACV são geralmente apresentados em fluxogramas que mostram a sequência principal do sistema de produto em estudo (CHEHEBE, 1997). A função de um sistema é a definição clara das características de desempenho do produto a ser avaliado, quando fabricado, utilizado e/ou descartado. Um sistema pode ter várias funções possíveis. A função selecionada para um determinado estudo depende do objetivo e do escopo do estudo. A quantificação ou medição dessa função identificada é chamada de unidade funcional (CHEHEBE, 1997). A unidade funcional gera um fluxo de referência a que todos os outros fluxos modelados do sistema estão relacionados. É por isso que a unidade funcional necessita ser quantitativa (BAUMANN, TILLMAN, 2004). 3.3.3 Análise de Inventário do Ciclo de Vida (ICV) A análise do Inventário do Ciclo de Vida (ICV) especifica os processos que ocorrem durante o ciclo de vida de um produto. No ICV, um inventário é feito com todas as entradas e saídas dos processos que ocorrem durante o ciclo de vida de um produto (UNEP/SETAC, 2005). Nessa etapa ocorre a coleta de dados e os procedimentos de cálculo do uso de insumos e emissões em relação à unidade funcional (CHEHEBE, 1997). A ICV pode ser dividida em diversas etapas, segundo a ISO 14044:2006 (Figura 5): 33 Figura 5: Etapas para construção do Inventário de Ciclo de Vida Fonte: ISO 14044 (2009) O primeiro passo no ICV é a especificação de todos os processos envolvidos no ciclo de vida do produto em termos de fluxo gráfico. O próximo passo é a coleta de dados de cada processo, podendo ser tanto por consulta de literatura científica ou coleta primária de dados. A coleta de dados é a etapa que consome mais tempo e talvez a parte mais difícil da ACV. Uma vez que os dados foram coletados em todos os processos,um processo crítico pode ser selecionado para análises mais adiante (UNEP/SETAC, 2005). No último estágio da análise de inventário, os dados serão processados. Uma tabela do inventário será criada, na qual todas as entradas e saídas são traduzidas para entradas (consumos de materiais e energia) e saídas (produtos, coprodutos e emissões) relativas a uma unidade funcional estabelecida (UNEP/SETAC, 2005). 3.3.4 Avaliação de Impactos do Ciclo de Vida (AICV) De acordo com Chehebe (1997), a avaliação de impactos é uma etapa da ACV que procura identificar, caracterizar e avaliar quantitativamente, impactos potenciais das intervenções ambientais identificadas na etapa de análise do inventário. Consideram-se efeitos 34 potenciais, pois como a ACV considera vários processos nos mais diversos estágios, seria impossível estabelecer precisamente os efeitos reais. As “entradas” e “saídas” quantificadas na análise do inventário são interpretadas em função dos impactos que eles causam no meio ambiente, em relação à unidade funcional definida (UNEP/SETAC, 2005). A ISO 14044 traz os elementos obrigatórios e os essenciais para a AICV. Os elementos obrigatórios são os seguintes: Seleção das categorias de impacto, indicadores de categoria e métodos de avaliação; Correlação dos resultados do ICV às categorias de impacto selecionadas (classificação); Cálculo dos resultados dos indicadores de categoria (caracterização). Já os elementos opcionais são os seguintes: Normalização; Ponderação; Agrupamento; Análise da qualidade dos dados. 3.3.4.1 Elementos obrigatórios De acordo com a ISO 14044:2009 a seleção de categorias de impactos, indicadores de categoria e modelos de caracterização deve ser justificada e consistente com o objetivo e o escopo da ACV. É nessa etapa que são identificados os grandes focos de preocupação ambiental, as categorias e os indicadores que o estudo utilizará Os modelos de caracterização descrevem a relação entre os resultados do ICV e os impactos ambientais (midpoint), e, até mesmo, entre o ICV e o dano ambiental (endpoint) causado à saúde humana, qualidade dos ecossistemas e recursos naturais. Esses modelos são utilizados para gerar os fatores de caracterização. A Tabela 1 traz as categorias de impacto midpoint, os métodos indicados pela União Europeia (2012) para serem utilizados em ACV conduzidos em regiões europeias. 