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Paulo Freire - Educação e Mudança

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Prévia do material em texto

–	PAULO	FREIRE
EDUCAÇÃO
E	MUDANÇA
PAZ	E	TERRA
11-03953
Copyright	©	Herdeiros	Paulo	Freire
Direitos	de	edição	da	obra	em	língua	portuguesa	no	Brasil	adquiridos	pela	EDITORA	PAZ	E	TERRA.	Todos
os	direitos	reservados.	Nenhuma	parte	desta	obra	pode	ser	apropriada	e	estocada	em	sistema	de	banco
de	dados	ou	processo	similar,	em	qualquer	forma	ou	meio,	seja	eletrônico,	de	fotocópia,	gravação	etc.,
sem	a	permissão	do	detentor	do	copirraite.
EDITORA	PAZ	E	TERRA	LTDA
Rua	do	Triunfo,	177	—	Sta	Ifigênia	—	São	Paulo
Tel:	(011)	3337-8399	—	Fax:	(011)	3223-6290
http://www.pazeterra.com.br
Texto	revisto	pelo	novo	Acordo	Ortográfico	da	Língua	Portuguesa.
	
CIP-BRASIL.	CATALOGAÇÃO	NA	FONTE
SINDICATO	NACIONAL	DOS	EDITORES	DE	LIVROS,	RJ
Freire,	Paulo,	1921-1997.
Educação	e	mudança	[recurso	eletrônico]	/	Paulo	Freire.	-	1.	ed.	-	Rio	de	Janeiro	:	Paz	e	Terra,
2013.
recurso	digital
Título	original:	Educacion	y	cambio.
Formato:	ePub
Requisitos	do	sistema:	Adobe	Digital	Editions
Modo	de	acesso:	World	Wide	Web
Inclui	índice
ISBN	978-85-7753-220-9	(recurso	eletrônico)
1.	Educação	2.	Educação	-	Aspectos	políticos	3.	Educação	-	Aspectos	sociais	4.	Freire,	Paulo,	1921-
1997	5.	Pedagogia	I.	Gadotti,	Moacir.	II.	Título.
CDD-370.1
http://www.pazeterra.com.br
Sumário
PREFÁCIO:	EDUCAÇÃO	E	ORDEM	CLASSISTA
MOACIR	GADOTTI
1 O	compromisso	do	profissional	com	a	sociedade
2 A	educação	e	o	processo	de	mudança	social
3 O	papel	do	trabalhador	social	no	processo	de
mudança
4 Alfabetização	de	adultos	e	conscientização
Prefácio
EDUCAÇÃO	E	ORDEM	CLASSISTA
O	LANÇAMENTO	DESTA	OBRA	de	Paulo	Freire	em	português	se	dá	no	momento
em	 que	 o	 educador	 brasileiro	 retorna	 de	 quinze	 anos	 de	 exílio.	 Retorna	 ao
Brasil	 “distante	 do	qual	 estava	há	 catorze	 anos,	mas	 distante	 do	qual	 nunca
estava	 também”,	 como	 declarou	 ele	 no	 ano	 passado,	 quando	 foi
impossibilitado	de	participar	do	 I	 Seminário	de	Educação	Brasileira,	porque
lhe	 fora	 negado	 o	 passaporte.	 Indagado	 ao	 descer	 hoje	 no	 aeroporto	 de
Viracopos	 se	 havia	 acompanhado	 a	 evolução	política	 e	 educacional	 do	país,
Paulo	Freire	disse	ter	feito	o	impossível	para	isso	e	acrescentou:	“mas	a	cada
momento	 eu	descubro	 que	 é	 indispensável	 estar	 aqui	 para	melhor	 entender
toda	a	atual	realidade.	Quinze	anos	de	ausência	exigem	uma	reaprendizagem	e
uma	maior	intimização	com	o	Brasil	de	hoje.”	Com	a	modéstia	intelectual	que
sempre	o	caracterizou,	ele	volta	disposto	a	percorrer	mais	uma	etapa	nesta	sua
permanente	“aprendizagem”.
É-me,	portanto,	 impossível	apresentar	hoje	esta	obra	sem	mencionar	sua
volta	do	exílio.	O	exílio	não	marcou,	de	forma	alguma,	o	seu	pensamento	de
mágoa	ou	de	uma	nostalgia	doentia.	Onde	quer	que	tenha	trabalhado,	saindo
do	país	—	no	Chile,	nos	Estados	Unidos,	na	Suíça	ou	na	África	—,	sua	teoria	e
sua	 práxis	 estão	 carregadas	 de	 otimismo,	 certamente	 um	 otimismo	 crítico,
levando	mensagens	de	esperança,	certo	de	estar	combatendo	ao	lado	daqueles
que	 são	 os	 portadores	 da	 liberdade,	 os	 oprimidos.	 Paulo	 Freire	 não	 é	 um
intelectual	acadêmico,	distante	da	vida	concreta,	do	cotidiano.	É	por	isso	—	e
não	porque	tenha	seguido	uma	doutrina	 filosófica	ou	um	ideário	político	—
que	 sua	 teoria	 e	 sua	 práxis	 são	 tão	 fortes,	 violentas	 até,	 carregadas	 de	 um
sentido	 existencial	 profundo.	 Sentido	 que	 Paulo	 Freire	 não	 “dá”,	 mas	 que
“exprime”.	E	como	o	seu	ponto	de	partida,	a	sua	opção	radical	é	a	libertação
dos	oprimidos,	o	sentido	mais	profundo	da	sua	obra	é	ser	a	“expressão”	dos
oprimidos.	Daí	ser	uma	obra	inquietadora,	perturbadora,	revolucionária.	Ela
exprime	a	realidade	e	a	estratégia	do	oprimido.	Foi	por	essa	razão	que	não	foi
tolerado	após	o	golpe	militar	de	1964:	por	ser	o	“pedagogo	dos	oprimidos”.
Feitas	 estas	 observações	 iniciais,	 minha	 intenção	 é	 tecer	 algumas
considerações	sobre	a	temática	central	deste	livro:	a	mudança.
Inicialmente	quero	dizer	que,	ao	lado	da	conscientização,	a	mudança	é	um
“tema	 gerador”	 da	 prática	 teórica	 de	 Paulo	 Freire.	 Como	 o	 tema	 da
consciência,	o	tema	da	mudança	acompanha	todas	as	suas	obras.	A	mudança
de	 uma	 sociedade	 de	 oprimidos	 para	 uma	 sociedade	 de	 iguais	 e	 o	 papel	 da
educação	 —	 da	 conscientização	 —	 nesse	 processo	 de	 mudança	 são	 as
preocupações	 básicas	 da	 pedagogia	 de	 Paulo	 Freire.	 Aqui,	 porém,	 nestes
quatro	estudos,	ele	se	detém	mais	sistematicamente.
Pode	a	educação	operar	a	mudança?	Que	mudança?
Paulo	Freire	combate	a	concepção	ingênua	da	pedagogia	que	se	crê	motor
ou	 alavanca	 da	 transformação	 social	 e	 política.	 Combate	 igualmente	 a
concepção	 oposta,	 o	 pessimismo	 sociológico	 que	 consiste	 em	 dizer	 que	 a
educação	 reproduz	 mecanicamente	 a	 sociedade.	 Nesse	 terreno	 em	 que	 ele
analisa	 as	 possibilidades	 e	 as	 limitações	da	 educação,	nasce	um	pensamento
pedagógico	 que	 leva	 o	 educador	 e	 todo	 profissional	 a	 se	 engajar	 social	 e
politicamente,	 a	 perceber	 as	 possibilidades	 da	 ação	 social	 e	 cultural	 na	 luta
pela	 transformação	 das	 estruturas	 opressivas	 da	 sociedade	 classista.
Acrescente-se,	 porém,	 que	 embora	 ele	 não	 separe	 o	 ato	 pedagógico	 do	 ato
político,	 tampouco	 ele	 os	 confunde.	 Evitando	 querelas	 políticas,	 ele	 tenta
aprofundar	e	compreender	o	pedagógico	da	ação	política	e	o	político	da	ação
pedagógica,	 reconhecendo	 que	 a	 educação	 é	 essencialmente	 um	 ato	 de
conhecimento	e	de	conscientização	e	que,	por	si	só,	não	leva	uma	sociedade	a
se	libertar	da	opressão.
É	 dentro	 desse	 quadro	 que	 gostaria	 de	 dialogar	 um	 pouco	 com	 ele,
caminhar	com	ele	e,	ao	mesmo	tempo,	problematizar	o	seu	discurso	central,
isto	é,	a	possibilidade	de	uma	educação	libertadora,	transformadora.
Paulo	 Freire	 é	 certamente	 um	 profissional	 comprometido,	 cujo
pensamento	—	que	pensa	a	vida,	as	relações	humanas	—	encerra	um	grande
potencial	de	direção	na	luta	pela	transformação	das	sociedades,	notadamente
das	sociedades	“em	trânsito”.	Neste	sentido,	ele	 tem	o	mérito	não	apenas	de
denunciar	 uma	 educação	 supostamente	 neutra,	 como	 o	 de	 distinguir
claramente	 a	 pedagogia	 das	 classes	 dominantes	 da	 pedagogia	 das	 classes
oprimidas.	 Depois	 de	 Paulo	 Freire	 não	 é	 mais	 possível	 pensar	 a	 educação
como	um	universo	preservado,	como	não	foi	mais	possível	pensar	a	sociedade
sem	a	 luta	de	classes	após	a	dialética	de	Marx.	Muito	 se	 tem	escrito	 sobre	o
pensamento	 do	 “maior	 pedagogo	 do	 nosso	 tempo”,	 na	 expressão	 de	 Roger
Garaudy.	Muitas	questões,	porém,	pode	ainda	nos	suscitar	o	seu	pensamento,
sempre	 em	 evolução,	 como	 todo	 pensamento	 concreto.	 Não	 me	 preocupa
saber	se	Paulo	é	ou	não	é	marxista.	Se	Paulo	é	ou	não	é	cristão.	Ele	tem	sempre
rejeitado	 etiquetas	 daqueles	 que	 tentam	 simplificar	 o	 pensamento	 e	 a	 vida,
reduzi-la	 a	 esquemas	 intelectualistas.	 Os	 sectários	 de	 posições	 ideológicas
muito	 rígidas	 o	 consideram	 um	 “endemoniado	 contraditório”,	 como	 ele
mesmo	 afirma.	 Na	 verdade,	 o	 que	me	 interessa	 discutir	 concretamente	 é	 a
questão	 da	mudança	 e	 o	 caráter	 de	 dependência	 da	 educação	 em	 relação	 à
sociedade.
A	tradição	pedagógica	insiste	ainda	hoje	em	limitar	o	pedagógico	à	sala	de
aula,	 à	 relação	 professor-aluno,	 educador-educando,	 ao	 diálogo	 singular	 ou
plural	entre	duas	ou	várias	pessoas.	Não	seria	esta	uma	forma	de	cercear,	de
limitar	 a	 ação	 pedagógica?	 Não	 estaria	 a	 burguesia	 tentando	 reduzir	 certas
manifestações	 do	 pensamento	 das	 classes	 emergentes	 e	 oprimidas	 da
sociedade	 a	 certos	 momentos,	 exercendo	 sobre	 a	 escola	 um	 controle	 não
apenas	 ideológico	 (hoje	menos	 ostensivo	 do	 que	 ontem),	 mas	 até	 espacial?
Abrir	os	muros	da	escola	para	que	ela	possa	ter	acesso	à	rua,	invadir	a	cidade,
a	 vida,	 parece	 ser	 ação	 classificada	 de	 “não	 pedagógica”	 pela	 pedagogia
tradicional.	A	 conscientização,	 sim	 (até	 certo	 ponto),	mas	 dentro	 da	 escola,
dentro	dos	campi	das	universidades!
Enquanto	 os	 “grandes	 debates”,os	 “seminários	 revolucionários”
permanecerem	dentro	da	escola,	cada	vez	mais	isolada	dos	problemas	reais	e
longe	 das	 decisões	 políticas,	 não	 existirá	 uma	 educação	 libertadora.
Compreendendo	esta	estratégia,	o	professorado	brasileiro	invade	hoje	as	ruas,
sai	da	escola,	lutando	por	melhores	condições	de	ensino	e	de	salário,	certo	de
que,	assim	fazendo,	está	também	fortalecendo	a	categoria	e	transformando	a
sociedade	civil	numa	sociedade	mais	resistente	à	dominação.
A	burguesia	nacional	 reconhece	os	 limites	da	 conscientização	 que	 são	 os
limites	da	própria	consciência.	E	aqui	ela	tem	razão:	uma	conscientização	que
partisse	 apenas	 do	 educador,	 limitada	 ao	 campo	 escolar,	 é	 insuficiente	 para
operar	uma	verdadeira	mudança	 social.	A	educação,	 e	o	papel	do	educador,
não	é	só	 isso.	Se	houve	tempo	em	que	o	papel	do	pedagogo	parecia	ser	este,
hoje,	 o	 educador,	 o	 intelectual	 engajado,	 cimentado	 com	 o	 oprimido,	 não
pode	 limitar-se	a	conscientizar	dentro	da	 sala	de	aula.	Deverá	aprender	a	 se
conscientizar	com	a	massa.
Há	 igualmente	 limites	para	o	diálogo.	 Porque	numa	 sociedade	de	 classes
não	há	diálogo,	há	apenas	um	pseudodiálogo,	utopia	romântica	quando	parte
do	 oprimido	 e	 ardil	 astuto	 quando	 parte	 do	 opressor.	 Numa	 sociedade
dividida	 em	 classes	 antagônicas	 não	 há	 condições	 para	 uma	 pedagogia
dialogal.	O	diálogo	pode	estabelecer-se	talvez	no	interior	da	escola,	da	sala	de
aula,	 em	 pequenos	 grupos,	mas	 nunca	 na	 sociedade	 global.	Dentro	 de	 uma
visão	macroeducacional,	 em	que	a	 ação	pedagógica	não	 se	 limita	 à	 escola,	 a
organização	 da	 sociedade	 é	 também	 tarefa	 do	 educador.	 E,	 para	 isso,	 o	 seu
método,	a	sua	estratégia,	é	muito	mais	a	desobediência,	o	conflito,	a	suspeita,
do	 que	 o	 diálogo.	 A	 transparência	 do	 diálogo	 é	 substituída	 pela	 suspeita
crítica.	O	papel	 do	 educador	de	um	novo	 tempo,	do	 tempo	do	 acirramento
das	 contradições	 e	 do	 antagonismo	 de	 classe,	 o	 educador	 da	 passagem,	 do
trânsito,	 é	 mais	 a	 organização	 do	 conflito,	 do	 confronto,	 do	 que	 a	 ação
dialógica.
