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2020-dis-evalmeida

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ 
FACULDADE DE EDUCAÇÃO 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO 
 
 
 
 
 
 
ELAINE VIEIRA DE ALMEIDA 
 
 
 
 
 
 
A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE PROFESSORES DO CICLO DE 
ALFABETIZAÇÃO SOBRE O LETRAMENTO: ANALISANDO SENTIDOS E 
POSICIONAMENTOS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FORTALEZA 
2020 
 
ELAINE VIEIRA DE ALMEIDA 
 
 
 
 
 
 
 
A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE PROFESSORES DO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO 
SOBRE O LETRAMENTO: ANALISANDO SENTIDOS E POSICIONAMENTOS 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade 
Federal do Ceará, como requisito parcial à 
obtenção do título de Mestre em Educação. 
Área de concentração: Oralidade, leitura e 
escrita. 
 
Orientador: Prof. Dr. Messias Holanda Dieb. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FORTALEZA 
2020 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ELAINE VIEIRA DE ALMEIDA 
 
 
 
 
 
 
A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE PROFESSORES DO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO 
SOBRE O LETRAMENTO: ANALISANDO SENTIDOS E POSICIONAMENTOS 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade 
Federal do Ceará, como requisito parcial à 
obtenção do título de Mestre em Educação. 
Área de concentração: Oralidade, leitura e 
escrita. 
 
Aprovada em: ___/___/______. 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
________________________________________ 
Prof. Dr. Messias Holanda Dieb (Orientador) 
Universidade Federal do Ceará (UFC) 
 
 
_________________________________________ 
Profa. Dra. Adriana Leite Limaverde Gomes 
Universidade Federal do Ceará (UFC) 
 
 
_________________________________________ 
Prof. Dr. Lucineudo Machado Irineu 
Universidade Federal do Ceará (UFC) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aos meus filhos, Helena e Levi, por me 
inspirarem uma evolução diária e afetuosa. 
Aos meus pais, Ari e Georgina, por sempre 
acreditarem em mim. 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
A Deus, que em sua infinita bondade, esteve ao meu lado nesta caminhada, me 
encorajando e me apoiando nos momentos de fraqueza. 
À minha mãe, Georgina, que me ensinou sobre o amor e sobre amar. Sua força e fé 
me ampararam nesta trajetória e foram fundamentais para a conclusão deste tão almejado 
trabalho. 
Ao meu pai, Ari, fonte de inspiração pela integridade e amor sempre demonstrados 
em sua história de vida. 
Aos meus filhos, Levi e Helena, que me inspiram diariamente a ser a melhor versão 
de mim. Vocês me fazem acreditar nos sonhos! 
Ao meu companheiro, Eduardo, pelo incentivo e apoio no enfrentamento das 
dificuldades advindas do cotidiano. 
À minha sogra, Áurea Rodrigues, pelo suporte e incentivo diários, sempre vibrando 
com minhas pequenas conquistas. 
Às minhas amigas Rayssa e Viviane, por me inspirarem desde a graduação sobre 
companheirismo e sororidade. 
Às minhas parceiras de jornada na pós-graduação, Ana Néo e Larissa Almeida, pelo 
acolhimento e partilha de saberes. Obrigada pelas conversas esclarecedoras e os risos inerentes 
às amizades que engrandecem. 
Aos meus colegas do grupo Grafí – Laboratório de Estudos da Escrita - pelas 
construções coletivas de fortalecimento do “eu” pela presença do “outro”. Em especial, ao meu 
companheiro de idas à campo, Matheus Mariano, pela parceria e compromisso demonstrados. 
Ao meu querido orientador Prof. Dr. Messias Dieb, pela generosidade e afeto 
imbricados em cada ensinamento. Sou grata por tornar esta caminhada tão leve, inspiradora e 
cheia de beleza. 
Aos professores Doutores Adriana Leite Limaverde e Lucineudo Machado Irineu 
pelas valorosas contribuições desde a elaboração inicial deste trabalho, e que se consolidam 
nesta honrosa banca examinadora. 
Aos professores alfabetizadores do Distrito de Educação 6, pela disponibilidade, 
pelas conversas e partilha de olhares afetuosos sobre a experiência de ensinar a ler e escrever. 
Às formadoras do Distrito de Educação 6, Michele Gomes e Suzy Barbosa por 
abrirem as portas de suas salas de aula me recebendo com generosidade e parceria. 
Aos gestores Luís César Ribeiro e Maria da Penha Alves, pelo respeito e 
 
sensibilidade com que viabilizaram a construção da minha identidade de pesquisadora no 
cotidiano da escola. 
Aos meus colegas da Célula de Formação de Professores, pelos ensinamentos 
diários sobre a importância do respeito ao professor. 
À Secretaria Municipal da Educação de Fortaleza por oportunizarem a realização 
desta pesquisa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
[...] Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa 
válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 da tarde, que vai lá 
fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai. Mas eu preciso ser 
Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas. 
 
 Manoel de Barros 
 
RESUMO 
 
O presente estudo buscou analisar a representação social sobre o letramento de professores do 
ciclo de alfabetização de Fortaleza - CE. Para isto, buscamos, inicialmente, descrever a estrutura 
organizacional dos elementos que compõem os sistemas central e periférico da representação 
social dos professores sobre o letramento, estabelecer significações para os elementos da 
representação social dos professores sobre o letramento a partir da posição que eles ocupam 
nos seus sistemas central e periférico, bem como relacionar a estrutura organizacional dos 
sistemas central e periférico da representação dos professores com os posicionamentos destes 
acerca do ensino do letramento. Baseamo-nos nos pressupostos da Teoria das Representações 
Sociais de Moscovici (1978), fundamentando-nos nas abordagens de Abric (1994; 2001), 
Flament (1994) e Doise (2001), recorrendo ainda, a alguns pressupostos de Denise Jodelet 
(2001). Também utilizamos contribuições de Soares (2005; 2017), Kleiman (2008) e Mortatti 
(2004) sobre o conceito de letramento e suas diferentes significações, sob a perspectiva dos 
Novos Estudos do Letramento – NEL (STREET, 1984; 2000; 2014). A investigação é de 
natureza qualitativa, ainda que tenhamos utilizado alguns procedimentos quantitativos para 
delinear cenários cujos dados numéricos contribuam de forma complementar. Os instrumentos 
e técnicas usados se baseiam na Teoria do Núcleo Central (ABRIC, 2001; 2003), sendo eles: a 
associação livre de palavras, a hierarquização de itens, a técnica do questionamento, além de 
entrevistas semiestruturadas com professores do ciclo de alfabetização de Fortaleza – CE. Os 
resultados obtidos sugerem que, para esses professores, ser letrado implica construir um 
conhecimento acerca do mundo social a partir da apropriação da leitura, enquanto atividade de 
apropriação das convenções do sistema de escrita alfabética. Essa compreensão se deu após 
identificarmos conhecimento/leitura de mundo como sendo o elemento principal dentro do 
núcleo central da RS e os termos fazer uso social e compreensão como seus elementos adjuntos, 
seguidos pelas evocações leitura e alfabetização como sendo a entrada do sistema periférico. 
A instabilidade desses dois últimos termos e as particularizações semânticas apresentadas pelos 
sentidos atribuídos distanciaram essas cognições da centralidade da representação. Com base 
nessa organização semântica, identificamos dois grandes posicionamentos trazidos pelos 
professores em relação ao ensino do letramento: letramento como “linha de partida” e 
letramento como “linha de chegada”. De acordo com o primeiro, o ensino do letramento se faz 
a partir da valorização dos conhecimentos prévios dos alunos, vistos como uma “caixa de 
elementos” necessários para a aprendizagem da escrita. Já o segundo, sugere o ensinodo 
letramento como uma lente para ver o mundo, sendo isto uma linha de chegada na aprendizagem 
 
da escrita. Diante disso, concluímos que a representação social dos professores sobre o 
letramento, guiados pelo elemento central – conhecimento/leitura de mundo - atende às 
demandas funcionais relacionadas ao contexto de respostas às metas de proficiência 
estabelecidas pelo sistema de avaliação da rede municipal de Fortaleza - CE. Esses sentidos, 
particularizados pelos sujeitos, endossam um “alfabetizar letrando” constituído na dissociação 
entre os processos de alfabetização e letramento, sendo o domínio do sistema de escrita 
alfabética uma fase inicial e o uso social da leitura e da escrita algo a se alcançar no final do 
processo. 
 
Palavras-chave: Letramento. Representações Sociais. Professores alfabetizadores. 
 
