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Conselho Editorial Sílvia Maria Azevedo (Presidente) Karin Adriane H. Pobbe Ramos (Vice-presidente) Álvaro Santos Simões Junior André Figueiredo Rodrigues Carlos Camargo Alberts Carlos Eduardo Mendes Moraes Cleide Antonia Rapucci Danilo Saretta Veríssimo Gustavo Henrique Dionísio José Luis Bendicho Beired Lúcia Helena Oliveira Silva Márcio Roberto Pereira Maria Luiza Carpi Semeghini Matheus Nogueira Schwartzmann Miriam Mendonça M. Andrade Paulo César Gonçalves Ronaldo Cardoso Alves Vânia Aparecida Marques Favato Secretário Eduardo Gomes de Almeida Souza Conselho Consultivo Adilson Odair Citelli (USP) Antonio Castelo Filho (USP) Carlos Alberto Gasparetto (UNICAMP) Durval Muniz Albuquerque Jr (UFRN) João Ernesto de Carvalho (UNICAMP) José Luiz Fiorin (USP) Luiz Cláudio Di Stasi (IBB – UNESP) Oswaldo Hajime Yamamoto (UFRN) Roberto Acízelo Quelha de Souza (UERJ) Sandra Margarida Nitrini (USP) Temístocles Cézar (UFRGS) FICHA CATALOGRÁFICA Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da F.C.L. – Assis – Unesp E56a Encontro do Cedap (8.:2016:Assis, SP). Anais do 8º Encontro do CEDAP: Acervos de intelectuais: desafios e perspectivas, Assis, SP, 26 a 38 de abril de 2016 [re- curso eletrônico] / Sílvia Maria Azevedo (org.). Assis: UNESP - Campus de Assis, 2016. 593 f. : il. Vários autores ISBN: 978-85-66060-14-0 1. Intelectuais. 2. Intelectuais e política. 3. Memória. I. Azevedo, Sílvia Maria. II. Título. CDD 301.44 Sílvia Maria Azevedo (Org.) Anais do VIII Encontro do Cedap – Acervos de Intelectuais: desafios e perspectivas Período: 26 a 28 de abril de 2016 Unesp Câmpus de Assis 2016 Apoio: CAPES Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Julio Cezar Durigan Reitor Marilza Vieira Cunha Rudge Vice-Reitora Mariangela Spotti Lopes Fujita Pró-Reitora de Extensão Universitária Faculdade de Ciências e Letras de Assis Andrea Lucia Dorini de Oliveira Carvalho Rossi Diretora Catia Inês Negrão Berlini de Andrade Vice-diretora Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa Prof.ª Dr.ª Anna Maria Martinez Corrêa – Cedap Sílvia Maria Azevedo Supervisora Márcio Roberto Pereira Vice-supervisor Anais do VIII Encontro do Cedap – Acervos de Intelectuais: desafios e perspectivas Período: 26 a 28 de abril de 2016 Sílvia Maria Azevedo (Org.) Comissão Organizadora Dr. Álvaro Santos Simões Junior - Coordenador do Programa de Pós-graduação em Letras Drª. Lúcia Helena Oliveira Silva - Coordenadora do Programa de Pós-graduação em História Dr. Márcio Roberto Pereira - Vice-Supervisor do CEDAP Profª. Drª. Sílvia Maria Azevedo - Supervisora do CEDAP Profª. Drª. Tânia Regina de Luca – Conselho da Revista Patrimônio e Memória Comissão Científica Dr. Álvaro Santos Simões Junior (UNESP, Assis) Dr. Benedito Antunes (UNESP, Assis) Dr. Carlos Alberto Sampaio Barbosa (UNESP, Assis) Dr. Fabiano Rodrigo da Silva Santos (UNESP, Assis) Dr. Francisco Cláudio Alves Marques (UNESP, Assis) Dr. Jean Pierre Chauvin (USP) Dr. Júlio Cezar Bastoni da Silva (UFSCar) Dr. Marcio Roberto Pereira (UNESP, Assis) Drª. Maria Leandra Bizello (UNESP, Marília) Profª. Drª. Sílvia Maria Azevedo (UNESP, Assis) Profª. Drª. Tânia Regina de Luca (UNESP, Assis) Profª. Drª. Zélia Lopes da Silva (UNESP, Assis) Equipe de trabalho Preparação dos originais Renato Crivelli Duarte - Cedap Capa Lucas Lutti Ilustração de capa Fotografia de Barão do Rio Branco em seu gabinete de trabalho. Fotógrafo: desconhecido Fonte: Observatório de Relações Internacionais. Disponível em: <https://neccint.wordpress.com/2009/04/25/a-horizontalizacao-da-politica-externa-brasileira-por- cassio-franca-e-michelle-ratton-sanchez>. Acesso em: fev. de 2016 Revisão Olga Liane Zanotto Manfio Jaschke – Português Vivian Aparecida Pereira Pinto – Normas Unesp Assis 2016 Apresentação Os textos reunidos nestes Anais foram apresentados nos Simpósios Temáticos do VIII Encontro do Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa Profª. Drª. Anna Maria Martinez Corrêa (CEDAP) da UNESP – Câmpus de Assis, realizado entre 26 e 28 de abril de 2016. O tema do VIII Encontro do CEDAP - “Acervos de Intelectuais: desafios e perspectivas” - veio ao encontro do crescente interesse de pesquisadores e arquivistas acerca de métodos e abordagens relativos aos arquivos pessoais. Recentemente os arquivos de intelectuais passaram a ser observados com interesse pelas diversas ciências brasileiras, em especial as denominadas humanidades, a configurar os papéis pessoais à efetiva condição de fontes de informação para estudos científicos e acadêmicos. A recente preocupação dos pesquisadores pelo universo dos arquivos pessoais, assim como a pouca referência técnica no campo da arquivística no Brasil, são fatores que compõem o atual contexto destes conjuntos documentais no cenário brasileiro: um campo fértil e pouco explorado. Nos últimos 40 anos, diversas instituições criadas com o propósito específico quanto a recolha, preservação e disponibilização pública dos documentos de personalidades públicas das artes, das ciências e da política, entre outros, têm reafirmado os valores e potencialidades dos arquivos pessoais para estudos e pesquisas. A intelectualidade brasileira observada pelo ângulo que foge àquele instituído pelos documentos oficiais firmados e reafirmados pela lógica institucionalista e burocrática, é o caminho para a exploração dos arquivos de personalidades que compõem as ciências, as artes e a política, tal como hoje as conhecemos. Um campo responsável por converter figuras públicas, elevadas pela história ao status de verdadeiras instituições sociais, em pessoas dotadas de vidas privada e íntima. Identidades diversas podem ser descobertas pelo olhar atento aos papéis guardados em pastas e gavetas seladas. Cartas, fotografias, registros de viagens, diários, cartões, recortes de jornal, rascunhos de textos são exemplos de documentos que espelham as potencialidades dos arquivos pessoais de intelectuais. Organizado em mesas redondas, conferências e simpósios temáticos, direcionados a um público composto de professores, estudantes de graduação e pós-graduação e pesquisadores das áreas de História, Letras e Literatura, Sociologia, Antropologia e Ciência da Informação, o VIII Encontro do CEDAP mostrou-se como espaço de enfrentamento de desafios e estabelecimento de novas perspectivas no que se refere ao recente, e muito fértil, campo dos arquivos pessoais de intelectuais. Profa. Dra. Sílvia Maria Azevedo Supervisora do Cedap Sumário ACERVOS DIGITAIS DE POÉTICAS ORAIS AFRO-BRASILEIRAS: UMA VISÃO PANORÂMICA ALVES-GARBIM, Juliana Franco .......................................................................................... 13 A PRESENÇA DE OBRAS FICCIONAIS NO CATÁLOGO DE LIVROS DA IMPERATRIZ TERESA CRISTINA E EM SEUS DIÁRIOS E CARTAS PESSOAIS ASSUMPÇÃO, Larissa de ....................................................................................................... 25 A ABLC: ESPAÇO DA MEMÓRIA ORAL E ESCRITA CAÇÃO, Barbara Lais Falcão da Silva .................................................................................... 38 FUNDO RENATO KEHL: A TRAJETÓRIA INTELECTUAL DO EUGENISTA BRASILEIRO CARVALHO, Leonardo Dallacqua de ..................................................................................... 49 CADÊ MÁRIO MELO: A CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIA DE UM INTELECTUAL PERNAMBUCANO CAVALCANTI, Amanda .........................................................................................................66 PSEUDO-RETÓRICAS DO SÉCULO XX CHAUVIN, Jean Pierre ............................................................................................................ 85 A IMPORTÂNCIA DO ACERVO DO ESCRITOR JOÃO ANTÔNIO PARA O ENTENDIMENTO DO SEU PROJETO LITERÁRIO CORRÊA, Luciana Cristina ..................................................................................................... 97 POR UM FEMINISMO ESTRATÉGICO: JÚLIA LOPES DE ALMEIDA E A COLETÂNEA PARADIDÁTICA HISTÓRIAS DA NOSSA TERRA (1907) COSTRUBA, Deivid Aparecido ............................................................................................ 120 “O ESPAÇO DA MEMÓRIA”: A FORMAÇÃO, AS INTER-RELAÇÕES E O ACERVO PESSOAL DE FERNANDO AUGUSTO ALBUQUERQUE MOURÃO CRUZ, Clauber Ribeiro .......................................................................................................... 131 A PRESENÇA DA CULTURA POPULAR NO REGIONALISMO DE BERNARDO GUIMARÃES E MONTEIRO LOBATO DIAS, Letícia Teixeira ........................................................................................................... 151 PALAVRA E IMAGEM NA POESIA DE ANA CRISTINA CÉSAR: UMA ANÁLISE DA CORRESPONDÊNCIA COMPLETA DIAS, Luiza M. ...................................................................................................................... 164 O ACERVO PNBE: UMA REFLEXÃO ACERCA DA OBRA MEU PAI NÃO MORA MAIS AQUI, DE CAIO RITER DOMINGUES, Cecilia Barchi ............................................................................................... 178 EÇA DE QUEIRÓS E A GAZETA DE NOTÍCIAS: MEDIADOR ENTRE BRASIL E EUROPA FEITOSA, Rosane Gazolla Alves .......................................................................................... 191 O ESPÓLIO LITERÁRIO DE CAROLINA MARIA DE JESUS FERNANDEZ, Raffaella Andréa ........................................................................................... 202 TEXTOS CRÍTICOS NO JORNAL LA PRESSE: ENTRE A AVALIAÇÃO E A PUBLICIDADE DE ROMANCES GABRIELLI, Beatriz.............................................................................................................. 