Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
W BA 05 09 _V 2. 0 DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL 2 Fernanda Brusa Molino São Paulo Platos Soluções Educacionais S.A 2022 DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL 1ª edição 3 2022 Platos Soluções Educacionais S.A Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César CEP: 01418-002— São Paulo — SP Homepage: https://www.platosedu.com.br/ Head de Platos Soluções Educacionais S.A Silvia Rodrigues Cima Bizatto Conselho Acadêmico Alessandra Cristina Fahl Ana Carolina Gulelmo Staut Camila Braga de Oliveira Higa Camila Turchetti Bacan Gabiatti Giani Vendramel de Oliveira Gislaine Denisale Ferreira Henrique Salustiano Silva Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Coordenador Gislaine Denisale Ferreira Revisor Alessandra Aparecida Sanches Editorial Beatriz Meloni Montefusco Carolina Yaly Márcia Regina Silva Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)_____________________________________________________________________________ Molino, Fernanda Brusa Direito ambiental internacional / Fernanda Brusa Molino. – São Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A., 2022. 36 p. ISBN 978-65-5356-258-5 1. Meio ambiente. 2. Direito humanos. 3. Proteção do clima. I. Título. CDD 344.046 _____________________________________________________________________________ Evelyn Moraes – CRB: 010289/O M723d © 2022 por Platos Soluções Educacionais S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Platos Soluções Educacionais S.A. https://www.platosedu.com.br/ 4 SUMÁRIO Apresentação da disciplina __________________________________ 05 Introdução ao direito ambiental internacional _______________ 07 Meio Ambiente e Direitos Humanos _________________________ 18 Águas, mares e seus recursos no âmbito internacional ______ 29 Proteção do Clima ___________________________________________ 41 DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL 5 Apresentação da disciplina Na disciplina de Direito Ambiental Internacional, você terá uma visão ampla sobre os principais temas ambientais presentes no Direito Internacional, especialmente o Direito Internacional Público. Assim, será apresentada a evolução do Direito Ambiental Internacional, apresentando temas, eventos e textos internacionais de destaque na seara, como a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano, de 1972, e a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, de 1992. Outro tema muito presente e debatido é o reconhecimento do Direito Ambiental como um dos direitos presentes junto ao rol de direitos humanos, sendo um tema de muita controvérsia e questionamentos diversos, especialmente considerando seu status junto à legislação nacional pátria. É importante mencionar a questão do Direito do Mar, analisando especificamente a proteção dos mares, oceanos e seus recursos, sendo esse tema muito presente no Direito Internacional como um todo, possuindo reflexões e desdobramentos relevantes em cada divisão, como o público, o privado, o comercial e o ambiental. Assim, quando se analisa a questão marítima, é importante apresentar a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, de 1982, oferecendo destaque para a proteção dos recursos marinhos vivos ou oriundos do subsolo, proliferando outros tratados internacionais de proteção de espécies marinhas especificas ou em relação à sua exploração. 6 Por fim, outro tema vigorante no Direito Ambiental Internacional, é a proteção do clima, sendo um dos temas mais recentes e que demandam estudos técnicos e textos muito complexos, merecendo total atenção à documentos como a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris. Assim, seu estudo estará pautado em temas atuais e de grande reflexão junto ao Direito Internacional e o Direito Ambiental. 7 Introdução ao direito ambiental internacional Autoria: Fernanda Brusa Molino Leitura crítica: Alessandra Aparecida Sanches Objetivos • Compreender os conceitos introdutórios do Direito Ambiental Internacional. • Identificar e aplicar os princípios do Direito Ambiental Internacional. • Conhecer as fontes do Direito Ambiental Internacional. 8 1. Conceitos e evolução histórica do Direito Ambiental Internacional Será apresentada a evolução histórica do Direito Ambiental Internacional, bem como seu conceito, correlacionando com as fontes formais presentes no Direito Internacional, aplicados também ao Direito Ambiental Internacional e, por fim, os principais princípios presentes no Direito Ambiental Internacional serão abordados, trazendo sua breve contextualização. Inicialmente, vale apresentar o conceito de Direito Ambiental apresentado pelo professor Antunes (2021): É um direito que tem por finalidade regular a apropriação econômica dos bens ambientais, de forma que ela se faça levando em consideração a sustentabilidade dos recursos, o desenvolvimento econômico e social, assegurando aos interessados a participação nas diretrizes a serem adotadas, bem como padrões adequados de saúde e renda. Ele se desdobra em três vertentes fundamentais, que são constituídas pelo: (i) direito ao meio ambiente, (ii) direito sobre o meio ambiente e (iii) direito do meio ambiente. (ANTUNES, 2021, p. 7) Assim, ampliando o conceito para a esfera internacional, Mazzuolli (2021) apresenta como: O conjunto de regras e princípios criadores de direitos e deveres de natureza ambiental para os Estados, para as organizações internacionais intergovernamentais e, também, para os particulares (indivíduos e organizações privadas). (MAZZUOLI, 2021, p. 924) Portanto, sucintamente, pode-se destacar que o Direito Ambiental Internacional ou o Direito Internacional do Meio Ambiente corresponde ao compilado de normas, abarcando princípios, regras expressas e costumes, presentes no cenário internacional, destinados à proteção do meio ambiente, considerando todos os seus aspectos, ou seja, 9 os recursos naturais, o ambiente ao seu redor, que articule com o desenvolvimento econômico e social além de seus habitantes, considerando pessoas humanas e toda a fauna. Importante destacar que o Direito Ambiental Internacional não é uma ciência autônoma, mas possui destaque diante da dimensão e preocupação de Estados e organizações internacionais, que os danos advindos dessa intervenção junto ao meio ambiente ocasionam para além das fronteiras dos Estados propriamente dito. É importante mencionar a evolução histórica do Direito Ambiental no cenário internacional e, para isso, é importante retornar ao ano de 1972, com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, também denominado como Conferência de Estocolmo. Essa conferência tem uma relevância para o Direito Ambiental no cenário interno e internacional, justamente porque consiste no primeiro grande evento de defesa do meio ambiente de repercussão internacional, tratando da importância do debate da proteção do meio ambiente no plano internacional, contando com a presença de cento e treze estados e mais de quatrocentas organizações não governamentais (MAZZUOLI, 2021, p. 926). Esse evento ocorreu em razão de uma série de outras repercussões e manifestações solenes na seara ambiental, que ocorreram durante o período das grandes guerras mundiais, mas, um evento de destaque com grande repercussão no mundo, foi o caso da Fundição Trail, consistindo em uma arbitragem entre Estados Unidos e Canadá sobre poluição atmosférica transfronteiriça, uma vez que as demandas internas, junto aos tribunais americanos e canadenses, apesar de favoráveis à não contaminação, não cessaram as emissões (MAZZUOLI, 2021, p.925). Sobre os fatos, a Fundição Trail, localizada junto ao Canadá, realizava a emissão de fumaça tóxica de dióxido de enxofre, em razão do uso 10 do cobre e zinco. Essa fumaça tóxica se destinava aos Estados Unidos, causando prejuízos à agricultura, animais e à saúde dos habitantes do entorno contaminado. Em 1941, foi encerrado o julgamento com a decisão favorável aos Estados Unidos e a expressão de um princípio até hoje utilizado e presente em diversos tratados ambientais, que corresponde a proibição de qualquer Estado em usar ou permitir o uso de seu território para a emissão de gases que gerem danos ao território alheio, bens ou pessoas quando apresentar consequências graves e o dano for comprovado. Portanto, esse caso apresenta a inovação do uso e difusão de um princípio base do Direito Ambiental Internacional e questões ambientais de repercussão internacional ganham corpo à medida que outros casos acabam surgindo junto aos tribunais, versando sobre poluição atmosférica transfronteiriça, contaminação de mares e aguas internacionais e o uso de recursos naturais comuns, especialmente no período pós-guerra, fomentando o surgimento de tratados internacionais de cunho preservacionista do meio ambiente, de modo a evitar as contaminações do ar e das águas, bem como da limitação à caça e à pesca, junto à espécies determinadas, reconhecendo a impossibilidade de uso indiscriminado e insustentável dos recursos naturais. Da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano surgem documentos importantes, como a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, também conhecido como Declaração de Estocolmo, que apresenta os principais princípios ambientais de cunho político; o Plano de Ação para o Meio Ambiente, contemplando recomendações para o desenvolvimento de políticas ambientais alinhadas ao desenvolvimento sustentável; e a resolução que instituiu o programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que é um órgão subsidiário da Assembleia Geral, que tem o objetivo de fomentar ações e programas de proteção ao meio ambiente no cenário internacional e nacional junto aos Estados-membros. 