ABSTRACT 
 
This study aimed to analyze the social representation on the literacy of teachers in the literacy 
cycle of Fortaleza - CE. For this, we sought to describe initially describe the organizational 
structure of the elements that make up the central and peripheral systems of the social 
representation of teachers about literacy, establish meanings for the elements of teachers’ social 
representation about literacy from the position they occupy in their central and peripheral 
systems, as well as to relate the organizational structure of the central and peripheral systems 
of the representation of teachers with the positions of these about the teaching of literacy. We 
are based on the assumptions of Moscovici's Theory of Social Representations (1978), based 
on the approaches of Abric (1994; 2001), Flament (0000) and Doise (2001), also using some 
assumptions of Denise Jodelet (2001). We also used contributions from Soares (2005; 2017), 
Kleiman (2008) and Mortatti (2004) on the concept of literacy and its different meanings, from 
the perspective of the New Studies of Literacy – NEL (STREET, 1984; 2000; 2014). The 
research is qualitative in nature, although we have used some quantitative procedures to outline 
scenarios whose numerical data contribute in a complementary way. The instruments and 
techniques used are based on the Central Nucleus Theory (ABRIC, 2001; 2003), which is: the 
free association of words, the hierarchization of items, the questioning technique, as well as 
semi-structured interviews with teachers of the literacy cycle of Fortaleza - CE. The results 
obtained suggest that, for these teachers, being literate implies building a knowledge about the 
social world from the appropriation of reading, as an activity of appropriation of the 
conventions of the alphabetic writing system. This understanding occurred after identifying 
world knowledge/reading as being the main element within the central nucleus of RS and the 
terms make social use and understanding as its adjunct elements, followed by the evocations 
reading and literacy as being the entrance of the peripheral system. The instability of these last 
two terms and the semantic particularizations presented by the assigned meanings distanced 
these cognitions from the centrality of representation. Based on this semantic organization, we 
identified two major positions brought by teachers in relation to the teaching of literacy: literacy 
as "starting line" and literacy as "finish line". According to the first, the teaching of literacy is 
made from the valorization of the students' previous knowledge, seen as a "box of elements" 
necessary for the learning of writing. The second suggests the teaching of literacy as a lens to 
see the world, this being a finish line in the learning of writing. Therefore, we conclude that the 
social representation of teachers on literacy, guided by the central element - knowledge/reading 
of the world - meets the functional demands related to the context of responses to proficiency 
 
goals established by the evaluation system of the municipal network of Fortaleza - CE. These 
meanings, individualized by the subjects, endorse a "literacy literacy" constituted in the 
dissociation between the processes of literacy and literacy, and the mastery of the alphabetic 
writing system is an initial phase and the social use of reading and writing something to be 
achieved at the end of the process. 
 
Keywords: Literacy. Social representations. Literacy teachers. 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
Figura 1 − Esquema didático da base teórico-prática da Proposta Didática para 
Alfabetizar Letrando (PDAL).......................................................................... 63 
Figura 2 − Organização prévia da RS sobre a formação docente...................................... 65 
Figura 3 − Distribuição conjunta do percentual das respostas de refutação...................... 70 
Figura 4 − Organização da RS sobre o letramento............................................................ 75 
 
LISTA DE TABELAS 
 
Tabela 1 − Evocações com frequência acima de (10)...................................................... 61 
Tabela 2 − Hierarquização dos termos mais evocados.................................................... 62 
Tabela 3 − Distribuição geral dos resultados do questionamento.................................... 67 
Tabela 4 − Ordem de centralidade................................................................................... 71 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
ADR Avaliação Diagnóstica da Rede 
BNCC Base Nacional Comum Curricular 
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 
CEALE Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita 
DCRC Documento Curricular Referencial do Ceará 
DE Distrito de Educação 
EJA Educação de Jovens e Adultos 
GEEMPA Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação 
MEC Ministério da Educação 
NEL Novos Estudos de Letramento 
PAIC Programa de Alfabetização na Idade Certa 
PDAL Proposta Didática para Alfabetizar Letrando 
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais 
PNA Política Nacional de Alfabetização 
RS Representação Social 
SAEF Sistema de Avaliação do Ensino Fundamental 
SEA Sistema de Escrita Alfabética 
SEDUC Secretaria de Educação do Estado do Ceará 
SME Secretaria Municipal de Educação 
SPAECE Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará 
SPAECE - Alfa Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará com 
ênfase na alfabetização 
TALP Técnica da Associação Livre de Palavras 
TRS Teoria das Representações Sociais 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 APROXIMAÇÃO COM O TEMA................................................................... 14 
1.1 Concepções de letramento e alfabetização....................................................... 20 
1.2 Representações acerca do ensino e aprendizagem da língua escrita............. 22 
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA..................................................................... 26 
2.1 Letramento: a construção de um conceito....................................................... 26 
2.2 Teoria das representações sociais: de Durkheim à Moscovici........................ 33 
2.2.1 Afinal, o que é uma representação social?....................................................... 39 
2.2.2 Representações sociais: construindo uma teoria............................................. 41 
2.2.2.1 Abordagem dimensional.................................................................................... 41 
2.2.2.2 Abordagem processual, genética ou dinâmica................................................. 42 
2.2.2.3 Abordagem societal............................................................................................ 45 
3 METODOLOGIA.............................................................................................. 48 
3.1 Tipo de pesquisa................................................................................................. 48 
3.2 Os sujeitos e o lócus da pesquisa.......................................................................50 
3.3 A montagem dos corpora e a análise das evocações........................................ 52 
3.4 A análise dos dados construídos a partir das entrevistas............................... 59 
4 A REPRESENTAÇÃO SOBRE O LETRAMENTO E A ESTRUTURA 
ORGANIZACIONAL DE SEUS ELEMENTOS CONSTITUINTES.......... 60 
4.1 Os elementos do campo de representação........................................................ 60 
4.1.1 A emergência dos termos..................................................................................... 60 
4.1.2 A conexidade entre os elementos da RS............................................................. 64 
4.1.3 O questionamento e o princípio de refutação: a inegociabilidade dos 
termos.................................................................................................................. 66 
4.2 Os posicionamentos do grupo acerca do ensino do letramento....................... 78 
4.2.1 Letramento como “linha de partida”.................................................................. 79 
4.2.1.1 Valorizando os conhecimentos prévios das crianças........................................... 79 
4.2.1.2 O ensino do letramento como “caixa de elementos” para a aprendizagem da 
escrita.................................................................................................................. 82 
4.2.2 Letramento como “linha de chegada”................................................................ 86 
4.2.2.1 O ensino do letramento é uma lente para ver o mundo....................................... 87 
4.2.2.2 As crianças precisam cruzar a linha de chegada................................................ 90 
 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 94 
5.1 Pontos essenciais do trabalho............................................................................ 94 
5.2 Implicações da pesquisa..................................................................................... 96 
5.3 Sugestões de continuidade da pesquisa............................................................ 98 
 REFERÊNCIAS................................................................................................. 100 
 ANEXO A - TÉCNICA DA ASSOCIAÇÃO LIVRE DE PALAVRAS.......... 107 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
14 
1 APROXIMAÇÃO COM O TEMA 
 
Nos últimos anos o Brasil tem avançado no acesso e democratização da escola, na 
qual políticas públicas têm sido implementadas no sentido de garantir que crianças tenham seus 
direitos educacionais garantidos. Entretanto, ainda não podemos nos orgulhar ao avaliar a 
qualidade da educação oferecida a esses estudantes, especialmente aqueles que compõem as 
classes populares. Portanto, pontos de inquietude nesse cenário se tornam sobressalentes no 
cotidiano de quem vivencia o processo de ensino da leitura e da escrita. Seria o ambiente escolar 
favorável para a aprendizagem da língua materna? Que métodos usar? Estamos explorando 
língua em todas as suas facetas, significados e sentidos? (SOARES, 2017) 
Nesse contexto, entendemos que a escola, principal agência de letramento 
(KLEIMAN, 2007), ainda apresenta dificuldades em proporcionar a aprendizagem da leitura e 
da escrita como prática social (STREET, 1984), ou seja, nossas crianças ainda parecem não 
estar aprendendo a língua na perspectiva do letramento. Em meio a esta problemática, encontra-
se o professor alfabetizador, um dos principais atores sociais desse processo e, por vezes, o 
menos ouvido quando mudanças são implementadas no ciclo de alfabetização1. 
No Brasil, assim como em outros lugares do mundo, buscou-se, no final do século 
XIX, democratizar o acesso à educação na perspectiva de atender a agenda internacional de 
implementação de novas ordens sociais e econômicas. Logo, aprender a ler e a escrever tornou-
se uma necessidade para garantir o bom funcionamento das sociedades e, consequentemente, 
os novos ofícios e a necessidade de comunicar-se com base na escrita trouxeram uma “nova 
roupagem” à alfabetização. Já não se concebia como alfabetizado apenas o sujeito que escrevia 
o próprio nome ou conhecia as sílabas simples de algumas palavras. 
Diante deste cenário, tornou-se necessário que o indivíduo marcasse sua posição 
social através da escrita. Esperava-se desse sujeito que, por meio dessa tecnologia, 
compreendesse as demandas de seus pares e que modificasse, por vezes, a sua condição social, 
movimentando-se dentro de seus grupos (STREET, 1984). Fazia-se, portanto, necessário 
alfabetizar este sujeito na perspectiva do letramento ou, como sugerido por Soares (2011), 
alfabetizar letrando. 
 
1 Os ciclos de alfabetização foram criados pelo Ministério da Educação (MEC) entre 2004 e 2006, tendo em vista 
a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos em todo o país, em decorrência da Lei 11.274, de 06/02/2006. 
O ciclo de alfabetização nos anos iniciais do Ensino Fundamental é compreendido como um tempo sequencial de 
três anos, ou seja, sem interrupções, por se considerar, pela complexidade da alfabetização, que raramente as 
crianças conseguem construir todos os saberes fundamentais para o domínio da leitura e da escrita alfabética em 
apenas um ano letivo (SILVA, 2019). 
 