Não	 pretendo	 com	 isso	 condenar	 todo	 diálogo.	 O	 diálogo,	 porém,	 não
pode	 excluir	 o	 conflito,	 sob	 pena	 de	 ser	 um	 diálogo	 ingênuo.	 Eles	 atuam
dialeticamente:	o	que	dá	força	ao	diálogo	entre	os	oprimidos	é	a	sua	força	de
barganha	frente	ao	opressor.	É	o	desenvolvimento	do	conflito	com	o	opressor
que	mantém	 coeso	 o	 oprimido	 com	o	 oprimido.	O	diálogo	 de	 que	 nos	 fala
Paulo	Freire	não	é	o	diálogo	romântico	entre	oprimidos	e	opressores,	mas	o
diálogo	entre	os	oprimidos	para	a	 superação	de	 sua	 condição	de	oprimidos.
Esse	diálogo	supõe	e	se	completa,	ao	mesmo	tempo,	na	organização	de	classe,
na	luta	comum	contra	o	opressor,	portanto,	no	conflito.
Não	podemos	esperar	que	uma	escola	seja	“comunitária”	numa	sociedade
de	classes.	Não	podemos	esquecer	que	a	escola	também	faz	parte	da	sociedade.
Ela	 não	 é	 uma	 ilha	 de	 pureza	 no	 interior	 da	 qual	 as	 contradições	 e	 os
antagonismos	 de	 classe	 não	 penetram.	 Numa	 sociedade	 de	 classes	 toda
educação	é	classista.	E,	na	ordem	classista,	educar,	no	único	sentido	aceitável,
significa	 conscientizar	 e	 lutar	 contra	 esta	ordem,	 subvertê-la.	Portanto,	 uma
tarefa	 que	 revela	muito	mais	 o	 conflito	 interior	 à	 ordem	 classista	 do	 que	 a
busca	de	um	diálogo	que	instaure	a	comunhão	de	pessoas	ou	de	classes.
Até	 que	 ponto	 o	 humanismo	 sustentado	 pela	 pedagogia	 tradicional,	 que
valoriza	excessivamente	o	diálogo,	não	é	uma	maneira	de	esconder	a	 luta	de
classes,	as	disparidades	socioeconômicas,	o	antagonismo,	os	interesses	escusos
da	 classe	 dominante?	 A	 tradição	 humanista	 da	 nossa	 educação	 parece
justificar	 tal	 hipótese.	 Nossa	 educação	 é	 sustentada	 por	 esses	 dois	 tipos	 de
humanismo	 que,	 embora	 combatam	 entre	 si,	 são	 ambos	 conservadores:	 o
humanismo	 idealista,	 de	 um	 lado,	 lutando	 por	 uma	 educação	 pietista	 cujo
ideal	educativo	conduziria	ao	obscurantismo	da	Idade	Média,	frequentemente
encabeçado	 pela	 escola	 particular	 e	 religiosa;	 por	 outro	 lado,	 o	 humanismo
tecnológico,	 reduzindo	 toda	 educação	 a	 um	 arsenal	 de	 metodologias	 e	 de
instrumentos	de	aprendizagem,	despolitizando	a	grande	massa	da	população,
mais	 frequentemente	 professado	pelas	 escolas	 oficiais	 e	 burocráticas.	Um	 se
perde	 na	 contemplação	 dos	 ideais	 de	 uma	 sociedade	 “humana”,	 “acima”	 da
luta	 de	 classes;	 outro	 elimina	 todo	 ideal,	 substituindo-o	 pela	 ciência	 e	 pela
técnica.
É	dentro	desse	quadro	que	vejo	a	leitura	desta	obra,	publicada	já	há	alguns
anos	 em	 espanhol,	 como	 um	 subsídio	 valioso	 para	 a	 compreensão	 da
realidade	educacional	latino-americana,	dentro	de	uma	“sociedade	fechada”,	a
compreensão	 do	 papel	 do	 trabalhador	 social,	 do	 profissional	 engajado,
compromissado	 com	 um	 projeto	 de	 uma	 sociedade	 diferente,	 isto	 é,	 uma
“sociedade	aberta”.
Depois	 de	 Paulo	 Freire	 ninguém	 mais	 pode	 ignorar	 que	 a	 educação	 é
sempre	 um	 ato	 político.	 Aqueles	 que	 tentam	 argumentar	 em	 contrário,
afirmando	que	o	educador	não	pode	“fazer	política”,	 estão	defendendo	uma
certa	 política,	 a	 política	 da	 despolitização.	 Pelo	 contrário,	 se	 a	 educação,
notadamente	a	brasileira,	sempre	ignorou	a	política,	a	política	nunca	ignorou
a	educação.	Não	estamos	politizando	a	educação.	Ela	sempre	foi	política.	Ela
sempre	 esteve	 a	 serviço	das	 classes	dominantes.	Este	 é	 um	princípio	de	que
parte	Paulo	Freire,	princípio	subjacente	a	cada	página	que	aqui	escreveu.
Hoje,	 a	 volta	 dele	 representa	 um	 momento	 importante	 na	 história	 da
educação	no	Brasil.	Com	ele	 surge	 a	possibilidade	de	 reanimar	o	debate	 em
torno	 dos	 problemas	 educacionais	 brasileiros,	 debate	 este	 sufocado	 no
período	de	obscurantismo	imposto	pela	oligarquia	governamental	não	menos
obscurantista	 e	 tecnocrática.	 Com	 a	 volta	 de	 Paulo	 Freire,	 continuador	 de
Fernando	de	Azevedo,	Lourenço	Filho,	Anísio	Teixeira,	a	educação	brasileira
ganha	um	novo	 alento,	 adquire	maior	 lucidez,	 faz-nos	 lembrar	 que	o	Brasil
tem	uma	história	educacional	importante.
Moacir	Gadotti
Campinas,	7	de	agosto	de	1979
1
O	COMPROMISSO	DO	PROFISSIONAL	COM	A
SOCIEDADE
A	 QUESTÃO	 DO	 COMPROMISSO	 do	 profissional	 com	 a	 sociedade	 nos	 coloca
alguns	 pontos	 que	 devem	 ser	 analisados.	 Algumas	 reflexões	 das	 quais	 não
podemos	fugir,	necessárias	para	o	esclarecimento	do	tema.
Em	 primeiro	 lugar,	 a	 expressão	 “o	 compromisso	 do	 profissional	 com	 a
sociedade”	 nos	 apresenta	 o	 conceito	 do	 compromisso	 definido	 pelo
complemento	 “do	 profissional”,	 ao	 qual	 segue	 o	 termo	 “com	 a	 sociedade”.
Somente	 a	 presença	 do	 complemento	 na	 frase	 indica	 que	 não	 se	 trata	 do
compromisso	de	qualquer	um,	mas	do	profissional.	A	expressão	final,	por	sua
vez,	 define	 o	 polo	 para	 o	 qual	 o	 compromisso	 se	 orienta	 e	 no	 qual	 o	 ato
comprometido	 só	 aparentemente	 terminaria,	 pois	 na	 verdade	 não	 termina,
como	trataremos	de	ver	mais	adiante.
As	 palavras	 que	 constituem	 a	 frase	 a	 ser	 analisada	 não	 estão	 ali
simplesmente	 jogadas,	 postas	 arbitrariamente.	 Diríamos	 que	 se	 encontram,
inclusive,	“comprometidas”	entre	si	e	implicam,	na	estrutura	de	suas	relações,
uma	determinada	posição:	a	de	quem	as	expressou.
O	compromisso	seria	uma	palavra	oca,	uma	abstração,	se	não	envolvesse	a
decisão	 lúcida	 e	 profunda	 de	 quem	 o	 assume.	 Se	 não	 se	 desse	 no	 plano	 do
concreto.
Se	prosseguimos	na	análise	da	 frase	proposta,	 sentimos	a	necessidade	de
uma	 penetração	 cada	 vez	 maior	 no	 conceito	 do	 compromisso,	 com	 a	 qual
podemos	 apreender	 aquilo	 que	 faz	 com	 que	 um	 ato	 se	 constitua	 em
compromisso.
Mas,	no	momento	em	que	esta	necessidade	nos	é	imposta,	cada	vez	mais
claramente,	como	uma	exigência	prévia	à	análise	do	compromisso	definido	—
o	do	profissional	com	a	sociedade	—,	uma	reflexão	anterior	se	faz	necessária.
É	a	que	se	concentra	em	tornoda	pergunta:	quem	pode	comprometer-se?
Contudo,	como	pode	parecer,	esta	pergunta	não	se	formula	no	sentido	da
identificação	de	quem,	entre	alguns	sujeitos	hipotéticos	—	A,	B	ou	C	—,	é	o
protagonista	 de	 um	 ato	 de	 compromisso,	 numa	 situação	 dada.	 É	 uma
pergunta	que	se	antecipa	a	qualquer	situação	de	compromisso.	Indaga	sobre	a
ontologia	do	ser	sujeito	do	compromisso.	A	resposta	a	esta	indagação	nos	faz
entender	 o	 ato	 comprometido,	 que	 começa	 a	 desvelar-se	 diante	 da	 nossa
curiosidade.
De	 fato,	 ao	 nos	 aproximarmos	 da	 natureza	 do	 ser	 que	 é	 capaz	 de	 se
comprometer,	estaremos	nos	aproximando	da	essência	do	ato	comprometido.
A	 primeira	 condição	 para	 que	 um	 ser	 possa	 assumir	 um	 ato
comprometido	está	em	ser	capaz	de	agir	e	refletir.
É	preciso	que	seja	capaz	de,	estando	no	mundo,	saber-se	nele.	Saber	que,	se
a	forma	pela	qual	está	no	mundo	condiciona	a	sua	consciência	deste	estar,	é
capaz,	 sem	dúvida,	 de	 ter	 consciência	desta	 consciência	 condicionada.	Quer
dizer,	 é	 capaz	 de	 intencionar	 sua	 consciência	 para	 a	 própria	 forma	 de	 estar
sendo,	que	condiciona	sua	consciência	de	estar.
Se	a	possibilidade	de	reflexão	sobre	si,	sobre	seu	estar	no	mundo,	associada
indissoluvelmente	à	sua	ação	sobre	o	mundo,	não	existe	no	ser,	seu	estar	no
mundo	se	reduz	a	um	não	poder	transpor	os	limites	que	lhe	são	impostos	pelo
próprio	mundo,	do	que	 resulta	que	este	 ser	não	é	capaz	de	compromisso.	É
um	 ser	 imerso	 no	 mundo,	 no	 seu	 estar,	 adaptado	 a	 ele	 e	 sem	 ter	 dele
consciência.	Sua	imersão	na	realidade,	da	qual	não	pode	sair,	nem	“distanciar-
se”	para	admirá-la	e,	assim,	transformá-la,	faz	dele	um	ser	“fora”	do	tempo	ou
“sob”	 o	 tempo	 ou,	 ainda,	 num	 tempo	 que	 não	 é	 seu.	O	 tempo	 para	 tal	 ser
“seria”	um	perpétuo	presente,	um	eterno	hoje.	A-histórico,	um	ser	como	este
não	 pode	 comprometer-se;	 em	 lugar	 de	 relacionar-se	 com	 o	 mundo,	 o	 ser
imerso	 nele	 somente	 está	 em	 contato	 com	 ele.	 Seus	 contatos	 não	 chegam	 a
transformar	 o	 mundo,	 pois	 deles	 não	 resultam	 produtos	 significativos,
capazes	de	(inclusive,	voltando-se	sobre	ele)	marcá-los.
Somente	 um	 ser	 que	 é	 capaz	 de	 sair	 de	 seu	 contexto,	 de	 “distanciar-se”
dele	para	ficar	com	ele;	capaz	de	admirá-lo	para,	objetivando-o,	transformá-lo
e,	 transformando-o,	 saber-se	 transformado	pela	 sua	própria	 criação;	 um	 ser
que	 é	 e	 está	 sendo	 no	 tempo	 que	 é	 o	 seu,	 um	 ser	 histórico,	 somente	 este	 é
capaz,	por	tudo	isso,	de	comprometer-se.
Além	 disso,	 somente	 este	 ser	 é	 já	 em	 si	 um	 compromisso.	 Este	 ser	 é	 o
homem.
Mas,	se	este	ser	é	o	homem	que,	além	de	poder	comprometer-se,	já	é	um
compromisso,	o	que	é	o	compromisso?
Uma	 vez	mais	 teremos	 de	 voltar	 ao	 próprio	 homem,	 em	 busca	 de	 uma
resposta.	 Porém,	 não	 a	 um	 homem	 abstrato,	mas	 ao	 homem	 concreto,	 que
existe	numa	situação	concreta.
Afirmamos	 anteriormente	 que	 a	 primeira	 condição	 para	 que	 um	 ser
pudesse	exercer	um	ato	comprometido	era	a	sua	capacidade	de	atuar	e	refletir.
É	exatamente	esta	capacidade	de	atuar,	operar,	de	transformar	a	realidade	de
acordo	 com	 finalidades	 propostas	 pelo	 homem,	 à	 qual	 está	 associada	 sua
capacidade	de	refletir,	que	o	faz	um	ser	da	práxis.
Se	 ação	 e	 reflexão,	 como	 constituintes	 inseparáveis	 da	 práxis,	 são	 a
maneira	 humana	 de	 existir,	 isso	 não	 significa,	 contudo,	 que	 não	 estão
condicionadas,	 como	 se	 fossem	 absolutas,	 pela	 realidade	 em	 que	 está	 o
homem.