11 Desse modo, é evidente a relevância da Conferência de Estocolmo na seara jurídica ambiental internacional, trazendo repercussões junto à legislação internacional, como também interna dos Estados. Outro aspecto que merece menção é que a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano apresenta a ideia da necessidade de preservação dos recursos naturais e do meio ambiente, de modo a propiciar o desenvolvimento econômico, assim, apresenta o conceito de desenvolvimento sustentável de modo muito embrionário, porém, sem o torná-lo expresso. Após a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, apesar do fomento e ampliação das normas de Direito Ambiental Internacional, incidentes ambientais de proporção internacional continuaram a ocorreram nos anos subsequentes e em número cada vez maiores. Diante desse cenário, é possível citar alguns casos famosos, como o uso do agente laranja na Guerra do Vietnã, que é um agente tóxico desfoliante que auxiliava no combate junto às florestas vietnamitas e gerou a contaminação das águas superficiais e subterrâneas, acarretando uma série de doenças junto à população vietnamita. Ademais, em 1986, houve o incêndio de uma fábrica de inseticidas na Suíça, ocasionando a contaminação do Rio Reno pelas águas utilizadas para apagar o incêndio, poluindo as águas ao longo do rio Reno, ocasionando a mortandade de espécies fluviais e afetando todos os países cortados por ele. Por fim, em 1986, houve a contaminação radioativa pela Usina de Chernobyl, na Ucrânia, com o superaquecimento de um de seus quatro reatores, que culminou com a explosão do reator, gerando a emissão de gases radioativos na atmosfera e a exposição do núcleo radioativo deste reator, com efeitos fatais para a população do entorno da usina. Esse acidente trouxe efeitos globais de contaminação, já que houve a dispersão desses gases para diversos países europeus, como a Polônia, Alemanha, Áustria, Itália, França, Bélgica, Países Baixos e Turquia, além 12 de países de outros continentes, como Japão, China, índia, Estados Unidos, Canadá, entre outros. Diante desse cenário nefasto, em 1987, a Assembleia Geral das Nações Unidas divulgou o relatório preparado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, denominado como Nosso Futuro Comum. Esse relatório ficou conhecido mundialmente como Relatório Brundtland, sendo apresentadas propostas para implementação de políticas e programas para o fomento do desenvolvimento sustentável. O Relatório Brundtland inovou com a apresentação da ideia basilar para o conceito de desenvolvimento sustentável quando informa: A humanidade tem a capacidade de tornar o desenvolvimento sustentável para garantir que ele atenda às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias precisa. O conceito de desenvolvimento sustentável implica limites–não limites absolutos, mas limitações impostas pelo estado atual da tecnologia e organização social sobre recursos ambientais e pela capacidade da biosfera de absorver os efeitos das Atividades. Mas a tecnologia e a organização social podem ser gerenciadas e melhoradas para tornar caminho para uma nova era de crescimento econômico. (ONU, 1987, p. 16) Outro aspecto de destaque do relatório, é que apresentou a tese sobre responsabilidade coletiva em relação à proteção de recursos naturais universais, como clima e biodiversidade, expressando a necessidade de assistência dos países desenvolvidos para com os países em desenvolvimento. Este trabalho foi importante porque acarretou influências para a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, que ocorreu no Rio de Janeiro e contou com a participação de cento e setenta e oito estados. Essa Conferência ficou popularmente conhecida como Cúpula da Terra ou ECO-92. Do mesmo modo que a conferência realizada, em 1972, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento resultaram 13 em documentos importantes, como a Agenda 21, que é um documento com proposição de políticas públicas junto à área social, econômica e ambiental pelos países membros; a Declaração de Princípios sobre as Florestas, que correlaciona princípios para a exploração econômica de florestas, especialmente as tropicais; e a Declaração de Princípios sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que é um compilado de princípios não vinculantes que imperam no Direito Ambiental com a apresentação de temas como responsabilidade, proteção de interesses futuros e o combate à pobreza e desigualdades sociais. A Cúpula da Terra ainda trouxe outro legado relevante, que foi a criação da Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, que era um órgão do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, com o objetivo de acompanhar a implementação da Agenda 21 e avanços das políticas de promoção do desenvolvimento sustentável. Em 2013, a Comissão foi substituída pelo Fórum Político de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável, sendo um órgão vinculado à Assembleia Geral. Portanto, é claro que o Direito Ambiental Internacional merece destaque, especialmente na análise e implementação das normas já apresentadas, como de toda sua evolução histórica, que demonstra com exemplos graves a importância da proteção do meio ambiente em um cenário globalizado, alterando algumas concepções sobre responsabilidade e uso de recursos naturais 2. Princípios do Direito Ambiental Internacional Após a apresentação da evolução histórica e consolidação do Direito Ambiental Internacional, mediante a análise dos documentos internacionais de maior destaque, merece atenção o estudo acerca dos princípios expressos e utilizados no Direito Ambiental Internacional.14 No âmbito do Direito Ambiental Internacional, alguns documentos já mencionados apresentam alguns fundamentos importantes, como Declaração de Princípios sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. É também necessário analisar outros documentos importantes, como a Convenção-Quadro sobre Mudança Climática e a Convenção sobre Biodiversidade, que apresentam conceitos e fundamentos de princípios que serão apresentados. Assim, os princípios que serão tratados são: Figura 1 – Princípios de Direito Ambiental Internacional Fonte: elaborada pela autora. Assim, o princípio do desenvolvimento sustentável se destaca após o surgimento da Declaração de Princípios sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e tem como principal ideia a atribuição do elemento meio ambiente às políticas de desenvolvimento, seja no campo econômico, social e cultural, de modo a alcançar as gerações presentes e futuras. Esse princípio ainda vislumbra o uso de modo equitativo dos recursos naturais considerados comuns. Por fim, se extrai a concepção de melhoria junto aos aspectos procedimentais administrativos, porém, isso se efetiva especialmente no âmbito interno, permitindo maior 15 participação da sociedade em questões de desenvolvimento econômico articulados às intervenções junto ao meio ambiente. O princípio da precaução está presente na Declaração de Princípios sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, se fundamentando no conceito de que, em caso de perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para que seja adiada a adoção de medidas eficazes em função dos custos para impedir a degradação ambiental. Já o princípio do poluído-pagador, também está expresso junto à Declaração de Princípios sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e tem como premissa a determinação acerca da internalização no ordenamento interno de mecanismos e instrumentos de responsabilidade e de medidas preventivas, que tornem o poluidor o único a arcar com os custos ambientais advindos do seu negócio, fortalecendo não a ideia de indenização, mas o não incentivo ao estabelecimento de padrões de qualidade baixos, incentivando a atenção e o cuidado com o exercício de atividades/ ações de alto impacto. Por fim, o princípio da responsabilidade comum, porém, diferenciada, apresenta três pontos de reflexão: a) necessidade de cooperação mundial entre os Estados na preservação do meio ambiente; b) todos os Estados possuem a responsabilidade comum na implementação de artifícios para a preservação ambiental; c) gradação diferenciada de responsabilidade entre os Estados, tendo como pressuposto o desenvolvimento econômico ao longo da história, assim, países desenvolvidos possuem uma responsabilidade maior no esforço de preservar o meio ambiente junto aos países em desenvolvimento. Portanto, os princípios apresentados estão presentes no Direito Ambiental Internacional e devem ser observados e aplicados em temáticas e controvérsias que possam ser suscitadas especialmente nas Cortes Internacionais. 