15 
Diante dessas demandas, tornou-se papel da escola formar estes sujeitos. 
“Reformas”, decretos e planos de educação ganharam uma nova perspectiva epistemológica, 
baseada no diálogo entre campos, como a Psicologia do Desenvolvimento e a Linguística. 
Apresentou-se à comunidade educacional o conceito de linguagem escrita como uma prática de 
interação verbal (BAKHTIN, 1990; 1992) e, com base nos Novos Estudos de Letramento – 
NEL (New Literacies Studies), orientou-se que o ensino dessa modalidade da língua fosse 
conduzido a partir de uma perspectiva sociodiscursiva baseada nas interações. 
Historicamente o Brasil vem apresentando mudanças no campo da educação com o 
discurso de alfabetizar as crianças de forma efetiva. Muitas dessas mudanças se realizaram de 
maneira impositiva com fins eleitoreiros, em alguns momentos, ou como mera transposição de 
experiências exitosas em outras realidades bem diferentes da nossa (MARCILIO, 2016). Essas 
“reformas” não levaram em consideração o preparo dos professores, principais agentes de 
aplicação dessas políticas. Sobre isso, Marcilio (2016, p. 17) aponta que “entre as imensas 
barreiras existentes [...] pesam a ignorância e/ou o despreparo dos agentes educacionais em 
relação às inovações decretadas, o corporativismo e a resistência a mudanças [...]” (grifo 
nosso). 
Nesse contexto, surgem alguns questionamentos: como os professores têm se 
aproximado das novas contribuições da ciência da educação? De que maneira tem se garantido 
o acesso de maneira qualitativa às novas contribuições científicas que dialogam com a prática 
pedagógica do professor alfabetizador? Tem se buscado aproximar o professor alfabetizador 
das discussões e da produção científica acerca da aprendizagem da língua materna? 
 Retomando a citação de Marcílio (2016), refletimos sobre os termos em destaque: 
despreparo e resistência às mudanças. Nesta temática muitos discursos que buscam explicar o 
fracasso de políticas de alfabetização no Brasil são pautados nesse argumento. Entretanto, 
aproveitamos a oportunidade para questionar esse viés, e ampliar a reflexão: que espaços de 
escuta e construção coletiva dessas políticas estão sendo oferecidos a esses professores 
alfabetizadores? 
Esse questionamento ganha mais força em um momento sensível da história da 
educação brasileira, que mais uma vez despeja sobre os professores alfabetizadores “fórmulas 
inovadoras” de ensino da língua escrita, dispensando assim qualquer diálogo com 
pesquisadores e professores da área de alfabetização. A exemplo disso, o Ministério da 
Educação instituiu, em 2019, por decreto presidencialde 11/04/2019 (BRASIL, 2019a)2 , a 
 
2 A caracterização desta política de alfabetização pode ser acessada no “Caderno da PNA” (BRASIL, 2019b) e 
complementada pela Portaria nº 1.460, de 15/08/2019, que institui a Conferência Nacional de Alfabetização 
 
16 
Política Nacional de Alfabetização (PNA). Não nos deteremos aqui à PNA e seus questionáveis 
argumentos sobre “alfabetização baseada em evidências”, mas destacaremos os caminhos 
antidemocráticos nos quais, mais uma vez, políticas educacionais são implementadas no Brasil. 
Mortatti (2019, p. 27) destaca, por exemplo, o caráter autoritário e antidemocrático da política 
ao infringir “[...] princípios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 ser instituída via 
decreto presidencial, além de ser apresentada por seus autores “como se fosse a verdade 
científica revelada [...]”. Esse caminho não dialógico afeta quem está na ponta do processo, os 
professores, pouco solicitados para escuta, mas muito apontados nos resultados insatisfatórios. 
É nesse contexto desgastante e silenciador que ratificamos a necessidade de 
entender o que acontece no momento do encontro entre professores alfabetizadores e os novos 
conhecimentos, que pregam mudanças teórico-metodológicas no “ensinar a ler e a escrever”. 
Portanto, ouvir os professores e considerar a necessidade de transformação na prática de cada 
um com a chegada do novo, se apresenta com uma abertura de diálogo para vislumbrarmos algo 
para além do binômio despreparo - resistência. 
Isso torna-se muito evidente no caso da chegada do termo letramento e de todo o 
seu arcabouço conceitual no cotidiano desses professores. Muitos professores que atuavam no 
ciclo de alfabetização tiveram de rever suas práticas, e reinventar-se enquanto profissionais de 
docência responsáveis pela aprendizagem inicial da leitura e da escrita. Vale ressaltar que as 
práticas fomentadas pela perspectiva do letramento mostraram-se diferentes não só daquelas 
aprendidas em suas formações iniciais, nas licenciaturas, como também daquelas as quais foram 
submetidos enquanto alunos do ciclo de alfabetização. Nesse sentido, voltar o nosso olhar para 
esse movimento de aproximação a partir do encontro com o conhecimento científico 
oficialmente instituído, com a busca pela familiarização do novo e pela construção de novas 
maneiras de agir, pode nos ajudar a compreender como estes professores têm transformado esta 
situação de “tensão” em saberes que permitam a continuidade de suas ações e manutenção de 
suas identidades. 
Exemplos destes momentos de tensão puderam ser observados em minha prática 
como professora alfabetizadora da rede municipal de ensino de Fortaleza e participante deste 
grupo de agentes educacionais, composto por docentes de várias gerações. Cotidianamente, nos 
deparávamos com questionamentos sobre a eficácia das metodologias e a incessante busca pela 
“melhor forma de alfabetizar”. 
Nos espaços de formação, partilhamos saberes e experiências que servem como um 
 
Baseada em Evidências (Conabe) (BRASIL, 2019b) e pela Portaria nº 1.461, de 15/08/2019, que nomeia os 12 
pesquisadores para compor o painel de especialistas da Conabe (MORTATTI, 2019). 
 
17 
campo fértil de questionamentos sobre o nosso fazer docente. Muitos desses professores já 
passaram por mudanças institucionais de metodologias do ciclo de alfabetização e apontam, em 
suas falas e práticas, as nuances de cada uma dessas mudanças. 
Um dos pontos que me chamou atenção, enquanto professora alfabetizadora da rede, 
e que suscitou as questões apresentadas neste estudo, foi a aparente “abolição” do termo 
alfabetização, assim como a exaltação do termo letramento. Tais situações puderam ser 
evidenciadas ao observamos professores se policiando quanto ao uso de tais termos para 
denotarem algumas de nossas práticas: não alfabetizamos mais, nós letramos. O uso da palavra 
letramento nos discursos, por vezes, parece evitar possíveis desgastes ou julgamentos por parte 
do grupo. Por outro lado, quando partilhamos experiências exitosas com esses mesmos colegas, 
poucos participantes se sentem à vontade de expor suas opções metodológicas. Como suposição 
para tal resistência, acreditamos na pouca segurança epistemológica em relação ao termo 
letramento para fundamentar suas práticas. Ao apresentá-las a seus pares, possíveis 
dissonâncias com as falas poderiam acarretar desequilíbrio com o grupo. 
Neste contexto, nos questionamos sobre essa familiaridade com o termo letramento. 
Considerando o contexto histórico, podemos entender que o termo já não seria tão novo e não 
deveria causar tanto estranhamento por parte dos sujeitos, situação basilar de nosso problema, 
uma vez que já são quase três décadas de influência da perspectiva sociodiscursiva no ensino 
da língua materna. Seria o letramento algo ainda relativamente novo a ponto de causar 
estranhamento a esses professores? Aparentemente, algumas situações sugerem que sim. 
Face ao exposto, nosso argumento se baseia em dois aspectos observados ao longo 
da minha inserção no grupo de professores do ciclo de alfabetização do município de Fortaleza. 
O primeiro se refere às pautas que compõem as formações continuadas oferecidas pela 
Secretaria Municipal de Educação (SME). Os temas discutidos e compartilhados têm, em sua 
grande maioria, a temática do ensino do letramento, buscando proporcionar aos professores 
fundamentos básicos da perspectiva sociodiscursiva de ensino da língua. Aparentemente, ainda 
existem fortes nuances de convencimento desse professorado. Se o termo letramento já não é 
tão novo, por que ainda pautamos nossos encontros formativos em aspectos superficiais e 
introdutórios desta proposta de ensino? 
Como segundo aspecto, retomamos à relutância de uma parcela desses professores 
à exposição de suas práticas. Poucos parecem se aventurar na discussão, junto aos pares, acerca 
de suas opções teórico-metodológicas de ensino do letramento. Nesse sentido, é questionável 
se eles já estão realmente familiarizados com o conceito de letramento. 
Outra observação feita aponta para alguns desses professores que vivenciaram na 
 
