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Políticas Sociais; Estratégia e Planejamento; Políticas Públicas. Introdução ao Pensamento de Futuros na Gestão Pública Enap, 2022 Fundação Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Desenvolvimento Profissional SAIS - Área 2-A - 70610-900 — Brasília, DF Fundação Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Desenvolvimento Profissional Conteudista/s André Oliveira Arruda (conteudista, 2022). Sumário Módulo 1: Introdução ao pensamento de Futuros na Gestão Pública ..............7 Unidade 1: O que é e para que serve o Pensamento de Futuros .....................7 1.1 O que são Estudos de Futuros .................................................................................. 7 1.2 Alfabetização em Futuros ....................................................................................... 11 1.3 Possibilidades de Aplicação dos Estudos de Futuros ......................................... 13 Referências ..................................................................................................................... 16 Unidade 2: Aplicação de Estudos de Futuros na Gestão Pública ......................17 2.1 A importância do Pensamento de Futuros na Gestão Pública ........................... 17 2.2 Projetos de Longo Prazo na Gestão Pública ........................................................ 19 Referências ..................................................................................................................... 22 Módulo 2: Visão de Futuro ................................................................................... 23 Unidade 1: O que são Visões de Futuros ............................................................ 23 1.1 A O que são Visões de Futuros ............................................................................... 23 Referências ..................................................................................................................... 29 Unidade 2: Cronologia do Design Fiction .............................................................. 30 2.1 Da Ficção Científica para Visão de Futuro ............................................................. 30 2.2 Cyberpunk e Steampunk ........................................................................................... 32 Referências ..................................................................................................................... 37 Unidade 3: Narrativas emergentes na Visão de Futuro ....................................38 3.1 Perspectiva Global Atual Para a Visão de Futuro ............................................... 38 3.2 Estética Cultural e Visão de Futuro......................................................................... 39 3.2.1 Afrofuturismo ................................................................................................. 39 3.2.2 Solarpunk ....................................................................................................... 41 3.2.3 Amazofuturismo ............................................................................................ 43 3.2.4 Cyberagreste ................................................................................................. 46 Referências ..................................................................................................................... 47 Unidade 4 - Materialização da Visão de Futuro .................................................. 48 4.1 - Construção da Visão de Futuro através do Design Fiction ................................ 48 4.2 - Processo de Materialização de Artefatos de Futuro ........................................ 50 Referências ..................................................................................................................... 52 4Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 5 - Ferramenta de Visão de Futuro ...................................................... 53 5.1 - Vision Canvas para Construir um Projeto de Visão de Futuro ........................ 53 5.2 - Projetos Estratégicos Utilizando o Vision Canvas .............................................. 55 Referências ..................................................................................................................... 60 Módulo 3: Mapeamento de Tendências de Futuro ............................................61 Unidade 1: Introdução aos Sinais Fracos ........................................................... 61 1.1 O que é Mapeamento de Tendências de Futuros? ............................................. 61 1.2 O que são Sinais Fracos? ........................................................................................ 63 1.3 Identificando Black Swan ......................................................................................... 64 1.4 Abordagem de Amy Webb ..................................................................................... 67 Referências ..................................................................................................................... 70 Unidade 2: Identificação de Macrotendências Através de Drivers de Mudanças .......71 2.1 Antropologia Antecipatória ..................................................................................... 71 2.2 O que são Drivers Mudança? ................................................................................... 72 2.2.1 Ambiental ........................................................................................................ 74 2.2.2 Sociedade ........................................................................................................ 78 2.2.3 Econômico ....................................................................................................... 82 2.2.4 Tecnológico ..................................................................................................... 86 2.2.5 Governo .......................................................................................................... 88 Referências ..................................................................................................................... 90 Unidade 3: Ferramentas para mapear Tendências de Futuros ........................91 3.1 Roda dos Futuros ..................................................................................................... 91 3.2 Sete Fundações ......................................................................................................... 93 3.3 Aplicação na Gestão Pública ................................................................................... 95 Referências ..................................................................................................................... 98 Módulo 4: Cenários Prospectivos ........................................................................ 99 Unidade 1: Introdução aos Cenários Prospectivos ............................................99 1.1 Contexto Histórico dos Cenários Prospectivos ..................................................... 99 1.2 Visão de Herman Kahn ......................................................................................... 100 1.3 Método Delphi ....................................................................................................... 102 1.4 Visão de Gaston Berger ......................................................................................... 103 Referências ................................................................................................................... 106 Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 5 Unidade 2: Cenários Utópicos x Distópicos ...................................................... 107 2.1 Caracterização de Cenários ................................................................................... 107 2.2 Utopia e Distopia .................................................................................................... 109 2.3 Protopia por Bielskyte ...........................................................................................112 Referências ................................................................................................................... 115 Unidade 3: Mapa de polaridade e cenários de 4 arcos ....................................116 3.1 Como Utilizar a Ferramenta de Mapa de Polaridade ........................................ 116 3.2 Como Utilizar a Ferramenta Cenários de 4 Arcos ............................................ 118 3.3 Projetos de Cenários Prospectivos na Gestão Pública ..................................... 119 Referências ................................................................................................................... 127 Módulo 5: Implementação de Estratégias de Longo Prazo .............................128 Unidade 1: Introdução a Estratégia de Longo Prazo .......................................128 1.1 Como são Aplicadas Estratégias de Longo Prazo em Grandes Empresas ..... 128 Referências ................................................................................................................... 132 Unidade 2: Desenvolvimento de Roadmap ....................................................... 133 2.1 Ferramenta de Roadmap para seu Campo Profissional ................................... 133 2.2Desenvolvimento de Roadmap em Projetos Estratégicos ................................. 134 Referências ................................................................................................................... 138 Unidade 3: Ferramentas para Implementação de Estratégia de Longo Prazo: OKR e KPI............................................................................................................... 139 3.1 Ferramentas OKR e KPI: Características e Diferenças ...................................... 