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Pensamento ESPECIALIDADE ESPECIALISTA

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Pensamento/Reflexão 
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	A Cegueira da Especialidade 
Foi preciso esperar até o começo do século XX para se presenciar um espectáculo incrível: o da peculiarísssima brutalidade e agressiva estupidez com que se comporta um homem quando sabe muito de uma coisa e ignora todas as demais. 
Ortega y Gasset, in 'O Livro das Missões' 
	Pensamento/Reflexão 
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	O Perigo do Especialista 
O especialista serve-nos para concretizar energicamente a espécie e fazer ver todo o radicalismo da sua novidade. Porque outrora os homens podiam dividir-se, simplesmente, em sábios e ignorantes, em mais ou menos sábios e mais ou menos ignorantes. Mas o especialista não pode ser submetido a nenhuma destas duas categorias. Não é um sábio, porque ignora formalmente o que não entra na sua especialidade; mas tampouco é um ignorante, porque é «um homem de ciência» e conhece muito bem a sua fracção de universo. Devemos dizer que é um sábio ignorante, coisa sobremodo grave, pois significa que é um senhor que se comportará em todas as questões que ignora, não como um ignorante, mas com toda a petulância de quem na sua questão especial é um sábio. 
E, com efeito, este é o comportamento do especialista. Em política, em arte, nos usos sociais, nas outras ciências tomará posições de primitivo, e ignorantíssimo; mas tomará essas posições com energia e suficiência, sem admitir – e isto é o paradoxal – especialistas dessas coisas. Ao especializá-lo a civilização tornou-o hermético e satisfeito dentro da sua limitação; mas essa mesma sensação íntima de domínio e valia vai levá-lo a querer predominar fora da sua especialidade. E a consequência é que, ainda neste caso, que representa um maximum de homem qualificado – especialismo – e, portanto, o mais oposto ao homem-massa, o resultado é que se comportará sem qualificação e como homem-massa em quase todas as esferas da vida. 
A advertência não é vaga. Quem quiser pode observar a estupidez com que pensam, julgam e actuam hoje na política, na arte, na religião e nos problemas gerais da vida e do mundo os «homens de ciência», e é claro, depois deles, médicos, engenheiros, financeiros, professores, etc. Essa condição de «não ouvir», de não se submeter a instâncias superiores que reiteradamente apresentei como característica do homem-massa, chega ao cúmulo nesses homens parcialmente qualificados. Eles simbolizam, e em grande parte constituem o império actual das massas, e a sua barbárie é a causa mais imediata da desmoralização europeia. 
Ortega y Gasset, in 'A Rebelião das Massas' 
	A Vulgaridade Intelectual 
Hoje, (...) o homem médio tem as «ideias» mais taxativas sobre quanto acontece e deve acontecer no universo. Por isso perdeu o uso da audição. Para quê ouvir, se já tem dentro de si o que necessita? Já não é época de ouvir, mas, pelo contrário, de julgar, de sentenciar, de decidir. Não há questão de vida pública em que não intervenha, cego e surdo como é, impondo as suas «opiniões». 
Mas não é isto uma vantagem? Não representa um progresso enorme que as massas tenham «ideias», quer dizer, que sejam cultas? De maneira alguma. As «ideias» deste homem médio não são autenticamente ideias, nem a sua posse é cultura. A ideia é um xeque-mate à verdade. Quem queira ter ideias necessita antes de dispor-se a querer a verdade, e aceitar as regras do jogo que ela imponha. Não vale falar de ideias ou opiniões onde não se admite uma instância que as regula, uma série de normas às quais na discussão cabe apelar. Estas normas são os princípios da cultura. Não me importa quais são. O que digo é que não há cultura onde não há normas. A que os nossos próximos possam recorrer. 
Não há cultura onde não há princípios de legalidade civil a que apelar. Não há cultura onde não há acatamento de certas últimas posições intelectuais a que referir-se na disputa. Não há cultura quando as relações económicas não são presididas por um regime de tráfico sob o qual possam amparar-se. Não há cultura onde as polémicas estéticas não reconhecem a necessidade de justificar a obra de arte. 
Quando faltam todas essas coisas, não há cultura; há, no sentido mais estrito da palavra, barbárie. E isto é, não tenhamos ilusões, o que começa a haver na Europa sob a progressiva rebelião das massas. O viajante que chega a um país bárbaro, sabe que naquele território não regem princípios aos quais possa recorrer. Não há normas bárbaras propriamente ditas, a barbárie é ausência de norma e de possível apelação. 
Ortega y Gasset, in 'A Rebelião das Massas'
	Pensamento/Reflexão 
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	O Intelectual e o Político 
A missão do chamado «intelectual» é, de certo modo, oposta à do político. A obra intelectual aspira, frequentemente em vão, a aclarar um pouco as coisas, enquanto a do político sói, pelo contrário, consistir em confundi-las mais do que já estavam. Ser da esquerda é, como ser da direita, uma das infinitas maneiras que o homem pode escolher para ser um imbecil: ambas, com efeito, são formas da hemiplegia moral. 
Ortega y Gasset, in 'A Rebelião das Massas'

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