Assim,	como	não	há	homem	sem	mundo,	nem	mundo	sem	homem,	não
pode	 haver	 reflexão	 e	 ação	 fora	 da	 relação	 homem-realidade.	 Esta	 relação
homem-realidade,	 homem-mundo,	 ao	 contrário	 do	 contato	 animal	 com	 o
mundo,	 como	 já	 afirmamos,	 implica	 a	 transformação	 do	 mundo,	 cujo
produto,	por	sua	vez,	condiciona	ambas,	ação	e	reflexão.	É,	portanto,	através
de	sua	experiência	nestas	relações	que	o	homem	desenvolve	sua	ação-reflexão,
como	também	pode	tê-las	atrofiadas.	Conforme	se	estabeleçam	estas	relações,
o	 homem	 pode	 ou	 não	 ter	 condições	 objetivas	 para	 o	 pleno	 exercício	 da
maneira	humana	de	existir.
Contudo,	o	fundamental	é	que	esta	realidade,	proibitiva	ou	não	do	pensar
e	 do	 atuar	 autênticos,	 é	 criação	 dos	 homens.	 Daí	 ela	 não	 pode,	 por	 ser
histórica	 tal	 como	 os	 homens	 que	 a	 criam,	 transformar-se	 por	 si	 só.	 Os
homens	que	a	criam	são	os	mesmos	que	podem	prosseguir	transformando-a.
Pode-se	pensar,	diante	desta	afirmação,	que	estamos	numa	espécie	de	beco
sem	 saída.	 Porque	 se	 a	 realidade,	 criada	 pelos	 homens,	 dificulta-lhes
objetivamente	 seu	 atuar	 e	 seu	 pensar	 autênticos,	 como	 podem,	 então,
transformá-la	 para	 que	 possam	 pensar	 e	 atuar	 verdadeiramente?	 Se	 a
realidade	condiciona	seu	pensar	e	atuar	não	autênticos,	como	podem	pensar
corretamente	 o	 pensar	 e	 o	 atuar	 incorretos?	 É	 que,	 no	 jogo	 interativo	 do
atuar-pensar	 o	 mundo,	 se,	 num	 momento	 da	 experiência	 histórica	 dos
homens,	os	obstáculos	 ao	 seu	autêntico	atuar	 e	pensar	não	 são	visualizados,
em	 outros,	 estes	 obstáculos	 passam	 a	 ser	 percebidos	 para,	 finalmente,	 os
homens	 ganharem	 com	 eles	 sua	 razão.	 Os	 homens	 alcançam	 a	 razão	 dos
obstáculos	 na	 medida	 em	 que	 sua	 ação	 é	 impedida.	 É	 atuando	 ou	 não
podendo	 atuar	 que	 se	 lhes	 aclaram	 os	 obstáculos	 à	 ação,	 a	 qual	 não	 se
dicotomiza	 da	 reflexão.	 E	 como	 é	 próprio	 da	 existência	 humana	 a	 atuação-
reflexão,	quando	se	impede	um	homem	comprometido	de	atuar,	os	homens	se
sentem	frustrados	e	por	isso	procuram	superar	a	situação	de	frustração.1
Impedidos	de	atuar,	de	refletir,	os	homens	encontram-se	profundamente
feridos	 em	 si	 mesmos,	 como	 seres	 do	 compromisso.	 Compromisso	 com	 o
mundo,	 que	 deve	 ser	 humanizado	 para	 a	 humanização	 dos	 homens,
responsabilidade	 com	 estes,	 com	 a	 história.	 Este	 compromisso	 com	 a
humanização	 do	 homem,	 que	 implica	 uma	 responsabilidade	 histórica,	 não
pode	realizar-se	através	do	palavrório,	nem	de	nenhuma	outra	forma	de	fuga
do	mundo,	da	realidade	concreta,	onde	se	encontram	os	homens	concretos.	O
compromisso,	próprio	da	existência	humana,	só	existe	no	engajamento	com	a
realidade,	de	cujas	“águas”	os	homens	verdadeiramente	comprometidos	ficam
“molhados”,	 ensopados.	 Somente	 assim	 o	 compromisso	 é	 verdadeiro.	 Ao
experienciá-lo,	 num	 ato	 que	 necessariamente	 é	 corajoso,	 decidido	 e
consciente,	 os	 homens	 já	 não	 se	 dizem	 neutros.	 A	 neutralidade	 frente	 ao
mundo,	 frente	ao	histórico,	 frente	aos	valores,	 reflete	 apenas	o	medo	que	 se
tem	 de	 revelar	 o	 compromisso.	 Este	 medo	 quase	 sempre	 resulta	 de	 um
“compromisso”	contra	os	homens,	contra	sua	humanização,	por	parte	dos	que
se	 dizem	 neutros.	 Estão	 “comprometidos”	 consigo	 mesmos,	 com	 seus
interesses	ou	com	os	interesses	dos	grupos	aos	quais	pertencem.	E	como	este
não	é	um	compromisso	verdadeiro,	assumem	a	neutralidade	impossível.
O	verdadeiro	compromisso	é	a	solidariedade,	e	não	a	solidariedade	com	os
que	 negam	 o	 compromisso	 solidário,	 mas	 com	 aqueles	 que,	 na	 situação
concreta,	se	encontram	convertidos	em	“coisas”.
Comprometer-se	 com	 a	 desumanização	 é	 assumi-la	 e,	 inexoravelmente,
desumanizar-se	também.
Esta	é	a	razão	pela	qual	o	verdadeiro	compromisso,	que	é	sempre	solidário,
não	pode	reduzir-se	jamais	a	gestos	de	falsa	generosidade,	nem	tampouco	ser
um	ato	unilateral,	no	qual	quem	se	compromete	é	o	sujeito	ativo	do	trabalho
comprometido	 e	 aquele	 com	 quem	 se	 compromete	 a	 incidência	 de	 seu
compromisso.	 Isso	 seria	 anular	 a	 essência	 do	 compromisso,	 que,	 sendo
encontro	 dinâmico	 de	 homens	 solidários,	 ao	 alcançar	 aqueles	 com	os	 quais
alguém	se	 compromete,	 volta	destes	para	 ele,	 abraçando	a	 todos	num	único
gesto	amoroso.
Pois	bem,	se	nos	 interessa	analisar	o	compromisso	do	profissional	com	a
sociedade,	 teremos	 que	 reconhecer	 que	 ele,	 antes	 de	 ser	 profissional,	 é
homem.	Deve	ser	comprometido	porsi	mesmo.
Como	homem,	 que	 não	 pode	 estar	 fora	 de	 um	 contexto	 histórico-social
em	 cujas	 inter-relações	 constrói	 seu	 eu,	 é	 um	 ser	 autenticamente
comprometido,	falsamente	“comprometido”	ou	impedido	de	se	comprometer
verdadeiramente.2
No	caso	do	profissional,	é	necessário	juntar	ao	compromisso	genérico,	sem
dúvida	 concreto,	 que	 lhe	 é	 próprio	 como	 homem,	 o	 seu	 compromisso	 de
profissional.
Se	de	seu	compromisso	como	homem,	como	já	vimos,	não	pode	fugir,	fora
deste	 compromisso	 verdadeiro	 com	 o	 mundo	 e	 com	 os	 homens,	 que	 é
solidariedade	 com	 eles	 para	 a	 incessante	 procura	 da	 humanização,	 seu
compromisso	como	profissional,	além	de	tudo	isso,	é	uma	dívida	que	assumiu
ao	fazer-se	profissional.
Seu	compromisso	como	profissional,	sem	dúvida,	pode	dicotomizar-se	de
seu	 compromisso	 original	 de	 homem.	 O	 compromisso,	 como	 um	 quefazer
radical	e	 totalizado,	 repele	as	racionalizações.	Não	posso	nas	segundas-feiras
assumir	 compromisso	 como	 homem,	 para	 nas	 terças-feiras	 assumi-lo	 como
profissional.	 Uma	 vez	 que	 “profissional”	 é	 atributo	 de	 homem,	 não	 posso,
quando	exerço	um	quefazer	atributivo,	negar	o	sentido	profundo	do	quefazer
substantivo	 e	 original.	Quanto	mais	me	 capacito	 como	 profissional,	 quanto
mais	sistematizo	minhas	experiências,	quanto	mais	me	utilizo	do	patrimônio
cultural,	 que	 é	 patrimônio	 de	 todos	 e	 ao	 qual	 todos	 devem	 servir,	 mais
aumenta	 minha	 responsabilidade	 com	 os	 homens.	 Não	 posso,	 por	 isso
mesmo,	 burocratizar	 meu	 compromisso	 de	 profissional,	 servindo,	 numa
inversão	dolosa	de	valores,	mais	aos	meios	que	ao	fim	do	homem.	Não	posso
me	deixar	seduzir	pelas	tentações	míticas,	entre	elas	a	da	minha	escravidão	às
técnicas,	 que,	 sendo	 elaboradas	 pelos	 homens,	 são	 suas	 escravas	 e	 não	 suas
senhoras.
Não	 devo	 julgar-me,	 como	 profissional,	 “habitante”	 de	 um	 mundo
estranho;	mundo	de	técnicos	e	especialistas	salvadores	dos	demais,	donos	da
verdade,	 proprietários	 do	 saber,	 que	 devem	 ser	 doados	 aos	 “ignorantes	 e
incapazes”.	 Habitantes	 de	 um	 gueto,	 de	 onde	 saio	 messianicamente	 para
salvar	os	“perdidos”,	que	estão	 fora.	Se	procedo	assim,	não	me	comprometo
verdadeiramente	 como	 profissional	 nem	 como	 homem.	 Simplesmente	 me
alieno.
Todavia,	 existe	 algo	 que	 deve	 ser	 destacado.	 Na	 medida	 em	 que	 o
compromisso	 não	 pode	 ser	 um	 ato	 passivo,	 mas	 práxis	 —	 ação	 e	 reflexão
sobre	 a	 realidade	 —,	 inserção	 nela,	 ele	 implica	 indubitavelmente	 um
conhecimento	 da	 realidade.	 Se	 o	 compromisso	 só	 é	 válido	 quando	 está
carregado	 de	 humanismo,	 este,	 por	 sua	 vez,	 só	 é	 consequente	 quando	 está
fundado	cientificamente.	Envolta,	portanto,	no	compromisso	do	profissional,
seja	 ele	 quem	 for,	 está	 a	 exigência	 de	 seu	 constante	 aperfeiçoamento,	 de
superação	 do	 especialismo,	 que	 não	 é	 o	 mesmo	 que	 especialidade.	 O
profissional	deve	 ir	ampliando	seus	conhecimentos	em	torno	do	homem,	de
sua	 forma	 de	 estar	 sendo	 no	 mundo,	 substituindo	 por	 uma	 visão	 crítica	 a
visão	ingênua	da	realidade,	deformada	pelos	especialismos	estreitos.
Não	 é	 possível	 um	 compromisso	 verdadeiro	 com	 a	 realidade,	 e	 com	 os
homens	concretos	que	nela	e	com	ela	estão,	se	desta	realidade	e	destes	homens
se	 tem	uma	consciência	 ingênua.	Não	é	possível	um	compromisso	autêntico
se,	 àquele	 que	 se	 julga	 comprometido,	 a	 realidade	 se	 apresenta	 como	 algo
dado,	estático	e	imutável.	Se	este	olha	e	percebe	a	realidade	enclausurada	em
departamentos	 estanques.	 Se	 não	 a	 vê	 e	 não	 a	 capta	 como	 uma	 totalidade,
cujas	partes	se	encontram	em	permanente	interação.	Daí	sua	ação	não	poder
incidir	 sobre	 as	partes	 isoladas,	pensando	que	 assim	 transforma	a	 realidade,
mas	sobre	a	totalidade.	É	transformando	a	totalidade	que	se	transformam	as
partes	 e	 não	 o	 contrário.	 No	 primeiro	 caso,	 sua	 ação,	 que	 estaria	 baseada
numa	 visão	 ingênua,	 meramente	 “focalista”	 da	 realidade,	 não	 poderia
constituir	um	compromisso.
Um	profissional,	por	exemplo,	para	quem	a	Reforma	Agrária	é	apenas	um
instrumento	 jurídico	 que	 normaliza	 uma	 sociedade	 em	 transformação,	 sem
conseguir	 apreendê-la	 em	 sua	 complexidade,	 em	 sua	 globalidade,	 não	 pode
em	termos	concretos	comprometer-se	com	ela,	ainda	que	 ideologicamente	a
aceite.
A	questão	é	que	a	Reforma	Agrária,	como	um	processo	global,	não	é	algo
que,	 não	 existindo	 anteriormente,	 passa	 a	 existir	 completa	 e	 acabadamente
com	 a	 instauração	 de	 uma	 estrutura	 nova.	 A	 Reforma	Agrária,	 por	 ser	 um
processo,	é	algo	dinâmico.	Dá-se	no	domínio	humano.	As	relações	homem-
realidade,	que	se	verificavam	na	estrutura	anterior,	necessariamente	deixaram
sua	marca	profunda	na	 forma	de	estar	sendo	do	camponês.	Mudada	a	velha
estrutura,	através	da	Reforma,	se	 inevitável	é	que,	cedo	ou	 tarde,	a	estrutura
instaurada	 condicione	 novas	 formas	 de	 pensar	 e	 de	 atuar,	 resultantes	 das
novas	 relações	 homem-realidade,	 isto	 não	 significa	 que	 essa	mudança	 se	 dê
instantaneamente.
O	compromisso,	portanto,	de	um	profissional	da	Reforma	Agrária	que	a
veja	 sob	 esta	 visão	 criticada,	 não	 pode	 ser	 verdadeiro,	 não	 pode	 ser	 o
compromisso	do	profissional,	 em	cuja	ação	de	caráter	 técnico	se	esquece	do
homem	 ou	 se	 o	 minimiza,	 pensando,	 ingenuamente,	 que	 existe	 o	 dilema
humanismo-tecnologia.	E,	respondendo	ao	desafio	do	falso	dilema,3	opta	pela
técnica,	considerando	que	a	perspectiva	humanista	é	uma	forma	de	retardar	as
soluções	mais	urgentes.	O	erro	desta	concepção	é	tão	nefasto	como	o	erro	da
sua	contrária	—	a	falsa	concepção	do	humanismo	—,	que	vê	na	tecnologia	a
razão	 dos	 males	 do	 homem	moderno.	 E	 o	 erro	 básico	 de	 ambas,	 que	 não
podem	oferecer	a	seus	adeptos	nenhuma	forma	real	de	compromisso,	está	em
que,	 perdendo	 elas	 a	 dimensão	 da	 totalidade,	 não	 percebem	 o	 óbvio:	 que
humanismo	 e	 tecnologia	 não	 se	 excluem.	 Não	 percebem	 que	 o	 primeiro
implica	 a	 segunda	 e	 vice-versa.	 Se	 o	meu	 compromisso	 é	 realmente	 com	 o
homem	 concreto,	 com	 a	 causa	 de	 sua	 humanização,	 de	 sua	 libertação,	 não
posso	por	isso	mesmo	prescindir	da	ciência,	nem	da	tecnologia,	com	as	quais
me	vou	instrumentando	para	melhor	lutar	por	esta	causa.
