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Projeto de monografia - TCC II - Joana Bini Eckstein

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA 
FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA 
 
JOANA BINI ECKSTEIN 
 
 
 
 
 
 
 
 
NOVAS FORMAS DE ESCRAVIDÃO NA SOCIEDADE MODERNA E A 
EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NA INDÚSTRIA TÊXTIL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CURITIBA 
2021 
 
 
JOANA BINI ECKSTEIN 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NOVAS FORMAS DE ESCRAVIDÃO NA SOCIEDADE MODERNA E A 
EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NA INDÚSTRIA TÊXTIL 
 
 
 
 
Monografia apresentada como requisito parcial à 
obtenção do grau em Bacharel em Direito, do 
Centro Universitário Curitiba. 
 
Orientadora: Prof. Me. Dra. Marcia Kazenoh Bruginski 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CURITIBA 
2021 
 
 
JOANA BINI ECKSTEIN 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NOVAS FORMAS DE ESCRAVIDÃO NA SOCIEDADE MODERNA E A 
EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NA INDÚSTRIA TÊXTIL 
 
 
 
 
Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau em Bacharel em 
Direito, do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos 
professores: 
 
 
 
 
 
Orientadora: Prof. Me. Dra. Marcia Kazenoh Bruginski 
 
 
 
 
 
 
 
 
________________________________________ 
Prof. Membro da Banca 
 
 
 
 
 
Curitiba, de de 2021 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
É fato incontroverso que há sempre muitas pessoas a agradecer tonando-se 
quase impossível nomear todos aqueles que participaram, em alguma forma e 
medida, desse período, tento demonstrar um pouco de minha gratidão agradecendo 
pontualmente algumas pessoas. 
Agradeço imensamente, em primeiro lugar, à Deus. 
À minha Ilustríssima orientadora, Marcia Kazenoh Bruginski, que aceitou me 
orientar no curso dessa longa jornada que foi escrever minha monografia e, mesmo 
com todos os percalços que o cenário pandêmico nos trouxe, tempos de incerteza e 
orientações remotas, sempre me incentivou a buscar meu melhor, me direcionando o 
caminho e linha de estudo. 
Agradeço também a toda minha família, em especial, a minha mãe, Adriana, 
que com toda a sua paciência e infinita bondade sempre esteve ao meu lado nos 
momentos de angústia, incentivando meus maiores sonhos e me ouvindo em todas 
as ocasiões; ao meu pai, Cezar, quem em primeiro lugar me incentivou a cursar 
Direito, também que sempre me incentivou a perseguir meus objetivos, minha 
trajetória acadêmica e carreira profissional; e, ao meu irmão Juliano, por todo carinho 
e apoio. 
Aos meus avós paternos, Egon e Rosely, e maternos, Nelson e Cibele, por 
todas as lições de vida e ensinamentos valiosos. 
Ao meu namorado, Rodrigo, que esteve ao meu lado ao longo da minha 
jornada acadêmica, sempre me apoiando, incentivando com toda sua paciência e 
amor, me proporcionando brilhantes discussões jurídicas; e que, prontamente, desde 
o primeiro momento, me ajudou organizar, debater e, por fim, revisar todo o meu 
trabalho. 
Aos amigos e amigas que fiz ao longo do curso e quero levá-los para vida, 
especialmente, a Laura, Giovanna, Amanda, Juliana, Larissa, Ana Paula, Barbara e 
Vitória que sempre me auxiliaram no curso da faculdade, sem elas a trajetória não 
teria sido a mesma; e aos meus amigos de vida Felipe, Natalia e Julia, por sempre me 
ouvirem falar do meu tema e me incentivarem na mesma proporção. 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
O presente trabalho visa compreender, conceituar e analisar as formas análogas à 
escravidão presentes na sociedade contemporânea, com enfoque na indústria têxtil. 
A busca por uma elevada produção fez com que direitos humanos e trabalhistas 
básicos fossem alijados em prol da produção em massa e da alta demanda do 
mercado de vestuário. Ao longo da cadeia produtiva de confecção, é possível 
identificar a presença de exploração do trabalho humano desde seu início, no plantio 
das fibras de algodão, até as oficinas de costura nos grandes centros industriais, que 
se utilizam de subcontratações para burlas as leis e condicionar os trabalhadores ao 
labor em ambientes degradantes e em jornadas prolongadas. Atrelado a indústria têxtil 
brasileira, estão presentes questões sociais relevantes como o tráfico de pessoas e 
trabalho ilegal realizados principalmente por migrantes advindos da América Latina. 
 
Palavras-Chaves: Escravidão contemporânea. Mão de obra. Exploração. Condições 
análogas à escravidão. Trabalho forçado. Jornada exaustiva. Servidão. Trabalho 
degradante. Indústria têxtil. Terceirização. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The present work aims to understand, conceptualize and analyze the forms analogous 
to slavery present in contemporary society, with a focus on the textile industry. The 
search for high production caused basic human and labor rights to be disregarded in 
favor of mass production and the high demand of the clothing market. Along the 
production chain of clothing, it is possible to identify the presence of exploitation of 
human labor from its beginning, in the planting of cotton fibers, to the sewing 
workshops in large industrial centers, which use subcontracting to circumvent the laws 
and condition workers to work in degrading environments and on long hours. Linked 
to the Brazilian textile industry, relevant social issues are present, such as human 
trafficking and illegal work carried out mainly by immigrants from Latin America. 
 
Keywords: Contemporary slavery. Manpower. Exploration. Conditions similar to 
slavery. Forced labour. Exhaustive journey. Bondage. Degrading work. Textile 
industry. Outsourcing. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 
 
 
 
 
Ilustração 1 – Quem é o trabalhador contemporâneo............................................... 23 
Ilustração 2 – De onde vem sua roupa? ................................................................... 61 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE SIGLAS 
 
 
 
 
ABIT – Associação Brasileira da Indústria Têxtil 
ABVTEX – Associação Brasileira do Varejo Têxtil 
ACP – Ação Civil Pública 
ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade 
ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 
CF – Constituição Federal 
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas 
CNPL – Confederação Nacional das Profissões Liberais 
CONAETE – Coordenadoria Nacional de Erradicação ao Trabalho Escravo 
DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos 
GEFM – Grupo Especial de Fiscalização Móvel 
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego 
MPT – Ministério Público do Trabalho 
MPU – Ministério Público da União 
OIT – Organização Internacional do Trabalho 
ONU – Organização das Nações Unidas 
PEC – Projeto de Emenda Constitucional 
PIDCP – Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 
TAC – Termo de ajuste de conduta 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 10 
1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL .. 13 
1.1 EXPLORAÇÃO DE MÃO DE OBRA DE NATIVOS INDÍGENAS NA EXTRAÇÃO E 
IMPORTAÇÃO DO PAU BRASIL ............................................................................. 13 
1.2 A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO CICLO DA CANA-DE-AÇÚCAR
................................................................................................................................. 15 
1.3 UTILIZAÇÃO DE MÃO DE OBRA ESCRAVA NAS JAZIDAS DE OURO (CICLO 
DO OURO) .............................................................................................................. 17 
1.4 CICLO DO CAFÉ ............................................................................................... 19 
1.5 A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA E O INÍCIO DO COMBATE AO TRABALHO 
ESCRAVO NO BRASIL ........................................................................................... 20 
2 CARACTERIZAÇÃO DA ESCRAVIDÃO MODERNA – ANÁLISE JURÍDICAE 
SOCIAL ................................................................................................................... 22 
2.1 RELEVÂNCIA DO TEMA NA SOCIEDADE ATUAL ........................................... 22 
2.2 DEFINIÇÃO DE TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO NO BRASIL ............... 24 
2.3 FORMAS ANÁLOGAS A ESCRAVIDÃO E SUAS PECULIARIDADES .............. 28 
2.3.1 Trabalho Forçado ............................................................................................ 28 
2.3.2 Servidão por Dívidas ....................................................................................... 31 
2.3.3 Trabalho Degradante ...................................................................................... 33 
2.3.4 A Perda da Liberdade e a Dignidade da Pessoa Humana ............................... 36 
2.3.5 Jornada Exaustiva ........................................................................................... 39 
3 TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO NA INDÚSTRIA TÊXTIL ....................... 42 
3.1 A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO INÍCIO DA CADEIA 
PRODUTIVA ............................................................................................................ 43 
3.1.1 A Produção e Exportação do Algodão no Semiárido Nordestino ..................... 43 
3.2 A EXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES NOS GRANDES CENTROS 
INDUSTRIAIS .......................................................................................................... 45 
 
 
3.2.1 Noções gerais a despeito da terceirização no Brasil ....................................... 45 
3.2.2 Terceirização por meio da contratação de oficinas de costuras ...................... 50 
3.2.2 Condições de Trabalho nas Fábricas de Grandes Marcas .............................. 53 
3.2.4 Princípio da Cegueira Deliberada e a Responsabilização em Cadeia como 
Forma de Repressão à Exploração do Trabalho Humano ........................................ 62 
3.3 O TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS E O TRABALHO ILEGAL DE 
MIGRANTES NAS CADEIAS PRODUTIVAS DA INSDUTRIA TÊXTIL EM 
TERRITÓRIO NACIONAL ........................................................................................ 67 
3.3.1 Tráfico de Pessoas ......................................................................................... 69 
3.3.2 O Trabalho Informal, Ilegal e Forçado dos Migrantes nos Polos Industriais .... 73 
4 O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E OS MECANISMOS DE COMBATE 
AO TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO ........................................................... 75 
3.1 NORMAS DE PROTEÇÃO E CRIMINALIZAÇÃO DO TRABALHO ANÁLOGO AO 
ESCRAVO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .................................... 75 
3.1.1 Código Penal................................................................................................... 75 
3.1.2 PEC 438/01 - Emenda Constitucional 81 ........................................................ 78 
3.2 ATUAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) ....... 79 
3.3 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO ........................................................... 80 
3.3.1 Coordenadoria Nacional de Erradicação ao Trabalho Escravo (CONAETE) ... 81 
3.4 FISCALIZAÇÕES MÓVEIS ................................................................................ 83 
3.5 LISTA SUJA ....................................................................................................... 84 
3.6 PROGRAMA ABVTEX ....................................................................................... 85 
CONCLUSÃO .......................................................................................................... 87 
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 91 
 
