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1 Khilver Doanne Sousa Soares IESC VI DM é uma síndrome caracterizada por hiperglicemia crônica. Resulta de: defeitos na secreção de insulina, defeitos na ação da insulina ou de ambos os fatores. Segundo a Associação Americana de Diabetes (ADA), temos 4 classes: DM tipo 1 (DM1), DM tipo 2 (DM2), outros tipos específicos de DM e DM gestacional (DMG). Há ainda a GJ alterada e tolerância à glicose diminuída – pré-diabetes! A prevalência da doença tem aumentado principalmente pelo aumento da obesidade e sedentarismo. A grande maioria dos portadores permanece assintomática por muito tempo e descobre a doença por alguma manifestação tardia. O U.S. Preventive Services Task Force, recomenda o rastreamento para pacientes assintomáticos que tenham PAS > 135 ou PAD > 80 mmHg – ambas sustentadas. Segundo a American Diabetes Association (ADA), os critérios para rastreamento da DM em adultos são IMC > 25 e: Sedentarismo; História familiar (1° grau) para diabetes; HAS; Dislipidemia (TG ≥ 250 mg/dl ou HDL ≤ 35 mg/dL); História de DMG ou RN com + de 4 kg; SOP; História prévia de alteração do nível glicêmico; Acantose nigricante; História de DCV. Obs.: Na ausência dos critérios anteriores, o rastreamento deve ser iniciado a partir dos 45 anos. Classificação & Etiologia do Diabetes DM1: destruição das células beta- pancreáticas, maioria autoimune. De 5 a 10% dos casos. Mais prevalente em crianças. Pode ser autoimune (tipo 1A) ou idiopático (tipo 1B). A LADA é a forma de evolução mais lenta em adultos. Sintomatologia clássica presente. Risco para cetoacidose diabética (CAD); DM2: defeitos na secreção e ação da insulina. De 90 a 95%. 80% está associado ao sobrepeso e sedentarismo. A maioria é assintomática, com possível complicações já no diagnóstico; Outros tipos específicos: MODY, doenças do pâncreas exócrino, endocrinopatias (síndrome de Cushing, acromegalia, feocromocitoma, hipertireoidismo, etc.), induzido por medicamentos (glicocorticoides, hormônios tireoidianos e outros), infecções (rubéola congênita, CMV), outras síndromes genéticas por vezes associadas ao DM; DMG: defeitos na secreção e ação da insulina. Qualquer alteração variável com início ou diagnosticada durante a gestação. Presente em 1 a 14% das gestantes. Deve- se reavaliar 4 a 6 semanas após o parto e reclassificar: avaliar GJ, tolerância à glicose ou normoglicemia. Na maioria dos casos, após a gravidez, há reversão para normalidade. Quadro Clínico Estas apresentações devem levar à suspeita de DM: Os “polis”: poliúria, polidipsia, polifagia + perda ponderal não explicada, glicosúria (induzida pela hiperglicemia); 2 Khilver Doanne Sousa Soares Cansaço; Alterações visuais (visão embaçada); Candidíase genital de repetição (vaginite ou balanopostite); Emagrecimento rápido e inexplicado; hiperglicemia grave + desidratação + cetonemia e cetonúria (no DM1); Cetoacidose diabética (DM1) e o coma hiperosmolar não cetótico (DM2) são formas + graves. Critérios Diagnóstico É realizado de acordo com o valor da GJ, glicemia casual e glicemia 2 horas pós- sobrecarga de glicose (TOTG). HbA1c é recomendada. GJ Glicemia 2h após 75g glicose (TOTG) Glicemia casual HbA1c (hemoglobina glicada) Normal < 100 < 140 < 5,7% Risco aumentado para diabetes GJ alterada 100 – 125 5,7 – 6,4% Tolerância à glicose diminuída 140 – 199 DM ≥ 126* ≥ 200 ≥ 200 + sintomas clássicos ** ≥ 6,5%*** *Jejum de pelo menos 8h; **Os sintomas clássicos do DM incluem poliúria, polifagia, polidipsia e perda não explicada de peso; ***Dispensável em caso de sintomas ou glicemia ≥ 200 mg%. Confirmar qualquer