18 
pele a ruptura causada pela chegada do termo letramento. Esses docentes já utilizaram, nas 
últimas duas décadas, diversos programas com materiais estruturados disponibilizados pela 
Secretaria Municipal de Educação3, modificando assim as suas metodologias, principalmente 
para adequação e uso de materiais estruturados. Já outros professores apenas ouvem falar sobre 
como “antigamente os meninos aprendiam a ler e escrever melhor” e mantêm-se inertes. 
É interessante ressaltar que alguns sujeitos, mesmo apropriando-se do termo 
letramento nas suas falas, parecem não ter subsídios suficientes para questionar as falas 
saudosistas dos colegas. Se nos pautamos na crença de que letramento e alfabetização são 
termos distintos, mas processos indissociáveis, por que nos policiamos ao usar tais termos ou, 
até mesmo, chegamos a hierarquizá-los? Por que não nos sentimos à vontade ao discutir sobre 
as facetas da alfabetização (SOARES, 2017) e expor nossas práticas aos colegas? 
É neste ambiente de encontros e desencontros entre políticas educacionais, falas e 
ações, que surge o nosso objeto de pesquisa. Pautamos nosso estudo na necessidade de entender 
sobre a aproximação dos professores com o conhecimento científico em torno do letramento e 
a influência desse conhecimento em seus posicionamentos acerca do seu ensino. Tomando 
como base as contribuições da Teoria das Representações Sociais (TRS), entendemos que este 
encontro com algo novo e pouco familiar para os professores suscita uma representação sobre 
esse algo. Além de que esta representação é o que orienta as ações desses alfabetizadores quanto 
ao ensino do letramento. Nesse sentido, despontou a questão de pesquisa investigada neste 
estudo: Como os professores do ciclo de alfabetização em Fortaleza – CE representamo 
letramento? 
Faz-se necessário esclarecer que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), 
aprovada no final de 2017, diz que, como orientação, o processo de alfabetização nos dois 
primeiros anos do Ensino Fundamental deve ser o foco da ação pedagógica no componente de 
Língua Portuguesa. O documento justifica esse posicionamento com o reconhecimento de que 
a apropriação do sistema de escrita alfabética tem especificidades que são enfatizadas nos dois 
anos iniciais desta etapa do ensino. Portanto, mesmo não havendo ainda um consenso sobre o 
tema, tomaremos como orientação a BNCC e consideraremos, ao citarmos ciclo de 
alfabetização, os dois primeiros anos do Ensino Fundamental. Nossa opção se justifica pela 
presente proposta de investigação basear-se naqueles professores que, de fato, têm como foco 
“apresentar a língua materna” de forma sistematizada, ou seja, possibilitar a apropriação do 
 
3 Materiais estruturados do GEEMPA (Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia da Pesquisa e Ação) e 
PAIC (Programa Alfabetização na Idade Certa) são os mais citados entre os professores como mudanças efetivas 
de metodologia no ciclo de alfabetização do município de Fortaleza. 
 
19 
sistema de escrita de forma inicial. 
Outro fator consolidador de nossa decisão é o fato do município de Fortaleza já 
seguir esta orientação, inclusive havendo a avaliação externa que avalia a proficiência leitora 
dos alunos – Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE)- 
realizada com os alunos do segundo ano do Ensino Fundamental. Diante do exposto, as questões 
que nortearam esta investigação, desdobrando a questão central em aspectos específicos foram: 
Como se organizam os elementos da representação social dos professores sobre o letramento 
dentro de seus sistemas central e periférico? Que significações emergem a partir da posição que 
ocupam os elementos nos dois sistemas da representação social dos professores sobre o 
letramento? Como a estrutura organizacional dos sistemas central e periférico da representação 
social dos professores se relaciona com os posicionamentos destes acerca do ensino do 
letramento? 
Com base nesses questionamentos, o objetivo geral desta pesquisa foi analisar a 
representação social sobre o letramento construída pelos professores do ciclo de alfabetização 
de Fortaleza - CE. De modo mais específico, buscamos descrever a estrutura organizacional 
dos elementos que compõem os sistemas central e periférico da representação social dos 
professores sobre o letramento, estabelecer significações para os elementos da representação 
social dos professores sobre o letramento a partir da posição que eles ocupam nos seus sistemas 
central e periférico, bem como relacionar a estrutura organizacional dos sistemas central e 
periférico da representação dos professores com os posicionamentos destes acerca do ensino do 
letramento. 
No sentido de dialogar com pesquisas anteriores sobre o tema, realizamos um 
levantamento de estudos similares na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, 
assim como no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes4. Portanto, para viabilizar nossa 
busca, elegemos previamente três eixos: representações sociais, letramento e escrita. As 
pesquisas foram agrupadas em dois eixos temáticos, de acordo com a proximidade do objeto 
desta investigação: o primeiro refere-se às concepções de letramento e de alfabetização e o 
segundo referente às representações acerca do ensino e aprendizagem da língua escrita. As 
pesquisas apresentadas a seguir se referem às concepções de letramento e de alfabetização. 
 
 
 
 
4 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. 
 
20 
1.1 Concepções de letramento e alfabetização 
 
Nesse eixo temático, identificamos seis pesquisas relacionadas às concepções de 
letramento e alfabetização (CORREIA, 2007; NOGUEIRA, 2009; STUEPP, 2010; 
BORDIGNON, 2016; MARTINS, 2018), todas trazendo importantes contribuições para nosso 
estudo. 
O estudo de Correia (2007) tinha como objetivo verificar de que forma a questão 
do letramento e da alfabetização é abordada nos Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs 
(BRASIL, 2000), bem como as representações sobre o trabalho do professor em relação ao 
letramento e a alfabetização construídas nesse documento. A justificativa da autora pela escolha 
do documento como objeto de análise deve-se ao fato de que o trabalho do professor é regido e 
influenciado por textos prefigurativos, nos quais as instâncias superiores lhe indicam o que deve 
realizar, e porque os PCNs constituem-se como o texto prefigurativo, que é referencial para 
organização curricular do Sistema Educacional no Brasil. Como resultados, a pesquisa apontou 
que o letramento é representado nos PCNs como produto de uma prática social relacionada à 
leitura e escrita. Entretanto, o termo não é recorrente nos PCNs, não sendo tratado como tema 
principal. Para o trabalho com letramento em sala de aula não há, nos segmentos analisados, a 
atribuição de um papel específico ao professor. 
O estudo também aponta que a questão da alfabetização no documento é tratada de 
forma mais ampla, ora associada ao uso da linguagem em práticas de compreensão ativa, 
expressão e comunicação, ora relacionada à aquisição da escrita alfabética. O papel do professor, 
em relação à alfabetização, pode ser inferido quando se indicam as finalidades das práticas de 
ensino e algumas das funções do professor. Por outro lado, as diferentes fases possíveis do 
trabalho docente não são tematizadas, assim como o modo como ele deve desenvolver as 
atividades e nem os procedimentos a serem adotados para alcançar as finalidades tão bem 
explicitadas. 
Nosso estudo converge com a pesquisa realizada por Correia (2007), 
especificamente na influência da construção e representação dos conceitos de letramento e 
alfabetização nos documentos que norteiam a prática do professor alfabetizador. Nossa pesquisa, 
entretanto, difere-se ao apresentar, como finalidade, apreender os sentidos em torno da 
representação social sobre o letramento construído pelos professores do ciclo de alfabetização. 
Nogueira (2009), através de sua pesquisa, buscou compreender os pressupostos 
teóricos e metodológicos que fundamentam as práticas de alfabetização com letramento, 
estabelecendo relações com as ações e os processos de formação inicial continuada e a serviço 
 
21 
dos professores. Os resultados deste estudo evidenciaram que a prática de alfabetização e 
letramento pode ocorrer de modo integrado ou não. O autor também evidenciou que atividades 
específicas voltadas para a apropriação do sistema de escrita, ou seja, aquelas que possibilitam 
a análise da microestrutura da língua, nem sempre podem se sustentar nos textos 
disponibilizados em sala de aula. Além disso, Nogueira (2009) aponta que fontes distintas de 
saberes convergem para a construção dos conceitos de alfabetização e de letramento das 
professoras, mas, nesta investigação, a ênfase recaiu sobre a experiência profissional junto com 
os colegas de trabalho, professores mais experientes presentes no interior da escola. 
Consideramos que o enfoque dado pelo estudo se diferencia da presente pesquisa, já que 
buscamos compreender os sentidos em torno da representação social sobre o letramento 
construída pelos professores do ciclo de alfabetização. 
Stuepp (2010) pesquisou sobre a compreensão das concepções de alfabetização e 
de letramento que permeiam os dizeres de professoras formadoras. Tratando-se de um estudo 
numa perspectiva histórica, de caráter qualitativo e interpretativo, a pesquisa teve como sujeitos 
professores responsáveis pela formação inicial, ou seja, docentes do ensino superior que 
lecionavam a disciplina de Alfabetização e Letramento de três universidades diferentes. Através 
da análise do discurso dos sujeitos, o estudo depreendeu que a concepção de alfabetização eletramento se aproxima de uma abordagem de letramento autônomo. A compreensão se 
fundamenta no domínio do sistema alfabético e no desenvolvimento de habilidades e 
competências para desenvolverem as atividades de leitura e de escrita. 
Em consonância com nossa pesquisa, Bordignon (2016) contextualiza seu estudo a 
partir das mudanças, ocorridas na história da educação brasileira, dos conceitos e das práticas 
pedagógicas relacionadas à alfabetização e ao letramento. Com o objetivo de conhecer as 
concepções de escrita e de ensino da linguagem escrita presentes em cadernos de alunos 
pertencentes às classes de 1º ano do ciclo de alfabetização, o autor analisou qualitativamente o 
material de 31 alunos a partir do método de Análise de Conteúdo proposto por Bardin (2011). 
A partir disso, segundo Bordignon (2016), foi possível perceber que permanecem vigentes em 
salas de aula algumas atividades descontextualizadas, ainda baseadas nos métodos tradicionais 
de ensino, com atividades fundamentadas nos modelos cartilhescos, como atividades de 
repetição e cópia de sílabas e palavras. Por outro lado, em outros excertos foi possível perceber 
que as concepções pedagógicas utilizadas pelos educadores têm se modificado, buscando, assim, 
atender às necessidades educacionais atuais. O estudo aponta a perspectiva de alfabetização e 
letramento, concebendo a escrita e o ensino da escrita como instrumento de interação entre os 
sujeitos inseridos em contextos sociais e culturais. 
 