 
 
 
10 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
No decorrer do presente trabalho serão tratadas as formas de escravidão 
contemporâneas com enfoque na indústria têxtil no Brasil. 
Inicialmente é importante ressaltar que a exploração do trabalho humano e 
escravidão estão presentes no Brasil e em grande parte das sociedades, ao redor do 
mundo, desde suas formações. No Brasil, a exploração do trabalho humano começou 
desde a sua descoberta com a extração do pau Brasil, nas relações entre os 
portugueses e os nativos indígenas. Posteriormente, passou-se a explorar a mão de 
obra de escravos trazidos da África. Em um primeiro momento a exploração do 
trabalho escravo se deu nos grandes canaviais, que foram criados para evitar 
invasões na costa brasileira, bem como para exportação, visto que a cana-de-açúcar 
possuía um alto valor no mercado exterior. Seguida da exploração do ciclo do ouro, 
que se iniciou após a crise do mercado consumidor e com a descoberta de jazidas de 
ouro e diamante; por fim na lavoura de café, por volta do XVII. Com a independência 
do Brasil e após anos de exploração do trabalho escravo, depois de um processo 
gradual de abolição, com o advento da Lei Aurea em 13 de março de 18881, que foi 
um importante passo rumo à erradicação da escravatura no Brasil e um referencial 
nas relações de trabalho. 
 Muito embora tenha ocorrido a abolição da escravidão, não houve a 
erradicação por completo do trabalho escravo no Brasil. Com o passar do tempo a 
exploração do trabalho acompanhou as significativas mudanças na sociedade, sendo 
possível identificar novas maneiras de exploração do trabalho humano análogas à 
escravidão. Estas novas práticas estão presentes em diversos setores, não diferente 
na indústria têxtil. A busca por uma elevada produção fez com que direitos humanos 
e trabalhistas básicos fossem alijados em prol da produção em massa e da alta 
demanda do mercado. Conforme dados da Organização Internacional do Trabalho 
(OIT) – que hoje é uma das principais organizações de combate ao trabalho escravo 
no mundo –, de pesquisas realizadas no ano de 2016, estima-se que cerca de 40,3 
 
1 Monteiro, Patrícia Fontes Cavalieri. Discussão acerca da eficácia da Lei Áurea. Disponível em: 
http://www.fumec.br/revistas/meritum/article/view/1208/829. Acessado em 05 out. 2020. 
11 
 
 
milhões de pessoas no mundo encontram-se em situação de escravidão moderna, 
incluindo 24,9 milhões de pessoas em situação de trabalho forçado. 2 
A escravidão contemporânea pode ser conceituada de diversas formas. É 
possível identificar alguns fatores e questões sociais relevantes que contribuem para 
que se ainda utilize de mão de obra análoga à escravidão nos dias de hoje. Entende-
se como um conceito aberto, podendo ser ramificado para outros demais tipos como: 
tráfico de pessoas, trabalho forçado, servidão por dívida e rural, matrimônio forçado, 
exploração infantil, dentre outros.3 Pode também ser entendida como a da privação 
de liberdade do trabalhador, podendo ir muito além, desde uma coação moral, 
psicológica e física. Em que pese a escravidão e a exploração do trabalho humano 
venham sendo debatidas por muitos anos, os números indicam a necessidade de 
continuação dos estudos e discussões acerca dos temas, pois a exploração do 
trabalho humano e a prática de atos que suprimem direitos humanos e condições 
básicas de trabalho ainda está muito presente na sociedade. 
No tocante a indústria têxtil brasileira, que é o foco do trabalho, é possível 
identificar três evidentes formas de exploração do trabalho humano, calcadas 
primordialmente em uma lógica de custeio, ou seja, quanto menor o custo de 
produção, maior o lucro com o produto ao final da cadeia produtiva. Com base nesta 
visão que visa somente a obtenção de lucro é que direitos humanos e trabalhistas são 
deixados de lado em prol de uma produção em massa de produtos vendidos nas 
maiores redes de lojas. 
 Primeiramente no início da cadeia produtiva, tem-se a exploração 
proveniente do trabalho no campo, na colheita de matéria-prima – como por exemplo 
o algodão – para confecção das peças, principalmente no semiárido nordestino. Ao 
longo dos anos os pequenos produtorestiveram de arrendar suas terras ao 
denominados “parceiros”, para o plantio do algodão que posteriormente seria 
exportado para diversos países. Tendo em vista que a cotonicultura é de fácil 
manuseio, utilizavam da mão de obra da agricultura familiar para produção da matéria- 
prima. Por se tratar de agricultura de pequeno porte, e muitas vezes por não terem 
local adequado de armazenamento, após vários meses entre o plantio a colheita, os 
 
2_____. Trabalho forçado, escravidão moderna e tráfico humano. Disponível em: 
https://www.ilo.org/global/topics/forced-labour/lang--en/index.htm. Acesso em 31 ago. 2020. 
3 SILVA, Waldimeiry Correa; e Góes, Karine Dantas Góes. Formas contemporâneas de escravidão: 
Ofensa direta à dignidade humana. Disponível em: 
http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=0365aaecae1f1493. Acesso em 02 set. 2020. 
12 
 
 
trabalhadores se viam sujeitos a vender sacas de algodão por preços irrisórios, para 
sustentar a grande indústria da moda.4 
Ainda na indústria têxtil é possível identificar a exploração do trabalho humano 
em condições análogas à escravidão nos grandes centros industriais brasileiros, como 
por exemplo em São Paulo. Estando verificada de duas formas, os trabalhadores nas 
grandes fábricas de costura, trabalhadores estes que em sua grande maioria são 
migrantes que entraram ilegalmente no país através do tráfico de pessoas e que 
laboram de forma ilegal, vindos principalmente da América Latina – com ênfase nos 
migrantes bolivianos que deixam sua terra natal em busca de melhores condições de 
vida e são submetidos a condições degradantes de trabalho –; bem como a 
terceirização de mão de obra para oficinas de costura ou costureiras independentes, 
mão de obra proveniente de um esquema de terceirização irregular em que as 
trabalhadoras – que em sua grande maioria são mulheres – ganham centavos para 
costurar grandes quantidades de peças para suprir o fornecedor que ao final vende 
para as redes de lojas. 
O ordenamento jurídico pátrio e os demais órgãos de fiscalização já possuem 
mecanismos de combate à exploração do trabalho humanos em condições análogas 
à de escravo. Em princípio é importante ressaltar que há previsão legal que criminaliza 
essa prática, com pena privativa de liberdade e multa, o crime encontra-se previsto no 
artigo 149, do Código Penal.5 
 
 
 
 
 
 
 
4 ARRUDA, Geraldo Clesio Maia. Trabalho, riqueza e dominação no nordeste do Brasil. Disponível 
em: https://periodicos.ucsal.br/index.php/cadernosdoceas/article/view/643. Acesso em 01 set. 2020. 
5 Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados 
ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por 
qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: 
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. 
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: 
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local 
de trabalho; 
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais 
do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. 
13 
 
 
1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL 
 
1.1 EXPLORAÇÃO DE MÃO DE OBRA DE NATIVOS INDÍGENAS NA EXTRAÇÃO E 
IMPORTAÇÃO DO PAU BRASIL 
 
O início da exploração do trabalho humano no Brasil se deu com a descoberta 
do país e a chegada dos portugueses em solo brasileiro, em meados do Século XV, 
nos primórdios de sua colonização. Ao chegar no território brasileiro os portugueses 
identificaram o primeiro produto que daria início ao ciclo de exploração do trabalho 
humano, o pau Brasil, de imediato o rei de Portugal declarou o monopólio da coroa 
sobre o produto.6 Possui uma madeira de coloração avermelhada comumente 
utilizada para tingir tecidos, de grande valia uma vez que a indústria têxtil estava em 
desenvolvimento na Europa, o produto era muito visado pois era o principal corante 
utilizado na época; bem como para confecção de móveis e até mesmo navios. É muito 
encontrada na zona da mata, mais precisamente na costa brasileira, e posteriormente 
veio a dar origem ao nome do país. 
O primeiro carregamento de pau Brasil oriundo da zona da mata do litoral 
brasileiro foi aproximadamente no ano de 1503, quando Fernando de Noronha, a 
mando do rei de Portugal, veio até a colônia explorar a madeira.7 Consagrando então 
o monopólio da coroa sobre o produto, valendo-se da extração na forma do estanco 
sob ordens da cora. Neste primeiro momento, é importante ressaltar que inicialmente 
a colonização do Brasil foi calcada por uma premissa extrativista e de exploração, não 
propriamente de ocupação, visto que neste primeiro contato o Brasil se demonstrava 
ser uma terra desprovida de riquezas, sendo a extração do pau Brasil sua única 
utilidade de exploração para coroa. Nesta vertente é importante destacar a fala do 
historiador Boris Fausto no que se refere à chegada dos portugueses no Brasil e sua 
visão do continente. 
 