218 NELLY NOVAES COELHO E A HISTÓRIA DA LITERATURA INFANTOJUVENIL BRASILEIRA GALANTE, Camila Pozzi ...................................................................................................... 231 O ACERVO LITERÁRIO DE MARIO PRATA NO PERIÓDICO A GAZETA DE LINS GOMES, Karina de Fátima .................................................................................................... 243 A TRAJETÓRIA LITERÁRIA DE ALCIENE RIBEIRO LEITE: INFÂNCIA - ADOLESCÊNCIA - CASAMENTO - FORMAÇÃO GOMES, Karina de Fátima .................................................................................................... 267 AS PARTICULARIDADES E OS ENTRAVES NA CLASSIFICAÇÃO DA OBRA DRAMÁTICA DE QORPO-SANTO GONÇALVES, Maria Clara ................................................................................................... 278 ESQUECIMENTO E CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIAS: O CASO ALAN TURING LACERDA, Thays ................................................................................................................. 293 ANÁLISE DAS MARCAS DA ESCRITA FEMININA NO GÊNERO POESIA DO ACERVO PNBE 2013 DESTINADO AO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA ANÁLISE DA OBRA O MAR E OS SONHOS, DE ROSEANA MURRAY LONGO, Rafaela Machado .................................................................................................... 307 O OXÍMORO AUTOR/PRODUTOR: JOÃO ANTÔNIO, O CONTO-REPORTAGEM E A INDÚSTRIA CULTURAL LOPES, Leandro de Oliveira .................................................................................................. 321 A CRÍTICA LITERÁRIA NO MERCURE DE FRANCE (1890-1898): NOTAS, RESENHAS, PORTRAITS E OUTRAS FACES LÓPEZ, Camila Soares .......................................................................................................... 335 DA IMPORTÂNCIA DA ORGANIZAÇÃO DE UM ACERVO DE POÉTICAS DA VOZ NO CAMPUS DA UNESP DE ASSIS/SP MARQUES, Francisco Cláudio Alves ................................................................................... 350 PRESERVAÇÃO DA HISTÓRIA E DA MEMÓRIA DA COMPANHIA AGRÍCOLA BARBOSA FERRAZ/PR MARTINES, Natália da Silva Madóglio ................................................................................ 366 ELEMENTOS DA FICÇÃO CONTEMPORÂNEA EM PAULINHO PERNA TORTA ORNELLAS, Clara Ávila ....................................................................................................... 378 POR UMA REVISITAÇÃO NECESSÁRIA: O SEMANÁRIO POLITIKA NO CONTEXTO DA IMPRENSA ALTERNATIVA BRASILEIRA (1971-1973) PEREIRA, Eder Adriano ........................................................................................................ 391 CONCEIÇÃO SANTAMARIA NA PERCEPÇÃO DOS EX-INTERNADOS DO SANATÓRIO AIMORÉS: DE REGINA MAURA À “MÃE DOS HANSENIANOS” (1945-1959) PORTO, Carla Lisboa ............................................................................................................ 401 IMIGRANTES ITALIANOS EM IEPÊ: A SAGA DE UMA FAMÍLIA NO SERTÃO ROSA, Paulo Fernando Zaganin ............................................................................................ 418 OS RISCOS E CAMINHOS DA RECONSTRUÇÃO DE UMA TRAJETÓRIA INTELECTUAL: O CASO MÁRIO DE ANDRADE SANTOS, Marina Corrêa dos ................................................................................................. 431 AS ILUSTRAÇÕES DE CHARLES DE VIVALDI: APONTAMENTOS DE UM PROJETO DE PESQUISA SILVA, Helen de Oliveira ...................................................................................................... 444 A IMPRENSA ALTERNATIVA E O PROJETO LITERÁRIO DE JOÃO ANTÔNIO SILVA, Júlio Cezar Bastoni da .............................................................................................. 457 DOMINGOS OLÍMPIO E OS ANNAES NA IMPRENSA CARIOCA DO INÍCIO DO SÉCULO XX (1904-1906) SILVA, Vinicius Carlos da ..................................................................................................... 480 RETRATOS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA IMPRENSA DE ASSIS (1935-1939) SOUZA, Douglas Henrique de ............................................................................................... 489 MULHERES EM (SAMBAS) ENREDOS: A PRESENÇA FEMININA NOS CARNAVAIS DO RIO DE JANEIRO NOS ANOS 1980 SOUZA, Ynayan Lyra ............................................................................................................ 510 A POESIA NA BIBLIOTECA ESCOLAR: UMA ANÁLISE DA OBRA ADOLESCENTE POESIA, DE SYLVIA ORTHOF, PERTENCENTE AO ACERVO DO PNBE 2013 STRINGUETTI, Lucas Mateus Vieira de Godoy .................................................................. 523 IMAGENS NA IMPRENSA: O CASO DE A ILUSTRAÇÃO (1884-1892) APONTAMENTOS SOBRE A PESQUISA TRESCENTTI, João Lucas Poiani ......................................................................................... 536 A CONSTITUIÇÃO DO CÂNONE LITERÁRIO INFANTOJUVENIL EM ACERVOS VALENTE, Thiago Alves; FERREIRA, Eliane Aparecida Galvão Ribeiro ......................... 550 A ILLUSTRAÇÃO LUSO-BRAZILEIRA: INTELECTUAIS E DIÁLOGOS TRANSOCEÂNICOS ENTRE BRASIL E PORTUGAL NA CONJUNTURA DE INÍCIO DA REGENERAÇÃO (1856; 1858-1859) VIEIRA, Lucas Schuab .......................................................................................................... 564 ESPAÇOS DO AUTORITARISMO EM PRIMO LEVI: UMA ANÁLISE NAS RELAÇÕES ENTRE O ROMANCE E A TEORIA POLÍTICA ZOCARATO, Clayton Alexandre .......................................................................................... 581 13 ACERVOS DIGITAIS DE POÉTICAS ORAIS AFRO- BRASILEIRAS: UMA VISÃO PANORÂMICA Juliana Franco ALVES-GARBIM Doutoranda - UNESP/Assis Bolsista Capes jufranco_a@yahoo.com.br http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4592408Z6 RESUMO O presente trabalhovisa pesquisar os potenciais bancos de dados brasileiros no que diz respeito ao arquivamento de produções orais afro-brasileiras. Serão realizadas pesquisas em sites que contemplem a temática juntamente com a leitura de teóricos que pensem a oralidade como uma manifestação artística. A importância de estudar a poética oral num contexto de circulação diferente do tradicional chama a atenção de pesquisadores no século XXI. Entender como se dá o processo criativo de grupos tradicionais, fundamentados em práticas eminentemente oriundas da voz é relevante, de modo que se leve a decifrar quais as marcas da memória e da tradição ancestral sobrevivem no ciberespaço. Aliado a isso, é preciso pensar e discutir qual a atual situação do país na criação de novos acervos digitais, além dos materiais que tenham como escopo as poéticas orais afro-brasileiras. É relevante explorar o uso de novos suportes midiáticos e as implicações que essa mudança do meio oral para as novas mídias digitais e tecnológicas podem influenciar nas produções da voz. Palavras-chave: Acervos digitais. Poéticas orais. Afro-brasileira. À guisa de introdução Em tempos de evolução tecnológica e digital, uma pungente transformação cultural também está em circulação. Os meios de comunicação de massa e a rede mundial de computadores têm proporcionado mudanças de pensamento e de comportamento em escala antes nunca praticada. A cibercultura – caracterizada como prática de interação entre o indivíduo e a tecnologia por meio de ferramentas digitais – tem ganhado novos adeptos, inclusive no que diz respeito à criação de acervos virtuais que abrigam tradições orais e populares. Portanto, ao investigarmos quais são os principais bancos de dados digitais, com foco no arquivamento das narrativas orais de vertente afro-brasileira, adentramos em dois universos distintos, porém complementares. Para entendermos o processo de construção de acervos digitais, seu funcionamento e procedimentos de manutenção, 14 precisamos compreender todo o histórico que circunda a prática de manifestações orais e sua importância na constituição do ser enquanto indivíduo pertencente a um coletivo. O espaço digital tem se tornado um aparato contemporâneo de propagação do arcabouço cultural produzido através dos tempos na constituição das diversas instâncias socioculturais. A produção poético-oral sinaliza para o fato de que a tradição popular ainda é muito presente na cultura brasileira e, que preservá-la, significa não apenas garantir a propagação dos costumes tradicionais como também cuidar do patrimônio imaterial do Brasil. Para tanto precisamos significar alguns conceitos-chaves. Entende-se por poética oral afro-brasileira toda a construção estética oriunda das manifestações orais populares de vertente afrodescendente. Inicialmente, a poética oral contempla as narrativas orais como contos, causos, lendas, fábulas, histórias de magia (maravilhosos) e pode se estender às canções, danças e jogos (jongo, maracatu, congada, coco, capoeira, embolada...) como parte integrante da tradição popular. Dentro desta proposta incluem- se as criações míticas de raiz africana como o candomblé e a umbanda, rodeada por narrativas de mitos formadores e de ancestralidade. Consideram-se também as produções surgidas no seio das favelas brasileiras, ocupadas em sua maioria pela população negra, como o samba e o rap. É importante lembrar que o texto oral, por meio da figura do contador ou do oralista, representa um discurso social que conduz valores e modos de organização social como forma de propagar a cultura de determinado grupo. O discurso de formação oral promove um apego ao passado, reverenciando a memória do grupo a que pertence, de maneira dinâmica na atualização da identidade coletiva. O medievalista Paul Zumthor (2005) reitera que voz é amplo discurso a revelar um sujeito com ethos social pertencente a um campo discursivo instituído. No entanto, a voz tem, em seu aspecto estético, um dos principais pilares que explicam a função da literatura oral enquanto manifestação artística. Há alguns aspectos estruturantes do enunciado oral que vão além de caracteres verbais. Nas palavras de Doralice Xavier Alcoforado (2007, p. 4) alguns elementos extralinguísticos, “[...] específicos do discurso oral associam-se à voz para lhe dar mais concretude, como os gestos, a dicção entonacional, as pausas, a mímica facial, os movimentos do corpo [...].” A este fenômeno damos o nome de performance, que é capaz de promover a interação 15 da manifestação oral (texto, entonação, voz, ritmo) com o público receptor durante a apresentação. Embora com o apoio de novos suportes midiáticos, a tradição permanece viva, porém movente, em constante atualização. A voz do narrador se manifesta como poética no discurso cercado por múltiplas ideologias, identidades, relações de poder e variedade sígnica. Retomando Paul Zumthor, “[...] a voz do narrador que vai em direção ao ouvinte transmite sentido o tempo todo. Implica em uma sedução da voz e uma experiência do corpo no momento da atualização oral.”