35 Atualmente, ainda não foram disponibilizados estudos que indiquem métodos mais apropriados às condições ambientais brasileiras. 36 Tabela 1: Categorias de impacto, descrição, método e indicadores Categoria de Impacto Descrição Método Indicador Mudança climática Liberação de CFC’s, HFCs e HALONs na atmosfera IPCC (2006), 100 anos Potencial de aquecimento global (GWP) Depleção de Ozônio Avalia a taxa de destruição da camada de ozônio na atmosfera Potencial de depleção indicado pela Organização Mundial (WHO; UNEP, 2010), 100 anos Potencial de depleção de ozônio Acidificação Deposição atmosférica de substâncias inorgânicas no solo ou na água Modelo EUTREND do método Recipe (Seppälä et al., 2006, Posch et al., 2008) Excesso acumulado Eutrofização Deposição excessiva de nutrientes como o fósforo e o nitrogênio no solo ou na água Modelo EUTREND do método Recipe (Seppälä et al., 2006, Posch et al., 2008) Excesso acumulado Toxicidade Explica a toxicidade/efeito de uma substância química Modelo USEtox (Rosenbaum et al., 2008) Unidade tóxica comparativa para seres humanos Radiação Ionizante Descreve os danos a saúde humana relacionado com a liberação de material radioativo na atmosfera Modelo de efeito sobre a saúde humana desenvolvido por Dreicer et al. (1995) e Frischknecht et al.,(2000) Exposição humana a eficiência relativa do U235 Uso da terra Reflete os danos aos Ecossistemas causados pela ocupação e transformação de terra Modelo baseado na matéria orgânica do solo (Milài Canals et al., 2007) Matéria orgânica do solo Escassez hídrica Contabiliza o impacto na escassez resultante do consumo de água em uma região Método de Pfister et al. (2009) O uso de água relacionada com a escassez dos locais Esgotamento de Recursos Mineral, Fóssil e Renovável Contabiliza a quantidade de recursos disponível Modelo para consumo de água em Ecoscarcity (Frischknecht et al., 2008) Escassez Fonte: Adaptado de European Commission (2012) 37 Escolhidas as categorias, inicia-se então a classificação com o objetivo de atribuir, a cada uma das categorias selecionadas e identificadas, os dados correspondentes do inventário. De acordo com a ISO 14044 é importante considerar também: A correlação dos resultados do ICV que sejam exclusivos para uma categoria de impacto; Identificação dos resultados do ICV que se correlacionem a mais de uma categoria de impacto. Na caracterização, as contribuições de cada consumo e emissão do ICV para cada categoria ambiental são quantificadas (CHEHEBE, 1997). Envolve a conversão dos resultados do ICV para unidades comuns e a agregação dos resultados convertidos dentro da mesma categoria de impacto, utilizando fatores de caracterização. O resultado do cálculo é um fator numérico (ISO 14044: 2006). Cada método de caracterização apresenta um modelo prórpio de cálculo para geração do fator de caracterização (Equação 1). Equação 1: Cálculo do indicador de midpoint para categoria de impacto m ∑ Fonte: GOEDKOOP et al. (2009) Onde mi é a magnitude ou tamanho da intervenção i (entrada ou saída quantificada no inventário), Qmi o fator de caracterização que conecta a intervenção i com a categoria de impacto de m, e Im o impacto da categoria de impacto de m. Os fatores de caracterização indicam quanto determinada substância (entrada ou saída do inventário) contribui para um determinado problema ambiental comparada a uma substância de referência (figura 6). Exemplificando, na avaliação da categoria de impacto mudanças climáticas, a massa de cada substância que contribui para o efeito estufa (dado do inventário) é multiplicada pelo Potencial de Aquecimento Global (PGA) de cada substância, sendo o PGA fator de caracterização utilizado. Esse fator é calculado em relação ao CO2, com o impacto medido em termos de CO2 – equivalente (PRE CONSULTANTS, 2010). O GWP do CO2 é 1, do CH₄ é 25 e o do N2O 298, como exemplo. 