O descobrimento do Brasil não provocou, nem de longe, o entusiasmo 
despertado pela chegada de Vasco da Gama à índia. O Brasil aparece como 
uma terra cujas possibilidades de exploração e contornos geográficos eram 
desconhecidos. Por vários anos, pensou-se que não passava de uma grande 
ilha. As atrações exóticas - índios, papagaios, araras - prevaleceram, a ponto 
 
6 CABRAL, Isabela. História do Brasil. Disponível em: 
http://www.academia.edu/download/38565707/_BELA_Resumo_Economia_Colonial.doc. Acesso em 
07 out. 2020. 
7 Id. 
14 
 
 
de alguns informantes, particularmente italianos, darem-lhe o nome de terra 
dos papagaios. O Rei Dom Manuel preferiu chamá-la de Vera Cruz e logo de 
Santa Cruz. O nome "Brasil" começou a aparecer em 1503. Ele tem sido 
associado à principal riqueza da terra em seus primeiros tempos, o pau Brasil. 
Seu cerne, muito vermelho, era usado como corante, e a madeira, de grande 
resistência, era utilizada na construção de móveis e de navios.8 
 
A extração do Pau Brasil era feita de duas formas: estanco – que era a 
extração realizada unicamente pelo monopólio real, que por sua vez detinha controle 
total a extração e exportação do produto –, e o escambo – que era a extração realizada 
através da exploração do trabalho forçado dos nativos indígenas, em troca de 
mercadorias –, sendo esta modalidade a primeira forma de exploração do trabalho 
humano no Brasil.9 
Preliminarmente na colonização do Brasil, a exploração da mão de obra 
indígena foi a principal fonte extração da madeira, visto que os nativos possuíam um 
vasto conhecimento das matas e do território em si. Eram responsáveis por realizar o 
corte e carregamento das árvores nas caravelas, em troca do seu serviço recebiam 
algumas mercadorias de baixo valor para os portugueses, como: miçangas, espelhos, 
tecidos, armas brancas, dentre outros.10 
Uma das principais consequência da exploração do Pau Brasil foi o 
reconhecimento do litoral brasileiro, que até então tratava-se de um território 
inexplorado. Entretanto, este reconhecimento atraiu a concorrência dos outros países 
colonizadores, principalmente da França. O interesse da França na especiaria motivou 
o contrabando e o comércio “ilegal” da madeira, que fez com que o lucro gerado 
através da extração do pau Brasil pela coroa caísse, tendo em vista as constantes 
disputas com os franceses. Sendo assim, o negócio que angariava lucro, passou a 
decrescer, tornando-se uma prática arriscada e não tão proveitosa para realeza. 11 
Ante ao decaimento dos lucros com a extração, bem como com os nativos 
ficando cada vez mais difíceis colonizar, pois utilizavam-se do seu conhecimento das 
matas para realizar fugas para lugares distantes, a relação de exploração ficou cada 
vez mais tortuosa. Foi então que em1570, por meio do documento que fora chamado 
 
8 FAUSTO, Boris. HISTÓRIA DO BRASIL História do Brasil cobre um período de mais de 
quinhentos anos, desde as raízes da colonização portuguesa até nossos dias. Disponível em: 
https://www.academia.edu/download/53948835/historia_do_brasil.pdf. Acesso em 07 out. 2020. 
9 CABRAL, Isabela. História do Brasil. Op. Cit. 
10 Id. 
11 ZAMELLA, Mafalda P., Ciclos do pau brasil e do açúcar. Disponível em: 
http://www.periodicos.usp.br/revhistoria/article/download/34872/37608. Acesso em 07 out. 2020. 
15 
 
 
de Carta Régia, a coroa portuguesa decidiu alterar definitivamente o modelo de 
escravidão indígena, instruindo em seu documento o conceito de escravidão 
voluntária e guerra justa, os índios apenas seriam presos e escravizados em caso de 
guerra justa, ou seja, rebeliões contra os portugueses. Porém, mesmo com o 
documento que buscava modificar a escravidão indígena, foi apenas ao final do século 
XVIII, com a figura do Marquês de Pombal, é que se consolidou as regras de não 
exploração dos nativos indígenas na colônia.12 Utilizou-se então do tráfico de pessoas 
do transatlântico e a exploração de escravos africanos para suprir as necessidades, 
dando início a um novo ciclo de exploração do trabalho humano. 
 
1.2 A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO CICLO DA CANA-DE-AÇÚCAR 
 
Com o grande reconhecimento externo do litoral brasileiro, a decadência do 
ciclo do pau Brasil e tendo em vista que até então não haviam sido descobertas 
riquezas em solo brasileiro, a coroa portuguesa se viu em uma posição delicada em 
relação ao território conquistado. Tendo de optar por abandonar o Brasil aos franceses 
ou apoderar-se efetivamente do território, passando a torná-lo produtivo e ocupá-lo 
economicamente.13 Sendo assim, visando evitar invasões e como forma de deixar a 
costa brasileira mais protegida, a coroa ofereceu vantagens aos portugueses que se 
dispusesse a colonizar e povoar o litoral. Foram criadas capitanias hereditárias que 
enviaram famílias para lotear as terras e destiná-las ao plantio da cana-de-açúcar – 
ou como era conhecido na época “ouro branco” –, que passaria a ser a nova forma de 
exploração do trabalho humano.14 
Em troca de deixar suas terras para colonizar um território que até então 
acreditava-se ser desprovido de riquezas, o rei renunciava à sua soberania, passando 
a terra ao proprietário como forma de incentivo, oferecendo-lhe ainda as mesmas 
vantagens e garantias compatíveis com o emprego de grandes capitais sob condições 
arriscadas. Os maiores interessados em se apoderar das terras era a burguesia 
portuguesa, visto que não eram nobres ou detinham grandes riquezas, em sua maioria 
 
12 CALDAS, Renata Theophilo. O trabalho escravo na cadeia produtiva das renomadas grifes da 
indústria da moda. 58 f. Dissertação (Pós-graduação de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, 
Escola de Direito de Brasília – EDB/IDP. Brasília, fevereiro 2017. Disponível em: 
https://repositorio.idp.edu.br//handle/123456789/2300. Acesso em 07 out. 2020. 
13 ZAMELLA, Mafalda P., Op. Cit. 
14 CABRAL, Isabela. Op. Cit. 
16 
 
 
eram comerciantes. Assim, mesmo que os homens não fossem nobres, herdariam 
terras e, com elas, influência social e econômico.15 
O produto era especialmente destinado para suprir o mercado externo. Na 
cadeia de produção europeia, Portugal era responsável pela produção e exportação, 
visto que já possuía conhecimento na área devido a implantação de outros engenhos 
na Ilha da madeira e, a Holanda pela distribuição do açúcar, desse modo todo o 
dinheiro arrecadado ficava concentrado na Europa.16 
Tendo em vista que o Brasil apresentava o clima favorável para plantio da 
iguaria, utilizavam como forma da produção a técnica do plantation. Que se tratava da 
monocultura (plantio de apenas um produto), em latifúndios (que posteriormente foram 
chamados de engenhos) e mão de obra escrava africana, para baratear o custo da 
produção, plantio e colheita. 
O tráfico de escravos no transatlântico aumentou consideravelmente com o 
crescimento da indústria açucareira, no início do Século XVI. Com os novos ditames 
da coroa portuguesa no final do ciclo do pau Brasil, o trabalho indígena na formação 
e montagem dos engenhos foi primordial, entretanto passou a ser assalariado – 
trabalho forçado em troca de salário – mesmo que em regime propriamente escravo. 
Nestes moldes o trabalho indígena não era mais vantajoso e lucrativo para a colônia, 
que passou a se valer o trabalho escravo tendo em vista que os escravos eram 
tradados como objetos, já detinham conhecimento de técnicas de plantio, 
diferentemente dos nativos indígenas em que as mulheres detinham o conhecimento 
pois os homens especializavam-se em caças, e utilizados de forma completamente 
escrava sem qualquer remuneração, uma vez comprados no tráfico do transatlântico 
tornavam-se propriedade do senhor de engenho. Com a dominação portuguesa sobre 
a Angola em meados do final do século XVI, o número de escravos cresceu 
exponencialmente, estima-se que chegou a 150 mil africanos escravizados que 
desembarcaram em solo brasileiro, entre os anos de 1601 e 1624, para trabalhar nos 
canaviais e engenho de açúcar. Estes são alguns dados trazido pelo professor e 
historiador Rafael de Bivar Marques em seu texto: “A dinâmica da escravidão no 
Brasil”.17 
 
15 Id. 
16 Id. 
17 MARQUESE, Rafael de Bivar. A dinâmica da escravidão no Brasil Resistência, tráfico negreiro 
e alforrias, séculos XVII a XIX. Texto originalmente apresentado ao I Encontro entre Historiadores 
 
17 
 
 
Ao mesmo tempo, os portugueses aprimoravam o funcionamento do tráfico 
negreiro transatlântico, sobretudo após a conquista definitiva de Angola em 
fins do século XVI. Os números do tráfico bem o demonstram: entre 1576 e 
1600, desembarcaram em portos brasileiros cerca de 40 mil africanos 
escravizados; no quarto de século seguinte (1601-1625), esse volume mais 
que triplicou, passando para cerca de 150 mil os africanos aportados como 
escravos na América portuguesa, a maior parte deles destinada a trabalhos 
em canaviais e engenhos de açúcar.18 
 
Ademais, os lucros provenientes do tráfico de escravos africanos no 
transatlântico eram muito almejados pela metrópole, motivo esse que perpetuou a 
dominação dos portugueses sobre a Angola, bem como sedimentou a escravidão do 
povo africano. 
O grande sucesso de Portugal no Brasil não demorou muito para atrair o 
interesse de outros países europeus. A Holanda chegou a realizar invasões no estado 
da Bahia e de Pernambuco, motivadas por seu interesse em deter todo o monopólio 
açucareiro.19 
A desvalorização do ouro branco brasileiro se deu apenas com as investidas 
holandesas principalmente na Bahia e em Pernambuco, onde se concentravam os 
maiores engenhos brasileiros. Muito embora estas investidas tenham sido infrutíferas, 
as relações entre Portugal e Holanda ficam fragilizadas. Fazendo com o que mercado 
Europeu passasse a consumir preferencialmente o açúcar proveniente da Europa e 
consequentemente, decaindo a exportação do açúcar e desvalorizando o provento 
brasileiro.20 
 
1.3 UTILIZAÇÃO DE MÃO DE OBRA ESCRAVA NAS JAZIDAS DE OURO (CICLO 
DO OURO) 
 
A queda do consumo exterior ao açúcar brasileiro, possibilitou a exploração 
do território pela coroa, deram-se origem as primeiras expedições oficiais – também 
chamadas de entradas –, bem como pelos comerciantes que aqui viviam, por meio 
das expedições que ficaram conhecidas como bandeiras; que se tratava de 
expedições particulares onde os bandeirantes adentravam o território explorado a pé 
 
Colombianos e Brasileiros, promovido pelo Ibraco em Bogotá, Colômbia, em agosto de 2005. 
Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002006000100007. 
Acesso em 07 out. 2020. 
18 Id. 
19 Id. 
20 Id. 
18 
 
 
ou a cavalo, em busca de metais preciosos no continente. Tanto as investidas dacoroa, quanto as investidas de particulares na exploração do território permitiram e 
facilitaram as descobertas auríferas na transição do Século XVII início do XVIII, 
agregando riquezas ao patrimônio português.21 
A baixa no consumo do produto brasileiro Bahia e Pernambuco, que antes 
eram o centro do Brasil, passou a não ter mais a mesma visibilidade. Dando vez a 
exploração e, consequentemente, a descoberta das jazidas de ouro, diamantes outros 
metais preciosos na região onde hoje são compreendidos os estados do Mato Grosso, 
Goiás e Minas Gerais. 
A notícia de ouro e outros metais preciosos na colônia chamou atenção da 
burguesia portuguesa para continente que antes é pouco explorado. Não demorou 
muito para houvesse uma grande migração de portugueses para estas regiões. É 
neste contexto a fala do professor e historiador Rafael de Bivar Marques. 
 