16 3. Fontes de Direito Ambiental Internacional As fontes do Direito Ambiental Internacional são idênticas às fontes presentes no Direito Internacional, lembrando que o Direito Ambiental Internacional não é uma ciência autônoma, mas que apenas se destaca ante sua relevância no cenário internacional. Importante esclarecer que existem as fontes formais, que são os locais de onde provém, emana, nasce a norma jurídica, sendo reconhecidos os tratados internacionais, costumes internacionais e princípios gerais. A doutrina e a jurisprudência internacionais são meios auxiliares para a determinação da regra de Direito a ser aplicada, conforme estabelece o Estatuto da Corte internacional de justiça, junto a seu artigo 38. Portanto, pode-se estabelecer que as fontes do Direito Ambiental Internacional são: Figura 2 – Fontes do Direito Ambiental Internacional Fonte: elaborada pela autora. 17 Sucintamente, as fontes do Direito Ambiental Internacional são idênticas às fontes do direito internacional, com a diferenciação em relação à sua aplicação específica junto às questões ambientais e estão segmentadas em fontes formais e meios auxiliares de interpretação, conforme estabelece o Estatuto da Corte Internacional de Justiça, sendo mecanismos de indicação de normas a serem aplicadas. Portanto, é possível verificar a relevância e importância do Direito Ambiental Internacional no cenário global, especialmente nas últimas décadas; compreender e identificar as fontes formais de Direito Internacional, replicáveis ao Direito Ambiental Internacional e seus meios auxiliares de interpretação; e, ainda, identificar os principais princípios aplicáveis ao Direito Ambiental no plano internacional, que acabam sendo utilizados pelas cortes internacionais. Referências ACCIOLY, H. et al. Manual de direito internacional público, 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2021. ANTUNES, P. de B. Direito ambiental. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2021. MAZZUOLI, V. de O. Curso de Direito Internacional público, 14 ed. São Paulo: Grupo GEN, 2021. ONU. Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Disponível em: https://www.suape.pe.gov.br/images/publicacoes/ legislacao/1._1972_Declaracao_Estocolmo.pdf. Acesso em: 27 jul. 2022. ONU. Declaração de Princípios sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/proclima/wp-content/uploads/ sites/36/2013/12/declaracao_rio_ma.pdf. Acesso em 14 mai. 2022. ONU. Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento: Nosso Futuro Comum. Disponível em: https://sustainabledevelopment.un.org/ content/documents/5987our-common-future.pdf. Acesso em: 27 jul. 2022. https://www.suape.pe.gov.br/images/publicacoes/legislacao/1._1972_Declaracao_Estocolmo.pdf https://www.suape.pe.gov.br/images/publicacoes/legislacao/1._1972_Declaracao_Estocolmo.pdf https://cetesb.sp.gov.br/proclima/wp-content/uploads/sites/36/2013/12/declaracao_rio_ma.pdf https://cetesb.sp.gov.br/proclima/wp-content/uploads/sites/36/2013/12/declaracao_rio_ma.pdf https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/5987our-common-future.pdf https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/5987our-common-future.pdf 18 Meio Ambiente e Direitos Humanos Autoria: Fernanda Brusa Molino Leitura crítica: Alessandra Aparecida Sanches Objetivos • Compreender os direitos humanos e a inserção do meio ambiente como um dos pilares dos direitos humanos. • Conhecer os tratados internacionais de âmbito regional que protegem o meio ambiente. • Entender a legislação de proteção do meio ambiente no Brasil. 19 1. O direito ao meio ambiente e sua vinculação aos direitos humanos A proteção do Direito Ambiental será apresentada considerando a legislação interna pátria, como também mediante ao apresentado junto aos principais sistemas regionais presentes no Direito Internacional, como a organização dos Estados Americanos (OEA) e União Europeia. Outro fator de relevância é a apresentação dos direitos humanos e a inserção do direito ao meio ambiente junto à temática abarcada pelos direitos humanos, considerando sua integração com base na análise de classificação clássica adotada em gerações, correlacionando com a Organização das Nações Unidas (ONU). No mundo contemporâneo, não há como tratar do meio ambiente e sua proteção, considerando apenas a legislação interna de cada país, sendo evidente e claramente demonstrado que a defesa se mostra um dever de toda a sociedade internacional, justamente por acarretar reflexos transfronteiriços, afetando todos os sujeitos e ambientes existentes no globo. Desse modo, a proteção do meio ambiente, considerando ainda a preservação da natureza em todos os seus aspectos, tem como principal objetivo tutelar o meio ambiente em virtude do direito à sadia qualidade de vida, em todos os seus desdobramentos, e compondoum dos pilares dos direitos fundamentais da pessoa humana. Importante trazer um paralelo sobre os direitos humanos, tecendo breves comentários sobre seu conceito. Assim, Mazzuoli (2021) apresenta como: Direitos inscritos (positivados) em tratados e declarações ou decorrentes de costumes de índole internacional. Trata-se daqueles direitos que já ascenderam ao patamar do Direito Internacional Público, para além, portanto, do domínio reservado do Estado. (MAZZUOLI, 2021, p. 761) 20 Portanto, contemporaneamente, não existe mais a divisão dos direitos humanos em gerações, mas a prevalência, hoje, é da sua conjugação e fortalecimento em benefício dos direitos de cada pessoa. Apesar da afirmação já apresentada da superação da classificação dos direitos humanos em gerações, importante apresentá-la a título de conhecimento, pois corriqueiramente são utilizadas essas expressões junto aos direitos humanos, especialmente quando são tratados características ou conceitos de direitos específicos e que compõe o rol de direitos humanos: Figura 1 – Classificação dos Direitos Humanos em dimensões Fonte: elaborada pela autora. Atualmente, pode-se considerar que tais direitos possuem conteúdo indivisível, afastando-se a classificação tradicional de gerações de direitos diante da necessidade de defesa de todos os direitos dos seres humanos, sem qualquer ideia de gradação, hierarquia, importância e segmentação, destacando a necessidade e relevância da defesa de todos os direitos humanos, uma vez que todos se complementam e se relacionam. 21 Outro ponto que merece considerações, versa sobre as características presentes nos direitos humanos, que são capazes de diferenciá-los de outros tipos, especialmente em relação aos presentes no âmbito interno, sendo: • Historicidade: os direitos humanos são construídos com o passar dos anos, com maior intensificação a partir de 1945, com o surgimento da Organização das Nações Unidas, e evoluem com o passar do tempo. • Universalidade: são titulares dos direitos humanos todas as pessoas independentemente de qualquer outra condição como raça, sexo, religião, gênero ou afinidade política. • Essencialidade: possuem como conteúdo e valores supremos do ser humano, a dignidade humana quanto a sua matéria e no âmbito formal adquire essa status de primazia sobre as demais normas. • Irrenunciabilidade: não permitindo que qualquer ser humano abra mão ou autorize a violação ao conteúdo desse direito. • Inalienabilidade: proíbe sua não investidura por parte de seu titular, não permitindo a transferência ou cessão de direitos humanos a outras pessoas, sendo indisponíveis e inegociáveis. • Inexauribilidade: significa que os direitos humanos podem sofrem expansão, ou seja, ser acrescidos de novos direitos a qualquer tempo. • Imprescritibilidade: os direitos humanos não se esgotam com o decurso do tempo, podendo ser pleiteados a qualquer momento, não se operacionalizando a perda de seu exercício em razão da prescrição. • Vedação do retrocesso: os direitos humanos devem sempre agregar um benefício ao ser humano, não sendo possível que 22 o Estado forneça proteção em grau menor do que já havia sido estabelecido, desse modo, os Estados estão proibidos de retroceder em matéria de proteção dos direitos humanos. • Indisponibilidade: o titular de direitos humanos não pode transferir, alienar, extinguir ou modificar o direito, devendo exercê-lo nos termos que a lei determinar, se vinculando à característica de irrenunciabilidade já apresentada, que apresenta a mesma ideia, ou seja, da impossibilidade de desvincular da observância destes. O reconhecimento do direito ao meio ambiente ocorre com o advento da Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em 1948, e de responsabilidade das Organizações das Nações Unidas, sendo o referencial ético para a sociedade internacional no que versa sobre a proteção internacional do meio ambiente. Contudo, foi com a Declaração de Estocolmo, de 1972, que houve a apresentação e regulação de ideais comuns da sociedade internacional no que tange à proteção do meio ambiente no âmbito internacional, e é possível verificar isso na análise do princípio I da Declaração de Estocolmo: O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. A este respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira são condenadas e devem ser eliminadas. (ONU, 1972, p. 10) Por meio da Declaração de Estocolmo, proliferou o surgimento de tratados internacionais sobre o meio ambiente, o que se mostra de grande relevância para o Direito Internacional e especialmente para a proteção do meio ambiente. 23 Por fim, verifica-se que, com o advento de textos internacionais para a defesa do meio ambiente e com o auxílio das Organizações das Nações Unidas, o Direito Ambiental Internacional se desenvolveu e é possível considerar que a proteção do meio ambiente está inserida no rol de direitos humanos, fomentando sua caracterização como jus cogens, ou seja, norma cogente aos países membros. 