Por	 isso	 também	 não	 posso	 reduzir	 o	 homem	 a	 um	 simples	 objeto	 da
técnica,	a	um	autômato	manipulável.
Quase	sempre,	técnicos	de	boa	vontade,	embora	ingênuos,	deixam-se	levar
pela	tentação	tecnicista	(mitificação	da	técnica)	e,	em	nome	do	que	chamam
“necessidade	 de	 não	 perder	 tempo”,	 tentam,	 verticalmente,	 substituir	 os
procedimentos	 empíricos	 do	 povo	 (camponeses,	 por	 exemplo)	 por	 sua
técnica.
Partem	 do	 pressuposto	 verdadeiro	 “de	 que	 é	 não	 só	 necessário,	 mas
urgente,	aumentar	a	produção	agrícola”.	Uma	das	“exigências	para	consegui-
lo	 está	 na	 mudança	 tecnológica	 que	 deve	 verificar-se”.	 Outro	 pressuposto
válido.
No	entanto,	ao	desconhecer	que	tanto	sua	técnica	como	os	procedimentos
empíricos	dos	camponeses	são	manifestações	culturais	e,	deste	ponto	de	vista,
ambas	 válidas,	 cada	 qual	 em	 sua	 medida,	 e	 que,	 por	 isso,	 não	 podem	 ser
mecanicamente	substituídos,	enganam-se	e	já	não	podem	comprometer-se.
Terminam,	 então,	 por	 cair	 nesta	 irônica	 contradição:	 “para	 não	 perder
tempo”	o	que	fazem	é	perdê-lo.
Deformados	 pela	 acriticidade,	 não	 são	 capazes	 de	 ver	 o	 homem	 na	 sua
totalidade,	no	seu	quefazer-ação-reflexão,	que	sempre	se	dá	no	mundo	e	sobre
ele.	Pelo	contrário,	será	mais	fácil,	para	conseguir	seus	objetivos,	ver	o	homem
como	uma	“lata”	vazia	que	vão	enchendo	com	seus	“depósitos”	técnicos.	Mas
ao	desenvolver	desta	 forma	sua	ação,	que	 tem	sua	 incidência	neste	 “homem
lata”,	 podemos	 melancolicamente	 perguntar:	 “Onde	 está	 seu	 compromisso
verdadeiro	com	o	homem,	com	sua	humanização?”
Todavia,	 em	 nossos	 países	 há	 sem	 dúvida	 uma	 sombra	 que	 ameaça
permanentemente	 o	 compromisso	 verdadeiro.	Ameaça	 quese	 concretiza	 na
autenticidade	 do	 compromisso.	 Estamos	 nos	 referindo	 à	 alienação	 (ou
alheamento)	cultural	que	sofrem	nossas	sociedades.4
Com	o	centro	de	decisão	econômica	e	cultural,	em	grande	parte	fora	delas
(portanto,	 sociedades	 de	 economia	 periférica,	 dependente,	 exportadoras	 de
matérias-primas	 e	 importadoras	 não	 somente	 de	 produtos	 manufaturados,
mas	 também	de	 ideias,	 de	 técnicas,	 de	modelos),	 são	 sociedades	 “seres	 para
outro”.
Assim,	o	primeiro	grande	obstáculo	que	se	apresenta	nestas	sociedades	ao
compromisso	autêntico	encontra-se	na	 falta	de	autenticidade	de	seu	próprio
ser	dual.	Estas	sociedades	são	e	não	são	elas	próprias.
Na	 medida	 em	 que,	 em	 grande	 parte,	 para	 solucionar	 seus	 problemas
importam	técnicas	e	tecnologias,	sem	a	devida	“redução	sociológica”	destas	a
suas	 condições	 objetivas	 (não	 necessariamente	 idênticas	 às	 das	 sociedades
metropolitanas,	 onde	 se	 desenvolvem	 essas	 tecnologias	 importadas),	 não
podem	proporcionar	as	condições	para	o	compromisso	autêntico.
Não	há	técnicas	neutras	que	possam	ser	transplantadas	de	um	contexto	a
outro.	A	alienação	do	profissional	não	lhe	permite	perceber	esta	obviedade.
Seu	 compromisso	 se	 desfaz	 na	 medida	 em	 que	 o	 instrumento	 para	 sua
ação	é	um	instrumento	estranho,	às	vezes	antagônico,	à	sua	cultura.5
O	alienado,	seja	profissional	ou	não,	pouco	importa,	não	distingue	o	ano
do	 calendário	 do	 ano	 histórico.	 Não	 percebe	 que	 existe	 uma	 não
contemporaneidade	do	coetâneo.
Todas	 estas	 manifestações	 da	 alienação	 e	 outras	 mais,	 cuja	 análise
detalhada	 não	 nos	 cabe	 aqui	 fazer,	 explicam	 a	 inibição	 da	 criatividade	 no
período	 da	 alienação.	 Esta,	 geralmente,	 produz	 uma	 timidez,	 uma
insegurança,	um	medo	de	correr	o	risco	da	aventura	de	criar,	sem	o	qual	não
há	criação.	No	lugar	deste	risco	que	deve	ser	corrido	(a	existência	humana	é
risco)	 e	 que	 também	 caracteriza	 a	 coragem	 do	 compromisso,	 a	 alienação
estimula	 o	 formalismo,	 que	 funciona	 como	 uma	 espécie	 de	 cinto	 de
segurança.
Daí	o	homem	alienado,	 inseguro	e	frustrado,	ficar	mais	na	forma	que	no
conteúdo;	ver	as	coisas	mais	na	superfície	que	em	seu	interior.
Seu	 “pensamento”	 não	 tem	 força	 instrumental	 porque	 nasce	 de	 seu
contexto	 para	 voltar	 a	 ele.	 Constitui-se	 na	 nostalgia	 de	 mundos	 alheios	 e
distantes.	 Seu	 “pensamento”,	 finalmente,	 não	 tem	 força,	 nem	 para	 o	 seu
mundo,	porque	dele	não	nasceu,	nem	para	o	outro,	o	mundo	 imaginário	da
sua	nostalgia.
Desta	forma,	como	comprometer-se?
Entretanto,	no	momento	em	que	a	sociedade	se	volta	sobre	si	mesma	e	se
inscreve	na	difícil	busca	de	sua	autenticidade,	começa	a	dar	evidentes	sinais	de
preocupação	pelo	seu	projeto	histórico.
Quanto	mais	cresce	esta	preocupação,	mais	desfavorável	se	torna	o	clima
para	o	compromisso.
Estamos	 convencidos	 de	 que	 o	 momento	 histórico	 da	 América	 Latina
exige	 de	 seus	 profissionais	 uma	 séria	 reflexão	 sobre	 sua	 realidade,	 que	 se
transforma	rapidamente,	e	da	qual	resulte	sua	inserção	nela.	Inserção	esta	que,
sendo	crítica,	 é	 compromisso	verdadeiro.	Compromisso	 com	os	destinos	do
país.	 Compromisso	 com	 seu	 povo.	 Com	 o	 homem	 concreto.	 Compromisso
com	o	ser	mais	deste	homem.
Se,	 numa	 sociedade	 preponderantemente	 alienada,	 o	 profissional,	 pela
natureza	 mesma	 da	 sociedade	 hierarquicamente	 estruturada,	 é	 um
privilegiado,	 numa	 sociedade	 que	 se	 está	 abrindo	 o	 profissional	 é	 um
comprometido	ou	deve	sê-lo.
Fugir	da	concretização	deste	compromisso	é	não	só	negar-se	a	si	mesmo
como	negar	o	projeto	nacional.
Notas
1 Neste	 sentido,	 cf.	Erich	Fromm,	 sobretudo	O	coração	do	homem,	Rio	de	 Janeiro:	 Jorge	Zahar,	1965.
Excelente	livro,	no	qual	ele	discute	claramente	a	frustração	do	não	atuar	e	suas	consequências.
2 “Impedido	 de	 comprometer-se	 verdadeiramente”	 significa,	 para	 nós,	 a	 situação	 na	 qual	 as	 grandes
maiorias	 encontram-se	 manipuladas	 por	 minorias,	 através	 de	 ordens.	 Estas	 grandes	 maiorias	 têm	 a
impressão	 de	 que	 se	 comprometem,	 quando,	 na	 verdade,	 são	 induzidas	 em	 seu	 “compromisso”.
Escolhem	 entre	 as	 opções	 (no	 melhor	 dos	 casos)	 que	 as	 minorias	 lhes	 indicam,	 quase	 sempre
manhosamente,	pela	propaganda.	Existe	toda	uma	bibliografia	sobre	este	assunto.	Sugerimos,	contudo,	a
obra	 de	 Fromm,	 já	 citada,	 e	Wright	Mills,	La	 elite	 del	 poder.	México:	 Fondo	 de	 Cultura	 Económica,
1945.
3 O	autor	não	entende	por	humanismo,	neste	como	em	outros	estudos	seus,	as	belas-artes,	a	formação
clássica,	aristocrática,	a	erudição,	nem	tampouco	um	ideal	abstrato	de	bom	homem.	O	humanismo	é	um
compromisso	 radical	 com	 o	 homem	 concreto.	 Compromisso	 que	 se	 orienta	 no	 sentido	 de
transformação	de	qualquer	situação	objetiva	na	qual	o	homem	concreto	esteja	sendo	 impedido	de	ser
mais.
4 De	algum	tempo	para	cá,	as	sociedades	latino-americanas	começam	a	pôr-se	à	prova,	historicamente.
Algumas	 mais	 que	 outras.	 Começam	 a	 tentar	 uma	 volta	 sobre	 si	 mesmas,	 o	 que	 as	 leva	 a	 se	 auto-
objetivarem	e,	assim,	descobrirem-se	alienadas.	Se	esta	descoberta	não	significa	ainda	a	desalienação	—	e
admiti-lo	seria	assumir	uma	postura	idealista	—,	é,	contudo,	motivadora	para	que	a	sociedade	inicie	a
procura	de	sua	concretização.
5 Esta	é	a	razão	pela	qual	defendemos	(para	bolsistas	nacionais	que	vão	estudar	em	cursos	de	formação
ou	aperfeiçoamento	em	centros	estrangeiros	de	outro	nível	econômico	e	tecnológico)	um	curso	prévio	e
profundo	sobre	seu	país,	sobre	sua	realidade	histórica,	econômica,	social	e	cultural,	sobre	as	condições
concretas	de	seu	atuar	etc.	Muitos	dos	 jovens	 latino-americanos,	ao	voltarem	a	seus	países,	 sentem-se
como	estrangeiros	frustrados	ou	reforçam	o	número	dos	transplantes	de	experiências	de	outro	espaço	e
de	outro	tempo	histórico.	São	mais	compromissos	inautênticos.
2
A	EDUCAÇÃO	E	O	PROCESSO	DE	MUDANÇA
SOCIAL
1.	INTRODUÇÃO
Não	 é	 possível	 fazer	 uma	 reflexão	 sobre	 o	 que	 é	 a	 educação	 sem	 refletir
sobre	o	próprio	homem.
Por	 isso,	é	preciso	 fazer	um	estudo	 filosófico-antropológico.	Comecemos
por	 pensar	 sobre	 nós	 mesmos	 e	 tratemos	 de	 encontrar,	 na	 natureza	 do
homem,	algo	que	possa	constituir	o	núcleo	fundamental	no	qual	se	sustente	o
processo	de	educação.
Qual	 seria	 este	 núcleo	 captável	 a	 partir	 de	 nossa	 própria	 experiência
existencial?
Este	núcleo	seria	o	inacabamento	ou	a	inconclusão	do	homem.
O	cão	e	a	árvore	também	são	inacabados,	mas	o	homem	se	sabe	inacabado
e	por	isso	se	educa.	Não	haveria	educação	se	o	homem	fosse	um	ser	acabado.
O	 homem	 pergunta-se:	 Quem	 sou?	 De	 onde	 venho?	 Onde	 posso	 estar?	 O
homem	 pode	 refletir	 sobre	 si	 mesmo	 e	 colocar-se	 num	 determinado
momento,	numa	certa	realidade:	é	um	ser	na	busca	constante	de	ser	mais	e,
como	 pode	 fazer	 esta	 autorreflexão,	 pode	 descobrir-se	 como	 um	 ser
inacabado,	que	está	em	constante	busca.	Eis	aqui	a	raiz	da	educação.
A	educação	é	uma	resposta	da	finitude	da	infinitude.	A	educação	é	possível
para	o	homem,	porque	este	é	inacabado	e	sabe-se	inacabado.	Isto	leva-o	à	sua
perfeição.	A	educação,	portanto,	implica	uma	busca	realizada	por	um	sujeito
que	é	o	homem.	O	homem	deve	 ser	o	 sujeito	de	 sua	própria	educação.	Não
pode	ser	o	objeto	dela.	Por	isso,	ninguém	educa	ninguém.
Por	outro	lado,	a	busca	deve	ser	algo	e	deve	traduzir-se	em	ser	mais:	é	uma
busca	permanente	de	“si	mesmo”	(eu	não	posso	pretender	que	meu	filho	seja
mais	em	minha	busca	e	não	na	dele).
Sem	dúvida,	ninguém	pode	buscar	na	exclusividade,	individualmente.	Esta
busca	 solitária	poderia	 traduzir-se	 em	um	 ter	mais,	que	é	uma	 forma	de	 ser
menos.	Esta	busca	deve	ser	feita	com	outros	seres	que	também	procuram	ser
mais	e	em	comunhão	com	outras	consciências,	caso	contrário	se	faria	de	umas
consciências	objetos	de	outras.	Seria	“coisificar”	as	consciências.