Afora o deslocamento interno na Colônia, as minas atraíram para o Brasil uma 
quantidade ainda maior de migrantes portugueses, calculada em cerca de 
400 mil indivíduos durante todo o século XVIII. 22 
 
Com a maior exploração do território nacional e com as descobertas auríferas, 
necessitou-se uma maior mão de obra fazendo com que houvesse um aumento 
exponencial na exploração do tráfico de pessoas no transatlântico, estima-se que 
desembarcaram no Brasil cerca de 292 mil escravos africanos com destino certo para 
as minas e para garimpar na busca por metais preciosos. 
Devido a exploração do território a coroa portuguesa aumentou ainda mais 
seu espaço geográfico, expandindo também o território conquistado. Visando 
recuperar sua economia, tendo em vista a queda nos lucros propiciada pela baixa no 
consumo do açúcar. Foi nesta vertente que se criou a Intendência das Minas, que se 
tratava de um órgão diretamente ligado ao rei e a coroa portuguesa, responsável pela 
organização e distribuição das terras, cobrança dos impostos pela exploração e 
fiscalização da região das minas. Devido a intensa exploração do centro-oeste 
brasileiro, próximo da região onde atualmente é compreendido o estado de Minas 
Gerais, relevou-se necessário a mudança da capital brasileira, que passou a ser o Rio 
de Janeiro, tendo em vista a facilidade em gerenciar as riquezas. Criou-se também a 
 
21 CABRAL, Isabela. Op. Cit. 
22 MARQUESE, Rafael de Bivar. Op. Cit. 
19 
 
 
Casa da fundição, que fundia o ouro encontrado e retirado das minas em barras para 
facilitar o armazenamento nos cofres da metrópole. 
 
1.4 CICLO DO CAFÉ 
 
A cultura cafeeira se popularizou no Brasil em meados do século XVIII e XIX, 
beneficiando-se dos modos de produção já utilizados nos engenhos de cana-de-
açúcar. Utilizavam-se do sistema de plantation – monocultura, em grandes latifúndios 
e mão de obra majoritariamente proveniente da exploração do trabalho de escravos 
africanos –. 
O maior incentivo financeiro na indústria fora dos próprios produtores e 
comerciantes após a chegada da família real no Brasil, por volta de 1808. A princípio 
a plantação e colheita do café era para atender as demandas internas, visto que ainda 
era considerada iguaria de luxo no exterior. As maiores lavouras destinadas para 
produção estavam localizadas na Baixada Fluminense e no Vale do Paraíba, onde 
hoje são compreendidos os estados do Rio de Janeiro e São Paulo. De acordo com 
dados trazidos por Alves Motta Sobrinho, no texto escrito por Alan Alves Brito 
Conceição. 
 
Entre os anos de 1853 e 1854, a produção de café do estado do Rio de 
Janeiro atingiu 7.988.551 arrobas. Segundo Motta Sobrinho (1978), em 1854, 
a região do Vale do Paraíba paulista somava 2.737.639 arrobas. Em meados 
do século XIX, a região fluminense passou a apresentar queda no plantio do 
café. Enquanto, a produção paulista, até o final daquele século, se manteve 
estável.23 
 
O café é planta originária do continente africano, mais especificamente na 
região da Etiópia, desse modo para que fosse possível adaptação da iguaria ao clima 
e condições de solo brasileiro a mão de obra africana foi de suma importância. Com 
base nesta premissa, iniciou-se um novo ciclo de tráfico de escravos no transatlântico 
para suprir a necessidade na lavoura. Fora muito utilizado para tornar produtiva as 
terras que antes eram improdutivas e por isso, não geravam lucro, bem como a 
 
23 CONCEIÇÃO, Alan Alves Brito. O CAFÉ NO VALE DO PARAÍBA: ORIGEM E DECADÊNCIA. 
Taubaté, outubro de 2014. Artigo (Mestrado em Gestão e Desenvolvimento), Universidade de Taubaté, 
orientado por Ademir Pereira dos Santos. Disponível em: 
http://www.unitau.br/files/arquivos/category_154/MCH0168_1427384659.pdf. Acesso em 08 out. 2020. 
20 
 
 
descentralizar a economia brasileira que antes girava em torno do nordeste e dos 
engenhos de açúcar. 
Aproximadamente em 1836 e nos anos seguintes a produção cafeeira no 
Brasil aumentou exponencialmente chegando a superar a produção açucareira, 
tornando-se o principal produto exportação da coroa. Entretanto, ao final do Século 
XIX o café enfrentou uma grade crise de caráter comercial. 
 
A primeira grande crise do café, de 1.857/58, teve caráter comercial, com o 
retraimento do mercado comprador, e afetou de modo mais direto os 
produtores. A de 1.864 foi de ordem financeira, e com a falência dos bancos, 
muitas casas comissárias, cujo capital deles derivava ,e muitos fazendeiros, 
acabaram arrastados e vítimas das correrias e quebradeiras. A crise posterior 
à abolição do cativeiro, na última década do século XIX, eliminou o 
comissário, e as firmas exportadoras passaram à compra direta ao 
fazendeiro, sem que isto lhe trouxesse melhoria. O preço lhe era imposto, 
sem mais o controle das cotações a que se submetiam as casas 
comissárias.24 
 
A crise da economia cafeeira no Brasil foi pautada também na liberdade dos 
escravos que vem a ser um marco no combate a escravidão no Brasil.25 
 
1.5 A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA E O INÍCIO DO COMBATE AO TRABALHO 
ESCRAVO NO BRASIL 
 
Conforme amplamente exposto anteriormente, a escravidão esteve presente 
ao longo de toda história de formação do Brasil, iniciando no período de sua 
colonização e perdurando até os dias de hoje. A escravidão foi utilizada como um dos 
alicerces para o estabelecimento dos portugueses na América, bem como para 
manutenção do Império do Brasil.26 
Até a promulgação da Lei Aurea, em 13 de março de 1888,27 houve um 
processo lento por trás. Iniciado com a pressão inglesa sobre o governo português 
para erradicação da escravidão, que culminou ao movimento antiescravidão no Brasil. 
 
24 SOBRINHO, Alves Motta. A civilização do café (1820 – 1920). Disponível em: 
https://www.brasiliana.usp.br/bitstream/bbm/7038/1/45000009390_Output.o.pdf. Acesso em 08 out. 
2020. 
25 CONCEIÇÃO, Alan Alves Brito. Op. Cit. 
26 COSTA, Hilton. Hierarquias brasileiras: A abolição da escravatura e as teorias do racismo científico. 
Disponível em: http://www.escravidaoeliberdade.com.br/site/images/Textos3/hilton%20costa.pdf. 
Acesso em 08 out. 2020. 
27 MONTEIRO, Patrícia Fontes Cavalieri. Op. Cit. 
21 
 
 
Após a independência do Brasil, no ano 1822, a Inglaterra determinou que a marinha 
que efetuasse a prisão e apreensão da tripulação de navios negreiros que cruzassem 
o Atlântico rumo ao Brasil.28 Aumentando cada vez a pressão sobre a cora portuguesa 
forçando a criação de leis e medidas para erradicar a escravidão. 
 Com base em toda a pressão promovida pela Inglaterra, a primeira lei que 
visava inibir a escravidão veio apenas em 1831 em que se considerou livres todos os 
africanos que desembarcaram no Brasil após esse ano. Entretanto, no início foi tida 
como lei morta, vindo a entrar em vigor somente no ano de 1835. 
Posteriormente foi aprovada a Lei Eusébio de Queirós, em 1850, que 
reafirmou o disposto na lei anterior, dado maior força ao movimento rumo a abolição.29 
A presente lei encerrou com o abastecimento do mercado negreiro no Brasil. Muito 
embora a Lei Eusébio de Queirosesgotou o tráfico de pessoas no transatlântico, não 
extinguiu por completo a escravidão. 
Em 1871, a Princesa Isabel assinou a Lei Rio Branco, que considerava livres 
todos os filhos de mulheres escravas a partir da assinatura da lei. Seguida da lei dos 
Sexagenários, que considerava livres todos os homens escravos com mais de 60 
anos.30 
Ao final, assinada também pela Princesa Isabel, a Lei Aurea que libertava 
todos os escravos e visava pôr fim a escravidão.31 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
28 COSTA, Hilton. Op. Cit. 
29 Id. 
30 CALDAS, Renata Theophilo. Op. Cit. 
31 COSTA, Hilton. Op. Cit. 
22 
 