2. A proteção do meio ambiente nas instâncias regionai Com a consolidação da defesa do meio ambiente no âmbito internacional/ universal, especialmente fomentado pela Organização das Nações Unidas, sua ampliação e disseminação de proteção junto aos demais sistemas, especialmente os de vocação regional seria um fluxo natural. Contemporaneamente, essa afirmação acaba sendo uma verdade, contando com a proteção do meio ambiente em diversos documentos internacionais de atuação regional, especialmente considerando os princípios apresentados junto à Declaração de Estocolmo, que trata da proteção do meio ambiente, da vida digna ao homem e da proteção das gerações presentes ou futuras. Importante retomar a ideia dos ordenamentos jurídicos existentes no mundo, onde comumente são encontrados como sistemas, ora universal, como também regional. O sistema universal abarca as organizações e documentos de atuação global, envolvendo Estados independentemente de sua localização geográfica, como o caso da Organização das Nações Unidas. Já o sistema regional, envolve organizações e documentos para fins específicos e localizados em determinada região/ continente, como o caso da Organização dos Estados Americanos (OEA) e a União Europeia. 24 Para exemplificar os ordenamentos e os sistemas internacionais, é apresentada a figura abaixo: Figura 2 – Sistemas Internacionais Fonte: elaborada pela autora. Analisando especificamente os sistemas regionais, inicia-se a análise pelo sistema Interamericano. No sistema interamericano, existe o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1988, conhecido também como Protocolo de San Salvador. Em seu artigo 11, é possível verificar a defesa do meio ambiente: 25 1. Toda pessoa tem direito a viver em meio ambiente sadio e a contar com os serviços públicos básicos. 2. Os Estados Partes promoverão a proteção, preservação e melhoramento do meio ambiente. (OEA, 1988) Apesar da entrada em vigor, em 1999, do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Organização dos Estados Americanos sempre primou pela proteção e defesa do meio ambiente junto às decisões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que constaram violação de direitos humanos na esfera ambiental, como o caso n. 7615 contra o Brasil, em 1985; o caso da comunidade indígena Awas Tingi Mayagna contra Nicarágua, em 2001, e o casoLa Oroya contra Peru, em 2007. Para todos os casos mencionados foram impostas medidas cautelares como o reconhecimento da violação de direitos humanos. Em relação à atuação da Corte Interamericana, o ponto que dificulta a análise de questões no âmbito ambiental está relacionada ao Tratado que rege a Corte, pois está vinculada à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que apenas apresenta direitos civis e políticos recebendo apenas estas demandas de modo indireto ou reflexo. Já o sistema regional europeu, possui dificuldades no julgamento de demandas na temática ambiental, pois a Corte Europeia de Direitos Humanos se norteia pela Convenção Europeia de Direitos Humanos, onde não consta normas positivadas de cunho ambiental. Isso porque a Corte acaba trazendo decisões pelo mecanismo de julgamento indireto, tratando de direito civis e políticos, de modo a alcançar as questões ambientais, do mesmo modo que a Corte Interamericana. Apesar da dificuldade das Cortes regionais de Direitos Humanos, na atuação junto às demandas de cunho ambiental, existem tratados internacionais diversos de proteção ao meio ambiente de modo direto e indireto, junto a ambos os sistemas regionais, como o caso do Programa 26 Europeu de Mudança do Clima e no âmbito da Organização dos Estados Americanos. Há a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável, que trata das questões de meio ambiente e ainda realizada Cúpulas das Américas sobre o Meio Ambiente, tratando de mecanismos de defesa do meio ambiente além de fomentar tratados internacionais na seara ambiental como o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, conhecido como Acordo de Escazú e assinado em 2021. Já no sistema africano regional, a defesa do meio ambiente está prevista junto à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, sob a responsabilidade da União Africana. Assim, em seu artigo 24, há a previsão de que “todos os povos têm direito a um meio ambiente geral satisfatório, propício ao seu desenvolvimento” (UA, 1981). Importante, ainda, destacar que, no sistema regional africano, há a existência da Corte Africana de Direitos do Homem e dos povos, que é norteada pela Carta acima mencionada e, por essa razão, é capaz de realizar julgamentos com ações que tratam diretamente da questão ambiental. Suscintamente, é possível verificar que apesar das normas de natureza ambiental não estarem previstas junto aos tratados de direitos humanos da maioria dos sistemas regionais, acabam atuando junto às demandas seja por meio de Programas, Tratados e Secretarias, como ainda por decisões de Comissões ou de modo indireto junto às cortes regionais de defesa dos direitos humanos. 3. A defesa do meio ambiente no Direito brasileiro Por fim, necessária a análise da defesa junto à legislação pátria o que deve ser iniciado a partir da Constituição Federal, que estabelece, junto ao seu artigo 225, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, 27 essencial à sadia qualidade de vida e impondo à coletividade e ao poder público a necessidade de preservação e proteção, alcançando não só a presente geração, mas também as futuras. Analisando o trecho acima, é possível depreender que o referido artigo alcança a qualidade de direito fundamental, justamente por alcançar a vida das pessoas e conforme estabelece o artigo 5º, também da Constituição Federal, a garantia de inviolabilidade à vida, compreendendo as mesmas características elencadas junto ao Direito Internacional. Portanto, pode-se afirmar que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental e indisponível, ou seja, um direito não passível de transferência, alienação, modificação ou extinção. Dessa forma, é possível confirmar que a Constituição Federal elenca o meio ambiente como categoria de direito fundamental justamente por apresentar a característica de indisponibilidade e, consequentemente, da essencialidade para o usufruto de uma vida digna. Expandindo a análise para além da Constituição, o Brasil possui uma grande variedade de legislações destinadas à proteção do ambiente de modo amplo, abarcando a fauna e flora, a biodiversidade, as águas, o ar e, ainda, o clima. Assim, inicialmente, merece estudo a Lei n. 6938/ 81, também denominada e popularmente conhecida como Política Nacional do Meio Ambiente, que apresenta conceitos como poluição, degradação e meio ambiente e os princípios de proteção e preservação de ecossistemas e áreas degradadas. Essa lei, apesar de seu surgimento anterior à Constituição Federal, atualmente vigente, foi totalmente recepcionada pela Constituição de 1988 e, por essa razão, é uma das bases da proteção do meio ambiente no Brasil. Além da Política Nacional do Meio Ambiente, pode-se mencionar outras legislações infraconstitucionais como a Lei n. 9605/1998, que 28 apresenta os crimes ambientais; a Lei n. 12305/2010, que versa sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos; a Lei n. 9985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de unidades de Conservação da Natureza e a Lei n. 11284/2006, que regulamenta a proteção e o uso de recursos da Floresta que compõe a Mata Atlântica. Suscintamente, é possível afirmar que a legislação brasileira constitucional e infraconstitucional se alinha com os textos internacionais na mesma medida que considera o meio ambiente como direito fundamental, do mesmo modo que no cenário internacional que o elenca como um dos direitos que estão inseridos no rol de direitos humanos. Referências ACCIOLY, H. et al. Manual de Direito Internacional Público. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2021. ANTUNES, P. de B. Direito ambiental. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2021. BRASIL. Porto de Suepe. Governo Estadual de Pernambuco. Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Disponível em: https://www.suape.pe.gov.br/images/publicacoes/legislacao/1._1972_ Declaracao_Estocolmo.pdf. Acesso em: 27 jul. 2022. CIDH. Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em: http://www.cidh. org/basicos/portugues/e.protocolo_de_san_salvador.htm. Acesso em: 27 jul. 2022. DHNET. Carta africana dos Direitos Humanos e dos povos. Disponível em: http:// www.dhnet.org.br/direitos/sip/africa/banjul.htm. Acesso em: 27 jul. 2022. MAZZUOLI, V. de O. Curso de Direito Internacional Público. 14 ed. São Paulo: Grupo GEN, 2021. https://www.suape.pe.gov.br/images/publicacoes/legislacao/1._1972_Declaracao_Estocolmo.pdf https://www.suape.pe.gov.br/images/publicacoes/legislacao/1._1972_Declaracao_Estocolmo.pdf http://www.cidh.org/basicos/portugues/e.protocolo_de_san_salvador.htm http://www.cidh.org/basicos/portugues/e.protocolo_de_san_salvador.htm http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/africa/banjul.htm http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/africa/banjul.htm 29 Águas, mares e seus recursos no âmbito internacional Autoria: Fernanda Brusa Molino Leitura crítica: Alessandra Aparecida Sanches Objetivos • Compreender os conceitos sobre mar e recursos marinhos no cenário internacional. • Conhecer os tratados internacionais que versam sobre a proteção dos mares e águas internacionais. • Entender as normas relacionadas à proteção e combate à poluição dos mares e preservação dos recursos marinhos. 