. (ZUMTHOR, 2005, p. 67). Quando procuramos estudar o fenômeno das manifestações orais em meio digital, encontramos alguns desafios no que diz respeito à mudança do veículo condutor da tradição. Uma das principais preocupações das publicações orais em diálogo com outras mídias seria a de não transformar o mito em folclórico ou meramente alegórico. Além disso, há a preocupação com as perdas dos índices de oralidade (elementos vocais, gestos, entonação, ritmo) que poderiam se perder no processo de transposição de um meio a outro. Entretanto, Walter Ong apazigua essa celeuma quando pondera que: Atualmente, a cultura oral primária, no sentido restrito, praticamente não existe, uma vez que todas as culturas têm conhecimento da escrita e sofreram alguns de seus efeitos. Contudo, em diferentes graus, muitas culturas e subculturas, até mesmo num meio de alta tecnologia, preservam muito da estrutura mental da oralidade primária. (ONG, 1998, p. 19). Divulgar os mitos e acolhê-los em acervos digitais implica num processo de reapropriação cultural que reconstitui as verdades e histórias construídas dentro do universo cultural oral. O conhecimento, antes apenas oralizado, passa a ser constituinte de uma cadeia de formação perpetuada pelo jogo poético da relação narrador/ouvinte (cibernético), de maneira que esse mesmo conhecimento seja sistematizado pelos meios digitais e transformado em patrimônio imaterial. Dessa maneira, o desafio dos acervos digitais seria, minimamente, de impedir que a tradição torne-se, no limiar do tempo, em mero folclore. Consideramos que a oralidade reconstrói e perpetua as experiências e o conhecimento do grupo. A poética advinda da tradição oral cumpre a função social das literaturas dos grupos iletrados, pois se vincula à dimensão do coletivo, uma vez que o artista tem o compromisso de exaltar no discurso elementos culturais que represente o 16 todo. Ancorado na noção zumthoriana de voz, Frederico Fernandes explica que “[...] a voz desempenha um papel fundamental no meio em que atua: é poética, pulsão do ser na linguagem, e coletiva, substancia a identidade de um grupo.” (FERNANDES, 2006, p. 50). Por isso, inserir a prática de contação de histórias e demais manifestações orais no espaço digital ratifica a importância da figura do artista oral na cultura contemporânea e tecnológica. A oralidade afro-brasileira vai além dos esquemas marcados de construção poética, requer novos aparatos extralinguísticos e sensoriais da criação artística, cuja estética fica a cabo da capacidade do contador de despertar sensibilidade e emoção no ouvinte por meio da maneira como interpreta o mundo. Baseado então, nos preceitos de uma arte oral africana, dialógica e cultural, que influenciou a tradiçãooral afro- brasileira, este estudo visa mapear a poética oral afro-brasileira em meio digital. Sabemos que, em tempos de cibercultura, o contador de histórias, o cantador, o MC ou demais representantes da cultura oral afro-brasileira acabam por se apropriar dos recursos tecnológicos que lhe são servidos para, não apenas consolidar seu público- ouvinte, como também fidelizar novos seguidores do discurso oral e garantir a sobrevivência cultural para a posteridade. Além disso, a internet tornou-se, também, espaço de criação e interação, garantindo a efetivação da performance narrativa do oralista em contato secundário com o público-ouvinte. Problematizar a formação de ouvintes midiáticos remete à intrínseca relação entre a palavra e a ética de cada cultura oral ao reviver a identidade e o aspecto etnográfico das poéticas orais. O canto, a dança e as histórias afro-brasileiras revelam o encantamento que o etnotexto, ou seja, o texto enraizado, voltado para as tradições e raízes do grupo, como defende Jean Noel Pellen (2001), pode provocar no enunciatário. Temas valorativos e morais complementam o caráter estético do etnotexto, que se vale também das demandas de ordem cultural e social para compor a estrutura narrativa do corpus literário etnográfico. A poética oral afro-brasileira se constitui com base em um discurso que representa o coletivo, mediando os conflitos internos do homem por meio de uma reverência ao passado e aos costumes e crenças tradicionais. Traduzir a natureza poética e não meramente etnográfica das poéticas orais entre os séculos XX e XXI ganha novos contornos e exigências. A incorporação da narrativa oral tradicional no suporte digital revela a necessidade do uso de ferramentas cibernéticas para a adaptação da contação de histórias às novas gerações, sobretudo 17 quando consideramos o fácil acesso dos jovens aos meios digitais. Notamos que o ciberespaço inaugura um novo modus operandis, legitimador de práticas sociais contemporâneas, que abriga múltiplos narradores em seus diferentes lugares de enunciação, na tentativa de, por meio digital, legitimar-se enquanto sujeito dono de saberes plurais e diversificados. Vale considerarmos que a era midiática e informatizada requer novas posturas de antigas práticas. Assim sendo, a experiência coletiva, o discurso polifônico, constituído no e para o coletivo, cujos enunciados representam o comportamento e o código moral do grupo, passam a circular no ciberespaço e promovem um novo contexto de interação e recepção de vozes afro-brasileiras. A poética oral preservada em acervos digitais chama a atenção para a herança de o código verbal perpetuar-se na formação identitária de novas gerações. Inclui um novo modelo de educação escolar que acolha o conhecimento midiático de forma que promova a diversidade cultural também na plataforma digital. Neste caso, a eficácia discursiva se dá por uma voz dinâmica, heterogênea em representações, que convida a comunidade a se atualizar em suas fontes orais com vias a um reavivamento de ideias e costumes pertencentes a uma tradição, como pontuam Maria Inês de Almeida e Sônia Queiroz: A conservação e a recuperação dos saberes tradicionais não devem, entretanto, implicar a renúncia ao enriquecimento de suas possibilidades técnicas, econômicas e sociais, pelo contrário, devem receber os acréscimos trazidos pelo mundo moderno, sobretudo pelas ciências. Daí a importância e o valor inquestionável, por parte das principais lideranças, da educação escolar, conjugada com uma educação tradicional. (QUEIROZ, 2004, p. 229). Ao tentarmos traduzir uma manifestação oral em qualquer meio digital devemos pensar, portanto, no processo de transcriação do texto oral, conceito defendido por Almeida e Queiroz (2004). Assim, se para os participantes da cultura oral, ler implica em escutar, uma escuta do som, ponto de partida para o reconhecimento da cultura e da memória coletiva, em razão do contexto de produção poética, os novos suportes midiáticos digitais revelam a necessidade de um novo tipo de leitura-escuta. Para ler- ouvir a transcriação do texto oral em meio cibernético, o leitor-ouvinte precisa da tela do computador, de mensagens codificadas digitalmente para que a palavra oral seja 18 perpetuada, corroborada pela criação de acervos digitais responsáveis pelo arquivamento de fontes orais tradicionais que agora requer nova roupagem, contemporânea e digital sobre o velho homem. Mesmo assim, se fizermos uma linha do tempo sobre a transposição da linguagem oral para a escrita e agora para a digitalizada notaremos que a voz não deixou de existir em razão dessas outras instâncias de legitimação da linguagem, mesmo que essa passagem tenha indicado novas dinâmicas de recepção-emissão da linguagem, pois os enunciados ainda continuam dependendo de indivíduos reais para que se atualizem e produzam novos sentidos. Os acervos digitais afro-brasileiros em destaque Como exemplos de bancos de dados digitais que contemplam produções de poéticas orais afro-brasileiras escolhemos três acervos em potencial dentro da vasta rede mundial de computadores, a saber: 1 – Portal de Poéticas Orais 2 – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) 3 – Museu afro-digital do Maranhão O “Portal de Poéticas Orais” consiste em um acervo criado por pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em Londrina - Paraná, em parceria com outras instituições universitárias que pesquisam as poéticas orais com a ajuda de várias disciplinas no campo das humanidades e das letras. O site (disponível no endereço: http://www.portaldepoeticasorais.com.br/site/?pg=expediente) abriga pesquisas de diversas naturezas no campo das poéticas orais no Brasil e visa mapear quais artistas, hoje em dia, produzem sistematicamente uma manutenção da cultura e tradição popular brasileira