 
2 CARACTERIZAÇÃO DA ESCRAVIDÃO MODERNA – ANÁLISE JURÍDICA E 
SOCIAL 
 
2.1 RELEVÂNCIA DO TEMA NA SOCIEDADE ATUAL 
 
Em que pese a promulgação da Lei Aurea visou colocar fim a escravidão, 
após muita pressão do exterior tendo em vista que o Brasil teve uma abolição tardia 
da escravatura, apenas extinguiu a escravidão na forma como era conhecida à época, 
especificamente no que se refere a posse sobre as pessoas. O cenário nacional atual 
confirma a presente afirmação, uma vez que ainda é possível verificar a utilização de 
trabalho análogo ao escravo em diversos setores da econômica brasileira e mundial, 
inclusive na indústria têxtil. 
O que se observa da promulgação da Lei Aurea até os dias atuais é a extinção 
a objetificação dos escravos, entretanto, não houve a abolição da escravatura por 
completo, apenas dos meios históricos de escravidão, dando margem para novas 
formas. 
O presente capítulo, visa compreender como se dão as novas formas 
análogas à escravidão em nossa sociedade, sob o prisma jurídico e social; 
demonstrando a relevância do tema, uma vez que a exploração do trabalho humano 
ainda está muito presente de diversas formas no cotidiano brasileiro. 
Conforme dados levantados pela Organização internacional do trabalho (OIT), 
cerca de 40 milhões de pessoas ao redor do mundo foram vítimas do trabalho escravo 
contemporâneo no ano de 2016.32 Com base em dados de resgates realizados pelo 
Ministério Público do Trabalho (MPT) entre os anos de 2003 e 2018, 
aproximadamente 45 mil trabalhadores foram resgatados e libertados de situações 
trabalho análogas à escravidão, no Brasil.33 
 
 
 
 
32_____. Trabalho Forçado. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-escravo/lang--
pt/index.htm#:~:text=Mais%20de%2040%20milh%C3%B5es%20de,foram%20for%C3%A7adas%20a
%20se%20casar. Acesso em 20 nov. 2020. 
33_____. Brasil teve mais de mil pessoas resgatadas do trabalho escravo em 2019. Disponível em: 
https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-01/brasil-teve-mais-de-mil-pessoas-
resgatadas-do-trabalho-escravo-em. Acesso em 20 nov. 2020. 
23 
 
 
Ilustração 1 – Quem é o trabalhador contemporâneo 
 
Fonte: Com Ciência. Revista eletrônica de jornalismo científico. 
ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA ATINGE MILHÕES E PODE SER 
COMBATIDA COM AUXÍLIO DA TECNOLOGIA. 
 
Conforme balaço realizado pelo Ministério Público do Trabalho, no ano de 
2017, divulgado na Revista Labor, foi registrado um aumento significativo nas ações 
civis públicas ajuizadas, bem como nos termos de ajustamento de conduta 
envolvendo trabalho escravo e trabalho degradante. 
 
Em 2017, o Ministério Público do Trabalho ajuizou 103 ações civis públicas 
(ACP) e firmou 217 termos de ajustamento de conduta (TAC) envolvendo 
trabalho escravo. Com relação às denúncias recebidas, foram 1.187, no 
mesmo período. O balanço mostra ainda que o número de ações sobre 
trabalho escravo ajuizadas cresceu nos últimos dois anos: em 2016, foram 
93 ações, contra 103 em 2017. 
Entre as 103 ações, 70 delas (68%) foram relacionadas a trabalho 
degradante, o que mostra a importância do conceito moderno de “trabalho 
escravo”, mais abrangente, incluindo, por exemplo, escravidão por dívidas e 
o próprio trabalho degradante. O mesmo pode ser observado em relação aos 
24 
 
 
TACs – dos 217 firmados pelo MPT em 2017, 130 (60%) foram relacionados 
a trabalho degradante.34 
 
Dados mais recentes encaminhados em 28 de janeiro de 2020 – dia nacional 
de Combate ao Trabalho Escravo –, apenas no ano de 2019, foram resgatados cerca 
de 1.054 trabalhadores. Registrou-se, também, um aumento significativo nas 
denúncias em relação ao ano de 2018, chegando a 1.213 denúncias registradas.35 
Com base nos dados apresentados foi possível compreender que cerca de 95% dos 
trabalhadores resgatados são homens, sendo que 83% na faixa dos 18 aos 44 anos, 
uma alta incidência de migrantes internos e externos que se destinam para pecuária. 
Este setor detém dos maiores casos de exploração no país.36 
Sendo assim, ante aos elevados número de trabalhadores regatados de 
condições análogas à escravidão no Brasil, nos últimos anos, verifica-se a relevância 
do tema a ser estudado, tendo em vista a persistência da utilização da mão de obra 
análoga à escrava, a supressão de direitos e condições mínimas de trabalho. 
 
2.2 DEFINIÇÃO DE TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO NO BRASIL 
 
Em prima face é importante ressaltar que há diversas formas de conceituar o 
trabalho escravo contemporâneo a depender da análise e dos elementos 
apresentados por cada autor, pois há uma multiplicidade de termos e formas de 
conceituação. Contudo, é possível perceber que majoritariamente os autores tratam 
do trabalho análogo ao escravo contemporâneo como sendo um conjunto de 
condições degradantes, analisando diversas questões que marcam a relação de 
trabalho, que vão muito além do descumprimento formal das normas trabalhistas e 
supressão de direitos. Considera-se desde a coação dos trabalhadores, em diferentes 
formas e níveis, para realização de atividades forçadas, incluindo meio ambientes 
 
34 VILLAÇA, Carolina. Baseado em fatos surreais: A novela para garantir a publicação da lista suja e 
impedir a flexibilização do conceito de trabalho escravo no país que teve mais de 43 mil pessoas 
resgatadas, de 2003 a 2017. REVISTA Labor – Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasília, 
ano VI, nº9, 2018. A carta do trabalho digno. Acesso em 28 nov. 2020. 
35_____. Brasil teve mais de mil pessoas resgatadas do trabalho escravo em 2019. Disponível em: 
https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-01/brasil-teve-mais-de-mil-pessoas-
resgatadas-do-trabalho-escravo-em. Acesso em 28 nov. 2020. 
36_____. Trabalho Forçado. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-escravo/lang--
pt/index.htm#:~:text=Mais%20de%2040%20milh%C3%B5es%20de,foram%20for%C3%A7adas%20a
%20se%20casar. Acesso em 20 nov. 2020. 
25 
 
 
degradantes de inserção dos trabalhadores, jornadas extraordinárias até a perda em 
diferentes níveis da liberdade. 
Para tornar possível a compreensão acerca da utilização do trabalho escravo 
contemporâneo no Brasil é necessário analisar questões sociais relevantes que são 
acometidos os trabalhadores, sendo a falta de informação um dos fatores 
predominantes nas relações de exploração do trabalho humano, que contribuem para 
que se ainda utilize de mão de obra análoga à escravidão nos dias de hoje. 
Nesta vertente que se verifica o artigo escrito pela graduanda em Direito 
Karine Gleice Cristova e do Dr. Rodrigo Goldschmidt,37 que afirmam a presença de 
alguns fatores que marcam o trabalho escravo contemporâneo – como por exemplo a 
ausência de vagas de emprego e condições mínimas para manter família em suas 
origens –, abordando a falta de informação está dentre estes fatores, que fazem com 
que a exploração do trabalho humano seja perene. 
 
A escravidão contemporânea é marcada por fatores como: falsas promessas 
feitas pelo aliciador, falta de informações e desconhecimento dos direitos 
pelos trabalhadores e ausência de emprego e condições mínimas para 
manter a família na região de origem, o que faz com que o trabalhador aceite 
com mais facilidade a migração para outras regiões distantes em que será 
explorado. 
 
As autoras compreendemque as relações trabalhistas contemporâneas 
estão, mesmo que minimamente, mascaradas pelo aparente cumprimento da 
legislação trabalhista por meio da formalização de um contrato de trabalho e, não 
mais, na ideia de propriedade. Todavia, o trabalho que é prestado para outrem não 
atende a dignidade da pessoa humana e revela-se uma mera subordinação jurídica 
do trabalhador; consideram o domínio ao extremo como uma das características 
predominantes do trabalho escravo com temporâneo.38 
Para o Dr. Ricardo José Fernandes de Campos,39 o conceito de trabalho 
forçado vai além da privação da liberdade, podendo estar caracterizado também em 
 
37 CRISTOVA, Karine Gleice; Goldschmidt, Rodrigo. O trabalho escravo contemporâneo no Brasil. 
Disponível em: https://unoesc.emnuvens.com.br/simposiointernacionaldedireito/article/view/2255. 
Acesso em 01 set. 2020. 
38 Id. 
39 CAMPOS, Ricardo José Fernandes de. Trabalho Escravo: A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 
E A CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS ÀS DE ESCRAVO. Servidão 
por Dívida: “truck system”. Aliciamento e Transporte de Trabalhadores: Responsabilidade do 
Empregador e do Intermediador. Responsabilidade Penal, Administrativa e Penal. o Papel do Brasil no 
 
26 
 
 
diversas formas de coação dos trabalhadores, como a coação moral, psicológica e 
física. 
 
O trabalho forçado pode decorrer de coação moral, psicológica e física. Um 
exemplo de coação moral ocorre quando o tomador dos serviços, valendo-se 
da pouca instrução e do elevado senso de honra pessoal dos trabalhadores, 
submete estes a elevadas dívidas, constituídas fraudulentamente com o fito 
de impossibilitar o desligamento do trabalhador. Já a psicológica poderá 
ocorrer quando o trabalhador for ameaçado de sofrer violência, a fim de que 
permaneça trabalhando e a física através de atos de violência contra o 
trabalhador. 
 
Neste diapasão, é possível verificar alguns elementos que estão presentes 
nas formas de exploração do trabalho humano nos dias autuais – tais como, a criação 
de dívidas, relações oriundas de fraudes e/ou violência, retenção de documentos 
pessoais –, conforme pontua o Dr. Ricardo. O autor destaca também, que estas 
relações de trabalho são marcadas pela falta de liberdade, para por exemplo, poder 
escolher seu empregador ou seu tempo de permanência no trabalho. 
 