30 1. Noções introdutórias sobre o mar e seus recursos O planeta é composto por aproximadamente três quartos de água, compreendendo mais de trezentos milhões de quilômetros quadrados de água. Assim, tem-se o entendimento de que o mar representa algo indivisível, gerando conflitos jurídicos especialmente no âmbito internacional, contudo, atualmente, o que se verifica é a atuação positiva por parte do Direito em relação à regulamentação do mar e de suas implicações jurídicas. O direito do mar tem sua origem consuetudinária, gerando grande arcabouço conceitual e principiológico para o Direito Internacional,sendo que esse tema só passou a ser regulado por tratados internacionais na segunda metade do século XX, com o surgimento da organização das Nações Unidas e a realização das Conferências Internacionais das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, em 1958. O que se verifica é que, antes da Organização das Nações Unidas (ONU), o mar se dividia entre mar territorial e alto-mar, sendo a primeira faixa de soberania dos Estados costeiros e o segundo, pertencente a todos. Outro ponto a se destacar no cenário internacional, especialmente no que tange à regulamentação do Direito Internacional sobre questões do mar e de oceanos, bem como de seus recursos, é a falta de consenso universal sobre questões de interesse global, como a preservação de meio marinho e a não poluição das águas. O que se percebe é uma tendência de harmonização regional das questões jurídicas do mar, e mesmo o que acaba sendo regulamentado por meio de tratados, acaba recebendo a natureza de soft law, ou seja, de caráter recomendatório e não de norma cogente, seja no âmbito regional, e especialmente no âmbito universal, apresentando tratados 31 e documentos de cooperação em sua maioria, facultando aos Estados apenas a adoção de políticas e ações em relação à preservação dos oceanos e recursos como da não poluição. Para o conceito de mar, é necessário seguir com o conceito presente junto à Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, em seu artigo 2º: A soberania de um Estado costeiro estende-se para além do seu território terrestre e águas interiores e, no caso de um Estado arquipélago, o seu arquipélago águas, para um cinturão de mar adjacente, descrito como o mar territorial. Esta soberania estende-se ao espaço aéreo sobre o mar territorial conforme bem como ao seu leito e subsolo. (ONU, 1982, [n. p.]) Outro aspecto necessário, é apresentar o conceito atual de alto-mar, também presente na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, em seu artigo 86, que consiste “em todas as partes do mar que não são incluídos na zona econômica exclusiva, no mar territorial ou no águas interiores de um Estado, ou nas águas arquipélagas de um Estado arquipélago” (ONU, 1982, [n. p.]). Como se verifica nos conceitos acima apresentados e presentes na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, existem outras faixas marítimas com diferenças sobre ações e fiscalizações competentes entre Estados Costeiros, como o caso da zona econômica exclusiva, a zona contígua e o já mencionado mar territorial. Portanto, é possível concluir, mediante a reunião de todos os conceitos relacionados às faixas marítimas presentes na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, que o mar compreende toda a faixa líquida existente no planeta, englobando faixas com soberania exclusiva do Estado costeiro, abarcando as demais áreas, que, gradativamente, acabam reduzindo a ingerência da soberania do Estados até chegar à região que pertence a todos os Estados, incluindo aqueles que não possuem acesso ao mar. 32 Outros documentos importantes no cenário internacional relacionados ao mar são: Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como ECO-92, Rio-92 e Cúpula da Terra, que reuniu cento e setenta e oito países, que buscaram debater sobre a proteção do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento econômico e sustentável. (ACCIOLY, 2021, p. 378) Essa conferência resultou em uma diversidade de documentos relevantes, como a Carta da Terra, a Convenção sobre Diversidade Biológica, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e a Agenda 21, além de outros. Em relação aos mares e oceanos, pode-se mencionar a Agenda 21, que consiste em um programa de ação que buscou viabilizar um padrão de desenvolvimento racional articulado com a proteção do meio ambiente, sendo suas bases norteadas em métodos de proteção ambiental e eficiência econômica, sendo dividido em quarenta capítulos temáticos. Nesse programa, há um capítulo inteiramente destinado aos oceanos e mares sendo titulado Proteção dos oceanos e dos mares de todo tipo, incluídos os mares fechados e semifechados e as zonas costeiras, e o uso racional e o desenvolvimento de seus recursos vivos. Nesse capítulo, são apresentadas as áreas do programa, ações, formas de gerenciamento e fontes de financiamento para a defesa e proteção de oceanos e dos recursos vivos marinhos. Entre as principais áreas de atuação do programa, pode-se mencionar: 33 Figura 1 – Áreas do programa referentes ao capítulo Proteção dos oceanos e dos mares de todo tipo, incluídos os mares fechados e semifechados e as zonas costeiras, e o uso racional e o desenvolvimento de seus recursos vivos, junto à Agenda 21 Fonte: elaborada pela autora. Como se verifica, é possível constatar que, atualmente, impera a necessidade da articulação da defesa do meio ambiente marinho e de seus recursos, bem como o fomento do desenvolvimento econômico e das negociações comerciais internacionais. Contudo, também é reconhecida a falta ou pouca efetividade que as normas internacionais destinadas à proteção do meio ambiente marinho, das águas, dos oceanos e dos mares, justamente pela falta de consenso universal para a definição das normas que regulam esse ambiente, tão importante e pouco fiscalizado, considerando as questões jurídicas e normativas no âmbito internacional. 34 2. A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar é um tratado internacional, celebrado em Montego Bay, na Jamaica, em 1982, definindo e codificando conceitos presentes no Direito Internacional costumeiro, relativos aos temas e questões marítimos como mar territorial, zona econômica exclusiva, plataforma continental e apresentando princípios gerais referentes à exploração dos recursos naturais do mar, como recursos vivos, do solo e do subsolo. Esta Convenção versa sobre os mares e oceanos de modo amplo e extenso, abarcando questões e elementos como a preservação do meio ambiente e, ainda, sobre questões relacionadas à fiscalização e exercício da soberania. A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, após seu surgimento, substitui as Convenções de Genebra sobre o Direito do Mar, celebradas em 1958. Assim, surge um documento muito mais robusto e completo em termos normativos, porém, sem mecanismos que permitam sua implementação imediata, necessitando de auxílio do surgimento de regulamentações mais especificas para esse fim. Apesar dessa falha de mecanismos de implementação, não restam dúvidas de que a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar representa a evolução normativa e regulatório para as questões do mar e de preservação de seus recursos vivos ou não, até mesmo considerando que apresenta temas inovadores, apesar de apresentar conceitos já utilizados e previstos junto às normativas antigas e até mesmo do direito costumeiro internacional. Em relação às disposições específicas de preservação ambiental, a Convenção das Nações Unidas apresenta diversas modalidades de poluição do mar, estando vinculado à sua origem como a advinda do ambiente terrestre, as provenientes de atividades na área, a decorrente de embarcações e ainda as provenientes da atmosfera entre outros. 35 Outro fator preponderante e muito evidenciado nesta Convenção se relaciona à preocupação em regulamentar e balancear o uso dos oceanos e de seus recursos pelos estados, de modo a fomentar a preservação do meio ambiente marinho conciliado com o uso racional e sustentável. Este documento internacional promove a necessidade de maior cooperação internacional entre os Estados, contudo, não estabelece padrões de comportamento e condutas em relação às violações de valores e conteúdo de normas dispostas, o que enfraquece sua efetivação e implementação concreta. A Convenção das Nações Unidas está estruturada em: a. Divisãoe conceituação do mar e suas faixas, estabelecendo atribuições e ações permitidas aos Estados parte e costeiros, apresentando as faixas de mar territorial, zona contigua, zona econômica exclusiva, plataforma continental e o alto mar. b. Regime das ilhas. c. Mares fechados, tratando de conceitos e regras. d. Direito de acesso ao mar de Estados sem litoral e sobre a liberdade de trânsito. e. Sobre o leito do mar, os fundos marinhos, e o seu subsolo, apresentado conceitos e normas sobre exploração. f. Proteção e preservação do meio marinho. g. A investigação científica no mar e seu desenvolvimento. h. Desenvolvimento e transferência de tecnologia marinha. Um ponto de destaque, nesta Convenção, é a questão do fundo do mar e sua exploração, sendo apresentados os princípios norteadores que regem o leito e o fundo do mar presentes nos artigos 136 a149, sendo os que aparecem na figura abaixo. 