por meio da voz, incluindo as produções de vertente afro-brasileira, que vão desde contos até letras de rap, ensejando a variada gama de produção poética que a oralidade afro-brasileira pode comportar. Importante notar, durante a navegação, que o Portal possibilita o acesso a vídeos, entrevistas em áudio e transcritas, textos e pesquisas acadêmicas sobre as poéticas e culturas orais no Brasil contemporâneo, nas mais diversas regiões do país e, por isso, http://www.portaldepoeticasorais.com.br/site/?pg=expediente 19 constitui-se num profícuo banco de dados digitais de narrativas orais afro-brasileiras tanto no âmbito criativo quanto no acadêmico. Durante a navegação pelo site, identificamos a presença de alguns contos gravados por entrevistadores que se prontificaram a imergir Brasil adentro em busca de fontes orais legítimas. No link intitulado “áudios”, o internauta pode escolher qual gravação e história quer ouvir. Ao selecionar a história mencionada, presencia-se uma experiência surpreendente, pois além de ouvir a voz da narradora, temos acesso à transcrição literal. Um exemplo instigante, que prova o poder da memória e da palavra falada perpetuada entre as gerações é o caso de “A menina que tentou bater na mãe e virou pedra”. Segundo a página do Portal de Poéticas Orais, essa história foi narrada na entrevista com Mary Maia para o projeto “O Imaginário nas Formas Narrativas Orais Populares da Amazônia Paraense” (IFNOPAP) e foi realizada em Belém, no Pará, pela pesquisadora Socorro Simões. O tema central da narrativa, de cunho moralizante, narra as malcriações da filha contra a mãe, terminando em um castigo que transformou a jovem em pedra após ela ter desacatado novamente a figura materna. A história de Maia encontra-se no site www.portaldepoeticasorais.com.br, no item “áudios”, como no excerto: [...] Aí, a mãe pediu outro favor pra garota; não, foi falar alguma coisa pra garota, brigando com ela e a garota levantou a vassourapra bater na mãe, nesse momento a garotinha ficou estática, sem nenhum movimento mesmo e foi virando pedra e... e... ela, hoje em dia, a estátua dela está na torre da igreja, é...lá em Vigia. (Entrevista: MAIA, 2016, s/p). O dado atraente, neste caso, é que a mesma história encontra alguma correlação em um dos contos da obra “Caroço de Dendê: a sabedoria dos terreiros”, narrado pela contadora de histórias Mãe Beata de Yemonjá. Intitulado “A filha que ficou muda porque fez a mãe passar vergonha”, o conto tem alguns elementos similares aos eventos encontrados na primeira narrativa. O ponto central da história também relata sobre uma garota muito mimada que sempre desrespeitava a mãe, até que em uma das situações de enfrentamento da filha para com a mãe, durante uma missa, a jovem ficou muda por ter feito a mãe passar vergonha em público com mais uma de suas afrontas. O trecho final da história retrata essa questão: http://www.portaldepoeticasorais.com.br/ 20 [...] – Essa não! Você não vai se ajoelhar para sujar o meu vestido de seda! Se quiser fique em pé. Então a mãe continuou de pé e todos se voltaram para olhar a mulher, que estava chorando envergonhada. Quando acabou a missa as duas saíram, porém a filha ruim nunca mais falou. O seu castigo veio na hora. (YEMONJÁ, 2008, p. 55-56). Interessante ressaltar que, embora haja muitas variações sígnicas, lexicais e mesmo espaciais entre as duas histórias, uma vez que uma é narrada na região do Pará e a segunda é contada no Rio de Janeiro, ambas remetem ao mesmo conteúdo semântico. O mote narrativo permanece, juntamente com a ideia de uma história com moral, cuja função inicial seja de imprimir doutrina e ética aos ouvintes e leitores. O fenômeno torna-se então prova cabal do quanto a memória e a oralidade são primordiais na manutenção de costumes e crenças que compõem a cultura oral afro-brasileira, ainda presente no imaginário coletivo de populações mais tradicionais do país. Outro importante acervo digital de poéticas orais afro-brasileiras está abrigado no site do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), autarquia federal criada em 1937, hoje vinculada ao Ministério da Cultura. Atualmente, o IPHAN também está presente no ambiente virtual (encontrado no endereço: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/872), com várias manifestações de poéticas orais disponíveis para acesso. O IPHAN tem como principal objetivo a preservação do patrimônio cultural e imaterial do Brasil, de maneira que as gerações futuras tenham acesso aos bens culturais que contribuiram para a formação nacional. Segundo informações presentes na página do Instituto, os conceitos norteadores de atuação do órgão têm evoluído, porém sempre respeitando seus marcos legais e iniciais que preconizam a cultura nacional como as formas de expressão, de criar e de viver do povo brasileiro. Exemplos de material da cultura oral afro-brasileira, salvaguardado pelo acervo digital do IPHAN, de acesso livre, encontra-se no link de acervos e vídeos. É possível encontrar exemplares de manifestações afro-brasileiras presentes no inconsciente coletivo desde os primeiros séculos do país, a exemplo da permanência das práticas de Jongo, no Espírito Santo. Vivo até os dias atuais pela memória e pela voz do povo, o jongo, também conhecido como caxambu, uma variação de mesma raiz cultural, entre outras variações lexicais, é uma dança de origem africana, praticado pelos negros http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/872 21 escravizados nas terras brasileiras desde o Brasil Colonial. É parecido com a cadência do batuque ou do samba, acompanhada por tambores, cantadores e são dotados de estrofe e refrão. Normalmente, no passado, tinha um assunto principal que servia como comunicação entre os indivíduos que não podiam falar sobre sua condição de sujeitos presos. Entre muitos vídeos e gravações que o IPHAN abriga, de maneira a salvaguardar a cultura oral afro-brasileira, o foco agora é sobre a gravação que revela práticas orais de terreiros de candomblé. Ainda na página “Acervos e publicações” do site do Instituto encontramos uma amostra das consagradas festas de terreiros. O vídeo, feito para a vigésima oitava edição do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, retrata algumas ações de preservação da cultura oral do Ilè OmiOjúàrò (Casa das águas dos filhos de Oxóssi), localizado em Miguel Couto, baixada fluminense, sob a batuta da então autora de livros de contos orais e mãe de santo, Mãe Beata de Yemonjá. Assim como o Portal de Poéticas Orais e o IPHAN, outro site construído para ser um potencial acervo digital de poéticas orais afro-brasileiras é o “Museu Afrodigital do Maranhão”. Aprovado com recursos da CAPES-PROCULTURA, o banco de dados (disponível no endereço virtual http://www.museuafro.ufma.br/site/) é uma parceria entre a Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e está associado à rede da memória virtual da Biblioteca Nacional, como afirma o próprio site do Museu. A página oficial do projeto afirma, ainda, que é um museu sem proprietários, pois, “[...] quando se observa que as intensas transformações tecnológicas atuais exigem novas formas de narrativas e novos ambientes de circulação de informações, tem-se que um Museu Digital é um lugar democratizante.”. (Museu Afrodigital do Maranhão, s/d). O intuito do Museu, assim como outros acervos digitais, é o de revelar a cultura de grupos minorizados ou marginalizados por meio de instrumentos democráticos, como é o caso da internet e que exaltem a memória e a história de coletivos, em especial, os negros. Por meio dos projetos de coleta e gravação de memórias tradicionais é possível acolher uma vasta história do povo negro na formação do Brasil. Uma vez que a regra seja encontrar alguns poucos exemplares da cultura negra em acervos materiais bem restritos ao público em geral, a ideia de criar um banco de dados vinculado à rede mundial de computadores significa dizer que não há donos para guardar uma cultura que é do povo. Tal fato contribui para os projetos e políticas de http://www.museuafro.ufma.br/site/ 22 ações afirmativas, contemporâneas ao século XXI e que prezam pelo resgate da autoestima afrodescendente e pela luta contra o preconceito racial. A página do Museu informa, ainda, que entre as atividades do projeto incluem-se a digitalização de acervos e documentos das culturas afro-brasileiras; criação de novas tecnologias para a pesquisa na área; auxílio aos programas de graduação e pós-graduação que se debrucem aos estudos raciais, além da parceria com arquivos e pesquisadores da temática. Ao navegar pelo site, assim como nos outros dois bancos de dados aqui retratados, tem-se uma gama de opções, mas uma delas, no link “Coleções”, o internauta tem acesso a diversos vídeos que tratam das práticas de manifestações orais afro- brasileiras como o “Tambor de Crioula”, “Festas de Terreiro”, “Grupos de Quilombolas e suas práticas culturais”, “Festas do Divino”, entre outros exemplares. Considerações finais Convém ressaltar que, nos três casos de acervos digitais estudados neste artigo, a memória e a tradição ancestral representam a força vital das manifestações orais afrodescendentes. Seja nas danças, nos cantos, na religiosidade, seja na palavra contada e recontada, a poética residente da voz afro-brasileira ganha novo alento e entusiasmo por meio de códigos binários e indicadores virtuais, pertencentes ao universo da cibercultura e da revolução digital do século XXI. No recorte aqui apresentado, pudemos perceber a beleza que reside nas manifestações afrodescendentes e remanescentes de uma cultura suplantada pela tradição clássica e europeia. A poética oriunda de práticas