O trabalho em condições análogas à de escravo, nos dias atuais, se 
manifesta com a presença de alguns elementos que não as correntes, como 
a criação de dívidas artificiais, relação de trabalho originada de fraude ou 
violência, frustração de direitos trabalhistas e retenção de documentos 
pessoais, sempre com vistas a impedir o desligamento do serviço. 
A nota característica desse tipo de exploração de mão de obra é, dessa 
forma, a ausência de liberdade. Quando o trabalhador não pode decidir, 
espontaneamente, pela aceitação do trabalho, ou então, a qualquer tempo, 
em relação à sua permanência no trabalho, há trabalho forçado. 
 
Dessa forma, o autor também compreende que o princípio da dignidade da 
pessoa humana está intimamente ligado com a valorização do trabalho, visto que o 
trabalho escravo ou análogo ao escravo nega ao trabalhador condições mínimas de 
sobrevivência e o submete a condições degradantes de trabalho.40 Considera como 
sendo condição degradante a falta de saúde e segurança, bem como condições 
mínimas trabalho, higiene, respeito, dentre outros elementos que devem estar 
presentes em uma relação de trabalho sadia em um ambiente laboral equilibrado, 
 
Combate ao Trabalho Escravo.”. Disponível em: 
https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:rede.virtual.bibliotecas:artigo.revista:2007;1000816179 . 
Acesso em 30 nov. 2020. 
40 Id. 
27 
 
 
situação que não é verificada nos casos de escravidão moderna. Sendo uma violação 
direta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 
Nesta mesma premissa, tem-se a conceituação feita pelo procurador do 
trabalho, Dr. Tiago Muniz Cavalcante, publicada na revista do Ministério Público do 
Trabalho.41 Expõe que o trabalho escravo contemporâneo pode ser entendido como 
o trabalho proveniente do trabalho forçado, com a presença de uma jornada exaustiva 
de trabalho, tal como o labor realizado em condições degradantes e o trabalho 
exercido com restrição de locomoção em razão de dívidas. Este é o entendimento 
sedimentado no art. 149 do Código Penal e que se reflete no entendimento majoritário 
dos doutrinadores e nas jurisprudências relacionadas ao tema. 
 
Com o advento da Lei n. 10.803/2003, uma das medidas tomadas pelo 
Estado brasileiro para prevenir e punir a escravidão após a assunção de 
compromisso internacional nesse sentido(26), a definição legal da escravidão 
restou facilitada. Neste momento, o ordenamento jurídico pátrio esclarece, 
objetiva e didaticamente, as hipóteses caracterizadoras do trabalho escravo 
contemporâneo: trabalho forçado; trabalho em jornada exaustiva; trabalho em 
condições degradantes; e trabalho com restrição de locomoção em razão de 
dívidas, ou seja, a atual redação do art. 149 do Código Penal, e que reflete o 
entendimento doutrinário, jurisprudencial e internacional sobre o assunto, 
veio a atender o compromisso assumido pelo governo brasileiro de combater 
o trabalho escravo como forma de grave violação a direitos humanos. 
 
Doutro modo, sob a óptica das autoras Dra. Waldimeiry Correa da Silva e Dra. 
Karine Dantas Góes e Góes,42 a escravidão contemporânea é considerada gênero, 
que se ramifica em oito espécies, quais são: escravidão, tráfico de escravos, trabalho 
forçado, servidão por dívida, servidão rural, matrimônio forçado, exploração infantil e 
tráfico de seres humanos. 
 
Conforme acima explicado, Formas Contemporâneas de Escravidão é um 
conceito aberto que significa o gênero do qual fazem parte oito espécies: a) 
escravidão; b) tráfico de escravos; c) trabalho forçado; d) servidão por dívida; 
e) servidão rural; f) matrimônio forçado; g) exploração infantil; h) tráfico de 
seres humanos. Segue-se a explicação de cada uma delas. Em que pese 
cada uma dessas espécies tenha conceito próprio, é importante destacar que 
o Código Penal Brasileiro tipificou todas essas situações como um só crime: 
redução a condição análoga à de escravo. 
 
 
41 MUNIZ, Thiago. O Trabalho Escravo entre a Arte e a Realidade: a Necessária Superação da 
Perspectiva Hollywoodiana” Brasília, ano XXIV — N. 48 — setembro 2014. Disponível em: 
http://www.anpt.org.br/images/olds/arquivos/revista-MPT-48__anpt23121.pdf . Acesso em 30 nov. 
2020. 
42 SILVA, Waldimeiry Correa da; e Góes, Karine Dantas Góes. Op. Cit. 
28 
 
 
No tocante a escravidão e ao tráfico de pessoas, as autoras, consideram que 
após abolição da escravidão, contemporaneamente, não está necessariamente 
relacionada pautada na ótica da propriedade sobre outrem, tendo em vista que se 
trata de uma premissa impossível conforme preceitua o art. 16 do Pacto Internacional 
sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) promulgado pelo Decreto nº 592, de 
06/07/1992, que se utiliza do texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos 
(DUDH), que prevê o direito de locomoção de toda pessoa, bem como o 
reconhecimento da sua personalidade jurídica.43 No que diz respeito ao tráfico, 
consideram a mercantilização do ser humano. Dessa forma, compreendem que a 
escravidão deve ser analisada levando-se em consideração algumas práticas – 
conforme conceito da Organização das Nações Unidas (ONU) –, quais são: o nível de 
restrição de liberdade imposto, o grau de controle exercido sobre uma pessoa e seus 
pertences pessoais, a existência de consentimento com conhecimento de causa e 
plena compreensão da natureza da relação entre as partes.44 
Conclui-se que o trabalho escravo contemporâneo pode ser compreendido 
como sendo um conjunto de formas degradantes de exploração do trabalhador. Tendo 
em vista que o trabalho é um importante fator social que dignifica os indivíduos, retiraras condições mínimas de trabalho descente submetendo o trabalhador a jornadas 
exaustivas, trabalho forçado, servidão por dívidas é reduzir o trabalho a exploração. 
 
2.3 FORMAS ANÁLOGAS A ESCRAVIDÃO E SUAS PECULIARIDADES 
 
Conforme amplamente discorrido anteriormente, há vários fatores que 
exercem influência sobre o trabalho análogo ao escravo. As cinco principais formas 
de exploração contemporânea do trabalho humano são: trabalho forçado, servidão 
por dívidas, trabalho degradante, a perda da liberdade e a dignidade da pessoa 
humana e jornada exaustiva. 
 
2.3.1 Trabalho Forçado 
 
A Convenção nº 29 da OIT, que versava sobre o trabalho forçado ou 
obrigatório, – posteriormente culminou na promulgação do Decreto Lei nº 41.721, de 
 
43 Id. 
44 Id. 
29 
 
 
25 de junho de 1957, revogado pelo Decreto Lei nº 10.088, de 5 de novembro de 2019, 
que se encontra vigente, recepciona a presente convenção em seu art. 2º, inciso XIV– 
compreende em seu art. 2º, 1 como sendo trabalho forçado: “todo aquele trabalho ou 
serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele 
não se ofereceu de espontânea vontade.” 
É devido evidenciar que a convenção supramencionada, ainda no art. 2º, 2, 
em suas alíneas, exclui da compreensão de trabalho forçado aquele exigido em razão 
do serviço militar nacional, qualquer serviço que faça parte das obrigações cívicas 
normais, todo trabalho ou serviço exigido por meio de condenação judiciária, desde 
que devidamente fiscalizado; bem como qualquer serviço exigido em caso de força 
maior – em caso de guerra declarada, sinistro ou ameaça de sinistro –, por fim, os 
pequenos trabalhos exigidos em razão do cumprimento de obrigações cívicas normais 
dos membros da coletividade.45 
De mesmo modo, é necessário sobressair que o Pacto Internacional sobre 
Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Estado brasileiro por intermédio do Decreto 
Lei nº 592, de 6 de junho de 1992, em seu artigo 8º, §3º, também prevê que ninguém 
será obrigado a realizar trabalho forçado e elenca hipóteses em que não se 
consideram como trabalho forçado.46 
 
45 BRASIL. Decreto-lei nº 10.088, de 5 de novembro de 2019. Consolida atos normativos editados pelo 
Poder Executivo Federal que dispõem sobre a promulgação de convenções e recomendações da 
Organização Internacional do Trabalho - OIT ratificadas pela República Federativa do Brasil. Diário 
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF. 
Art. 2º [...] 2. Entretanto, a expressão “trabalho forçado ou obrigatório” não compreenderá para os fins 
da presente convenção: 
a) qualquer trabalho ou serviço exigido em virtude das leis sobre o serviço militar obrigatório e que só 
compreenda trabalhos de caráter puramente militar; 
b) qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais dos cidadãos de um país 
plenamente autônomo; 
c) qualquer trabalho ou serviço exigido de um indivíduo como consequência de condenação 
pronunciada por decisão judiciária, contanto que esse trabalho ou serviço seja executado sob a 
fiscalização e o controle das autoridades públicas e que o dito indivíduo não seja posto à disposição de 
particulares, companhias ou pessoas morais privadas; 
d) qualquer trabalho ou serviço exigido nos casos de força maior, quer dizer, em caso de guerra, de 
sinistro ou ameaças de sinistro, tais como incêndios, inundações, fome, tremores de terra, epidemias, 
e epizootias, invasões de animais, de insetos ou de parasitas vegetais daninhos, e em geral todas as 
circunstâncias que ponham em perigo a vida ou as condições normais de existência, de toda ou de 
parte da população; 
e) pequenos trabalhos de uma comunidade, isto é, trabalhos executados no interesse direto da 
coletividade pelos membros desta, trabalhos que, como tais, podem ser considerados obrigações 
cívicas normais dos membros da coletividade, contanto que a própria população ou seus 
representantes diretos tenham o direito de se pronunciar sobre a necessidade desse trabalho. 
46 BRASIL. Decreto-lei nº 592, de 6 de junho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre 
Direitos Civis e Políticos. Promulgação.Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF. 
3. a) Ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios; 
 
30 
 
 
Dessa forma, com base na conceituação utilizada pela OIT, verifica-se que o 
trabalho forçado está intimamente relacionado a escravidão, em virtude da sua 
similaridade com as duas principais formas. De acordo com a Dra. Marlene, o trabalho 
forçado deve ser considerado através da análise de dois grupos o trabalho imposto 
na forma de ameaça de punição, também aquele imposto involuntariamente.47 
No que se refere ao trabalho imposto sob ameaça, a autora, Marlene T. 
Fuverki Suguimatsu, pondera tratar-se de um tipo abrangente, que pode se manifestar 
de forma extrema, como por exemplo perda de direitos, privilégios, ameaça de 
violência, confinamento e até morte; e de forma mais sutil como coação psicológica, 
por meio de ameaças, levando o trabalhador a ter receio do o empregador pode fazer, 
bem como em relação à questões financeiras, ameaças de demissão e não 
pagamento de salário, visando coagir o trabalhador para impor o trabalho. 
 