alteração repetindo exame; se necessário utilizar TOTG para critério de dúvida do diagnóstico. Se já houverem sintomas sugestivos, uma glicemia de 200 mg/dL confirma o diagnóstico! Se o paciente for assintomático, ou tiver sintomas leves, são necessárias duas GJ acima de 126 mg/dL. Se o paciente já tem suspeita clínica e GJ alterada (100 a 126 mg/dL) o TOTG está indicado para complementar a investigação. Para diferenciar DM1 e DM2 em situações + complicadas de diagnóstico etiológico é necessário solicitar anticorpos anti-ilhota, anti- insulina (IAA) e antidescarboxilase do ácido glutâmico (anti-GAD). Anamnese & Exame Físico Inicialmente deve-se colher a história completa do paciente, identificar comorbidades, complicações crônicas, revisar tratamentos e controle glicêmico anterior. Se atentar às dificuldades do paciente, suas expectativas e medos em relação à doença e ao futuro. No exame físico verificar: Presença de outros fatores de risco cardiovasculares; Complicações micro e macrovasculares; Exame dos pés; Palpação de pulsos; Avaliação sobre a presença de feridas; Infecções; Deformidades; Alterações de trofismo. 3 Khilver Doanne Sousa Soares Rastreamento da sensibilidade dos pés usando o monofilamento de Semmes-Weinstein. 1, pontos a serem testados que identificam 90% dos pacientes com sensibilidade dos pés alterada; 2, posicionar o monofilamento perpendicularmente à pele; 3, a pressão deve ser suficiente para dobrar o monofilamento; o tempo de toque do monofilamento deve ser de 1,5 segundos; a ordem dos pontos deve ser aleatória; não devem ser realizados em pontos com calosidade, úlcera, necrose ou cicatrização. Metas e Acompanhamento do Paciente Diabético Diagnóstico estabelecido? Agora o controle glicêmico é feito mediante avaliação dos parâmetros tradicionais: GJ, glicemia pós-prandial e HbA1c (revela a glicemia média pregressa dos últimos 2 a 4 meses). Sempre solicitar a HbA1c quando a GJ atinge as metas desejáveis para um bom controle. Tabela de Metas para o Tratamento do DM em Adultos EXAME VALORES E PADRÕES DE NORMALIDADE GJ Normal até 130 mg/dL Glicemia pré prandial Normal até 130 mg/dL Glicemia pós-prandial dosada 2 horas após a refeição habitual O normal é < 160, mas é Aceitável até 180 mg/dL HbA1c O normal é ≤ 7,0% em adultos; 7,5-8,5% em crianças, adolescentes, idosos Colesterol Total O normal é < 200 HDL O normal é > 40 LDL < 100 (risco baixo e intermediário) e < 70 (alto risco) < 130 (risco baixo e intermediário) e < 100 (alto risco) Triglicérides O normal é < 150 IMC O normal é entre 20-25 PA O normal é < 130/80 Fonte: ADA A glicemia média pode ser calculada por meio da seguinte fórmula: Glicemia média estimada: 28,7 x HbA1c – 46,7 4 Khilver Doanne Sousa Soares A GJ e a HbA1c devem ser pedidas a cada 3 meses para aqueles que precisam reavaliar o esquema terapêutico. O controle de insulina capilar é indicado apenas para quem realiza insulinoterapia. As metas do tratamento do DM envolvem a redução de níveis glicêmicos e pressóricos + adequação do peso e do perfil lipídico, flexibilizadas conforme cada pessoa. Define-se o nível de HbA1c em adultos diabéticos (não gestantes) como 7% - acima disso, avaliar terapia em vigor. Se o paciente tiver diagnóstico recente, nenhuma DCV e pouco risco de hipoglicemia, podemos ser + criteriosos e colocar a meta de HbA1c entre 6 e 6,5%. No entanto, em crianças, adolescentes, idosos fragilizados e pessoas com baixa expectativa de vida, os níveis de HbA1c podem se flexibilizar entre 7,5 e 8,5%. Em indivíduos estáveis, a GJ deve ser solicitada a critério clínico e a HbA1c a cada 6 meses. Se o perfil