139 3.2 Aplicação de OKR e KPI em Projetos Estratégicos .............................................. 141 Referências ................................................................................................................... 148 Unidade 4: Processo de Backcasting ................................................................. 149 4.1 Como Funciona a Ferramenta de Processo de Backcasting ............................. 149 4.2 Backcasting aplicado em projetos estratégicos .................................................. 150 Referências ................................................................................................................... 155 6Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Apresentação e Boas-vindas Olá, cursista, seja bem-vindo(a) ao curso Introdução ao Pensamento de Futuros na Gestão Pública. Antes de iniciar seu estudo neste tema, assista ao vídeo de apresentação! Videoaula: Apresentação do Curso Olá! Seja bem-vindo(a) ao curso Introdução ao pensamento de Futuros na Gestão pública. O curso está estruturado em cinco módulos: • No primeiro módulo, serão abordados os aspectos introdutórios relativos à importância de praticar pensamentos futuros em diferentes contextos, através da apresentação de conceitos e referências. • No segundo módulo iremos nos aprofundar na construção de Visões de futuros focados na gestão pública. • No terceiro módulo nós iremos abordar o tema de mapeamento de sinais fracos e tendências e a relevância na esfera pública. • No quarto módulo iremos focar na construção de Cenários de futuros através de metodologias e estudos de caso. • No quinto módulo iremos abordar o desenvolvimento de estratégias de curto, médio e longo prazo para alcançarmos futuros desejáveis dentro e fora da gestão pública. Aprender sobre Pensamentos de Futuros irá abrir seus horizontes sobre sua concepção de mundo e será fascinante! Então é hora de começar essa jornada! https://cdn.evg.gov.br/cursos/665_EVG/video/modulo01_video01/index.html 77 Módulo Introdução ao pensamento de Futuros na Gestão Pública1 Antes de começar sua jornada de estudos, você saberia dizer o que são Estudos de Futuros? Talvez algumas temáticas podem vir a sua mente como: • previsão do futuro; • premonição; • profecia, entre outros semelhantes. Nesse módulo serão abordados conceitos relevantes para o entendimento sobre Pensamentos de Futuros, através de contextos mais amplos da prática e processos, e como este tema se torna relevante para o setor público. Para isso, haverá duas unidades abordando de maneira introdutória os assuntos relevantes. Você também terá acesso a uma entrevista, em formato de podcast, com a diretora Mariana Pontes, responsável pela gestão do plano de longo prazo da cidade de Recife, que apresentará os principais desafios e objetivos alcançados na implementação do plano. Sinta-se convidado(a) a embarcar nesta incrível jornada de Pensamentos de Futuros na Gestão Pública. Vamos lá? 1.1 O que são Estudos de Futuros Unidade 1: O que é e para que serve o Pensamento de Futuros Objetivo de aprendizagem Ao final desta unidade, você será capaz de reconhecer o que é o Pensamento de Futuros e como praticá-lo. 8Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Essas temáticas podem tanger de alguma forma essa área de estudo, mas não se resumem a elas. Contudo, não existe uma definição precisa e única sobre Estudos de Futuros, entende-se que de maneira geral: Este desejo de prever acontecimentos remete às civilizações antigas, como a Grécia do século VIII a.C., cujo papel do oráculo seria a entidade responsável por fazer previsões do futuro, ou até mesmo ser o transmissor da palavra de Deus. Estas narrativas são encontradas ao longo do tempo em diferentes civilizações como a nórdica, egípcia, chinesa, entre diversas outras. Neste sentido, o Pensamento de Futuros pode ter diferentes direcionamentos, mas em geral é uma atividade focada para entender possibilidades de acontecimentos de futuros e, desta forma, poder se estruturar para abrandar impactos, ou até mesmo direcionar esforços para alcançar um determinado cenário. A abordagem na construção de futuros tem como objetivo prever possibilidades de acontecimentos no curto, médio e longo prazo, e poder se estruturar de maneira a amenizar impactos indesejáveis ou até mesmo estruturar processos para alcançar cenários desejáveis. Pensamentos de Futuros. Fonte: Freepick (2022). Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 9 Oráculo de Delfos. Fonte: Girassol Viagens (2017). A partir desse contexto você pode perceber que o desejo de entender o que acontecerá no futuro é algo que vem acompanhando a história do ser humano ao longo do desenvolvimento das civilizações e, por consequência, do ser humano. Porém, observando a atualidade, ao longo dos últimos séculos diferentes processos científicos e metodológicos foram sendo desenvolvidos com o objetivo de identificar as possibilidades de futuros, muito mais do que necessariamente tentar adivinhar o que iria acontecer. Uma das primeiras publicações sobre identificação de cenários futuros ocorreu no ano de 1901, quando o pioneiro escritor britânico Herbert George Wells, conhecido como H. G. Wells, publicou o livro Antecipações da reação do progresso mecânico e científico: sobre a vida e o pensamento humanos. Wells (1901) propõe cenários para o ano 2000 “prevendo” que a classe produtiva do futuro, ou seja, a mão de obra que estruturará o modelo de atividade econômica da época, será capaz de desenvolver um modo de vida caracterizado por uma visão de mundo científica, um ethos, ou seja comportamentos e valores culturais, de dever social e uma visão não sentimental das relações pessoais, onde 10Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Contexto bélico dos Estados Unidos. Fonte: Unplash (2022). Elaboração: CEPED/UFSC (2022) famílias dessa classe irão viver em lares eficientes, sem necessidade de empregados domésticos, por exemplo. Estas perspectivas incluídas no livro de Wells (1901) trazem cenários de futuros pensados um século atrás. Em seus estudos o autor também aborda quelínguas como o espanhol e o russo, até o ano 2000 tenderão cada vez mais a ser as segundas línguas das comunidades bilíngues. Nas décadas seguintes, a partir dos acontecimentos das guerras mundiais, novos estudos iriam iniciar enfocando em diferentes contextos, como por exemplo, o contexto bélico dos Estados Unidos durante a guerra fria, momento em que o governo investia em estratégias para tomada de decisão a partir de possíveis cenários de conflito. Outro contexto semelhante foi a análise prospectiva apresentada por filósofos e pesquisadores franceses que iriam precisar desenvolver estratégias para reestruturar cidades e países destruídos após a segunda guerra mundial. Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 11 1.2 Alfabetização em Futuros Ao longo das últimas décadas, diferentes fatores impactaram a maneira de viver, como: • mudanças climáticas; • evolução exponencial das tecnologias; • fatores macroeconômicos globais; • polarização política, entre outros. A partir desses fatores foi demonstrada a relevância de existir uma estratégia que facilite a tomada de decisão baseada em evidências a partir de eventos que poderiam mudar radicalmente o futuro. Neste sentido, organizações globais começaram a investir esforços e recursos para estimular a prática de planejamento a longo prazo. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), junto à agência especializada das Nações Unidas com sede em Paris, iniciou programas de “alfabetização em futuros” na década de 2012, a partir da expertise em promoção de programas de longo prazo e seu papel como laboratório de inovação global. Neste sentido, ocorreu o começo de iniciativas descentralizadas para estimular a apropriação de processos e ferramentas por agentes de diferentes localidades, de maneira a democratizar o acesso ao conhecimento e estimular a construção de futuros desejáveis. Como a própria Unesco (2022) define a Alfabetização em Futuros: É uma capacidade. É a habilidade que permite que as pessoas compreendam melhor o papel do futuro no que veem e fazem. Ser alfabetizado sobre o futuro fortalece a imaginação, aumenta nossa capacidade de preparar, recuperar e inventar à medida que as mudanças ocorrem. (UNESCO, 2022).tradução nossa) Segundo a organização, o objetivo da alfabetização em Futuros parte da necessidade de construir imagens inspiradoras e esperançosas do futuro através da colaboração, para evitar que imagens de colapso e guerra invadam o imaginário das pessoas. 12Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Esses Laboratórios de Alfabetização do Futuro empregam a aprendizagem pela ação e a inteligência coletiva para cocriar o significado de sustentabilidade, paz e inclusão onde as pessoas vivem, trabalham [e se divertem]. Quando as pessoas são capazes de decidir por que e como usar o futuro, elas se tornam mais capazes de detectar e criar o que de outra forma seria invisível – inovação e transformação. Eles estão mais à vontade com novidade e experimentação. Menos ansioso com a incerteza. Mais humilde sobre controlar o futuro. Mais confiante em ser capaz de compreender e apreciar o potencial aberto pela mudança. (UNESCO, 2022). Para isto a Unesco estimula a realização de atividades estruturadas de aprendizagem prática, em que qualquer pessoa de qualquer área poderá aprender a construir imagens dos futuros, entendendo o contexto em que estão inseridas. Veja na imagem a seguir quais são essas atividades de aprendizagem prática estruturadas pela UNESCO (2021): Atividades de Aprendizagem Prática Estruturadas pela Unesco (2021). Elaboração: CEPED/UFSC (2022). Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 13 Para concretizar os conhecimentos que viu na imagem anterior, a Unesco financia projetos, tendo implementado mais de 80 laboratórios globais nos últimos 8 anos. Em dezembro de 2019, a Unesco realizou o primeiro Global Futures Literacy Design Forum com 28 laboratórios diferentes e envolvendo pessoas de todo o mundo. No Brasil, o movimento #freethefuture, lançado recentemente, também está impulsionando a alfabetização do futuro. Em 2020 o Fórum Mundial Econômico compartilhou as 4 habilidades necessárias para tornar o planeta melhor após a Covid-19, sendo a primeira a alfabetização em futuros. Talvez seja hora de nossa sociedade dar mais um passo à frente para lidar com esse novo desafio, tornando-se uma sociedade mais “alfabetizada do futuro”. Essa é a habilidade que permite às pessoas imaginar melhor e dar sentido ao futuro. É importante porque são as imagens do futuro que impulsionam nossas expectativas, decepções e vontade de investir ou mudar (Fórum Econômico Mundial, 2020). 1.3 Possibilidades de Aplicação dos Estudos de Futuros Ao analisar na aplicação prática dos estudos de futuros, você pode ter diferentes perspectivas a partir das necessidades específicas, tanto dentro como fora dos governos. Por ser um tema relativamente recente, sendo explorado com maior profundidade no último século, as próprias terminologias de aplicação podem não ser unânimes, por isso é importante que se atente às terminologias descritas no quadro a seguir. Terminologias Abordagens Estudos do futuro Termos genéricos que englobam todos os estudos e métodos elaborados na tentativa de antecipar ou construir o futuro.Future studies Antecipação e previsão Embora os primeiros tratem o assunto de forma mais genérica, ambos veem o futuro como um porvir tendencial, que pode ser analisado por meio de séries históricas, aplicando-se ferramentas matemáticas. Quanto mais confiáveis forem as bases de dados, e mais amplo o período de tempo de que elas contêm registros, mais confiável será a extrapolação. De qualquer forma, cabe ressaltar que exercícios dessa natureza não garantem, necessariamente, uma boa aproximação do futuro que irá se concretizar, apenas uma visão provável do mesmo. Forecast 14Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Conseguiu entender como funcionam as abordagens das terminologias? Antes de seguir com seus estudos veja a explicação dos termos porvir tendencial e séries históricas que foram citados na tabela dos autores: Porvir tendencial seria a consideração que o futuro é algo previsível, a partir da análise de tendências do presente e do passado. Séries históricas seriam análises passadas, logo a antecipação e previsão, seriam "previsões" do futuro a partir de análise de tendências e acontecimentos do passado. Voltando a temática de aplicação, quando são relacionadas aplicações em contexto de inovação, Burmeinster et al. (2004) compartilha cinco parâmetros que estudos de futuros podem contribuir, sendo eles: 1. Antecipação da procura futura; 2. Maior qualidade do processo através de informações importantes; 3. Orientação ao contexto inserido; 4. Construção de planejamento de inovação factível de ser implementado; 5. Identificação de inovações estratégias para o seu negócio. Prospecção Os métodos dessa categoria são aqueles que priorizam abordagem qualitativa na análise do futuro, tendo como principal objetivo a coesão de esforços dos envolvidos na definição do futuro desejado e na conjugação de esforços para torná-lo exequível. Visam identificar elementos para a melhor tomada de decisão, levando em consideração aspectos econômicos, sociais, ambientais, científicos e tecnológicos, sendo frequentemente associados à grande temporalidade. Dessa forma, apresentam viés exploratório ou normativo, no qual a reflexão coletiva sobre os desafios futuros conduzem à definição de opções estratégicas. Especificamente, a prospectiva territorial e o foresight regional apresentam particularidades relacionadas à existência de um grau mínimo de identidade local e poder político, bem como aos interesses dos atores (expectativas múltiplas e por vezes contraditórias). Prospectiva Prospectiva territorial Foresight Foresight regional La prospectiveTechnology assessment Esses conceitos são mais focados na análise de impacto das tecnologias vigentes e futuras, adotando uma postura mais de “radar” do que de “ação”. Para isso, acompanham a trajetória tecnológica, antecipando alternativas e consequências da mesma. Veille technologique Futuribles Dizem respeito aos futuros possíveis ou prováveis, constituindo-se em ferramentas no processo de investigação do futuro. Assim, não devem ser confundidos ou tomados na mesma medida dos demais conceitos. Cenários Terminologias de aplicação dos estudos de futuros. Fonte: Polacinski et al (2009 apud POLACINSKI, 2011). Elaboração: CEPED/UFSC (2022). Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 15 Você chegou ao final desta unidade de estudo. Caso ainda tenha dúvidas, reveja o conteúdo e se aprofunde nos temas propostos. Até a próxima! 16Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública BURMEINSTER, K.; NEEF, A.; BEYERS, B. Corporate Foresight. Murmann, 2004. FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL. Quatro habilidades para tornar o mundo melhor depois da covid-19. 2020. Disponível em: https://www.weforum.org/ agenda/2020/08/the-four-skills-to-make-the-world-better-after-covid-19/. Acesso em: 04 nov. 2022. FREEPIK COMPANY. [Banco de Imagens]. Freepik, Málaga, 2022. Disponível em: https://www.freepik.com/. Acesso em: 14 nov. 2022. GIRASSOL BRASIL. O Oráculo de Delfos e os Mitos Gregos. Girassol Brasil, 2017. Disponível em: https://www.girassolviagens.com/pt/o-oraculo-de-delfos/. Acesso em: 16 nov. 2022. POLACINSKI, E. Prospectiva estratégica de Godet: Processo de aplicação para arranjos produtivos locais. 439 f. Tese. (Doutorado em Engenharia de Produção) - Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina. 2011. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/94904/295960. pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 04 nov. 2022. UNESCO. Sobre Alfabetização em Futuros. 2022. Disponível em: https://en.unesco. org/futuresliteracy/about. Acesso em: 04 nov. 2022. UNSPLASH. [Banco de Imagens]. Unsplash, Montreal, 2022. Disponível em: https:// unsplash.com/. Acesso em: 14 nov. 2022. WELLS, H. G. Anticipations of the Reaction of Mechanical and Scientific Progress Upon Human Life and Thought. Editora Harper & Brothers. 1901. Referências https://www.weforum.org/agenda/2020/08/the-four-skills-to-make-the-world-better-after-covid-19/ https://www.weforum.org/agenda/2020/08/the-four-skills-to-make-the-world-better-after-covid-19/ https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/94904/295960.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/94904/295960.pdf?sequence=1&isAllowed=y Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 17 Unidade 2: Aplicação de Estudos de Futuros na Gestão Pública Objetivo de aprendizagem Ao final desta unidade, você será capaz de reconhecer a atuação da Gestão Pública no contexto de Estudos Futuros. 2.1 A importância do Pensamento de Futuros na Gestão Pública Relacionando ao contexto da gestão pública, o Observatório para Inovação no Setor Público (OPSI) publicou em 2020 o estudo Governança Antecipatória para Inovação. Esse estudo trata de um relatório para recomendar aos formuladores de políticas públicas a capacidade de explorar ativamente possibilidades, experimentar e aprender continuamente como parte de um sistema de governança mais amplo visando estratégias de longo prazo. O modelo das facetas da inovação da OPSI considera quatro razões para os governos inovarem: 1. Alcançar seus objetivos e resolver problemas (inovação orientada para a missão). 2. Adaptar-se às necessidades de seus cidadãos e ambientes em mudança (inovação adaptativa). 3. Gerir seus sistemas atuais de forma mais eficaz e eficiente (melhorar a inovação orientada para o aprimoramento). 4. Enfrentar futuros desafios, riscos e oportunidades (inovação antecipatória). Veja na imagem a seguir essas quatro razões em um esquema estruturado pela OPSI. 18Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Visão do Observatório para Inovação no Setor Público. Fonte: OPSI (2021). Elaboração: CEPED/UFSC (2022). Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Fonte: OECD (2020). Elaboração: CEPED/UFSC (2022) Para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE (2020) os governos precisam aprender a antecipar – isto é, criar conhecimento sobre o futuro – mas também tornar isso viável através da implementação de inovações. Por isso é necessário que o governo tenha uma nova abordagem que vise apoiar o processo de aprendizagem e tenha ações orientadas para o futuro baseada na experimentação empírica. Segundo a OCDE (2020), a inovação antecipatória envolve: 1. Estabelecer parâmetros em torno dos quais os formuladores de políticas desejam fazer mudanças: futuros preferíveis ou futuros a evitar. 2. Promover a experimentação em um ambiente real para determinar a eficácia política – idealmente com um subconjunto da indivíduos ou grupos que seriam afetados pela intervenção do governo, tecnologias ou mudanças em larga escala. Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 19 3. Reavaliar continuamente as políticas públicas com base no conhecimento da experimentação, e validar se estão indo em direção aos futuros desejados. A Governança Antecipatória da Inovação refere-se às estruturas e mecanismos que permitam e promovam a inovação antecipatória ao lado de outros tipos de inovação no setor público. Inovação antecipatória significa agir com base no conhecimento sobre o futuro, criando algo novo que tenha o potencial de impactar o valor público. A Governança Antecipatória da Inovação ajuda a explorar desafios complexos e incertos de políticas e a assumir uma postura proativa em relação ao futuro, permitindo que os governos explorem e funcionem diante de mudanças incertas. 