Jaspers	disse:	“Eu	sou	na	medida	em	que	os	outros	também	são.”
O	homem	não	é	uma	ilha.	É	comunicação.	Logo,	háuma	estreita	relação
entre	comunhão	e	busca.
2.	SABER-IGNORÂNCIA
A	 educação	 tem	 caráter	 permanente.	 Não	 há	 seres	 educados	 e	 não
educados.	Estamos	todos	nos	educando.	Existem	graus	de	educação,	mas	estes
não	são	absolutos.
O	homem,	por	ser	inacabado,	incompleto,	não	sabe	de	maneira	absoluta.
Somente	Deus	sabe	de	maneira	absoluta.
A	 sabedoria	 parte	 da	 ignorância.	 Não	 há	 ignorantes	 absolutos.	 Se	 num
grupo	 de	 camponeses	 conversarmos	 sobre	 colheitas,	 devemos	 ficar	 atentos
para	a	possibilidade	de	eles	saberem	muito	mais	do	que	nós.
Se	eles	sabem	selar	um	cavalo	e	sabem	quando	vai	chover,	se	sabem	semear
etc.,	não	podem	ser	ignorantes	(durante	a	Idade	Média,	saber	selar	um	cavalo
representava	alto	nível	técnico),	o	que	lhes	falta	é	um	saber	sistematizado.
O	saber	se	faz	através	de	uma	superação	constante.	O	saber	superado	já	é
uma	ignorância.	Todo	saber	humano	tem	em	si	o	testemunho	do	novo	saber
que	já	anuncia.	Todo	saber	traz	consigo	sua	própria	superação.	Portanto,	não
há	saber	nem	ignorância	absoluta:	há	somente	uma	relativização	do	saber	ou
da	ignorância.
Por	isso,	não	podemos	nos	colocar	na	posição	do	ser	superior	que	ensina
um	grupo	de	ignorantes,	mas	sim	na	posição	humilde	daquele	que	comunica
um	saber	relativo	a	outros	que	possuem	outro	saber	relativo.	(É	preciso	saber
reconhecer	quando	os	 educandos	 sabem	mais	 e	 fazer	 com	que	 eles	 também
saibam	com	humildade.)
3.	AMOR-DESAMOR
O	 amor	 é	 uma	 tarefa	 do	 sujeito.	 É	 falso	 dizer	 que	 o	 amor	 não	 espera
retribuições.	 O	 amor	 é	 uma	 intercomunicação	 íntima	 de	 duas	 consciências
que	 se	 respeitam.	Cada	 um	 tem	 o	 outro	 como	 sujeito	 de	 seu	 amor.	Não	 se
trata	de	apropriar-se	do	outro.
Nesta	 sociedade	 há	 uma	 ânsia	 de	 impor-se	 aos	 demais	 numa	 espécie	 de
chantagem	de	amor.	Isto	é	uma	distorção	do	amor.	Quem	ama	o	faz	amando
os	defeitos	e	as	qualidades	do	ser	amado.
Ama-se	na	medida	em	que	se	busca	comunicação,	 integração	a	partir	da
comunicação	com	os	demais.
Não	há	educação	sem	amor.	O	amor	implica	luta	contra	o	egoísmo.	Quem
não	é	capaz	de	amar	os	seres	inacabados	não	pode	educar.	Não	há	educação
imposta,	 como	 não	 há	 amor	 imposto.	 Quem	 não	 ama	 não	 compreende	 o
próximo,	não	o	respeita.
Não	há	 educação	do	medo.	Nada	 se	pode	 temer	da	 educação	quando	 se
ama.
4.	ESPERANÇA-DESESPERANÇA
Com	 base	 no	 inacabamento,	 nasce	 o	 problema	 da	 esperança	 e	 da
desesperança.	 Podemos	 fazer	 dele	 o	 objeto	 de	 nossa	 reflexão.	 Eu	 espero	 na
medida	em	que	começo	a	busca,	pois	não	seria	possível	buscar	sem	esperança.
Uma	educação	sem	esperança	não	é	educação.	Quem	não	 tem	esperança
na	educação	dos	camponeses	deverá	procurar	trabalho	noutro	lugar.
5.	O	HOMEM	—	UM	SER	DE	RELAÇÕES
O	homem	está	no	mundo	e	com	o	mundo.	Se	apenas	estivesse	no	mundo
não	haveria	 transcendência	nem	 se	objetivaria	 a	 si	mesmo.	Mas	 como	pode
objetivar-se,	pode	também	distinguir	entre	um	eu	e	um	não	eu.
Isto	o	torna	um	ser	capaz	de	relacionar-se;	de	sair	de	si;	de	projetar-se	nos
outros;	 de	 transcender.	 Pode	 distinguir	 órbitas	 existenciais	 distintas	 de	 si
mesmo.
Estas	 relações	 não	 se	 dão	 apenas	 com	os	 outros,	mas	 se	 dão	no	mundo,
com	o	mundo	e	pelo	mundo	(nisto	se	apoiaria	o	problema	da	religião).
O	animal	não	é	um	ser	de	relações,	mas	de	contatos.	Está	no	mundo	e	não
com	o	mundo.
6.	CARACTERÍSTICAS
A	primeira	característica	desta	relação	é	a	de	refletir	sobre	este	mesmo	ato.
Existe	uma	reflexão	do	homem	face	à	realidade.	O	homem	tende	a	captar	uma
realidade,	fazendo-a	objeto	de	seus	conhecimentos.	Assume	a	postura	de	um
sujeito	 cognoscente	 de	 um	 objeto	 cognoscível.	 Isto	 é	 próprio	 de	 todos	 os
homens	 e	não	privilégio	de	 alguns	 (por	 isso	 a	 consciência	 reflexiva	deve	 ser
estimulada:	conseguir	que	o	educando	reflita	sobre	sua	própria	realidade).
Quando	 o	 homem	 compreende	 sua	 realidade,	 pode	 levantar	 hipóteses
sobre	o	desafio	dessa	realidade	e	procurar	soluções.	Assim,	pode	transformá-
la	 e	 com	 seu	 trabalho	 pode	 criar	 um	 mundo	 próprio:	 seu	 eu	 e	 suas
circunstâncias.
O	homem	enche	de	cultura	os	espaços	geográficos	e	históricos.	Cultura	é
tudo	 o	 que	 é	 criado	 pelo	 homem.	 Tanto	 uma	 poesia	 como	 uma	 frase	 de
saudação.	A	cultura	consiste	em	recriar	e	não	em	repetir.	O	homem	pode	fazê-
lo	porque	tem	uma	consciência	capaz	de	captar	o	mundo	e	transformá-lo.	Isto
nos	leva	a	uma	segunda	característica	da	relação:	a	consequência,	resultante	da
criação	e	recriação	que	assemelha	o	homem	a	Deus.	O	homem	não	é,	pois,	um
homem	 para	 a	 adaptação.	 A	 educação	 não	 é	 um	 processo	 de	 adaptação	 do
indivíduo	à	sociedade.	O	homem	deve	transformar	a	realidade	para	ser	mais
(a	propaganda	política	ou	comercial	fazem	do	homem	um	objeto).
O	 homem	 se	 identifica	 com	 sua	 própria	 ação:	 objetiva	 o	 tempo,
temporaliza-se,	faz-se	homem-história.
O	animal	está	sob	o	tempo.	Para	ele	não	há	ontem	nem	amanhã.	Está	sob
uma	eternidade	esmagadora.	Está	encharcado	pelo	tempo	e	por	isso	não	tem
tempo.
Para	Deus	também	não	existe	tempo,	porque	está	sobre	ele.	O	homem,	ao
contrário,	 está	 no	 tempo	 e	 abre	 uma	 janela	 no	 tempo:	 dimensiona-se,	 tem
consciência	de	um	ontem	e	de	um	amanhã.
O	 homem	 primitivo	 viveu	 sob	 o	 tempo,	 e	 quando	 teve	 consciência	 do
tempo	se	historicizou.
Deus	 vive	 no	 presente	 e	 para	 ele	 o	meu	 futuro	 é	 presente.	 Por	 isso	 não
podemos	dizer	que	Deus	prevê,	mas	que	vê	tudo	no	seu	presente.
As	relações	do	homem	são	também	temporais,	transcendentes.	O	homem
pode	 transcender	sua	 imanência	e	estabelecer	relação	com	os	seres	 infinitos.
Mas	 esta	 relação	 não	 pode	 ser	 uma	 domesticação,	 submissão	 ou	 resignação
diante	do	ser	infinito.
As	 relações	ou	 contatos	dos	 animais	 são	 reflexos.	Apesar	de	 a	psicologia
revelar	certa	inteligência	(como	a	de	crianças	de	três	anos)	em	alguns	animais,
esta	inteligência	se	restringe	ao	mecânico	e	ao	reflexo.
Em	segundo	lugar,	as	relações	dos	animais	são	inconsequentes,	já	que	estes
não	 têm	 liberdade	 para	 criar	 ou	 não	 criar.	 As	 abelhas,	 por	 exemplo,	 não
podem	 fazer	 um	 mel	 especial	 para	 consumidores	 mais	 exigentes.	 Estão
determinadas	pelo	instinto.
Uma	 educação	 que	 pretendesse	 adaptar	 o	 homem	 estaria	matando	 suas
possibilidades	 de	 ação,	 transformando-o	 em	 abelha.	 A	 educação	 deve
estimular	 a	 opção	 e	 afirmar	 o	 homem	 como	 homem.	Adaptar	 é	 acomodar,
não	transformar.
O	homem	 integra-se	 e	não	 se	 acomoda.	Existe,	 contudo,	uma	adaptação
ativa.
Quanto	mais	dirigidos	são	os	homens	pela	propaganda	ideológica,	política
ou	comercial,	tanto	mais	são	objetos	e	massas.
Quanto	mais	o	homem	é	rebelde	e	indócil,	tanto	mais	é	criador,	apesar	de
em	nossa	sociedade	se	dizer	que	o	rebelde	é	um	ser	inadaptado.
Os	contatos	além	disso	não	são	temporais,	porque	os	animais	não	podem
fazer	sua	própria	história.
Os	contatos	são	intranscendentes,	porque	os	animais	estão	submersos	em
sua	imanência.
Em	resumo:
As	relações	são: Os	contatos	são:
Reflexivas Reflexos
Consequentes Inconsequentes
Transcendentes Intranscendentes
Temporais Intemporais
7.	O	ÍMPETO	CRIADOR	DO	HOMEM
Em	 todo	 homem	 existe	 um	 ímpeto	 criador.	O	 ímpeto	 de	 criar	 nasce	 da
inconclusão	do	homem.	A	educação	é	mais	autêntica	quanto	mais	desenvolve
este	 ímpeto	 ontológico	 de	 criar.	 A	 educação	 deve	 ser	 desinibidora	 e	 não
restritiva.	 É	 necessário	 darmos	 oportunidade	 para	 que	 os	 educandos	 sejam
eles	mesmos.
Caso	contrário	domesticamos,	o	que	significa	a	negação	da	educação.	Um
educador	que	restringe	os	educandos	a	um	plano	pessoal	impede-os	de	criar.
Muitos	acham	que	o	aluno	deve	repetir	o	que	o	professor	diz	na	classe.	 Isso
significa	tomar	o	sujeito	como	instrumento.
O	 desenvolvimento	 de	 uma	 consciência	 crítica	 que	 permite	 ao	 homem
transformar	a	 realidade	 se	 faz	cada	vez	mais	urgente.	Na	medida	em	que	os
homens,	dentro	de	 sua	 sociedade,	 vão	 respondendo	aos	desafios	do	mundo,
vão	 temporalizando	 os	 espaçosgeográficos	 e	 vão	 fazendo	 história	 pela	 sua
própria	atividade	criadora.
8.	CONCEITO	DE	SOCIEDADE	EM	TRANSIÇÃO
Uma	determinada	época	histórica	é	constituída	por	determinados	valores,
com	formas	de	ser	ou	de	comportar-se	que	buscam	plenitude.
Enquanto	estas	concepções	se	envolvem	ou	são	envolvidas	pelos	homens,
que	 procuram	 a	 plenitude,	 a	 sociedade	 está	 em	 constante	 mudança.	 Se	 os
fatores	 rompem	o	 equilíbrio,	 os	 valores	 começam	 a	 decair;	 esgotam-se,	 não
correspondem	aos	novos	anseios	da	sociedade.	Mas	como	esta	não	morre,	os
novos	 valores	 começam	 a	 buscar	 a	 plenitude.	 A	 este	 período,	 chamamos
transição.	Toda	transição	é	mudança,	mas	não	vice-versa	(atualmente	estamos
numa	época	de	transição).
Não	há	 transição	que	não	 implique	um	ponto	de	partida,	um	processo	e
um	ponto	de	chegada.	Todo	amanhã	se	cria	num	ontem,	através	de	um	hoje.
De	 modo	 que	 o	 nosso	 futuro	 baseia-se	 no	 passado	 e	 se	 corporifica	 no
presente.	 Temos	 de	 saber	 o	 que	 fomos	 e	 o	 que	 somos,	 para	 saber	 o	 que
seremos.
9.	CARACTERÍSTICAS	DE	UMA	SOCIEDADE	FECHADA
A	 sociedade	 fechada	 latino-americana	 foi	 uma	 sociedade	 colonial.	 Em
algumas	formas	básicas	de	seu	comportamento	observamos	que,	geralmente,
o	ponto	de	decisão	econômica	desta	sociedade	está	fora	dela.	Isso	significa	que
este	 ponto	 está	 dentro	 de	 outra	 sociedade.	 Esta	 outra	 é	 a	 sociedade	matriz:
Espanha	 ou	 Portugal	 em	 nossa	 realidade	 latino-americana.	 Esta	 sociedade
matriz	é	a	que	tem	opções;	em	troca,	as	demais	sociedades	somente	recebem
ordens.	Assim	é	possível	falar	de	“sociedade-sujeito”	e	de	“sociedade-objeto”.
Esta	 última	 opera	 necessariamente	 como	 um	 satélite	 comandado	 pelo	 seu
ponto	de	decisão:	é	uma	sociedade	periférica	e	não	reflexiva.