orais negras nos revela um horizonte de possibilidadesacerca do resgate cultural da memória ancestral de indivíduos que muito contribuíram para a construção do Brasil de hoje e que ainda reflete em muito de sua cultura, totens da raiz africana, seja no canto, na dança, na linguagem, na alimentação, seja nos modos de comportamento. Apesar de ser este estudo apenas um excerto, ressaltamos que outros sites possam, porventura, abrigar poéticas da voz. Entretanto, ratificamos desde já a dificuldade em encontrar páginas virtuais que tratem desta demanda. Ainda é preciso expandir as ideias sobre a proteção de fontes orais e tradicionais em meio digital, uma vez que exige maior investimento acadêmico e dos instrumentos de conservação da cultura nacional. O reconhecimento da cultura negra como um dos principais pilares 23 fundadores da sociedade brasileira também ajudaria a sustentar a tese sobre a importância de novos projetos que contemplem a temática aqui abordada, no entanto, sabemos que ainda há muito a caminhar no sentido de valorização étnico-racial, incluindo as poéticas da voz afrodescendente. REFERÊNCIAS ALCOFORADO, Doralice Fernandes Xavier. Oralidade e Literatura. In: FERNANDES, Frederico Augusto Garcia; LEITE, Eudes Fernando (Orgs.). Oralidade e Literatura 3: outras veredas da voz. Londrina: EDUEL, 2007. FERNANDES, Frederico Augusto Garcia. Vozes da Hélade e das Bordas. In: CORRÊA, Regina Helena Machado Aquino (Org.). Nem fruta nem flor. Londrina: Ed. Humanidades, 2006. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/872. Acesso em: 10 mar. 2016. Foi esse o site citado no texto? (Sim, foi este site.) MUSEU AFRO-DIGITAL DO MARANHÃO. Disponível em: http://www.museuafro.ufma.br/site/. Acesso em: 11 mar. 2016. ONG, Walter. Oralidade e cultura escrita: a tecnologização da palavra. Trad. Enid Abreu Dobránszky. Campinas: Papirus, 1998. PELLEN, Jean-Noël. Memória da Literatura Oral. A dinâmica discursiva da literatura oral: reflexões sobre a noção de etnotexto. Trad. Maria Thereza Sampaio, n. 22, p. 49- 77, jun. 2001. PORTAL DE POÉTICAS ORAIS. Disponível em: http://www.portaldepoeticasorais.com.br/site/?pg=expediente. Acesso em: 10 mar. 2016. MAIA, Mary. A menina que tentou bater na mãe e virou pedra. Disponível em: http://www.portaldepoeticasorais.com.br/site/?pg=escutar&id_audio=77#. Acesso em: 20 jul. 2016. QUEIROZ, Sônia. Um conta, outro aponta: voz, escrita e autoria. In: ALMEIDA, Maria Inês de; QUEIROZ, Sônia (Orgs.). Na captura da voz: as edições da narrativa oral no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica; FALE/UFMG, 2004. ZUMTHOR, Paul. Escritura e Nomadismo. Trad. Sonia Queiroz; Jerusa Pires Ferreira. São Paulo: Ateliê, 2005. http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/872 http://www.museuafro.ufma.br/site/ http://www.portaldepoeticasorais.com.br/site/?pg=expediente http://www.portaldepoeticasorais.com.br/site/?pg=escutar&id_audio=77 24 YEMONJÁ, Mãe Beata de. Caroço de Dendê – A sabedoria dos terreiros: como ialorixás e babalorixás passam conhecimentos a seus filhos. 2. ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2008. 25 A PRESENÇA DE OBRAS FICCIONAIS NO CATÁLOGO DE LIVROS DA IMPERATRIZ TERESA CRISTINA E EM SEUS DIÁRIOS E CARTAS PESSOAIS Larissa de ASSUMPÇÃO Mestrado em Teoria e História Literária – IEL-UNICAMP E-mail: lariassumpcao@hotmail.com http://lattes.cnpq.br/6110037699556790 RESUMO Este trabalho tem por objetivo analisar a presença de romances, gênero de grande difusão no século XIX, em documentos pessoais da Imperatriz Teresa Cristina, consorte do Imperador Dom Pedro II. O primeiro documento a ser analisado, um catálogo manuscrito intitulado “Livros Pertencentes à Sua Majestade a Imperatriz e que se Encontram em seu Gabinete”, contém uma lista de 305 obras que pertenceram à Imperatriz Teresa Cristina. A análise desse catálogo pode trazer informações sobre as preferências literárias da Imperatriz, e sobre os autores, línguas e locais de edição predominantes entre os romances presentes em sua biblioteca. Outros documentos deixados pela Imperatriz são seus diários, referentes aos anos de 1852 a 1887, e cartas pessoais, enviadas à Princesa Isabel entre os anos de 1861 e 1879. Esses documentos contêm relatos de leitura e de troca de romances por parte da Família Imperial, servindo como indícios do papel que essas obras representavam no cotidiano da mais alta elite brasileira do período. Os dados contidos no catálogo e nos documentos pessoais da Imperatriz, além de trazerem informações sobre a composição da biblioteca e as práticas de leitura da Família Imperial, podem contribuir para os estudos sobre a circulação de romances no século XIX. Palavras-chave: Família Imperial Brasileira. Documentos Pessoais. Romances. Século XIX. Um dos elementos que podem trazer indícios sobre as práticas de leitura realizadas dentro do Brasil do século XIX são os documentos pessoais deixados, em sua maioria, por intelectuais e pessoas pertencentes aos estratos mais elevados da sociedade da época. Inventários, cartas, diários e catálogos de bibliotecas pessoais podem servir como indícios, não apenas dos livros que circularam na sociedade brasileira oitocentista, mas também de quais obras foram lidas por membros da população. Esse trabalho, que se insere no contexto do Projeto Temático “A Circulação Transatlântica dos Impressos: A Globalização da Cultura no Século XIX”, coordenado pela Profa. Dra. Márcia Abreu (Universidade Estadual de Campinas) e pelo Prof. Jean- Yves Mollier (Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines), tem por objetivo mailto:lariassumpcao@hotmail.com 26 analisar a presença de obras ficcionais em documentos e cartas deixados pela Imperatriz Teresa Cristina, consorte do Imperador Dom Pedro II. O interesse especial pelas obras ficcionais, que englobavam os romances, contos, histórias ou novelas, se deve ao fato de que estas publicações faziam parte de um gênero que obteve ampla circulação ao longo do século XIX, mas que, inicialmente, sofreu preconceito dos críticos literários que “Desconfiavam de um gênero não previsto pela tradição clássica, um gênero que atraía tantos e tão diversos leitores e que, com sua linguagem acessível, suscitava interpretações que feriam todo tipo de ortodoxia.” (ABREU, 2008, p.11). Além disso, acreditava-se que havia um “perigo” relacionado à leitura desse tipo de obra, pois esta “Fazia com que se perdesse um tempo precioso, com que se corrompesse o gosto e com que se tomasse contato com situações moralmente condenáveis.” (ABREU et al., s/d). Além disso, as obras ficcionais eram comumente relacionadas ao público amplo da época, pois eram facilmente acessíveis e circulavam por intermérdio de manuscritos, jornais (na forma de folhetins), e por meio de leituras orais (ABREU et al., s/d). A análise da presença dessas obras na lista de livros pessoais da Imperatriz Teresa Cristina, e nas descrições do cotidiano da Família Imperial feitas em seus diários e cartas pode mostrar como esse gênero de grande difusão e acessível ao público amplo de diversos países no século XIX, também fazia parte da vida da mais alta elite brasileira do período. A Presença de Obras Ficcionais na “Lista de Livros Pertencentes à Sua Majestade a Imperatriz e que se Encontram em seu Gabinete” Uma das fontes de informações sobre a presença de livros em bibliotecas brasileiras e sobre a sua leitura são os documentos deixados pela Família Imperial Brasileira. Após a Proclamação da República e o exílio da Família Imperial, em 1889, grande parte dos livros e documentos presentes no Palácio de São Cristóvão foi dividida entre instituições brasileiras. Por determinação do próprio Dom Pedro II que, em 1891, escreveu uma carta ao Procurador Silva Costa, por meio da qual doava os objetos pessoais desua família ao Brasil 1 , assim, os 24.270 livros do Palácio foram divididos entre o Museu Histórico Nacional, a Biblioteca Nacional e o Instituto Histórico e 1 Acervo do Museu Imperial (Coleção Silva Costa – I-DAS-08.06.1891-PII.B.c). 27 Geográfico Brasileiro. No que se refere aos documentos, determinou-se que os documentos oficiais fizessem parte do acervo da Fundação Biblioteca Nacional, e os documentos de cunho pessoal e privado fossem para o Museu Imperial de Petrópolis, onde fazem parte do Arquivo Grão Pará. Entre os arquivos pessoais da Família Imperial estão documentos que se referem às bibliotecas do Palácio e à saída e entrada de livros dos gabinetes pessoais dos membros da Família Imperial. Um desses documentos, intitulado “Livros Pertencentes à Sua Majestade a Imperatriz e que se Encontram em Seu Gabinete”, contém uma lista de 305 obras que pertenceram à Imperatriz Teresa Cristina. A Imperatriz, nascida em Nápoles, em 1822, casou-se por procuração com o Imperador Dom Pedro II, em 1843, e chegou ao Brasil pouco tempo depois. O catálogo dos livros que pertenceram à Imperatriz, no final do século XIX, pode, além de mostrar quais obras literárias estavam presentes no Palácio, trazer indícios sobre as práticas de leitura de um membro da mais alta elite brasileira do período. Entre os 305 livros cujas informações principais estão descritas no catálogo, 60 (19,6%) são do gênero prosa ficcional. A presença de um número considerável de obras desse gênero no gabinete pessoal da Imperatriz Teresa Cristina revela como os livros de ficção, que obtiveram grande circulação entre o público amplo do período, também estavam presentes no Palácio de São Cristóvão, moradia da mais alta elite brasileira do século XIX. A análise dos títulos de obras ficcionais e de autores mais recorrentes nesse catálogo pode trazer indícios sobre algumas de suas escolhas literárias. Essa suposição baseia-se na existência de documentos que controlavam a saída e entrada de livros no cômodo da Imperatriz Teresa Cristina e do Imperador Dom Pedro II. Um desses documentos, datado do ano de 1864 e intitulado “Saída dos Livros Pertencentes à Sua Majestade a Imperatriz”, registra a saída de dois exemplares das obras de Lamartine do gabinete da Imperatriz: um deles retirado pela Princesa Isabel, e um pela Princesa Leopoldina. O final do documento indica que a saída de livros aconteceu “por ordem da mesma Augusta Senhora” 2 . Documentos como esses são indícios de que a Imperatriz Teresa Cristina controlava os livros que entravam e saíam do seu gabinete pessoal, indicando que as obras ficcionais que lá existiam provavelmente refletiam algumas de suas escolhas pessoais. 