36 Figura 2 – Princípios regentes do fundo do mar presentes na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar Fonte: elaborada pela autora. Assim, entre os pontos de atenção sobre o fundo do mar, estão a necessidade de cooperação internacional com objetivo de salvaguardar o meio marinho e seus recursos, sejam vivos e não vivos, de modo a fazer o uso racional e seguro, permitindo a participação de todos os Estados e observando seu uso pacífico de modo a assegurar o desenvolvimento, manutenção da paz e justiça social. A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar ainda trata da responsabilidade, seja em relação às questões de danos às embarcações como também em relação aos danos ocorridos no mar, sejam em relação ao mar territorial alcançando o alto mar. Esse tema é abordado de modo pouco efetivo, contudo apresenta expressamente a possibilidade de aplicação de outras medidas, incluindo a possibilidade de reclamação judicial para reparação e responsabilização do Estado. 37 Outro aspecto relevante versa sobre a poluição terrestre, que é apresentada, e corresponde a maior parcela de poluição junto ao mar, e acaba sendo pouco efetiva, em razão de seu encaminhamento por intermédio das águas interiores, que acaba sendo regida e normatizada por normas internas de cada Estado. Por fim, tema de repercussão atual versa sobre a poluição advinda da atmosfera, que afeta o meio marinho e seus recursos vivos, especialmente considerando a questão do efeito estufa impactando o aquecimento do planeta e das chuvas ácidas que ocasionam a poluição e mortandade de espécimes marinhos. Esse ponto apesar de expresso, necessita da articulação de outros documentos internacionais e, necessariamente, da adoção da cooperação internacional. Uma criação, apresentada pela Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, foi o Tribunal Internacional do Direito do Mar, que é o órgão competente para julgar as controvérsias relacionadas à interpretação e aplicação do referido tratado que o criou. Portanto, a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar representa uma grande evolução, apesar de suas falhas e falta de aplicabilidade imediata, porém, trata-se de um documento completo que abarca todas as temáticas relativas aos oceanos, seus recursos e seu uso. 3. O combate à poluição dos mares e a preservação dos recursos marinhos Além da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, há uma série de outros documentos relevantes que versam sobre a proteção e preservação dos mares e seus recursos. Primeiramente, será abordada a Convenção Internacional para Prevenção da Poluição Proveniente de Embarcações, firmada em 1973, também conhecida como MARPOL, sendo um tratado com o objetivo 38 de estabelecer regras e padrões a serem seguidos para a proteção dos mares e seus recursos, considerando as diversas formas de poluição. A versão de 1973 nunca vigorou, sendo que, em 1978, houve um protocolo com alterações, tendo maior aceitação, o que gerou maior número de ratificações, permitindo a vigência do Protocolo de 1978, no ano de 1983. Com o surgimento da MARPOL, a Convenção Internacional para Prevenção da Poluição do Mar por Óleo, conhecida como OILPOL, de 1954, foi substituída, apesar de muitos países se vincularem apenas a ela mesmo após a vigência e alterações realizadas junto à MARPOL (ACCIOLY, 2021, p 378.) Desde seu surgimento, a MARPOL foi emendada vinte e seis vezes, possuindo um texto muito detalhado e, por conseguinte, extenso, especialmente se compará-la com o antigo texto relacionado à OILPOL. Importante destacar que a poluição dos mares não decorre apenas do vazamento de óleo e de acidentes, mas também se deve à lavagem de embarcações e de seus tanques que acabam sendo descartados no mar. A MARPOL acabou abarrancando outros poluentes do mar além do óleo, apresentando regras de poluição por cargas líquidas nocivas, por substâncias perigosas transportadas em containers, pelo esgoto de navios, pelo descarte de resíduos por navios além da poluição atmosférica promovida por navios, sendo todas essas outras formas de poluição contidas em seus anexos. No que se refere aos recursos marinhos, vale atenção aos recursos vivos, que possuem grande interesse de exploração e estão presentes junto aos tratados de biodiversidade de modo mais recente. Contudo, os documentos mais antigos e iniciais versavam especificamente sobre a exploração desses recursos, sendo apresentados em tratados sobre pesca e exploração de espécies. Junto ao mar, foi o que prevaleceu e se consolidou, diante da prática costumeira era a liberdade de pesca em alto mar, sendo um princípio, porém muito questionado por alguns países a partir da década de 1960. Assim, surgem e se proliferam leis internas e tratados internacionais de âmbito bilateral ou regional, que passam a regular a pesca e a 39 exploração de diversas espécies marinhas, em prol da manutenção da espécie que corriam o risco de extinção diante da alta procura. Isso suscitou uma série de demandas junto às cortes internacionais, como o Tribunal Internacional do Direito do Mar e a Corte Internacional de Justiça, questionando a interpretação da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar. O tema sobre pesca e a aplicação da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar só foi pacificada com o surgimento do Acordo para Implementação das Disposições da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 10 de dezembro de 1982, sobre a Conservação e Ordenamento de Populações de Peixes Transzonais e de Populações de Peixes Altamente Migratórios, firmado em 1995. Esse acordo tem como objetivo garantir a conservação de longo prazo e o uso sustentável de populações de peixes transzonais, e de populações de peixes altamente migratórios mediante a implementação efetiva das disposições pertinentes da Convenção. Ademais, foram adotadas regras de soft law, como diretrizes sobre pesca e o Código de Conduta para Pesca Responsável, de responsabilidade da FAO e articulada com a Agenda 21, Suscintamente, o que se verifica é a necessidade de ampliação de textos internacionais, com o fim de proteção e preservação dos recursos marinhos, sejam vivos ou presentes no subsolo ou solo, como ainda mecanismos e programas de mitigação de poluição nos mares por meio da responsabilização e reparação de danos. Referências ACCIOLY, H. et al. Manual de Direito Internacional Público, 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2021. ANTUNES, P. de B. Direito Ambiental. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2021. MAZZUOLI, V. de O. Curso de Direito Internacional Público. 14 ed. São Paulo: Grupo GEN, 2021. 40 ONU. Acordo para implementação das disposições da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar sobre a conservação e ordenamento de populações de peixes transzonais e de populações de peixes altamente migratórios. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/ D4361.htm. Acesso em: 29 jul. 2022. ONU. Agenda 21. Disponível em: https://antigo.mma.gov.br/responsabilidade- socioambiental/agenda-21/agenda-21-global.html.Acesso em: 29 jul. 2022. ONU. Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar. Disponível em: https://www.un.org/depts/los/convention_agreements/texts/unclos/unclos_e.pdf. Acesso em: 29 jul. 2022. ONU. Convenção Internacional para Prevenção da Poluição Proveniente de Embarcações. Disponível em: https://www.ifpb.edu.br/cabedelocentro/cursos/epm/ acesso-a-informacao/legislacao/normas-internacionais-final/marpol-convencao- internacional-para-a-prevencao-da-poluicao-por-navios-1973.pdf. Acesso em: 29 jul. 2022. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4361.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4361.htm https://antigo.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-global.html https://antigo.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-global.html https://www.ifpb.edu.br/cabedelocentro/cursos/epm/acesso-a-informacao/legislacao/normas-internaciona https://www.ifpb.edu.br/cabedelocentro/cursos/epm/acesso-a-informacao/legislacao/normas-internaciona https://www.ifpb.edu.br/cabedelocentro/cursos/epm/acesso-a-informacao/legislacao/normas-internaciona 41 Proteção do Clima Autoria: Fernanda Brusa Molino Leitura crítica: Alessandra Aparecida Sanches Objetivos • Compreender a evolução das normas sobre o clima e seus conceitos no direito internacional. • Conhecer e aplicar as normas presentes na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. • Entender as regras e os objetivos presentes no Protocolo de Quioto e no Acordo de Paris. 