22 
Já o estudo de Martins (2018) teve como objetivo investigar as representações de 
alfabetização e letramento de professores dos anos iniciais. Caracterizado como um estudo de 
caso, a pesquisa analisou os dados coletados por meio de categorias emergidas do referencial 
teórico sobre alfabetização e letramento. Portanto, como resultado, foi identificado que as 
representações concebidas pelas professoras acerca da alfabetização e letramento são muito 
semelhantes. De acordo com o estudo, o letramento apresentou-se muito próximo de uma 
concepção de processo de apreensão do sistema da língua, seja na leitura, seja na escrita, 
semelhante aos que as professoras reconhecem como sendo a própria alfabetização. Apesar da 
proximidade inicial do objetivo trazido pelo estudo de Martins (2018), nosso estudo se 
diferencia no universo da análise, posto que a pesquisa em destaque buscou alcançar seu 
objetivo com dados construídos a partir das práticas de letramento dos estudantes e familiares, 
entrevistas com professores dos anos iniciais e, ainda, observou o desenvolvimento de 
atividades docentes em uma escola específica. 
Nesse sentido, considerando a delimitação deste eixo temático, apontamos como 
relevante a proposta de nossa pesquisa. A relevância de tal afirmação reside no fato de que os 
estudos até aqui apresentados, apesar de buscarem as concepções de letramento e alfabetização, 
ponto de proximidade com nossa pesquisa, apresentaram como contexto documentos 
norteadores, formação inicial, além de atividades de escrita e práticas de letramento. A seguir, 
serão apresentadas três pesquisas que trazem como temática representações acerca do ensino e 
aprendizagem da língua escrita. 
 
1.2 Representações acerca do ensino e aprendizagem da língua escrita 
 
Uma parte das pesquisas identificadas (BARRETO, 2006; SILVA, 2009; 
TORQUETTE, 2009; PINHEIRO, 2010) investiga as representações sociais sobre o ensino e 
aprendizagem da língua escrita. 
Como exemplo, identificamos o estudo de Barreto (2006) que tinha como objetivo 
compreender as representações sociais dos professores de Educação de Jovens e Adultos (EJA) 
sobre leitura e escrita. Através das abordagens qualitativas e quantitativas, a pesquisa constatou 
que para o ensino da leitura e da escrita ser eficaz faz-se necessário, dentre outros fatores, uma 
mudança na prática do professor. Conforme explanado no estudo, esta mudança é sugerida a 
partir da inversão das prioridades que são dadas hoje no ensino de língua, em que o estudo da 
metalinguagem ocupa maior parte das aulas de português, sobrando tempo mínimo para a 
leitura e reflexão sobre os problemas por ela enfocados. Ao final do estudo, como resultado da 
 
23 
investigação, Barreto (2006) mostra que as representações de leitura e escrita dos professores 
permaneciam ainda restrita a poucos textos. Também destaca que as práticas escolares deveriam 
orientar-se de forma mais refletida e sistemática para o fomento de atitudes favoráveis à leitura 
e ao seu aprendizado crítico, capazes de perdurar após o término da educação formal e resultar 
numa postura ativa na busca de oportunidades de desenvolvimento cultural e educação 
continuada. 
Nosso estudo dialoga diretamente com a pesquisa da referida autora ao buscar 
compreender a representação social construída por professores, mas difere-se quanto ao 
segmento no qual esses docentes atuam, já que temos como sujeitos de nossa investigação 
docentes atuantes do ciclo de alfabetização. Isso se justifica porque a aprendizagem inicial da 
língua escrita pode ser apontada como fator importante para a permanência das crianças na 
escola, impactando o papel desempenhado pela escola, que é dentre vários, a sistematização do 
conhecimento. Portanto, pensar sobre esses professores que desempenham este papel inicial e 
tão impactante em toda a trajetória escolar dos nossos estudantes é de fundamental importância. 
Aproximando-se de nosso objeto, identificamos o estudo elaborado por Silva 
(2009), que analisou as representações sociais do ensino da língua escrita de professores das 
séries iniciais do Ensino Fundamental, considerando as concepções de linguagem que estão 
subjacentes a estas representações. Diferente da pesquisa que realizamos, Silva (2009) utilizou 
como termos indutores escrita e ensino da língua escrita, partindo do campo mais amplo para 
chegar à delimitação de seu estudo: o ensino da língua escrita. Os resultados indicaram que as 
representações sociais sobre o ensino da língua escrita estão ancoradas nas dimensões 
pedagógica, cognitiva, social e socioafetiva, prevalecendo as três primeiras dimensões, 
especialmente a pedagógica. Em suma, as representações sociais sobre o ensino da língua 
escrita estão sendo construídas considerando a apropriação inicial da escrita e as mudanças 
ocorridas neste ensino nos últimos anos. 
Já a pesquisa desenvolvida por Torquette (2009) teve como objetivo analisar as 
representações sociais de escrita e do seu ensino por alunos de primeiro e terceiro ano do Ensino 
Médio. Aproximando-se da proposta de Silva (2009), este estudo busca apreender as 
representações sobre escrita e seu ensino a partir da perspectiva dos alunos, o que também 
podemos apontar como outro fator de divergência a nossa proposta de investigação. Em termos 
de resultados deste trabalho, os dados analisados evidenciaram, num primeiro momento, que a 
RS de escrita é diferente entre os alunos das duas séries, adquiridas na escola, o que ratifica o 
mito do letramento (SIGNORINI, 1994). Com relação ao ensino da escrita, os alunos das duas 
séries apresentaram a RS de que ensinar a escrever é ensinar ortografia, caligrafia ou pontuação, 
 
24 
através de exercícios estruturais/tradicionais. 
Finalizando as pesquisas elencadas nesse eixo temático, apontamos o estudo de 
Pinheiro (2010), que investigou as representações sociais construídas por cinco alunas da 
educação de jovens e adultos do Projeto SESC Ler de Fortaleza. O estudo abordou o processo 
de aprendizagem formal e inicial da leitura e da escrita das alunas, bem como os aspectos que 
tal processo envolve, como, por exemplo, a vida sem saber ler e escrever. 
Conforme transparece nas disposições anteriores, portanto, não foram identificados 
estudos que apreendam os sentidos em torno da representação social sobre letramento. Além 
disso, identificamos o número limitado de pesquisas sobre essas duas temáticassupracitadas. 
Uma grande parte dos estudos relacionados têm como foco as representações sociais sobre a 
formação docente, o ensino da Língua Portuguesa nos anos finais do Ensino Fundamental e na 
modalidade EJA, assim como os letramentos acadêmicos. 
Ainda como elemento diferenciador de nosso estudo, apresentamos o foco na 
análise das representações sociais de professores que atuam no ciclo de alfabetização sobre o 
letramento, termo científico de grande amplitude na política educacional do país e suscitador 
de representações orientadoras da prática de professores alfabetizadores. A base teórico 
metodológica da TRS também se apresenta como elemento diferencial na busca de nossos 
objetivos, já que nos interessa compreender os sentidos que perpassam os elementos desta 
representação, assim como suas relações com o posicionamento dos professores frente ao 
ensino da escrita. Nesse sentido, acreditamos que surge, com nossa proposta de estudo, uma 
oportunidade de diálogo com os professores responsáveis pela aprendizagem inicial da língua 
escrita, com o foco nos saberes reificados e socialmente partilhados por este grupo. 
Diante disso, afirmamos que este estudo se fez relevante, pois, assim como Soares 
(SEMIS, 2019), acreditamos que a política prioritária de alfabetização deve concentrar-se na 
formação dos professores. Por conseguinte, ouvir esses sujeitos e dialogar com suas 
necessidades pode ser considerado um passo importante na busca por um ensino da língua de 
qualidade. Também pautamos nosso entendimento de relevância desta pesquisa, no cenário 
político atual de nosso país que, mais uma vez, parece não possibilitar a fala docente, buscando 
através de medidas e decretos verticalizados, fortalecer um contexto de emudecimento desses 
agentes educacionais. Além disso, possíveis resultados podem ainda contribuir para o 
fortalecimento do diálogo entre professores, gestores e formadores, no sentido de atenuar 
possíveis tensões provenientes de mudanças contextuais. 
Com o objetivo de apresentar os resultados de nossa pesquisa, a organização 
retórica da presente Dissertação, além desta introdução, obedeceu à seguinte sequência: 
 
25 
Discorreremos brevemente sobre as origens do conceito letramento e suas diferentes 
significações (SOARES, 2005; KLEIMAN, 2007; MORTATTI, 2004), as contribuições 
advindas dos Novos Estudos do Letramento – NEL (STREET, 2014) além de suas implicações 
sobre o ensino da escrita (BAZERMAN, 2007). Posteriormente, apresentaremos as proposições 
teóricas fundamentais da Teoria das Representações Sociais (TRS) e seus desdobramentos, com 
base em Moscovici (1976; 2001), Denise Jodelet (2001), Willem Doise (2001) e Jean Claude 
Abric (1994; 2001; 2003). 
No capítulo seguinte, descrevemos os caminhos que percorremos durante os 
processos de elaboração e realização desta pesquisa, na qual será realizada uma pequena 
incursão pelas proposições das abordagens quantitativas e qualitativas. Descreveremos, ainda, 
o cenário no qual aconteceram as nossas interações com os sujeitos, as observações realizadas 
e a construção dos corpora que nos serviram de base para a análise e para a interpretação da 
RS em estudo. 
Posteriormente, no Capítulo 2, descrevemos a estrutura organizacional dos 
elementos que compõem os sistemas central e periférico da representação social dos professores 
sobre o letramento, além de estabelecermos significações para os elementos da representação 
social dos professores sobre o letramento a partir da posição que eles ocupam nos seus sistemas 
central e periférico. Em seguida, relacionamos a estrutura organizacional dos sistemas central 
e periférico da representação dos professores com os posicionamentos destes acerca do ensino 
do letramento. Por fim, na conclusão retomamos os pontos mais importantes discutidos durante 
a apresentação dos dados. Destacamos algumas implicações da pesquisa e, finalmente, 
apontamos sugestões de continuidade ao estudo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
26 
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 
 
O presente capítulo se destina a apresentar o arcabouço teórico no qual basearemos 
a pesquisa. Faremos uma breve exposição sobre as origens do conceito letramento e suas 
diferentes significações (SOARES, 2005; KLEIMAN, 2008; MORTATTI, 2004), as 
contribuições advindas dos Novos Estudos do Letramento – NEL (STREET, 2014), além de 
suas implicações sobre o ensino da escrita (BAZERMAN, 2007). Em um segundo momento, 
apresentaremos as proposições teóricas fundamentais da Teoria das Representações Sociais 
(TRS) e seus desdobramentos, os quais nos servirão de base epistemológica para esta pesquisa. 
 