O	 ponto	 de	 decisão	 ou	 sociedade	matriz	 fortifica-se	 e	 procura	 na	 outra
sociedade	a	matéria-prima,	e	a	 transforma	em	produtos	manufaturados,	que
vende	às	mesmas	sociedades-objetos.	O	custo,	a	 importação,	a	exportação,	o
preço	 etc.	 são	 determinados	 pela	 sociedade-sujeito.	 Não	 cabe	 à	 sociedade
dominada	decidir.	Por	isso	não	há	nela	mercado	interno;	sua	economia	cresce
para	fora,	o	que	significa	não	crescer.
O	 mercado	 é	 externo	 à	 sociedade-objeto	 e	 tem	 características	 cíclicas:
madeira,	açúcar,	ferro,	café,	sucessivamente.	Esta	sociedade	é	predatória,	não
tem	povo:	tem	massa.	Não	é	uma	entidade	participante.
Nestas	sociedades	se	instala	uma	elite	que	governa	conforme	as	ordens	da
sociedade	diretriz.	Esta	elite	impõe-se	às	massas	populares.	Esta	imposição	faz
com	que	 ela	 esteja	 sobre	 o	 povo	 e	 não	 com	 o	 povo.	As	 elites	 prescrevem	 as
determinações	 às	 massas.	 Estas	 massas	 estão	 sob	 o	 processo	 histórico.	 Sua
participação	 na	 história	 é	 indireta.	 Não	 deixam	marcas	 como	 sujeitos,	 mas
como	objetos.
A	 própria	 organização	 destas	 sociedades	 se	 estrutura	 de	 forma	 rígida	 e
autoritária.	 Não	 há	 mobilidade	 vertical	 ascendente:	 um	 filho	 de	 sapateiro
dificilmente	 pode	 chegar	 a	 ser	 professor	 universitário.	 Tampouco	 há
mobilidade	 descendente:	 o	 filho	 de	 um	 professor	 universitário	 não	 pode
chegar	a	ser	sapateiro,	pelos	preconceitos	de	seu	pai.	De	modo	que	cada	um
reproduz	seu	status.	Este	é	ganho	geralmente	por	herança,	e	não	por	valor	ou
capacidade.
A	sociedade	fechada	se	caracteriza	pela	conservação	do	status	ou	privilégio
e	por	desenvolver	todo	um	sistema	educacional	para	manter	este	status.	Estas
sociedades	 não	 são	 tecnológicas,	 são	 servis.	 Há	 uma	 dicotomia	 entre	 o
trabalho	manual	 e	o	 intelectual.	Nestas	 sociedades	nenhum	pai	gostaria	que
seus	filhos	fossem	mecânicos	se	pudessem	ser	médicos,	mesmo	que	tivessem
vocação	para	ser	mecânicos.
Consideram	o	trabalho	manual	degradante;	os	intelectuais	são	dignos	e	os
que	 trabalham	 com	 as	 mãos	 são	 indignos.	 Por	 isso	 as	 escolas	 técnicas	 se
enchem	de	filhos	das	classes	populares	e	não	das	elites.
Também	 se	 caracterizam	 pelo	 analfabetismo	 e	 pelo	 desinteresse	 pela
educação	básica	dos	adultos.
10.	SOCIEDADE	ALIENADA
Quando	o	ser	humano	pretende	imitar	outrem,	já	não	é	ele	mesmo.	Assim
também	a	 imitação	 servil	de	outras	culturas	produz	uma	sociedade	alienada
ou	sociedade-objeto.	Quanto	mais	alguém	quer	 ser	outro,	 tanto	menos	ele	é
ele	mesmo.
A	 sociedade	 alienada	 não	 tem	 consciência	 de	 seu	 próprio	 existir.	 Um
profissional	alienado	é	um	ser	inautêntico.	Seu	pensar	não	está	comprometido
consigo	mesmo,	não	é	responsável.	O	ser	alienado	não	olha	para	a	realidade
com	 critério	 pessoal,	 mas	 com	 olhos	 alheios.	 Por	 isso	 vive	 uma	 realidade
imaginária	 e	 não	 a	 sua	 própria	 realidade	 objetiva.	 Vive	 através	 da	 visão	 de
outro	 país.	Vive-se	Rússia	 ou	Estados	Unidos,	mas	 não	 se	 vive	Chile,	 Peru,
Guatemala	ou	Argentina.
O	 ser	 alienado	 não	 procura	 um	 mundo	 autêntico.	 Isto	 provoca	 uma
nostalgia:	 deseja	 outro	país	 e	 lamenta	 ter	nascido	no	 seu.	Tem	vergonha	da
sua	 realidade.	 Vive	 em	 outro	 país	 e	 trata	 de	 imitá-lo	 e	 se	 crê	 culto	 quanto
menos	nativo	é.	Diante	de	um	estrangeiro	tratará	de	esconder	as	populações
marginais	e	mostrará	bairros	residenciais,	porque	pensa	que	as	cidades	mais
cultas	 são	 as	 que	 têm	 edifícios	 mais	 altos.	 Como	 o	 pensar	 alienado	 não	 é
autêntico,	também	não	se	traduz	numa	ação	concreta.
É	preciso	partir	de	nossas	possibilidades	para	sermos	nós	mesmos.	O	erro
não	está	na	imitação,	mas	na	passividade	com	que	se	recebe	a	imitação	ou	na
falta	de	análise	ou	de	autocrítica.
Julga-se	 que	 os	 bolivianos	 ou	 panamenhos	 são	 preguiçosos,	 porque	 são
bolivianos	 ou	 panamenhos.	 Por	 isso	 procura-se	 ser	 menos	 boliviano	 ou
panamenho.
Acredita-se	 que	 ser	 grande	 é	 imitar	 os	 valores	 de	 outras	 nações.	 Sem
dúvida,	a	grandeza	se	expressa	através	da	própria	vocação	nativa.
Outro	exemplo	de	alienação	é	a	preferência	pelos	técnicos	estrangeiros	em
detrimento	dos	nacionais.
A	 sociedade	 alienada	 não	 conhece	 a	 si	 mesma;	 é	 imatura,	 tem
comportamento	exemplarista,	 trata	de	conhecer	a	realidade	por	diagnósticos
estrangeiros.
Os	 dirigentes	 solucionam	 os	 problemas	 com	 fórmulas	 que	 deram
resultado	 no	 estrangeiro.	 Fazem	 importação	 de	 problemas	 e	 soluções.	 Não
conhecem	a	realidade	nativa.
Antes	de	admitir	soluções	estrangeiras,	teria	de	se	perguntar	quais	eram	as
condições	e	características	que	motivaram	esses	problemas.	Porque	o	ano	de
1966	da	Rússia	ou	dos	Estados	Unidos	não	é	o	mesmo	1966	do	Chile	ou	da
Argentina.	Somos	contemporâneos	no	tempo,	mas	não	na	técnica.
Além	 do	mais,	 os	 técnicos	 estrangeiros	 chegam	 com	 soluções	 fabulosas,
sem	um	julgamento	prévio,	que	não	correspondem	à	nossa	idiossincrasia.
As	 soluções	 importadas	 devem	 ser	 reduzidas	 sociologicamente,	 isto	 é,
estudadas	 e	 integradas	 num	 contexto	 nativo.	 Devem	 ser	 criticadas	 e
adaptadas;	 neste	 caso,	 a	 importação	 reinventada	 ou	 recriada.	 Isto	 já	 é
desalienação,	o	que	não	significa	senão	autovaloração.
Geralmente,	 as	 elites	 acusam	o	povo	de	 fraqueza	 ou	 incapacidade,	 e	 por
isso	suas	soluções	não	dão	resultado.	Assim,	as	atitudes	dos	dirigentes	oscilam
entre	um	otimismo	 ingênuo	 e	um	pessimismo	ou	desespero.	É	 ingenuidade
pensar	 que	 a	 simples	 importação	 de	 soluções	 salvará	 o	 povo.	 Isso	 se	 passa
entre	os	candidatos	que,	por	não	conhecerem	a	fundo	os	problemas	do	poder,
fazem	mil	promessas	e,	ao	chegar	ao	poder,	encontram	mil	obstáculos	que,	às
vezes,	 os	 fazem	 cair	 no	 desânimo.	 Não	 se	 trata	 de	 desonestidade,	 mas	 de
ingenuidade.
11.	UMA	SOCIEDADE	EM	TRANSIÇÃO
A	 sociedade	 fechada,	 quando	 sofre	 pressão	 de	 determinados	 fatores
externos,	se	espedaça	mas	não	se	abre;	uma	sociedade	está	se	abrindo	quando
começa	 o	 processo	 de	 desalienação	 com	 o	 surgimento	 de	 novos	 valores.
Assim,	 por	 exemplo,	 a	 ideia	 da	 participação	 popular	 no	 poder.	 Nesta
sociedade	em	transição	se	está	numa	posição	progressista	ou	reacionária;	não
se	pode	estarcom	os	braços	cruzados.	É	preciso	procurar	uma	nova	escala	de
valores.	O	 velho	 e	 o	 novo	 têm	 valor	 na	medida	 em	 que	 são	 válidos.	Ou	 se
dirige	 a	 sociedade	 para	 ontem	 ou	 para	 o	 amanhã	 que	 se	 anuncia	 hoje.	 As
atitudes	 reacionárias	 são	 as	 que	 não	 satisfazem	 o	 processo	 e	 os	 valores
requeridos	pela	sociedade	de	hoje.
Existe	uma	série	de	fenômenos	sociológicos	que	têm	ligação	com	o	papel
do	 educador.	 Nesta	 etapa	 da	 sociedade	 existem,	 primeiramente,	 as	 massas
populares	 espectadoras	 passivas.	 Quando	 a	 sociedade	 se	 incorpora	 nelas,
começa	um	processo	chamado	democratização	fundamental.	É	um	crescente
ímpeto	 para	 participar.	 As	 massas	 populares	 começam	 a	 se	 procurar	 e	 a
procurar	 seu	 processo	 histórico.	 Com	 a	 ruptura	 da	 sociedade,	 as	 massas
começam	a	emergir	e	esta	emersão	se	traduz	numa	exigência	das	massas	por
participar:	é	a	sua	presença	no	processo.
As	 massas	 descobrem	 na	 educação	 um	 canal	 para	 um	 novo	 status	 e
começam	 a	 exigir	 mais	 escolas.	 Começam	 a	 ter	 uma	 apetência	 que	 não
tinham.	 Existe	 uma	 correspondência	 entre	 a	 manifestação	 das	 massas	 e	 a
reivindicação.	É	o	que	chamamos	educação	das	massas.
As	massas	passam	a	 exigir	 voz	 e	 voto	no	processo	político	da	 sociedade.
Percebem	 que	 outros	 têm	 mais	 facilidade	 que	 elas	 e	 descobrem	 que	 a
educação	lhes	abre	uma	perspectiva.	Às	vezes	emergem	em	posição	ingênua,
de	 rebelião	 e	 não	 revolucionária,	 ao	 se	 defrontarem	 com	 os	 obstáculos.
Começam	a	exigir	e	a	criar	problemas	para	as	elites.	Estas	agem	torpemente,
esmagando	 as	 massas	 e	 acusando-as	 de	 comunismo.	 As	 massas	 querem
participar	mais	na	sociedade.	As	elites	acham	que	isso	é	um	absurdo	e	criam
instituições	 de	 assistência	 social	 para	 domesticá-las.	 Não	 prestam	 serviços,
atuam	 paternalisticamente,	 o	 que	 é	 uma	 forma	 de	 colonialismo.	 Procura-se
tratá-las	como	crianças	para	que	continuem	sendo	crianças.
Uma	sociedade	justa	dá	oportunidade	às	massas	para	que	tenham	opções	e
não	a	opção	que	a	elite	 tem,	mas	a	própria	opção	das	massas.	A	consciência
criadora	e	comunicativa	é	democrática.
As	 convicções	 devem	 ser	 profundas,	 porém	nunca	 impostas	 aos	 demais;
através	 do	 diálogo	 se	 tratará	 de	 convencer	 com	 amor;	 o	 contrário	 seria
sectarismo.	O	sectarismo	não	é	crítica,	não	ama,	não	dialoga,	não	comunica,
não	faz	comunicados.	No	processo	histórico,	os	sectários	comportam-se	como
inimigos;	consideram-se	donos	da	história.	O	sectarismo	pretende	conquistar
o	poder	com	as	massas,	mas	estas	depois	não	participam	do	poder.	Para	que
haja	revolução	das	massas	é	necessário	que	estas	participem	do	poder.
12.	A	“CONSCIÊNCIA	BANCÁRIA”	DA	EDUCAÇÃO
As	sociedades	latino-americanas	começam	a	se	inscrever	neste	processo	de
abertura,	umas	mais	que	outras,	mas	a	educação	ainda	permanece	vertical.	O
professor	 ainda	 é	 um	 ser	 superior	 que	 ensina	 a	 ignorantes.	 Isto	 forma	 uma
consciência	 bancária.	 O	 educando	 recebe	 passivamente	 os	 conhecimentos,
tornando-se	 um	 depósito	 do	 educador.	 Educa-se	 para	 arquivar	 o	 que	 se
deposita.	Mas	 o	 curioso	 é	 que	 o	 arquivado	 é	 o	 próprio	 homem,	 que	 perde
assim	 seu	 poder	 de	 criar,	 se	 faz	menos	 homem,	 é	 uma	 peça.	 O	 destino	 do
homem	deve	ser	criar	e	transformar	o	mundo,	sendo	o	sujeito	de	sua	ação.
A	consciência	bancária	“pensa	que	quanto	mais	se	dá	mais	se	sabe”.	Mas	a
experiência	 revela	 que	 com	 este	 mesmo	 sistema	 só	 se	 formam	 indivíduos
medíocres,	porque	não	há	estímulo	para	a	criação.
Por	 outro	 lado,	 quem	 aparece	 como	 criador	 é	 um	 inadaptável	 e	 deve
nivelar-se	aos	medíocres.	O	professor	arquiva	conhecimentos	porque	não	os
concebe	como	busca	e	não	busca,	porque	não	é	desafiado	pelos	seus	alunos.