38 Figura 6: Exemplo da etapa de Classificação e Caracterização de um estudo de ACV Fonte: Ferreira (2004) 3.3.4.2 Elementos opcionais A normalização é feita dividindo-se os valores dos impactos pela referência escolhida, sendo o perfil de impacto normalizado o resultado desse procedimento. A normalização permite que os resultados das categorias sejam expressos em uma mesma unidade de medida, podendo assim aumentar a comparabilidade dos dados entre as diferentes categorias de impacto. Assim, a normalização faz com que categorias de impacto ambiental que contribuem apenas com uma pequena parcela do total do impacto, comparado com outras categorias, sejam reveladas, podendo ser deixadas de lado. Reduz- se, assim, a quantidade de dados para serem avaliados (PRE CONSULTANTS, 2010). Na etapa de ponderação são atribuídos pesos para cada categoria de impacto, de acordo com um critério estabelecido para denotar a importância de cada categoria para a instituição realizadora do estudo ACV. Esse critério é subjetivo e, por isso, de acordo com a ISO 14040:2006, não pode ser aplicado em comparações públicas entre produtos, sendo apenas utilizado para estudos de determinadas empresas. De acordo com a ISO 14044:2009,o agrupamento é a reunião de categorias de impacto em um ou mais conjuntos podendo envolver agregação ou hierarquização. Uma análise criteriosa da qualidade dos dados utilizados e resultados obtidos é necessária para que se tenha uma compreensão mais razoável do significado, das 39 incertezas e da sensibilidade dos resultados da AICV. A análise de incerteza ajuda na identificação dos resultados não significativos em estudos comparativos de ACV, assim como na mensuração do erro em cada categoria de impacto, considerando a propagação dos erros nos dados de inventário. Já a análise de sensibilidade é o efeito de uma mudança em uma única entrada nos resultados finais de um estudo de ACV (ROSEMBAUM et al., 2012). 3.3.4.3 Categorias de impacto utilizadas 3.3.4.3.1 Escassez hídrica A água é um recurso escasso em várias partes do mundo, porém em outras é um recurso abundante. Ao contrário de outros recursos não existe um mercado global que possa garantir uma distribuição global desse recurso, pois o mercado não funciona para grandes distâncias devido aos altos custos de transporte. Quando se extrai água de uma área muito seca, como, por exemplo, o nordeste brasileiro, o impacto é muito maior se comparado ao impacto causado pela extração de água na Amazônia, que possui água em abundância. A escassez hídrica, pelo método do Recipe (2009) apenas quantifica o volume de água (por m 3 ) consumida em todos os processos relacionados ao sistema de produto de um estudo de ACV. Esse tipo de análise é muito primária, pois não correlaciona o volume de água requerido por um processo com a vulnerabilidade da região onde ocorre à escassez física de água nessa região. O método desenvolvido por Pfister et al. (2009) corrige esse problema, pois apresenta fatores de escassez hídrica para bacias hidrográficas de todo o mundo. Esse fator é denominado WSI (Water Stress Index), calculado considerando-se a relação entre o consumo hídrico das indústrias, agricultura e doméstico, a disponibilidade de água presente nas bacias da região considerada e a variação sazonal na disponibilidade de água (Withdrawal to availability-WTA). A relação entre retirada e disponibilidade hídrica (WTA – withdraw to availability) é ponderada pela variação de precipitação anual e mensal em cada bacia (Variability in precipitation-VF), sendo o WSI o resultado da combinação desses dois fatores. O WSI varia de 0,01 a 1, onde o 1 representa estresse 40 hídrico máximo. A equação 2 mostra o impacto gerado na categoria de escassez hídrica quando se utiliza o Método de Pfister et al. (2009): Equação 2: Cálculo do indicador resultante para Escassez hídrica pelo Método de Pfister et al. (2009) ( ) Fonte: Elaborada pela autora (2016) Onde V é o volume de água consumido no processo, WSI o fator de caracterização que conecta a intervenção com a categoria de impacto de midpoint, e I (WD) o indicador resultante para a categoria de impacto de escassez hídrica. 