2.2 Projetos de Longo Prazo na Gestão Pública A utilização de processos de Futuros tem como foco a utilização de um conjunto de processos e ferramentas estabelecidos e validados, em constante evolução e refinamento. Apesar da aplicação de processos de Futuros na gestão pública não ser algo recente, nas últimas décadas ela adquiriu maior relevância, em razão das amplas mudanças globais que estão ocorrendo, o que estimula a construção de novas políticas de inovação focadas na governança antecipatória. O laboratório VIA Estação Conhecimento, reúne um “grupo de professores e alunos que busca transformar o conhecimento de forma tangível e utilitária para a sociedade” (VIA, 2021), estabelecido na Universidade Federal de Santa Catarina - USFC, reuniu alguns estudos de caso de países que estão implementando mecanismos de governança para inovação antecipatória. Berlim (Alemanha): Senatskanzlei, CityLAB Berlin, Politics for Tomorrow: Organizações que trabalham no desenvolvimento de uma nova estratégia de cidade inteligente envolvendo a imaginação pública com pesquisas e entrevistas multilíngues e workshops de reflexão setorial sobre o futuro. 20Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Atenas (Grécia): Planejamento estratégico usando cenários sob ambiente volátil São elaboradas lições da elaboração de estratégias para a política de coesão da UE no Ministério do Desenvolvimento (aprendizagem de ação com questões focais sobre o futuro da Grécia). Sydney (NSW, Austrália): NSW’s Shaping Futures É uma instituição prospectiva com o objetivo de olhar para as grandes oportunidades e ameaças que o estado enfrenta. Seu foco principal é em tendências e cenários, incluindo o desenvolvimento de uma infraestrutura de tendências interna para oferecer suporte a uma aplicação consistente em todo o governo estadual. Uruguai: SARAS - South American Institute for Resilience and Sustainability Studies É um instituto que está experimentando melhorar as capacidades de antecipação usando o Quadro deAlfabetização do Futuro da UNESCO. O processo usa uma estrutura heurística conceitual para a Governança Antecipatória da Inovação para trabalhar em territórios (ação-aprendizagem-pesquisa) com tomadores de decisão e uma variedade de diferentes partes interessadas. Finlândia: OPSI (Observatório para Inovação no Setor Público) A instituição trabalhou em conjunto com o Governo da Finlândia e a Comissão Europeia para construir um modelo de governança de inovação antecipatória. Como parte do trabalho, a OCDE avaliou o atual sistema de direção de políticas públicas da Finlândia e sua capacidade de antecipação. O sistema de administração pública da Finlândia possui vários pontos fortes, sendo um dos que apresentam melhor desempenho em muitas questões importantes (Estado de Direito, confiança no governo, ética administrativa, etc.) entre os países da OCDE. Além disso, a Finlândia tem desenvolvido sistematicamente seu sistema de governança pública ao longo da última década, construindo seu sistema de previsão estratégica, funções de experimentação e desenvolvimento de mecanismos de coordenação que apoiam a aceitação de desafios complexos. Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 21 O modelo de Governança Antecipatória da Inovação estabelece a capacidade combinada do governo para: • antecipar a emergência de mudanças, • estabelecer visões para o futuro desejado e, • desenvolver inovações para alcançar esse futuro desejado. Agora para apresentar esta temática em um projeto prático no contexto nacional, ouça a seguir a entrevista realizada em 2022 com Mariana Pontes, Diretora da Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES), que é uma organização social sem fins lucrativos e responsável pelo desenvolvimento e implementação do plano de longo prazo para a capital pernambucana conhecido como “Recife 500 anos”. Nesta entrevista Mariana compartilha quais foram os principais desafios ao longo dos últimos seis anos de desenvolvimento e atualização do Plano e principais entregáveis para a sociedade e gestão pública. Que bom que você chegou até aqui! Agora é a hora de você testar seus conhecimentos. Para isso, acesse o exercício avaliativo disponível no ambiente virtual. Bons estudos! Podcast: Desafios na Elaboração de Plano de Longo Prazo para Cidades https://cdn.evg.gov.br/cursos/665_EVG/podcast/modulo01_podcast01/pc01.mp4 22Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública OBSERVATORY OF PUBLIC SECTOR INNOVATION. Antecipatory Innovation Governance Note. 2020. Disponível em: https://oecd-opsi.org/wp-content/ uploads/2020/11/AnticipatoryInnovationGovernance-Note-Nov2020.pdf. Acesso em: 05 nov. 2022. OCDE - ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (Paris). Disponível em: https://www.oecd.org/. Acesso em: 14 nov. 2022. VIA. Governança antecipatória da inovação: o que é, como funciona e por que é tão necessária. 2021. Disponível em: https://via.ufsc.br/governanca-antecipatoria- da-inovacao/. Acesso em: 05 nov. 2022. Referências Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 23 Módulo Visão de Futuro 2 Nesse módulo serão abordados conceitos e processos referentes à construção de Visão de Futuro em diferentes contextos. Para isso, o módulo está estruturado da seguinte maneira: • Na primeira unidade será apresentada a construção geral de uma visão de futuro. • Na segunda unidade será apresentada a cronologia das narrativas de futuro, entendendo sua origem. • Na terceira unidade será apresentado um conjunto de novas narrativas de futuros emergentes e como elas repercutem no nosso cotidiano. • Na quarta unidade será abordado o tema de Design Fiction e como esse processo pode ser integrado à Visão de Futuro. • Na quinta unidade será apresentada como utilizar algumas ferramentas que facilitam a construção da Visão de Futuro. Sinta-se convidado(a) a embarcar na construção da Visão de Futuro! 1.1 A O que são Visões de Futuros Unidade 1: Introdução a construção da Visão de Futuro Objetivo de aprendizagem Ao final desta unidade, você será capaz de reconhecer a perspectiva geral da construção de Visões de Futuros. Apesar de não existir uma definição única sobre Visões de Futuros, este termo é utilizado para apresentar uma determinada visão de algo que se deseja alcançar, através de uma narrativa textual, imagética ou oral, de maneira a conseguir influenciar as pessoas para construírem e alcançarem este futuro desejável. 24Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Em geral, quando se precisa transformar uma organização, empresa ou até mesmo governo, é necessário construir uma visão unificadora. Kotter (1996) descreve oito passos para transformar uma visão de mudança. Já desenvolvimento de uma visão estratégica estabelece a base para a mudança, investindo tempo e esforço para concordar, por meio de um processo de debate e adesão, a direção e os resultados esperados da mudança. Assim, é a imagem do futuro que descreve a razão pela qual é importante criar esse futuro. De acordo com Kotter (1996), a visão serve a 3 propósitos: • Esclarece a direção geral da mudança. Isso simplifica a tomada de decisões quando surgem discussões detalhadas, posteriormente, e ajuda a minimizar divergências e confusões quando os indivíduos trabalham para entender a direção da mudança. • Motiva os indivíduos a agir na direção certa, incluindo entender por que eles devem trabalhar com sua própria dor pessoal de curto prazo. Ver e entender a visão de longo prazo lhes dá algo pelo que lutar. • Coordena as ações de todos os envolvidos, o que, por sua vez, reduz o desperdício e, portanto, os custos. Fazendo a pergunta "Isso está de acordo com a visão?" permite que as pessoas voltem rapidamente seu foco para o esforço de mudança. Visão Unificadora. Fonte: Freepick (2022). A visão de mudança se trata do processo de criar a visão, uma vez que um senso de urgência para a mudança tenha sido criado e uma poderosa aliança de direção tenha sido formada, aí sim, cria-se a visão. Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 25 Kotter (1996) afirma que desenvolver uma visão é um exercício tanto da cabeça quanto do coração, leva algum tempo, sempre envolve um grupo de pessoas e é difícil fazer bem. Geralmente, a visão estratégica lida com questões-chave como: • O que nossa organização faz? • Como nos destacamos entre organizações semelhantes? Essas perguntas podem ser feitas às lideranças, como gestores públicos, conselhos ou até mesmo tomadores de decisão, em geral quanto mais colaborativo, melhor. Os principais componentes das visões estratégicas incluem a visão, a missão, os valores e as estratégias de um grupo. O processo de construir uma visão estratégica tem como objetivo definir o propósito de uma organização e como ela irá alcançá-lo em um período de vários anos. Para descobrir para onde uma organização está indo, a visão estratégica exige que os membros do grupo compreendam o passado da organização, sua posição atual e as possíveis direções que ela pode tomar no futuro. Visão É uma descrição do que uma organização espera ser no futuro, já a declaração de missão é aplicável no presente e no futuro, por isso serve como meio de alcançar a declaração de visão. Um exemplo de uma declaração de visão para uma organização sem fins lucrativos poderia ser “Um mundo sem moradia”, enquanto sua declaração de missão poderia ser “fornecer assistência e colocação de emprego para os sem-teto e desempregados”. Valores Os valores são pilares centrais e pontos fortes de uma organização compartilhados entre todos que pertencem a organização. Eles conduzem a cultura da equipe e fornecem a estrutura usada para tomar decisões importantes. 26Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Contudo, para que todos esses componentes que você viu anteriormente sejam realmente eficazes, eles devem ser integrados à cultura de umaorganização, pois eles não podem permanecer como pedaços de texto isolados em uma página da web ou folheto, e este é o grande desafio, não só das empresas como também das gestões públicas. Esses componentes-chave devem ser avaliados ciclicamente, tanto da perspectiva dos membros internos quanto da perspectiva do público externo. As discrepâncias entre o que é sentido internamente e o que é aprendido ouvindo pessoas externas podem ajudar a determinar quais devem ser as novas estratégias de uma organização. A área de Futurologia considera uma gama mais ampla de questões e mudanças em todos os setores. Isso pode incluir questões emergentes e tendências sociais gerais. Estratégia A estratégia de uma organização é uma combinação de seus objetivos finais desejados (a visão) e as políticas que ela adotará para atingir os objetivos. Uma declaração de missão, visão e valores bem elaborada pode orientar uma organização em direção a políticas e mudanças sistêmicas que ajudarão sua visão a se tornar realidade. Uma organização que nomeia integridade e lealdade como valores- chave tomará decisões de maneira diferente de uma organização que nomeia cidadania global e sustentabilidade ambiental, por exemplo. Avaliação Interna e Externa de uma Organização. Fonte: Freepick (2022). Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 27 Esses setores adotam uma perspectiva geral – uma abordagem sistêmica – para identificar e entender a mudança e procurar os impulsionadores sistêmicos dessa mudança. Vale se atentar que pensar sistemicamente sobre o futuro não é tentar acertar o futuro, mas sim não ser pego desprevenido! Os impactos potenciais das decisões de longo prazo podem não ser visíveis se o prazo proposto na estratégia for muito curto. Um futuro preferencial fornece aos usuários um foco estratégico de longo prazo que informa a tomada de decisões hoje. O futuro é usado como um ponto final estratégico: Ajudar as organizações a avançar com clareza de propósito que fornece a capacidade e flexibilidade para mitigar desafios e aproveitar oportunidades úteis à medida que surgem. O Foresight, termo utilizado para desenvolver visões de futuro engajadoras e estratégicas, permite que seus usuários olhem para frente, identificando futuros possíveis, plausíveis e prováveis e, em seguida, desenvolvam um futuro preferido. O Futuro como Objetivo Estratégico. Fonte: Freepick (2022). 28Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Na mudança organizacional, a visão de futuro é um passo essencial no início do processo para obter uma visão compartilhada do tipo de organização que o grupo deseja desenvolver. Durante a implementação, a visão é uma maneira de verificar se o processo de mudança está no caminho certo. Como as abordagens prospectivas consideram uma ampla gama de questões e mudanças em todos os setores, elas adotam uma perspectiva geral – uma abordagem sistêmica – para identificar e entender a mudança. O conhecimento do que o quadro geral contém reduz a incerteza, fazendo com que uma organização se sinta mais confortável com as decisões que está tomando. Você chegou ao final desta unidade de estudo. Caso ainda tenha dúvidas, reveja o conteúdo e se aprofunde nos temas propostos. Até a próxima! A visão de futuro em um contexto organizacional é melhor concebida e posicionada como um aspecto do pensamento estratégico, que se destina a abrir uma ampla gama de percepções das opções estratégicas disponíveis, de modo que a elaboração de estratégias seja potencialmente mais sábia. O pensamento estratégico está preocupado com a exploração, muitas vezes baseada em informações e opções limitadas e irregulares, e não nas etapas necessárias para a implementação de ações, que é o domínio do planejamento estratégico. (CONWAY, 2002). Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 29 CONWAY, M. Implementing Organisational Foresight: A Case Study in Learning from the Future. In: International conference at the University of Strathclyde Graduate School of Business in Glasgow, 2002. FREEPIK COMPANY. [Banco de Imagens]. Freepik, Málaga, 2022. Disponível em: https://www.freepik.com/. Acesso em: 14 nov. 2022. KOTTER. J. P. Leading Change: an action plan from the world's foremost expert on business leadership. Harvard Business Review Press, 1996. Referências 30Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Quando é abordada a construção da Visão de Futuros, em geral, o propósito se trata de influenciar a partir da construção de narrativas. Desta maneira, é necessário que entenda o contexto do surgimento das narrativas futuristas para que possa elaborar as suas visões. Veja a seguir uma linha cronológica do Desenvolvimento deste gênero narrativo. 2.1 Da Ficção Científica para Visão de Futuro Unidade 2: Cronologia do Design Fiction Objetivo de aprendizagem Ao final desta unidade, você será capaz de reconhecer a cronologia e o desenvolvimento de narrativas de futuros. Ficção Científica. Fonte: Freepik (2022). Então, caso você tenha uma curiosidade e decida fazer uma análise cronológica das visões de futuros, você irá se deparar com os primeiros temas abarcando narrativas futuristas que foram as de ficção científica. Surgimento do Gênero Ficção Científica De acordo com essa perspectiva, o gênero surgiu para dar sentido às enormes extensões de conhecimento empírico e capacidade tecnológica ao longo dos séculos XVII e XVIII (tal como o modelo copernicano do sistema solar, descobertas no Novo Mundo, avanços médicos, microscópios). Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 31 Primeiro Romance de Ficção Científica Diversos escritores, pesquisadores e críticos como Brian Aldiss apontam que Frankenstein, a obra-prima de Mary Shelley de 1818, é o primeiro romance de ficção científica justificado pelos eventos fantásticos que ocorrem não por causa de magia ou milagre, mas puramente por meio da ciência, trazendo uma camada de ciência junto à narrativa do livro. Popularização da Ficção Científica O termo “ficção científica" foi popularizado na década de 1920 por um dos principais defensores do gênero, o editor americano Hugo Gernsback. O gênero surgiu formalmente no Ocidente, cujas transformações sociais provocadas pela Revolução Industrial levaram pela primeira vez escritores e intelectuais a extrapolar o impacto futuro da tecnologia. Frankestein. Fonte: Wikipédia (2022). 32Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública livro A Fundação de Isaac Asimov. Fonte: Editora Aleph (2019). Ficção Científica como Gênero Literário Uma abundância de realizações científicas e tecnológicas nos últimos 100 anos foi profetizada na literatura de ficção científica muito antes de virem à existência física. Você pode não saber, mas existe uma relutância da sociedade em reconhecer não apenas como a literatura de ficção científica prevê o futuro, mas também o impacto que ela tem em moldá-lo. Ao longo da história moderna, tem existido uma relação simbiótica entre a ficção e os campos da ciência e da tecnologia. A ficção científica pioneira sintetiza e populariza novas ideias da imaginação, o que pode levar outros a estabelecer as implicações de tais ideias no mundo real ou deixá-las dentro do mundo da ficção. Na ampla variedade de subgêneros de ficção científica, o cyberpunk foi reconhecido como uma marca particularmente orientada para o futuro na ficção científica 2.2 Cyberpunk e Steampunk Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 33 extrapolativa ao longo do último século. Como movimento literário, o cyberpunk também significa uma atitude original em relação ao futuro, derivada de um paradigma pós-moderno, algo inédito até então. Esse paradigma é representado pela afirmação de que o futuro implodiu no presente. Tal afirmação pode ser descrita pelas palavras de J.G. Ballard, que na introdução de seu romance Crash escreveu: Aodescrever o futuro próximo, os escritores cyberpunks parecem compartilhar o ponto de vista de Ballard, tal como Kamrowska (2014) ao afirmar o seguinte: Nos romances cyberpunk, a noção de tecnologia é o elemento crucial que constitui sua visão de futuro. Gênero Cyberpunk. Fonte: Freepik (2022). “O futuro está deixando de existir, devorado pelo presente voraz. Anexamos o futuro ao presente, como apenas uma dessas múltiplas alternativas abertas a nós”. cyberpunk, com todas as suas críticas, mostra um futuro que podemos razoavelmente esperar e mostra pessoas lidando com sucesso, sobrevivendo e manipulando-o (KAMROWSKA, 2014). 34Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Um dos autores relevantes do gênero cyberpunk, Bruce Sterling afirma em um prefácio de seu livro Mirrorshades (1986) que os cyberpunks são talvez a primeira geração de ficção científica a crescer não apenas dentro da tradição literária da ficção científica, mas em um mundo verdadeiramente de ficção científica. O termo cyberpunk indica dois elementos-chave na ficção cyberpunk: • O primeiro elemento ‘cibernético’ indica um sistema de controle de alta tecnologia que combina computadores e outras tecnologias avançadas com estratégias de vigilância e controle; • O segundo elemento – ‘punk’ – significa uma subcultura urbana e anárquica. A fusão desses dois mundos resultou em uma vertente inovadora da literatura de ficção científica, que se tornou não apenas o pano de fundo ideológico de toda a sociedade da computação, mas também é considerada uma importante inserção na literatura pós-moderna. Capa do Livro Mirrorshades. Fonte: Wikipédia (2022). Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 35 O lema do cyberpunk: “high tech, low life” indica que aparelhos tecnológicos avançados são usados não apenas por corporações multinacionais e agendas governamentais, mas também por gângsteres suburbanos, artistas underground e forasteiros. Esse lema também é um dos elementos cruciais da aplicação do cyberpunk na previsão. (KAMROWSKA, 2014) Quando são tratadas de narrativas futuristas, a partir do cyberpunk novos desdobramentos começam a surgir, como o caso do Steampunk. Surgido a partir de uma interseção de ficção científica, fantasia e história, Steampunk imagina como a tecnologia poderia ter evoluído sem o benefício da eletricidade ou dos computadores. A filosofia Steampunk oferece uma maneira de resolver problemas de design, levando-nos a pensar menos em termos de ou/ou e mais em termos de pluralidades. Steampunk é um meio de reinvenção, solução criativa de problemas e de se tornar mais resiliente, desenvolvendo o poder de se adaptar e afetar mudanças de maneira significativa. Em sua essência, steampunk é uma releitura e reinvenção do passado através da criação de novos objetos. Steampunk. Fonte: Freepik (2022). 36Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública “E se tivesse sido diferente?”. Quem nunca fez essa pergunta, que atire a primeira pedra. Os jovens que participam do steampunk não atiram pedras, mas performatizam uma visão de mundo e lançam reflexões a partir dessa inquietante pergunta. Fruto da ficção científica contemporânea, em seu subgênero cyberpunk, pode-se dizer que o steampunk salta das páginas da literatura que lhe deu origem e ganha forma em uma cultura urbana juvenil que conquista cada vez mais adeptos mundo afora (PEGORARO, 2017). O objetivo principal é imaginar o seguinte questionamento: E se tivesse sido diferente? Essa pergunta não tem como objetivo apenas especular sobre o passado, mas também para que reflita sobre as suas escolhas e o impacto que trouxeram para a sociedade global. Você chegou ao final desta unidade de estudo. Caso ainda tenha dúvidas, reveja o conteúdo e se aprofunde nos temas propostos. Até a próxima! O steampunk é um movimento que parte de um contexto retrofuturista. A mistura entre elementos do passado (numa caracterização retro) com tecnologia futurista é o seu ponto de partida, trazendo narrativas visuais da revolução industrial e era vitoriana. Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 37 ASIMOV, I. Trilogia da Fundação. São Paulo: Aleph, 2019. FREEPIK COMPANY. [Banco de Imagens]. Freepik, Málaga, 2022. Disponível em: https://www.freepik.com/. Acesso em: 14 nov. 2022. KAMROWSKA. A Cyberpunk, Anime and Creative Foresight. The Polish Journal of the Arts and Culture. 2014. Disponível em: http://www.pjac.uj.edu.pl/ documents/30601109/0fb29b92-e904-4133-ae35-2c5322c13550. Acesso em: 05 nov. 2022. PEGORARO, E. A experiência urbana steampunk: entre a literatura de ficção científica e as ruas do Brasil. In: Revista Iberoamericana. 2017. Disponível em: https://revista- iberoamericana.pitt.edu/ojs/index.php/Iberoamericana/article/viewFile/7518/7635. Acesso em: 05 nov. 2022. STERLING, B (Ed.). Mirrorshades: The Cyberpunk Anthology. Westminster: Arbor House, 1986. WIKIPÉDIA. Frankenstein. Wikipédia, 2022. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/ wiki/Frankenstein. Acesso em: 14 nov. 2022. Referências 38Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Considerando os fatos globais que vêm ocorrendo nas últimas décadas, como eventos climáticos extremos, visões políticas polarizadas, conflitos bélicos, crise dos modelos econômicos vigentes, evolução da tecnologia, entre vários outros fatores, ficou evidente que novas narrativas de futuro seriam necessárias para estimular a construção de futuros desejáveis para engajar a humanidade. E aí, como você acha que essas temáticas irão conversar com as narrativas de futuros? Nesse sentido, você verá nesta unidade algumas das narrativas de futuros mais recentes, incorporando visões territoriais e culturais de maneira a incluir grupos menorizados nestas perspectivas futuras. 3.1 Perspectiva Global Atual Para a Visão de Futuro Unidade 3: Narrativas emergentes na Visão de Futuro Objetivo de aprendizagem Ao final desta unidade, você será capaz de resumir as narrativas mais recentes que endereçam as discussões para Visões de Futuro. Precisamos de imagens do amanhã; e nosso povo precisa deles mais do que a maioria. Sem uma imagem do amanhã, fica-se preso pela história cega, economia e política além do nosso controle. Um está amarrado em uma teia, em uma rede, sem nenhuma maneira de lutar livremente. Somente tendo imagens claras e vitais das muitas alternativas, boas e ruins, de onde se pode ir, teremos algum controle sobre a maneira como podemos realmente chegar lá em uma realidade que o amanhã trará muito rapidamente. (DELANY, 1984) Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 39 Quando se dialoga sobre novas narrativas, um dos pontos cruciais é entender a perspectiva de grupos não incluídos na maior parte das vezes nestas narrativas de futuro. Para isto, são apresentadas narrativas emergentes, desenvolvidas nas últimas décadas, de maneira a contemplar diferentes perspectivas com o objetivo de ampliar a inclusão e construir cenários de maneira colaborativa. Uma destas narrativas que teve grande destaque nos anos mais recentes, apesar de ser uma área discutida desde os anos 90’ é o Afrofuturismo. O conceito levanta possibilidades de vivência negra em mundos que não são marcados pelo racismo e pela opressão, funcionando como crítica à realidade atual. 3.2 Estética Cultural e Visão de Futuro 3.2.1 Afrofuturismo O termo Afrofuturismo é utilizado para definir a convergência da visão afrocêntrica com a ficção científica, inserindo a negritude em um contexto de tecnologia e projeções sobre o futuro. Colagem Afrofuturista. Fonte: Kaylan Michael (2020). 40Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Apesar do afrofuturismo ter tomado relevância nos últimos anos a partir de filmes como Pantera Negra, assim como estéticas musicais e audiovisuais, o termo surgiu na década de 90, quando a socióloga americana Alondra Nelson criouo Afrofuturism, que era uma lista de discussão online pioneira sobre o tema, reunindo acadêmicos, artistas e pesquisadores para discutir as possibilidades e aplicações do conceito. São redes atualmente populares entre usuários de internet, entre outras: A partir deste movimento, diversas autoras e autores começaram a desenvolver narrativas onde a visão de futuro pudesse ser afrocentrada. Octavia Butler, uma das mais aclamadas autoras negras de ficção científica, traz em seus contos protagonistas negros e abordando questões de raça e gênero, em Speech Sounds ela chega a discutir questões de controle reprodutivo. Em Kindred, uma de das obras literárias, a autora levanta a questão da viagem no tempo: Questões de raça e gênero são cruciais para o desenvolvimento da história, assim como afirma Womack (2013): “se para homens brancos é sempre divertido, como no caso de De Volta Para O Futuro, para uma mulher negra a história é completamente diferente”. [...] o termo Afrofuturismo, assume a cultura digital que não cai na armadilha dos neocríticos ou dos futuristas de cem anos atrás. Esses trabalhos representam novas direções no estudo da cultura da diáspora africana que se baseiam nas histórias das comunidades negras, em vez de buscar cortar todas as conexões com elas. [...] O termo foi escolhido como o melhor guarda-chuva para os interesses da lista incluindo imagens de ficção científica, temas futuristas e inovação tecnológica na diáspora africana (ALONDRA, 2002). Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 41 Com a diversidade da nação e do mundo gerando um contraste cada vez mais radical em relação à diversidade presente em obras futuristas, não surpreende que o afrofuturismo tenha emergido. Quando, mesmo em um futuro imaginário, as pessoas não conseguem compreender a existência de uma pessoa que não seja de descendência europeia, uma atitude cósmica tem de ser tomada (WOMACK, 2013). Acho que a melhor maneira de explicar o solarpunk é contrastando-o com o gênero de ficção científica e fantasia chamado steampunk, do qual deriva a ideia de solarpunk. [...] Solarpunk também combina tecnologia moderna com tecnologia mais antiga, mas com uma diferença vital. No caso do steampunk, o foco na tecnologia vitoriana serve como diretriz para imaginar um mundo alternativo. No caso do solarpunk, o interesse em tecnologias mais antigas é impulsionado pela economia mundial moderna: se o petróleo não é mais uma fonte barata de energia, às vezes fazemos melhor para reviver tecnologias mais antigas baseadas em outras fontes de energia, como energia solar e energia eólica. É por isso que o Beluga Skysail é o navio de carga oficial e honorário do solarpunk. (REPUBLIC OF THE BEES, 2008). Em relação a perspectiva climática para a construção de narrativas futuras, se tornou nítida a necessidade de trazer perspectivas positivas, de maneira a estimular visões de futuros desejáveis para contornar o contexto crítico das mudanças climáticas. Neste sentido, em 2008 um blog chamado Republic of the Bees publicou: From Steampunk to Solarpunk. A postagem começa com a conceitualização do solarpunk, apresentando-o como um gênero literário inspirado por steampunk: 3.2.2 Solarpunk 42Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Este movimento recente tem como objetivo encorajar visões otimistas do futuro sob a luz das presentes questões climáticas, tais como mudança climática e poluição, bem como desigualdade social. Em 2012, a primeira antologia solarpunk é lançada por Gerson Lodi-Ribeiro, intitulada Solarpunk: Histórias ecológicas e fantásticas em um mundo sustentável foi lançada no Brasil; tendo sido traduzido para inglês em 2018. Belula Skysails. Fonte: REPUBLIC OF THE BEES (2008). Capa do livro Solarpunk: Histórias ecológicas e fantásticas em um mundo sustentável. Fonte: Amazon (20--) Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 43 Em outubro de 2019, a comunidade autodenominada “Solarpunk Community” publicou um Manifesto compartilhando sua visão e objetivos, dentre eles: Solarpunk é um movimento de ficção especulativa, arte, moda e ativismo que busca responder e incorporar a pergunta “como é uma civilização sustentável e como podemos chegar lá?” A estética do solarpunk funde o prático com o belo, o bem desenhado com o verde e o exuberante, o brilhante e colorido com o terroso e sólido. Solarpunk pode ser utópico, apenas otimista ou preocupado com as lutas a caminho de um mundo melhor, mas nunca distópico. Enquanto nosso mundo se agita com a calamidade, precisamos de soluções, não apenas de avisos. Soluções para prosperar sem combustíveis fósseis, para gerenciar de forma equitativa a escassez real e compartilhar em abundância, em vez de apoiar a falsa escassez e a falsa abundância, para sermos mais gentis uns com os outros e com o planeta que compartilhamos. Solarpunk é ao mesmo tempo uma visão do futuro, uma provocação ponderada, uma forma de viver e um conjunto de propostas alcançáveis para chegar lá. (THE SOLARPUNK COMMUNITY, 2019). A partir do desenvolvimento de narrativas globais, diversos artistas notaram a ausência de uma territorialidade representada nestas visões de futuro. 