2 Seção de manuscritos da Fundação Biblioteca Nacional. 28 Um dos primeiros fatores que chamam a atenção no catálogo de livros da Imperatriz é a atualidade de seu acervo, que pode ser visualizada com mais clareza, a seguir, por meio do Gráfico 1, expresso em décadas. Gráfico 1: Obras ficcionais, por década, no Gabinete da Imperatriz Teresa Cristina Fonte: Elaborado pela autora. Com base no Gráfico 1, é possível perceber que grande parte das obras ficcionais que pertenciam ao gabinete da Imperatriz Teresa Cristina eram contemporâneas a ela, e grande parte foi editada a partir da década de 1840, período em que ela veio para o Brasil e passou a morar no Palácio de São Cristóvão. Esse fato pode indicar que várias das obras que a Imperatriz escolheu para que fizessem parte da sua coleção pessoal foram adquiridas em terras brasileiras. Isso não significa, porém, que a lista de livros da Imperatriz contivesse apenas livros cujas primeiras edições lhe são contemporâneas. Muitas obras, como Histoire de Gil Blas de Santillane, de Lesage e Rosamonde, de Maria Edgeworth, têm suas primeiras edições datadas ainda do século XVIII: Gil Blas foi publicado originalmente em 1715 e está presente na lista de livros em uma edição parisiense de 1864, e Rosamonde foi publicada em 1796, mas consta no catálogo da Imperatriz em edição de 1836. Esses dados revelam como reedições de romances antigos circulavam no Brasil do século XIX, permitindo que a Imperatriz mantivesse um acervo com obras publicadas em seu período de vida. 7 11 24 5 5 5 0 5 10 15 20 25 30 1830 1840 1850 1860 1870 1880 Obras ficcionais por década no Gabinete da Imperatriz Teresa Cristina Obras ficcionais por década no Gabinete da Imperatriz Teresa Cristina 29 A compra de livros por membros da Família Imperial no Brasil pode ser comprovada por meio da existência de documentos que controlavam os gastos da Família Imperial com a aquisição de obras literárias, e que hoje fazem parte do acervo do Museu Imperial de Petrópolis. Um desses documentos contém recibos da livraria Garnier, expedidos entre os anos de 1872 e 1886, que registram a compra de livros para o Palácio, entre os quais estão obras ficcionais, tais como Manon Lescaut, do Abbé Prévost, Tronco do Ipê e Pata da Gazela, de José de Alencar, Le Reigne des Champignons, de Alphonse Karr e L’Antiquário, de Walter Scott. Esses dados indicam como as obras ficcionais circulavam e podiam ser adquiridas no Brasil, em diversas línguas, traduções e edições. Apenas esses recibos mostram como era possível adquirir, em terras brasileiras, obras do romancista de língua inglesa Walter Scott, traduzidas para o italiano; e obras dos romancistas franceses Prévost e Alphonse Karr, em língua original. Essa facilidade permitiu que a Imperatriz compusesse uma biblioteca com obras ficcionais em diversas línguas, fossem elas originais ou traduzidas, o que pode ser mais bem observado, a seguir, por meio do Gráfico 2. Gráfico 2: Quantidade de obras, por língua, no Gabinete da Imperatriz Teresa Cristina Fonte: Elaborado pela autora. Valendo-se do Gráfico 2, é possível perceber que, entre as obras ficcionais do catálogo dos livros da Imperatriz, há uma predominância de obras em francês, que é a 32 11 6 9 1 0 0 5 10 15 20 25 30 35 Francês Italiano Inglês Quantidade de Obras por Língua no Gabinete da Imperatriz Teresa Cristina Quantidade de obras em língua original Quantidade de obras traduzidas 30 língua de edição de 41 (68,3%) obras. A língua francesa também possui o maior número de obras em língua original do catálogo. Essa predominância francesa provavelmente é reflexo do grande papel que a França exerceu no cenário literário do século XIX, no Brasil, onde exerceu papel decisivo como mediadora de produtos culturais e produtora original de romances (ABREU, et al., s/d). Além disso, estudos sobre os pedidos de autorização da entrada de livros no Rio de Janeiro submetidos à Censura Portuguesa mostram que as obras francesas já tinham grande circulação no Brasil desde meados do século XVIII (ABREU, 2000). A predominância francesa no catálogo também pode ser observada ao se separar as obras ficcionais da lista por local de edição, conforme expressa o Gráfico 3. Gráfico 3: Número de obras ficcionais editadas por cidade Fonte: Elaborado pela autora. A Itália também se destaca no catálogo, tanto como língua de edição de 20% do total de obras ficcionais, quanto como local de edição: Milão e Florença são as cidades com o maior número de obras após Paris e Bruxelas. A preferência por obras em língua italiana por parte da Imperatriz Teresa Cristina provavelmente se deva ao fato de que essa era a sua língua materna e, portanto, a língua com a qual a Imperatriz tinha grande familiaridade. Além disso, parece haver uma preferência por obras que tenham o italiano como língua original. 40 6 4 4 6 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 Paris Bruxelas Milão Florença Outra Número de obras ficcionais editadas por cidade Númerode obras ficcionais editadas por cidade 31 As obras em inglês, todas em língua original, representam cerca de 10% do catálogo, e possivelmente refletem a formação cultural elevada que a Imperatriz teve durante a juventude, a qual envolvia o estudo de diversas línguas. A “Lista de Livros Pertencentes à Sua Majestade a Imperatriz” contém espaços reservados a obras em língua portuguesa e espanhola, mas estes não foram preenchidos com dados sobre nenhuma obra, talvez pelo fato do catálogo conter o ano de 1885 como data de edição de sua obra mais recente, o que pode indicar que ele não foi finalizado em virtude da Proclamação da República e exílio da Família Imperial do Brasil. Outros dados que podem trazer indícios sobre as escolhas literárias da Imperatriz são os autores mais presentes no catálogo de seu gabinete. Um dos autores de maior destaque é o escocês Walter Scott, que aparece com uma edição de 1848 de The Abbot, editado em inglês, e uma tradução francesa de 1838 de Ivanhoé. Além disso, a lista de livros da Imperatriz contém três edições das obras completas em francês desse escritor, editadas em Paris, e publicadas nos anos de 1840, 1844 e 1848. Talvez a grande presença desse escritor no catálogo se deva ao fato de que Walter Scott foi um dos autores de grande circulação no século XIX, tendo sido um dos responsáveis pela aceitabilidade do gênero romance na Grã-Bretanha, onde obteve grande sucesso de público e de crítica. Seu sucesso logo chegou ao Brasil e, na década de 1820, suas obras já eram anunciadas no Jornal do Commercio (VASCONCELOS, 2008, p. 362). Outra escritora de língua inglesa de romances históricos que se destaca no catálogo de livros da Imperatriz Teresa Cristina é a inglesa Maria Edgeworth. Considerada uma das mais importantes romancistas irlandesas, Maria Edgeworth possui quatro de seus romances no catálogo: Rosamond, Frank e Harry and Lucy, editados em inglês no ano de 1836, e Demain, tradução francesa de seu romance Tomorrow, publicada em 1856, em Paris. É interessante notar como, apesar de grande parte das obras do catálogo terem sido publicadas em francês, são os autores de língua inglesa os que mais se destacam. Esse fato reflete a grande circulação que os autores dessa língua tiveram no Brasil, ao longo do século XIX, especialmente por intermédio de traduções para o francês (VASCONCELOS, s/d). Também existem autores franceses de grande destaque no catálogo: o romancista francês Eugène Sue, por exemplo, está na lista de livros da Imperatriz Teresa Cristina com quatro de seus romances, todos em língua original e editados em 32 Bruxelas: Mathilde, em edição de 1843; L’Orgueil e L’Envie, em edições de 1848; e Le Colère, em edição de 1849. Outro escritor francês de grande destaque é Alexandre Dumas fils, que aparece com várias de suas obras, todas editadas em francês e publicadas em Paris: Antonine, em edição de 1857; Le Docteur Servant e Tristan le Roux, em edições de 1856; e uma edição com as obras Diane de Lys, Ce qu’on ne Sait Pas, Grangette e Une Loge à Camille, publicadas no ano de 1856. Entre os autores de língua italiana presentes no catálogo estão Alessandro Manzoni, com I Promessi Sposi, em edição de 1873; Giacinto de Belmonte, com duas edições de Quatro Santi ed un Beato, datadas de 1882; e Cesare Cantù, com Margherita Pusterla. A Presença de Obras Ficcionais em Cartas e Documentos Pessoais da Imperatriz Teresa Cristina Além do catálogo dos seus livros, outros documentos que podem trazer indícios sobre as escolhas literárias da Imperatriz Teresa Cristina e sobre as práticas de leitura da Família Imperial Brasileira são seus diários e cartas pessoais, que, atualmente, fazem parte do Arquivo Grão Pará do Museu Imperial de Petrópolis. Em seu diário pessoal, escrito em língua italiana entre os anos de 1852 e 1887, a Imperatriz Teresa Cristina relata seus hábitos pessoais, tais como as viagens do Palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, ao Palácio de verão em Petrópolis, suas idas ao teatro e a eventos religiosos, sua rotina diária, os acontecimentos principais na vida das filhas, suas viagens, etc. Entre as descrições de suas atividades diárias encontram-se, também, os relatos de algumas práticas de leitura. A descrição dessas práticas traz indícios sobre como eram os hábitos de leitura da Família Imperial Brasileira dentro do Palácio e de como os membros dessa família se relacionavam com os livros e, em especial, com as obras de ficção. A Imperatriz descreve, várias vezes, ao longo dos diários, as práticas de leitura de outros membros da Família Imperial. No dia 25 de agosto de 1864, ela escreve: “[...] chegando em Petrópolis fomos ao jardim, depois o Imperador leu [...]” 