O elemento ‘ameaça de punição’ é abrangente. Inclui perda de direitos e 
privilégios e pode assumir formas mais extremas, como ameaça de violência 
e confinamento, ou mesmo de morte. Manifesta-se também por formas sutis, 
de natureza psicológica, como ameaças de denúncias, especialmente 
quando a vítima guarda algum receio, como no caso de imigrante ilegal, e de 
natureza financeira, a exemplo de penas relacionadas com dívidas, não 
pagamento de salários, perda de salários com ameaça de demissão, como é 
o caso de recusa do empregado em executar horas extras além do previsto 
no contrato ou em lei. Ainda, situações em que o contratante exige dos 
trabalhadores documentos pessoais, com ameaça posterior de confisco, tudo 
com o objetivo de impor trabalho forçado. 
 
No que diz respeito ao trabalho forçado imposto involuntariamente, refere-se 
a falta de consentimento do trabalhador, pode ser entendida pela escravidão por 
nascimento e servidão por dívidas, podendo incluir rapto, sequestro, venda de 
 
b) A alínea a) do presente parágrafo não poderá ser interpretada no sentido de proibir, nos países em 
que certos crimes sejam punidos com prisão e trabalhos forçados, o cumprimento de uma pena de 
trabalhos forçados, imposta por um tribunal competente; 
c) Para os efeitos do presente parágrafo, não serão considerados "trabalhos forçados ou obrigatórios": 
i) qualquer trabalho ou serviço, não previsto na alínea b) normalmente exigido de um indivíduo que 
tenha sido encarcerado em cumprimento de decisão judicial ou que, tendo sido objeto de tal decisão, 
ache-se em liberdade condicional; 
ii) qualquer serviço de caráter militar e, nos países em que se admite a isenção por motivo de 
consciência, qualquer serviço nacional que a lei venha a exigir daqueles que se oponham ao serviço 
militar por motivo de consciência; 
iii) qualquer serviço exigido em casos de emergência ou de calamidade que ameacem o bem-estar da 
comunidade; 
iv) qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais. 
47 SUGUIMATSU, Marlene T. Fuverki. Condições De Existência Digna, Direitos Mínimos Do 
Trabalhador e o Paradoxo Do Trabalho Escravo ou em Situação Análoga a de Escravidão. 
Disponível em: https://www.trt9.jus.br/portal/arquivos/1606582. Acesso em 30 nov. 2020. 
31 
 
 
pessoas, confinamento, coação psicológica, falsas promessas, retenção de 
documentos, dentre outras.48 
Faz-se necessário salientar que em termos práticos a diferenciação entre a 
erradicação do trabalho escravo e abolição do trabalho forçado, é importante para não 
incorrer na transgressão de competências organizacionais. Compete a ONU buscar 
pela erradicação do trabalho escravo e, competea OIT, a abolição do trabalho 
forçado.49 
 
2.3.2 Servidão por Dívidas 
 
Segundo a Convenção Suplementar Sobre Abolição da Escravatura, do 
Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura, que ocorreu 
em Genebra no ano de 1956, recepcionada pela legislação brasileira por meio do 
Decreto Lei nº 58.563, de 1 de junho de 1966, que traz o conceito de servidão por 
dívida em seu art. 1º, a, como sendo em suma o estado ou condição em que um 
trabalhador se compromete a fornecer seus serviços pessoais ou de outrem que lhe 
detenha autoridade, como garantia de uma dívida.50 
No âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, a CLT traz consigo, em seu 
artigo 462, §§2º e 3º, a vedação expressa ao sistema de servidão por dívidas.51 
 
48 Id. 
49 CRUZ, Claudia Ferreira. Trabalho forçado e trabalho escravo no Brasil: diferença conceitual e a 
busca da eficácia em seu combate. 289 f. Dissertação (Doutorado em Direito) – Direito do Trabalho, 
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: 
https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/6109/1/Claudia%20Ferreira%20Cruz.pdf . Acesso em 30 
nov. 2020. 
50 BRASIL. Decreto-lei nº 58. 563, de 1 de junho de 1996. Promulga e Convenção sobre Escravatura 
de 1926 emendada pelo Protocolo de 1953 e a Convenção Suplementar sobre a Abolição da 
Escravatura de 1956.Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF. 
Artigo 1º [...] a) A servidão por dívidas, isto é, o estado ou a condição resultante do fato de que um 
devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou os 
de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços não for equitativamente avaliado 
no ato da liquidação de dívida ou se a duração desses serviços não for limitada nem sua natureza 
definida; 
51 Art. 462 Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo 
quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo. [...] 
§2º. É vedado à empresa que mantiver armazém para venda de mercadorias aos empregados ou 
serviços destinados a proporcionar-lhe prestações in natura exercer qualquer coação ou induzimento 
no sentido de que os empregados se utilizem do armazém ou dos serviços. 
§ 3º Sempre que não for possível o acesso dos empregados a armazéns ou serviços não mantidos 
pela empresa, é lícito à autoridade competente determinar a adoção de medidas adequadas, visando 
que as mercadorias sejam vendidas e os serviços prestados a preços razoáveis, sem intuito de lucro e 
sempre em benefício dos empregados. 
32 
 
 
As autoras Dra. Waldimeiry Correa da Silva e Dra. Karine Dantas Góes e 
Góes, consideram como elementos constitutivos da servidão por dívida além do 
fornecimento de mão de obra como garantia de pagamento de uma dívida, a 
quantificação do serviço prestado e a duração do trabalho.52 
 
Verifica-se então que os elementos constitutivos da servidão por dívida são: 
a) fornecimento de mão de obra em garantia de uma dívida; b) quantificação 
desarrazoada do valor do serviço prestado; c) duração do trabalho sem limite 
de prazo ou natureza do serviço indefinida. 
 
No Brasil, os casos de servidão por dívida, são comumente observados em 
regiões afastadas dos grandes centros – em especial na região centro-oeste, nordeste 
e norte –, onde se verificam o labor por trabalhadores alicerceados. Nos presentes 
casos o aliciamento dos trabalhadores é geralmente voltado para grandes fazendas 
destinadas à pecuária, carvão vegetal e plantações, há a figura do aliciador – 
popularmente chamado de “gato” – que recruta estes obreiros e faz o transporte até o 
destino de exploração. 
Na Revista Labor, publicada pelo MPT, relata o trabalho de resgate realizado 
pelo auditor fiscal Paulo César Lima, Curicaca (seu apelido), discorrendo sobre sua 
vivência como auditor nos resgates realizados no interior do nordeste brasileiro e faz 
ponderações relevantes sobre a gravidade da violência envolvida, bem como da 
necessidade de políticas públicas efetivas como forma de solução do grande problema 
que é a servidão por dívida. 
 
Curicaca andou em fazenda que tinha dez peões e até em algumas com 1,8 
mil. “A gravidade não está na quantidade de trabalhadores escravizados, mas 
na violência envolvida.” Ele explica que a escravidão por dívida é a mais 
palpável, pois você pega o caderno do gato e fica sabendo quem trouxe quem 
e como trouxe. “É um novelo, do qual só se sabe o começo, mas não se 
conhece o fim.” 
Para ele, se o governo não educar, não promover a reforma agrária e não 
fizer leis mais rígidas, nada terá adiantado. “Esta é a solução: educar, criar 
empregos e resolver o problema da terra.” 
 
Um acontecimento emblemático que ganhou destaque na mídia nacional foi 
do Sr. Raimundo Souza Pinto, aliciador, que em depoimento ao MPT, delatou o 
 
52 FARHAT, Rodrigo. Auditor fiscal do Trabalho, Curicaca conta como resgatava trabalhadores 
em fazendas do Pará. REVISTA Labor – Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasília, ano I, nº 
1, 2013. Trabalho Escravo um problema do Brasil contemporâneo. Acesso em 28 nov. 2020. 
 
33 
 
 
esquema de aliciamento dos trabalhadores, no Município de Sapezal no Estado do 
Mato Grosso, revelando detalhes de como se dava o aliciamento e servidão por 
dívidas advinda dos serviços prestados aos fazendeiros.53 
 
2.3.3 Trabalho Degradante 
 
O trabalho degradante pode ser verificado como um conjunto de fatores que 
vão contra um ambiente saudável de trabalho, a saúde do trabalhador e que vai muito 
além do mero descumprimento dois preceitos legais, pois por alijar direitos humanos 
básicos, reduzindo o trabalhador apenas ao produto do seu trabalho. O trabalho 
degradante é verificado não somente com a restrição da liberdade de locomoção, 
também a coação, humilhação e exploração do trabalhador. Podem ser alguns 
indicativos do trabalho degradante: péssimas condições de alojamento, alimentação, 
higiene, segurança, ambientes insalubres, inobservância de condições mínimas de 
trabalho. 
Conforme Orientação nº 4 da CONAETE – Coordenadoria Nacional de 
Erradicação do Trabalho Escravo –, considera-se condições degradantes de trabalho 
aquelas que desprezam a dignidade da pessoa humana e descumprem direitos 
fundamentais dos trabalhadores, notadamente fatores de higiene, segurança, 
alojamento, alimentação e inerentes aos direitos de personalidades, por exemplo, a 
sujeição.54 
 
ORIENTAÇÃO 04/CONAETE 
 Condições degradantes de trabalho são as que configuram desprezo à 
dignidade da pessoa humana, pelo descumprimento dos direitos 
fundamentais do trabalhador, em especial os referentes a higiene, saúde, 
segurança, moradia, repouso, alimentação ou outros relacionados a direitos 
da personalidade, decorrentes de situação de sujeição que, por qualquer 
razão, torne irrelevante a vontade do trabalhador. 
 