3.3.4.3.2 Eutrofização Eutrofização é o nome dado ao enriquecimento natural dos nutrientes dos lagos, em grande parte pelo escoamento de nutrientes vegetais, como nitratos e fosfatos, das terras adjacentes (VON SPERLING, 1994). Nitrogênio e fósforo são nutrientes essenciais para vida, porém em excesso na água, essas substâncias contribuem para o aumento de fitoplâncton e algas. O crescimento e abundância de algas, por sua vez, resulta em redução da disponibilidade de oxigênio e diminuição da transparência da água, a sobrevivência e desenvolvimento dos peixes. Um grande aumento de nitrogênio na Terra pode causar distúrbios no balanço de nutrientes nas plantas. Perto de regiões agrícolas ou urbanas, as atividades humanas podem acelerar bastante a entrada de nutrientes vegetais em um lago, causando a eutrofização cultural (VON SPERLING, 1994). As principais consequências da eutrofização nos corpos hídricos são as seguintes (VON SPERLING, 1994): Problemas estéticos e recreacionais; Condições anaeróbias no fundo do corpo d’água; Eventuais mortandades de peixes; Maior dificuldade e elevação nos custos de tratamento da água; Toxicidade das algas; Modificações na qualidade e quantidade de peixes de valor comercial; 41 Redução na navegação e capacidade de transporte; Desaparecimento gradual do lago como um todo em decorrência da eutrofização e do assoreamento. Os indicadores ambientais na AICV utilizados para avaliação da eutrofização em águas doces e marinha são as concentrações de fósforo (P) e nitrogênio (N), respectivamente. Os resultados das avaliações são expressos em relação ao P e ao N, em termos de kg de N –equivalente, para a eutrofização de águas doces e kg de P – equivalente, para eutrofização marinha (GOEDKOOP et al., 2009). 3.3.4.3.3 Mudanças climáticas As principais substâncias causadoras desses problemas são os gases de efeito estufa, sendo os principais: o dióxido de carbono (CO2); metano (CH4); óxido nitroso (NO). Também são gases do efeito estufa os clorofluorcarbonos (CFC’s), os hidroclorofluorcarbonos (HCFC’s), os halocarbonos e tetracloreto de carbono. Os gases do efeito estufa causam diversos tipos de impacto, como: aumento de temperatura, mudanças na precipitação, aumento no nível do mar, mudanças nas correntes marítimas, tempestades, furacões, e possivelmente outros impactos na saúde humana e nos recursos bióticos naturais. O impacto desses gases nas mudanças climáticas é avaliado considerando o Potencial de Aquecimento Global (PAG), que estabelece o forçamento radioativo expressando a capacidade de uma substância absorver radiação infravermelha quando considerados a concentração e o tempo de residência da substância na atmosfera (BAUMANN, TILLMAN, 2004). O método Recipe utiliza o PAG definido pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, 2006) para o período de 100 anos, considerando o CO2 como substância de referencia. O resultado da avaliação é expresso em termos de kg de CO2 equivalente. (GOEDKOOP et al., 2009). 3.3.4.3.4 Toxicidade Três tipos de informação são relevantes quando se avalia os impactos ambientais na saúde humana: destino químico (transporte no meio ambiente), exposição 42 humana e efeitos toxicológicos. Nesse estudo são consideradas três subcategorias: toxicidade humana cancerígena, toxicidade humana não cancerígena e ecotoxicidade em águas doces. Atualmente, há um número crescente de métodos de contagem das diferenças nas potenciais consequências dos impactos toxicológicos na saúde humana, como por exemplo, Quality Adjusted Life Years (QALY) e Disability Adjusted Life Years (DALY). Apesar dos avanços em termos de contabilização das diferenças nos cenários de emissão, as estimativas atuais geralmente fornecer apenas ideias preliminares ou de rastreio. Embora o cálculo dos níveis de caracterização permita cálculos complexos (como curvas de resposta a dose baixa não-lineares, limiares biológicos), na prática, os dados necessários permanecem muito limitados (GOEDKOOP et al., 2009). A acrilamida é uma substância química usada na produção de poliacrilamida, a qual é empregada no tratamento de água potável, águas de reuso para remover partículas e outras