lipídico estiver normal, deve ser monitorado anualmente; função renal (exame qualitativo de urina, creatinina com estimativa do clearance e pesquisa de microalbuminúria) e o exame oftalmológico devem ser avaliados anualmente em DM2 são investigados assim que é realizado o diagnóstico e em DM1 em 5 anos após diagnóstico. Avaliações de Acompanhamento do Paciente Diabético (segundo Sociedade Brasileira de Diabetes) TERAPÊUTICA / EXAME A SER AVALIADO (A) FREQUÊNCIA Dieta, atividade física,tabagismo, dificuldades no autocuidado Em todos os encontros GJ 2 a 4x ano HbA1c 2 a 4x ano Automonitoramento da glicemia capilar (AMGC) Pré-prandiais (antes do café da manhã, almoço e jantar) e pós-prandiais (2 horas após o café, almoço e jantar) – para os usuários de insulinoterapia: hora de dormir e madrugada (3 horas da manhã) PA Em todos os encontros para hipertensos Peso, IMC, Circunferência Abdominal (CA) Em todos os encontros para pessoas com sobrepeso Perfil lipídico Anualmente (+ vezes se houver dislipidemia) Função renal (clearence, microalbuminúria) Anualmente referenciar ao nefrologista os pacientes com TFG < 30 Imunização Influenza Anualmente Imunização DT A cada 10 anos Imunização Pneumococos Dose única se > 65 anos, repetir se < 65 anos ou comorbidades 5 Khilver Doanne Sousa Soares O sucesso terapêutico depende da implicação da própria pessoa no seu autocuidado. Para isso, tornam-se fundamentais as intervenções de educação em saúde, individuais ou em grupo, pela equipe de saúde. Tratamento – Não Farmacológico As MEVs – incluindo dieta adequada, atividade física regular, aconselhamento sobre o uso de álcool, cigarro e outras drogas - têm efeito sobre o controle glicêmico, semelhante aos antidiabéticos orais, além de reduzirem o risco cardiovascular global. Um plano alimentar balanceado combinado à prática regular de atividades físicas é considerado terapia de primeira escolha para DM. A atividade física reduz a HbA1c, independentemente da redução de peso, diminui o risco cardiovascular e melhora a autoestima. O exercício físico, por mais de 150 minutos semanais de intensidade moderada a vigorosa, é altamente recomendado para prevenção e controle do DM2 e na prevenção das DCVs em diabéticos. Obs.: Retinopatia proliferativa e neuropatia autonômica grave contraindicam exercícios vigorosos. Além da MEV, o uso de metformina (indicação prioritária, sobretudo em portadores de obesidade) pode ser considerado. Tratamento – Farmacológico DM1 Para controle adequado e evitar cetoacidose e coma é necessário insulinização plena. É um esquema complexo que exige o acompanhamento por especialista experiente nessa técnica. As crianças, principalmente, são mais vulneráveis à hipoglicemia, e suas famílias requerem mais treinamento. DM2 Neste caso o tratamento é feito em etapas, com complexidade crescente. O tratamento inicial é MEV + metformina. Se não for alcançado controle do quadro, adiciona-se outros fármacos até evoluir para insulinoterapia se necessário. Antidiabéticos Orais Atualmente têm-se 2 classes de antidiabéticos: Incretinas: tem seu efeito mediado pelos hormônios peptídeo 1 similar ao glucagon (GLP-1) e polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP), que aumentam a secreção de insulina, reduzem a velocidade do esvaziamento gástrico e inibem a secreção de glucagon. Pertencem a essa classe: miméticos (exenatida), análogos (liraglutida e lixisenatida) do GLP-1 e os inibidores da enzima dipeptidil peptidase 4 (DPP-4) (gliptinas); Inibidores do contratransporte sódio/glicose 2 nos túbulos proximais dos rins: também chamados de inibidores de SGLT2, reduzem