2.1 Letramento: a construção de um conceito 
 
Numa sociedade dinâmica e marcada pela velocidade da propagação de 
informações, novas demandas relacionadas à leitura e à escrita emergem e impulsionam atitudes 
dos indivíduos e grupos sociais. A partir destes movimentos surgem termos necessários para 
explicar atitudes que vão além do simples “saber ler e escrever”. Neste contexto, tem se exigido 
dos indivíduos o uso social da língua de uma maneira abrangente, inserido nos contextos sociais 
de forma a atender e facilitar as práticas comunicativas. Soares (2005, p. 29) menciona que “Já 
não se quer apenas que dominem a tecnologia do ler e escrever, mas que também saibam fazer 
uso dela [...], transformando assim seu estado ou “condição”, como consequência do domínio 
dessa tecnologia.” 
Neste sentido, ao considerarmos aquele que não somente se apropria do sistema de 
escrita, mas utiliza-a para inserir-se nas práticas comunicativas, por vezes, modificando sua 
condição social, tornando-se sujeito ativo no contexto individual e comunitário, nos remetemos 
ao que Soares (2005) chamou de alfabetismo. Rojo (2009, p. 13 apud IRINEU; ARAÚJO, 
2019), salienta a noção de alfabetismo como “[...] a capacidade de acessar e processar 
informações escritas como ferramenta para enfrentar as demandas cotidianas”. O termo parece 
ter causado estranheza e acabou sendo pouco utilizado na literatura sobre a aprendizagem da 
língua e pode ser compreendido como o contrário do já bem estabelecido “analfabetismo”. Já 
esta expressão, por sua vez, bastante difundida na nossa língua, apoia-se no prefixo grego a(n) 
para negar algo, ou seja, analfabeto é aquele que não sabe ler nem escrever. Para Soares (2005 
apud SILVA, 2009, p. 29), a reflexão sobre a difusão do termo analfabetismo no Brasil nos leva 
a refletir sobre um fenômeno semântico significativo, relacionando-o às condições sócio-
históricas de ausência de políticas públicas voltadas para a efetiva difusão da leitura e da escrita 
 
27 
no Brasil. Podemos inferir, portanto, que a nossa significativa ligação com a palavra 
analfabetismo está essencialmente ligada ao que nos falta enquanto nação: familiaridade com 
as práticas de escrita. 
Em relação ao verbete alfabetização, que se refere ao processo de aquisição da 
leitura e da escrita, observamos a sua ligação etimológica com a apropriação do nosso sistema 
de escrita alfabético e das convenções para seu uso, o que poderia trazer incompletude em 
virtude das novas demandas sociais. No Brasil há uma estreita relação entre o conceito de 
alfabetização e a concepção de “[...] um primeiro movimento rumo ao reconhecimento dos 
princípios do sistema alfabético do Português Brasileiro, o que é alcançado mediante ensino 
sistemático” (BRAGANÇA; BALTAR, 2016, p.3-4). Segundo Soares (2018 apud. SILVA, 
2019), 
 
[...] ampliar o significado da palavra alfabetização, para que designe mais que o que 
tradicionalmente e correntemente vem designando, seria, como tem sido, uma 
tentativa infrutífera, pela dificuldade, ou mesmo impossibilidade, do ponto de vista 
linguístico, de intervir artificialmente em um significado já consolidado na língua. 
 
Refletindo sobre condições sócio-históricas, apontamos o também fenômeno 
semântico ocorrido na língua inglesa,no final do século XIX, com o aparecimento de termos 
como literacy, para designar a ampliação das habilidades e uso social da língua. Sobre isso, 
Grando (2012, p. 2) destaca que “O surgimento de uma nova palavra sempre está ligado à falta 
de uma palavra que possa explicar o sentido de algum fenômeno.”. Considerando aspectos 
etimológicos, literacy vem do latim litera (letra), acrescido do sufixo cy, que denota estado ou 
condição. Portanto, literacy é o estado ou condição que assume quem aprende a ler ou escrever. 
Este termo nos remete aos usos sociais da língua e suas implicações políticas, sociais, 
econômicas, culturais e linguísticas, no âmbito individual e nos grupos (SOARES, 2005). 
Soares (2005, p.29) apresenta, em seu livro “Alfabetização e Letramento”, o termo 
literacy como sinônimo de alfabetismo, o que, segundo a autora, “[...] representou, certamente, 
uma mudança histórica nas práticas sociais: novas demandas sociais pelo uso da leitura e da 
escrita exigiram uma nova palavra para designá-las”. Posteriormente, o termo alfabetismo foi 
gradativamente sendo substituído por letramento numa tentativa de tradução da palavra inglesa 
literacy, para representar a necessidade de ampliação de representação dos processos de uso da 
leitura e escrita nas sociedades contemporâneas. Nota-se na disposição dos termos, conceitos e 
discussões, que o termo letramento se destaca pela evidência dada ao contexto sociocultural do 
indivíduo, bem como as possíveis mudanças ou impactos causados pelo ato de ler e escrever, 
ampliando assim o sentido até então dado, no Brasil, ao termo alfabetização. 
 
28 
Segundo a literatura consultada, Soares (2011) aponta que a palavra letramento 
parece ter sido usada pela primeira vez o Brasil pela pesquisadora Mary Kato, em 1986, no 
livro “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística.” O vocábulo, como tradução 
para o novo sentido de literacy, foi apoderado por dois principais campos: pelo da Linguística 
Aplicada e pelo da Educação. Estudiosas como Leda Verdiani Tfouni, Angela Kleiman, Magda 
Soares e Roxane Rojo foram as primeiras pesquisadoras brasileiras a demonstrarem interesse 
pelo campo buscando, portanto, definir os limites dos sentidos para esse novo termo (VIANA 
et al., 2016). 
De acordo com as contribuições dos NEL – Novos Estudos do Letramento- 
(SOARES, 2004; 2009; BARTON, 1994), “no inglês o termo literacy refere-se tanto à 
‘alfabetização’ quanto ao ‘letramento’, de forma que, no lugar de o Brasil ter cunhado o termo 
‛letramento’, poderia operar também apenas com o termo ‘alfabetização’, ressignificando 
conforme o arcabouço epistemológico da área” (BRAGANÇA; BALTAR, 2016, p.4). Tal 
disposição de termos poderia, entretanto, causar desarranjos conceituais por não se ter clareza 
no sentido empregado: “[...] se está falando de ‘alfabetização’ no sentido de ‘domínio do código 
da língua escrita’ ou em “[...] condições sociais de uso da escrita?” (KLEIMAN, 1995, p.28). 
Este ponto de indagação pode se revelar como basilar para discussões referentes ao que seria 
apropriar-se da língua materna, assim como suas implicações sociais. 
Essas discussões dão ênfase a um complexo e permanente debate sobre o uso e 
conceituação dos vocábulos ‘alfabetização’ e ‘letramento’. Há uma corrente teórica que defende 
a distinção conceitual entre o que seria considerado alfabetização e o que seria letramento, 
apesar de os considerarem vocábulos inseparáveis. Soares (1998) ainda define letramento como 
“resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita; o estado ou 
condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado 
da escrita e de suas práticas sociais”. Portanto, segundo o autor, seria considerado letrado aquele 
que faz uso social da leitura e da escrita, interagindo com seus pares e vivenciando situações de 
leitura e de escrita como mediadoras de práticas comunicativas. Considerando tais proposições, 
não poderíamos conceber um sujeito letrado, por apenas ter a capacidade de compreender o 
sistema de escrita, mas sim pelas suas interações sociais mediadas pelo uso desta tecnologia. 
Em contrapartida, Ferreiro (2002) problematiza o uso dos dois conceitos 
alfabetização e letramento. A autora questiona a necessidade de uso do segundo termo, por 
considerar que tal processo – conforme conceituação – já se encontra contemplado no que 
considera alfabetização. Assim, Ferreiro “[...] rejeita a coexistência dos dois termos com o 
argumento de que em alfabetização estaria compreendido o conceito de letramento, ou vice-
 