impurezas. É também utilizada na produção de colas, papel, cosméticos e ainda em construção, nas fundações de represas e túneis. Além disso, pode ser gerada quando alguns alimentos são preparados em altas temperaturas. A poliacrilamida combinada com o material sólido torna mais fácil a filtragem ou remoção de substâncias indesejáveis. Existem apenas níveis muito baixos de acrilamida e poliacrilamida na água após o tratamento. O indicador midpoint adotado no método USEtox (ROSENBAUM et al., 2008) é a unidade tóxica comparativa para os seres humanos (CTUh) para toxicidade cancerígenae não-cancerígena; e unidade tóxica comparativa para os ecossistemas (CTUe) para ecotoxicidade em água doces. 3.3.4.3.5 Acidificação A acidificação do solo ocorre devido à deposição de substâncias inorgânicas, como os sulfatos, nitratos e fosfatos, sendo os maiores causadores NOx, NH3 e SO2. Para a maioria das plantas existe um valor até o qual elas suportam a acidez, excedido esse limite, a acidificação do solo pode causar mudanças nessas espécies. Os poluentes acidificantes causam diversos impactos no solo, água subterrânea, águas superficiais, organismos biológicos, ecossistemas e materiais (GOEDKOOP et al., 2009). 43 É uma das categorias de impacto na qual a sensibilidade local tem um papel fundamental e a possibilidade de incluir diferenças regionais no modelo ACV tem sido um ponto chave nos últimos anos. A acidificação é usada como indicador e mede o grau de absorção de um solo saturado com cátions básicos, exceto hidrogênio e alumínio. Ele é definido como o somatório de cátions básicos por quilo de solo e dividido pelo total, Capacidade de Trocas Catiônicas do solo, e multiplicado por 100, obtendo assim o valor em porcentagem. O resultado é expresso em relação à substância dióxido de enxofre (Kg SO2), em termos de kg de SO2-equivalente (GOEDKOOP et al., 2009). 3.3.5 Interpretação dos resultados A última etapa da avaliação de impactos é a interpretação, que envolve uma comparação dos problemas ambientais, analisando-se os resultados, tirando-se conclusões, explicando-se as limitações e fornecendo-se recomendações para uma análise completa do ciclo de vida. Além disso, a interpretação dos resultados deve também mostrar as limitações que tornam os objetivos iniciais inalcançáveis ou impraticáveis. O seu objetivo principal é aumentar a confiança e significado do estudo ACV executado (CHEHEBE, 1997). Na essência, essa fase descreve uma série de verificações necessárias com o propósito de avaliar se as conclusões obtidas no estudo são adequadamente consentidas pelos dados e pelos procedimentos utilizados. É importante verificar se as suposições, métodos, modelos e dados coletados são consistentes com o objetivo e escopo do estudo. A fase de interpretação envolve três etapas (figura 7): Figura 7: Fases da interpretação dos resultados da ACV 44 Fonte: CHEHEBE (1997) 1-Identificação das questões ambientais mais significativas, baseando-se nos resultados do ICV e/ou AICV. O processo de identificação deve ser realizado considerando-se os objetivos e o escopo do estudo, de forma interativa com a fase de avaliação. Envolve a estruturação das informações provenientes do inventário, a identificação das questões ambientais relevantes para o estudo e a determinação das emissões ambientais do sistema do produto. 2-Avaliação dos resultados, podendo incluir elementos como, checagem da integridade, análise de sensibilidade e incerteza. A análise de sensibilidade mostra como pequenas alterações nos dado influenciam o resultado final, mostrando assim que dados necessitam ser mais bem elaborados. Caso pequenas alterações nos parâmetros causem grandes mudanças na conclusão, significa que os resultados finais precisam ser revistos A checagem da consistência visa o estabelecimento de um determinado grau de confiança para os resultados do estudo, de acordo com o seu objetivo geral. 3- Conclusões e recomendações. No final, devem ser mostradas as conclusões obtidas na interpretação dos resultados alcançados. Além disso, é necessário fazer recomendações ao objeto de estudo sobre os maiores pontos de impacto que podem causar. 