3.2.3 Amazofuturismo Neste contexto surgiu o conceito de amazofuturismo, um subgênero da ficção científica que tem como objetivo explorar narrativas futuristas amazônicas. O amazofuturismo cria uma nova perspectiva sobre as histórias de civilizações avançadas localizadas no coração da selva Amazônica. 44Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública O subgênero nasceu com as ilustrações do artista João Queiroz em 2019, que influenciaram o imaginário de escritoras e roteiristas, que têm incorporado as ideias amazofuturistas em suas criações. O amazofuturismo surgiu de uma convergência de inspirações e necessidades. Alguns meses antes de criar a ilustração Cyberamazon, eu estava interessado no cyberpunk e toda sua teoria e estética. Fiz alguns trabalhos com esse tema e logo percebi que a estética atual do gênero estagnou em um retrofuturismo dos anos 80, porque, claro, Blade Runner, Akira, Alita e Ghost in the Shell continuam sendo grandes fontes de inspiração [...] A Cyberamazon foi minha primeira tentativa de inserir uma personagem próxima da minha etnia num trabalho de ficção científica, algo que sinceramente nunca tinha visto representado. Por eu ter nascido no norte do país e por ser caboclo, senti maior afinidade em trabalhar com os temas lá de minha terrinha e minha ascendência (ZUIN, 2019). Amazofuturismo. Fonte: LIDIA ZUIN blogosfera.uol (2019). Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 45 De acordo com o escritor Rogério Pietro, autor do primeiro romance amazofuturista publicado, o novo subgênero: O autor propõe 4 pilares para identificar uma narrativa amazofuturista, sendo estas: 1. Os indígenas, a etnia ou o povo representado, seja real ou fictício, deve ser da selva amazônica. Do contrário não seria amazofuturismo. Obras de arte futuristas sobre povos indígenas de outras localidades podem receber novas denominações. é um avanço visual, estético e conceitual das lendas indígenas brasileiras. A noção de uma civilização avançada e perdida no meio da selva amazônica não é nova. O amazofuturismo lança um novo olhar sobre o conceito. (PIETRO, 2021). 2. A tecnologia indígena deve ser inovadora e única. O simples fato de dar aos personagens telefones celulares ou computadores não caracteriza o amazofuturismo. Pelo contrário, o uso de tecnologias tipicamente usadas por outros povos seria apenas uma descaracterização da cultura indígena. 3. Os avanços tecnológicos devem estar em harmonia com o meio ambiente. A sociedade indígena amazofuturista deve ser utópica, voltada para o bem-estar dos habitantes e sempre respeitar a selva e os animais. Se uma sociedade indígena amazônica for retratada com um olhar distópico,em que o meio ambiente e a sociedade foram degradados, então o termo amazofuturismo não pode ser usado. Esse tipo de visão talvez pudesse ser chamado de “amazopunk”, o que não é o objetivo do novo subgênero da ficção científica. 4. As histórias devem ser contadas do ponto de vista dos personagens indígenas, e não mais do ponto de vista do personagem explorador/colonizador que se deslumbra ao encontrar uma cidade maravilhosa no seio da selva amazônica. Por outro lado, as histórias amazofuturistas não precisam ter autoria exclusiva de escritores ou roteiristas indígenas. O amazofuturismo vem para unir os povos num ideal estético e conceitual, e não promover a segregação racial. 46Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Eu sempre gostei da cultura brasileira e achava estranho não ver nada dessa cultura em obras de ficção e fantasia. Com o tempo, comecei a pensar e imaginar algumas fusões e, logo de cara, pensei como seria o Brasil em um futuro cyberpunk. Fiz algumas pesquisas e uns esboços de vestimentas do sul e do nordeste, mas acabei optando por iniciar os desenhos voltados para o sertão cyberpunk, daí o surgimento da série Cyberagreste (ZUNIN, 2019). Junto com ao desenvolvimento da visão amazofuturista, diferentes artistas de outras regiões também foram estimulados a construir narrativas que estivessem integradas ao território brasileiro. Neste sentido em 2019, artistas como Vitor Wiedergrün iniciaram o desenvolvimento de arquétipos da cultura nordestina e do cangaço com inspiração cyberpunk. 3.2.4 Cyberagreste Cyberagreste. Fonte: LIDIA ZUIN blogosfera.uol (2019). Como você pode notar, sempre haverá um novo contexto para que diferentes perspectivas possam ser contempladas em narrativas de futuros inclusivas. Você chegou ao final desta unidade de estudo. Caso ainda tenha dúvidas, reveja o conteúdo e se aprofunde nos temas propostos. Até a próxima! Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 47 ALONDRA. N. Future Texts. In: Social Text, 71, v. 20, n. 2, 2002. p. 2-19. Disponível em: https://monoskop.org/images/0/0e/Nelson_Alondra_ed_Afrofuturism_Social_ Text.pdf. Acesso em: 06 nov. 2022. DELANY, S. R. Starboard wine. More notes on the language of science fiction. [s.l.]: Dragon Press, 1984. PIETRO. R. Amazofuturismo. 2021. Disponível em: https://amazofuturismo.com. br/. Acesso em: 06 nov. 2022. REPUBLIC OF THE BEES. From steampunk to solarpunk. 2008. Disponível em: https://republicofthebees.wordpress.com/2008/05/27/from-steampunk-to- solarpunk/. Acesso em: 06 nov. 2022. THE SOLARPUNK COMMUNITY. A solarpunk Manifesto. Disponível em: https:// www.academia.edu/43062167/A_Solarpunk_Manifesto. Acesso em: 06 nov. 2019. WOMACK. Afrofuturism: the world of Black Sci-Fi and fantasy culture. [s.l.] Lawrence Hill Books, 2013. ZUIN. L. Amazofuturismo e Cyberagreste: por uma nova ficção científica brasileira. 2019. Disponível em: https://lidiazuin.blogosfera.uol.com.br/2019/09/02/ amazofuturismo-e-cyberagreste-por-uma-nova-ficcao-cientifica-brasileira/. Acesso em: 06 nov. 2019. Referências 48Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 4 - Materialização da Visão de Futuro Objetivo de aprendizagem Ao final desta unidade, você será capaz de esclarecer o processo de materialização de visões de futuros através de artefatos e serviços prospectivos. 4.1 - Construção da Visão de Futuro através do Design Fiction Design Fiction. Fonte: Journey to Zero (2020). O Design Fiction pode ser entendido como uma disciplina, um método ou o uso intencional de protótipos que materializam narrativas de futuros de maneira detalhada e aprofundada nos temas e personagens. Assim, o protótipo, dentro do Design Fiction, é um produto, serviço ou alguma peça que existe apenas nesse mundo ficcional que o público está vendo. O Design Fiction é uma prática que tem o objetivo de explorar possíveis futuros e criar cenários teóricos e provocativos que são narrados através de objetos e serviços projetados no futuro. Se o design comum resolve problemas atuais, o Design Fiction amplia o propósito e tenta lidar com os maiores problemas da sociedade na perspectiva futura. Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 49 Esse método também procura responder a perguntas como: • Como o design deve impactar o mundo? • Como projetar um ecossistema mais saudável? • O que fazer para influenciar as culturas futuras? • Como as tecnologias futuras podem impactar os produtos e serviços e vice-versa? • O que não iria querer ver no futuro? Os questionamentos anteriores são uma maneira de facilitar debates, desenvolver novas ideias sem limitações e visualizar novas tecnologias em um futuro distante, enquanto utiliza uma narrativa para mostrar como essas tecnologias estão posicionadas em um novo contexto. Ao inspirar novos imaginários e interações sobre o futuro, o Design Fiction avança as perspectivas de inovação e ajuda a tornar essas ideias reais o suficiente. Os itens clássicos da ficção científica são imaginários, e justamente por essa característica incentivam a inventividade. Tanto que muitas das invenções que fazem parte da atual realidade da sociedade, como o smartphone, apareceram primeiro em livros ou no cinema. O aplicativo Uber já pensa em cidades povoadas por carros voadores, por isso está criando uma narrativa para prospectar o potencial lançamento de sua frota, de acordo informações da Amy Gibbs (sócia da firma PwC), num relatório sobre o uso da técnica para explorar a inovação nos negócios. Narrativa de cidades povoadas por carros voadores. Fonte: Veja.abril (2019). 50Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública O objetivo é auxiliar os colaboradores a entenderem uma situação hipotética no futuro, e assim promover maior espaço para criatividade, inovação. Isso ajuda no desenvolvimento de novos produtos através da visualização e uma inspiração para a construção de futuros que são antes vividos na ficção e, depois, aplicados na prática. Grandes empresas, como Goodyear, Toyota, Ford, Uber, Embraer, Visa, Pepsi já utilizam essa metodologia para identificar problemas e oportunidades atuais e futuros, muitas vezes em horizontes de tempo de 10, 20 ou 30 anos. Essa metodologia já considerada como “nova” solução em produtos, serviços e até modelos de negócios, apresentados para problemas que surgirão no futuro, por isso o termo “fiction” ou especulativo. O termo foi inicialmente utilizado por Anthony Dunne, professor e chefe do programa de interações de design do Royal College de Londres, e Fiona Raby, professora de design industrial da Universidade de Viena. O americano Bruce Sterling, um dos mais respeitados autores de ficção científica, cunhou o termo “design fiction” em 2005. 4.2 - Processo de Materialização de Artefatos de Futuro Mesmo que as experiências de Design Fiction se baseiem em narrativas ficcionais, a pessoa que está criando sua experiência precisa focar na qualidade de seus argumentos e construção de cenários para que a ficção pareça verossímil o suficiente para se tornar imersiva. A princípio, isso pode parecer difícil, mas o processo de Design Fiction pode ser acessível através de algumas práticas como o exercício de quatro etapas inspirado em uma atividade chamada “Projetando o Futuro” conduzida na Haas School of Business, da Universidade de Berkeley. O que acha de fazer esse exercício? Escolha uma indústria Quais são as “tarefas a serem realizadas? Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 51 Escreva uma história sobre o futuro Como estes trabalhos da área escolhida irão mudar no futuro com a ajuda da tecnologia? Volte para às suposições O que precisaria ser verdade para o futuro ser real? Protótipo Comece a construir para testar e aprender. O que achou do exercício? Ficou mais simples o processo de criação do Design Fiction? Segundo a IDEO (2019), Design Fictioné a prática de criar protótipos tangíveis e evocativos de possíveis futuros próximos, para ajudar a representar as implicações, resultados e consequências da tomada de decisões. Usando esta abordagem, criam-se artefatos do futuro representando possíveis e prováveis implicações. O Design Fiction não apenas ajudou a informar o sentido, a estratégia e a tomada de decisões, mas também reformulou a cultura, ajudando as equipes dentro de organizações a serem mais flexíveis e preparadas diante da incerteza futura através das seguintes ações: • promover a colaboração criativa, o diálogo, o pensamento crítico e, finalmente, o alinhamento entre os silos departamentais. • considerando riscos e oportunidades futuros de novas maneiras, por meio da exploração de externalidades, coevoluções e cenários “e se”. • sondagem de preconceitos, suposições não testadas e pontos cegos. • encorajar as pessoas a pensar tanto sobre as implicações de uma nova tecnologia, produto ou serviço quanto sobre suas aplicações. Você chegou ao final desta unidade de estudo. Caso ainda tenha dúvidas, reveja o conteúdo e se aprofunde nos temas propostos. Até a próxima 52Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública BERGAMASCO, D. Uber voador brasileiro será ‘para uso da massa’, diz CEO da EmbraerX. Revista Veja. São Paulo. 11 jun. 2019. Disponível em: https://veja.abril. com.br/tecnologia/carro-voador-brasileiro-sera-para-uso-da-massa-diz-ceo-da- embraerx/. Acesso em: 16 nov. 2022. GERBER, J. Prototype the future of your business with this 4 step design exercice. 2019. Disponível em: https://www.ideo.com/journal/prototype-the-future-of-your- business-with-this-4-step-design-exercise. Acesso em: 06 nov. 2022. GRAHAM, J. A leap into the unknown: how ‘design fiction’ is shaping our future. Neste. Journey to Zero, 21 fev. 2020. Disponível em: https://journeytozerostories.neste.com/ sustainability/leap-unknown-how-design-fiction-shaping-our-future#f4450214. Acesso em: 14 nov. 2022. Referências Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 53 Unidade 5 - Ferramenta de Visão de Futuro 5.1 - Vision Canvas para Construir um Projeto de Visão de Futuro Objetivo de aprendizagem Ao final desta unidade, você será capaz de esclarecer como usar a ferramenta Vision Canvas para facilitar a construção da Visão de Futuro em projetos estratégicos. Existem ferramentas que auxiliam na construção de um projeto de visão do futuro como o Vision Canvas. Uma declaração de visão às vezes é percebida como a imagem de sua empresa no futuro, mas é muito mais do que isso, pois declaração de visão de demonstra sua inspiração, a estrutura para todo o seu planejamento estratégico. O Vision Canvas ajuda a estabelecer clareza e consenso sobre a visão de futuro de determinada área, projeto ou corporação. Além disso, colabora para garantir que a visão de todas as pessoas esteja alinhada com os objetivos da organização, entendendo os desafios e potencialidades para alcançar esta visão além de criar oportunidade para todos os participantes terem voz no desenvolvimento desta visão. Declaração de Visão de uma Empresa. Fonte: Freepik (2019) 54Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Ao criar sua declaração de visão inicial, a empresa está essencialmente articulando seus sonhos para o seu negócio. Isso deve ser um lembrete do que vocês estão tentando realizar juntos. Isso pode se aplicar a toda empresa ou a uma única divisão da empresa. Seja para toda ou parte de uma organização, a declaração de visão responde à pergunta: Para onde queremos ir? Provavelmente, o maior aspecto do Vision Canvas é que toda a sua visão, incluindo ações, apoios, oportunidades e desafios, estará estruturada em um único lugar. Independentemente da abordagem escolhida para compor sua visão, você precisará envolver as pessoas certas. Isso inclui os tomadores de decisão, bem como todos os outros atores de uma equipe! Uma visão sem ações ou embaixadores para levar a mensagem adiante não vale mais do que o papel em que é impressa, por melhor que seja. Assim, a ferramenta Vision Canva se demonstra simples de compartilhar e fácil de traduzir em diretrizes concretas que os tomadores de decisão (e executores) precisam para realizar seus trabalhos e melhor ainda, criar uma visualização da visão de futuro. Veja na imagem a seguir como a visualização de futuro pode ser construída através da ferramenta Vision Canvas. Visualização do Vision Canvas. Fonte: Business Models Inc. (2022). Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 55 Para a construção da visualização do futuro, a ferramenta segue o seguinte caminho: 1. Declaração de Visão Qual é o estado futuro da nossa empresa/gestão? Como vamos ajudar nossos clientes? 2. Temas essenciais Quais são os temas essenciais que sustentam nossa visão? Descreva-os em 1 ou 2 palavras simples. 3. Como ele aparece Como os temas aparecerão em nossa empresa? Como eles tornarão os temas da visão concretos e como eles inspirarão os outros? 4. Suportes Quais são os suportes que nos permitem alcançar o nosso futuro? 5. Desafios Quais são os desafios que nos impedem de alcançar nosso futuro? 6. Cinco passos ousados Quais são os 5 passos ousados a serem dados para alcançar sua visão? 7. Valores-chave Quais são os valores cruciais que formam a base para sua visão e seus passos? Como podemos alinhar esses valores? O conteúdo anterior foi extraído e traduzido do site Business Models Inc. Clique aqui e acesse a plataforma para ver o conteúdo na íntegra. 5.2 - Projetos Estratégicos Utilizando o Vision Canvas O objetivo de utilizar a ferramenta Vision Canvas é permitir que um grupo específico de pessoas possam colaborar na construção da Visão de Futuro e posteriormente mapear as diversas informações para alcançar esta visão. Utilização do Vision Canvas. Fonte: Freepik (2022). https://www.businessmodelsinc.com/about-bmi/tools/five-bold-steps-vision-canvas/ https://www.businessmodelsinc.com/about-bmi/tools/five-bold-steps-vision-canvas/ 56Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Neste sentido, ela pode ser utilizada em diferentes contextos, tanto para definição dentro da sua organização, empresa, assim como setor específico, times de projetos, podendo ser aplicado em diferentes escalas de complexidade. Por isto, o principal desafio desta atividade é convergir em uma única visão as diferentes perspectivas do grupo. Ela é indicada tanto para ser realizada virtualmente quanto presencialmente. A utilização desta ferramenta é indicada para ser realizada com grupos de 3 à 8 pessoas e com duração entre 40 e 80 minutos. Discutindo e definindo uma visão consensual Comece discutindo e definindo uma visão consensual. Para isto, peça que as pessoas individualmente escrevam sua visão sobre aquele determinado desafio. Em seguida, agrupe e estimule a discussão para chegar em uma única convergência, através de conteúdo textual entre uma frase e um parágrafo. Como exemplo, serão utilizadas visões construídas durante workshops realizados virtualmente e presencialmente. Exemplo: Visão de Futuro da indústria alimentícia “Viabilizar a entrada no mercado de soluções saudáveis e sustentáveis na América Latina através de soluções saudáveis e sustentáveis, nos comunicando e sendo relevantes para as gerações mais jovens e as fidelizar, com o objetivo de nos tornarmos referência a médio prazo.” Exemplo: Visão de Futuro de ecossistema de inovação brasileira “Ser instituição protagonista e visionária referência em criar estratégias e pontes para apoiar a consolidação do Sistema Nacional de CT&I, colocando a inovação a serviço dos principais desafios socioambientais e potencialidades do Brasil.” Exemplo: Visão de Futuro do Brasil no contexto energético “Alcançar nível de autossuficiência e diversificar matrizes energéticas com foco em energia sustentável.” Enap Fundação Escola