a glicemia via inibição da recaptação de glicose nos rins, promovendo glicosúria. As sulfonilureias e a metformina (fármaco de escolha para pessoas com sobrepeso e obesidade) são fármacos amplamente disponíveis na rede pública, e seus resultados foram validados por estudos de longo prazo. Só a metformina já pode promover discreta perda de peso, exercer efeito redutor no LDL e triglicérides e não causa hipoglicemia. Os efeitos colaterais são frequentes, mas diminuem com o tempo e são minimizados com o aumento lento e gradual das doses subsequentes ou com apresentações de ação prolongada. Obs.: Pacientes com TFG menor do que 30 mL/min têm absoluta contraindicação para o uso da metformina. 6 Khilver Doanne Sousa Soares As sulfonilureias são utilizadas como primeira escolha em diabéticos tipo 2 com emagrecimento por estimular um aumento da secreção pancreática de insulina e provocar ganho de peso. Devem ser usadas com cautela em idosos pelo risco de hipoglicemia. As sulfonilureias e seus metabólitos não devem ser utilizados em pacientes com perda significativa de função renal, com exceção da gliclazida (usada com muito cuidado nestes casos). As gliptinas agem essencialmente na estabilização do GLP-1 endógeno pela inibição da enzima que o degrada, a DPP-4. A sitagliptina, a vildagliptina, a saxagliptina e a alogliptina requerem ajuste posológico na insuficiência renal (IR). Essa classe promove redução modesta da HbA1c e são neutras quanto à perda de peso. Outros agentes da classe de incretinas são exenatida, liraglutida e lixisenatida - o primeiro, um mimético do GLP-1; os dois últimos, análogos ao GLP-1. São indicados como terapia adjunta para melhorar o controle da glicose em pacientes com DM2 que estão em tratamento com metformina, uma sulfonilureia, ou na combinação com esses dois medicamentos, quando não obtiverem resultados satisfatórios. Insulinoterapia Sua prescrição é atualmente necessária para a maioria dos portadores de DM2 – indicado já ao diagnóstico quando os sintomas são proeminentes ou no curso do tratamento quando há falha ou contraindicação aos agentes orais. A introdução da insulinoterapia em dose única, antes de deitar (bed time), associada aos antidiabéticos orais (terapia combinada), é considerada a estratégia preferencial para início da terapia insulínica no DM2. A insulinoterapia deve ser intensificada de forma progressiva e adequada, para facilitar a adesão e evitar hipoglicemia. Quando Referenciar Quando o médico de família não se sentir seguro em relação à indicação ou instituição de insulina, é prudente referenciar o paciente para o endocrinologista. O exame de fundo de olho sob midríase realizado por oftalmologista deve ser feito no diagnóstico e repetido anualmente (A). Quando há deformidade dos pés e/ou hiperceratose plantar, história de ulceração dos pés, doença vascular ou neuropatia significativa, o referenciamento deve ser feito para os respectivos serviços de referência. Deve-se referenciar para o nefrologista os pacientes com TFG < 30 mL/min/1,73 m2, macroalbuminúria ou perda rápida de função renal. É necessário referenciar para o oftalmologista pacientes com DM1 após 5 anos do diagnóstico ou anualmente a partir do diagnóstico, se início após a puberdade. Para pacientes com DM2, o referenciamento deve ser anual após o diagnóstico. _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ GUSSO, Gustavo; LOPES, José Mauro Ceratti; DIAS, Lêda Chaves. Tratado de medicina de família e comunidade: princípios, formação e prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.
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