3.3.6 Métodos de avaliação da ACV 45 Vários métodos têm sido desenvolvidos para fornecer os fatores de caracterização em cada categoria de impacto. Esses fatores indicam quanto uma determinada substância contribui para um determinado impacto ambiental comparada a uma substância de referência (CHEHEBE,1997). Os métodos AICV podem ser agrupados em duas categorias: Impacto ambiental (Midpoint): ligam diretamente os resultados do ICV às categorias de impacto, porém não chegam ao final da avaliação do dano ambiental. Possui uma abordagem voltada para o problema ambiental. Dano ambiental (Endpoint): vão além das categorias de impacto intermediário, mostrando os danos causados a saúde humana, aos ecossistemas e aos recursos naturais. A Figura 8 apresenta a diferença de abordagem das metodologias de impacto Midpoint e Endpoint: Figura 8: Diferença entre os métodos de AICV Fonte: UNEP/SETAC (2005) 46 Em geral, na abordagem de midpoint o número de categorias de impacto é maior (ao redor de 10) e os resultados são mais exatos e precisos quando comparados às três áreas de proteção do endpoint (EC-JRC, 2010a). O ILCD Handbook (EC-JRC, 2010a) é um documento que se baseia nas ISO’s, traz uma análise dos seguintes métodos de AICV: CML 2002, Eco-Indicator 99, EDIP 1997, EDIP 2003, EPS 2000, Impact 2002+, LIME, LUCAS, ReCiPe, Ecological Scarcity Method, TRACI, MEEuP e USEtox. A tabela 2 traz os métodos citados acima com a classificação de sua abordagem, midpoint ou endpoint: Tabela 2: Métodos de AICV de acordo com a sua abordagem Método de AICV Abordagem Eco-indicator 99 Endpoint EDIP 97 Midpoint EDIP 2003 Midpoint EPS 2000 Endpoint Impact 2002+ Midpoint e Endpoint JEPIX Midpoint LIME Midpoint e Endpoint TRACI Midpoint CML 2002 Midpoint LUCAS Midpoint Ecological Scarcity Method Midpoint e Endpoint ReCiPe Midpoint e Endpoint MEEuP Midpoint USEtox Midpoint 47 Pfister et al. Midpoint Fonte: Elaborada pela autora (2016) 3.3.7 Elaboração do Relatório e Revisão Crítica Além de todas as fases para a elaboração de um estudo de ACV, a ISO 14040 trata da necessidade da realização de análises críticas, pois segundo a norma, essa análise pode facilitar a compreensão do estudo e aumentar sua credibilidade. A revisão crítica pode facilitar o entendimento e aumentar a credibilidade da ACV, por exemplo, quando envolve as partes interessadas. A revisão crítica deve garantir que: Os métodos utilizados para realizar a ACV são consistentes com o padrão internacional e cientifico e tecnicamente válidos; Os dados utilizados são apropriados ao objetivo do estudo; As interpretações refletem as imitações identificadas e o objetivo do estudo; O relatório do estudo é transparente e consistente. Segundo a ISO 14040, os processos de Revisão Crítica podem ser realizados por: Especialista interno; Especialista externo; Por partes interessadas. Após a revisão crítica, o relatório final pode ser publicado e endereçado ao seu público alvo. 48 4. MATERIAL E MÉTODOS Esse estudo seguiu as normas NBR ISO 14040 - Gestão ambiental - Avaliação do ciclo de vida - Princípios e estrutura - e 14044 - Gestão ambiental - Avaliação do ciclo de vida - Requisitos e orientações - para a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV). O escopo desse trabalho será uma avaliação do berço ao portão, abrangendo os processos de produção de insumos e de hidrogel. Os dados de inventário foram obtidos por repetições dos processos de produção dos hidrogéis copolimérico de acrilamida- acrilato de potássio (Pam Acril) e compósito com casca de ovo (CalG20), no Laboratório de Polímeros da Universidade Federal do Ceará. Os impactos de cada processo foram calculados no software Sima Pro, pelo método ReCiPe midpoint, versão hierárquica (GOEDKOOP et al., 2009), método de Pfister (PFISTER et al, 2009) e modelo USEtox (ROSENBAUM et al., 2008). As categorias de impacto avaliadas foram: eutrofização de águas doces, eutrofização marinha, mudanças climáticas, toxicidade humana (cancerígena e não cancerígena), acidificação