 
53_____. Gato conta detalhes ao MPT sobre o aliciamento de mão-de-obra em Sapezal (MT). 
Disponível em: https://correio-forense.jusbrasil.com.br/noticias/85175/gato-conta-detalhes-ao-mpt-
sobre-o-aliciamento-de-mao-de-obra-em-sapezal-
mt#:~:text=Os%20artigos%20149%20%2C%20203%20e,a%20trabalhos%20for%C3%A7ados%20ou
%20%C2%AA. Acesso em 24 nov. 2020. 
54 MENEZES, Flávia F. J.; MIZIARA, Raphael. MPT e suas Coordenadorias Temáticas. Disponível 
em: https://www.editorajuspodivm.com.br/cdn/arquivos/a1c33eea71cb3295da66dd4bdc3357e1.pdf. 
Acesso em 28 nov. 2020. 
34 
 
 
Carlos Henrique Borlido Haddad, por meio da análise dos aspectos penais do 
trabalho escravo, utiliza do conceito de degradação – que consiste no rebaixamento, 
indignidade ou aviltamento de algo – para compreender trabalho degradante levando 
em consideração o que preceitua a legislação trabalhista.55 
 
Degradação significa rebaixamento, indignidade ou aviltamento de algo. O 
tipo penal é aberto e cabe ao magistrado aferir o que seriam condições 
degradantes detrabalho elemento normativo cheio de significados. O norte 
mais seguro a ser seguido é o recurso à legislação trabalhista, que disciplina 
as condições mínimas apropriadas ao trabalho humano. 
 
Em que pese há alguns indicativos marcantes que identificam a relação de 
trabalho como sendo um trabalho degradante, desprende uma análise casuísta e 
minuciosa para que se constate a presença dos elementos que caracterizam o 
trabalho degradante. O autor faz um destaque bastante importante neste ponto, tendo 
em vista que a para aplicação do dispositivo penal que criminaliza a condição análoga 
à escravidão, não basta qualquer constrangimento decorrente de irregularidades no 
ambiente laboral para que esteja configurado o trabalho degradante.56 
 
Por outro lado, não é qualquer constrangimento gerado por irregularidades 
nas relações laborais que determina a incidência do dispositivo. Por 
condições degradantes entendem-se as aviltantes ou humilhantes, não 
apenas em geral consideradas, mas também em face das condições 
pessoais da vítima, que afronta a sua dignidade. Trabalho degradante 
apresenta conceito negativo, pois é aquele a que faltam condições mínimas 
de saúde e segurança, moradia e higiene, respeito e alimentação. Nessas 
circunstâncias, negam-se direitos básicos ao trabalhador, transformando-o 
em coisa e lhe atribuindo preço, sempre o menor possível. Trabalho 
degradante é aquele que priva o trabalhador de dignidade, que o 
desconsidera como sujeito de direitos, que o rebaixa e prejudica, e em face 
de condições adversas, deteriora sua saúde mental (Andrade, 2006, p.13) 
 
É possível verificar que análise mencionada anteriormente é feita caso a caso, 
conforme acórdão proferido no Inquérito nº 3.412, pelo Supremo Tribunal Federal, 
onde se reconheceu a existência dos pressupostos do Código Penal para 
enquadramento de trabalho degradante e jornada exaustiva, por conseguinte, o 
 
55 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. Privação de liberdade ou atentado à dignidade: escravidão 
contemporânea. Ed. 1 – Rio de Janeiro: Mauad X, 2013.Disponível em: 
https://books.google.com.br/books?hl=pt-
BR&lr=lang_pt&id=UIkQBAAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT72&dq=conceito+de+trabalho+degradante&ots=k
VkyDqLjMi&sig=C5IhglIo1ZIoOnkwax0wXEwMRB4#v=onepage&q=conceito%20de%20trabalho%20d
egradante&f=false. Acesso em 30 nov. 2020. 
56 Id. 
35 
 
 
recebimento da denúncia. Na peça vestibular o Ministério Público Federal narra as 
situações fáticas encontradas uma propriedade rural no Estado de Alagoas, em que 
os trabalhadores se encontravam em péssimas condições de trabalho, higiene, 
alimentação, transporte, alojamento, bem como sob jornadas extraordinárias. 
Conforme voto da redatora designada, Ministra Rosa Weber, estão presentes 
elementos que ensejam o recebimento da denúncia. 
 
Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade, tratando-o como coisa 
e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, 
mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, 
inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno 
impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre 
determinação. Isso também significa “reduzir alguém a condição análoga à 
de escravo”. 
Exemplificando, não há registro no caso presente de que algum dos 
trabalhadores tenha sido proibido de abandonar o seu trabalho, mas não 
tenho dúvidas de que eles não persistiriam trabalhando em condições 
degradantes ou exaustivas se dispusessem de alternativas. Ser escravo é 
não ter domínio sobre si mesmo. 
Por evidente, não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura 
trabalho escravo. 
Mas se a afronta aos direitos assegurados pela legislação regente do trabalho 
é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são 
submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições 
degradantes, é possível, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do 
Código Penal, pois conferido aos trabalhadores tratamento análogo ao de 
escravos, com a privação de sua liberdade e de sua dignidade, mesmo na 
ausência de coação direta contra a liberdade de ir e vir.57 
 
Ao analisar o conjunto dos elementos que caracterizam o trabalho 
degradante, verifica-se que está diretamente ligado com o princípio da dignidade da 
pessoa humana, tendo em vista que se configurado afronta diretamente o preceito 
constitucional basilar. 
 
 
 
 
 
57 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inquérito Penal n. 3.412 Alagoas. Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO 
FEDERAL. Rel. Marco Aurélio. Brasilia, DF, 20 de fevereiro de 2012. Diário da Justiça, Brasilia, 12 de 
novembro de 2012. Disponível em: 
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3076256 . Acesso em 01 dez. 
2020. 
36 
 
 
2.3.4 A Perda da Liberdade e a Dignidade da Pessoa Humana 
 
Para Ney de Barros Bello Filho – Juiz Federal, Doutor em Direito, Professor 
da UFMA e Vice-Presidente do Instituto “O Direito por um Planeta Verde” –, a 
dignidade da pessoa humana não se trata tão somente de um direito subjetivo de 
matriz constitucional, mas da tradução de diversos princípios fundamentais, que os 
consolida ao longo dos tempos.58 
 
Neste sentido, forçoso reconhecer que o direito subjetivo ao ambiente, de 
matriz constitucional, não se fundamenta exclusivamente na dignidade da 
pessoa humana, mas em toda uma gama de princípios fundamentais, 
implícitos ou explícitos, expressos ou decorrentes. 
Por outro lado, embora não seja o único fundamento material de direitos 
fundamentais, a DPH – dignidade da pessoa humana – representa o seu mais 
forte arrimo, na medida em que traz consigo a consubstanciação de todos os 
conteúdos que tornaram possíveis os discursos de direitos fundamentais 
consolidados através dos tempos. 
 
Conforme o que compreende Ingo Wolfgang Sarlet, uma das principais 
dificuldade me conceituar a dignidade humana, está no fato dela ser inerente a todo 
ser humano e passou a ser conceituada como um valor próprio que identifica o ser 
humano.59 
Uma das principais dificuldades, todavia – e aqui recolhemos a lição de 
Michael Sahs – reside no fato de que no caso da dignidade da pessoa 
humana, diversamente do ocorre com as demais normas jurisfundamentais, 
não se cuida de aspectos mais ou menos específicos da existência humana 
(integridade física, intimidade, vida, propriedade, etc.) mas, sim, de uma 
qualidade tida como inerente a todo e qualquer ser humano, de tal sorte que 
a dignidade – como já estou evidenciado – passou a ser habitualmente 
definida como constituindo o valor próprio que identifica o ser humano como 
tal, definição esta que, todavia, acaba por não contribuir muito para uma 
compreensão satisfatória do que do que efetivamente é o âmbito de proteção 
da dignidade, na sua condição jurídico-normativa. 
 
 
58 FILHO, Ney de Barros Bello. Dignidade da Pessoa Humana e o Direito Fundamental ao 
Ambiente. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-
unimep/index.php/cd/article/view/1428. Acesso em: 25 nov. 2020. 
59 SARLT. Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição 
Federal de 1988. Disponível em: 
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3090538/mod_resource/content/1/SARLET%2C%20Ingo%20
Wolfgang.%20Dignidade%20da%20pessoa%20humana%20e%20direitos%20fundamentais.pdf. 
Acesso em 30 nov. 2020. 
37 
 
 
Em prima face o princípio da dignidade da pessoa humana está assegurado 
no ordenamento jurídico brasileiro no art. 1º, III da Constituição Federal60, também é 
possível de verificar sua influência em diversos artigos ao longo da Constituição. A 
dignidade humana no que tange as relações de trabalho encontra-se sedimentada 
nos princípios basilares traduzidos notadamente nos artigos no art. 5º, inc. III, X, XIII, 
XV, XLVII, alínea c61, bem como em todos os incisos do art. 7º, com destaque ao 
inciso IV, que trata do salário-mínimo nacional e reconhece a remuneração

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