Em	nossas	escolas	se	enfatiza	muito	a	consciência	ingênua.
13.	A	CONSCIÊNCIA	E	SEUS	ESTADOS
A	consciência	se	reflete	e	vai	para	o	mundo	que	conhece:	é	o	processo	de
adaptação.	 A	 consciência	 é	 temporalizada.	 O	 homem	 é	 consciente	 e,	 na
medida	em	que	conhece,	tende	a	se	comprometer	com	a	própria	realidade.
O	 primeiro	 estado	 da	 consciência	 é	 a	 intransitividade	 (tomou-se	 este
termo	da	noção	gramatical	de	verbo	intransitivo:	aquele	que	não	deixa	passar
sua	ação	a	outro).	Existe	neste	estado	uma	espécie	de	quase	compromisso	com
a	 realidade.	 A	 consciência	 intransitiva,	 contudo,	 não	 é	 consciência	 fechada.
Resulta	 de	 um	 estreitamento	 no	 poder	 de	 captação	 da	 consciência.	 É	 uma
escuridão	a	ver	ou	ouvir	os	desafios	que	estão	mais	além	da	órbita	vegetativa
do	 homem.	 Quanto	 mais	 se	 distancia	 da	 captação	 da	 realidade,	 mais	 se
aproxima	da	captação	mágica	ou	supersticiosa	da	realidade.
A	 intransitividade	 produz	 uma	 consciência	 mágica.	 As	 causas	 que	 se
atribuem	aos	desafios	escapam	à	crítica	e	se	tornam	superstições.
Se	 uma	 comunidade	 sofre	 uma	 mudança,	 econômica,	 por	 exemplo,	 a
consciência	 se	 promove	 e	 se	 transforma	 em	 transitiva.	 Num	 primeiro
momento	essa	consciência	é	ingênua.	Em	grande	parte	é	mágica.	Este	passo	é
automático,	mas	o	passo	para	a	consciência	crítica	não	é.	Ele	 somente	 se	dá
com	um	processo	educativo	de	conscientização.	Este	passo	exige	um	trabalho
de	 promoção	 e	 critização.	 Se	 não	 se	 faz	 este	 processo	 educativo,	 só	 se
intensifica	 o	 desenvolvimento	 industrial	 ou	 tecnológico	 e	 a	 consciência
sofrerá	um	abalo	e	será	uma	consciência	fanática.	Este	fanatismo	é	próprio	do
homem	massificado.
Na	consciência	ingênua	há	uma	busca	de	compromisso;	na	crítica	há	um
compromisso;	e,	na	fanática,	uma	entrega	irracional.
A	 consciência	 intransitiva	 responde	 a	 um	 desafio	 com	 ações	 mágicas
porque	 a	 compreensão	 é	 mágica.	 Geralmente	 em	 todos	 nós	 existe	 algo	 de
consciência	mágica:	o	importante	é	superá-la.
Características	da	consciência	ingênua
1.	 Revela	 uma	 certa	 simplicidade,	 tendente	 a	 um	 simplismo,	 na
interpretação	 dos	 problemas,	 isto	 é,	 encara	 um	 desafio	 de	 maneira
simplista	 ou	 com	 simplicidade.	 Não	 se	 aprofunda	 na	 casualidade	 do
próprio	fato.	Suas	conclusões	são	apressadas,	superficiais.
2.	 Há	 também	uma	 tendência	a	considerar	que	o	passado	 foi	melhor.	Por
exemplo:	os	pais	que	se	queixam	da	conduta	de	seus	filhos,	comparando-
a	ao	que	faziam	quando	jovens.
3.	 Tende	a	aceitar	 formas	gregárias	ou	massificadoras	de	comportamento.
Esta	tendência	pode	levar	a	uma	consciência	fanática.
4.	 Subestima	o	homem	simples.
5.	 É	 impermeável	 à	 investigação.	 Satisfaz-se	 com	 as	 experiências.	 Toda
concepção	científica	para	ela	é	um	jogo	de	palavras.	Suas	explicações	são
mágicas.
6.	 É	frágil	na	discussão	dos	problemas.	O	ingênuo	parte	do	princípio	de	que
sabe	 tudo.	 Pretende	 ganhar	 a	 discussão	 com	 argumentações	 frágeis.	 É
polêmico,	 não	 pretende	 esclarecer.	 Sua	 discussão	 é	 feita	 mais	 de
emocionalidades	 que	 de	 criticidades:	 não	 procura	 a	 verdade;	 trata	 de
impô-la	 e	procurar	meios	históricos	para	 convencer	 com	suas	 ideias.	É
curioso	ver	como	os	ouvintes	se	deixam	levar	pela	manha,	pelos	gestos	e
pelo	palavreado.	Trata	de	brigar	mais,	para	ganhar	mais.
7.	 Tem	forte	conteúdo	passional.	Pode	cair	no	fanatismo	ou	sectarismo.
8.	 Apresenta	fortes	compreensões	mágicas.
9.	 Diz	que	a	realidade	é	estática	e	não	mutável.
Características	da	consciência	crítica
1.	 Anseio	de	profundidade	na	análise	de	problemas.	Não	se	satisfaz	com	as
aparências.	 Pode-se	 reconhecer	 desprovida	 de	meios	 para	 a	 análise	 do
problema.
2.	 Reconhece	que	a	realidade	é	mutável.
3.	 Substitui	 situações	 ou	 explicações	mágicas	por	princípios	 autênticos	de
causalidade.
4.	 Procura	 verificar	 ou	 testar	 as	 descobertas.	 Está	 sempre	 disposta	 às
revisões.
5.	 Ao	se	deparar	com	um	fato,	faz	o	possível	para	livrar-se	de	preconceitos.
Não	somente	na	captação,	mas	também	na	análise	e	na	resposta.
6.	 Repele	 posições	 quietistas.	 É	 intensamente	 inquieta.	 Torna-se	 mais
crítica	quanto	mais	reconhece	em	sua	quietude	a	inquietude,e	vice-versa.
Sabe	 que	 é	 na	 medida	 que	 é	 e	 não	 pelo	 que	 parece.	 O	 essencial	 para
parecer	algo	é	ser	algo;	é	a	base	da	autenticidade.
7.	 Repele	toda	transferência	de	responsabilidade	e	de	autoridade	e	aceita	a
delegação	das	mesmas.
8.	 É	indagadora,	investiga,	força,	choca.
9.	 Ama	o	diálogo,	nutre-se	dele.
10.	 Face	ao	novo,	não	repele	o	velho	por	ser	velho,	nem	aceita	o	novo	por	ser
novo,	mas	aceita-os	na	medida	em	que	são	válidos.
3
O	PAPEL	DO	TRABALHADOR	SOCIAL	NO
PROCESSO	DE	MUDANÇA6
PARECE-NOS	INDISCUTÍVEL	que	nossa	primeira	preocupação,	em	se	tratando	de
discutir	“o	papel	do	trabalhador	social	no	processo	de	mudança”,	deva	ser	a	de
refletir	sobre	esta	própria	frase.
A	principal	vantagem	desse	procedimento	é	que	a	frase	proposta	revelar-
se-á	 diante	 de	 nós	 no	 seu	 sentido	 profundo.	 A	 análise	 crítica	 da	 frase	 nos
possibilitará	 perceber	 a	 relação	 de	 seus	 termos,	 na	 formação	 de	 um
pensamento	estruturado,	que	envolve	um	tema	significativo.
Não	 será	possível	—	diga-se	desde	 já	—	a	discussão	do	 tema	contido	na
frase	 proposta	 se	 não	 se	 tiver	 dele	 uma	 compreensão	 comum,	 mesmo
partindo	de	diferentes	pontos	de	vista.
Esta	 análise	 crítica,	 que	 nos	 leva	 a	 uma	 apreensão	 mais	 profunda	 do
significado	da	frase,	supera	a	visão	ingênua,	que,	sendo	simplista,	nos	deixa	na
periferia	de	tudo	o	que	tratamos.
Para	o	ponto	de	vista	crítico,	que	aqui	defendemos,	o	ato	de	olhar	implica
outro:	o	de	ad-mirar.7	Admiramos	e,	ao	penetrarmos	no	que	foi	admirado,	o
olhamos	de	dentro	e	daí	de	dentro	aquilo	que	nos	faz	ver.
Na	 ingenuidade,	 que	 é	 uma	 forma	 “desarmada”	 de	 enfrentamento	 da
realidade,	apenas	olhamos	e,	porque	não	ad-miramos,	não	podemos	adentrar
o	que	é	olhado,	não	vendo	o	que	está	sendo	olhado.	Por	isso,	é	necessário	que
admiremos	 a	 frase	 proposta	 para,	 olhando-a	 de	 dentro,	 reconhecê-la	 como
algo	que	jamais	poderá	ser	reduzido	ou	rebaixado	a	um	simples	clichê.
A	 frase	 em	 discussão	 não	 é	 um	 conjunto	 de	 meros	 sons	 com	 rótulo
estático,	“uma	frase	feita”.	Como	dissemos,	envolve	um	tema	significativo.	Ela
é,	em	si,	um	problema,	um	desafio.
Se	 apreciarmos	 a	 frase	 como	 um	 clichê,	 ficando	 na	 sua	 superfície,
provavelmente	não	faremos	outra	coisa	que	discutir	sobre	outros	clichês,	que
nos	 foram	 “depositados”	 ou,	 em	 outras	 palavras,	 sobre	 conceitos	 temáticos
que	nos	foram	propostos	como	clichês.
Assim,	um	trabalho	de	análise	crítica	do	texto	proposto,	que	nos	permita	a
compreensão	de	seu	contexto	total,	no	qual	se	encontra	o	tema	desafiador,	vai
nos	possibilitar	outro	trabalho	fundamental:	a	separação	do	contexto	nas	suas
partes	constitutivas.
Esta	separação	do	contexto	total	em	suas	partes	nos	permite	retornar	a	ele,
de	onde	partimos,	pela	operação	de	ad-mirar,	alcançando,	desta	maneira,	uma
compreensão	mais	vertical	e	também	dinâmica	de	sua	significação.
Se,	 depois	 da	 ad-miração	 do	 texto,	 que	 nos	 permitiu	 a	 compreensão	 do
contexto	 total,	 procedemos	 à	 sua	 separação,	 constatamos	 através	 desta
interação	 entre	 suas	 partes	 que,	 por	 isso	 mesmo,	 se	 nos	 apresentam	 como
“corresponsáveis	pela	significação	do	texto”.
Ad-mirar,	olhar	por	dentro,	separar	para	voltar	a	olhar	o	todo	ad-mirado,
que	é	um	ir	para	o	todo,	um	voltar	para	suas	partes,	o	que	significa	separá-las,
são	 operações	 que	 só	 se	 dividem	 pela	 necessidade	 que	 o	 espírito	 tem	 de
abstrair	 para	 alcançar	 o	 concreto.	No	 fundo	 são	operações	 que	 se	 implicam
dialeticamente.
Então,	ao	admirar	por	dentro	a	frase	que	contém	um	tema	desafiador,	ao
separá-la	 em	 seus	 elementos,	 descobrimos	 que	 o	 termo	 papel	 acha-se
modificado	 por	 uma	 expressão	 restritiva,	 que	 limita	 sua	 “extensão”:	 do
trabalhador	 social.	 Nesta,	 por	 outro	 lado,	 há	 um	 qualificativo,	 social,	 que
incide	sobre	a	“compreensão”	do	termo	trabalhador.8
Esta	subunidade	da	estrutura	social,	papel	do	 trabalhador	 social,	 liga-se	à
segunda,	o	processo	de	mudança,	que	representa,	conforme	a	compreensão	da
frase,	“onde”	o	papel	se	cumpre	através	do	conectivo	em.
Contudo,	há	algo	a	considerar	depois	desta	análise.	É	que	através	dela	fica
claro	que	o	papel	do	trabalhador	social	se	dá	no	processo	de	mudança.	Esta	é,
sem	dúvida,	a	inteligência	da	frase	em	estudo.
Esta	 não	 será,	 contudo,	 a	 mesma	 conclusão	 à	 qual	 chegaremos	 quando
analisarmos	não	mais	 a	própria	 frase,	mas	o	quefazer	do	 trabalhador	 social.
Ao	 fazê-lo	 descobriremos	 um	 equívoco	 na	 frase	 proposta,	 pois	 o	 papel	 do
trabalhador	 social	 não	 se	 dá	 no	 processo	 de	 mudança	 em	 si,	 mas	 num
domínio	mais	amplo.	Domínio	do	qual	a	mudança	é	uma	das	dimensões.
Naturalmente,	este	domínio	específico	no	qual	atua	o	trabalhador	social	é
a	estrutura	social.
Por	 isso	 é	 que	 é	 preciso	 tomá-la	 na	 sua	 complexidade.	 Se	 não	 a
entendemos	em	seu	dinamismo	e	em	sua	estabilidade,	não	teremos	dela	uma
visão	crítica.
Efetivamente,	 a	 mudança	 e	 a	 estabilidade,	 o	 dinamismo	 e	 o	 estático
constituem	a	estrutura	social.
Não	há	nenhuma	estrutura	que	seja	exclusivamente	estática,	como	não	há
uma	absolutamente	dinâmica.
A	 estrutura	 social	 não	 poderia	 ser	 somente	 mutável,	 porque,	 se	 não
houvesse	 o	 oposto	 da	 mudança,	 sequer	 a	 conheceríamos.	 Em	 troca,	 não
poderia	 ser	 também	 só	 estática,	 pois	 se	 assim	 fosse	 já	 não	 seria	 humana,
histórica,	e,	ao	não	ser	histórica,	não	seria	estrutura	social.
Não	 há	 permanência	 da	 mudança	 fora	 do	 estático,	 nem	 deste	 fora	 da
mudança.	 O	 único	 que	 permanece	 na	 estrutura	 social,	 realmente,	 é	 o	 jogo
dialético	da	mudança-estabilidade.	Desta	forma,	a	essência	do	ser	da	estrutura
social	 não	 é	 a	 mudança	 nem	 o	 estático,	 tomados	 isoladamente,	 mas	 a
“duração”	da	contradição	entre	ambos.9
De	 fato,	 na	 estrutura	 social,	 não	 há	 estabilidade	 nem	 mudança	 da
mudança.	O	que	há	é	a	estabilidade	e	a	mudança	de	formas	dadas.	Por	isso	se
observam	 aspectos	 de	 uma	 mesma	 estrutura,	 visivelmente	 mutáveis,
contraditórios	 que,	 alcançados	 pela	 “demora”	 e	 pela	 “resistência”	 culturais,
mantêm-se	resistentes	à	transformação.