3 . No dia 10 de maio de 1867, ela escreve: “O Imperador hoje leu das 3 às 4 [...]” 4 e, nos dias 24 de 3 No original: “Arrivando in Petropolis siamo andati al giardino, dopo l’Imperatore lessa”. Tradução nossa. Museu Imperial/Instituto Brasileiro de Museus/MinC – Requerimento de autorização nº12/2014. 4 No original: “L’Imperatore oggi lesse dale 3 alle 4”. Tradução nossa. Museu Imperial/Instituto Brasileiro de Museus/MinC – Requerimento de autorização nº12/2014. 33 julho e 23 de dezembro de 1867, a Imperatriz escreve em seu diário a frase: “o Imperador veio ler” 5 . A Imperatriz também fala sobre as leituras realizadas por outros membros da família, como seu genro, o Conde d’Eu, sobre quem ela escreve, no dia 25 de novembro de 1866: “Gaston ficou conosco e leu um livro que Taunay lhe emprestou [...]” 6 . Esses trechos do diário mostram como a leitura fazia parte do cotidiano da Família Imperial brasileira, que tinha hábitos frequentes de leitura e aparentemente transmitia esses hábitos aos membros mais jovens da família. Exemplo disso é a descrição que a Imperatriz faz, no dia 26 de julho de 1872, sobre a visita de seus netos e suas leituras com o avô: “Toda manhã estiveram meus netos comigo. Leram com o Imperador em português.” 7 Além dos hábitos de leitura, a Imperatriz também dá indícios, em seus diários, sobre as relações que a Família Imperial mantinha com escritores do período. No dia 23 de outubro de 1879, por exemplo, ela escreve: “Fomos na conferência de Mr. Gustave Aimard, conhecido romancista, na escola de S. José [...]” 8 . Gustave Aimard é um pseudônimo de Olivier Gloux, romancista francês, que escrevia obras de aventuras geográficas (LETOURNEUX, 2007). Além de descrever os hábitos de leitura dos outros membros da Família Imperial, a Imperatriz Teresa Cristina também escreve, em seu diário, sobre suas próprias práticas de leitura. No dia 23 de janeiro de 1877, por exemplo, quando ocorre um acidente com D. Josefina, ela escreve: “Estando eu tranquilamente lendo fui chamada encontrando-se D. Josefina doente, quase asfixiada com fumaça [...]” 9 . E nos dias 1, 6, 12, 19 de janeiro e 9 de fevereiro de 1868 ela escreve a palavra “leitura” após falar sobre o seu dia. Além das descrições gerais das práticas de leitura da Família Imperial, a Imperatriz também fala sobre leituras específicas realizadas por ela. A primeira referência à leitura de obras ficcionais no diário da Imperatriz ocorre no ano de 1863 quando, no dia 8 de abril, ela escreve que o Senhor Pacheco, diretor do Colégio Pedro 5 No original: “Venne l’Imperatore leggere”. Tradução nossa. Museu Imperial/Instituto Brasileiro de Museus/MinC – Requerimento de autorização nº12/2014. 6 No original: “Gaston resto com noi e lesse un libro che il Taunay c’imprestò”. Tradução nossa. Museu Imperial/Instituto Brasileiro de Museus/MinC – Requerimento de autorização nº12/2014. 7 Museu Imperial/Instituto Brasileiro de Museus/MinC – Requerimento de autorização nº12/2014. 8 No original: ““Andammo alla conferenzadi Mr. Gustave Aimard conosciuto romansista, nella escola de S. José”. Museu Imperial/Instituto Brasileiro de Museus/MinC – Requerimento de autorização nº12/2014. 9 No original: “Stando eu tranquilamente legendo fù chamada trovandosi D. Josefina ammalata quase asfiziata col fume”. Tradução minha. Museu Imperial/Instituto Brasileiro de Museus/MinC – Requerimento de autorização nº12/2014. 34 II, lhe emprestou o livro Fabiola o la Chiesa dele Catacombe, do Cardinal Nicholas Wiseman 10 . Alguns dias depois, em 27 de abril, ela escreve, após relatar as atividades do seu dia, que terminou de ler Fabiola 11 . A obra Fabiola o la Chiesa dele Catacombe é uma tradução para o italiano do romance inglês Fabiola or the Church of the Catacombes, publicado pela primeira vez em 1854. Esse romance moral está presente na lista de livros da Imperatriz, em tradução italiana publicada em Milão no ano de 1856. É possível que a edição existente no catálogo de obras do gabinete da Imperatriz, escrito no final do século, seja a mesma que ela pegou emprestado do diretor do Colégio Pedro II, em 1863. Esse exemplo mostra como os livros que faziam parte do acervo pessoal da Família Imperial Brasileira eram adquiridos por diversas formas: compra direta, trocas, empréstimos, doações, entre outros; e que a data de edição do romance nem sempre corresponde à data em que ele foi adquirido pelos membros da Família Imperial. A Imperatriz faz outra referência à leitura de uma obra ficcional no dia 27 de abril de 1863, quando diz que começou a ler Capitão Paulo, romance de Alexandre Dumas. Essa obra é uma tradução para o português de Le Capitaine Paul, publicado pela primeira vez em 1838, na França, em formato de folhetim. Essa obra também circulou em folhetim no Brasil, no Jornal do Commercio, pouco tempo após sua publicação na França (HOHLFELDT, 2004). A publicação dessa obra no jornal sugere que ela atingiu um público amplo da época e revela como a Imperatriz Teresa Cristina, membro da mais alta elite brasileira do século XIX e com uma formação cultural elevada, lia as mesmas obras que foram de fácil acesso para o público mais amplo do período. As cartas da Imperatriz, enviadas à sua filha, a Princesa Isabel, entre os anos de 1861 e 1879, também revelam muito das práticas de leitura da Família Imperial Brasileira e das trocas de livros e experiências literárias pelos seus membros. Em algumas das cartas, a Imperatriz fala sobre o hábito que tinha de ler com o Imperador. Em dezembro de 1864, ela escreve: “Seu pai vem ler às 4 até às 5 que é a hora de jantar, o que me alivia as saudades que tenho de vós todos [...]” 12 , e em 5 de junho de 1866: 10 No original: “In casa il Se. Pacheco direttore del Colleggio di Pedro II m’impresto il libbero della Fabiola o la Chiesa delle Catacombe de Cardinale Nicola Wiseman”. Museu Imperial/Instituto Brasileiro de Museus/MinC – Requerimento de autorização nº12/2014. 11 No original: “Ho finito di leggere Fabiola”. Museu Imperial/Instituto Brasileiro de Museus/MinC – Requerimento de autorização nº12/2014. 12 Arquivo Grão Pará. Museu Imperial/Instituto Brasileiro de Museus/MinC. 35 “Temos essa noite a conclusão da leitura das viagens ao interior da África pelo capitão B.” 13 . A Imperatriz escreve, ainda, em dezembro de 1867: “Isabel, o teu pai veio às 3 ler-me La Storia Universale de Cesare Cantù até às 4, que fomos jantar [...]” 14 . Esses trechos de cartas da Imperatriz mostram que a leitura não era vista apenas como uma prática individual pelos membros da Família Imperial Brasileira, mas também como algo a ser compartilhado por meio de leituras orais. As cartas escritas pela Imperatriz Teresa Cristina revelam, ainda, que não apenas a leitura era compartilhada no cotidiano da Família Imperial, mas também os livros. É muito comum que a Imperatriz escreva à Princesa Isabel que está lhe enviando livros. No dia 16 de janeiro de 1857, por exemplo, a Imperatriz escreve: “Já achei o livro que eu te levarei eu mesma domingo [...]” 15 ; e no dia 7 de fevereiro de 1859: “Papai manda dizer que já achou o livro que lhe pediste [...]” 16 . Em alguns casos, as cartas incluem referências a opiniões pessoais de leitura, como a carta do dia 17 de janeiro de 1868, em que a Imperatriz escreve: “Lerei com mais prazer o livro que te falei sabendo que gastou teu tempo lendo e é muito bom [...]” 17 . Esses trechos mostram como a Família Imperial trocava livros e indicações de leituras entre si e opiniões pessoais sobre as obras, o que ajudava na construção de um repertório em comum de leituras entre essa família. As cartas da Imperatriz também contêm referências explícitas à troca de obras ficcionais pela Família Imperial e de indicações de leitura de livros desse gênero. No dia 5 de novembro de 1864, por exemplo, a Imperatriz relata: “Vejo daquilo que me disse que Ivanhoé te interessa muito [...]” 18 . Ivanhoé, romance histórico de Walter Scott, foi publicado pela primeira vez em 1820, e é uma das obras desse escritor presentes no catálogo da Imperatriz, em edição francesa de 1838. É interessante notar como o gosto pelos romances de Walter Scott parecia ser compartilhado por mãe e filha, nesse período: o romancista escocês é o autor de maior destaque no catálogo da Imperatriz, e a Princesa Isabel afirma que se interessou muito por seu romance. No dia 01 de setembro de 1866, a Imperatriz faz menção a um romance que está enviando para a filha: “O Borges te deve entregar o Romance de Waterloo que achei e te 13 Idem. 14 Idem. 15 Idem. 16 Idem. 17 Idem. 18 Idem. 36 peço de aceitar. Este romance poderá entreter-te e também a Gaston [...]” 19 . Talvez por algum problema na entrega do livro a Imperatriz o menciona novamente em uma carta datada de 3 de outubro de 1866: “Te mando o romance de Waterloo que gostei muito de ler [...]” 