42 1. Negociações e noções introdutórias sobre o clima no Direito Internacional Desde a realização da Conferência das Nações Unidas, sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano, em 1972, o Direito Internacional evolui e se consolidou como um grande pilar junto à área jurídica no mundo e no cenário internacional. Com o advento da Declaração de Estocolmo e a publicação do relatório de Bruntdland, também conhecido como Relatório Nosso Futuro Comum, em 1987, o clima foi posto em debate global, saindo da esfera acadêmica cientifica, com o lema de promoção do desenvolvimento sustentável (ACCIOLY, 2021, p. 243). Assim, com essa promoção de debates, especialmente no âmbito internacional, o clima passou a receber mais atenção e diversos textos foram surgindo diante dos eventos internacionais que foram realizados. Inicialmente, o evento de maior destaque que merece atenção é a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que ocorreu no Rio de Janeiro, em 1992, vinte anos após a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano. Essa conferência, de 1992, também recebeu outras denominações, popularmente adotadas como Rio-92, ECO-92 e até Cúpula da Terra (ACCIOLY, 2021, p. 244). Portanto, com a realização da Conferência das Nações Unidas, sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, fomentou-se ainda mais o desenvolvimento do Direito Internacional Ambiental, reconhecendo a necessidade imperativa do desenvolvimento sustentável. Esse evento resultou diversos documentos internacionais importantes, como a Agenda 21, que é um programa com ações detalhadas para promover o desenvolvimento econômico articulado com a proteção e preservação do meio ambiente e de seus recursos naturais. 43 Ademais, outro documento relevante advindo dessa Conferência foi a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que buscou um mecanismo para mitigar e reduzir os gases causadores do efeito estufa. Desse modo, o que compreende o efeito estufa? Para responder a está questão é necessário buscar auxílio junto à própria Convenção-Quadro em seu preâmbulo, que apresenta suscintamente o evento que originou o documento. Assim, é conceituado como efeito natural que resulta “em aquecimento adicional da superfície e da atmosfera da Terra, afetando negativamente os ecossistemas naturais e a humanidade” (ONU, 1992, [n. p.]). Esse aquecimento da Terra deveria ser um processo de benefício para aquecer a superfície, permitindo a permanência dos homens, animais e plantas na superfície, contudo, esse aquecimento adicional é gerado pela presença e alta concentração de gases causadores do efeito estufa, em razão da potencialização de retenção de raios, impedindo sua dissipação para a atmosfera. Desse modo, em termos práticos, é possível conceituá-lo como um processo natural que ocorre quando uma parte da radiação infravermelha é emitida pela superfície terrestre e absorvida por determinados gases presentes na atmosfera, resultando no aumento de temperatura da superfície terrestre. Outros documentos internacionais contribuíram para culminar na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e o desenvolvimento da proteção do clima no direito internacional, devendo considerar a contribuição da Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio, de 1985, que estabeleceu obrigações gerais para o combate aos efeitos contrários junto à camada de ozônio, fomentando mecanismos de cooperação (ACCIOLY, 2021, p. 234), e ainda do Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio, de 1987, impondo obrigações especificas com o objetivo de redução progressiva da produção e consumo de Substâncias 44 que Destroem a Camada de Ozônio (SDOs) (ACCIOLY, 2021, p. 238). Ambos os documentos contribuíram com a consolidação do princípio da precaução, muito presente no Direito Ambiental Internacional e presente ainda na legislação nacional brasileira. Suscintamente, é possível constatar que o clima é um tema de preocupação e promoção de sua proteção na seara internacional, sendo especialmente ampliada com o surgimento de tratados internacionais de defesa da atmosfera e da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a partir da década de 1980. 2. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima Com o advento da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, como resultado da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, o clima passa a ter uma posição de destaque no Direito Ambiental Internacional, de modo contemporâneo, gerando profundos debates ainda nos dias de hoje. Contudo, antes disso, a Organização das Nações Unidas, em 1988, cria a Comissão Internacional denominada Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC), regido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) e da Organização Mundial de Meteorologia, objetivando realizar estudos políticos e pesquisas na área das ciências naturais sobre as causas e efeitos da mudança do clima de modo permanente. Com isso, em 1990, foi apresentado o primeiro relatório do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas, abarcando as contribuições dos homens para o aquecimento global, a partir da emissão dos gases, especialmente os oriundos da combustão de combustíveis fosseis (ACCIOLY, 2021, p. 243). Após isso, surgiram prognósticos alarmantes em anos posteriores, em relação aos efeitos negativos do aquecimento 45 global, acarretando uma preocupação comum da humanidade sobre o clima e a manutenção da vida no planeta. Diante dessa preocupação mundial, a Organização das Nações Unidas institui o Comitê Intergovernamental para a Convenção sobre Mudança Climática para dar início às negociações que resultaram na Convenção- Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. A adoção do documento na espécie Convenção-Quadro não foi por acaso, já que documentos dessa espécie buscam apenas apresentar objetivos e obrigações abstratas, dependendo de sua aplicação e concretização junto à documentos posteriores, estabelecendo um processo de desenvolvimento contínuo e realizado em etapas junto às instituições relacionadas para esse fim. A Convenção se segmenta em quatro tipos de normas que a compõe, sendos: Figura 1 – Espécies de normas que compõe a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima Fonte: elaborada pela autora. 46 Desse modo,a Convenção-Quadro apresenta em seus dispositivos introdutórios as definições ter termos utilizados, princípios e objetivos. No campo dos dispositivos relacionados às fontes de emissões e à redução da concentração de gases, que favorecem o aquecimento global, há a apresentação obrigações e informações sobre os gases causadores como o estabelecimento de metas para redução de emissão desses gases, além de mecanismos que promovam a cooperação e a troca de informação para a redução do efeito estufa. Isso na área destinada aos dispositivos para instituição de organismos necessários para a implementação das normas, especialmente em razão do seu caráter técnico e de procedimentos que devem ser seguidos. Por fim, uma parte destinada aos dispositivos que terão relação com a alteração da Convenção, surgimentos de anexos, de protocolos e suas respectivas vigências, em virtude da natureza do texto que os originou. O principal objetivo da Convenção-Quadro está previsto junto ao seu artigo 2º: O objetivo final desta Convenção e de quaisquer instrumentos jurídicos com ela relacionados que adote a Conferência das Partes é o de alcançar, em conformidade com as disposições pertinentes desta Convenção, a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático. Esse nível deverá ser alcançado num prazo suficiente que permita aos ecossistemas adaptarem-se naturalmente à mudança do clima que assegure que a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita ao desenvolvimento econômico prosseguir de maneira sustentável. (ONU, 1992, [n. p.]) Portanto, a Convenção-Quadro busca a redução da emissão dos gases causadores de efeito estufa ao padrão de estabilização, que impeça a interferência humana de modo perigoso ao sistema climático global, sendo esse limite ou índice estabelecido junto aos documentos posteriores de implementação que complementarão a Convenção-Quadro. 47 Ademais, são previstos os princípios que devem ser seguidos pelos Estados- membros da Convenção e expressos junto ao seu artigo 3º, sendo: • Responsabilidade comum, porém, diferenciada: onde todos são obrigados a proteger o clima, contudo, observando sua responsabilidade diferenciada em relação à sua atuação histórica e encargos a assumir. • Atendimento às necessidades dos países mais vulneráveis: ante aos efeitos negativos da mudança do clima, há a necessidade de atendimento aos países vulneráveis, especialmente dos países em desenvolvimento. • Da precaução: corresponde à necessidade de adoção de medidas preventivas, para evitar ou minimizar os efeitos negativos em relação à mudança do clima, mesmo diante da falta de certeza científica à postergação de medida que auxilie na mitigação de efeitos negativos ao clima, não são admissíveis. • Do desenvolvimento sustentável: todos devem promover políticas e medidas com o fim de proteger o clima diante de mudanças causadas pelo homem, porém, promovendo o desenvolvimento econômico e social, de modo racional. • Da cooperação internacional: os países devem articular mecanismos e ações integradas e colaborativas, a fim de promover o desenvolvimento econômico sustentável e que auxilie no enfrentamento dos problemas advindos da mudança do clima. A Convenção-Quadro ainda estabelece, em seu artigo 4º, obrigações exclusivas aos países desenvolvidos, devendo estes colaborar economicamente e tecnologicamente junto aos países em desenvolvimento no enfrentamento aos efeitos negativos advindos da mudança do clima, seja realizando a transferência de recursos financeiros como também de transferência de conhecimento e de acesso às tecnologias limpas. 