Mas	se	toda	a	estrutura	social,	que	é	histórica,	tem	como	expressão	de	sua
forma	de	ser	a	“duração”	da	dialética	mudança-estabilidade,	é	necessário	que
se	tenha	dela	uma	visão	crítica.	Quem	são?	São	“em	si”	algo	independente	da
realidade	que	comandam?	Simples	aparências?
Realmente,	mudança	e	estabilidade	não	são	um	“em	si”,	algo	separado	ou
independente	da	estrutura;	não	são	um	engano	da	percepção.
Mudança	 e	 estabilidade	 resultam	 ambas	 da	 ação,	 do	 trabalho	 que	 o
homem	 exerce	 sobre	 o	 mundo.	 Como	 um	 ser	 de	 práxis,	 o	 homem,	 ao
responder	 aos	 desafios	 que	 partem	 do	 mundo,	 cria	 seu	 mundo:	 o	 mundo
histórico-cultural.
O	mundo	de	acontecimentos,	de	valores,	de	ideias,	de	instituições.	Mundo
da	linguagem,	dos	sinais,	dos	significados,	dos	símbolos.
Mundo	da	opinião	e	mundo	do	saber.	Mundo	da	ciência,	da	religião,	das
artes,	mundo	das	relações	de	produção.	Mundo	finalmente	humano.
Todo	este	mundo	histórico-cultural,	produto	da	práxis	humana,	 se	 volta
sobre	o	homem,	condicionando-o.	Criado	por	 ele,	o	homem	não	pode,	 sem
dúvida,	 fugir	 dele.	 Não	 pode	 fugir	 do	 condicionamento	 de	 sua	 própria
produção.
Como	dissemos	antes,	não	há	estabilidade	da	estabilidade	nem	mudança
da	mudança,	mas	estabilidade	e	mudança	de	algo.
Assim,	 dentro	 deste	 universo	 criado	 pelo	 homem,	 a	 mudança	 e	 a
estabilidade	 da	 sua	 própria	 criação	 aparecem	 como	 tendências	 que	 se
contradizem.
Esta	é	a	razão	pela	qual	não	há	mundo	humano	isento	desta	contradição.
Por	 isso,	 não	 se	 pode	 dizer	 do	mundo	 animal	 que	 ele	 está	 sendo:	 o	mundo
humano	 só	 é	 porque	 está	 sendo;	 e	 só	 está	 sendo	 na	 medida	 em	 que	 se
dialetizam	a	mudança	e	o	estático.
Enquanto	a	mudança	 implica,	 em	si	mesma,	uma	constante	 ruptura,	ora
lenta,	 ora	 brusca,	 da	 inércia,	 a	 estabilidade	 encarna	 a	 tendência	 destapela
cristalização	 da	 criação.	 Enquanto	 a	 estrutura	 social	 se	 renova	 através	 da
mudança	 de	 suas	 formas,	 da	 mudança	 de	 suas	 instituições	 econômicas,
políticas,	 sociais,	 culturais,	 a	 estabilidade	 representa	 a	 tendência	 à
normalização	da	estrutura.10
Desta	 forma,	não	se	pode	estudar	a	mudança	sem	estudar	a	estabilidade;
estudar	uma	é	estudar	a	outra.	Assim	também,	tê-las	como	objeto	da	reflexão
é	submeter	a	estrutura	social	a	essa	mesma	reflexão;	como	refletir	sobre	esta	é
refletir	sobre	aquelas.
Falar	pois	do	papel	do	trabalhador	social	 implica	a	análise	da	mudança	e
da	estabilidade	como	expressões	da	forma	de	ser	da	estrutura	social.	Estrutura
social	que	se	lhe	oferece	como	campo	de	seu	quefazer.
Deste	 modo,	 o	 trabalhador	 social	 que	 atua	 numa	 realidade,	 a	 qual,
mudando,	 permanece	 para	 mudar	 novamente,	 precisa	 saber	 que,	 como
homem,	 somente	 pode	 entender	 ou	 explicar	 a	 si	 mesmo	 como	 um	 ser	 em
relação	com	esta	realidade;	que	seu	quefazer	nesta	realidade	se	dá	com	outros
homens,	 tão	 condicionados	 como	 ele	 pela	 realidade	 dialeticamente
permanente	e	mutável	e	que,	finalmente,	precisa	conhecer	a	realidade	na	qual
atua	com	os	outros	homens.
Este	 conhecimento,	 sem	 dúvida,	 não	 pode	 reduzir-se	 ao	 nível	 de	 pura
opinião	(doxa)	sobre	a	realidade.	Faz-se	necessário	que	a	área	da	simples	doxa
alcance	o	logos	 (saber)	e,	assim,	canalize	para	a	percepção	do	ontos	 (essência
da	realidade).
Este	 movimento	 da	 pura	 doxa	 ao	 logos	 não	 se	 faz,	 contudo,	 com	 um
esforço	 estritamente	 intelectualista,	mas	 na	 indivisibilidade	 da	 reflexão	 e	 da
ação	da	práxis	humana.
Na	ação	que	provoca	uma	reflexão	que	se	volta	a	ela,	o	trabalhador	social
irá	 detectando	 o	 caráter	 preponderante	 da	 mudança	 ou	 estabilidade,	 na
realidade	social	na	qual	se	encontra.	Irá	percebendo	as	forças	que	na	realidade
social	estão	com	a	mudança	e	aquelas	que	estão	com	a	permanência.
As	primeiras,	olhando	para	a	 frente,	no	curso	da	história,	que	 também	é
futuridade	 que	 deve	 ser	 feita,	 têm	 uma	 atitude	 progressista;	 as	 segundas,
olhando	 para	 trás,	 pretendem	 parar	 o	 tempo	 e	 assumem	 uma	 posição
antimudança.
É	 necessário,	 porém,	 que	 o	 trabalhador	 social	 se	 preocupe	 com	 algo	 já
enfatizado	nestas	 considerações:	 que	 a	 estrutura	 social	 é	obra	dos	homens	 e
que,	 se	 assim	 for,	 a	 sua	 transformação	 será	 também	obra	 dos	 homens.	 Isso
significa	que	a	sua	tarefa	fundamental	é	a	de	serem	sujeitos	e	não	objetos	de
transformação.	Tarefa	que	lhes	exige,	durante	sua	ação	sobre	a	realidade,	um
aprofundamento	 da	 sua	 tomada	 de	 consciência	 da	 realidade,	 objeto	 de	 atos
contraditórios	 daqueles	 que	 pretendem	 mantê-la	 como	 está	 e	 dos	 que
pretendem	transformá-la.
Por	 isso,	 o	 trabalhador	 social	 não	pode	 ser	um	homem	neutro	 frente	 ao
mundo,	um	homem	neutro	frente	à	desumanização	ou	humanização,	frente	à
permanência	do	que	já	não	representa	os	caminhos	do	humano	ou	à	mudança
destes	caminhos.
O	trabalhador	social,	como	homem,	tem	que	fazer	sua	opção.	Ou	adere	à
mudança	 que	 ocorre	 no	 sentido	 da	 verdadeira	 humanização	 do	 homem,	 de
seu	ser	mais,	ou	fica	a	favor	da	permanência.
Isso	não	significa,	contudo,	que	deva,	em	seu	trabalho	pedagógico,	impor
sua	opção	aos	demais.	Se	atua	desta	forma,	apesar	de	afirmar	sua	opção	pela
libertação	 do	 homem	 e	 pela	 sua	 humanização,	 está	 trabalhando	 de	maneira
contraditória,	 isto	 é,	manipulando;	 adapta-se	 somente	à	 ação	domesticadora
do	homem	que,	em	lugar	de	libertá-lo,	o	prende.
Deste	modo,	a	opção	 feita	pelo	 trabalhador	 social	 irá	determinar	 tanto	o
seu	 papel	 como	 seus	 métodos	 e	 suas	 técnicas	 de	 ação.	 É	 uma	 ingenuidade
pensar	num	papel	abstrato,	num	conjunto	de	métodos	e	técnicas	neutros	para
uma	ação	que	se	dá	entre	homens,	numa	realidade	que	não	é	neutra.	Isto	só
seria	possível	se	fosse	possível	um	absurdo:	que	o	trabalhador	social	não	fosse
um	 homem	 submetido	 como	 os	 demais	 aos	 mesmos	 condicionamentos	 da
estrutura	 social,	 que	 exige	 dele,	 como	 dos	 demais,	 uma	 opção	 frente	 às
contradições	 constitutivas	 da	 estrutura.	 Assim,	 se	 a	 opção	 do	 trabalhador
social	é	pela	antimudança,	sua	ação	e	seus	métodos	se	orientarão	no	sentido
de	frear	as	transformações.	Em	lugar	de	desenvolver	um	trabalho,	através	do
qual	 a	 realidade	 objetiva,	 a	 estrutura	 social,	 vá	 se	 desvelando	 a	 ele	 e	 aos
homens	 com	 que	 trabalha	 num	 esforço	 crítico	 comum,	 se	 preocupará	 por
mitificar	 a	 realidade.	 Em	 lugar	 de	 ater-se	 a	 esta	 situação	 problemática,	 que
desafia	a	ele	e	aos	homens	com	que	deveria	estar	em	comunicação,	 tenderá,
pelo	 contrário,	 às	 soluções	 de	 caráter	 assistencialista.	 Em	 lugar	 de	 sentir-se,
como	trabalhador	social,	um	homem	a	serviço	da	libertação,	da	humanização,
vocação	 fundamental	 do	 homem,	 temendo	 a	 libertação	 na	 qual	 vê	 uma
ameaça	 ao	 que	 considera	 sua	 paz,	 se	 encaminha	 no	 sentido	 da	 paralisação.
Encaminhar-se	no	sentido	da	paralisação	não	é	outra	coisa	 senão	pretender,
com	 ações	 e	 reações,	 “normalizar”	 a	 estrutura	 social	 através	 da	 ênfase	 na
estabilidade,	no	seu	jogo	com	a	mudança.11
O	assistente	social	que	faz	esta	opção	pode	(quase	sempre	tenta)	disfarçá-
la,	fingindo	aderir	à	mudança,	mas	ficando,	sem	dúvida,	ou	com	certeza,	nas
meias	mudanças,	que	é	uma	forma	de	não	mudar.
Um	 dos	 sinais	 da	 opção	 pela	 antimudança	 é	 a	 inquietude	 acrítica	 do
trabalhador	 social	diante	das	consequências	da	mudança;	 é	um	receio	quase
mágico	 à	 novidade,	 que	 é	 para	 ele	 sempre	 uma	 interrogação,	 cuja	 resposta
parece	ameaçar	seu	status	quo.	Por	isso	que	em	métodos	de	ação	não	há	lugar
para	 a	 comunicação,	 para	 a	 colaboração,	 mas	 sim	 para	 a	 manipulação
ostentativa	ou	disfarçada.
O	 trabalhador	 social	 que	 opta	 pela	 antimudança	 não	 pode	 realmente
interessar-se	pelo	desenvolvimento	de	uma	percepção	crítica	da	realidade	por
parte	 dos	 indivíduos.	 Não	 pode	 interessar-se	 pelo	 exercício	 de	 reflexão	 dos
indivíduos	 sobre	 a	 sua	 ação,	 sobre	 a	 própria	 percepção	 que	 possam	 ter	 da
realidade.	 Não	 lhe	 interessa	 a	 revisão	 da	 percepção	 condicionada	 pela
estrutura	social	em	que	se	encontram.
No	momento	em	que	os	 indivíduos,	atuando	e	refletindo,	são	capazes	de
perceber	 o	 condicionamento	 de	 sua	 percepção	 pela	 estrutura	 em	 que	 se
encontram,	 sua	 percepção	 muda,	 embora	 isso	 não	 signifique,	 ainda,	 a
mudança	da	estrutura.	Mas	a	mudança	da	percepção	da	realidade,	que	antes
era	 vista	 como	 algo	 imutável,	 significa	 para	 os	 indivíduos	 vê-la	 como
realmente	é:	uma	realidade	histórico-cultural,	humana,	criada	pelos	homens	e
que	pode	ser	transformada	por	eles.
A	percepção	ingênua	da	realidade,	da	qual	resultava	uma	postura	fatalista
—	 condicionada	 pela	 própria	 realidade	—,	 cede	 seu	 lugar	 a	 uma	 percepção
capaz	de	se	ver.	E	se	o	homem	é	capaz	de	perceber-se,	enquanto	percebe	uma
realidade	 que	 lhe	 parecia	 “em	 si”	 inexorável,	 é	 capaz	 de	 objetivá-la,
descobrindo	 sua	 presença	 criadora	 e	 potencialmente	 transformadora	 desta
mesma	realidade.	O	fatalismo	diante	da	realidade,	característico	da	percepção
distorcida,	 cede	 seu	 lugar	 à	 esperança.	 Uma	 esperança	 crítica	 que	move	 os
homens	para	a	transformação.
Evidentemente,	 esse	 é	 o	 objetivo	 do	 trabalhador	 social	 que	 opta	 pela
mudança.	 Por	 isso	 que	 seu	 papel	 é	 outro	 e	 que	 seus	métodos	 de	 ação	 não
podem	 confundir-se	 com	 aqueles	 já	 mencionados,	 característicos	 da	 opção
pela	antimudança.
O	 trabalhador	 social	 que	 opta	 pela	mudança	 não	 teme	 a	 liberdade,	 não
prescreve,	não	manipula,	não	foge	da	comunicação,	pelo	contrário,	a	procura
e	 vive.	 Todo	 seu	 esforço,	 de	 caráter	 humanista,	 centraliza-se	 no	 sentido	 da
desmitificação	do	mundo,	da	desmitificação	da	realidade.	Vê	nos	homens	com
quem	 trabalha	 —	 jamais	 sobre	 quem	 ou	 contra	 quem	 —	 pessoas	 e	 não
“coisas”,	sujeitos

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