20 . Waterloo, romance dos escritores franceses Erckman-Chatrian, teve sua primeira edição em 1865, o que mostra que a Imperatriz estava enviando à filha e ao genro uma obra relativamente recente. As menções feitas a esses romances nas cartas da Imperatriz revelam alguns aspectos sobre a relação da Família Imperial com as obras ficcionais, como a visão que a Imperatriz parece ter sobre esse tipo de obra. Na carta, ela diz que o objetivo do livro que ela enviava seria o de entreter a filha e o seu genro, o Conde d’Eu. Esse fato indica que as obras ficcionais eram vistas como algo ligado ao entretenimento pela Família Imperial. Além disso, as cartas apresentam opiniões de leitura da Imperatriz, manifestando que gostou muito de ler o romance e por isso o está enviando à filha. Essa troca de livros e experiências de leituras aparece frequentemente nos documentos da Imperatriz. Um exemplo de troca de livros por vários membros da Família Imperial acontece em relação ao romance Família Inglesa, de Julio Dinis. Em uma carta datada de 20 de outubro de 1868, a Imperatriz diz: “Ontem recebi o livro da Família Inglesa, que entreguei a teu pai [...]” 21 , e no dia 28 do mesmo mês: “Minha queria filha Isabel, aproveito do capelão que vai amanhã para as Águas Virtuosas para escrever-te estas duas linhas e mandar-te o livro que tua Mana acabou, que é Uma Família Inglesa, que teu Pai lhe emprestou e agora a ti.” 22 . Nesse caso, a troca de obras ficcionais pelos membros da Família Imperial é clara: a Imperatriz recebeu um livro, que entregou ao Imperador. Este, por sua vez, ao terminar a leitura, empresta a obra à sua filha, a Princesa Leopoldina e depois o envia, novamente por intermédio da Imperatriz, para a Princesa Isabel. O romance Família Inglesa teve sua primeira edição em 1867, o que mostra que a Família Imperial estava, mais uma vez, lendo uma obra recente.Essa obra, que retrata a sociedade portuguesa do século XIX foi, como Capitão Paulo, publicada originalmente em folhetim, no Jornal do Porto, o que mostra tratar-se de uma obra que atingiu um público amplo. 19 Idem. 20 Idem. 21 Idem. 22 Idem. 37 Os dados retirados das cartas e diários da Imperatriz Teresa Cristina mostram que as obras ficcionais não apenas estavam presentes em grande quantidade na coleção de livros particular da Imperatriz Teresa Cristina, mas eram lidas por ela e por outros membros da Família Imperial que, além de praticarem constantemente a leitura como atividade individual e privada, também compartilhavam leituras em voz alta e indicações de livros, que eram constantemente enviados de uma pessoa a outra da família com recomendações de leitura. Dados como esses revelam como sua leitura de obras ficcionais era realizada tanto pelas pessoas pertencentes aos estratos mais baixos da sociedade da época quanto pelos membros da Família Imperial Brasileira. Além disso, os dados apresentados expressam como o gênero romance circulava entre diversos países no século XIX, possibilitando que obras publicadas, editadas ou traduzidas em diversos locais da Europa estivessem acessíveis a leitores brasileiros. REFERÊNCIAS ABREU, Márcia. Literatura e História: Presença, Leitura e Escrita de Romances. In: ABREU, Márcia (Org.). Trajetórias do Romance: Circulação, leitura e escrita nos séculos XVIII e XIX. Campinas: Mercado de Letras, 2008. p. 11-19. ______. Rei e o Sujeito – considerações sobre a leitura no Brasil colonial. Brasil e Portugal: 500 anos de enlaces e desenlaces. Revista Convergência Lusíada, nº 17, Real Gabinete Português de Leitura, Rio de Janeiro, 2000, p. 189-201. ABREU, Márcia; VASCONCELOS, Sandra; VILLALTA, Luiz Carlos; SCHAPOCHNIK, Nelson. Caminhosdo Romance no Brasil: séculos XVIII e XIX. Disponível em: <http://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/estudos/ensaios/caminhos.pdf> HOHLFELDT, Antonio. Le roman-feuilleton et la presse dans le sud du Brésil. Sociétés, v. 83, p. 35-39, jan. 2004. LETOURNEUX, Matthieu. Paris, terre d’aventures ; La construction d’un espace exotique dans les récits de mystères urbains. RITM, 2007, p.147-161 VASCONCELOS, Sandra Guardini. Cruzando o atlântico: notas sobre a recepção de Walter Scott. In: ABREU, Márcia (Org.). Trajetórias do Romance: Circulação, leitura e escrita nos séculos XVIII e XIX. Campinas: Mercado de Letras, 2008. p. 351-374 VASCONCELOS, Sandra Guardini. Formação do Romance Brasileiro: 1808-1860 (Vertentes Inglesas. Disponível em: http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/Sandra/sandra.htm. Acesso em: 19 maio 2016. http://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/estudos/ensaios/caminhos.pdf http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/Sandra/sandra.htm 38 A ABLC: ESPAÇO DA MEMÓRIA ORAL E ESCRITA Barbara Lais Falcão da Silva CAÇÃO Mestra em Literatura e Vida Social Unesp/Assis barbarafalcaoc@hotmail.com http://lattes.cnpq.br/5888113151541041 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo demonstrar o papel ocupado pela ABLC (Academia Brasileira de Literatura de Cordel), localizada no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, na prática de registro e conservação das poéticas populares e de tradição oral, mais especificamente da literatura de cordel. A entidade é um local de difusão dessa produção popular não só por contar com um acervo riquíssimo de poetas pioneiros e contemporâneos, mas também por ser presidida por Gonçalo Ferreira da Silva, cordelista cearense radicado no Rio de Janeiro, que escreve um cordel revitalizado sem desvincular-se da tradição, levando em consideração não somente a oralidade, mas também assumindo a responsabilidade de divulgar essa forma de expressão artística com o ofício de poeta e declamador de sua própria produção. Além disso, vale ressaltar que a academia também publica os folhetos de Gonçalo e de outros poetas, além de disponibilizar uma pequena parte de seu acervo em meio digital, o que permite refletir sobre a experiência de recepção do folheto de cordel em diferentes contextos: pela voz do poeta, pela leitura do folheto físico e pela leitura no formato digital. Palavras-chave: Acervo ABLC. Gonçalo Ferreira da Silva. Tradição Oral. Rio de Janeiro. 1 A ABLC: Espaço físico e um pouco de sua história A Academia Brasileira de Literatura de Cordel foi fundada no dia 07 de setembro de 1988 e idealizada por um grupo de poetas populares residentes no Rio de Janeiro que achou conveniente estabelecer um local onde pudessem realizar reuniões e encontros, que antes ocorriam em lugares públicos, como bares e restaurantes. A Academia está localizada no bairro de Santa Teresa, o que acabou sendo bastante propício, pois, pelo fato de estar situada em um dos bairros mais visitados por turistas, acabou ganhando mais visibilidade. Até antes do desastre envolvendo o famoso bondinho de Santa Teresa, era muito comum que as pessoas chegassem ao famoso bairro utilizando aquele meio de transporte e, assim, em razão da localização privilegiada da ABLC, os turistas facilmente se deparavam com o local, mailto:barbarafalcaoc@hotmail.com 39 visitavam e adquiriam diversos folhetos, não raramente, vendidos por Gonçalo Ferreira da Silva, um de seus fundadores. Figura 1: Bondinho de Santa Teresa Fonte: Elaborada pela autora, 2010. Depois de criada a Academia, foi estabelecido o número de cadeiras, que atualmente são mais de 40, e nem todas são destinadas a poetas populares radicados no Rio de Janeiro, ao contrário, 25% delas é destinada a poetas que residem em outros cantos do Brasil. Com a organização da ABLC e a conquista de seu espaço físico, no bairro de Santa Teresa, Umberto Peregrino, diretor da Casa de Cultura São Saruê, concede o acervo da casa à academia. No que se refere a este feito, dois poetas exercem um papel importantíssimo na criação da ABLC: Apolônio Alves dos Santos e Gonçalo Ferreira da Silva (poeta cearense radicado no Rio de Janeiro), além, é claro, de outros nomes, mas com destaque especial para Gonçalo, que trabalha consideravelmente na divulgação da literatura de cordel, não somente dos seus títulos, mas também dos pertencentes a poetas que lhe são anteriores. Os folhetos são vendidos na loja, que é a parte visível do prédio da academia, na qual são expostos em suportes plásticos acomodados na parede, e é muito relevante sinalizar que eles não pertencem somente a Gonçalo, mas a diversos poetas de cordel da 40 cena carioca; traz, ainda, muitas reedições de folhetos antigos de grandes poetas como Leandro Gomes de Barros, por exemplo. O cordel contemporâneo passou por diversas modificações para que chegasse ao formato que conhecemos hoje, e isso se deu pela capacidade desta produção de se reinventar, atendendo aos interesses e às expectativas de um novo público, hoje em dia muito mais urbano que no pioneirismo; e, é claro, com a atenção dividida com as opções de entretenimento rápido oferecidas pelos grandes meios de comunicação. Mas o cordel passou por um processo de revitalização e hoje é encontrado não só com diferentes temáticas, mas também em diferentes formatos. Vale ainda ressaltar que, em virtude das próprias modificações enfrentadas pela literatura de cordel, os folhetos no formato livro podem ser encontrados não somente em algumas livrarias, mas também na própria ABLC, como a coleção de Gonçalo Ferreira da Silva sobre Lendas Brasileiras (composta por vários folhetos que versam sobre algumas das lendas de nosso folclore); além de uma publicação muito interessante, intitulada Cem cordéis históricos segundo a Academia Brasileira de Literatura de Cordel, em que alguns poetas falecidos e de bastante relevância foram escolhidos para integrar essa “antologia” – composta por folhetos
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