29 
versa, em letramento estaria compreendido o conceito de alfabetização.” (SOARES, 2004, p. 
15). É relevante considerar que Ferreiro (2002) não nega o termo letramento. Os 
questionamentos da pesquisadora têm uma relação com o quadro referente ao ensino e 
aprendizagem da leitura e da escrita no Brasil e suas insuficiências, ou seja, indica a necessidade 
dos países pobres se esmerarem, prioritariamente, com o analfabetismo. 
 As discussões acerca do termo letramento e todas as possibilidades de uso (e 
desuso) são complexas e amplas. Segundo o glossário CEALE (SILVA, 2019), "letramento é 
palavra que corresponde a diferentes conceitos, dependendo da perspectiva que se adote: 
antropológica, linguística, psicológica, pedagógica”5. 
Outros autores contribuem com a discussão sobre a abrangência da palavra e do 
conceito letramento. Mortatti (2004, p.11), por exemplo, afirma que “[...] até por ser uma 
palavra recente, nem sempre são idênticos os significados que lhe vêm sendo atribuídos [...], 
assim como os objetivos com que é utilizada (a palavra letramento)”. Já Tfouni (2010) sugere 
que não pode haver a redução do seu significado ao significado de alfabetização e ao ensino 
formal. Para a autora, letramento é um processo mais amplo que a alfabetização e deve ser 
compreendido como um processo sócio-histórico. A mesma ainda ressalta a necessidade de não 
restringir a palavra letramento ao ambiente escolar ou mesmo ao processo de alfabetização. 
Sobre isso diz, 
 
Em termos sociais mais amplos, o letramento é apontado como sendo produto do 
desenvolvimento do comércio, da diversificação dos meios de produção e da 
complexidade crescente da agricultura. Ao mesmo tempo, dentro de uma visão 
dialética, torna-se uma causa de transformações históricas profundas, como o 
aparecimento da máquina a vapor, da imprensa, do telescópio, e da sociedade 
industrial como um todo (TFOUNI, 2010, p. 23). 
 
Considerando a abrangência do termo até aqui discutida, entender o conceito 
letramento como práticas de leitura e de escrita capazes de mudar condição do indivíduo e por 
consequência, bem como interferir diretamente no grupo o qual faz parte, nos leva a refletir 
sobre as várias dimensões sociais a serem atingidas por este processo. Estudos apontam a 
possibilidade de identificarmos os processos de letramento para além dos espaços escolares, 
sendo possível apontá-los como legitimadores de práticas e estratificações sociais, por exemplo. 
Sobre isto, Barton (1994) cita que diferentes culturas ou diferentes períodos históricos 
pressupõem diferentes usos da escrita, pois esses, além de estarem relacionados aos diversos 
domínios da vida dos sujeitos (familiar, religioso, escolar etc.), a depender de suas relações 
sociais, implicam também em diferentes ideologias. 
 
5 Citação extraída da página da internet (SILVA, 2019) 
 
30 
A partir destas reflexões, torna-se necessário estabelecer que o conceito de 
letramento toma formas proporcionais ao papel social da escrita em determinados grupos, sendo 
equivocado, portanto, classificar ou hierarquizar as práticas de letramento. Mesmo não podendo 
hierarquizar, portanto, é possível considerar que alguns usos da escrita podem ser mais 
importante ou gozar de mais prestígio que outros grupos, conforme se aproximem ou sedistanciem dos letramentos dominantes. (STREET, 2014). 
A partir desta compreensão, Street (2014) observou as múltiplas possibilidades de 
letramento em um grupo no qual desenvolvia sua pesquisa sobre migração. Percebendo os 
movimentos dos moradores locais e suas práticas de linguagem, o pesquisador identificou que 
essas atividades eram mediadoras de diversas formas de letramento. Não encontrando na 
literatura algo que conceituasse ou caracterizasse tais fenômenos, Brian Street elaborou a 
distinção entre dois modelos de letramento: o autônomo e o ideológico. 
Para Street (2014), o modelo autônomo concebe a escrita como autônoma, e por si 
só composta de características desvinculadas do contexto sociocultural. Segundo o autor, este 
modelo é um forte representante da escola tradicionalista, que considera os processos de 
aquisição e uso da escrita como uma atividade individual e sem interferências externas, como 
por exemplo, as relações sociais do grupo ao qual o indivíduo pertence. Para Matte e Araújo 
(2012) este modelo “[...] ainda concebe a oralidade e a escrita como “faces da mesma moeda”, 
mas que concomitantemente se dividem, atribuindo à escrita uma ligação direta “de progresso, 
civilização e de mobilidade social” (2012, p.98). 
Este modelo autônomo, apontado por Street, assemelha-se à “concepção tradicional 
de alfabetização”, que orienta o ensino da escrita pelos gestores de políticas públicas em 
educação no Brasil. Street (2003), citando caso análogo, trava um confronto com agentes 
governamentais, ao diagnosticar que as políticas educacionais se baseiam nesse modelo de 
letramento, o que contribui para fortalecer o atroz ‘mito do letramento6’ (GEE, 2008). Outra 
crítica apontada por Street (2014) a este modelo de letramento, relaciona-se a sua perspectiva 
epistemológica da escrita. Segundo o autor, a ideia de uma aprendizagem autônoma ou 
individual, “estava assentada em princípios (ainda evolucionistas) de uma grande divisão entre 
letrados e iletrados” (VIANA et al., 2016, p.29). Logo, é a partir destas reflexões que se 
inaugura a perspectiva sociocultural da escrita, chamada de New Literacy Studies (NLS) ou, 
 
6 Conforme ressalta Gee (2008), o “mito do letramento”, ou a crença de que possuir habilidades letradas produz 
inúmeras consequências positivas para o indivíduo, hoje em dia está desacreditado, porque “o letramento, por si 
só, abstraído das condições históricas e das práticas sociais, não tem nenhum efeito ou, pelo menos, nenhum efeito 
previsível” (GEE, 2008, p. 45). 
 
31 
como ficou conhecido no Brasil, os Novos Estudos do Letramento (NEL). 
Em acordo com os apontamentos das pesquisas anteriormente citadas, Street (2014) 
apresenta o modelo ideológico de letramento. Sobre este modelo, o autor defende que as 
práticas de letramento estariam relacionadas às construções culturais e de poder da sociedade. 
Portanto, o letramento, sob este viés, concebe a escrita não como um processo individual, mas 
como uma ferramenta sociocultural, podendo esta ser contestada. A partir deste entendimento, 
instituições de poder, como a escola7 , podem utilizar a escrita para legitimar desigualdades 
sociais através da valorização de letramentos dominantes. Sobre isto, Street (1984, p.1) destaca: 
 
Vou tentar estabelecer alguns dos fundamentos teóricos para uma descrição de tais 
práticas e concepções e vou desafiar os pressupostos, implícitos ou explícitos, que 
atualmente dominam o campo do letramento. Devo afirmar que o que as práticas 
particulares e os conceitos de leitura e escrita são para uma dada sociedade depende 
do contexto, que já estão incorporados em uma ideologia e não podem ser isolados ou 
tratados como “neutros” ou meramente “técnicos”. 
 
Considerando, então, as formas como os sujeitos constroem e ressignificam essas 
práticas, para Barton e Hamilton (2004, p. 109 apud VIANA et al., 2016, p.31) letramento, 
 
[...] não reside simplesmente na mente das pessoas como um conjunto de habilidades 
a serem aprendidas, e não apenas jaz sobre o papel, capturado em forma de texto para 
ser analisado. Como toda a atividade humana, letramento é essencialmente social e se 
localiza na interação interpessoal. 
 
Ancorados em proposições convergentes com as que apresentamos no parágrafo 
anterior, passamos a entender o conceito de letramento como o uso social da língua. Isso implica 
em uma aprendizagem da língua em sua modalidade escrita, mas também permeada pela 
oralidade, de modo que essa aprendizagem seja entendida como a introdução do indivíduo às 
variadas práticas sociais de uso da língua escrita ou, em outros termos, e de modo bem mais 
amplo, às culturas do escrito (FERREIRO, 2015). 
Tomando por base essa concepção de letramento, torna-se inferível que o 
desenvolvimento do indivíduo como um cidadão, um profissional e um contínuo aprendiz passa, 
impreterível e imprescindivelmente, pela apropriação da prática social da escrita, uma vez que 
esta é, segundo Bazerman (2007), um dos mais importantes recursos dos quais dispomos para 
uma efetiva participação social e política. Nesse sentido, saber escrever implica o domínio de 
uma atividade social e de um saber por meio dos quais expressamos e compartilhamos com os 
outros nossas ideias e sentimentos, bem como os significados que atribuímos ao mundo e aos 
 
7 As observações feitas a respeito da escola revelam uma reflexão ampla que se propõe generalista, mas 
reconhecemos o avanço desta agência no que se refere ao letramento. 
 