48 A Convenção ainda apresenta mecanismos de cooperação para alcance de metas entre os países-membros e estabeleceu um fundo de financiamento para a aquisição e transferência de tecnologia para minimizar os efeitos negativos da mudança climática e da emissão de gases causadores de efeito estufa. Por fim, é importante mencionar a Conferência das Partes (COP), sendo o órgão supremo da Convenção-Quadro, sendo a entidade responsável pela implementação da Convenção-Quadro e seus instrumentos jurídicos que venham a ser adotados, devendo, ainda, ser responsável pela tomada de decisão para a correta execução da Convenção-Quadro e de seus instrumentos jurídicos complementares. A primeira Conferência das Partes (COP) ocorreu em 1995 e, anualmente, se operacionalizam para buscar a implementação da Convenção-Quadro. Resumidamente, pode-se afirmar que a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima é o marco inicial para o desenvolvimento de instrumentos legais e mecanismos de cooperação para a redução da emissão de gases causadores do efeito estufa, e de mitigação dos efeitos negativos da mudança climática no mundo, sendo um dever coletivo para a mudança de paradigma e a adoção plena dos princípios expressos em seu texto. 3. Do Protocolo de Quioto ao Acordo de Paris Como se verifica a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, é um documento relevante na defesa do clima, porém, sozinha não traz efeitos práticos, necessitando, para isso, de outros instrumentos, documentos internacionais e implementação de ações e programas de modo cooperativo. 49 Portanto, para implementar efetivamente a Convenção-Quadro, é necessária a criação e surgimento de outros documentos internacionais que versem especificamente sobre mecanismos, ações e novos padrões a serem seguidos pelo mundo, de modo a renovar e continuar o processo de redução de emissão dos gases causadores de efeito estufa, de modo a não gerar o aquecimento além do previsto e necessário para a vivência humana. Assim, o primeiro documento subsequente e de grande relevância para a efetivação de mudanças e mitigação dos efeitos negativos da mudança do clima se concentram no Protocolo de Quioto, que surge com a realização da terceira Conferência das Partes, que ocorreu em 1997. A vigência do texto do ocorreu em 2005, quando alcançou a meta estabelecida de ratificação de pelo menos cinquenta e cinco estados-partes da Convenção, cujas emissões correspondem no total de ao menos cinquenta e cinco por cento das emissões de dióxido de carbono registrados em 1990. Portanto, para sua validade, já enfrentou dificuldades para agregar mais da metade das emissões causadoras do efeito estufa, evidenciando a falta de interesse de países que mais contribuíram para essa emissão, especialmente os desenvolvidos, como o caso dos Estados unidos da América e, apenas para evidenciar o dado, o número de países que ratificaram o Protocolo foram cento e sessenta e um países que concentravam aproximadamente sessenta e um por cento das emissões de dióxido de carbono referente ao ano de 1990. O objetivo do protocolo de Quioto está previsto em seu artigo 3º: As Partes incluídas no Anexo I devem, individual ou conjuntamente, assegurar que suas emissões antrópicas agregadas, expressas em dióxido de carbono equivalente, dos gases de efeito estufa listados no Anexo A não excedam suas quantidades atribuídas, calculadas em conformidade com seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões descritos no Anexo B e de acordo com as disposições deste Artigo, com vistas a reduzir suas emissões totais desses gases em pelo menos 5 por cento abaixo dos níveis de 1990 no período de compromisso de 2008 a 2012. (ONU, 1997, [n. p.]) 50 Desse modo, o objetivo, previsto junto ao protocolo de Quioto, corresponde a uma redução de cinco por cento das emissões de gases causadores do efeito estufa, descritos no Anexo A, devendo ser realizada obrigatoriamente pelos países constantes no Anexo B, entre o período de 2008 a 2012, tendo como referencial a base de informações realizadas no ano de 1990. O Protocolo de Quioto ainda implementou algumas outras regras, como: • A necessidade de implementação de políticas e medidas nacionaispara mitigação dos efeitos negativos da mudança climática junto aos Estados do Anexo B. • Estabelecimento de metas de redução de emissões compulsórias individuais para cada Estado. • Transmissão de informações sobre fontes e emissões antrópicas, além dos inventários anuais de cada Estado para o Secretariado da Convenção. • Portanto, o Protocolo é um texto muito mais avançado e vinculativo se o comparar com a Convenção-Quadro. Outro aspecto importante é que, na necessidade de implementação de medidas e políticas para a mitigação de efeitos negativos da mudança climática, buscando a redução dos níveis de emissão de gases causadores do efeito estufa, estas deveriam ocorrer internamente. Contudo, o Protocolo de Quioto flexibilizou essa mitigação por meio do estabelecimento dos Mecanismos de Flexibilização, permitindo que Estados-parte do Protocolo realizassem atividades e projetos desenvolvidos em cooperação com outros Estados, sendo possível contabilizá-la junto às metas estabelecidas individualmente, para fomentar o atingimento das metas propostas. 51 Vale destacar que esses mecanismos de flexibilização só foram admitidos para cumprimento de metas de redução pelos Estados- parte, desde que utilizados de modo subsidiário e complementar às medidas nacionais que foram implementadas para esse fim dentro de seu território. Os mecanismos de flexibilização expressos junto ao Protocolo de Quioto são: Figura 2 – Mecanismos de flexibilização do Protocolo de Quioto Fonte: elaborada pela autora. O Protocolo de Quioto tinha a vigência prevista para 2012, contudo, na COP 18, realizada em 2012, no Qatar, houve a Emenda de Doha, que estendeu a vigência do Protocolo de Quioto até 2020. Para a continuação dos mecanismos de redução da emissão dos gases causadores do efeito estufa, era necessário um novo instrumento internacional. E na COP 21, realizada em 2015, em Paris, em que houve a 52 aprovação pelas Parte do Acordo de Paris, que estabeleceu como meta manter o aumento da temperatura média global a menos de 2 °C acima dos níveis industriais e realizar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais (ACCIOLY, 2021, p. 247). Para esse documento, foi adotado como mecanismo de implementação da redução da emissão dos gases causadores do efeito estufa o uso da Contribuição Nacionalmente Determinada,” (NDC), devendo cada Estado-Parte definir sua meta a ser alcançada e sem qualquer menção acerca dos mecanismos de flexibilização já presentes no Protocolo de Quioto, o que mostra um retrocesso, porém, um alinhamento no fim da bipolarização entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, apesar da consolidação do princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada. Em suma, houve o surgimento de um novo documento internacional, substituindo o Protocolo de Quioto já vigente, pois sua vigência de efetivou em 2016. Apesar desse novo documento, verifica-se uma atuação mais relaxada em relação ao anterior, apesar de existirem outros mecanismos de implementação previstos, mas pendentes de complementações e podem ser efetivadas com a próxima COP. Referências ACCIOLY, H. et al. Manual de direito internacional público, 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2021. ANTUNES, P. de B. Direito ambiental, 22 ed. São Paulo: Atlas, 2021. MAZZUOLI, V. de O. Curso de direito internacional público, 14 ed. São Paulo: Grupo GEN, 2021. ONU. Acordo de Paris. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/node/88191. Acesso em: 29 jul. 2022. ONU. Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2652.htm. Acesso em: 29 jul 2022. ONU. Protocolo de Quioto. Disponível em: http://mudancasclimaticas.cptec.inpe. br/~rmclima/pdfs/Protocolo_Quioto.pdf. Acesso em: 29 jul. 2022. https://brasil.un.org/pt-br/node/88191 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2652.htm http://mudancasclimaticas.cptec.inpe.br/~rmclima/pdfs/Protocolo_Quioto.pdf http://mudancasclimaticas.cptec.inpe.br/~rmclima/pdfs/Protocolo_Quioto.pdf 53 Sumário Apresentação da disciplina Introdução ao direito ambiental internacional Objetivos 1. Conceitos e evolução histórica do Direito Ambiental Internacional 2. Princípios do Direito Ambiental Internacional 3. Fontes de Direito Ambiental Internacional Referências Meio Ambiente e Direitos Humanos Objetivos 1. O direito ao meio ambiente e sua vinculação aos direitos humanos 2. A proteção do meio ambiente nas instancias regionais 3. A defesa do meio ambiente no Direito brasileiro Referências Águas, mares e seus recursos no âmbito internacional Objetivos 1. Noções introdutórias sobre o mar e seus recursos 2. A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar 3. O combate à poluição dos mares e a preservação dos recursos marinhos Referências Proteção do Clima 1. Negociações e noções introdutórias sobre o clima no Direito Internacional 2. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima 3. Do Protocolo de Quioto ao Acordo de Paris Referências
Compartilhar