32 
eventos que nos rodeiam (BAZERMAN, 2013). 
Com isso, concordamos com Irineu e Araújo (2019), quando afirmam que se faz 
necessário pensar sobre o letramento não só como um conjunto de habilidades, conforme aponta 
Soares (1998), mas também como um agrupamento de práticas de uso da linguagem, com suas 
diversidades contextuais, subjetividades e ideologias presentes nas circunstâncias de produção 
e recepção de textos. Diante dessa reflexão, os autores ainda trazem à tona a necessidade de 
expandir o conceito de letramento, até então singular, para uma concepção pluralizada, ou seja, 
consideraríamos agora “os letramentos”, ou melhor definindo, os multiletramentos (ROJO, 
2009). 
Isso se justifica pelo julgamento de que em uma sociedade como a nossa, complexa 
e variada linguisticamente, não se deve falar em letramento. Deve-se falar, portanto, em 
multiletramentos, ou seja, considerar as práticas de linguagem em um contexto social e histórico, 
assim como culturalmente organizadas pelos sujeitos nas suas mais diversas dimensões de uso 
(IRINEU; ARAÚJO, 2019). 
Aos considerarmos essas diversas dimensões alcançadas por meio da apropriação 
da escrita como prática social por parte do indivíduo, retomamos nossa reflexão sobre o papel 
da escola como propulsora da aprendizagem e domínio das habilidades relacionadas à leitura e 
a escrita, ou seja, como agência de letramento. A respeito disso, Rojo (2009, p.101 apud 
IRINEU; ARAÚJO, 2019) destaca que “um dos objetivos principais da escola é justamente 
possibilitar que seus alunos possam participar das várias práticas sociais que se utilizam da 
leitura e a escrita (letramentos) na vida da cidade, de maneira ética, crítica e democrática [...]”. 
Análises como estas apontam a necessidade de refletirmos sobre a articulação entre 
práticas sociais e a aprendizagem da leitura e da escrita. É neste cenário de possíveis distorções 
e contradições na educação brasileira, que nos propomos a pensar sobre a chegada e apropriação 
do conceito letramento por parte dos professores. Todo o arcabouço teórico proveniente dos 
novos estudos sobre a linguagem acarretou uma mudança conceitual sobre as formas de 
aprender e de ensinar a língua materna, mais especificamente em sua linguagem escrita, a partir 
da década de 1980. O que se concebia como alfabetização até então, do ponto de vista teórico 
e apesar de associado ao letramento, por vezes pareciamnão coincidir. Além do mais, em torno 
deste dilema encontravam-se os professores alfabetizadores que tiveram que transformar este 
“novo saber” em algo familiar, repensando suas práticas a fim de que pudessem continuar 
atuando em seus espaços de trabalho. 
 A partir deste cenário de mudanças, inferimos que possíveis construções de saberes 
não científicos relacionados ao letramento podem ter se constituídos. Observando tal fenômeno 
 
33 
através do prisma da TRS, entendemos que este conhecimento socialmente partilhado suscita 
uma representação, ou seja, um saber prático não-científico, transformando o desconhecido em 
algo familiar para os indivíduos (MOSCOVICI, 2001; JODELET, 2001). No intuito de auxiliar 
na compreensão desta proposta de pesquisa, discorreremos na próxima sessão sobre a TRS que 
servirá de base teórico-metodológicas para o presente estudo. 
 
2.2 Teoria das representações sociais: de Durkheim à Moscovici 
 
O breve resgate das origens da TRS (MOSCOVICI, 1976; 2001) se explica pela 
necessidade de contextualizar o leitor para o entendimento das proposições formuladas, 
posteriormente, por Denise Jodelet (2001), Willem Doise (2001) e Jean Claude Abric (1994; 
2001; 2003). 
Tomando como referência a literatura consultada, o aporte teórico que adotamos 
explica a elaboração do saber reificado e tem como um dos seus objetivos primordiais tornar 
um objeto não-familiar em algo conhecido para os atores sociais que o representam (ARRUDA, 
2002). Entendemos a apropriação deste saber objetivado como aquele que se ocupa dos 
objetivos práticos que colaboram para a organização da vida social dos grupos participantes na 
construção deste saber. 
Esta aproximação para tornar familiar o saber que, por ora, causa o estranhamento, 
pode ser marcada por uma tensão entre o indivíduo e a sociedade, já que a participação ativa e 
harmoniosa deste sujeito em seu grupo pode estar condicionada por esta apropriação. Em 
função disto, o indivíduo e/ou grupos elaboram representações que, segundo Moscovici (1976), 
carregam a “marca desta tensão”. Estas representações possibilitam a atribuição de sentido e 
permitem que os indivíduos possam continuar agindo dentro dos seus grupos e estes, por sua 
vez, mantenham-se em funcionamento dentro do sistema (CAMPOS; LOUREIRO, 2003). 
Ainda sobre isso, Jodelet (2001) afirma que as representações são saberes mais “vividos” que 
“pensados”. Portanto, tal como Dieb (2004, p.70), acreditamos que a TRS procura explicitar a 
importância de se “conhecer a Representação Social (RS) de um determinado grupo da 
sociedade acerca de um objeto qualquer para que se compreenda o comportamento das pessoas 
em relação a ele.”. 
De acordo com Moscovici (2001), a construção da TRS baseou-se em subsídios de 
importantes teóricos que se debruçaram sobre o desenvolvimento humano. Dentre eles, Jean 
Piaget (1977; 1978) destaca-se como um dos mais influentes com suas contribuições sobre a 
constituição do pensamento infantil. Para o teórico, a criança não está inserida apenas na 
 
34 
sociedade dos adultos, mas ela se inclui também em sociedades espontâneas com outras 
crianças, nas quais irão surgir relações de respeito e de cooperação. Com isso, as implicações 
provenientes destas relações estão interligadas a representações correspondentes. Portanto, 
quanto mais a criança se liberta das pressões sociais do “mundo adulto” e passa a colaborar 
com ele, mais distintas serão suas representações. 
Partindo disto, Moscovici (2001) lançou a hipótese de que, assim como as crianças 
variam e adaptam suas representações infantis, os adultos, inseridos em seu contexto social, 
também poderiam realizar o mesmo movimento. Ainda para Piaget, os indivíduos 
impulsionados pela necessidade, tendem a incorporar as coisas e pessoas às atividades próprias, 
isto é, “assinalar o mundo exterior às suas estruturas já construídas”, ou seja, o que lhes é 
familiar (PIAGET, 1999, p.17). 
Numa esfera cultural do desenvolvimento humano, Vygotski (2000) também 
contribui com Moscovici na elaboração da TRS. O teórico russo postula que não se pode 
considerar o desenvolvimento das funções psicológicas superiores sem a influência da relação 
do ser com o social. Para ele, durante essa relação, o conhecimento passa por um processo de 
“internalização”, por meio do qual se realiza internamente a reconstrução de uma operação 
externa. Para Vigotski (2000), esse processo se dá por várias transformações, sendo que na 
primeira delas uma operação de origem externa se torna um processo interno após ter sido 
reconstruída. Logo em seguida, estes processos advindos das relações “interpessoais” se 
transformam em relações “intrapessoais”. E, por fim, esta transição de processos de origem 
externa, ou interpessoais, para processos internos ou interpessoais, ocorre durante os diversos 
eventos que transpassam os estágios do desenvolvimento. Esta constante relação possibilita a 
construção de novos saberes que, posteriormente, possibilitarão a elaboração de outros. Face 
ao exposto, Moscovici (2001) considerou tais perspectivas vigotskianas sobre a construção de 
saberes na elaboração da TRS. 
Ainda sobre os diálogos com outros teóricos para a construção da TRS, Freud (1905) 
também acrescenta, embora sob outra perspectiva, ideias sobre a internalização de um saber ao 
nível do caráter do indivíduo. Tomando como partida suas teorias sobre a formulação da 
sexualidade pelas crianças, Freud faz referência às inúmeras criações fantasiosas de pais e mães 
que, ao serem questionados pelos filhos sobre suas vidas sexual, dão vazão a lendas que atiçam 
ainda mais a curiosidade das crianças. Estas por sua vez, ao depararem-se com situações 
cotidianas que contradizem às lendas criadas pelos adultos da família, como trechos de 
conversas ou evidências concretas, como manchas de sangue em lençóis, por exemplo, têm sua 
curiosidade aguçada o que possibilita a criação de teorias responsivas a tais conflitos. Estas 
 
35 
respostas “assumem um caráter social, pois são transmitidas em conversas espontâneas entre 
elas, criando assim uma cultura própria, plena de representações, que sutilmente reprimem-se 
no inconsciente” (DIEB, 2004, p.71). 
Em constante reflexão sobre as ideias abordadas em tais estudos, Moscovici (2001) 
formula a questão que serviria de base para a elaboração da TRS: como averiguar no indivíduo 
adulto o processo de construção e de transformação de saberes assim como o amplamente 
estudado em crianças? Como resposta para tal questão, Moscovici (2001) retoma um termo da 
Sociologia que forneceu uma grande contribuição para a Psicologia Social. 
O termo o qual nos referimos é a noção de representações coletivas (RC) de 
Durkheim (2001). Do ponto de vista do sociólogo, as RC envolvem uma cadeia completa de 
formas intelectuais que compreendem ciência, religião, mito, modalidades de tempo e espaço 
etc., e são condizentes com os saberes por estas difundidas, estando presentes em todas as 
sociedades (MOSCOVICI, 2003). Para Durkheim, “RC se constituem em um instrumento 
explanatório e se referem a uma classe geral de ideias e crenças” (MOSCOVICI, 1999, p. 49), 
cuja característica consiste em externar o que de irredutível à experiência individual e que se 
estende no tempo e espaço social. 
Durkheim (2001) classifica e põe em lados opostos as RC e as representações 
individuais. Para o sociólogo francês, as RC têm suas próprias leis e pertencem a outra natureza, 
diferenciada do pensamento individual. Seguindo o pensamento durkheimiano, as 
representações são coletivas à medida que exercem uma coerção sobre cada indivíduo e 
conduzem os homens a pensar e agir de uma maneira uniforme. Sendo assim, o sociólogo 
compreende que este saber partilhado e reproduzido coletivamente ultrapassa o individual, o 
que permitiria às RC a atribuição de objetividade, ou seja, com caráter de exterioridade ao 
sujeito. Portanto,

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